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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

20.ª Sessão, em 23 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.° Secretario.)

TRES quartos depois do meio dia foi aberta a Sessão; estavam presentes 50 Srs. Senadores.

Leu-se a Acta da precedente, e foi approvada.

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara das Deputados, acompanhando uma Mensagem da mesma, que incluia um Projecto de Lei sobre a concessão, de diversos Bens Nacionaes a differentes Corporações publicas. — Passou ás Commissões de Administração e Fazenda.

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Teve a palavra, por se achar inscripto, e disse

O Serpa Machado: — Sr. Presidente, chamo á attenção da Camara sobre o Projecto de Lei que vou apresentar, e que tende a alliviar de injustos damnos uma classe da Nação e familia Portugueza, que me parece uma das mais desgraçadas; digo que me parece, porque algumas das nossas mal pensadas reformas tem feito tão grande numero de infelizes, que o animo fica perplexa para saber por que classe tem de principiar, quando se tracta de reparar males e calamidades. Um sôfrego desejo de perfeição e de optimismo tem-nos feito sacrificar uma mediana fortuna das gerações actuaes á felicidade incerta das gerações futuras; porem eu sem decidir se aquelles a quem o Projecto contempla são os mais deploraveis, não duvidei dar-lhe a preferencia, por entender que são aquelles que tem mais direito a serem soccorridos, ou antes indemnisados. Fallo dos Egressos das extinctas Ordens.

Vós sabeis, respeitaveis Anciãos, que os membros destas corporações entraram na clausura, e fizeram profissão religiosa ou por effeitos de piedade e vocação, ou levados das preoccupações de seus pais, que com o sacrificio religioso de alguns filhos queriam enriquecer os outros, ou talvez seduzidos e violentados em idade pouco madura; porém fossem quaes fossem os motivos por que elles abraçaram a vida ascética e penitente, ou contemplativa, elles perderam as doçuras das suas familias e da vida domestica, perderam os direitos da liberdade, da industria, e da propriedade individual; porém não renunciaram, nem podiam renunciar, os direitos da sua sustentação e alimentos, que passaram das legitimas que ficaram a familias, para os bens das corporações a que se ligaram, augmentados com seus proprios dotes: por tanto é evidente que taes bens se acham onerados com os encargos da sustentação dos membros das communidades; e que o Governo da Nação apropriando-se destes bens sive jure, sive injuria, não póde eximir-se dos seus encargos. Este principio de justiça não foi desconhecido, nem o podia ser no Decreto de 28 de Maio de 1834, porque extinguindo as Ordens, estabeleceu prestações alimenticias para os Egressos; com o que cumpriu uma religiosa e indispensavel obrigação. Porém este Decreto labora em dous defeitos capitaes: o primeiro, em estabelecer excepções que se não compadecem com a justiça; por quanto sendo estas prestações uma divida sagrada a estes infelizes, ninguem póde ser privado dellas: se ha delictos, castiguem-se, com conhecimento de causa, em Juizo competente, e com pena legal accommodada á maior ou menor gravidade do delicto, e não com uma pena igual, e por isso só injusta equivalente á confiscação prohibida, e tão barbara e cruel, que corresponde a matar o criminoso á fome. Tal tem sido a sorte de muitos Egressos que, ainda que soltos dos vinculos temporaes, todavia se acham ligados e presos pelos votos e vinculos espirituaes, e privados de todo o soccorro e alimento, arrastam uma miseravel existencia, mendigam uma esmola ás portas da caridade, ou se acolhem ao asylo de almas piedosas, que fazem um honroso contraste, com a injustiça e crueldade dos verdadeiros devedores. Outro defeito é de execução ou de falta della. Prometteram-se as prestações: mandaram-se pagar; porém não se pagam, nem se applicam os meios necessarios para isto. Poderá dizer-se que não ha meios para pagar estas dividas! Porém se existem os bens onerados e hypothecados a ellas; se estes se tem vendido, e estão continuamente vendendo, porque se não paga com este producto credito tão sagrado, differente de todo o outro, não só pela sua natureza alimenticia e singular, — mas porque a falta desse pagamento põe o credor entre a vida a morte. Horroroso procedimento é mesmo entre particulares empolgar a herança, e não querer cumprir os seus encargos reaes; expulsar os credores da propria casa; e negar-lhes casa, alimento, vestido!

Para remediar pelo modo possivel estes males, vai este talvez tardio remedio. O Projecto de lei tem duas partes a primeira tende á habilitação geral dos Egressos, porque as excepções do Decreto de 28 de Maio de 1834 só podem ser desculpadas pela épocha de convulsão politica em que foram publicadas; porém passados tantos annos devem succumbir á justiça. A segunda parte do Projecto tende a fazer effectivo o pagamento das gestações aos Egressos, por um modo regular e successivo, e não illusorio como até aqui infelizmente tem sido.

O Orador concluiu lendo o seguinte

Projecto de Lei.

Artigo 1.° Todos os Egressos das Ordens Religiosas extinctas neste Reino ficam habilitados para receberem as prestações pecuniarias, que lhes foram consignadas para os seus alimentos, sem que seja preciso justificar o seu comportamento moral, politico e religioso, como se achava determinado em o artigo 4.º do Decreto de 28 de Maio de 1834, cujas disposições excepcionaes ficam derogadas.

Art. 2.º Os Egressos, que quizerem aproveitar-se desta providencia, requererão ao Administrador Geral do Districto, aonde residem, para que por sua intervenção se lhe haja de tomar no Thesouro o assentamento da sua respectiva prestação, e para serem mettidos em folha; ajuntando a este requerimento uma declaração por escripto, assignada e jurada por cada um delles, e reconhecida por Tabellião, e não podendo elles escrever, lavrada por Tabellião com assignatura de duos Testimunhas, pela qual conste a ordem a que pertenciam, a cathegoria que nella tinham, a casa de morada aonde residiam, ou pertenciam ao tempo do referido Decreto de extincção das Ordens, e quando lhe haja de pertencer maior prestação do que a ordinaria, a sua idade e molestias; justificada aquella com a Certidão de idade, e estas com attestação jurada de dous Facultativos, e reconhecida por Tabellião. E tal declaração) merecerá inteiro credito para os effeitos necessarios, sem outra formalidade mais do que a confirmação por escripto de qualquer das Authoridades ou Magistrados Administrativos, Judiciaes, ou Ecclesiasticos, do Districto Administrativo, aonde o Egresso residir, ou tiver residido. E este requerimento, assim documentado, será despachado em Conselho de Districto sem delongas, e com preferencia aos outros negocios do expediente.

Art. 3.º Tanto os Egressos até agora habilitados, como os que se forem apresentando em virtude desta Lei, serão pagos da sua respectiva prestação indefectivamente no primeiro de cada mez, em seguimento á ultima mesada de que estiverem pagos: e receberão em a mesma occasião uma das mesadas atrasadas e vencidas a contar do mez de Junho de 1834, de maneira que o pagamento destas duas mesadas se vá fazendo successivamente em cada unidos mezes subsequentes á promulgação desta Lei; em quanto o Thesouro não fôr competentemente habilitado para pagar a totalidade desta divida.

Art. 4.° O Governo porá á disposição das respectivas Administrações Geraes e Contadorias, no primeiro de cada anno, os fundos necessarios para se tornarem effectivos estes pagamentos, e dará os creditos certos ou incertos para o mesmo effeito, de maneira que debaixo de nenhum pretexto se interrompam estes pagamentos, que o Governo fará com a mais estricta responsabilidade.

Art. 5.° O Governo, conforme o julgar conveniente, fará os regulamentos precisos para a efficaz e prompta execução desta Lei, aproveitando o préstimo das Commissões dos Egressos, e o serviço dos Officiaes e mais Authoridades, que parecerem idoneas para levar a effeito as justas providencias e soccorros desta Lei. - Manoel de Serpa Machado.

Ficou para segunda leitura.

Teve-a depois o seguinte

Parecer.

A Commissão de Poderes, examinando com a attenção devida todos os papeis pertencentes á eleição do circulo eleitoral da Provincia de Moçambique, reconheceu que esta se achava legal; e, referindo-se ao diploma do Coronel Domingos Corrêa Arouca, o Senador eleito por este referido circulo, viu na presença de todas as listas dos recenseados, que o Governo enviou a esta Camara, que a que diz respeito a Moçambique alli não se encontrava, assim como o nome do mencionado Senador; e, se pelo lado relativo á sua cathegoria, sabe que elle não podia ser recenseado, ignora-o pelo motivo daquella falta no tocante á propriedade; inhibida assim de dar um Parecer definitivo sobre o negocio em questão, julga ser de justiça que, na conformidade do Artigo 5.º do Regimento desta Camara, seja convidado o Senador eleito, Domingos Corrêa Arouca, para tomar parte na discussão, e allegar o seu direito. Sala da Commissão em 23 de Julho de 1840. = Venancio Pinta do Rego, Cêa Trigueiros = Visconde de Laborim = Felix Pereira de Magalhães = José Cordeiro Feyo = Barão de Argamassa,

Foi approvado sem discussão; resolvendo-se tambem que aquella a que no Parecer se allude, tenha logar immediatamente depois da conclusão da do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno.

A requerimento do Sr. Vellez Caldeira, decidiu-se que no dia seguinte, em vez de trabalhos de Commissões, houvesse Sessão para se continuar a discutir o mesmo objecto.

O Sr. Lopes Rocha: — A Commissão de Agricultura, de que sou Membro, pediu á Secretaria desta Camara differentes papeis que se deviam achar nella, pertencentes aos Projectos de Lei sobre a reforma do Terreiro Publico de Lisboa; e agora se me apresenta este officio, que recebeu o Director da Secretaria do Senado, do Official-maior da Camara dos Deputados: (leu.) Em consequencia, apresento este Requerimento. Requeiro se peçam ao Governo pelo Ministerio do Reino os seguintes papeis, que lhe foram remettidos pela Secretaria da Camara dos Deputados em 7 do corrente: — Trabalhos da Commissão nomeada por Decreto de 17 de Outubro 1837, para melhoramento do Terreiro, e que fundamentaram os Decretos de 12 de Junho e 4 de Agosto de 1838. Satisfação á pergunta da fórma por que o Terreiro executava o Decreto de 16 de Janeiro de 1837 sobre a livre exportação dos generos nacionaes, etc. — Mappa dos cereaes entrados nas barreiras da Cidade, e impostos pagos desde 15 de Agosto de 1838 até fim de Abril de 1839. Sala do Senado, em 28 de Julho de 1840. = Antonio da Silva Lopes Rocha.

Sendo Julgado urgente, foi lido segunda vez e approvou-se sem discussão.

Havendo entrado o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, teve a palavra, e leu o Relatorio (que apresenta como Encarregado da Pasta dos Negocios Estrangeiros) sobre a negociação das reclamações apresentada, ao Governo de Sua Magestade por parte do Governo Britannico. — Mandou-se imprimir cota urgencia — a requerimento do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

Passando-se á Ordem do dia, o Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi inteiramente occupada pelo Sr. Secretario Machado. — Proseguiu a discussão, adiada do §. 12.º do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, (V. Diario N.° 203, a pag. 1080) e conjunctamente da emenda e substituição ao mesmo offerecidas: foram lidos, e são os seguintes:

§. 12.° — A Camara dos Senadores prestará a attenção devida ao exame das Propostas de Lei, que Vossa Magestade lhe annuncia, e das quaes depende a organisação do Paiz, e a segurança publica.

Emenda (do Sr. Leitão.) Depois da palavra annuncia, proponho a emenda seguinte; e approvará as providencias que forem conducentes para melhorar as Leis organicas do Paiz, e o estado de segurança publica.

Substituição (do Sr. Marques de Loulé.) A Camara dos Senadores procederá ao exame das Propostas de Lei relativas á organisação do Paiz, e á segurança publica, de que Vossa Magestade faz menção, com aquella escrupulosa attenção, que objectos de tanta importancia exigem, e com o zelo e solicitude que o espirito destas Propostas lhe inspira.

Teve primeiro a palavra

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, com muita razão se anathematisaram hontem aqui as repetições, e na verdade por mais interessante que seja uma discussão, não lhe cabe o decies repetita placebit Ao mestre Horácio: ainda assim, é muito difficil deixar de repetir; o objecto é simples, a de qualquer modo que seja encarado pelos differentes Oradores, é quasi impossivel que as observações de uns deixem de lembrar as reflexões de outros, porque as idéas são umas, e com pouca differença as mesmas. Com tudo, eu procurarei não entrar nas repetições, não cahir nessas censuras: e creio que o unico modo de o obter é não mais entrar na discussão da materia que já me parece muito illustrada: restringir-me-hei por tanto a responder a algumas observações que ao Ministerio foram dirigidas por uni illustre Orador deste Senado, Orador a quem muito respeito, e a quem agradeço o cumprimento com que me brindou.

