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DIARIO DO GOVERNO.

mais que não só é contraria á opinião que o Governo emittiu, mas tambem que todos quantos argumentos o illustre Senador apresentou, não provam mais do que isto mesmo que o Governo disse no Relatorio; por quanto todos tendem a mostrar que ha defeitos nas Leis organicas? que por isso devem admittir alguma reforma. O mais que provam é que faltam algumas providencias, e que é necessario aproveitar-se a experiencia, e fazer essas emendas que o bem do Estado reclama, mas não a proposição generica de que = o Paiz está desorganisado.

O illustre Senador fez-me lembrar as palavras de um antigo Poeta, que fallando do um grande homem disse: Nil actum reputam, siquid superesset agendum: o illustre Senador julgo que não ha organisação porque falta ainda alguma cousa; mas eu não tenho idéas tão elevadas, não sou daquelles que em taes circumstancias — nil actum reputant; antes estou persuadido que quando alguma cousa está feita não falta tudo.

Nós estamos aqui em virtude de uma Lei organica, que é a Lei eleitoral; e se o illustre Senador se referiu ao artigo transitorio; (Leu o artigo de Constituição) o que se segue é que se se alterar o que está na Constituição, faz-se para o futuro uma alteração na Constituição; mas não segue, que não estejamos presentemente organisados. Que força podem ter as nossas decisões saídas de um Corpo que não está organisado? (Apoiados.) A força das circumstancias faz muitas vezes com que as Leis devam ser reformadas, ou corrigidas; mas segue-se d'ahi que não existam em vigor em quanto se não faz a correcção?

Não farei muitas reflexões relativamente ao que disse o illustre Senador de não estar organizado o Poder Executivo. O Poder Executivo é exercido pelos Ministros; o Ministerio tem uma organização; os Ministros exercem as attribuições que estão marcadas na Constituição. Póde por ventura dizer-se, que o Ministerio exerce o Poder sem organisação? (Vozes: — Não, não.) Não posso entender, nem o illustre Senador apresentou razões algumas.

Em quanto ao Poder Judicial: não duvido que as Leis judiciarias precizem algumas reformas; sou de opinião que na instituição dos Jurados, sem que se altere a sua natureza, deve haver alguma reforma, que se devem dar providencias para se evitar algum abuso, mas segue-se por isto que não ha Leis organicas da Magistratura? Estão os Juizes todos os dias decidindo as causas nos Tribunaes, e não ha organisação?

Não é isto só que eu tinha a dizer; e devo accrescentar, que dizendo o Projecto que das Propostas do Governo depende a organisação do Paiz, apresenta uma asserção generica sim, mas positiva. É uma asserção que a Camara por maneira nenhuma deve admittir; esta asserção positiva involve uma approvação antecipada de todas as Propostas do Governo, affirmando que dellas depende a organização do Paiz: é um voto antecipado de approvação... (Uma voz: — Não se segue.) Não se segue? Se sequer dizer outra cousa, então approve-se o que está na emenda; porque não ha razão para que se não approve. Sr. Presidente, o sentido obvio das palavras que aqui estão no paragrapho, é que a Camara approva as regras geraes constantes das Propostas; e se no Projecto senão tinha em vista exprimir esta approvação, então diga-se que se approvarão as que forem necessarias e justas; não se póde argumentar com o espirito quando as palavras são claras; não ha logar a interpretações contrarias ao seu sentido obvio e natural; quando não ha ambiguidade nas palavras não se deve admittir questão sobre a intenção de quem falla, ou escreve. Por este motivo digo que não é possivel haver uma razão para demonstrar que se não devem substituir as palavras do Projecto pelas da emenda. — Perguntarei agora se a Camara se quererá comprometter com um voto antecipado a umas Propostas. (Vozes: — Ainda não appareceram.) Melhor: então como ha de a Camara dar um voto sobre aquillo que ainda não conhece? Mas eu sei que as Propostas fora/n apresentadas na Camara dos Deputados, e estão impressas. — Torno a repetir, como é que a Camara póde dar esse voto antecipado a Propostas que involvem questões da maior gravidade?

