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DIARIO DO GOVERNO.

num Senador. Supponho, e devo suppôr que o nosso encontro de opiniões, o nosso differente raciocinar provém de vermos as cousas de diverso modo todos nós: por isso me empenho sempre a fallar, para assim dizer, com os factos nas mãos.

Sr. Presidente, os Administradores dos Concelhos são um importante elemento Administrativo: como taes devem ser dotados da idoneidade necessaria: e o serem nomeados pelo Chefe do Estado affiança a boa escolha delles sem detrimento das Liberdades publicas: estas tem garantias reaes e inabaláveis em o nosso systema; nem carecemos de mais uma, que traz comsigo a certeza da sua nullidade pelo abuso a que está sujeita, abuso inevitavel, e que em logar de sustentar a Liberdade, produz desordens, e a injustiça, e a violencia com as quaes não póde haver nem Liberdade, nem sociedade. De que modo poem os Administradores de Concelho a Liberdade em perigo? Cumprindo exactamente as ordens do Governo? Mas o Governo tem summo interesse em administrar bem: se o fizer mal, lá estão os fiscaes das suas acções publicas no Parlamento; lá está a imprensa, publicidade, que são verdadeiros, formidaveis, e constantes inimigos do arbitrio do Governo. Quem poderá temer que os Administradores dos Concelhos, occupados dos interesses locaes, que poucas vezes são os interesses do Concelho visinho, se agreguem, e se congreguem para fazer queria á Liberdade capitaneados pelo Governo? Esses homens separados uns dos outros, diversamente occupados, e cujo interesse maior e agradar aos povos, que administram, no que vai o seu proprio interesse, não podem já mais conspirar contra o bem dos mesmos povos. Isso seria o mesmo que suicidar-se. Sr. Presidente a eleição dos Administradores está desacreditada na opinião, e o descredito provém dos muitos abusos a que tal eleição abre a porta: é forçoso mudar, fazer outra experiencia, que tudo em Administração se reduz a experiencia; e antes do effeito della é temerário capitular de boa ou má qualquer instituição.

Diz-se que aqui se fazem Leis e se tomam providencias só na hora da necessidade, donde se segue, não serem bem consideradas. Perdõem-me os Senhores que levantaram este queixume: eu não sei que em parte alguma do mundo se façam Leis senão no momento de se conhecerem necessarias: é uma medicina que se applica só quando apparece a molestia: consiste a bondade do remedio em que por elle se cure o mal presente, e se evite o futuro da mesma natureza.

Sr. Presidente, o systema da elegibilidade tem-se generalisado de mais; e por isso perdido de seu preço: não concorramos para o menospresar mais. A multiplicidade dos actos eleitoraes cança, e desde logo affugenta os eleitores, que tambem se desviam das urnas para não tomarem parte nas intrigas, rixas e desordens que junto a ellas tem logar (Apoiados.) Se isto é certo, tambem não póde deixar de ser uma consequencia potabilíssima que essas eleições difficilmente recahem naquelles que merecem ser eleitos: e em tal caso evita-se este grande inconveniente com a nomeação. E será ella eterna? E por ventura não póde a experiencia mostrar, em dous ou tres annos, que o Povo, pelo progresso das suas luzes, já se acha em estado de escolher os seus Administradores de Concelho? Sem duvida: mas, por agora, cumpre-nos usar de todos os meios para evitar um mal que está sobre nós. As providencias Administrativas são de sua natureza, temporarias, e nenhuma nomeação é outra cousa; e por isso não haja medo que dada a possibilidade, ou a necessidade desta mudança, o methodo de nomeação dure mais do que deva durar, ou seja eterna, nem que a Liberdade se perca, porque a Liberdade não consiste (como mais de uma vez se tem dito) na maior ou menor extenção do principio da elegibilidade.

