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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA SOS SENADORES.

19.ª Sessão, em 23 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Machado, 1.° Secretario.)

TRES quartos depois da uma hora da tarde, foi aberta a Sessão, verificando-se estarem presentes 43 Srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente Sessão, ficou approvada.

Estando presente tambem o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, passou-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno.

Leu-se o §. 10.º, que havia ficado adiado na antecedente Sessão. (V. Diario N.º 190, a pag. 994.) É concebido nestes termos:

«As relações de commercio e amizade entre Portugal e o Brasil são fundadas em tantos, e tão claros motivos de reciproco interesse e benevolencia, que a Camara dos Senadores não póde deixar de adoptar a lisonjeira esperança, que Vossa Magestade manifesta, de as vêr consolidadas em breve por meio de ajustes diplomaticos mutuamente vantajosos.»

Tinha a palavra

O Sr. Conde de Villa Real: — Sr. Presidente, por occasião da discussão sobre a negociação do Tractado do Commercio com, o Brasil, tem-se fallado no Tractado da independencia, e no facto da independencia daquelle Imperio. Considero, Sr. Presidente, que estas materias tem uma certa connexão, porque era na occasião de se assignar o Tractado da independencia, que se deviam ter fixado as nossas relações commerciaes com é Brasil.

Sem me demorar em reflexões sobre as causas, que existiam na natureza das cousas, e pelas quaes se podia presumir que a independencia do Brasil se havia de verificar em uma época mais ou menos remota, devemos reconhecer que ficou decidida, essa independencia desde que a Côrte se estabeleceu no Rio de Janeiro, com todo o apparato dos Tribunaes que havia em Portugal. Verdade é que isso aconteceu no tempo em que os Francezes occupavam este Reino, mas mesmo depois da sua expulsão era facil conhecer que se tornava realmente impossivel que o Brasil, levado áquelle estado, quizesse ficar dependente de Portugal. (Apoiados.) Deram-se porém circumstancias, e póde dizer-se que houve imprudencias, que fizeram com que na volta do Senhor D. João 6.º para Portugal se azedassem os espiritos das pessoas que podiam (obrando de accôrdo) conseguir que se tirasse o partido possivel da separação do Brasil: entenda-se porém que dizendo isto, não quero fazer inculpações a ninguem. Reconheço que nas Côrtes, que naquella occasião se achavam reunidas, havia homens de grande préstimo e de muito saber, e que um grande numero delles tinham de certo desejos de promoverem o bem do seu Paiz. (Apoiados.) Succedeu porém a esta época a de 1823, na qual o Governo immediatamente procurou renovar relações directas com o Brasil.

Fui por esse tempo mandado a Inglaterra, e tendo-se mallogrado a missão, que se enviou ao Rio de Janeiro, fui encarregado da negociação do Tractado da independencia. Apesar de todos os esforços, que fiz para bem desempenhar esta commissão, não posso deixar de confessar que nenhuma ambição tinha de assignar o Tractado da independencia do Brasil, porque de facto, teria assignado a desmembração da Monarchia. Esta negociação teve o andamento que consta da correspondencia desse tempo, até ao momento em que recebi instrucções para apresentar um Projecto de Tractado com o Brasil. É de advertir que esta negociação se tinha entabolado debaixo da mediação da Inglaterra, e da Austria. Tinha pois apresentado em uma conferencia com os Commissarios brazileiros, a que assistiam os Plenipotenciarios das Potencias Mediadoras, um Projecto do Tractado, sobre o qual os primeiros não julgaram poder dar logo a sua opinião, reservando-se a dá-la em outra conferencia, depois de examinarem bem o dito Projecto. Tinha eu porém toda a esperança, uma quasi certeza, de que Mr. Canning os induziria a acceitar o Projecto de Tractado sub spe rati.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu pedia a V. Ex.ª, a bondade de especificar as datas.

O Sr. Conde de Villa Real: — Foi nos fins do anno de 1824, depois de ter havido uma communicação directa com o Brasil, como já disse, mas na qual eu não tive parte alguma, porque só fui encarregado da negociação em Inglaterra. Mr. Canning, que então era Ministro dos Negocios Estrangeiros em Inglaterra, e tambem o Plenipotenciario Britannico tinha-me sempre declarado que muito desejaria se fizesse um Tractado com o Brasil, debaixo de condições razoaveis, porque apesar do interesse que tinha o Governo Britannico de fixar as suas relações commerciaes com o Brasil, esperaria um tempo razoavel, para que nós fizessemos nosso Tractado debaixo de condições possiveis. Quando pois recebi instrucções para apresentar o Projecto de Tractado, procurei obter que lhe désse o seu apoio, e pelo que passei com elle concebi, como disse, a esperança de que elle persuadiria os Commissarios Brasileiros, e assignariam este Projecto sub spe rati. Deviam fazer esta declaração na seguinte conferencia. Mas poucos dias depois daquelle em que apresentei o Projecto, aconteceu chegar a Inglaterra o Paquete do Rio de Janeiro, e nelle Monsenhor Vidigal, o qual trazia instrucções aos Commissarios Brasileiros, e ordens positivas para que não aceitassem as estipulações daquelle Projecto, porque já tinha sido remettido directamente para o Rio de Janeiro, e alli offerecido alguns mezes antes de se haver remettido para Londres. Mr. Canning tendo então conhecimento deste facto, que eu mesmo ignorava, estranhou muito esse procedimento, como injurioso para as Potencias Mediadoras. Ambos os seus Plenipotenciarios se mostraram escandalisados, e Mr. Canning logo declarou que era inutil continuar a negociação em Londres, e que de nada serviria reunir outra vez a conferencia, porque á vista das ordens recebidas pelos Commissarios Brasileiras só podiam dizer que rejeitavam o Projecto que lhe era proposto. Dahi resultou, Sr. Presidente, o tomar tambem logo Mr. Canning a determinação de mandar Lord Stuart ao Rio de Janeiro para fixar as relações commerciaes da Inglaterra com o Brasil. Deu-lhe porém ordem de passar por Lisboa, para que o Governo Portuguez, se quizesse, podesse ainda aproveitar a occasião de concluir um Tractado com o Brasil, mandando algum Plenipotenciario ao Rio de Janeiro.

Nada direi pois sobre a missão de Lord Stuart, porque ella é bem conhecida, e só recordarei que então já se tinha mudado o Ministerio de Portugal, tendo sahido delle o Sr. Duque de Palmella. Na minha opinião era essa, como indiquei, a occasião mais propria para se negociar com o Brasil um Tractado de Commercio, e para fixar as nossas relações com aquelle Imperio. Entretanto só se assignou o Tractado de 25, cujas estipulações são de todos sabidas. Apesar de se dizer então, que as negociações para a conclusão de um Tractado de Commercio vantajoso tinham ficado adiantadas, nenhum resultado tinham tido, quando a mudança politica, que houve em Portugal em 1828, interrompeu as relações de Portugal com o Brasil. Todos os Governos depois de 1834 se occuparam do importante objecto das relações com o Brasil, mas em 1835 é que se entabulou uma nova negociação para aquelle fim.

Não necessito repetir que eu tambem desejaria muito que se restabelecessem as nossas relações commerciaes com o Brasil, debaixo do pé de reciprocas vantagens, por quanto existindo em ambas as Nações costumes analogos, a mesma lingoagem, e póde dizer-se que os mesmos habitos, tudo concorre para que entre ellas se restabeleçam relações mais estreitas, e que reciprocamente se concedam mutuas vantagens. (Apoiados.) Com tudo eu sempre fui de opinião, que convinha obter uma decisão definitiva a esse respeito com brevidade, para que só com essa esperança, na certeza de a poder realisar, não deixassemos passar a ocasião de estabelecer relações commerciaes com outras Potencias.

Seguiu-se por tanto em 1836, quando eu estive no Ministerio, uma negociação com Inglaterra, conservando-se em vista o Tractado que se fizesse com o Brasil, debaixo dos principios de mutuas vantagens. Era o Plenipotenciario de Portugal o Sr. Duque de Palmella, que dirigiu essa negociação, com a maior attenção aos interesses e á dignidade de Portugal, como se teria visto se tivesse podido assignar o Tractado que estava ultimado. A negociação com o Brasil não se concluiu, porque não se rectificou o Tractado que por aquelle tempo se tinha assignado; e como por esse motivo não ficassem determinadas as nossas relações commerciaes com o Brasil, nenhumas vantagens tirámos dos passos que se deram para esse fim. Neste ponto a minha opinião é differente da que aqui já se inculcou, porque das questões que suscitou no Rio de Janeiro a rectificação desse Tractado, e de tudo quanto se publicou alli a esse respeito, se seguiram as difficuldades, que depois se tem encontrado, para concluir um novo Tractado, tendo o Governo Brasileiro já declarado que não poderia annuir deforma alguma áquelle Tractado. Com tudo convém tentar, se é possivel, estabelecer as nossas relações commerciaes com o Brasil, debaixo dos principios que se tem indicado. Mas devemos penetrar-nos da verdade da observação, que já aqui se apresentou, isto que será impossivel fazer um Tractado com qualquer Potencia estrangeira, exigindo della a concessão de certas vantagens, sem que pela nossa parte lhe concedamos um equivalente era outras vantagens. (Apoiados.) Sr. Presidente, á posição em que o nosso Paiz se acha offerece tanta facilidade para as communicações com o Brasil, por um lado, e com as Potencias da Europa pelo outro, que será de muita utilidade o vêr se é possivel concordar em estipulações, que convidem os Brasileiros a trazerem a Portugal os seus productos, e a fazer neste Porto um deposito delles, para daqui serem reexportados para outros Paizes. É esta mais uma razão de conveniencia para se concluirem as nossas negociações com o Brasil, porque tendo em consideração todos estes objectos, devemos esperar que se animará muito o nosso commercio.

Sr. Presidente, sim eu entrar nas particularidades relativas a esta negociação porque seria inopportuno, e poderia ser prejudicial, o promover uma discussão anticipada sobre a marcha que póde ter esta negociação, repetirei sómente, que uma vez que se não possam conseguir vantagens decididas para Portugal, por um Tractado com o Brasil, será necessario admittirmos o principio de reciprocidade para com elle tambem, a fim de não nos prendermos nas negociações com outras Potencias, e de fixarmos quanto antes as nossas relações commerciaes com Inglaterra. (Apoiados.)

O Sr. Barão do Tojal: — Sr. Presidente, o ponto é interessante, e todo o tempo que se gastar com a sua analyse não o dou eu por perdido, nem lhe chamarei desperdicio. (Apoiados.)

Eu tenho para mim como these, que os Tractados têem mais ou menos importancia na relação dos consumidores, que contêm o Paiz, com o qual se celebram, e quando eu considero que o Brasil por ora não encerra mais do que oitocentos mil consumidores, ou quando muito um milhão (porque á população escrava, de tres milhões não chamo eu consumidores dos nossos productos), não se póde justamente esperar que o consumo que o Brasil hade dar aos nossos productos e mercadorias, em concorrencia com os das mais Nações, seja tão grande ou tão importante, como muitos pretendem sustentar que o será; e digo mais que, ainda mesmo que alli se aos concedesse um favor ou differença nos direitos, nem o resultado por muitos annos seria extraordinario, nem as vantagens, quanto a mini, seriam iguaes ás que sacrificaríamos, collocando-nos na posição por um Tractado excepcional com o Brasil, de não podermos concluir Tractados de reciprocidade com outras Nações de capacidade muito mais vasta pela sua população, opulencia, e luxo, para o consumo dos nossos productos.

O sonho porém em que nós temos estado, de que poderiamos alcançar esse Tractado excepcional ou especial do Brasil; esse sonho, creio eu que acabou; porque ha outras, e grandes Nações commerciaes, que têem uma consideravel influencia no Brasil, como são a Inglaterra, França, e particularmente a Austria, que em razão das relações de familia, e sua cathegoria, a exerce alli superior, e muito superior a nós. A Austria pois tem desenvolvido, e continua hoje a desenvolver um espirito fa-

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bril em grande ponto; tem portos ricos, e consideraveis, como Veneza. Trieste, e Fiumee, que negoceiam extensamente com o Brasil; e «anda mais o que é conclusivo no Tractado que ultimamente negociou com o Brasil, e que a pôz em pé de igualdade com todas as Nações» ainda a mais favorecida, não se fez excepção alguma a respeito de Portugal, isto é, que quaesquer concessões feitas pelo Brasil a Portugal não serviriam de exemplo, como até então se tinha estipulado em todos os Tractados anteriores, celebrados pelo Governo do Brasil com todas as outras Nações. Concluo por tonto, que isto nos tem fechado a porta para podermos concluir com o Brasil Tractado algum excepcional, porque a Austria teria direito a exigir, supposta sobre o mesmo pé que és, e as outras Nações, a serem igualadas com ella. Quanto a mim, confesso que não lamento muito esta circumstancia, olhando o assumpto neste caso só mercantilmente, destacado de quaesquer outras considerações. Como principio, ou these commercial, repugna o tolhermo-nos de poder entabolar as nossas relações mercantis sobre o pé da Nação mais favorecida com todas aquellas Nações, que pela sua opulencia, grande commercio, habitos de luxo, e de conveniencia, vasta população, e possessões consumidoras e extensissimas, decididamente nos convem sobre tudo cultivar, e estabelecer com ellas solidamente relações commerciaes reciprocas sobre o pé da Nação mais favorecida. Nações quaes, ás que eu me refiro, rejeitariam qualquer Tractado comnosco que as collocasse em nossos portos, por posição menos favoravel, que o commercio do Brasil, que tanto os productos como os navio Brasileiros fossem aqui admittidos com mais vantagem que os seus, nos fecharia a porta um tal Tractado, receio eu; por conseguinte sem um adequado, equivalente a outras muitas, e bem consideraveis vantagens que podemos alcançar de outras Nações. Contento-me por tanto que alcancemos dos nossos irmãos do Brasil um Tractado, que mutuamente nos colloque no pé, mas no verdadeiro pé, e não como agora, da Nação mais favorecida, e espero que no caso, que o Negociador Portuguez encontre difficuldade, como ha de encontrar, para levar ao cabo a conclusão desse Tractado especial, ou excepcional, que tenha instrucções, e authoridade para celebrar um Tractado de reciprocidade e perfeita igualdade com a Nação mais favorecida, porque com isso, segundo a minha opinião, nos devemos muito bem contentar; a identidade de lingoagem, origem, Religião e costume; os innumeraveis laços vinculares de sangue e parentesco entre nós e os Brasileiros, a mesma Dynastia, e muitas outras circumstancias, nos collocam em uma posição muito superior e vantajosa á de qualquer outro estrangeiro, que commerceie ou se estabeleça no Brasil, posto mesmo que o faça sobre o pé de perfeita reciprocidade, e de igualdade comnosco.