Sr. Presidente, tenho ouvido insistir muito sobre a liberdade da rejeição, assim como sobre a liberdade da approvação. Nunca ninguem

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podia questionar similhante cousa: nós discutimos com o Senado, e o Senado com os Ministros, para rejeitar com uns o que deve ser reprovado, e approvar em outro o que se acabar digno de approvação, mais na verdade parece-me que demasiado se porfia em dar muita importancia pessoal a esta questão - Por ventura cahiria eu nesta falta, quando hontem expuz as minhas proprias ideas, ás minhas proprias convicções, ou quereria eu que ellas servissem de typo e modêlo ás ideas é convicções dos outros? Sr. Presidente, quem se póde gabar de ter pensado sempre conforme as opiniões e pensamentos de outro homem, do mais intimo amigo, do mais similhante em habitos, costumes, e temperamento? Sr. Presidente, não se tracta de se temos opiniões differentes ou contrarias uns e outros — mas sim, - de expor franca e lealmente as que são nossas. Em quanto a mim, digo que nunca ennunciei idéa, principio, ou opinião de que não estivesse convencido nem offendo os outros porque tem convicções contrárias ás minhas, nem creio que elles se offendam quando as minhas são contrarias ás delles. (O Sr. Leitão — Apoiado.)

Agora, Sr. Presidente passo a outro ponto, que tem relação com isto. Eu declarei aqui uma convicção minha, e essa convicção, disse eu, que se tinha assenhoreado de mim em virtude das muitas provas, dos muitos factos, é das muitas experiencias apresentadas no regimen administrativo deste Reino; e apresentados por quem? Pelas Authoridades administrativas. Um nobre Senador achou este fundamento mercenário, e declarou que essas Authoridades deram sempre o testimunho que o Governo quiz em todas as circumstancias em que o Governo lho pediu, e para tudo quanto o Governo o exigia. Sr. Presidente, póde ser, mas o facto actual não é esse; e tenho esperança de fazer convencer ao nobre Senador da differença que ha entre a verdade que o, e a supposta por elle: a explicação ha de produzir, a meu ver, grande força de convicção no anímo mesmo de S. Ex.ª Porém seja o que se disse, e eu o admitto por hypothese, em quanto o contrario não provar. Vamos pois ao verdadeiro estado das cousas. — O Governo armou-se de uma relação de factos desde o anno de 1834 até ao presente: occorreram as nossas mudanças politicas, e a mesma Constituição do Estado soffreu uma alteração. Segundo os diversos systemas dos Governos, muitos homens foram, por uma especie de turno, occupando logares, da Administração, e outros deixando-os, e nenhum delles podia esperar, ou tem calculado que em tempo algum viesse a Administração que existisse agora; pois é do testimunho destes homens que me valho para mostrar os fundamentos da minha convicção. — Citarei o Sr. Soares Caldeira nesta Capital, e o Sr. Ozorio em Coimbra, e ainda outros Srs. que pertenciam a outros principios politicos, e que serviram sob Administrações diversas, contrarias em muitos pontos á politica do Governo actual, e todos elles foram unanimes em clamar contra os Magistrados electivos, contra as demasiadas attribuições das Camara Municipaes: este Sr. Soares Caldeira, não achando outro meio de obstar ás demasias das Camaras, queria que ellas fossem eleitas de quatro em quatro annos; já não era máo (Riso.) Sr. Presidente, é escusado recorrer agora individualmente aos factos; elles foram referidos nessa synopse impressa, feita sobre documentos officiaes que existem, nem o nobre Senador os nega, nem podem ser desconhecidos desta Camara: então de que se Valeu o Governo? Da experiencia dos seus proprios contrarios, da experiencia dos homens que o antecederam, de opiniões politicas oppostas ou similhantes, empregados por Ministerios de diversas côres e principios governativos, e que serviram diversos empregos em diversos tempos, E não será isto bastante, ajudado com a propria experiencia e reflexões e para convencer o Governo? E se ha Governo que deste modo se não convença, esse Governo não póde administrar, porque sendo a esperiencia uma serie de factos, sé estes factos não induzem o Governo a tomar medidas para occorrer aos males imminentes do Paiz, tal Governo, entendo eu, hão póde de maneira alguma doutrinar-se, nem cumprir os seus deveres. Eis-aqui como me parece ter mostrado que o argumento do nobre Senador não era exacto, por isso que o seu fundamento consistia não na realidade dos factos, mas na supposição ou hypothese apresentada unicamente para sobre ella edificar um raciocinio a ventura. — Deu S. Ex.ª a entender que se persuadia ler o Governo declarado que essas Authoridades administrativas, que o Governo chamava á authoria, eram as desta Administração, creaturas suas, e suas servas. Não é isto exacto: não são essas as Authoridades de que se tracta, mas sim de umas que já não servem; outras que Morreram; outras que mudaram de emprego; algumas que existem ainda, mas que nunca esperaram que haviam de servir com este Ministerio. — Outra observação fez o nobre Senador sobre representações das Authoridades. Parece, pelo despreso em que elle tem taes documentos, que o caracter dos Funccionarios publicos é menos respeitavel do que o dos outros Cidadãos; que basta ser Authoridade para não dever ser crido. Esta supposição é injusta, e é absurda. Injusta, porque todos os Governos, qualquer que seja o seu systema, procuram ter Empregados honrados; absurda, porque se procura fazer entender que podem ser mais bem fundadas as allegações de um particular, do que as da Authoridade publica, mais experiente, è com maior interesse de acertar, e mais meios de investigar. Mas aqui dá-se uma circumstancia notavel, e vem a ser, que essas representações officiaes coincidem em tudo com as que não são officiaes. Os Funccionarios são o echo do clamor geral em todas as Provincias, e em todos os tempos: mais um forte motivo para eu acreditar as Authoridades, rezando ao nobre Senador, para fundar a Sua rejeição, o simples e caprichoso pretexto de que as Authoridades lisongear!! os Governos passados, presentes, e futuros. Devemos pois condemnar ao fogo todas as representações das Authoridades do Governo, só porque são Authoridades do Governo; e não haverá piedade, nem misericordia para com essas Autoridades, porque tem a desgraça de o ser. Perdôe-me o nobre. Senador; parece-me que, quando tudo concorre para justificar o que essas Authoridades representam ao Governo, não há remedio senão ceder ao testimunho dellas; Bem póde dar-se a mais leve suspeita de que taes representações sejam encommendadas pelos Ministros, só pelo fundamento de que essas Authoridades são nomeadas pelo Governo. A isto não se póde responder; mas pode o nobre Senador dizer não áquillo que eu digo sim, e o seu não e o meu sim poderam passear igualmente por esse mundo na certeza de que não hão de ser igualmente recebidos. = O nobre Senador entendeu que essas representações eram solicitadas pelo Governo; e eu dou a minha palavra de honra de que não solicitei representação alguma.

Sr. Presidente, agora como incidente, ainda menciono uma outra reflexão do nobre Senador; e se eu não levo bem seguidamente o fio das suas idéas, é porque tem passado vinte e quatro horas, depois da apresentação dellas: hontem estaria eu mais habilitado para lhe responder; mas hoje muita cousa me ha de escapar. — Parece-me que, em seguida affirmou o nobre Senador, que o Governo tinha despedido todas as authoridades, que não eram do seu modo de pensar. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Disse que tinham sido authoridades. Authoridades, convenho, mas para dizer simplesmente que o Governo tinha despedido authoridades, não valia a pena de invocar todos os esforços da energia oratoria: (Riso.) Entendi á vista delles que o nobre Senador pertendia fazer crer que o Governo tinha ido arrancar de seus logares muitos e muitos homens benemeritos para os obrigar a perecer á mingoa. Mas, Sr. Presidente, não é assim, não é assim. Eu tenho uma repugnancia quasi invencivel a demittir empregados, {Apoiados.) sejam elles amoviveis ou inamoviveis, ou sejam brancos ou sejam pretos, considero que vou fazer a desgraça de um homem e de uma familia dom a demissão de um empregado; desejo que se portem bem, e não exijo delles nem credos politicos, nem protestos de qualidade alguma, o que exijo é a boa gerencia no cumprimento das suas obrigações: isto é sabido, e digo o em voz bem alta, e que soará em todo o Paiz, pela transmissão que desta Sessão se ha de fazer, questão me accusa a consciencia de ter exigido nenhum serviço politico, e não mais do que o exacto cumprimento dos seus deveres, dos Funccionarios do Estado: não fallo de mim só, fallo do Governo. Mas que muito é que eu mude tres ou quatro Empregados de Administrações, quando elles trabalhem contra o Governo? Perguntarei ao nobre Senador, sé elle, sendo Ministro dos Negocios Estrangeiros, consentiria empregados que contrariassem a seu systema? Não os podia consentir, nem mesmo devia, sob-pena de não haver systema governativo. Mas, Sr. Presidente, olhe-se pelas Repartições publicas em toda a parte; e veja-se se acaso se tem feito este recrutamento, esta clientella dos homens que as occupam. Posso eu por ventura ser accusado de ter demittido todos os Empregados Administrativos? Não conto aquelles que pediram a sua demissão; não tracto de outros que não fizeram caso das minhas insinuações para que entendessem que eu só exigia delles zêlo e lealdade no serviço; nem exporei outras circumstancias particulares a este respeito; e com tudo é destes individuos que se compõem o pequenissimo numero de homens por mira demittidos, e demittidos unica e simplesmente na Administração! Em quanto aos Empregados dos outros ramos, eu tenho um principio, Sr. Presidente, entendo que do estado em que nos achamos, e em qualquer estado era que se acha um Governo o peior de todos os systemas é o systema das reacções. (Apoiados geraes.) Aqui está quem me ouça, é eu o digo sem lançar censura a ninguem: houve uma Administração ou duas, de quem se disse, que os seus Membros commetteram erros gravissimos, que eram inimigos da Patria, que despresavam os bons servidores públicos, que sustentavam os miguelistas nos empregos, miguelistas, que deviam ser demittidos logo, e expulsos para darem logar aos nossos um dos maiores Crimes dessas Administrações consistia em não serem exclusivas: mas que aconteceu? Entrando no Ministerio um dos chefes da opposição, que taes recriminações fazia, declarou, sendo interpellado ácerca da sua tolerancia com os empregados miguelistas que os não conhecia nas Repartições, que lhe eram sujeitas. E disse bem; tanto é certo que nós pensamos de um modo fôra e de outro modo dentro. (Apoiados.)

Agora, Sr. Presidente, vamos ao grande caso, vamos ao escandalo. Este Governo (diz-se) não propõem medidas, não tem idéas, ou intenção alguma que não seja uma calamidade para o Paiz: a Liberdade está em risco, a Constituição ameaçada por este Governo (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) Não apoiado — que é falla a increpação! Desapoiado.) Sr. Presidente, o Governo não intenta anniquillar a Liberdade. A Liberdade n'uma Monarchia Constitucional Como a nossa, não está sempre na maior extensão do principio electivo; a maior latitude no voto eleitoral, e a Liberdade não são uma e a mesma cousa, como de ordinario querem dar a entender os sophistas politicos, principalmente nos debates parlamentares. Quando se abusa do exercicio do direito eleitoral. a ponto de resultar delle não o que é util e bom, mas o que é nocivo e pessimo, e isto porque os votantes, em grande parte são instrumentos de ambições, e intrigas de máus cidadãos, o exercicio deste direito longe de ser uma garantia de Liberdade, é uma arma contra ella: exprime não o voto do povo, mas sim a inutilidade da fórma, o triumpho da injustiça. (Apoiados geraes.) Logo todas as medidas que forem cohibir os abusos da administração da justiça, são a favor, da Liberdade, embora restrinjam algum tanto o direito de eleger, entregando-o a quem o possa avaliar, e limitando mais os casos em que este direito se exercita.

- O crime do Governo é a Proposta para que os Administradores dos Concelhos, sejam de nomeação Regia; e não é outro Sr. Presidente, ser-me-ha necessario examinar os factos, que em todos os Districtos do Reino abundam, dos abusos commettidos pelas authoridades electivas nestes mesmos logares de Administradores de Concelhos? Ser-me ha tambem necessario dizer quantos Administradores de Concelho nomeados, por senão comprometterem, recusam -servir este logar? É doloroso, ver-me obrigado a declarar que os melhores homens do Paiz, são os que não querem exercer taes Cargos. (Apoiados.) Não digo que actualmente não os estejam occupando muitos homens bons; mas é certo que muitos outros fogem de tal serviço, e que em grande parte se propõem para Candidatos, individuos que movem toda a sorte de intrigas para triumphar: ora não querer que estes cargos de tamanha importancia, corram o risco de serem exercidos por quem os não deve exercer, será acaso attestar contra a Liberdade Eu, Sr. Presidente, não venho aqui fazer censura a individuo algum, venho, (porque entendo que é a minha unica missão) expôr o que é verdade: embora se diga que nos Parlamentos fallam as paixões, e os interesses a sua linguagem, sempre dourada com as apparencias do justo, e sempre dirigida a satisfazer pertenções individuaes: não me succede assim, fiem creio que tal seja o procedimento de ne-

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num Senador. Supponho, e devo suppôr que o nosso encontro de opiniões, o nosso differente raciocinar provém de vermos as cousas de diverso modo todos nós: por isso me empenho sempre a fallar, para assim dizer, com os factos nas mãos.