Ha um Artigo nas Propostas que diz, que o = Governo desenvolverá aquellas regras geraes; — e que porá em harmonia com estes principios a Legislação =; senão são estas as proprias palavras, é este de certo o pensamento; de fórma que as Propostas só contém principios, os quaes o Governo desenvolverá depois. Ora, este Artigo ou se refere áquillo que é puramente regulamentar, isto é, a marcar o modo, tempo, e occasião de se executar a Lei, e a dar providencias que são uma immediata consequencia da Lei, que não ataquem por maneira alguma os direitos individuaes, e que não criem crimes, nem declarem penas; e então é totalmente inutil, porque ninguem póde desconhecer no Governo este direito; ou se refere a que nós authorize-nos o Governo para legislar, e lhe entreguemos o Poder Legislativo, e em tal caso muita gente haverá que diga que o Poder Legislativo é incommunicavel, e que as Côrtes não podem demittir de si as attribuições Constitucionaes que tem. — Não entro agora nesta questão, mas trago este exemplo para reforçar o meu argumento; porque não é possivel concordar em que se annuncie já a approvação das Propostas, contendo ellas questões de tal importancia, em que é necessario apresentar as razões que se possam offerecer por uma, e outra parte. Parece-me impossivel até que tal se pertenda, e accrescento que poderia resultar uma collisão que por todos os modos se deve evitar. (Apoiados.) Se depois de toda a meditação de que carecem as Propostas, viessem alguns illustres Senadores, quando ellas se discutissem, dizer que as não admittiam, cahiriam em uma notavel incoherencia; ou ainda julgando inadmissiveis alguns dos seus Artigos, teriam que os approvar todos contra a sua propria convicção. Deve pois evitar-se essa collisão; e basta que se enuncie o principio com o qual nós estamos concordes, isto é, que algumas reformas são necessarias, e que approvaremos aquellas que forem convenientes para melhorar a organisação do Paiz.

Eu não creio que sejam sómente precisas reformas nas Leis Judiciarias, tambem entendo que ellas são precisas na administração: — por exemplo, penso que se devem reunir as duas Authoridades de Regedor de Parochia e de Juiz Eleito; penso que precisa reforma a administração orphanologica, que tem estado bem desorganisada; e que em outros mais objectos se precisa; mas não posso deixar de me oppôr a que a Camara vá já declarar a sua approvação a Propostas que ainda não examinou. Sr. Presidente, não sei como o Senado possa querer annunciar, que são adoptaveis medidas que até este momento não meditou. É impossivel; porque algumas dellas são da mais alta importancia, e requerem muito escrupulo, e muito séria attenção, para que sejam devidamente avaliadas; tal é por exemplo, aquelle Artigo em que se estabelece, que o contencioso administrativo deve pertencer aos Conselhos de Districto: esta questão é importantissima, e não é possivel, a meu vêr, que a Camara queira dar assentimento antecipado ao que se contém naquelle Artigo: a Camara não quer por certo que eu entre agora na analyse delle, nem eu o farei, porque conheço que não é a occasião propria; fa-lo-hei com tudo em tempo competente. Sómente pertendo mostrar a gravidade da questão, para dizer ao Senado que espero se não apressará a exprimir juizo positivo a respeito de Propostas, que contém objectos da maior transcendencia. Uma disposição que vai tirar as funcções judiciaes aos Juizes que até aqui as exerciam, allegando-se, para isso se fazer, a ignorancia dos Juizes naquellas materias, o pouco conhecimento que elles tem das razões pelas quaes se devem julgar aquellas causas, é certamente cousa de muita importancia. Tem os Juizes essa ignorancia, e não a têem os Membros do Conselho de Districto, pessoas que, segundo o que se diz no Relatorio das Propostas, são mais capazes de julgar das questões, que se hão de decidir pelas razões de Estado, e de conveniencia geral! Estou certo que nem os Juizes da Relação de Lisboa, nem os da do Porto, hão de ser dessa opinião. (Apoiados.) Quando se tractar desse objecto, eu hei de mostrar a inconveniencia de tal medida; e hei de argumentar com uma authoridade, que me faz muito pêso, francamente o digo, e estou persuadido que igualmente o faz a todos os illustres Membros do Senado: é essa authoridade a do Sr. Ministro dos Negocios do Reino em 1835: nessa época S. Ex.ª que tinha na Camara approvado a Lei de 25 de Abril do mesmo anno, fez executar essa Lei, e a desenvolveu no Decreto de 18 de Julho, e eu não espero vêr agora sustentar S. Ex.ª uma opinião em sentido contrario; antes tenho esperança de que ha de modificar a redacção do Artigo, modificação que na verdade muito se precisa, porque se tal Artigo se adoptasse, resultaria o maior transtorno ao serviço publico. Muito estimaria não me vêr nas circumstancias de argumentar contra a opinião do Sr. Ministro dos Negocios do Reino d'agora, sustentando a opinião do Sr. Ministro dos Negocios do Reino de 1835...