Eu nunca estive no Brasil, mas creio, que a principal classe commercial alli é composta de portuguezes, e que o commercio para o interior é quasi monopolisado por Portuguezes, homens habeis, activos, e, em grande parte, gosando de reputação de muita integridade; isto mesmo me tem sido communicado por estrangeiros largamente interessados no commercio com o Brasil, esses é que compram em grosso, e vendem por miudo, e acreditam essas mercadorias que são importadas em grande; por consequencia, daqui se collige que gosamos uma grande vantagem, sobre os outros concorrentes estrangeiros, que ainda mesmo, sendo elles admittidos sobre o mesmo pé de igualdade que nós, não gosam daquellas mesmas facilidades que as circumstancias, particulares, que tenho referido, me parece nos hão de sempre assegurar!

O commercio de Portugal com o Brasil, é hoje porém, quanto a mim, bem ruinoso para Portugal; primeiramente, em razão da grande depreciação da moeda brasileira; um mil rei do Brasil, valendo pouco mais do que a metade de um mil rei de Portugal, um mil rei nosso compra, por exemplo, cincoenta e seis pence esterlinos, em quanto um mil rei do Brasil só compra trinta pence sobre Londres; esta disparidade de moeda não é cuberto pela differença dos preços, que nos mercados do Brasil se alcançam pelos nossos productos e mercadorias; o preço nominal por que se vendem os nossos vinhos e outros generos no Brasil, não se compadece com a differença dessa moeda: uma pipa de vinho de Lisboa vende-se por termo medio, 100$ réis, e quanto é esse dinheiro em Portugal? 53$ réis para por ahi descontar os direitos de 50 por cento, ad valorem, e por consequencia abatidos esses 50 por cento dos 100$ réis do Brasil, preço bruto, e mais gastos de frete, seguro, commissões, trapixes, o que fica para o nosso vinho? 30$ réis, que mal são tres moedas de Portugal, para serem empregadas em generos do Brasil, que tem um preço exaggerado e artificial, em consequencia da fraqueza da moeda; e é para notar que essa fraqueza, essa depreciação na moeda, é bem contemplada no custo dos generos do Brasil, mas não é considerada igualmente pelo preço, quê alli se pagam pelos nossos vinhos e mais productos, que em razão da concorrencia num mercado de consumo circumscripto, não está em relação, nem igualdade.

No caso de nós não podermos concluir um Tractado, mesmo de reciprocidade, justificadas serão da nossa parte medidas de represalia sobre generos do Brasil, em consequencia do direito differencial, que alli fazem para os nossos vinhos, pois que em resultado da subida avaliação, que lhes estabelecem nas Alfandegas sobre os vinhos de França e Hespanha, os nossos pagam, creio, que 16$ réis por pipa, mais que os vinhos Francezes, e mais 12$ réis por pipa, que os da Catalunha; o que é nada menos do que um excesso de 30 porcento demais sobre os vinhos de Portugal: e em quanto aos da Madeira, acham-se completamente prohibidos alli, pois que o direito de 50 por cento sobre a avaliação de 200$ réis ou mais por pipa, importa n'uma prohibição absoluta, de que lá vio. Isto é uma monstruosidade, e por tanto não se deve perder de vista. O direito deve ser especifico, e não ad valorem sobre canada e sobre almude, ou sobre aquella medida que estiver em uso, e o direito deve ser um e o mesmo, por essa medida, sobre todos os vinhos sem distincção, assim como em Inglaterra, onde pagam os vinhos todos o mesmo direito, e todos por uma e a mesma medida = o Galão Imperial; e por consequencia daqui se vê, que não ha alli disparidade em direitos, em quanto pelo systema de direitos ad valorem, em pratica no Brasil, os nossos vinhos pagam injustamente um terço mais, que os vinhos de França e Hespanha. Vinhos da Catalunha põem-se hoje a bordo em Tarragona, por 4 Libras a 4 Libras e 10 schelins esterlinos o tonel de 35 almudes; como póde pois o vinho Portuguez concorrer elle, quando custa aqui pelo menos 36$ réis a pipa, e deve pagar o direito de consumo no Brasil, em attenção e na proporção do superior custo de genero, aggravando assim ainda mais o nosso mal, e porque o nosso genero ír custa mais, onera-lo ainda com maiores direitos? O Governo do Brasil, pois, não obra com justiça a nosso respeito, em e cobrar sabre os nossos vinhos taes direitos ad valorem, nós pagamos um terço mais, e não devemos pagar um real mais sobre os nossos vinhos, do que pagam os vinhos de França, ou d'Hespanha, ou d'Italia pela mesma quantidade, assim como os assucares, o café, o arroz, e mais generos todos do Brasil não pagam um real mais por arroba pelas nossas Pautas, da que pagam os mesmos generos de qualquer outro paiz. Sobre isto devem haver por tanto serias reclamações da parte do nosso Governo, e cuidado de fazer abolir o tal systema de ad valorem, relativamente aos nossos vinhos. (Apoiados.)

O commercio actual entre as Praças de Portugal e do Brasil é desgraçado, e se alguns negociantes ainda o continuam e por uma especie de habito, e por relações antigas, que ainda por alli conservam: eu sei alguma cousa de comercio, porque toda a minha vida o segui, e estudei como sciencia da mais alta esphera; é a miseria publica, Sr. Presidente, e falla de outros giros, que ainda nas circumstancias actuaes intenta o commercio entre Portugal e o Brasil. Por exemplo, um negociante de Lisboa ou do Porto, que tem um navio na carreira do Brasil, diz a um negociante de vinhos, = Vm. quer embarcar cem ou duzentas pipas de vinho no meu navio, eu adianto-lhe já metade do valor provavel; = o homem precisa, e ahi vai o navio assim carregado para o Brasil; vendem-se os vinhos logo, descontam-se as letras, que são a longos prazos, e muitas vezes o homem de cá tem ainda de pagar da sua algibeira alguma cousa, do que recebeu em avanço. Esta é hoje a historia, pouco mais ou menos, das nossas transacções com o Brasil; por tanto não nos illudamos com as grandes vantagens do commercio do Brasil, porque, a elle continuar assim, a não se conseguir reforma, elle ha de acabar comnosco. Eu, estando na Ilha da Madeira em 1827, mandei por minha conta duas cargas de vinho ao Rio de Janeiro; a primeira foi avaliada na Alfandega a 80$ réis a pipa, e a segunda logo immediatamente depois foi avaliada a 120$ réis a pipa para a pagamento dos 15 por cento de direitos, então em força. Ora amuas as cargas eram da mesma qualidade, vinhos de mercado, venderam-se pelo mesmo preço de 80$ réis e 90$ réis a pipa a hespanhoes que o levaram para o Rio da Prata, e creio, que grande parte dos vinhos, que daqui vão para o Rio, são reexportados de lá para Buenos Ayres, e d'alli conduzidos por terra para a interior daquelle vasto continente até o Chili, Valparaizo, e Pera; cultivando nós os pois relações directas com a Republica de Buenos Ayres, e fazendo aqui uma reducção nos direitos actuaes das Pautas sobre os seus codross crus, e cebo, que são materias primas, e como taes devem pagar direitos modicos; nós poderemos até reexportar daqui muitos desses generos para outros paizes, que poderemos vir a trocar em Buenos Ayres (livre outra fez aquelle porto do actual bloqueio Francez) pelos nossos vinhos, e alguns dos outros generos, que exportamos, obtendo por elles melhores preços.

Os brasileiros, creio, que estão capacitados, de que se nós não fizermos um Tractado commercial com elles, que morremos de fome e eu estimaria muito que nós lhes tirássemos as cataratas dos olhos, fazendo desde já Tractados com outras nações mais poderosas, e mostrando assim a nossa independencia. O commercio é sempre de vantagem reciproca delles para as nações, e a minha opinião é, que O Brasil lucra muito mais hoje com o Commercio de Portugal, do que Portugal corri o do Brasil; pois lhes estamos concedendo, tanto Portugal como todas as suas Possessões, á Consumo exclusivo de facto de perto de quatro milhões de habitantes de todos os seus productos; em quanto apenas os nossos vinhos e outras mercadorias, alli encontram uns 800 mil consumidores, como já disse, e esses nossos productos encontrando a rivalidade alli, de iguaes generos, e estes muito mais favorecidos de todas as outras nações Ora se nós levarmos a effeito um Tractado cota os Estados-Unidos, que eu tanto advogo, nós poderemos, concluido o periodo do Tractado da Lonizianna em 1842, levar os nossos vinhos, azeite, las, etc, aos Estados-Unidos, vendidos alli por muito melhores preços, e a moeda foi te, e ir d'ahi a Havana, e a Porto Rico, comprar assucares, melhores em qualidade que os do Brasil, e valendo muito mais que os do Brasil nos mercados do Continente. Por consequencia, não supponhamos nós, nem o nosso Governo, nem o povo do Brasil, que nós precisamos absolutamente mm Tractado especial, ou excepcional com o Brasil para existirmos pelo contrario, se fizermos o que devemos, e o que podemos, seremos muito prósperos, e completamente independentes delles. Convem para isso negociar tambem com Inglaterra, para quê nos abra todas as suas ricas Possessões e Colonias ao nosso Commercio e navegação directa, onde acharemos excellentes mercados aos nossos productos e generos coloniaes, n'uma ou n'outras, de excellente qualidade, e por tão vantajosos preços: acabará assim o Monopólio de facto que o Brasil tem, para quem os nossos portos, para taes productos, parecem exclusivamente abertos, favor que elles não appreciam.

O Decreto do Senhor D. Pedro, só desde 1834 é que concedeu a admissão a todos os generos coloniaes de todas as nações, e até então gosou o Brasil, mesmo por lei do monopolio exclusivo em nossos mercados; entretanto que hoje, por circunstancias peculiares, e em consequencia dos habitos formados, o possue de facto, pois nenhuns outros consumimos, que os do Brasil. Ora pois; por um dós Artigos desse Tractado, que encetou o nobre Duque de Palmella em 1835 com Inglaterra, esta nação concedia-nos a nós, o que ella nunca antes se lembrou de conceder a outra qualquer; concedia-nos a admissão de nossos vinhos e agoas-ardentes, directamente em nossos navios, a todas as suas Possessões, e Colonias, (sendo todos os outros excluidos) e pagando nós os mesmos direitos sómente, que pagariam aquelles generos, sendo importados nos seus proprios navios: e isto, Sr. Presidente, em troco de nós lhe concedermos a admissão dos seus productos e navegação directamente nas nossas Colonias d'Angola, Benguella, Guiné, e Moçambique; porque, quanto a Madeira, Açôres, e Ilhas de Cabo Verde, ha muito que lá vão. Com esta medida ganhavamos nós muita, e ganhavam igualmente mesmo as nossas Possessões, porque

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entre nós não ha ainda, nem os capitaes, nem o espirito d'interesse e d'empreza que aquella nação possue, e note-se bem que as vantagens, que daqui resultavam não eram só em proveito das nossas Possessões, eram tambem em beneficio da Metropole; tal era a vantagem de poderem ir os nossos navios ás Possessões Inglezas, todas permutar os nossos generos por infinidade d'outros: e indo os nossos navios carregados de vinhos em direitura a esses mercados, esses vinhos vender-se-iam ahi por 100 por cento mais que no Brasil, a troco d'assucar, e outros Artigos, troca que nos seria muito favoravel, attenta a vantagem dos preços dos nossos generos.

Eis aqui, Sr. Presidente, a razão, por que eu tinha ligado debaixo de um ponto de vista proveitosíssimo para Portugal, a celebração de Tractados commerciaes com Inglaterra, Estados-Unidos e, quando podér ser, com a Russia igualmente; e Sr. Presidente, isto é que então nos ha de fazer respeitados, e muito mais considerados pelos nossos irmãos do Brasil. Nós já não dependeremos delles sómente, já lhes não; faremos tanto a Corte, e então não terão o motivo elles de tractar-nos menos bem, com sarcasmos, até no seu proprio Congresso, pois que! ainda não ha muito tempo, que um Membro do Corpo Legislativo do Brasil disse publicamente, que nós eramos uma nação de piolhentos! A Nação Portugueza, alcunhada de nação de piolhentos, e por um Membro da Assembléa Legislativa do Brasil em seu logar! Custa por certo a ouvir, Sr. Presidente, e a ouvir sem indignação: maiormente, quando se vê que tal asserção nem rebatida foi por nenhum Membro presente. (Apoiados geraes.) Não é assim que nos classificam os outros estrangeiros, pois admittindo a decadencia, a que chegámos por effeitos de longos abusos e máus Governos, sempre nos tem tido em conta d'uma nação briosa, resoluta em manter a sua independencia, e possuída de mui nobres qualidades e elementos para della se fazer com bom Governo uma distincta nação. O Coronel Napier, na primeira pagina da sua obra classica, a Guerra Peninsular, expressa-se deste modo emphatico «a historia não refere um só tempo, em que os habitantes de Portugal fossem faltos de brio e coragem.» Já se vê pois, que este estrangeiro, assim como muitos outros que nos chegam bem a conhecer, faz de nós um conceito muito mais digno, do que esse Sr. brasileiro, que procurou insultar-nos com esse dito, mas que nelle só deu provas de descortezia, petulância, descomedimento, e pouco ciso. (Apoiados.) Deixando porém isto ao despreso, que merece, direi, Sr. Presidente, que é necessario, que pondo nós por uma vez e para sempre de lado as discordias civis que nos affligem, pondo tambem de lado os preconceitos, e animosidades politicas, que entre nós tanto se nutrem, nos unamos em massa para promovermos unicamente os nossos interesses materiaes e concorrermos todos unanimemente para a prosperidade, gloria e ventura da Nação Portugueza, a fim de para o futuro ser respeitada por todas as nações, como deve, e como o foi n'outro tempo. (Apoiados.) O Brasil não nos tem tractado com cordialidade, póde dizer-se, sim, que nos tem tractado com grande animosidade: e, Sr. Presidente, direi por esta occasião, que ás discordias, que tem existido entre a Nação Portugueza, é que talvez se devem as injurias que alli se nos tem praticado; o não termos podido pugnar com mais força pela nossa cathegoria, direitos e dignidade.