Sr. Presidente, os Administradores dos Concelhos são um importante elemento Administrativo: como taes devem ser dotados da idoneidade necessaria: e o serem nomeados pelo Chefe do Estado affiança a boa escolha delles sem detrimento das Liberdades publicas: estas tem garantias reaes e inabaláveis em o nosso systema; nem carecemos de mais uma, que traz comsigo a certeza da sua nullidade pelo abuso a que está sujeita, abuso inevitavel, e que em logar de sustentar a Liberdade, produz desordens, e a injustiça, e a violencia com as quaes não póde haver nem Liberdade, nem sociedade. De que modo poem os Administradores de Concelho a Liberdade em perigo? Cumprindo exactamente as ordens do Governo? Mas o Governo tem summo interesse em administrar bem: se o fizer mal, lá estão os fiscaes das suas acções publicas no Parlamento; lá está a imprensa, publicidade, que são verdadeiros, formidaveis, e constantes inimigos do arbitrio do Governo. Quem poderá temer que os Administradores dos Concelhos, occupados dos interesses locaes, que poucas vezes são os interesses do Concelho visinho, se agreguem, e se congreguem para fazer queria á Liberdade capitaneados pelo Governo? Esses homens separados uns dos outros, diversamente occupados, e cujo interesse maior e agradar aos povos, que administram, no que vai o seu proprio interesse, não podem já mais conspirar contra o bem dos mesmos povos. Isso seria o mesmo que suicidar-se. Sr. Presidente a eleição dos Administradores está desacreditada na opinião, e o descredito provém dos muitos abusos a que tal eleição abre a porta: é forçoso mudar, fazer outra experiencia, que tudo em Administração se reduz a experiencia; e antes do effeito della é temerário capitular de boa ou má qualquer instituição.

Diz-se que aqui se fazem Leis e se tomam providencias só na hora da necessidade, donde se segue, não serem bem consideradas. Perdõem-me os Senhores que levantaram este queixume: eu não sei que em parte alguma do mundo se façam Leis senão no momento de se conhecerem necessarias: é uma medicina que se applica só quando apparece a molestia: consiste a bondade do remedio em que por elle se cure o mal presente, e se evite o futuro da mesma natureza.

Sr. Presidente, o systema da elegibilidade tem-se generalisado de mais; e por isso perdido de seu preço: não concorramos para o menospresar mais. A multiplicidade dos actos eleitoraes cança, e desde logo affugenta os eleitores, que tambem se desviam das urnas para não tomarem parte nas intrigas, rixas e desordens que junto a ellas tem logar (Apoiados.) Se isto é certo, tambem não póde deixar de ser uma consequencia potabilíssima que essas eleições difficilmente recahem naquelles que merecem ser eleitos: e em tal caso evita-se este grande inconveniente com a nomeação. E será ella eterna? E por ventura não póde a experiencia mostrar, em dous ou tres annos, que o Povo, pelo progresso das suas luzes, já se acha em estado de escolher os seus Administradores de Concelho? Sem duvida: mas, por agora, cumpre-nos usar de todos os meios para evitar um mal que está sobre nós. As providencias Administrativas são de sua natureza, temporarias, e nenhuma nomeação é outra cousa; e por isso não haja medo que dada a possibilidade, ou a necessidade desta mudança, o methodo de nomeação dure mais do que deva durar, ou seja eterna, nem que a Liberdade se perca, porque a Liberdade não consiste (como mais de uma vez se tem dito) na maior ou menor extenção do principio da elegibilidade.

Eu não sei, Sr. Presidente, a que proposito, em quanto eu fallava nesta questão, alguem do meu lado, se levantou, mencionando o augmento do exercito; parece que isto soou mal ao ouvido do nobre Senador. Creio com tudo que o digno Presidente do Conselho não fôra entendido correctamente. Quando se falla em augmento de força não se tracta de elevar o Exercito a um numero desproporcionado ás forças da Nação, e ás suas necessidades. Verdadeiramente o pensamento da Administração é o de completar o Exercito que está diminuto, e por isso carecendo de organisação. Nem o Governo quer, nem pretende, que a força armada seja a que se empregue para junto aos magistrados, fazer executar as Leis. Bem se sabe que hão tractamos de tal augmento de força, e tal destino para ella; ninguem quer um Governo de bayonetas, mas quer-se, que haja as necessarias; Para evitar que predomine a força armada, e obre directamente sobre os actos das authoridades de modo que estas não valham por outra força, é que o Governo propoz medidas administrativas, a fim de chamar o Paiz á ordem. A falta dessas medidas legaes, e o vicio de algumas instituições fazem, com que se de a necessidade funesta de acudir com força, aonde só devia apparecer a força da Lei. O Sr. Presidente do Conselho não fallou em augmentar o Exercito, repito, fallou em completa-lo, porque é evidente que a Lei do recrutamento não póde produzir o seu effeito; (Apoiados.) e assim como um Exercito é mau, por demasiadamente numeroso, tambem senão póde negar, que seja mau, por demasiadamente diminuto; (Apoiados.) a disciplina não póde ter logar, quando os corpos não tem uma certa força, e o serviço não se póde fazer, quando

O soldado não tem uma certa folga; é preciso haver em tudo um meio termo; o trabalho de mais, irrita e faz exasperar os operarios, assim como o ocio os leva a commetter excessos: seguindo este meio termo póde conseguir-se o fim desejado da organisação do Paiz, que de balde procuraremos obter, em quanto a não dermos a todas as repartições e ramos de serviço publico. Porque eu não considero, que se ache organisado, e posto em ordem o Paiz, na parte administrativa, quando o não esteja, na parte judiciaria, ou nesta, quando não o esteja, na parte militar; a Administração publica compõe-se destes diversos ramos, que é mister concorrerem em harmonia para haver verdadeira organisação; do contrario nunca ella se dará em Portugal. Não é pois maliciosa, nem filha de segunda intenção a phrase do Sr. Presidente do Conselho, quando usou das palavras — augmentar o Exercito. S. Ex.ª não quer um Exercito grande, quer o Exercito completo, e em estado de prestar bons serviços á segurança interna, e (como nós estamos no meio da Europa) para mostrar aos nossos visinhos, e áquelles que o não são, que temos algumas forças de que dispor, no caso de necessitarmos dellas.

Sr. Presidente, depois dos soldados vieram os jurados: os jurados! Em these sou eu, como todo o homem rasoavel, affeiçoado á instituição, e apaixonado por ella. Todo o cidadão folga de ter de ser julgado pelos seus pares: esta é a primeira idéa que me dá de si a instituição dos jurados. — Excellente, bella é a theoria, e a pratica lhe corresponde nos Paizes donde a fomos buscar; mas para que produza entre nós os mesmos resultados carece de modificações; a experiencia mostra a sua necessidade, e basta isto para não teimarmos em que, á força, seja bom em Portugal, o que bom se prova na Grã-Bretanha. Sei que isto são verdades triviaes, sei que estão ao alcance de todos; mas, quando fallámos, nem sempre fazemos caso dessas verdades triviaes: vejamos como fallam os factos.

Não ha duvida que a instituição dos jurados requer, que haja no Paiz uma certa illustração; para se poder avaliar um acto qualquer é necessario não só ter o que se chama consciencia, mas tambem possuir alguns conhecimentos que possam guiar as considerações indispensaveis. O mesmo facto presenciado nesta Sala por um homem intelligente, ou por outro que o não é será reputado a mesma cousa? Quizera que me dissessem se se póde prescindir de certo discernimento para avaliar uma circumstancia de qualquer successo? Ninguem dirá que não. Então, Sr. Presidente, torna-se essencial que haja um certo gráu de instrucção generalisada nas classes de que hão de sahir os jurados para que esses jurados sejam uteis e proveitosos; e quando assim não fôr, o systema do jury não póde produzir bens. Mas ha outra circumstancia, e esta circumstancia é a em que nos achâmos. Sr. Presidente, dirá alguem que quando um frenesi toma o animo de muita gente, quando opiniões exaggeradas religiosas, ou politicas se apoderam do espirito dos povos, poderá dizer-se nestas circumstancias que o julgamento por jurados leva o typo da imparcialidade? E quando se sabe e é notorio que se praticam violencias, e se fazem ameaças aos jurados para os obrigar a decidir por uma das partes, dirá alguem que o julgamento, por jurados, tem o typo da independencia? — Querem factos?... Não os necessitam, são notorios todos, e agora mesmo estão occorrendo em todas as Provincias do Reino. E fallou-se na Capital, como um exemplo que não devia perder-se de vista! Perdoe-me o nobre Senador: o queixume dos magistrados, o queixume do publico illustrado, é que os ladrões e salteadores tem achado impunidade nos jurados até mesmo na Capital: é este um ponto de que todos se queixam, o que tem obrigado o Governo até algumas vezes talvez a exorbitar pelo que respeita aos facinorosos e ladrões notorios; tem as authoridades sido obrigadas, aqui o confesso, a mandar prender homens poucas horas depois de serem absolvidos pelo jury. Sr. Presidente, ladrões, e assassinos sentenceados tres e quatro vezes que na volta dos degredos continuam a antiga vida de depredações, aqui têem sido absolvidos! Para livrar a sociedade de tal flagello é necessario, a certos, fazer com que do tribunal os sigam officiaes publicos, que quasi sempre os colhem em flagrante. Tenho consultado os Juizes, tenho até visto alguns processos, e pasmo de que se possa julgar não provado o crime de roubo na maior parte dos casos. E ainda assim, Sr. Presidente, que differença entre Lisboa e as terras das Provincias do Reino? O clamor é geral: fóra daqui e do Porto o maior mal provêm do receio de vinganças com que os jurados são continuamente ameaçados pelos cumplices e amigos dos criminosos. O que acontece aos jurados não deixa de acontecer ás testemunhas, que certas da impunidade que os crimes hão de ter, e por isso do compromettimento em que ellas ficam, occultam a verdade para salvar a vida. Sr. Presidente, repito, eu não me opponho aos jurados; como instituição acho-a bella, e sei que produz excellentes resultados, aonde começou a vigorar, quando os costumes eram simples e innocentes em sua mesma barbaridade, e onde tem continuado protegida pela illustração e civilisação progressiva de todas as classes; aonde a authoridade publica é respeitada, a voz do Juiz ouvida, como o oraculo da verdade, perante o mais numeroso auditorio que a escuta em silencio respeitoso. Este Juiz é o que instrue e guia o juiso dos jurados, o que lhes explica as mais miudas circumstancias do negocio, responde ás suas duvidas, esclarece a sua razão; e quando vê te-lo conseguido appella para a sua consciencia. É isto o que eu mesmo tenho presenciado cheio de respeito; mas isto não passou de Inglaterra para Portugal. Virá, assim o espero, com o augmento da illustração, e quando o cançasso das paixões publicas der entrada á razão e á verdade; quando melhor se apreciar o que é justiça e liberdade, de que muito se falla entre nós, e pouco se sabe. (O Barão do Tojal: — Apoiado,) Mas, Sr. Presidente, a Constituição manda que haja jurados, nós devemos obedecer á Constituição, devemos modificar esta instituição, e devemos fazer esta modificação de tal modo que a instituição se torne util, se torne proveitosa; devemos pois seguir antes a Constituição do que a opinião de um grande publicista: o nobre Senador sabe que Mr. Sismondi, depois de uma longa dissertação, conclue que na Peninsula Hispanica não ha de ser tão breve que os jurados possam desempenhar restrictamente as funcções que lhes incumbe. Acudamos á instituição, acomodando-a ás nossas necessidades; proporcionemos-lhes os meios que temos de a aperfeiçoar, e não creiamos nas symetrias, porque a boa administração não depende da, symetria, ou apparente regularidade; pelo contrario, muitas vezes depende ella da differença e variedade que requerem as suas diversas partes. Entendo que injustamente somos arguidos pelo nobre Senador, de que não queremos a instituição dos jurados tão popular, ou tão defeituosa, como ella se acha; e ainda mais injustamente de que por isso somos inimigos da Liberdade.

Sr. Presidente, uma expressão que aqui soltei tambem mereceu a animadversão do nobre Senador: — medidas rigidas — disse eu, e o nobre Senador interpretou-as excessivas e injustas: a rigida disciplina de um Exercito não é a tyrannia do seu commandante, nem severa execução das ordens é o despotismo de quem as prescreve. Quando ha desvios, e desmanchos, quando a ordem publica está ameaçada, quando, por assim dizer, estamos em perigo de anarchia, porque as rodas e molas da machina governativa não jogam como é indispensavel; então digo eu que é preciso mais firmeza nas medidas, e a isto é que chamo rigidez.