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Isso não admirará, porque muitos homens têem modificado as suas opiniões por força de circumstancias, ou da experiencia que o tempo produz.

O Sr. Leitão: — Assim será. — Sr. Presidente, continuarei dizendo que estas disposições sobre o contencioso administrativo, que primeiro appareceram entre nós na Lei de 16 de Maio de 1632, foram, como todos sabem, copiadas das Leis Francezas: ora destas Leis Francezas as do tempo da Convenção, e do Directorio queriam enfraquecer os Tribunaes, e augmentar excessivamente a authoridade das Administrações, que serviam muito bem a todas as medidas da revolução; e os authores dessas Leis tinham receio dos Juizes, que sustentavam a liberdade inseparável da ordem, (como diz o nosso Projecto); e Napoleão depois quiz dar aos Administradores poder excessivo, porque os Juizes sustentavam a ordem inseparável da liberdade. (Apoiados.) Eis aqui quaes são as fontes de que foram deduzidas aquellas disposições, e cuja doutrina é combatida pelos melhores escriptores.

Agora permitta-me o fazer mais algumas reflexões, que talvez não fossem de absoluta necessidade, mas para as quaes não julgo Ser impropria a occasião.

Todos os illustres Senadores sabem, que as decisões, do Senado para terem a força moral da opinião, é necessario serem acompanhadas da maior circumspecção. As Leis devem trazer comsigo o caracter da justiça, da igualdade, e da necessidade: e convém que todos conheçam (para lhe prestar obediencia) os motivos em que ellas são fundadas: e de outra maneira, se as Leis faltarem a si, não é para admirar que os outros lhe faltem. (Apoiados.) Nós por certo não havemos de querer que se diga, que as nossas decisões são resultado unicamente da simples contagem de votos, havemos antes de querer que se accredite, que ellas são o resultado de profunda meditação das materias. Sr. Presidente, nós devemos não perder de vista, que a maioria intra muros nem sempre é maioria extra muros.

Parece-me, pelo que ouvi em outra Sessão, que alguem pensará que, approvando-se a emenda, se dá alguma especie de desconsideração para com o Ministerio. Eu sou o primeiro que desejo que se tenha para com o Ministerio toda a consideração, e respeito que lhe é devido; eu tenho para com os Ministros o respeito, que exige a alta missão que lhes é encarregada; mas faltar-se-ha ao respeito ao Ministerio, porque alguem se não ligue precisamente ás suas opiniões, e mesmo ás suas palavras? Os Srs. Ministros devem saber, e sabem com effeito que a sua força, ou a de qualquer Ministerio, não lhe póde vir de uma adherencia cega, ou de um silencioso assentimento a todas as suas opiniões: os Ministros adquirem força quando, tendo combatido na arena politica adversarios dignos delles, levam arrastadas após de si todas as convicções: essa força certamente a não adquirirão aquelles, que, como diz Sá de Miranda,

O entendimento que é nosso,

Não nolo querem deixar.

Quando os Ministros com as armas do raciocinio comprimem todas as resistencias, quando assim se mostram talentos dominantes, então é que a opinião publica os apoia, e acredita. (Apoiados.) Sr. Presidente, entendo que não resulta nenhuma desconsideração ao Ministerio, nem censura, de se approvar a emenda; e me parece ter apresentado razões bastantes para mostrar que ella deve ser approvada, substituindo assim o que se lê no paragrapho do Projecto. (Apoiados.)

O Sr. Duque de Palmella: — Como Membro da Commissão julgo da minha obrigação não ficar silencioso nesta discussão que se suscitou, e tornou um pouco mais acalorada do que era de esperar, ao ponto a que tinhamos chegado no debate do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno.

Quando eu dei o meu assentimento á emenda que o illustre Senador, que acaba de fallar, propoz ao paragrapho 2.° deste mesmo Projecto, julguei dar assim uma prova de diferença á opinião do tão conspicuo Membro desta Camara, tanto mais que não vi a menor repugnancia, da parte de algum dos nossos illustres collegas, a acceitarem aquella emenda, á qual de