A desgraça de Portugal data do fatal legado do Senhor D. João 3.° — a Inquisição. (Apoiados.) Desde essa epocha para cá, os Portuguezes mais amantes do seu Paiz, e entre elles muitos reconhecidos como litteratos de consumado saber, foram obrigados ou a expatriar-se, ou a esconderem-se no canto das suas casas, para escaparem á perseguição; d'ahi para cá a tyrannia e a intolerancia assumiu o poder sobre a heroica Nação Portugueza. Daqui, Sr. Presidente, e de todas as suas sinistras consequencias, é que nasceu o despreso e decadencia, em que cahi mos, com que temos sido assacados pelos estrangeiros: daqui, e das ordens monasticas, expressivamente denominadas corporações de máo morta, professando o celibato da superstição, e systema de despotismo embrutecido em que jazíamos, é que procedem todos os nossos males, atrazo e decadencia. A barbara, injusta, e impolitica expulsão dos Judeos de Portugal, as cruelissimas perseguições, que se lhes fizeram, seguindo-se de taes, e tão tristes medidas, a expatriação de quatrocentos milhões de cruzados, e d'um povo, que tinha tanto direito ao seu domicilio aqui, como nós; porque é sabido que os Romanos já cá os acharam, e muitos Auctores referem, que elles até emigraram para Portugal, na época em que a Nação Hebraica fôra levada em captiveiro pelos Assyrianos para Babylonia, escapando-se de Tyr em os navios Phinicios, que então frequentavam muito os portos de Portugal. Que direito pois havia para expulsar um tal povo, por méra differença de culto, culto que elles conscienciosamente seguiam, por o terem herdado de seus avós? Quizemos ser ainda mais orthodoxos que o Papa, porque esse protegeu-os e abrigou-os, mais avisado e politico que nós; deixa que os Judeos até façam as suas procissões pelas ruas, (como eu vi) e tracta-os com muito favor e protecção, e o resultado daqui é que os Hebreus giram naquelles Estados com avultados cabedaes. Estando eu em Ancona, Cidade do Papa no Adriático, ha seis annos, e onde estão estabelecidos 30 mil Judeos, indo vêr a bella Synagoga, alli fui rodeado por alguns delles, que me certificaram serem descendentes das familias, que de Portugal tinham sido expulsas por El Rei Dom Manoel, e que pelo Governo Papal haviam sido, protegidas. Os Judeos sempre foram uma Nação disposta a sustentar o Governo, que os protege e abriga. Veja-se o que não tem feito os Goldsmiths, e os Rothschilds, e os numerosos capitalistas daquella Nação pelos Governos Inglez, Francez, e Austriaco, dando sempre mais consideraveis e liberaes preços do que quaesquer outros concorrentes. Eu não defendo os Judeus, porque o seja, não o som, Sr. Presidente, mas o que sei é que foi uma grande desgraça, para Portugal, a sua iniqua expulsão, e que quando nós estivemos em circumstancias de apuro, alguns nos fizeram avultados emprestimos e favores, quando ninguem mais se achava disposto isso. Quando eu tive a pasta do Ministerio da Fazenda, estive a ponto de fazer um contracto com Mr. Goldsmith muitissimo interessante -para nós, qual era a amortisação de perto de meio milhão esterlino d'Apolices de ã por cento nossas por um pagamento mensal de 5$ Libras esterlinas por 18 mezes ou por 90$ Libras na totalidade; assim teriamos suavemente amortisado perto de 2$ contos da nossa divida estrangeira; e se eu tivesse continuado naquelle Ministerio, por mais uma semana, teria concluido aquella para nós tão vantajosa operação. Naquella negociação mostrou Mr. Goldsmith toda a urbanidade e melhores e mais generosos sentimentos a nosso respeito, assim como o tem feito igualmente, quanto ao emprestimo, de 500$ Libras que nos fez em 1835 sobre o saldo de contas, que o Brasil ainda nos deve de 480$ Libras esterlinas, e que este Governo ainda não quis admittir nem saldar, com grave detrimento daquelle capitalista, que na boa fé dos dous Governos adiantou aquella avultada somma. Sr. Presidente, eu examinei essas contas com o Brasil, e por isso estou muito ao facto desta materia, e digo que o Governo do Brasil foi muito injusto em recusar admitti-las, tendo ellas sido formadas por uma Commissão mixta, em que entraram a sua propria Legação em Londres, que disputaram a palmos todas as verbas da mesma, e em que quasi tudo conseguiram que pretenderam. Nós pagamos, por exemplo, os dividendos todos do emprestimo de 1823, que o Brasil tomou a si pelo Tractado de 1825, levantando dinheiro para esse fim com enorme prejuizo, a 48 por cento para pagar esses juros em Londres, que o Brasil era obrigado a satisfazer, mas que não quiz pagar, fundando-se em que D. Miguel estava usurpando o Throno de Portugal; porém o Brasil não contemplou nem quiz admittir na sua conta esses grandes sacrificios que nós fizemos para satisfazer a esses juros, o que a elle cumpria fazer! Digo pois, que Mr, Goldsmith tem estado com a maior paciencia á espera que o Brasil tome algum expediente para se lhe entregar as Apolices, que o Brasil deve dar, para resgatar as nossas, que elle tem, como hypotheca, em seu poder; as quaes pesam sobre nós em quanto o Brasil não solver e reconhecer essa divida.

Como se tocou aqui d'incidente sobre a discussão de Tractado com os Estados-Unidos por isso me parece, que devo lembrar aqui, e chamar a isso a attenção do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que os Estados-Unidos estabelecem uma differença nos direitos, entre mesmo os nossos vinhos, porque consideram que o vinho da Madeira, como melhor e de mais luxo, deve pagar maior direito, e por isso elles lhe impõem o dobro do que pagam os vinhos d'outras partes do nosso Paiz. Ora isto não é justo, e quando se fizer algum Tractado deve ter-se isto em lembrança para se evitar de futuro. (Apoiados.)

Sr. Presidente, para mostrar a importancia relativa dos Tractados com as diversas Nações a nosso respeito, direi que para indicar o consumo dos nossos vinhos em Inglaterra no presente anno, e vantagem d'um Tractado com ella, que nos assegure a sua duração, basta alludir a um mappa, que outro dia se publicou aqui: delle se vê, que todo o vinho do Poria exportado para o Brasil até 31 de Maio, foram 732 pipas, posto que hoje não pague mais do que um por cento de direitos de sahida; e para Inglaterra, nos mesmos cinco mezes, foram 10:500 pipas, ainda que pagando 12$ réis por pipa, direito d'exportação. Veja-se esta notavel desigualdade e infira-se.

Tambem aqui se tocou no Tractado de Methuen, e como nós estamos fallando sobre Tractados parece-me, que será licito e permittido o dizer eu tambem alguma cousa a respeito de similhante materia. O Tractado de Methuen foi talvez o Tractado mais favoravel que se tem feito para Portugal, e abençoado negociador Portuguez foi esse 5 que vio longe, e bem longe; digo isto, porque no tempo em que esse Tractado foi feito, os habitos, e gosto Inglesa não era em favor dos vinhos Portuguezes, os vinhos que então se bebiam em Inglaterra eram ou das Canarias, da Sicilia, do Rheno, de França, mas dos nossos pouco. O que pois pertendeu o nosso negociador? Foi fazer criar na Nação Ingleza um gosto futuro pelos nossos vinhos, o que elle soube conseguir; não era em seis, dez, ou vinte annos, que se havia de conhecer o augmento do consuma dos nossos vinhos, porque esses habitos ainda haviam de forma-se; mas formaram-se depois, e então succedeu, que a pouco e pouco elles abandonaram esses vinhos, a que estavam costumados, e abraçaram os nossos; foi então em 1756, quando o consumo já se achava elevado acima de 20 mil pipas, que o Marquez de Pombal conheceu a necessidade que havia de um regulamento que conservasse esse credito, que os vinhos Portugueses tinham alcançado. Eis aqui pois, Sr. Presidente, a razão, á qual se deve o consumirem-se hoje em Inglaterra 35 mil pipas de vinhos de Portugal e Madeira annualmente. E o que lhe concedemos nós em retorno? A admissão dos seus lanificios, com a imposição do direito de 30 por cento, mas attenda-se a que cá havia consumidores na relação de tres milhões, e lá na relação de vinte milhões; cá vinha o ser um direito protector de 30 por cento, que com fretes e mais despezas póde-se dizer importava uma protecção de 50 por cento sobre o custo dos lanificios Inglezes. Ora, Sr. Presidente, ramo d'industria, ainda que nascente (porque o Conde da Ericeira já tinha as suas fabricas em Portalegre, e na Covilhã desde 1685) que não póde florescer, similhante protecção não vale a pena de sustentar, porque hoje está reconhecida a idéa, de que direitos prohibitivos é uma chymera, é um absurdo. A Inglaterra conhecendo isto, e como meio efficaz de pôr côbro ao contrabando de França, adoptou o systema de direitos protectores modicos; lá estão hoje as manufacturas Francezas pagando 15 porcento ad valorem; o nosso Governo de 1703 impoz um direito igual com os gastos, a 50, e os nossos lanificios poderiam com elle prosperar muito bem; eu como fabricante dou-me por contente era ter uma protecção de 30 por cento, que paga o papel estrangeiro. Nós tendo as nossas fabricas naquelle tempo já montadas, vê-se que uma grande parte da nossa população havia de consumir uma porção consideravel dos lanificios; e então vejamos por algarismos, se nós vendemos mais vinho, ou se compramos mais panno aos Inglezes em 107 annos que durou o Tractado, desde 1703 até 1810. Creio que o calculo, á vista da disparidade de consumidores de parte a parte, ha de ser muito difficil de fazer; e lá está o habito introduzido na Nação Ingleza, que ninguem lhe ha de prohibir o uso do bom vinho do Porto, seja qual fôr o preço. (Apoiados.)

O objecto de Tractados com Nações pequenas, como nós, é pôr a cuberto das vicissitudes d'uma Legislação fluctuante, os productos desta Nação. Eu quando insisto tanto que se façam Tractados bem entendidos, é porque sou bom Portuguez, não porque me venda a ninguem; por consequencia quereria que nós tivessemos vantajosos Tractados commerciaes com todas as grandes Nações capazes de dar extincto consuma aos nossos productos, posto que

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de pouca duração fossem; isto é, para serem revistos a miudo, mas bem combinados. Quasi todos os nossos generos são objectos de luxo, como vinhos e fructas, e em quanto nós não termos taes Tractados havemos de estar sujeitos a todas as alterações e mudanças que as mais Nações bem quiserem fazer, mesmo em beneficio particular d'outras nossas rivaes, nos direitos dos nossos productos, sem que disso nos possamos queixar com justiça. Com o Brasil devemos fazer o mesmo, para evitarmos, que de quando em quando por muitos motivos, ou por casualidade, que em todos os Paizes acontece, se nos estejam a puro-arbitrio levantando os direitos sobre os nossos productos; eis aqui a razão, a vantagem de ter Tractados de commercio, porque os nossos negociantes ficam a cuberto de qualquer alteração caprichosa; porque hoje em dia um consignatario, que manda uma carga de vinho para a Brasil, não sabe os direitos que lá hade pagar, Repito pois que eis aqui a necessidade de Tractados, mas Tractados de bem entendida reciprocidade, porque delles é que póde vir a nossa prosperidade futura.

É necessario tambem, que o Governo faço alguns esforços para conservar, uma força naval nos portos do Brasil; se nós não podemos fazer este sacrificio, então não somos Nação; mas isto ha de fazer com que sejamos alli respeitados como tal; e o negociante Portuguez alli ha de andar com a cabeça mais alta, vende-se assim o objecto da solicitude e protecção da sua Nação, e Governo. Quem é que não respeita a Hollanda, muito mais pequena que nós, mas muito respeitada, porque é bem governada tem um soberbo arsenal, e uma bella marinha; eu estive em Amsterdão ha seis annos, e lá vi o seu excellente arsenal, com umas poucas de naus e fragatas nos estaleiros, mas pelo que? Porque a Nação Hollandeza é unida, é moral, cuida vigilante em seus interesses, e tem muito patriotismo tambem lá vi muitos Judeus Portuguezes, os Pereiras, Teixeira, e Castros, rodando em explendidas carroagens, quede Portugal, por fatalidade, foram expulsos; não posso imaginar, que razão poderia haver para isso, porque tão boa moral, e tão excellentes principios advoga o Pentateucho como Alcorão, como a Biblia; (Rumor.) o mais è simples questão de culto, com que o homem d'Estado nunca se deve ingerir de maneira alguma.

Tenho uma circumstancia a ponderar, que me occorreo d'incidente; na Alfandega de Lisboa medem os navios d'um a maneira extraordinaria, não fazem abatimento pelos delgados dos cascos; e é necessario que o Governo adopte um methodo, para que a medição seja regular, porque de contrario muitas vezes os navios Portuguezes poderão ser muito prejudicados por isso em alguns portos estrangeiros; antes era o contrario, tanto que os inglezes faziam pagar os navios Portuguezes de 100 toneladas por 120; e nós agora somos mais generosos do que elles, quando expontaneamente os collectamos em mais do que a realidade manda.