Disse o nobre Senador, com muita urbanidade, que da minha boca tinha sahido a confissão de factos offensivos da Liberdade, que

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tinha sitio violada a casa do cidadão. — Não me lembro eu se exprimi verdadeiramente a minha idéa por estas palavras; mas, quando a exprimisse, não entendo que sejam tão extranhaveis como ao nobre Senador quiz parecer. Sr. Presidente, isto mesmo que acabo de expor sobre a debilidade das authoridades, debilidade de que ellas não tom culpa, debilidade que nasce da demasiada extensão do principio electivo, tem feito o que sempre costuma acontecer, mas, note-se que não por ordem, ou determinação do Governo: quando hão ha força bastante para praticar o que é justo, quasi sempre se emprega uma força illegal que pratica mais do que o justo: tem acontecido principalmente nas terras das Provincias, que para buscar um criminoso, vai uma povoação inteira, quando esse criminoso podia ser preso voz de um magistrado armado de uma espada de cem annos; mas é necessario recorrer a esse excesso de força, assim o permitte a debilidade das authoridades, lista e a verdade dos factos. — Agora me estava eu lembrando do reinado dos nossos Reis fracos, - cujos governos são conhecidos por suas violencias e excessos, que não foram capazes de obstar ás demasias caos crimes dos cidadãos. O que acontece por debilidade dos chefes e agentes do poder nos governos absolutos, acontece hoje por inefficacia das Leis; a certeza da impunidade, o desprezo irresponsavel dos preceitos das Leis, dos magistrados, torna impossivel de todo, o regimen administrativo interno, e ameaça a sociedade de uma dissolução.

Tractou-se do abuso escandaloso que as testemunhas fazem da religião do juramento. Ha muitos annos que a moral sobre este objecto padece runa horrorosa relaxação: — testemunhas peitadas, testemunhas compradas, a vil preço, são cousas ouvidas e sabidas de todos; o; castigo aos perjúrios poucas, pouquissimas vezes tem logar; e a certeza da irresponsabilidade augmentou o numero destes criminosos, gente detestavel, e que desgraçadamente não inspira o horror que deveria inspirar. E hão de estes delictos ficar perpetuamente impunes (O Sr. Barão da R. de Sabrosa: — Ha Lei.) Silent leges: ha Lei, mas que imporia se essa Lei não é executada? Qual é a obrigação do Governo, do Parlamento datação? É sem duvida concorrer unidamente para que a moralidade publica se restabeleça, sem o que é impossivel haver bom regimen. — Sr. Presidente, se os jurados veem as testemunhas jurar falso, como hão de elles ter receio de sentenciar injustamente? Se o Juiz vê que os jurados e testemunhas desprezam todos os principios de honra e de probidade, como pode elle, perdida a esperança de evitar o mal, fugir ao indiferentismo, deixando ir o mundo como vai -De tudo isto já sabemos o que se segue: a frequencia dos roubos, assassínios, e de todos os mais crimes cujo numero espanta os bons e os aterra. Porém não se creia que, no estado premente, seja uma providencia particular, uma medida sobre assumpto especial e determinado, sufficiente para se conseguir o grande fim: é necessario abranger de uma vez toda a extensão do territorio com providencias que cheguem aos diversos ramos da Administração. - Fallou-se nos jurados de commercio, e o nobre Barão na menção louvavel que delles fez ministrou-me, sem o querer, um grande argumento. Pergunto eu.... (mas não pergunto, que não estamos dialogando); perguntaria eu ao illustre Senador: — Julgais vós que se Os jurados de commercio fossem constituidos e organisados como o são os outros jurados, appareceriam os seus verdicts nas causas de que se tracta com a regularidade e rectidão com que os pronunciam? — O nobre Senador diria que não. Estes jurados, como se sabe, são poucos, são da mesma profissão, e são escolhidos por todos os interessados; são homens cuja vida, cujo tracto cada dia os torna mais conhecidos aos seus collegas, que os escolhem sem fins politicos, donde resulta escolherem bem. — O auctor do Codigo Commercial tomou quantas cautellas podia tomar para que os jurados produzissem o seu effeito; e se elle se tivesse contentado nessas causas dos jurados ordinarios, grandes males occorreriam. — Sr. Presidente, a constituição do jury commercial revela a possibilidade de melhorar a instituição, reformando-a. Para que os correios de Secretaria me não venham dizer que faltaram ao serviço porque foram servir de Desembargadores; (Riso.) não é este negócio de causar muito riso — digo-o com magoa; porque quando estas phrases começam a ter muita voga é porque o mal a tem tambem; rimo-nos do som destas palavras, mas a sua significação assusta, e só não assusta, a quem não tem que perder. (Apoiados geraes.) O que o illustre Senador notou no jury commercial, como já disse é um grande argumento que S. Ex.ª me deu contra instituição dos jurados tal qual está, é um conselho que o nobre Barão dá ao Governo, para que forceje, sim, por conservar a instituição, mas modificada, de modo que não tenha os inconvenientes que tem actualmente, inconvenientes e só inconvenientes.

Como em resposta, e por fórma de argumento contra outro nobre Senador, que tinha feito menção de miseria publica, o nobre Senador declarou que a miseria publica não vinha ao caso. Eu, como Ministro da Corôa, desejo apresentar a verdade tal qual a entendo: nunca fui daqui para minha casa, carregada a consciencia, com o remorso deter proferido uma falsidade voluntaria; é minha obrigação não dar informações que não sejam verdadeiras, ou que eu não creia que o são. Sr. Presidente, existe a miseria publica; o como póde a miseria publica deixar de existir, quando nos fallam as necessarias instituições organicas, os meios de communicação interna, em fim quando nos fallam todos os meios de uma existencia politica, que prometiam duração e estabilidade? Não é culpa de ninguem o não haver ainda esses meios; porque nós não podemos fazer com que não acontecesse o que tem acontecido: soffremos uma usurpação sanguinária que cessou ha dez annos; mas que são dez annos na idade de uma Nação? Ás instituições antigas foram substituidas instituições modernas, defeituosas ao principio, porque não era dado aos homens creadas de repente, e po-las logo em harmonia com todas as nossas necessidades, sobrevieram os variados acontecimentos de que temos sido testemunhas; e estes e mil outras causas tem feito com que a miseria publica, não tenha cessado de existir. Não posso com tudo deixar de chamar a attenção dos nobres Senadores, para uma prova irrefragavel de que essa miseria de que tanto se falla, não é tamanha como se encarece. O nosso Paiz ainda ha poucos annos carecia de cereaes para seu consumo pela terça parte do anno; e o nosso Paiz já o anno passado exportou cereaes; isto, por si só, parece que não quer dizer nada, mas peço ao nobre Senador que pondere bem, que este só facto é o resultado de muitas causas, todas as quaes conspiram para demonstrar, que o nosso estado e condição tem melhorado muito. Um Paiz que dentro de poucos annos chega a ler cereaes para o seu consumo, quando antes lhe faltavam para o de tres mezes no anno, tem feito progresso; não será tanto como nós desejamos, nem como talvez poderia ser, mas é algum; o facto é incontestavel. E se assim é, menos exacto será tambem apresentar a miseria publica, como incremento. Mas como se manifesta essa miseria? Familias que tinham muito, hoje não têem: isso fica compensado pelas familias, que não tinham, e hoje têem; sempre assim aconteceu no estado mais ordinario, assim no antigo como no moderno systema; uns empobrecem, outros enriquecem – e um dos effeitos das alterações politicas de uma Nação, é a mudança e alteração das fortunas, o que sem incorrecção, não póde chamar-se miseria publica; porque na verdade não é outra cousa senão a perda de uns, e o ganho de outros. E certo, é certissimo que muitos interesses foram deslocados, a Restauração precipitou na pobreza muitas familias que viviam dos empregos publicos, que se extinguiram, ou lhes foram tirados. Sr. Presidente, quem podéra ter meios de evitar esses males. Mas não os ha, nenhuma Nação os tem tido, nem aquellas que possuiam mais recursos do que nós. Não se entenda que eu condemno as reformas de que as Nações carecem de tempos a tempos. Estas reformas são um remedio, mas remedio doloroso, e de cura tardia para todo o corpo politica. E aqui acabarei... mas não sem que primeiro note o pensamento do nobre Senador, do meu illustre adversario, que com muita habilidade, tirou induções certas para elle, de noções vagas e incertas para todos: o fundamento da sua opposição consiste em temores, duvidas e receios. Receia o nobre Senador que isto a que eu chamo organisação nos leve ao despotismo! (O Sr. Barão da Ribeira de Sabroso: — Apoiado.) Sr. Presidente, consola-me este apoiado; porque o nobre Senador nos aconselha que nos organisemos, para que não vamos ao despotismo, porque o despotismo não vem da organisação, vem da anarchia; (Apoiados.) acudamos á Nação antes que ella caia em anarchia, para que não caiamos no despotismo. (Apoiados.) Sr. Presidente, quando o Governo procura organisar a Nação pelas Leis traz os seus Projectos ao Corpo Legislativo, expõem do seu logar legal, e tão legal como o dos nobres Senadores, e os das outros membros que compõem a Representarão Nacional, as necessidades desta Nação, sobre que os consulta, poderá este Governo causar receios a alguem, de que pertenda com esta organisação assim preparada, chegar, ao despotismo? Se elle o quizesse não seria melhor deixar desgostar os povos do regimen representativo, entrega-los á mercê dos agitadores, á rapina dos chefes de bandos, tornar indispensavel o uso da força para os livrar do flagello da desordem, e impor-lhes uma ordem de ferro que ficasse a Constituição permanente do Estado, como em Roma ficou a Constituição de Augusto, depois das guerras civis? Quem transformou as cadeiras senatorias em assentos de escravos? Quem trouxe o titulo de imperator dos arraiaes para o capitolio, senão os tumultos dos Gracchos, as batalhas dos Marios e Syllas, as derrotas de Pharfalia, e a perda do ultimo homem da Liberdade suicidado em Utica? Despotismo! Deos nos livre delle! E quando o Governo procura tornar impossivel a anarchia por meio de providencias legaes, que regulem o uso da Liberdade para que della senão abuse, com grande perigo de perder-se, é grave injustiça a suspeita de que este Governo aspira ao despotismo. (Apoiados prolongados,)

O Sr. Duarte Leitão: — Tendo de fazer algumas reflexões sobre o que se tem dito relativamente á emenda que propuz, começarei (sem mais preambulo) por dizer, que me parece que o meu nobre amigo o Sr. Trigueiros declarou, que elle entendia serem inuteis a maior parte das vezes as discussões, porque acontecia que quem tinha formado a sua opinião a respeito de uma materia qualquer, não mudava por effeito da discussão. Ora, Sr. Presidente, ainda que em these, eu concorde de alguma maneira com esta opinião do meu nobre amigo, porque sei que muitas vezes assim acontece, e que não ha maiores surdos, do que os que não querem ouvir; com tudo no que eu deixo de concordar é, em que isso tenha applicação ao caso presente; e digo isto, porque estou persuadido que todos os illustres Senadores têem tido sempre grande interesse, e muito desejo de ser esclarecidos, o que se prova pela grande attenção e summa benevolencia, com que uns tem ouvido os outros. (Apoiados.)

Agora direi, que a emenda que tem estado em discussão é clara, e não só clara mas até conforme com as proprias palavras que o Governo empregou no Relatorio que fez ás Propostas apresentadas na outra Camara, cujas palavras são as seguintes: (Leu) E é que diz a emenda? Isto. (Leu-a.) Quer dizer, reformar o que dever ser reformado nas Leis organicas actuaes: parece pois que uma emenda que exprime claramente o sentido do que quer indicar-se, e que de mais a mais é conforme com o pensamento do Governo, segundo as palavras empregadas por elle no seu Relatorio, não merecia ser atacada com tanta força. Observarei porém, que me pareceu que o mesmo illustre Senador tinha modificado algum tanto a sua opinião, emittida no primeiro discurso que fez; por quanto, tendo elle dito muito claramente que o Paiz não estava organisado, disse depois (se eu me não engano) que o Paiz não estava de todo organisado; e, disse mais = organisação das cousas que o não estão, = e — necessidade da reforma das cousas já organisadas. = Daqui colligi eu que o nobre Senador tinha modificado a sua opinião algum tanto, e que se tinha aproximado ao meu parecer; mas elle não deixou de repetir que o Corpo Legislativo não estava organisado, e que este Senado (apesar de estar constituido em virtude de uma Lei organica, e apesar de estarmos deliberando em todas as Sessões, e de termos feito Leis justas e sabias — ao menos na nossa opinião) disse S. Ex.ª era verdade estar exercendo as suas funcções, mas organisado que o não estava. E, porque? Em consequencia do Artigo transitorio. Sr. Presidente, não é agora o logar proprio para entrar na discussão desta materia, mas sempre direi, que ainda mesmo que seja possivel executar-se este Artigo transitorio, e em consequencia desse Artigo altera-se a constituição do Senado, o que se segue d'ahi? Que se operaria = uma reforma para o futuro na sua organisação presente.