Eu não sei, Sr. Presidente, a que proposito, em quanto eu fallava nesta questão, alguem do meu lado, se levantou, mencionando o augmento do exercito; parece que isto soou mal ao ouvido do nobre Senador. Creio com tudo que o digno Presidente do Conselho não fôra entendido correctamente. Quando se falla em augmento de força não se tracta de elevar o Exercito a um numero desproporcionado ás forças da Nação, e ás suas necessidades. Verdadeiramente o pensamento da Administração é o de completar o Exercito que está diminuto, e por isso carecendo de organisação. Nem o Governo quer, nem pretende, que a força armada seja a que se empregue para junto aos magistrados, fazer executar as Leis. Bem se sabe que hão tractamos de tal augmento de força, e tal destino para ella; ninguem quer um Governo de bayonetas, mas quer-se, que haja as necessarias; Para evitar que predomine a força armada, e obre directamente sobre os actos das authoridades de modo que estas não valham por outra força, é que o Governo propoz medidas administrativas, a fim de chamar o Paiz á ordem. A falta dessas medidas legaes, e o vicio de algumas instituições fazem, com que se de a necessidade funesta de acudir com força, aonde só devia apparecer a força da Lei. O Sr. Presidente do Conselho não fallou em augmentar o Exercito, repito, fallou em completa-lo, porque é evidente que a Lei do recrutamento não póde produzir o seu effeito; (Apoiados.) e assim como um Exercito é mau, por demasiadamente numeroso, tambem senão póde negar, que seja mau, por demasiadamente diminuto; (Apoiados.) a disciplina não póde ter logar, quando os corpos não tem uma certa força, e o serviço não se póde fazer, quando

O soldado não tem uma certa folga; é preciso haver em tudo um meio termo; o trabalho de mais, irrita e faz exasperar os operarios, assim como o ocio os leva a commetter excessos: seguindo este meio termo póde conseguir-se o fim desejado da organisação do Paiz, que de balde procuraremos obter, em quanto a não dermos a todas as repartições e ramos de serviço publico. Porque eu não considero, que se ache organisado, e posto em ordem o Paiz, na parte administrativa, quando o não esteja, na parte judiciaria, ou nesta, quando não o esteja, na parte militar; a Administração publica compõe-se destes diversos ramos, que é mister concorrerem em harmonia para haver verdadeira organisação; do contrario nunca ella se dará em Portugal. Não é pois maliciosa, nem filha de segunda intenção a phrase do Sr. Presidente do Conselho, quando usou das palavras — augmentar o Exercito. S. Ex.ª não quer um Exercito grande, quer o Exercito completo, e em estado de prestar bons serviços á segurança interna, e (como nós estamos no meio da Europa) para mostrar aos nossos visinhos, e áquelles que o não são, que temos algumas forças de que dispor, no caso de necessitarmos dellas.

Sr. Presidente, depois dos soldados vieram os jurados: os jurados! Em these sou eu, como todo o homem rasoavel, affeiçoado á instituição, e apaixonado por ella. Todo o cidadão folga de ter de ser julgado pelos seus pares: esta é a primeira idéa que me dá de si a instituição dos jurados. — Excellente, bella é a theoria, e a pratica lhe corresponde nos Paizes donde a fomos buscar; mas para que produza entre nós os mesmos resultados carece de modificações; a experiencia mostra a sua necessidade, e basta isto para não teimarmos em que, á força, seja bom em Portugal, o que bom se prova na Grã-Bretanha. Sei que isto são verdades triviaes, sei que estão ao alcance de todos; mas, quando fallámos, nem sempre fazemos caso dessas verdades triviaes: vejamos como fallam os factos.