Fallou-se aqui tambem em Pautas; eu declaro que sou Paulista, mas não das Pautas actuaes, lai qual presentemente existem; é necessario que o Governo tome isto em muita e prompta consideração, e seria boro que nomeasse uma Commissão especial para sobre ellas representar o que achasse, porque a maior parte das pessoas, que dizem que as Pautas estão boas, não Sabem o que dizem, nem nunca se déram só trabalho d'analysa-las; eu que mando vir algumas cousas de tora, sei que em quanto algumas manufacturas não pagam mais ás vezes do que 5 a 15 por cento, outras pagam de 50 até 200 por remo; o fio d'algodão, que é quasi uma resultaria puma, paga muito mais actualmente do que as mesmas fazendas d'algodão estampadas e promptas, o que é contra a nossa industria e um grande absurdo. Nenhum direito sobre manufacturas ou artefactos, deve exceder mais de 50 por cento sobre o custo, e em termo medio, de 20 até 30 por cento; tudo que fôr mais de 50 é injustiça, é absurdo e contra-producente porque convida o contrabando; é preciso que o Governo fixe um direito que proteja bem a industria nacional, mas não que prohiba a concorrencia. Eu lembro-me, que em Inglaterra não era permittido vender phaisões nem perdizes, e então se eu queria comprar um phaisão, vendiam-mo como um salmão; e se era uma perdiz, como um linguado; (Riso.) a prohibição traz por consequencia o contrabando, e a desmoralisação dos povos. Em muitas cousas os direitos são grandemente excessivos, estabelecendo premios á mediocridade, e muito menos em outros, do que deviam pagar; eu estou ao facto disto. O systema de Pautas, ou direitos fixos, é bom, em quanto evita a arbitrariedade do verificador, o que occorria algumas vezes, pelo modo antigo de avaliações. Um verificador avaliou-me uma canoagem em 700 mil réis que me linha custado 46 Libras em Londres; apezar disto fi-lo Guarda-mor quando era Ministro, para mostrar o meu espirito de vingança. Pautas são boas, por tanto, mas é necessario reve-las já, e reve-las com frequencia.

Sr. Presidente, tenho concluido, e sómente rematarei o meu discurso, dizendo que eu considero d'alta importancia, as nossas relações commerciaes com o Brasil, mas não lhe dou tanta significação, como muitas outras pessoas; ponho em primeiro caso, as nossas relações com Inglaterra; em segundo, com os Estados-Unidos; em terceiro, com o Brasil; e depois, com a Russia: são os Paizes que consomem os nossos vinhos; se nós podermos alcançar uma diminuição de direitos, podemos fazer consumir neste ultimo uma immensidade delles. Um Tractado com a Russia não detemos perder de vista Jogo que possa ter logar; os vinhos brancos de Lisboa e os da Madeira, ligam-se muito bem com os doces da Grecia; costumam lota-los na Russia, eleva-los ás feiras periodicas onde são vendidos. Os nossos vinhos, pagando o direito do Tractado de 1781 feito com a Imperatriz Catharina, obteriam hoje alli uma immensa extracção; o direito actual de 40 mil réis, fóra direitos de sahida. é quasi prohibitivo. Eis a razão por que eu considero, que um Tractado com a Russia é de muita importancia, e eu espero que a Nação, á medida que fôr progredindo em luzes, ha de ir augmentando em seus interesses, e ha de ser prospera e respeitada, se tiver juizo, porque tem muitos elementos para isso, apezar isso epitheto, com que a pertendeu menoscabar o Sr. representante brasileiro. (Apoiados.)

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Ainda que esta discussão tem sido algum tanto longa, ella tem sido util, porque se tracta de importantes interesses da Nação. Eu tinha pedido a palavra para rectificar uma fraze do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. — Segundo as notas que tenho, parece-me que o Sr. Ministro disse que os direitos addicionaes recahirá m sobre, o Brasil. O que eu disse foi que estes direitos, que não tinham sido impostos sómente sobre os generos do Brasil; mas eram geraes, não tem embaraçado que os productos Brasileiros tenham continuado a abastecer quasi exclusivamente os mercados de Portugal. Em quanto que os nossos vinhos são carregados no Brasil com um direito differencial de 13 por cento sobre os vinhos do Sul da França. E isto tem logar ao tempo em que a França não consome os assucares do Brasil, e que todos os productos do Imperio são recebidos e consumidos em Portugal.

Tambem se fallou aqui a respeito do systema das nossas Pautas; sobre isso direi tambem alguma cousa. — Quando se estabeleceram as Pautas teve-se em vista não só o augmento das rendas publicas que dellas proviria, mas tambem se consideravam como mr, meio protector da nossa industria. E por este lado já algum proveito se tem tirado desta medida, porque depois da sua publicação se têem melhorado algumas fabricas, e outras estão a desenvolver-se e, Sr. Presidente, estou persuadido que esta protecção se lhes deve continuar, (apoiados.) É certo porém que as Pautas carecem de alguma correcção, por quanto, respeitando eu muito os Membros da Commissão que as fez, devo com tudo dizer que ellas não foram redigidas com todo aquelle cuidado que merecia um similhante trabalho: e dellas se nota que na sua maior parte são uma traducção das tarifas Francezas. Um exemplo só, que vou citar, bastará para se conhecer que é exacto o que digo. — Determina-se nas Pautas que os Carneiros de Saxonia sejam livres de direitos por entrada; é sabido que em Portugal não entra um só Carneiro de Saxonia, ao mesmo passo que se determina que os Carneiros de todas as mais raças paguem um direito. Esta liberdade de direitos parece ser concedida com o fim de melhorar as nossas raças; mas a Commissão deveria conceder a mesma liberdade em favor dos Carneiros merinos de Hespanha, se tivesse tido presente que elles são da raça identica dos de Saxonia; porque estes ultimos são o resultado de um rebanho de merinos que o Rei de Hespanha Carlos 3.º mandou a um eleitor de Saxonia, com os quaes foram aperfeiçoados os rebanhos do norte de Alemanha, da Bohemia, e de outras Provincias Austriacas; do que se tem seguido que as lãs que se importam em Inglaterra, idas de Alemanha, são em quantidade muito superior á que hoje para alli vai de Hespanha, o que é contrario do que succedia em outro tempo. Em quanto se faz nas Pautas esta differença pelo que se refere aos Carneiros, são as las de Saxonia e de Hespanha equiparadas em franqueia de direitos. — Este exemplo basta para mostrar que na organisação das Pautas se commetteram algumas faltas que convem reformar, sem comtudo deixar de existir o systema; já como meio de receita, já, e muito especialmente, com o fim de animar a nossa industria, que a todo o Governo cumpre proteger.

A França por effeito dos direitos protectores, levantou em poucos annos uma nova industria, a do assucar de betarraba, o qual já chega para metade do consumo daquelle Reino. Outras manufacturas se tem alli desenvolvido em consequencia dos direitos protectores. A Russia fez outro tanto, E hoje, as grandes caravanas, que de Moskow partem cada anno para a grande feira de Kiackta, na fronteira da China, levam sómente pannos fabricados na Russia, quando ainda lia poucos annos os levavam estrangeiros. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, poderá ver na sua Secretaria um importante relatorio do Sr. Ferreira Borges Consul em S. Petersburgo, sobre o desenvolvimento da industria naquelle Imperio. — A Prussia, e outros Estados tem seguido, e estão seguindo, o mesmo systema. Em Inglaterra, apezar da chamada liberdade de commercio, ainda existem fortes direitos protectores da industria; e pelo que respeita á navegação ha muitos generos da Asia, da Africa, e da America, que não podem ser importados senão em vasos Inglezes. Pela nossa parte devemos procurar promover a nossa industria; só assim se conseguirá que nella se empreguem parte dos capitaes que hoje circulam na agiotagem; e, sendo eu de opinião, como já disse, de que devemos aperfeiçoar as nossas Pautas segundo o mostrar a necessidade, sou tambem de parecer que não devemos parar no systema de proteger efficazmente a nossa industria, porque d'ahi resultarão incalculaveis beneficios para o Paiz. (Apoiados.)

O Sr. Presidente Interino: — Tem a palavra o Sr. Ministro do Reino para uma explicação.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — A palavra para uma explicação vem agora mal cabida, porque me esqueceu o objecto della, Era um simples incidente que, por assim dizer, me fez cocegas de explicar alguma cousa; mas as cocegas passaram, e a memoria fugiu com o incidente, e creio que a Camara não perdeu muito. (Riso.)

O Sr. Presidente Interino: — Então tem a palavra sobre a materia.

O Sr. Ministro — Pouco mê trata a dizer, e até alguma observação, que a discussão me tem suggerido, é desnecessaria, e não interessante, depois do que tão bem, e tão recentemente disse o Sr. Barão do Tojal, e o que ponderou o nobre Visconde de Sá da Bandeira.

Eu deixo a generalidade dos judeos, e desejaria tambem que nelles se não cumprisse a prophecia de que seriam exterminados em toda a terra; (O Sr. Barão do Tojal: — De certo.) não tenho nenhuma antipathia com elles, considero-os homens industriosos, lamento os acontecimentos que os fizeram sahir do nosso Paiz e da Hespanha, isso foi menos devido á falta de illustração de um grande Rei, do que ás idéas dominantes do seu tempo. Não ha homem, por superior que seja, que em tudo se adiante aos prejuizos do seu seculo: e se algum vê muito mais do que os contemporaneos, não ousa manifestar-se, e se arriscaria muito se tanto ousasse. Os costumes e as opiniões que predominam, superam as illustrações individuaes, e as arrastam. O augmento da civilisação, o progresso das experiencias, é que imperceptivelmente conduzem os homens a melhores principios, a uma tolerancia philosophica de que só offerecem exemplos as Nações muito civilisadas, ou muito innocentes.

Na verdade, tão pouco posso deixar de louvar, e adoptar em grande parte as reflexões do nobre Senador o Sr. Barão do Tojal, a respeito do Tractado de Methuen, delle resultou a consequencia de se criar mais gosto em Inglaterra pelos nossos vinhos, e de haver muito maior exportação do que havia até esse tempo; e ainda outra vantagem, que me parece se deve considerar; não faço consistir a rique-

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za de um Paiz em fabricar dentro de si tudo quanto se fabrica nos demais Paizes, para o tornar independente dos outros; (Apoiados.) isto não é possivel. Quem disser = eu quero vender, e não quero comprar, = diz um absurdo: e então sem que de maneira alguma me queira, possa, ou deva declarar contra o desenvolvimento de qualquer ramo de industria, direi que neste assumpto se erra muitas vezes ena Economia-politica, como em muitos outros. A mim affigura-se-me que mais facilmente se póde fabricar entre nós aquelle genero, para cuja producção temos meios melhores e mais faceis, do que outros Paizes: esta industria deve ser objecto de todas as nossas especulações e tentativas. Não me parece sensato o intento de nos tornarmos fabricantes, no supposto de que poderemos rivalisar em perfeição e barateza com as fabricas de Inglaterra. Não temos nem machinas, nem as materias primas, nem os habitos e conhecimentos que derivam delles, e gastaremos muitos annos de tirocinio para chegarmos á perfeição em que hoje se acham os trabalhos fabris em outras terras; mas sem que deixemos de especular em taes manufacturas, aproveitemos principalmente os meios de que a providencia nos dotou, a nós habitantes desta parte da Peninsula; desenvolvamos tambem a industria, para que temos os meios faceis, que podêmos aperfeiçoar, e cujos productos venderemos baratos aos que delles precisam, e que necessariamente nos hão de comprar, em troca de outros productos. Mais de uma vez muitos de nossos homens d'Estado esclarecidos e patriotas tem, para assim dizer, querido que o nosso Paiz fosse, invita Minerva, Paiz fabricante, de tal modo que a estrangeiros não comprássemos nada de seus artefactos. Sonhou-se então com estabelecimentos de fabricas, e que só o eram em miniatura; e para as sustentar nunca se fez mais do que pedir a prohibição da concurrencia com os estrangeiros nos mercados de Portugal. Todos sabem quão grandes são os inconvenientes de tal protecção, que sem duvida se deve dar, mas não directa é exclusivamente a certos ramos, com detrimento de todos os demais. Não entendamos que a nossa prosperidade virá de não comprarmos productos alheios, mas sim de trocarmos muitos valores dos nossos; e os nossos de grande e subido preço, e que podem aperfeiçoar-se e vender-se em concurrencia com todos, são os vinhos de Portugal, o seu azeite, as suas fructas, e o seu sal: este ultimo é uma grande riqueza, cujas materias primas são agoa e o sal com muito pouca mão de obra; producto que, pelo que nós vamos vendo, e o que o illustre Senador sabe, tem tido um augmento grandissimo ha dous annos a esta parte.

Eis-aqui o que eu entendo que se deve ter em vista quando se tracta de dar fomento á nossa industria; isto é, encaminhar o desenvolvimento della áquelles ramos em que podêmos ser superiores a outros Paizes. Neste sentido foi o Tractado de Methuen um incentivo da industria de Portugal. Diminuiram os productos de fabricas de lanificios; mas quanto augmentaram os das fabricas de vinhos? O caso não está em demonstrar a diminuição de um genero de trabalho e seu producto, está sim em comparar os proveitos geraes, ou as perdas em um e outro caso. Está demonstrado que a riqueza do Paiz augmentou com o augmento da cultura e fabricação dos vinhos; é pois injusto affirmar que o desenvolvimento dessa industria nos empobreceu, porque as manufacturas de lanificios decahiram. O certo é que desde esse Tractado obteve a exportação dos nossos vinhos grandissimo incremento; a riqueza que veio a Portugal por essa exportação, os capitaes que em consequencia entraram fizeram produzir os rochedos do Douro, povoar as suas montanhas, augmentar a bella Cidade do Porto, e enriquecê-la, e os seus beneficios se estenderam a todo o Paiz, que se entregou a uma industria de que tira grandes vantagens.