Disse-se que o Poder Executivo não estava

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organisado: mas eu já disse, e repito, que o Poder Executivo se exerce pelos Ministros; que o Ministerio tinha uma organisação; e que a organisação de um corpo não é para outro fim mais do que para o desempenho das suas funcções; e se isto não se quer que seja assim, então recorra-se ao que diz a Constituição, e vêr-se-ha, que o Ministerio não tem deixado de exercitar todas as attribuições que nos Artigos 81.° e 83.° estão marcadas, á excepção de uma, porque certamente ainda não concedeu Beneplacito a Decreto de Concilio algum, na fórma do §. 12.° do Artigo 82.º (Apoiados.) A Constituição no §. 6.° do mesmo Artigo 82.º, dá ao Poder Executivo a attribuição de «suspender os Juizes segundo a Lei»: — não se fez ainda Lei alguma a este respeito posteriormente á Constituição; entretanto segundo consta, o Governo já suspendeu dous Juizes de segunda Instancia. Eu não digo isto para censurar o sr. Ministro da Justiça; porque se eu fosse Ministro, e entendesse que o devia fazer, suspende-los-ia, e regular-me-ia neste ponto pelo que a tal respeito se decretou na Carta Constitucional, e na Constituição de 1822, até que se fizesse nova Lei; mas offereci agora este exemplo para mostrar, que todas as attribuições que a Constituição diz pertencerem ao Poder Executivo, têem sido exercidas pelo Ministerio: e conseguintemente digo, que na opinião do mesmo Ministerio é impossivel dizer-se que o Poder Executivo não está organisado. Se porém se quer fallar dos agentes administrativos, que são agentes do governo, é claro que temos as Leis Administrativas que deram organisação a todas essas authoridades: e se tal Lei precisa reforma, essa questão é outra, e della se não tracta agora.

Se se quer fallar da organisação de Fazenda, tambem é sabido que temos as Leis de 18 de Maio de 1832, e as Leis de Setembro de 1836, e se essas Leis precisam alguma reforma, não se segue que se possa dizer, que a Repartição da Fazenda não está organisada; isso só prova que ellas não estão concebidas da maneira que melhor conviria.

Admirou-me porém o ouvir dizer que o Poder Executivo não estava organisado, porque a Lei da responsabilidade dos Ministros d’Estado para dar as garantias: a quem ouvir isto parecerá, que a Lei da responsabilidade se reputa absolutamente necessaria, para que o Poder Executivo esteja organisado: parece-me que isto e que se queria dizer, pelo menos eu assim e entendi, apesar de que me custa a crer. — Sr. Presidente, em Inglaterra nunca se fez Lei de responsabilidade em que se mareassem os differentes casos em que os Ministros eram responsaveis, os differentes crimes que elles poderiam commetter no exercicio de suas funcções, e determinasse as penas que se lhes deviam impôr. Pedirei por esta occasião licença á Camara para dizer o seguinte: De Dolme conta, que perguntou um dia a um Inglez, muito sabedor das cousas de sua terra, se o Rei poderia perdoar a um Ministro, condemnado em consequencia de uma accusação intentada pela Camara dos Communs? Respondeu-lhe o Inglez: os Torys hão de dizer-vos que sim: os Whigs dir-vos-hão que não, mas pouco importa talvez, que a questão se decida, porque o grande fim de patentear a conducta de um Ministro corrompido, já se obteve. = Sendo isto assim, já se vê, que em Inglaterra, nem ainda se sabe com certeza, se a prerogativa Real se estende a este perdão: e o Poder Executivo não está organisado em Inglaterra?

O Poder Judiciario não está organisado, diz-se, porque é necessario fazerem-se algumas reformas e melhoramentos na Lei da organisação judiciaria, e sobre tudo (diz o Sr. Trigueiros) porque falta a Lei que dê garantia aos povos contra os Juizes. Farei só uma observação a este respeito, porque é do meu dever, e tenho obrigação de rectificar esta asserção. A garantia que s. Ex.ª diz não haver ainda, está escripta com todas as letras na lei de 13 de Janeiro de 1837, que marca todos os termos do processo pelos cumes commettidos pelos Juizes no exercicio das suas funcções, e bem assim os casos em que ha logar a acção de perdas e damnos; e teta dous titulos sobre estes objectos, que tem mais de duas duzias de Artigos.

Um illustre Orador disse, que eu não me tinha exprimido com exactidão, quando affirmei que o não estar um Paiz organisado era o equivalente de estar em anarchia, e pôz para isso um exemplo, e foi este: — Entra um conquistador em qualquer paiz; dispersam-se todas as authoridades; usa da força, e faz-se obedecer; o Paiz está submisso; não ha organisação, e entretanto não ha anarchia. — Sr. Presidente, se não ha anarchia, ha despotismo; está organisado o despotismo, se se póde dizer, que elle seja capaz de organisação; está organisado o Governo, em que tem o logar de Lei a força, o arbitrario, e o capricho; e em tal Organisação nem mesmo farra a Lei da responsabilidade, executada, è verdade, mais summariamente, do que poderia executar-se por quantos processos especiaes, nós possamos aqui decretar: ajuntam-se os Senadores contra o déspota, e dão-lhe vinte e tres punhaladas; ajuntam-se os Janisaros ás portas do Serralho, e fazem effectiva a responsabilidade do déspota, cortando-lhe a cabeça.

Disse tambem o mesmo illustre Orador que o não estão um Paiz organisado =, não era o mesmo que = estar desorganisado. = Distincção subtil, subtilissima, que faria honra a Scotto, e que eu não comprehendo, e a que por tanto não respondo.

Agora passarei a fazer algumas reflexões, sobre o que o meu illustre amiga o Sr. Felix Pereira de Magalhães hontem teve a bondade de dizer, relativamente a uma passagem da minha falla na Sessão anterior, sobre o artigo 13.° das Propostas. O Artigo 13.° diz «O contencioso administrativo pertencerá aos Conselhos de Districto: (Leu.) Sr. Presidente, este exemplo, assim como outro de que eu me servi, não tiveram por fim mais do que mostrar a difficuldade que havia de formar um juizo seguro de algumas das proposições, que se achavam nas Propostas, não teve por fim discutir a questão entretanto o illustre Senador disse que eu tinha entrado na materia; eu sómente disse o que julguei que era preciso para mostrar a difficuldade da questão; e não dei razão nenhuma, nem por uma nem por outra parte, á excepção de tocar naquelle! razão que o Relatorio aponta, do pouco conhecimento que os Juizes tem para julgar as causas do Contencioso Administrativo, e toquei isto dizendo que era um caso em que se dava como razão que os Juizes não podiam conhecer, nem apreciar as razões de interesse geral, que deviam predominar em taes sentenças; e appello para todos os Senhores que me ouviram: eu não affirmei que o Relatorio queria dizer que os Juizes eram absolutamente inhabeis não disse isso como alguem entendeu que eu dissera; fallei muito claramente. Tambem estou persuadido que a Camara me fará justiça de acreditar, que eu não quiz atacar as intenções da Commissão, cujo? Membros muito respeito: e nem tambem ás do Governo aonde até está um Juiz que estou persuadido que zella é credito da sua corporação: eu disse muito singelamente que os Juizes da Relação de Lisboa não haviam de ser desta opinião; não fiz exclamações, appello para todos os Senhores. (Apoiados.) Nem mesmo declarei a minha opinião, apesar de que, sem temer que seja accusado de parcialidade pelos meus Collegas, posso dizer que os Membros dó Conselho de Districto não são melhores Publicistas de que aquelles. (Apoiados.)

Agora o Sr. Pereira de Magalhães, tomando s palavra por este motivo, confirmou mais é que eu disse, porque nem ao menos teve a bondade de lêr o que se acha no Relatorio, nem negou o facto, porque o não podia negar, e tomando a palavra só para este ponto divergiu; mas já que não teve a bondade de lêr o Relatorio, que era o objecto principal, e leu o Codigo Administrativo, que não vinha a proposito, esse mereceu-lhe a consideração de o lêr, mas o Relatorio que era o assumpto essencial da questão não lhe mereceu tal trabalho; já que pois elle o hão leu então me permittira a Camara que o leia. (Leu.) Se isto que eu acabo de lêr não é o mesmo que eu disse, e que repeti agora, então não sei o que é. - Disse o illustre Senador que eu tinha entrado na materia; mas elle é que entrou na materia, eu apenas apontei aquella passagem e disse duas palavras sobre o espirito geral que neste ponto predominou na Legislação Franceza tanto antes, como depois de Napoleão; e vem a ser, que em um tempo se queria, que os Administradores tivessem authoridade exorbitante, porque serviam de instrumentos de revolução, e n'outro tempo queria-se o mesmo, porque serviam de instrumentos para o absolutismo. Não entrei em especialidades sobre a historia da Legislação Franceza, e das opiniões, que a este respeito havia em França; nem apontei razão alguma tirada do fundo da materia; o illustre Senador é que o fez: depois de ter exposto a historia das Opiniões e da Legislação, fallou, e repetiu algumas das razões que se achavam no mesmo Relatorio eu presisto na minha tenção de não entrar no fundo da questão até que seja occasião opportuna; e por tanto não quero tomar posição neste terreno, nem quero distrahir a Camara do objecto principal. O meu fim está preenchido, que foi chamar a attenção da Camara sobre a importancia do objecto; mas Como o Sr. Magalhães fallou na materia, sempre lhe direi, que o principio, de que a validade intrínseca dos -actos do Governo não póde ser submettida á decisão dos Juizes, é incontestavel; mas o paralogismo consiste (não lhe quero chamar sophisma) o paralogismo consista unir forçar as consequencias deste principio: quem dirá que, porque os Juizes conhecem das questões de servidões, das questões de indemnisações por expropriações, são authorisado a conhecer da validade dos actos do Governo? — Mas eu dizia que não queria entrar na materia, e já ía entrando...

Agora não posso deixar de recordar uma exclamação que fez o meu amigo o Sr. Pereira de Magalhães, a quem muito estimo, e que talvez seja este o unico ponto de controversia entre nós. Depois de ter exposto as differentes opiniões que havia, e a difficuldade da guestão, exclamou que — Parabéns á Nação, por ter tem grande Jurisconsulto, que a decidiu. — Ora eu, para isto de ironias não tenho geito nenhum; por isso direi simplesmente, que em uma questão, em que ha diversas opiniões, é licito sem pretender decidi-la, sem causar admiração sem ter a menor presumpção, é licito seguir uma dessas opiniões, em segundo logar quem ouvisse o illustre Senador julgaria que era só eu que tinha esta Opinião em Portugal; mas não sou só eu: são pessoas que eu julgo muito illustradas, foram as Côrtes de 1835, foi Camara dos Deputados, e a Camara dos Pares, de que aqui estão muitos assentados, que votaram por essa mesma opinião; direi mais, muito seriamente, que se as opiniões são differentes, se a questão é tão melindrosa, se a questão está ainda por decidir; então muito bem faço eu em querer conservar as Leis actuaes, por que senão deve fazer alteração nas Leis existentes em quanto se não mostrar evidentemente a necessidade dessa alteração. Se a questão é melindrosa, e as opiniões diversas então não posso concordar em que se faça innovação na Lei: ainda ha pouco disse o Sr. Ministro do Reino, que sem a molestia estar conhecida não se applica o remedio. — Mas, repito, eu não tenho geito para ironias e conheço o perigo que ha em usar dellas, porque podem dar occasião a máus cumprimentos, cousa que é muito bom fazer-se rara por toda a parte; e conheço tambem a facilidade com que podem ser retorquidas. Ora peço licença ao meu nobre amigo para lhe mostrar um exemplo da facilidade com que se póde retorquir. Se me dá licença, digo = Parabéns a minha Nação por possuir um famoso Publicista que veiu, demonstrar que os Administradores devem ser Juizes, e que as Camaras dos Pares e Deputados de 1835 não souberam o que fizeram! =

Agora direi que o nobre Presidente da Commissão, o Sr. Duque de Palmella, me pareceu que tinha entendido as minhas palavras em um sentido differente daquelle que eu lhe tinha dado; ou talvez não tivesse dado attenção a todas as palavras que eu disse. Quando eu fallei em maioria intra muros e maioria extra muros, não me referi á maioria existente nesta Camara; o que eu disse, e o que quiz mostrar, foi o perigo das precipitações, e tambem que se devia fugir quanto possivel fosse de tomar a Camara decisões menos bem meditadas, devendo lembrar-nos, que a maioria intra muros nem sempre era maioria extra muros.