Não ha duvida que a instituição dos jurados requer, que haja no Paiz uma certa illustração; para se poder avaliar um acto qualquer é necessario não só ter o que se chama consciencia, mas tambem possuir alguns conhecimentos que possam guiar as considerações indispensaveis. O mesmo facto presenciado nesta Sala por um homem intelligente, ou por outro que o não é será reputado a mesma cousa? Quizera que me dissessem se se póde prescindir de certo discernimento para avaliar uma circumstancia de qualquer successo? Ninguem dirá que não. Então, Sr. Presidente, torna-se essencial que haja um certo gráu de instrucção generalisada nas classes de que hão de sahir os jurados para que esses jurados sejam uteis e proveitosos; e quando assim não fôr, o systema do jury não póde produzir bens. Mas ha outra circumstancia, e esta circumstancia é a em que nos achâmos. Sr. Presidente, dirá alguem que quando um frenesi toma o animo de muita gente, quando opiniões exaggeradas religiosas, ou politicas se apoderam do espirito dos povos, poderá dizer-se nestas circumstancias que o julgamento por jurados leva o typo da imparcialidade? E quando se sabe e é notorio que se praticam violencias, e se fazem ameaças aos jurados para os obrigar a decidir por uma das partes, dirá alguem que o julgamento, por jurados, tem o typo da independencia? — Querem factos?... Não os necessitam, são notorios todos, e agora mesmo estão occorrendo em todas as Provincias do Reino. E fallou-se na Capital, como um exemplo que não devia perder-se de vista! Perdoe-me o nobre Senador: o queixume dos magistrados, o queixume do publico illustrado, é que os ladrões e salteadores tem achado impunidade nos jurados até mesmo na Capital: é este um ponto de que todos se queixam, o que tem obrigado o Governo até algumas vezes talvez a exorbitar pelo que respeita aos facinorosos e ladrões notorios; tem as authoridades sido obrigadas, aqui o confesso, a mandar prender homens poucas horas depois de serem absolvidos pelo jury. Sr. Presidente, ladrões, e assassinos sentenceados tres e quatro vezes que na volta dos degredos continuam a antiga vida de depredações, aqui têem sido absolvidos! Para livrar a sociedade de tal flagello é necessario, a certos, fazer com que do tribunal os sigam officiaes publicos, que quasi sempre os colhem em flagrante. Tenho consultado os Juizes, tenho até visto alguns processos, e pasmo de que se possa julgar não provado o crime de roubo na maior parte dos casos. E ainda assim, Sr. Presidente, que differença entre Lisboa e as terras das Provincias do Reino? O clamor é geral: fóra daqui e do Porto o maior mal provêm do receio de vinganças com que os jurados são continuamente ameaçados pelos cumplices e amigos dos criminosos. O que acontece aos jurados não deixa de acontecer ás testemunhas, que certas da impunidade que os crimes hão de ter, e por isso do compromettimento em que ellas ficam, occultam a verdade para salvar a vida. Sr. Presidente, repito, eu não me opponho aos jurados; como instituição acho-a bella, e sei que produz excellentes resultados, aonde começou a vigorar, quando os costumes eram simples e innocentes em sua mesma barbaridade, e onde tem continuado protegida pela illustração e civilisação progressiva de todas as classes; aonde a authoridade publica é respeitada, a voz do Juiz ouvida, como o oraculo da verdade, perante o mais numeroso auditorio que a escuta em silencio respeitoso. Este Juiz é o que instrue e guia o juiso dos jurados, o que lhes explica as mais miudas circumstancias do negocio, responde ás suas duvidas, esclarece a sua razão; e quando vê te-lo conseguido appella para a sua consciencia. É isto o que eu mesmo tenho presenciado cheio de respeito; mas isto não passou de Inglaterra para Portugal. Virá, assim o espero, com o augmento da illustração, e quando o cançasso das paixões publicas der entrada á razão e á verdade; quando melhor se apreciar o que é justiça e liberdade, de que muito se falla entre nós, e pouco se sabe. (O Barão do Tojal: — Apoiado,) Mas, Sr. Presidente, a Constituição manda que haja jurados, nós devemos obedecer á Constituição, devemos modificar esta instituição, e devemos fazer esta modificação de tal modo que a instituição se torne util, se torne proveitosa; devemos pois seguir antes a Constituição do que a opinião de um grande publicista: o nobre Senador sabe que Mr. Sismondi, depois de uma longa dissertação, conclue que na Peninsula Hispanica não ha de ser tão breve que os jurados possam desempenhar restrictamente as funcções que lhes incumbe. Acudamos á instituição, acomodando-a ás nossas necessidades; proporcionemos-lhes os meios que temos de a aperfeiçoar, e não creiamos nas symetrias, porque a boa administração não depende da, symetria, ou apparente regularidade; pelo contrario, muitas vezes depende ella da differença e variedade que requerem as suas diversas partes. Entendo que injustamente somos arguidos pelo nobre Senador, de que não queremos a instituição dos jurados tão popular, ou tão defeituosa, como ella se acha; e ainda mais injustamente de que por isso somos inimigos da Liberdade.

Sr. Presidente, uma expressão que aqui soltei tambem mereceu a animadversão do nobre Senador: — medidas rigidas — disse eu, e o nobre Senador interpretou-as excessivas e injustas: a rigida disciplina de um Exercito não é a tyrannia do seu commandante, nem severa execução das ordens é o despotismo de quem as prescreve. Quando ha desvios, e desmanchos, quando a ordem publica está ameaçada, quando, por assim dizer, estamos em perigo de anarchia, porque as rodas e molas da machina governativa não jogam como é indispensavel; então digo eu que é preciso mais firmeza nas medidas, e a isto é que chamo rigidez.

Disse o nobre Senador, com muita urbanidade, que da minha boca tinha sahido a confissão de factos offensivos da Liberdade, que