Tambem me não parece, pedindo a devida venia ao nobre Visconde de Sá da Bandeira, que devamos sempre argumentar de comparações, e buscar analogias, como se o que se pratica vantajosamente era um Paiz deva por isso produzir em outro os mesmos resultados. Já se disse, e mil vezes se repete, que as Pautas reguladoras dos direitos são necessarias, são indispensaveis em nossas Alfandegas. Esta materia não é nova em Portugal: ha mais de quarenta annos que se tracta de formar as Pautas. Trabalharam neste assumpto todos os Governos, mais ou menos absolutos, assim como os Constitucionaes. Nem Pautas tem relação alguma com a politica dos partidos que nos dividem, porém um delles apossou-se da feitura das ditas Pautas, e nella se forticou, levantando por seus jornaes um clamor grande, e desentoado para dar o partido opposto como declarado inimigo dellas. É pasmosa a facilidade com que os nossos jornalistas decidem sobre questões difficilimas, que no Parlamento se ventilam ás vezes com muita reflexão e madureza, e sentenceiam corrente calamo a uns de ignorantes, outros de perversos, áquelles de vendidos e corrompidos, porque não seguem as idéas de um escriptor, pela maior parte das vezes, só habilitado para calumniar magistralmente. Um dos recursos de que se serve um partido politico é este de attribuir as Pautas aos seus homens, e tornar os seus adversarios inimigos dellas, e de tudo quanto se entenda protecção á industria do Paiz. Recurso miseravel, por lhe não chamar atrocidade! Como levo dito, ha quarenta annos que se trabalha na formação de Pautas das Alfandegas: toda a gente sabe quaes obstaculos houve á sua execução; mas o negocio é grave: e sem offensa nem a individuos, nem á Nação, póde dizer-se que entre nós não são antigos os conhecimentos commerciaes. Por muitos annos entregues ao commercio com o Brasil, que tinhamos exclusivamente, poucos estudos eram necessarios para o fazermos proveitosamente. Esta historia é sabida, ninguem ignora como se amontoaram grandes fortunas, adquiridas por homens, que só possuiam a boa qualidade da perseverança, sem lhes ser necessario estudo algum. Viemos pois a formar as Pautas, objecto novo para nós, e se bem que os membros das Commissões encarregados de as fazer fossem homens muito dignos, e muito entendidos, mal se podia esperar que desde logo conseguissem fazer obra perfeita. Aconteceu o que acontece sempre, que os primeiros ensaios são defeituosos. Que devia pois, entender-se? Que o tempo, e a experiencia as iriam aperfeiçoando: mas succedeu o contrario. Valeu um triste preconceito de que o Governo por ser Governo era contrario á existencia de Pautas; e determinou-se, que nunca elle lhe podesse pôr a mão, para altera-las na parte mais insignificante — provisão desgraçada, que está em opposição a tudo quanto se pratica em outros Paizes. O Governo devia ter a faculdade de alterar alguns artigos para dar conta ás Côrtes do facto, e suas causas; porém o que se fez foi authorisar o Governo para pedir as alterações, como se fosse necessario conceder-lhe essa faculdade. Segue-se d'aqui mui grande desvantagem ao commercio, que todos os dias perde pela falta da authorisação que o Governo deve ter para decidir casos não previstos, ou decisões mal calculadas, sendo obrigado depois a dar conta do seu procedimento ao Corpo Legislativo. Só assim se póde proteger o commercio, que por característica principal tem a rapidez, e actividade em suas operações. Quem isto desejar nem se oppõe á existencia das Pautas, nem quer a ruina da Nação Portugueza; antes parece que o contrario se deve concluir. Em consequencia da minha observação, devo pedir licença ao nobre Senador para lhe dizer, que não é seguramente em consequencia dos direitos prohibitivos, que o Imperio da Russia tem pannos para vestir os seus soldados, mas em consequencia das fabricas, que tem suas, e por elle costeadas para esse fim: as suas circumstancias são especiaes; elle faz os pannos para o fardamento do seu numeroso exercito; assim como fabrica armas, e equipamentos, etc. etc. A industria fabril da Russia cresce, este Imperio faz em tudo grandes progressos, mas não em virtude de direitos prohibitivos, repito. Não será antes porque, desde longo tempo, todos os talentos estrangeiros podem alli naturalisar-se! Pela protecção que os seus Monarcas dão a todas as illustrações? É um Paiz aonde estrangeiros são Generaes, Ministros, Embaixadores, em uma palavra, tudo. É impossivel que não façamos o contraste entre este modo de vêr as cousas, e o com que se avaliam n'outros Paizes, Já assisti a uma discussão, sobre a venda dos Bens Nacionaes, na qual um partido politico, que se dava as honras de eminentemente liberal, queria excluida compra os estrangeiros, em quanto eu, havido então por meus adversarios como menos liberal, fazia votos porque viessem homens e mulheres industriosos fazer assento em nossa terra, toma-la por sua patria, e exercer nella a sua industria, enriquecer-se em uma palavra (Uma voz: — Tambem os Judeos?) Tambem os Judeos; e porque não? Talvez em primeiro logar: não sou inimigo delles, quem sabe se de algum sou parente! Quem lêr um calculo muito simples feito por Alexandre de Gusmão ha de ter muito receio de pronunciar a asserção contraria. (Riso.) — Porém, como dizia, com toda a verdade, o patriotismo da Russia não é este, a sua economia politica é generosa e grande.

Passando a outro ponto, digo, que o nobre Senador fez menção de uma palavra, que escapou a um Deputado Brasileiro, quando se, referia á Nação Portugueza, a que chamou nação de tres milhões de piolhosos, ou cousa similhante. Não significa isto cousa importante, nem acho que fosse muito a proposito repetir phrase tão baixa. Foi ainda um resto de indisposição que saíu da boca de um homem de não grandes espiritos: facilmente se lhe podéra responder com phrase de igual jaez, e talvez não mal apropriada, mas nem isto é offensa nacional, nem a Assembléa ou a Nação Brasileira se acham hoje animadas de sentimentos ião, ignobeis a nosso respeito. Quem assim fallou senão se arrependeu, é um miseravel, que julga que um torpe insulto vale como um argumento.

Considerando seriamente as nossas relações; com o Brasil, não me parecem ellas de tão pouco momento, por isso que longos habitos nos tem enlaçado com os seus habitantes, habitos que hão de durar por muitos annos, por isso mesmo que este commercio se faz mais, como se fosse entre Portuguezes e Portuguezes, do que entre Portuguezes e uma Nação estranha. Além disto, eu não olho só para os consumidores Portuguezes; eu considero que o nosso commercio com o Brasil póde ter muito mais considerações do que os de Portugal; e isto é objecto que merece a attenção do Governo, e nós podemos contar, (não sei, se me convem dize-lo na posição em que estou) que o. Governo do Brasil ha de convir comnosco, uma vez que saiamos dos limites do justo, não carecendo de apresentar-nos (como alguem nos, quiz figurar) de joelhos diante do Brasil, para que nos accuda para não perecer-nos de miseria. Não é verdade que estejamos em tão desgraçada dependencia, nem jámais démos idéa della. Os que nos culpam de não ter ainda feito Tractados, os que exageram tanto os inconvenientes de medidas tomadas no Brasil a respeito dos nossos vinhos, são pelo contrario os que procuram dar idéa da nossa necessidades de ceder mais do que é proprio e decente: o. Governo não tem esse pensamento, nem jámais, o terá. Eu considero que nos é vantajoso o commercio que fazemos com o Brasil, por muitas razões; sendo uma, como disse, o ser elle entre Portuguezes e Portuguezes. Os Inglezes vão fundar casas suas nos Paizes com quem negoceiam muito, e os nossos já as tem no Brasil, e boas, e muito justamente acreditadas. Não considero o Brasil na escala das Nações com quem devemos ter relações commerciaes; porque para nós aquelle Paiz está em situação excepcional. Todas as forças de um e outro lado tendem a firmar estas relações, que são vantajosas para ambas as partes; e seria demencia, em qualquer dellas, querer afrouxar os laços de interesse mutuo que nos unem por necessidades iguaes. (Apoiados.)

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, esta discussão tem sido muito dilatada, mas certamente não tem sido inutil, (Apoiado.) antes creio que se deve felicitar a Camara de ter apresentado (e talvez pela primeira vez depois que em Portugal ha Camaras Legislativas) o expectaculo de um debate no qual os dous lados desta Casa tem rivalisado, mas rivalisado em desejos de ser uteis, de esclarecer o Paiz, e de manifestar verdadeiro patriotismo, ambos isentos de idéas a pouca das e de ambições. (Apoiados.) Entretanto é indubitavel que a discussão tem divagado muito, nem rigorosamente se lhe, póde chamar discussão, tem sido uma especie de exame vago sobre todas as nossas relações politicas, e principalmente commerciaes com todo o Mundo: respeito muito o tempo da Camara para querer abusar delle, seguindo todos os Oradores que me precederam nas diversas questões que se tem tractado occasionalmente, nem vejo necessidade disso porque a maior parte dellas hão de vir a ser tractadas quando se tomarem em consideração os objectos especiaes a que muitos dos Preopinantes se referem todavia, e sómente de passagem, farei uma ou duas observações sobre o que se disse, principalmente a respeito do Brasil.

Observou com toda a razão o Sr. Barão de Tojal que não deviamos sacrificar as nossas relações com outros paizes, onde abundam mais os consumidores daquelles generos que nós em

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maior gráu produzimos, ao desejo ou á esperança de concluir um Tractado com o Brasil sobre bases de mutuo favor: eu concordo nisso, mas com modificações; quero dizer, parece-me que não devemos esperar eternamente ou um tempo demasiado, e que se houver taes demoras e taes difficuldades na conclusão de um Tractado com o Brasil, que d'ahi sé siga a impossibilidade de tractar com outras Nações, ficando com as mãos atadas sem poder concluir nem com uma nem com outras, não nos devemos conservar nesta situação: (Apoiados.) mas creio que nos convém ainda esperar algum tempo para vêr se podemos findar com o Brasil as relações de commercio que se tiveram em vista na occasião do Tractado da separação. Creio que este prazo razoavel não deverá passar do tempo que for necessario para que o Negociador, que partio para o Brasil, possa dar conhecimento do resultado da sua missão.

Comtudo parece-me que se não deve medir a vantagem das nossas relações com o Brasil exactamente pela regra que o Sr. Barão do Tojal estabeleceu, isto é, em proporção exacta do numero de consumidores. (O Sr. Barão do Tojal: — Hoje.) As nossas relações commerciaes com o Brasil apresentam grande vantagem não só para a saída dos nossos generos que alli podera ser consumidos, mas além disso porque dão emprego á nossa Marinha mercante a qual se póde dizer que este quasi unicamente reduzida á navegação entre Portugal e o Brasil: bem sei que quando esta cesse ha de buscar outro rumo, todavia deixar o certo pelo incerto é, tanto em politica como em tudo o mais uma tentativa sempre perigosa e sobre a qual se deve muito maduramente reflectir. O movimento das nossas relações com o Brasil fundasse em tudo quanto aqui se tem, já indicado os antigos habitos, a identidade de costumes e de gostos já estabelecidos, a identidade de origem e de linguagem; tudo isto não é para desprezar nem se deve sacrificar a Outras considerações ainda que sejam aliás importantes.

O que disse o Sr. Ministre dos Negocios do Reino, sobre a conveniencia de não olhar para as nossas relações commerciaes em referencia exclusiva de uma Nação, fechando os olhos para outras partes, é de razão; e cumpre ao Governo fumar um systema e proceder nas suas diligencias diplomaticas, como nas medidas administrativas, fazendo as convenientes Propostas ao Corpo Legislativo, e proseguir na conformidade desse systema para effectuar os Tractados que se permeditam com a Inglaterra, com os Estados-Unidos, e com a Russia. — Oxalá chegasse o momento de concluir algum com esta ultima Potencia, porque o Tractado de commercio mais vantajoso que tivemos, foi o que o Sr. Francisco José da Horta concluiu com a. Russia: infelizmente durou poucos annos, e não se renovou depois do prazo que se tinha ajustado para a sua terminação; mas em quanto durou proporcionou vantagens reaes ao nosso Paiz, promovendo grande extracção dos vinhos Portuguezes para o Norte. (O Sr. Barão do Tojal: — Apoiado.) — Esses Tractados devem todos ser calculados de maneira que se combinem uns com os outros, e senão contrariem: é por isso que nos vemos na necessidade do caminhar com o premio na mão, um pouco mais lentamente ao momento actual, e em quanto não soubermos o resultado das diligencias que se fazem no Brasil, porque o Tractado com aquelle Imperio póde ser de natureza tal, que nos não permitta conceder a outras Nações certas vantagens. Mas esta demora deve ter um limite razoavel, e nisso disseram perfeitamente illustres Oradores que me precederam.

Tem-se fallado tantas vezes em Pautas, que e já quasi inutil tractar dessa materia; e só o faço para rectificar certas idéas, que acontecem-te se tem querido espalhar. — O systema das Pautas consiste em se imporem direitos nas Alfandegas, não sobre todos os generos de importação estrangeira indistinctamente, a razão de tantos por cento, sobre a quantia em que são avaliados, mas sim por uma tarifa mediante a qual certos, productos pagam mais e outros menos, segundo a necessidade ou á conveniencia que se considera de animar as importações de uns, e de impôr direitos pesados ou mesmo prohibitivos sobre outros, a fim de dar logar ao desenvolvimento da industria nacional, tanto agricola como manufactureira, Não ha um só homem d'Estado em Portugal, que tenha tido a idéa de alterar o systema das Pautas: porém alterar as Pautas e revelas, não só é lícito, mas é uma necessidade que se deduz da natureza do systema, e nisso consiste a sua, vantagem sobre o antigo. Quando por meio de Tractados se estabelecem direitos certos ad valorem, não é possivel modifica-los; pelo contrario, quando não ha Tractado em que se estipulem taes direitos (este é o grande cuidado que deve haver, e todos estão de certo decididos, a que senão fixem em Tractado algum certos direitos sobre certos generos) então é sempre licito a qualquer Governo augmentados ou diminui-los, conforme as alterações que tem o commercio, e conforme as lições que a experiencia vai dando. As nossas Pautas foram na sua origem uma cópia das Pautas estrangeiras, quero dizer, tomou-se por typo a Franceza, e tiveram-se em vista as das outras Nações, e trabalhou-se até onde chegaram os conhecimentos e illustração dos benemeritos Membros da Commissão que, desde 1824, existiu para a formação das mesmas Pautas; foram-se modificando esses direitos sobre differentes artigos, conforme ao que a elles lhes pareceu que exigiam as circumstancias especiaes do Paiz, mas é claro que a experiencia é que nos deve ir ensinando, quaes são os melhoramentos e alterações que nas Pautas sé tornam necessarios. — E já que fallo sobre isto, direi de passagem, e pela ultima vez, que as Pautas tem servido de arma a um partido politico, imputando a outro o desejo de as destruir, imputação caluminosa e que não tem o menor fundamento.