Agora observarei que o nobre Presidente da Commissão disse que elle estaria prompto afazer emenda na redacção do Artigo 12.º, no caso de se não ter apresentado esta; porque tinha descuberto não sei que motivos occultos, ou intenções que elle não podia explicar, e que por isso S. Ex.ª retirava a emenda que tinha tencionado fazer, e sustentaria o Artigo em discussão.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu disse que me queria subjeitar a approvar tacitamente a emenda do illustre Senador, como já tinha approvado a que S. Ex.ª propozera a outro paragrapho, se, pelo que percebi dos discursos de alguns Oradores, não tivesse visto a importancia que se lhe queria attribuir; em consequencia do que não era possivel que, pela minha parte ou por parte da Commissão, eu annuisse a essa emenda.

O Sr. Leitão: — A explicação que S. Ex.ª acaba de dar, mostra com effeito, que S. Ex.ª

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impugnou a emenda, por ter visto nella motivos -occultos, intenções que não declarou. — O profundo respeito que eu tributo ao nobre Duque de Palmella, que por tontos titulos se tem tornado credor da gratidão nacional, e nas suas relações particulares da veneração de todos os que o conhecem; (Apoiados.) o profundo respeito, digo, que eu lhe tributo, faz com que eu não responda a isto, como S. Ex.ª sabe, me seria facil responder. Intenções, disse S. Ex.ª! O nobre Duque sabe muito bem, que estes ataques oblíquos fazem a maior parte das vezes mais mal a quem os emprega, do que áquelles que propõem a medida, que assim é atacada. A minha regra é esta: — se uma medida qualquer que se apresenta é boa, que me importam os motivos occultos que tem quem a propõem! - No caso presente não ha motivos sensiveis, claros e palpaveis, que são a coherencia, e a clareza? Ha: coherencia com o que a Camara já tinha sanccionado e clareza para evitar a confusão e a contradicção. (Apoiados.) Eu não pertendo empregar nunca similhantes argumentos; não desejo nunca confundir cousas com pessoas, nem a conveniencia ou inconveniencia, a justiça ou injustiça das Propostas, com os motivos occultos de seus authores. Muito menos hei de nunca attribuir a uns as opiniões de outros: eu sou muito amigo, e devo até muitas finezas aos Srs. Barão da Ribeira de Sabrosa, Vellez Caldeira, e outros Srs. porém declaro, que, nem todas as suas opiniões são as minhas; elles tem umas muitas vezes, e eu tenho as contrarias: — cada um só póde responder, e só lhe podem ser attribuidas as opiniões, que sustenta, ou que manifesta. Sr. Presidente, eu opponho-me á solidariedade das opiniões. (Apoiados.) Não se confundam pois as questões com cousas que não veem a proposito, e que não ferem o ponto que se pertende discutir, como tem acontecido na presente discussão.

O discurso do Sr. Ministro do Reino feito na Sessão passada, pelo que pertence ás razões que eu produzi mais o comprovou do que combateu; por quanto, o que eu queria mostrar era a difficuldade das questões, que se continham nas Propostas para que a Camara não emittisse já a sua opinião e o quem mostrou o Sr. Ministro do Reino foi isto mesmo; que disse não havia de ter duvida em confessar que errou, e que havia de o fazer em quanto o não convencessem de que não tinha errado. Ora uma questão decidida em 1835 pela Lei de 25 de Abril, Lei approvada tambem pelo Sr. Ministro do Reino que meditou, e combinou, e redigiu e publicou o Decreto administrativo de 1835; uma questão, em que o mesmo Sr. Ministro do Reino agora diz que errou, e que ha de continuar a dizer que errou, em quanto o não convencerem do contrario, não será uma questão importante e difficultosa? Certamente. (Apoiados.): e na verdade ha de ser um espectaculo bem singular, quando se tractar este objecto na discussão das Propostas que apresentou o Governo, os que seguirem a minha opinião, fazendo todos os esforços para mostrar ao Sr. Ministro que não errou, e elle defendendo-se desta imputação, e produzindo todos os argumentos para provar, que Deputado e Ministro não acertou com a verdadeira doutrina.

Sr. Presidente, tem-se desperdiçado grande quantidade de indignação contra uma emenda innocente, clara, e mesmo concorde com as opiniões do Ministerio emittidas no seu Relatorio, tem sido fortemente atacada, e até se lhe tem chamado nomes máus; deve porém confessar-se que na refutação se tem posto de parte o ponto da questão: eu vou chama-la ao seu verdadeiro ponto. Digo pois, que é necessario adoptar a emenda, para ser concorde com a verdade dos factos, e mesmo com o que o Governo diz no seu proprio Relatorio: digo, que é necessario adopta-la, para não emittir um juizo positivo, a respeito daquillo que não examinámos ainda, (Apoiados.) O texto do Projecto diz o seguinte s (leu): — das quaes Propostas depende a organisação, do Paiz: — se isto é assim, e se dellas depende a organisação do Paiz, havemos de approva-las, (Apoiados) porque não havemos de deixar o Paiz sem organisação: mas se nós não sabemos ainda se as approvaremos, tambem não sabemos ainda se dellas depende a organisação do Paiz. Disse um illustre Senador, que lendo-se a primeira parte do Artigo do Projecto, facilmente, se deduzia o verdadeiro sentido da segunda, parte, porque aliàs seria contradictorio: na primeira parte diz-se isto: (leu.) Deve pois por estas palavras, diz o illustre Senador, entender-se a segunda parte de que só se approvarão essas Propostas depois de serem examinadas. Mas para que quererá a Camara parecer contradictoria, podendo fallar com clareza? O nobre Presidente da Commissão disse, que para se entender o verdadeiro sentido do paragrapho, bastava subentender algumas palavras: por exemplo, que quando dizia «das quaes depende a organisação do Paiz» se podia entender por estas «das quaes Vossa Magestade dia que depende a organisação do Paiz.» Mas, pergunto, que precisão temos nós de parecer contradictorios, podendo ser coherentes? E que precisão temos nós de subentender palavras podendo fallar com clareza? Quer a Camara entender uma cousa, e exprimir o contrario? Certamente não: quer usar de expressões taes, que para se entender o seu verdadeiro espirito, sejam necessarias interpretações, e mesmo supposições de outras palavras, que evidentemente fazem variar o sentido natural do paragrapho, e que mesmo não baste invocar todos os auxilios da hermeneutica, e empregar a habilidade conciliatoria dos interpretes?

Concluo dizendo, que adopto o que disse o Sr. Duque de Palmella, isto é, adopto o paragrapho com a intelligencia que S. Ex.ª lhe deu, accrescentando as seguintes palavras «das quaes Vossa Magestade diz que depende a organisação do Paiz.» E assim que o Sr. Presidente da Commissão disse que se devia entender o Artigo, e eu estou perfeitamente concorde, escrevendo-se assim, bem entendido. Adopto o pensamento do Sr. Presidente da Commissão, com tanto que o commentario seja incorporado no texto. (Apoiados.)

O Sr. Visconde de Laborim: — Sr. Presidente, no estado em que se acha a discussão, eu faria por certo um serviço á minha patria se renunciasse a palavra, e pedisse a V. Ex.ª que consultasse a Camara sobre se julgava a materia sufficientemente discutida, porém tendo-a obtido q meu nobre amigo o Sr. Duque de Palmella; pela deferencia que lhe tributo, e tambem não desejando privar-me, privar esta Assembléa, e a Nação inteira de ouvir da bocca de S. Ex.ª, cousas dignas e novas, assento por estas razões, que devo adoptar, entre as ponderadas collisões, um meio termo, fallando pouco; porque, a dizer a verdade, têem-se dito muitas, e excellentes cousas, mas, na maior parte, fóra da questão, e della bem alheias.

Sr. Presidente, conjurou-se esta Assembléa com uma energia insolita, para que se não approvasse o paragrapho tal qual está, e que isto só se poderia fazer com regularidade, adoptando-se a emenda que apresentou o meu nobre collega, o Sr. Leitão; e asseverou-se, que se a Assemblea o approvasse, sem esta circumstancia, seria inconsequente e faltaria áquella dignidade, que é do costume presidir a todas as suas deliberações; e eu, Sr. Presidente, conjuro a Camara, para que adopte o artigo sem alteração alguma, e para que rejeite a emenda do Sr. Senador Leitão. — Sr. Presidente, disse-se mais, que este artigo, tal qual está, se fosse adoptado, importaria o mesmo que uma cega, e servil approvação de todos os Projectos de Lei, que, dizendo respeito á organisação do Paiz e á segurança do Estado, fossem aqui apresentados pelo Governo. — Se isto se expressou por estes termos, ou por outros, não sei; mas o que vem para o caso são as idéas, que se applicam, e estas foram apresentadas de sorte, que a Camara deve estar bem persuadida da certeza, de que eu não faltei ao essencial, e de que parece ter havido intenção de fazer ver, que o paragrapho está concebido com alguma especie de veneno; torno a dizer, não affirmo que esta seja a verdade, mas o que é certo é, que, pela energia, com que se fallou neste objecto, e nas palavras que se empregaram, se quiz persuadir alguem desta Assembléa, de que o paragrapho não estava exarado com lealdade: é esta a idéa que eu, segundo o meu pouco cabedal de forças intellectuaes, vou remover.

Sr. Presidente, quando uma materia é por similhantes motivos invectivada, torna-se a proposito, para a defender, que se recorra ás qualidades de seu auctor, porque, em similhantes circumstancias, tambem se tracta de um objecto particular, e que fere directamente o melindre da pessoa, devendo medir-se aquella por esta, e por isso peço ao meu nobre amigo, o Sr. Duque de Palmella, que, tendo eu de appellar para o seu conhecido merecimento, releve a minha ousadia, que sem duvida offenderá a sua modestia. — O Sr. Duque de Palmella, quando se tractou da discussão do primeiro paragrapho, creio, se me não falha a memoria, por occasião de se fallar em synonimos, disse, que muito se lastimava, de que não estivesse presente o Ex.mo Patriarcha Eleito, que, como verdadeiro mestre da lingua Portugueza, delles podia dar a significação propria, se bem que este Sr. não tinha sido o redactor, mas sim S. Ex.ª; é como tal, que eu, pelo imperio das circumstancias, torno a repetir, sou violentado, mesmo na sua presença, a dizer o que a delicadeza, de que o julgo acompanhado, quereria que occultasse.

O Sr. Duque de Palmella é um dos nobres ornamentos desta Camara; existem nelle tantas luzes, como virtudes; sendo isto assim como na realidade é, temos um redactor virtuoso, e instruido; como virtuoso, não podia deixar de obrar, franca, lealmente e da melhor fé; como litterato, não podia empregar palavras de sentido ambiguo, e improprio; está pois excluida toda a idéa, de que no paragrapho exista a mais ligeira dóze de veneno. Agora direi, que tendo eu examinado com toda a circumspecção, e vagar, pelo espaço de tres dias, que tanto tem decorrido desde que nos occupamos com a discussão destas quatro linhas, não me é possivel descobrir esse célebre, e decantado enigma virulento.

A discussão, Sr. Presidente, tem sido assás estirada, e sahido fóra do assumpto, e então é preciso convir, em que talvez algum Senador, ou alguem, que nos está escutando, não forme já idéa de qual é o objecto de que precisamente nos occupamos; util pois, será ler o paragrapho, que eu reputo esquecido: (Leu.) Ora, Sr. Presidente, na presença do que se ouvio, poderá dizer-se de boa fé, que nestas palavras existe a asserção, de que nós vamos, e nos compromettemos com isto em ter uma escravidão, e fanatica cegueira de dar, sem mais reflexão, por approvadas todas as Leis que nos apresentarem? Com effeito, é uma latitude de interpretação sobremaneira graciosa.

Limitando-me ao uso de principios grammaticaes, e á letra do artigo, e assim ao seu rigoroso sentido, o que encontro, e nada mais, é o seguinte = que nós promettemos prestar toda a attenção ao exame dos Projectos de Lei, que versando sobre a organisação do Paiz, e segurança publica, forem trazidos a esta Camara pelo Governo; se elles se esposarem com o bem do Estado, nós as approvaremos; se a elle forem contrarios, nós os rejeitaremos: não quer dizer outra cousa.

Perguntarei aos nobres Senadores da opposição, se quem se propõe a fazer um exame imparcial sobre este, ou aquelle objecto, se obriga a ser escravo da pessoa, que o apresenta? (Apoiados.) Não confundamos idéas: quem tracta de examinar um objecto, é só escravo do resultado do exame.

Sr. Presidente, por outro lado é regra trivial de hermeneuthica, que as materias se podem esclarecer, quando tem alguma escuridade, combinando-as com as antecedentes ou subsequentes; e assim veja-se o que se diz no paragrapho que se segue, e que lerei: (Leu.) Pois então nesta palavra igual, porque elle começa, e em toda a dicção, não se encerra o pensamento, de que havemos de ter, com aquelles Projectos de Lei, a mesma conducta, que nos obrigamos a ter aqui com estes, isto é, de os approvar, se elles forem convenientes á Nação, se pelo contrario, de os rejeitar? Sem duvida sim.