Farei ainda uma observação, e é, que nos Tractados que se hajam de fazer com as Nações estrangeiras, principalmente com a Inglaterra, não ficamos inhibidos, pela existencia das Pautas, de estipular a diminuição de direitos de alguns generos. Inglezes, uma vez que isso nos faça conta, para obter tambem a diminuição dos que pesam em Inglaterra sobre os nossos productos, e é isso o que a França e Inglaterra tencionam agora fazer no Tractado que estão negociando, sem quê por isso os Francezes abandonem o systema das Pautas. — Dizer aos Inglezes (por exemplo) = os vossos lanificios pagarão menos que os lanificios Francezes, se permitirdes que os nossos vinhos paguem menos do que os Francezes, = não é querer destruir as Pautas, antes uma transacção desta combina muito bem com o systema das Pautas: não digo que se faça nem que senão faça, só quiz apontar esta hypothese para remover idéas que andam espalhadas entre gente que nada entende desta materia.

O nobre Senador, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, fallando em outra occasião sobre o reconhecimento da independencia do Brasil, deu logar a que hoje a Camara ouvisse alguns esclarecimentos interessantes que deu o Sr. Conde de Villa Real, e peço licença para me aproveitar desta circumstancia, a fim de dizer algumas palavras sobre a historia da separação do Brasil: será mais um fragmento para a historia contemporanea que está discussão tenha trazido á luz, a qual não é inutil, e não deixa de ser curioso; comtudo devo pedir perdão á Camara se tiver de fallar em mim alguma vez.

(Profundo silencio,)

Quiz a sorte que desde o anno de 1815 eu me tenha achado collocado (ora em missões estrangeiras, ora no Governo deste Paiz) na necessidade de entrevir nos grandes negocios de Portugal, e ter delles conhecimento; e quia a fatalidade, a minha má fortuna que eu visse neste periodo desmembrar-se a Monarchia Portugueza. A maior parte da gente ignora talvez se eu tive algum gráu de culpa neste acontecimento, e a minha justificação existe em papeis que não tem sido vistos nem julgados, porque quasi tudo o que sobre tal assumpto, se tem publicado, tem sido libellos ou narrações muito incompletas, escriptas sem conhecimento de causa; e muitas dellas dictadas pela prevensão do espirito de partido, ou pela intenção decidida de calumniar.

A ida da Familia Real para o Brasil alterou de Uma vez, e para sempre, a posição de Portugal com respeito ás suas Colonias Americanas; a abertura dos portos do Brasil aos estrangeiros, o estabelecimento da Côrte naquelle Paiz, e logo depois a revolução das Colonias Hespanholas, foram factos taes que tornavam impraticavel, ou summamente difficil o restituírem-se as relações do Brasil com Portugal ao estado em que antes se achavam. Todos os homens que viam um pouco ao longe, conheceram, desde aquelles acontecimentos, que estava acabada para sempre a dominação da Metropole; por certo espaço de tempo não se deu muita attenção nem importancia a isso, porque chegou a ser um problema a conservação de Portugal debaixo do imperio da Casa de Bragança; esse problema resolveu-se, por fortuna» da maneira mais brilhante e vantajosa, e então appareceu a necessidade de restituir este Reino á importancia politica que lhe competia. Logo depois da paz de París fez-se uma tentativa pala esse effeito, e, fallando a verdade, essa tentativa não foi Portugueza, más desejada e Imaginada pelo Governo Inglez; entretanto ereis que era, até ceita ponto, n'um interesse Portuguez, ao menos no interesse de Portugal; essa tentativa tinha por fim que o Senhor D. João 6.º regressasse a Lisboa, para que chegou mesmo a ir ao Rio de Janeiro uma esquadra Ingleza, commandada pelo Almirante Beresford, irmão do Marechal. O Senhor D. João 6.º que conhecia as grandes difficuldades e os grandes inconvenientes que podiam resultar de annuir a essa proposta, e tambem porque não desejava desamparar b Brasil ao qual já tinha inclinação; recusou embarcar; e assim foi abandonada essa idéa:

Appareceu logo outro problema mais difficil de resolver para todo o homem d'Estado Portuguez, — a maneira como se governariam estes dous Paizes para o futuro; e sobre tudo quando chegasse a epocha da falta do Senhor D. João 6.° — Entretanto houve á revolução de 1820 em Hespanha, o adiantamento das sedições das Colonias Hespanholas, e a resolução que tomou Mr. Canning de reconhecer a sua independencia, para, de certo modo, como elle dizia publicamente, contrastar á influencia que a França tinha adquirido pela intervenção na Hespanha. Estes acontecimentos trouxeram a Portugal o que todos sabem — a revolução de 1820 — que lendo justificada por mil razões, entre outras, pelo desejo de Liberdade que se havia proclamado no Paiz visinho, e pelo peso que se sentia em Portugal da influencia estrangeira, que em verdade era intoleravel, foi sobre tudo popular, porque apresentou a perspectiva da volta d'ElRei a Portugal, sendo certo que a ausencia da Familia Real era então insupportavel, porque este Reino não podia ser governado por um Governo que estava no Brasil. — Eu tinha sido chamado para o Ministerio no Rio de Janeiro, e achando-me nesse tempo de passagem em Portugal, procurei não fazer retroceder nem anniquilar os successos de 1820, porque isso estava bem longe das minhas idéas; mas desejei sim que parasse um pouco o andamento da revolução, quero dizer, que o Governo se limitasse a convocar Côrtes, e não désse mais passo entre quanto se não Soubesse o que El-Rei deliberava: era este o me projecto, concebido antes, e de que muita gente naquella epocha teve conhecimento, e citarei uma das pessoas mais respeitaveis, e que mais figuravam naquelle tempo o Sr. Fr. Francisco de S. Luiz, hoje Patriarcha Eleito, áquem eu me abri completamente, e que abundava Ha mesmas idéas. O meu projecto foi narrar ao Senhor D. João 8.º o que se passava em Portugal, e representar-lhe a necessidade de tomar providencias adoptando algumas medidas que não fossem daquellas que tornavam imminente a perda do Brasil; em poucas palavras, consistiam essas medidas em enviar Seu Filho Primogenito a este Reino, com o titulo de Regente ou Condestavel, mas enviado com uma Carta na qual se fixassem os principaes direitos que se achara consignados nas Leis fundamentaes de todos os Paizes que gosam de um Governo Representativo; e ao mesmo tempo fazer no Brasil o chamamento não de uma especie de Senado de quinze a vinte pessoas no qual entrariam as notabilidades e authoridades das diversas Provincias, e ahi se deveriam discutir aquellas medidas de administração que parecessem mais convenientes ás circumstancias em que se achava o Paiz. Isto se apresentou a ElRei, e com muito custo se chegou a conseguir que S. Magestade, adoptando estas idéas, assignasse por fim o Decreto para as levar a effeito, mas infelizmente não chegaram a ver a luz; em prova do que acabo de dizer, posso citar por testemunhas Membros actualmente das duas Camaras. Achando-se ai cousas nestes lermos rebentou a revolução de SS de Fevereiro, revolução promovida pelos agentes das Sociedades secretas que communicavam entre os dous Paizes, infelizmente protegidos e capitaneados pelo Herdeiro da Corôa, que se não persuadio da conveniencia das medidas que eu propunha, e que aliás perfeitamente sabia que até estava prompta a esquadra para o conduzir a Portugal e que annos depois teve muitas vezes a generosidade e a franqueza, assim no ocio das nossas conversações em París coma no Porto e no meio dos cuidados que com tanta razão inspirava a nossa situação, teve a bon-

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dade de ma dizer que confessava ter-se enganado, e sentia profundamente o erro que tinha commettido. — Rebentou pois aquella revolução, e a consequencia della foi inverter-se o meu plano; em logar de vir o Principe para Portugal e de ficar ElRei no Brasil, resolveu-se o Senhor D. João 6.° a embarcar, e deixou Seu Filho no Brasil, ainda com pouca experiencia, com uma cabeça volcanica, com muito desejo do bem -e da gloria, mas talvez em circumstancias de não saber sempre avaliar em que consistia a verdadeira gloria.

El Rei chegou a Lisboa, e escuso dizer o que então se passou; foi obrigado a submetter-se, e desembarcou curvando a cabeça: em logar de se apresentar trazendo comsigo a Carta das Liberdades Portuguezas, foi ás Côrtes das Necessidades receber a Lei que lhe impozeram. Pareceu abraça-la com muito boa vontade, e de facto abraçou-a com aquella sinceridade que é possivel quando se recebe a Lei. — Não direi quaes foram as mudanças que vieram depois, nem qual foi a historia desses dous annos, mas sómente que algumas imprudencias do Corpo Legislativo daquelle tempo promoveram e acceleraram acontecimentos, que eram aliás inevitaveis pela natureza das cousas, isto é, a separação do Brasil. (O Sr. Miranda: — Peço a palavra.) Eu não pretendo fazer accusação nenhuma a ninguem por esses erros, se os houve, porque eram desculpaveis; (O Sr. Miranda: — Tenho que responder a isso.) estou contando a historia desse tempo, e creio que alguns actos legislativos acceleraram a declaração da independencia do Brasil.

Accrescentarei uma simples observação por me ser pessoal, e é a minha palavra de honra de que eu não concorri para a reacção de 1823: não digo que o não fizesse se me achasse em circumstancias de o fazer, mas nem soube que essa reacção se promovia. Não estou fazendo uma profissão de fé, estou narrando factos, e dou a mais completa denegação a todas as accusações que se possam ter feito contra mim, como tendo tido parte naquelle acontecimento.

O resultado delle para mim foi ser eu chamado ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros. Abracei com enthusiasmo a promessa que o Senhor D. João 6.º tinha feito, naquella occasião, de dar uma Carta ao Paiz com duas Camaras, e fiz tudo quanto de mim dependia para que ella se realisasse; o primeiro passo que para isso se deu, não se teria dado se eu não o determinasse, foi a nomeação de uma Commissão para fazer a Carta. Trabalhei nella o que pude, mas achei depois difficuldades insuperaveis para a sua promulgação, tanto dentro como fóra de Portugal, e sobre as quaes todo o mundo me poderá agora fazer justiça, e poderão avaliar todos os que tiverem noticia da Obra de Mr. de Chateambriand, sobre o Congresso de Verona, na qual estão algumas Notas minhas, e se manifesta, a opinião que de mim formavam os Gabinetes da Europa, que me consideravam como obstinadamente liberal, (apoiados.) homem do movimento, (Riso.) e que inspirava desconfiança á maior parte dos Gabinetes. Sobre isto podem ainda dar algumas provas mais, porque a Commissão das Cinco Potencias, que então existia, e que era uma especie de corpo dictatorial (como já tive occasião de dizer) que decidia dos destinos da Europa, mandou uma especie de accusação era uma Nota, concebida em termos asperos, aos seus agentes em Lisboa para me ser communicada, Nota a que respondi com altivez possuido do justo sentimento da independencia de Portugal, e vali-me do apoio de Mr. Canning, visto que a Inglaterra na Commissão das Cinco Potencias não concordava com as outras na idéa de fazer dissuadir o Senhor D. João 6.º das suas promessas. E nada mais direi a este respeito; vamos á separação do Brasil.

As duas idéas que me occuparam, quasi exclusivamente, desde que fui chamado por ElRei no anno de 1823 ao Ministerio, eram — a realisação da sua promessa, e um ajuste com o Brasil; e a respeito desta tractei logo de dar o primeiro passo. Agora fallarei sómente sobre a questão do Brasil, e não passarei daqui. Essas negociações começaram immediatamente no anno de 1823, e desde o primeiro dia em que tomei conta da Repartição dos Negocios Estrangeiros. E o passo que me pareceu mais natural, convencido, como eu devia estar, de que, não obstante alguns erros passados, o Principe Herdeiro da Corôa de Portugal não podia ser tão cego sobre os seus interesses que desejasse a separação, o primeiro passo que dei foi eu mesmo escrever ao Principe de Metternich, pedindo-lhe a intervenção directa e unica da Côrte de Austria, por isso que o Imperador era Sogro do Principe Real, e que por esta razão, não podendo ser estranho á sua Familia, se interessaria em summo gráu no bom exito da negociação; este arbitrio era tambem fundado como um meio de excluir a intervenção da Inglaterra, a qual, sendo amigavel a muitos respeitos, não podia ser propicia á união do Brasil com Portugal, porque era conhecido que a politica de Inglaterra se encaminhava a apressar a independencia de toda a America, e não era natural que por considerações de probidade politica, sempre inferior em gráu á probidade particular, o Governo Inglez desistisse do seu systema geral só com o fim de nos favorecer; e então pareceu-me acertado pedir a mediação do Gabinete Austriaco. Fiquei surprehendido quando, recebendo a resposta do Principe de Metternich, vi que elle recusava essa mediação. Esta recusa nascia, primeiro, da convicção em que este Ministro se achava de que todas as diligencias seriam baldadas para que a intervenção da Austria podesse ter exito favoravel a Portugal, o que sabia por meio do agente que o seu Governo tinha no Brasil; e em segundo logar, aquella recusa era tambem occasionada pelo desejo que essa Potencia nutria de estar bem com a Inglaterra, porque as grandes Potencias não sacrificam os seus interesses aos das secundarias, razão pela qual a Austria se não queria metter n'um negocio de que podiam suscitar-se ciúmes ao Gabinete de Londres.