Diz-se, que a Camara seria incoherente, se, tendo approvado a emenda ao paragrapho 2.°, deixasse de approvar a que se propõe ao que se acha em discussão. Respondo: quando no artigo 2.° ella se adoptou, isto se praticou com a melhor boa fé, e optimas intenções, e estou bem convencido de que, se naquella occasião se levantasse a celeuma que agora se ergueu, não se approvaria certamente por superfluo, e não sei se por mais alguma cousa; e estando acolá, bem ou mal, já consignada a idéa que tanto se exige; existe aqui a falta de necessidade de voltar a consigna-la; e assim não ha incoherencia, e o que houve foi sincera condescendencia, e não posso deixar de dizer á Camara, que o affinco desta emenda, tem dado logar a uma questão, que poderá caracterisar-se acintosa. (Rumor no lado esquerdo.)

Sr. Presidente, eu estou no meu direito, as minhas idéas são communicadas francamente pelas minhas palavras, e as minhas opiniões são livres (taes são as prerogativas de um Representante da Nação.)

Sr. Presidente, não tenho remedio senão referir-me a um pequeno incidente, em parte do qual já obteve a palavra o meu digno collega e particular amigo, o Sr. Mello e Carvalho, relativamente a algumas expressões de censura.

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que do lado esquerdo se fizeram a respeito da sentença dada pelo Juiz de Direito da 1.º Taxa, José Luiz Rangel de Quadros, sobre o roubo e atrozes assassinios commettidos em casa do Doutor Andrade. — Em quanto á pessoa do Juiz, e pelo que pertence a sua notoria probidade, conhecimentos juridicos, e mais distinctas qualidades que devem ornar um verdadeiro e benemerito Magistrado, acha-se cabalmente desempenhado pelo referido meu collega e amigo, e com satisfação minha assevero que suas justas expressões a tal respeito encontraram um ecco geral nesta Camara; e assim tomo a liberdade de me dirigir ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que foi quem fez a referida censura.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Agora desdigo-me de toda a satisfação que dei.

O Sr. Visconde de Laborim: — Eu não exija as satisfações a respeito do Juiz; se as deu foi porque as quiz dar; vou tractar de outra materia, que me cumpre, e peço a S. Ex.ª queira ter a bondade de me prestar attenção; vou advogar a favor dos principios de justiça e dos de equidade. O nobre Barão, fallando das Leis organicas, tractou de Jurados, fez os devidos encomios a esta sabia, e previdente instituição, eu tambem em these as faço, e não lhe fico atraz; mas lastimo-me, de que com a applicação, que della desgraçadamente se faz ao meu Paiz, se tenham aberto as portas á anarchia, estabelecido uma fonte de impunidade, e posto em risco a liberdade, honra, vida e propriedade do Cidadão.

S. Ex.ª disse, que á Jury, naquelle negocio, tinha decidido com acêrto, e que o Juiz de Direito tinha commettido faltas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não disse tal.

O Orador: — Se o não disse pareceu-me, que o tinha dito; e se o não disse, para que deu hontem tantas satisfações? (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A palavra.)

Decidir da sentença de um Juiz quem não é professor na materia; quem não está ao alcance da verdade e forças do processo; invectivar contra uma sentença exarada sem tempo para reflexão, e dada immediatamente sobre as precipitadas respostas do Jury (porque a Lei assim o ordena) uma sentença que, por falta de um Codigo regular e competente, tem de sahir da lucta e opposição, em que o barbaro Livro 5.° das Ordenações do Reino está com a Legislação moderna; e decidir deste objecto tão importante só pela opinião publico, susceptivel em taes materias de todo o engano, e que quasi sempre se exacerba á vista dos crimes, e crimes tio enormes; seja-me permittido dizer, que é uma perfeita imprudencia. O censurar-se aqui os actos do Poder Judiciario é, perdoe-se-me a expressão, mettermo-nos, onde não somos chamados; é uma rigorosa invasão, que se lhe faz.

Sr. Presidente, houve mais outro excesso, e mesmo censurando-o, faço justiça á importancia do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não quero, rejeito.

O Orador: — Pois senão quer não a acceite, então fallarei em geral. — Isto que deixei dito, sahido da bocca de um Senador, póde arrastar comsigo a prevenção terrivel da instancia superior, adiar sobre os réos (que como taes, sejam quaes forem os seus delictos, são sempre considerados miseraveis e tem direito á nossa piedade) a espada da justiça; e em tal caso peço encarecidamente ao Sr. Senador Barão da Ribeira de Sabrosa, que quando o seu patriotismo o levar a fazer taes observações, pondere bem as consequencias, que se podem seguir.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, torno a pedir a palavra. — - Quando se insiste em calumnias, não se póde ficar calado.

O Orador: — Rogo ao Sr. Senador, que se reporte; eu não sou capaz de calumniar, e menos de offender pessoa alguma; venho aqui apresentar as minhas opiniões na melhor fé possivel; e se não são boas, sejam destruidas com argumentos, e não com invectivas. (Sussurro.)

Tenho acabado o meu discurso, terminando por approvar o paragrapho tal qual se acha lavrado, e peço que seja rejeitada a emenda do Sr. Leitão, como desnecessaria, e até impertinente.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu narrei aqui um facto, e não o moralisei, nem fiz sobre elle a mais remota censora; fui assás cavalheiro para dar logo uma satisfação ao Sr. Presidente da Relação de Lisboa; e hontem, quando tive occasião de fallar, repeti ao Sr. Mello e Carvalho, que eu não tinha querido fazer mais que citar um facto, e que me não referia a pessoa alguma; depois destas satisfações, não concedo a ninguem o direito de me tomar a fallar nisso. Pois um Senador explica-se duas vezes pelo modo mais franco e cordial, e ainda dous dias depois ha de alguem presumir vir dar-lhe aqui lições de conducta em termos esdruxulos! Eu não hei de consentir que ninguem me insulte, nem dentro, nem fóra desta Casa. Nesta mesma Sessão tenho eu dado sobejas provas de moderação; mas quando se insiste em calumnias, quem póde ficar calado? Quando se diz que deste lado não ha boa fé? Eu não sou acintoso. Então para que toma o illustre Senador a liberdade de repetir que quem quer emendar o paragrapho é acintoso? Daqui não ha acinte nem má fé; e estas duas palavras, remetto-as eu, e com todo o desprezo de que sou capaz, para quem as pronunciou. (O Orador sahio da Sala.)

O Sr. Visconde de Laborim: — As satisfações que deu o illustre Orador, que acabou de fallar, foram a respeito do Magistrado, mas nenhuma deu em quanto á offensa feita á justiça. S. Ex.ª esforçou-se para mostrar que eu tinha dito, que se lançava veneno, mas perdoe-me o nobre Senador que eu lhe diga que está perfeitamente equivocado; porque eu só disse que parecia que se lançava. — Sr. Presidente, ninguem tem mais polidez e urbanidade para com os seus collegas do que eu tenho; e tenho-a por educação, e por effeito dos meus principios, e tanto que até isto mesmo não podem deixar de confessar meus proprios inimigos; e por isso eu não podia nunca ter a grosseria, que se me attribue. — Em quanto porém ao que disse o nobre Senador, de que não soffria ataques nem dentro, nem fóra desta Casa, eu faço minhas as suas expressões, repetindo o que S. Ex.ª disse, isto é, que eu tambem impunemente não soffro ataques, nem dentro, nem fóra da Camara.

(Vozes: — Votos, votos.)

O Sr. Duque de Palmella: — Posto que me toca a palavra, se a Camara está fatigada, cederei della.

(Muitas vozes: — Falle, falle.)

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, eu reconheço que a Camara, e mesmo o Publico, devem estar cançados da prolongação desta discussão: por tanto, e querendo concorrer, quanto de mim depende, para que ella se não estenda, abster-me-hei de todo e qualquer exordio, e entrarei já no fundo da materia. E digo que no fundo da materia, porque a questão que tractamos não é (como alguns dos illustres Senadores que me precederam a tem querido representar) uma méra questão de palavras. A emenda proposta ao paragrapho que está em discussão, uma substituição que hontem appareceu assim como quaesquer emendas e substituições que ainda possam apresentar-se, tendentes a esclarecer o sentido de um paragrapho, que, segundo penso, não necessita de esclarecimento, vem a dizer todas o mesmo; e por consequencia a discussão não tem versado sobre o paragrapho, nem sobre a emenda porque em si não dariam motivo sufficiente para mui larga questão.

Todos entendem que no fundo deste debate ha um principio, ha uma razão occulta, a que não chamarei veneno, como inadvertidamente disse em outra Sessão, o que, com muita urbanidade, fez observar um dos meus adversarios nesta discussão. E aproveito esta occasião para declarar que, quando fallei em veneno, de modo algum o quiz dizer n'um sentido odioso; (Apoiados.) quiz dizer aquillo que vulgarmente se explica quando se diz que alguma cousa leva agoa no bico, que não é exactamente aquillo que á primeira vista, em apparencia, exprime.

Eu considero que os illustres Senadores do lado opposto, senão todos, alguns delles, devem imputar a si mesmo a rejeição da emenda por este lado da Camara, a duração desta discussão, e o calor que ella tomou; porque, se tivesse sido simplesmente apresentada, como o foi a primeira, seco lhe dar maior importancia, tambem teria sido acceita da mesma maneira, ao menos pela parte que toca á Commissão: porém foi acompanhada de um discurso proferido por um dos Membros eloquentes desse lado, no qual, abandonando-se talvez ao calor da phantasia e indo mais longe do que tencionava, attribuiu ao Governo, que uma parte do Senado sustenta nesta occasião, (visto que propõem um Projecto de Resposta ao Discurso do Throno que é o éco exacto do mesmo Discurso, por consequencia presta a sua attenção a esse Discurso), como dizia, atribuiu-se ao Governo uma intenção, não quero affirmar que no sentido mais lato, mas que certamente seria fatal, para não dizer criminosa — a de restabelecer o despotismo, ou de desenvolver um germen de desordens e anarchia! — Já em outra Sessão citei exactamente as palavras deste Discurso na parte a que me refiro, que estou persuadido excederam mesmo a intenção do nobre Senador que as prenunciou, mas que déram um justo motivo para que a Commissão, de que eu tenho a honra de ser orgão, considerasse mais maduramente antes de ceder a uma emenda que se queria fundar em similhantes asserções. Parece-me por tanto que esta especie de lucta parlamentar tomava o caracter de uma daquellas discussões que ordinariamente se apresentam nas Camaras Legislativas, nas quaes estendendo-se a vista largamente por todas as questões principaes do momento, se examina a conducta dos Ministros, as suas disposições, e as suas tendencias, para lhe attribuir mais ou menos, maior ou menor gráu de importancia, no seu sentido favoravel ou desfavoravel, cujo resultado é sempre decidir, ao menos por algum tempo, qual das duas opiniões deve prevalecer; pois que um Parlamento resolve-se ordinariamente em duas secções que se denominam pari tidos; ainda que felizmente no nosso caso a distincção entre esses dous partidos não possa talvez de uma linha bem pouco marcada, entretanto, traduzindo-a constitucionalmente, quer dizer - dous systemas de governar, mais ou menos distantes um do outro, cujo merecimento se disputa para que um delles prevaleça, e seja aquelle que conserve o leme do Estado. A discussão actual tomou este caracter (não o digo para fazer imputação alguma aos que contribuiram para que ella o tomasse, nem para lamentar esta circumstancia;) então os que approvarem ou desapprovarem a emenda, approvam ou desapprovam não uma phrase mais ou menos completa, mas sim as idéas apresentadas por uma das secções politicas em que se divide a Camara, com preferencia aquellas que foram apresentadas pela outra, lançando assim uma especie de stygma, pouco ou muito carregado, senão sobre os actos do Ministerio, ao menos sobre as tendencias do Governo. Desse modo se tende a enfraquecer esse mesmo Governo na sua acção, em quanto pela approvação do paragrapho da Commissão se procura dar-lhe força e estabilidade. — Este é o caracter verdadeiro debaixo do qual deve considerar-se o debate sobre o paragrapho que se discute neste momento.

A emenda e substituição foram apresentadas de boa fé; não só estou longe de suppôr que a houvesse má, mas sei que não existe em nenhum dos lados desta Camara: (Apoiados) mas existem interesses, existem illusões existem provocações, existem habitos, em fim existe aquillo que é inseparavel do coração humano, ou uma ambição louvavel, ou lembranças do Poder que se exerceu e já não se exerce por circumstancias que occorreram, quaesquer que ellas sejam. De uma parte existe o habito adquirido de propender mais para um systema pausado de prudencia, de moderação, de modificação mesmo nas idéas que se reputam as melhores; e da outra parte talvez alguma disposição á exaltação, ao fogo das paixões, e (não quizera dize-lo, e o não digo nem remotamente em sentido odioso) a seguir mais aquellas idéas que se suppoem lisonjear um maior numero de individuos, ainda mesmo daquelles que em realidade não são sufficientemente illustrados para saberem o que mais lhes convém, e o que é melhor para o Paiz. (Apoiados.)