Logo que foi recebida esta resposta, dei um segundo passo, antes de me resolver a entregar o negocio á mediação d'Inglaterra, passo dictado pelo estado das cousas e pela boa razão, que levava a crer que as partes interessadas se entenderiam melhor, e mais facilmente entre si á que deixando que estrangeiros interviessem nos seus negocios. Aconselhei por tanto o Senhor D. João 6.º a que mandasse uma missão especial ao Brasil; todos sabem que esta missão foi composta do Conde de Rio-Maior, e Vieira Tovar. Sahiram n'uma embarcação de guerra, acompanhada de outra, e levavam instrucções cheias de amor e no mais sincero espirito de conciliação, indo habilitados a fazer todas as concessões justas e possiveis, em fim dictadas pelo interesse, que era mutuo das duas partes, e pelo desejo de promover o bem de ambas ellas e de fazer este grande serviço á Nação. A Camara não ignora como aquella missão foi recebida; ao Conde de Rio-maior não foi permittido desembarcar nem dar conhecimento das propostas que levava; a embarcação de guerra em que elle ia foi desarmada e detida; depois ficou no Brasil, tendo o Conde de Rio-maior de se embarcar em outro navio para regressar a Portugal sem ter feito cousa nenhuma, e trazendo o desengano de que era impossivel entender-nos directamente com o Principe e perdidas quaesquer diligencias que para isso aventurássemos.

Chegando-se a este ponto, e tendo-se feito duas tentativas tão infructuosas, resolveu-se fazer um armamento consideravel tanto na idéa de desaffrontar o Paiz, se fosse absolutamente necessario, como ainda mais na esperança de que este servisse como um meio tambem de negociação, porque todos sabem que apresentar-se armado é muitas vezes um arbitrio util e um grande meio de negociar, e tambem é sabido que Portugal, naquelle tempo, tinha ainda forças sufficientes maritimas e terrestres para não poder ser despresado pelo Governo do Brasil. Arranjou se pois aquelle armamento; e emquanto se preparava sobre uma escala grande, tractou-se de mediação, a qual, sendo proposta por Inglaterra, foi acceita tanto por Portugal como pelo Brasil; mas então accrescentei a exigencia de que, pelo menos, a negociação não tivesse unicamente a Inglaterra por mediadora. — Para bem se entender a utilidade desta exigencia, é preciso ter em vista que, no tempo de que tracto, as Cinco Potencias julgavam poder intrometter-se em tudo; mas a Inglaterra excluia a França e a Russia no que dizia respeito á America, e se as tivessemos pedido para mediadoras, então a consequencia teria sido que os Inglezes reconheceriam immediatamente a independencia do Brasil sem lhes importar mais negociação. — Consegui que se admittisse a Côrte de Austria pelas relações de parentesco com a Familia Real no Brasil, e sendo esta uma Potencia não maritima nenhum ciúme inspirava á Inglaterra. Admittida a mediação por este modo, vieram Plenipotenciarios Brasileiros para Inglaterra, e daqui foram mandados plenos poderes ao Sr. Conde de Villa Real que então era Enviado de Portugal na Côrte de Londres. Mas, para proseguir esta narração com methodo, e segundo a ordem dos tempos, direi que pouco depois de se acharem encaminhados estes arranjos, que davam alguma esperança de bom resultado, appareceu em Lisboa a saturnal de 30 de Abril de 1824, que tomou como um dos seus futeis pretextos o armamento que então se estava fazendo para o Brasil. Esta catastrophe, ainda que por fim acabou bem, enfraqueceu summamente o Governo Portuguez, porque fez perder tempo, e creou facções no Paiz, desmontou toda a machina administrativa, e tirou toda a possibilidade de se levar a effeito a expedição do Brasil: abandonado pois este meio auxiliar de negociação, era forçoso limitarmo-nos ás negociações que estavam entaboladas. Ora esta negociação apresentava gravissimas difficuldades. Por pouco que se entre no espirito della, ha de se reconhecer, em primeiro logar, que não ha exemplo na historia, quando uma Colonia, depois de ter adquirido um certo gráo de desenvolvimento, se revolta contra a mãi patria, de que ella deixe por fim de conquistar a sua independencia. Em segundo logar, tudo parecia, é verdade, aconselhar-nos que procurassemos ajustar-nos, seguindo um systema de conciliação, com o Brasil, porque quanto mais depressa nos entendessemos com elle, melhores condições poderiamos obter; e pelo contrario, quanto mais se demorasse a negociação maiores difficuldades sobreviriam. Porém não está na natureza do coração humano o sujeitar-se promptamente, e sem resistencia, a desistir de antigos, e estabelecidos direitos, quando para isso é necessario guiar-se sómente pela razão, e contrariar os preconceitos, e as idéas arraigadas no Paiz. Entretanto as difficuldades não existiam tanto no Governo, nem mesmo em ElRei; Sua Magestade era dotado de muita perspicacia para deixar de conhecer a impossibilidade de sujeitar o Brasil, mas repugnava sanccionar a sua separação, e esta repugnancia era muito natural: (apoiados.) a maior difficuldade estava na disposição do espirito publico em Portugal. O publico disposto a criticar o Governo, e não tendo todo tempo sufficiente para se convencer da inutilidade dos esforços que se fariam para tornar a reunir o Brasil á Corôa Portugueza, que pensaria, e que diria se depois só de um anno de luta se reconhecesse a independencia daquella Colonia? Diria que os Ministros tinham sido comprados, que atraiçoavam o Rei e a Nação. A experiencia mostra, que o reconhecimento da separação das Colonias pelas Metrópoles, só tem tido logar depois de estas se terem convencido de que lhes não é possivel sujeita-las. Havia outra circumstancia, que tornava as difficuldades ainda maiores, e consistia em que o individuo que se havia collocado á testa da revolução do Brasil era o Principe Herdeiro da Corôa de Portugal; isto tornava a resolução do problema quasi impossivel. Acceitar a renuncia do Principe Herdeiro á successão deste Reino depois da morte de seu Pai, era um negocio da mais alta gravidade: era muito duvidoso, quando mesmo elle a quizesse fazer, se se poderia acceitar, e ainda mais se tal renuncia se lhe poderia exigir. Porém isso traria gravissimos inconvenientes pela outra circumstancia, que ninguem ignora, da pessoa em quem a sua cessão da Corôa recahiria (a não ser reservada para algum dos Filhos do Principe), peja difficuldade de fazer um arranjo dessa natureza no momento em que as paixões estavam mais acaloradas. Nesta conjunctura que aconselhava pois a prudencia? Aquelles que desejando o bem do Paiz consideravam a impossibilidade de sujeitar de novo o Brasil a Portugal, e mesmo de uma só Corôa nos dous Paizes, desejavam que se tirasse o maior partido das circumstancias, reservando ao Senhor D. Pedro a Corôa de Portugal depois do fallecimento de Seu Pai, ou ao menos a faculdade de acceitar, ou abdicar essa Corôa, como depois aconteceu. O que aconselhava a prudencia ena demorar, deixar esfriar as paixões, e isso foi o que se fez: convinha talvez fazer um Pacto de Familia, analogo áquelle que se celebrou entre França e Hespanha, mas isto deixava-se para um pouco mais tarde, para quando os arranjos administrativos, e commerciaes tivessem sido concluidos com o Brasil, então estariamos todos em mais accôrdo, e nesse tempo tambem o Principe Real se acharia em mais liberdade para fazer aquillo que os seus interesses, e o seu coração lho dictava, mas que as circumstancias do paiz em que se

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achava por então lhe vedavam. Esta tentativa fiz eu, e se o successo a não coroou, persuado-me que não foi por culpa minha. A Camara já ouviu a explicação de uma das pequenas causas que fizeram gorar esta negociação, e mais uma vez se verificou, que os grandes effeitos dependem ás vezes das cousas que parecem menos importantes.

Ainda depois de Abril de 1824 mandei novas instrucções ao nosso Plenipotenciario, que se achava em Londres, instrucções longas, que tinham sido muito meditadas, e eram concebidas n'uma serie decrescente de proposições; devia diligenciar-se para que as primeiras fossem acceitas, não o sendo, apresentar as segundas, e assim por diante: as primeiras tendiam a declarar separada para sempre a administração dos dous Paizes; os Corpos Legislativos mesmo deveriam ficar independentes um do outro; o Sr. D. João 6.° assumia o Titulo de Imperador, conservando a suprema authoridade nos dous Paizes, (e desta especie tirou-se depois um partido ridiculo, porque El-Rei assumiu o Titulo no acto em que cedia effectivamente o Imperio), o Principe Real ficava-se chamando Rei do Brasil em vida do Imperante, e por morte deste a Corôa recahiria em seu Filho Primogenito, o qual então decidiria se queria vir para Portugal, deixando lá seu Filho, etc. Em fim era (como disse) uma serie de propostas illusorias, algumas outras exequiveis, neste sentido; e concluíam as instrucções, que se nenhum desses planos fosse acceito, propunha Portugal que ficassem desde logo separados os dous Paizes, e o Brasil declarado Estado independente, já que assim era forçoso; mas sempre estipulando-se vantagens commerciaes reciprocas, e muito mais consideraveis do que aquellas que por fim se obtiveram, e uma forte indemnisação pecuniaria. Naquella época representei eu muitas vezes ao Sr. D. João 6.º a necessidade de prevenir em sua vida, por um acto publico revestido de todas as solemnes formalidades, que as Leis antigas do Reino admittiam, as difficuldades que a successão de Portugal e do Brasil suscitariam por sua morte, sem o que deixaria em legado aos seus subditos uma guerra civil. Este conselho, que posso justificar com documentos, não foi então seguido, e as minhas prophecias saíram desgraçadamente verdadeiras. As instrucções dadas ao Sr. Conde de Villa Real não pareceram desacertadas aos Mediadores, não obstante o grande desejo que o Governo Inglez tinha de vêr confirmada a separação do Brasil, porque Mr. Canning, que então dirigia as relações estrangeiras naquelle Paiz, tinha uma alma generosa, e ia para as idéas que apresentassem um certo caracter de grandeza; elle tinha toda a tendencia a nosso favor, aquella, digo, que era compativel com o que elle reputava ser o interesse do seu Paiz.

Sobre essas bases se começou a negociar: os Commissarios Brasileiros resistiam oppondo as maiores difficuldades; mas achando pouco apoio no Gabinete de Londres, alguma cousa se ia concluir, quando tudo veiu destruir uma das fatalidades que nos tem perseguido ha annos a esta parte, tornando inuteis todas as diligencias dos homens.

Uma dessas fatalidades quiz que um Ministro que comigo servia no Gabinete do Sr. D. João 6.º (era o primeiro Ministro, mas não o dos Negocios Estrangeiros) se lembrasse, talvez com boas intenções, mas de certo com pessimos resultados, de mandar uma missão directa ao Brasil, encarregando-a a um homem de pouca intelligencia em quem pôz confiança; mas desgraçadamente dando-lhe instrucções copiadas por aquellas que eu tinha mandado para Inglaterra, o que era tractar o negocio no Rio de Janeiro ao mesmo tempo que se tractava em Londres. Além disso commetteu-se a um homem que não tinha as circumstancias necessarias para lhe dar um grande peso, e que se apresentara em missão clandestina: foi recusado in limine no Brasil, e a Londres foi notificada essa recusa aos Commissarios do Governo Brasileiro quasi ao mesmo tempo que o Sr. Conde de Villa Real começava a negociar. Rejeitada a proposta, antes que em Londres se tivesse tomado em consideração, declararam os Negociadores que não se lhe podia dar seguimento, e ultimamente se anojaram da maneira por que tinha sido tractado este negocio, parecendo-lhes tal procedimento uma especie de perfidia, e até pediram della satisfação ao Governo Portuguez. Eu fiquei momentaneamente surprehendido; fiz quanto devia para me lavar da suspeita de duplicidade, e declarei-lhes que ignorava completamente esse negocio: entretanto, sempre fiquei suspeito de má fé, como quem tinha, ao mesmo tempo que iam instrucções para a negociação de Londres, procurado por meios indirectos e clandestinos, que ella se terminasse no Rio de Janeiro.

Deste modo se perdeu a unica esperança que para nós havia favoravel. Por outra parte os Inglezes, aproveitando-se desta circumstancia, disseram que a negociação tractada de uma maneira falsa não devia protrahir mais a situação do Brasil, e que era tempo de reconhecer a sua independencia: tractaram de mandar um Plenipotenciario ao Rio de Janeiro para alli fazerem um Tractado de Commercio sem se embaraçarem com o reconhecimento de Portugal, e claro está que logo que elles concluissem esse Tractado, não havia possibilidade de obtermos concessão nenhuma do Brasil para a compra da sua independencia.

Pela especie de traição que nos collocou em tão desagradaveis circumstancias, houve algumas dissidencias e intrigas no Gabinete Portuguez, cujo resultado foi o chamarem-se outros Ministros. Por mim desde a primavera de 1825 não tornei a tomar parte nas discussões ministeriaes.

O Ministro que me succedeu era um homem de bem, muito patriota e zelloso da prosperidade do Paiz, de quem fui amigo intimo, e por isso me custa a desapprovar a sua conducta, mas considerando-a como Portuguez, e como homem publico, digo que nunca se deu um passo mais falso nem mais fatal do que foi acceitar a offerta feita pelo Ministro Inglez, que passava por Lisboa, encarregado de ír ao Rio de Janeiro negociar o Tractado de Commercio entre a Inglaterra e o Brasil, e que trazia ordem para se nos offerecer se quizessemos aproveitar a sua ida áquella Cidade. Deram-se-lhe umas instrucções feitas á pressa, que elle levou e produziram o Tractado que nós vimos feito, sem intervenção de ninguem que servisse de protector aos interesses de Portugal, e no qual, por consequencia, se não acha senão uma ou duas clausulas que contenham alguma especie de consolação, e ainda assim essas era absolutamente impossivel o deixar de as inserir, mas são muito menos vantajosas do que podiam ser. Eu fui nesse tempo mandado a Inglaterra como Embaixador, e cheguei alli quando Sir Carlos Stuart vinha para Portugal, ignorando o que elle vinha fazer. Depois o mais que pude alcançar foi induzir Mr. Canning (digo induzir com razões ás quaes cedeu com generosidade) a que mandasse uma embarcação a toda a pressa para a Madeira, a fim de alcançar Sir Carlos Stuart, como felizmente alcançou; com ordens para que elle, visto Portugal have-lo acceitado para seu Plenipotenciario no Brasil, não tractasse cousa nenhuma a respeito do commercio com Inglaterra, sem primeiro ter obtido o Tractado por parte de Portugal. Ainda consegui isto, e dahi por diante consegui de Mr. Canning tudo quanto podiamos desejar; mas já para remendar as fraudes que se nos tinham feito, e remediar o mal em parte, porque evita-lo era impossivel. Sómente accrescento que Mr, Canning abundou no sentido de que se devia reservar a Portugal e ao Brasil o direito de estipular favores reciprocos, com aquella preferencia que era natural em dous Paizes que tinham sido unidos por seculos, e que se separavam amigavelmente, sem que outra nação podesse levar a mal que esses favores entendessem com o seu commercio; e a este respeito tive as seguranças maiores. Effectivamente o Brasil continuou a inserir essa reserva, depois de concluido o Tractado com Portugal, em todos os que fez com as outras nações, e (como eu já tive a honra de dizer neste logar) só ha muito pouco tempo deixou de seguir esse systema na redacção de um ou dous Tractados. Vieram depois muitos acontecimentos tristes para este Reino, como a morte d'El-Rei D. João 6.º, a usurpação, a guerra civil, e os mais que de todos são conhecidos, e foi impossivel olhar por esses negocios no decurso de alguns annos: são já passados quinze depois da emancipação do Brasil, e agora a mesma Inglaterra diz que é tarde para se julgar ainda ligada á promessa que tinha feito de consentir favores reciprocos nas relações commerciaes dos dous Paizes, que se deviam ter aproveitado annos que já decorreram; em fim, isso é uma questão que se vai liquidar: sómente direi que é para lamentar que o Principe a quem Portugal deve um eterno reconhecimento, Principe Magnanimo cujas acções são um dos brazões de gloria da Nação Portugueza, (Apoiadas geraes.) e cujo Nome ha de passar á mais distante posteridade; é para lamentar, digo, que não reconhecesse naquelle momento (porque em fim todos na sua vida tem algumas horas menos claras) que o seu interesse e gloria exigiam que promovesse as relações intimas entre os dous Paizes, na separação dos quaes, talvez por uma fatalidade a que, não poderia subtrahir-se, elle tinha figurado em primeiro gráo. (Sensação). Se no Tractado de 1825 se tivesse inserido mais clara e terminantemente o principio que ora se discute, não nos teriamos nós visto na necessidade de o pedir ao Brasil, de o defender para com os estrangeiros, e de demonstrar a realidade da sua existencia. O que se estipulou naquella época foi muito pouco e muito desigual para Portugal, porque nós oferecia-nos então um mercado exclusivo aos principaes generos da cultura do Brasil, e no Brasil tinham-se completamente invertido as cousas; em logar do commercio daquelle Paiz passar pela fieira de Lisboa, íam os nossos productos pagar ao Brasil direitos maiores do que os de outras nações estrangeiras. Porém esse mesmo statu quo, que se estipulou entre Portugal e o Brasil no Tractado de 1825, esse mesmo talvez nos faria conta conservar ainda, ao menos em parte, e reservaríamos de bom grado para o Brasil a grande vantagem de consumirmos exclusivamente alguns dos generos que alli se produzem, se o Brasil quizesse tambem conceder-nos alguma vantagem clara e reciproca na admissão dos nossos generos.

Eu tencionava limitar-me a narrar a negociação ácerca da independencia do Brasil, mas insensivelmente tractei das relações actuaes entre os dous Paizes: não me resta agora senão agradecer á Camara a excessiva paciencia que mostrou em me ouvir.

O Sr. Miranda: — Eu desejo dizer alguma cousa ácerca de alguns pontos em que se tem tocado, e de algumas allusões que se fizeram á época de 1820.

Sr. Presidente, não são muitas as pessoas que aqui estão daquellas que tomaram parte nos negocios politicos daquelle tempo, e sendo eu deste numero não posso deixar de defender as Administrações que então existiram, de algumas increpações que se lhe tem feito, ácerca da separação do Brasil em 1822, e 23; porque não foram as Côrtes de 1821, 22, e 23, nem as Administrações desse tempo que concorreram para a separação do Brasil, e para o mostrar bastaria recorrer á historia dos acontecimentos, e ao testemunho das pessoas que tomarem parte nas transacções dessa época.

O nobre Duque de Palmella, entre muitas cousas que referiu, deixou de dizer que Portugal estava reduzido em realidade a uma Colonia do Brasil; sujeita á tutela dos Inglezes, porque o General Beresford era de facto o rei de Portugal: não tinha este titulo, mas sabia gosar melhor de que ninguem de todas as regalias da soberania; [Apoiados) e tanto que se alguem ha que possa ter motivos para ser declarado inimigo do Governo Representativo, que se estabeleceu em Portugal, é o General Beresford por se vêr expulso de Portugal, e obrigado a saír do Tejo, quando elle esperava ser recebido em triumpho, com arcos de louro e murta, e quando vinha revestido de tanta authoridade e poder, como em uma Provincia Romana, e em tempo de guerra, poderia ter um verdadeiro Pro-Consul. (Apoiados.) — Vejamos pois o que se passou naquella época, e recorramos aos factos que então tiveram logar, ainda que de passagem.

Sr. Presidente, a Diplomacia não dormiu então; mas a Diplomacia é uma dama que recostada em o seu sophá, e rodeada de protucólos, notas e memorias discorre, medita e observa os acontecimentos, que ella pertende dirigir, quando de ordinario elles seguem o seu curso e a sua ordem natural; porque tão possivel é a um Diplomatico governar o movimento dos povos, como a um astronomo o dirigir, com a penna na mão, o movimento dos planetas. A Diplomacia não dormiu, porque o Marquez de Marialva, então Embaixador em París, assim que teve noticia dos acontecimentos da Cidade do Porto, dirigiu-se a todas as Côrtes da Santa Alliança, e á de S. James, descrevendo com as mais carregadas côres a que o Marquez chamava em suas notas a peste que tinha apparecido na Cidade do Porto, e que muito receava se estendesse a todo o Reino, porque o Reino visinho, a Hespanha, se achava, não iscado, mas de todo infecto com a mesma peste. Porém com mais efficacia, por isso que mais promptos auxilios pediam prestar, dirigiu-se ao

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Governo de França e ao de Inglaterra: a França prometteu mandar alguma embarcação de guerra, e effectivamente ainda vieram ao Tejo duas Fragatas mas a Inglaterra, nenhum movimento fez. Era então primeiro Ministro Lord Castlereagh, Lord Castlereagh que certamente não favorecia nem era affeiçoado aos movimentos, que tiveram então logar na Peninsula de Hespanha e Portugal; comtudo, Lord Castlereagh responde ao Marquez de Marialva; que o Governo de S. M. Britannica hão tinha sido provido com meios necessarios para um armamento: que se, naquella occasião, o Governo] quizesse armar algumas embarcações de guerra, para virem a Portugal, o povo de Londres o veria com muito máus olhos: que o Governo de S. M. Britannica recebera com sentimento a noticia da occorrencia que houvera na Cidade do Porto; porém que são podia deixar de observar a S. Ex.ª o Marquez de Marialva, que o povo Portuguez, na mudança que tinha havido, senão desprendera da sua antiga affeição e amor natural á Casa Reinante de Bragança; e que por outra parte, e tudo bem considerado, havia grande perigo em exacerbar o espirito de um povo, que tinha tomado uma resolução tão positiva, e com tanto enthusiasmo sustentada; porque do contrario poderia resultar, pela ausencia da Corte, unirem-se os Portuguezes aos Hespanhoes, pouco affectos a Fernando 7.°, constituindo-se em uma só nação, como Republica, ou com outro qualquer governo, o que por maneira nenhuma convinha á Inglaterra. — Está ahi a resposta de Lord Castlereagh, de que tenho boa lembrança; porque tive em meu poder a nota original, como Membro que fui da Commissão Diplomatica das Côrtes de 1822. Esta foi a resposta de um grande Diplomatico da época, e que sendo de um inimigo, creio eu, da liberdade do Continente, protegeu pelo modo o mais positivo a causa da nossa liberdade, apezar das lamentações que o Marquez de Marialva foz á Côrte do Rio de Janeiro, por occasião da resposta que recebeu de Lord Castlereagh. Assim fomos então respeitados pela Inglaterra; estivemos em boa harmonia com Côrte de Roma, que aqui teve sempre o seu Nuncio Apostolico; e se depois occorreram algumas desgraças, essas desgraças devem attribuir-se, não ás Côrtes de 1822 e 23, não ás administrações daquelle tempo, mas áquelles quem quer que foram causa dos embaraços e difficuldades, que successivamente foram apparecendo. (Apoiados.) Assim em 1821 as Côrtes continuaram os seus trabalhos, e nunca em Portugal houve melhor Administração de Justiça, nem de Fazenda. (Apoiados.) E porque? Porque se novos principios, e um novo organismo social foram proclamados, conservaram-se comtudo as Repartições, os estabelecimentos, e mechanismo antigo; e o bom espirito que dominava em todos concorreo, para que a Administração publica fosse então a melhor possivel: este bom espirito tarde voltará. O Governo achou um deficit muito grande, não menor que o actual, fizeram-se depois muitas e mui avultadas despezas extraordinarias, e apezar disso não se contraiu um só emprestimo! Isto faz por certo muitissima honra, aos homens que então dirigiram os negocios publicos.

O nobre Senador, que acabou de fallar, mostrou que naquella época os seus sentimentos eram muito liberaes; eu seria por cerco -o primeiro a attestar isso mesmo, porque tenho na minha mão um documento daquelle tempo, que prova quanto é exacto o que acaba de dizer S. Ex.ª

Sr. Presidente, assim continuaram as cousas até o tempo em que chegaram os Deputados do Brasil, porém logo que se acharam reunidos o aspecto politico da união da Familia Portugueza mudou de face. Aquelles Deputados pro testaram, por sua honra, e por suas cabeças, que o desejo da união dos Brasileiros com os Portuguezes, era o mais sincero: e este mesmo proposito foi muitas vezes repetido por um dei-los, Antonio Carlos de Andrade, homem de conhecimentos, de um talento raro, que tinha toda a influencia entre os Deputados do Brasil, e que apezar disso, nem sempre podia conter ou dirigir. Não obstante protestações destes Deputados; as frequentes discussões que promoveram, com quebra da dignidade e sisudeza, que até á sua chegada se mantivera nas Côrtes, e muitas idéas que transpiravam em seus discursos, mostravam bem quaes eram os pensamentos reservados que todos elles, com poucas excepções, tinham ácerca da união do Brasil com Portugal. Bem conhecidos eram elles de todo: os Deputados por Portugal, e outras Provincias do Reino; sem embargo, com o fim de desvanecer este Scisma politico, convocou-se uma noite uma reunião de todos os Deputados do Brasil, e de um grande numero de Deputados de outras partes da Monarchia, entre os quaes eu me achei naquella occasião. A reunião principiou ás oito horas da noite, e como questão previa propoz-se aos Deputados do Brasil, que estavamos dispostos a fazer todas e quaesquer concessões, em que todos elles concordassem; comtanto que estas concessões não fossem incompativeis com a unidade politica do Imperio Portuguez: que para este effeito era necessario, que todos elles se entendessem, e ajustassem em suas opiniões, antes de entrar-se na discussão dos pontos em que todos nós devia-mos discutir ou concordar. Seguiu-se immediatamente um vivo debate entre os Deputados do Brasil, de que devo exceptua r os dopará e Maranhão, e tantas e no variadas foram as opiniões, que seria impossivel referi-las com a brevidade que tenho em vista. Raras foram as que eram sensatas, como as dos Deputados Antonio Carlos de Andrade, Visconde de Pedra Branca, e algum mais, declarando a final, pelo modo o mais positivo, que os Deputados do Brasil não queriam vir a Lisboa, e que o Brasil tinha chegado ao tempo de existir por, si, como povo independente. A reunia acabou muito depois de meia noite; rasgou-se o véo que até então encobria os seus verdadeiros pensamentos, e pouco depus, e successivamente, e sem saudação, os Deputados do Brasil, excepto os do Pará e Maranhão, se foram retirando.

O Governo por sua parte fez quanto foi possivel, fez esforços que hoje seriam impossiveis, por manter os pontos do Brasil em que era reconhecida a authoridade do Senhor D João 6.º e auxiliou o Pará e o Maranhão que, por sustentarem a sua união Com Portugal, se achavam empenhados em uma guerra assolada com os limítrofes da Provincia de Pernambuco. Com tudo o Governo não fazia uma guerra obstinada e rancorosa; sustentava a guerra como a ulterior tentativa, para conseguir a unidade do Imperio Portuguez, e tinha assentado em seus Conselhos, de não fazer mais sacrificios com prejuizo de Portugal.

Vieram os acontecimentos de Villa Franca, promovidos em grande parte por aquelles mesmos que tinham concorrido para a separação do Brasil, durante o regimen da Constituição de 1822; e depois de abolido este regimen na gloriosa de Villa Franca, conceberam a louca e phantastica idéa de destruir o movimento que tinham tomado os povos do Brasil, de que elles renunciassem as suas convicções, e viessem humildemente curvar-se ao Governo absoluto proclamado em Portugal. — Com este fundamento foi mandado ao Rio de Janeiro o Conde de Rio Maior. Ninguem ignora qual foi o resultado daquella triste missão, e a mui digna resposta que ella teve da parte dos Brasileiros.

Daqui se vê, Sr. Presidente, qual foram as causas da separação do Brasil; esta separação foi a consequencia necessaria dos movimentos politicos da Hespanha em 1812, da America Hespanhola, de Portugal, e do Brasil em 1820, e em 1821; movimentos que a politica europea auxiliou, e combateu, ou indifferente contemplou, e não como se quiz dizer, por culpa ou por falta das Côrtes e do Governo daquelle tempo, o que é uma das muitas calumnias que contra elle e ellas então se a levantaram. (Vozes: — Votos, votos.)

Julgando se a materia sufficientemente discutida, foi posto á votação o Paragrapho 10.°, e ficou approvado.

Não obstante ser de Grande galla, resolveu se que no dia seguinte houvesse Sessão.

O Sr. Presidente Interino deu para Ordem delle, a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e fechou esta Sessão pelas cinco horas.

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