Esta lucta representa, no recinto desta Camara, outra lucta maior, que presenciámos ha poucas semanas em toda a extensão de Portugal; são os dous principios que luctaram nas eleições, é a tendencia que existe, de um lado — a considerar como necessario, como indispensavel, como urgente, reformar aquellas Leis organicas que já temos, e a promulgar as que faltam para pôr em acção a Constituição, como a deve ser, em toda a sua latitude, e com a força e equilibrio conveniente; e do outro lado a resistencia ás propostas para essas reformas, e a desconfiança lançada contra as intenções de quem as faz; é o desejo de obter ou conservar popularidade, desejo louvavel n'um Paiz livre, mas que conduz muitas vezes a graves inconvenientes, e que obriga a frequentes imprudencias. O ardor de adquirir essa popularidade lisonjeando o pundonor nacional, é cousa sempre facil, cousa sempre agradavel, cousa sempre

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destituida de toda a odiosidade, e de todo o perigo; quando, pelo contrario, as verdades amargas e austeras são, pela maior parte das vezes, acompanhadas de impopularidade para quem as pronuncia, ao menos trazem comsigo o risco de falsas interpretações, e outros inconvenientes mais ou menos graves, conforme as paixões se acham mais ou menos exaltadas; e não obtem a sua recompensa senão com o andar do tempo, e quando essas paixões tem já esfriado. (Apoiados.)

Se me fosse licito ir mais longe nesta obra, que eu emprehendo de levantar um véo, que nem todos se attrevem a levantar, e no qual senão póde tocar em todos os tempos, diria — aquillo que todos nós sabemos - que uma especie de allusão ou alliança, que na época das eleições existiu entre partidos extremos, demonstra claramente que não podia ser questão de principios a que então se agitava, mas que essa questão era tambem de interesses, de amor-proprio, e de poder: esses partidos extremos não podiam concordar nos fins, não podiam senão dar-se as mãos pára se auxiliarem mutuamente no primeiro momento, e enganarem-se um ao outro na conclusão. (Apoiados.) Esta allusão entendo que tem logar nesta occasião, porque se apresentaram aqui receios pela existencia da Constituição, (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - É verdade) receios de tendencia para o despotismo: (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado) então responderei a isso, que esses receios, assim da alteração da nossa actual Constituição, como da tendencia para o despotismo, estariam mui longe daquelles que combinavam com um dos partidos, que existem neste Reino, que combinavam as suas forças, e as suas acções na época das eleições! Logo, tirarei daqui esta illacção: — de qual dos lados é mais de receiar um ataque voluntario ou involuntario á Constituição? Qual dos dous systemas se deve reputar em suas tendencias como mais hostil, ou como mais perigoso á permanencia do Governo livre que actualmente possuimos? — Julguem-no os melhores juizes disso, que são aquelles que confessam não ser affectos aos principios Constitucionaes, e elles já pronunciaram o seu juizo pelo facto, elles que sabem perfeitamente o que lhes convém, ainda que não fosse senão pelo instincto natural que leva os homens, principalmente em massas, a procurar aquillo que, ou mediata ou immediatamente lhes é conveniente; e elles que se uniram a esta fracção do partido Constitucional, sabiam, ou pelo menos julgavam, que dessa maneira promoviam o seu fim, e esse fim não poderia sinceramente ser o de consolidar um Governo Representativo.

Sr. Presidente, no anno de 1834 lembra-me, e alguns dos illustres Membros desta Camara se lembrarão, de ter ouvido accusar o Ministerio que então governava de vistas tenebrosas, de intenções occultas contra a Carta, de machinarem a sua destruição, e de cavarem a sua sepultura: esse Ministerio, de que eu tinha a honra de ser Membro, não era certamente hostil á Carta; foi-lhe fiel assim como o hão de ser á Constituição actual, os individuos que delle faziam parte e juraram o novo Codigo fundamental. Por certo que aquelles mesmos que pronunciaram a phrase que eu acabo de repetir, não tinham gravado no coração o amor da Carta tão profundamente como as pessoas que elles accusavam de falta desse affecto, e que bem pouco tempo bastou para que dessem evidentes provas disso. (Apoiados) Por consequencia, a Constituição não tem que receiar do lado da Camara no qual me sento, nem do partido cujas idéas me préso de representar ou de interpretar nesta occasião.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino, n'um discurso muito eloquente, que toda a Camara admirou, e que torna bem desvantajosa a situação daquelles a quem coube a obrigação de fallar depois delle, provou que organisar não é certamente abrir o caminho ao despotismo, porque a estrada real do despotismo é a anarchia; e este nunca ergueu a cabeça, e nunca triumphou entre as Nações civilisadas, ou entre aquellas que uma vez conheceram a Liberdade, senão quando os abusos da mesma Liberdade, e as desgraças que esses abusos produzem, conduziram os Povos ou á indifferença pelo excesso do cançasso, ou a ajoelharem e pedirem, de mãos postas, a restauração do despotismo; o que Deus affaste da nossa Patria, e espero que o ha de affastar, mas o meio de o conseguir é (quanto possivel) fazerem todos os Portuguezes abstracção de partidos, abstracção de pequenos interesses, e (o que é mais difficil) abstracção de amor-propiio offendido, reunindo-se todos para dar força ao Governo, a força necessaria para elle cumprir os seus deveres, não lhe tirando seis mezes no anno, e seis horas em cada um dia para assistir ás Sessões das Côrtes, nas quaes se discute sobre palavras, para fazer que a essas palavras senão dê a importancia que actualmente se quer dar ao paragrapho e á emenda.

E, por esta occasião, pergunto: se a questão é de palavras, e se a incoherencia está do lado daquelles que consentiram na alteração do §. 2.°, e não consentem na daquelle que hoje se discute; que importa a uma porção desta Camara, que a outra se lhe não una e seja incoherente? Essa tacha fica só sobre os. seus adversarios, e permanecerão lavadas e livres as consciencias daquelles Senadores, que para isso não concorrerem. Elles votaram pela primeira emenda, agora votam tambem pela segunda, e são muito coherentes; e nós que votámos pela primeira, e não queremos votar pela segunda, somos incoherentes: mas esta parte da Camara subjeita-se á accusação de incoherencia, e a outra parte fica perfeitamente livre, e não tem que se acalorar tanto para salvar as consciencias dos seus adversarios politicos. Perguntarei ainda se foi para esse fim, que os illustres Senadores do outro lado combateram, pelo espaço de tres dias, com tanto talento e vehemencia, simplesmente para livrar a Commissão do erro que a accusam de querer commetter? Não, Senhores: isto seria um absurdo que senão póde attribuir a pessoas tão illustradas.

Um illustre Senador que hoje fallou pareceu querer justificar-se de uma accusação, que entendeu se lhe havia feito: está salvo della, por que o Preopinante foi quem lhe deu a importancia que adquiriu. Mas esse mesmo Orador pareceu motivar a emenda sobre a desconfiança que tinha do Governo, e para a demonstrar entrou na analyse das Propostas por elle apresentadas na outra Camara, Propostas que ainda não vieram a esta, e que por essa razão, sejam boas ou más, não nos dão ainda armas, ou fundamentos para as approvar ou desapprovar, suspeitar ou deixar de suspeitar.

(Pausa.)

Não podendo responder a tudo ao mesmo tempo, nem faze-lo tão completamente quanto desejava, procurarei, quanto cabe em minhas forças, ir successivamente dizendo alguma cousa sobre as diversas allegações que ouvi, e direi muito pouco porque a Camara está, com razão, fatigada.

A questão não é de palavras, porque essa não valle nada, nem valia muito desde o começo; a questão é de principios, e de principios que felizmente não estão muito distantes uns dos outros, que são conciliaveis, que mesmo espero sejam brevemente conciliados porque todos se hão de unir no altar da Patria. — Não sei se o Poder é muito para invejar nos tempos em que vivemos, ou se as vantagens que resultam do seu exercicio temporario, compensam os incommodos de quem nelle é investido. (Apoiados.) Uma fatalidade nos guia; acho esta phrase no meio de algumas notas que tomei hontem do discurso do illustre Senador por Aveiro, queixando-se do que entre nós tem acontecido ha annos a esta parte. Certamente que essa fatalidade nos tem guiado n'um caminho de perdição, ao menos de perdição de tempo, e n'um caminho de desgraça: porém chegou felizmente a época em que se podem dizer verdades; aquella época que celebrava um Escriptor famoso da antiguidade, ubi sentire quae velis et quae sentias dicere licel, e senão devemos esta fortuna ao Governo de Nerva e de Trajano, devemo-la ao effeito todo poderoso do tempo, e á força da experiencia adquirida já, tanto pelos Povos como pelos Legisladores. Sim, Sr. Presidente, eu quero lisonjear-me de que já chegou o tempo de se dizerem as verdades sem risco, de se ouvirem sem repugnancia. O Paiz precisa de uma Administração que constantemente se occupe dos seus melhoramentos materiaes e da sua organisação moral, uma Administração sem idéas hostis, nem vistas traidoras á Constituição do Estado, idéas que não cabem, vistas que estão longe de qualquer cabeça rasoavel Portugueza; porque a Carta morreu, o tempo trouxe a sua prescripção; as mudanças que esse acontecimento trouxe comsigo, foram principalmente a abolição da Representação da Nobreza hereditaria nesta Camara, e algumas outras que já não podem surgir, nem haver a idéa de as ressuscitar. Porém para que o Povo possa abençoar a memoria desses homens, que ainda aqui se acham quasi todos, que sacrificaram a sua vida, a sua saude e a sua fazenda, que fizeram todos os esforços humanamente possiveis para estabelecer a Liberdade neste Paiz, é mister que se lhe façam experimentalmente sentir algumas das vantagens dessa Liberdade, não dando-lha superabundante, e como um sustento superior áquelle que a Nação actualmente póde supportar, o que causa males em logar de causar beneficio, mas ministrando-lha de uma maneira adequada á sua situação e á illustração de seus conhecimentos: nem todas as Nações se acham n'um estado de receber repentinamente as instituições de outros Paizes livres, em toda a sua extensão, nem são boas aquellas que não são exigidas pela situação moral dos Povos. Aqui o campo apresenta-se demasiadamente largo, para que eu me attreva a entrar nelle, se quizesse recapitular o que se tem dito, melhor do que eu o poderia fazer, sobre todos os ramos da Administração Publica, começando pelos estabelecimentos religiosos, pelo estado desgraçado em que se acha a Religião neste Paiz, seguindo aos estabelecimentos judiciarios, em fim, a todos os ramos cuja organisação carece de revisão, de modificação, de augmento, ou que em verdade carecem de organisação. E para que se ha de sustentar com palavras, e fazendo uma distincção entre melhorar a organisação e organisar, quando realmente, pondo a mão na consciencia, e consultando a todos os Portuguezes (desde o mais alto até ao mais baixo) todos hão de dizer que o Paiz está em desordem, e que precisa organisação? Eu não censuro as causas, lamento os effeitos.

Não me é possivel seguir passo a passo os Oradores a quem me propuz responder, e que foram completamente respondidos por quem antes de mim fallou no sentido em que eu o faço; todavia estou certo que omitto muitas das respostas que ainda desejaria dar-lhes, até pelo respeito que tributo aos illustres Senadores de opinião contraria, e pela convicção em que estou sobre a pureza de suas intenções; mas creio que elles consentirão que eu dê Uma prova de deferencia á Camara, limitando aqui o que tinha a dizer por agora.

O Sr. General Zagallo: — Eu tinha a palavra sobre a materia, e pedia sobre a ordem, por vêr que a Camara estava inclinada a acabar esta discussão; e supposto eu não costumo ser longo, e não possa haver o risco de tomar muito tempo á Camara, e não querendo mesmo entrar agora na materia, direi com tudo alguma cousa com as menos palavras que for possivel.

Sr. Presidente, eu não partilho a opinião daquelles que suppoem má fé dá parte da Commissão, não só porque os Membros que a compõem são de tanto respeito para mim, que eu não podia fazer delles tal juizo, mas tambem porque elles já declararam que não pertendiam surprehender o voto da Camara: igualmente não participo das idéas de que da parte do Governo, ha essas intenções perigosas que alguem lhe suppoem. O meu desejo pois, consiste em conciliar as opiniões por meio de uma emenda, que quasi senão póde chamar tal, porque conservando as palavras do paragrapho em discussão, apenas lhe altera a sua hyperbaton, eu a vou lêr, e conhecer-se-ha então que a differença é muito pequena.

«A Camara dos Senadores prestará a attenção devida ao exame das Propostas de Lei, das quaes Vossa Magestade lhe annuncia, que depende a organisação do Paiz, e a segurança publica.»

Deste modo, Sr. Presidente, se dá a devida resposta a Sua Magestade, que no caso presente não póde ser senão suspensiva; por quanto não tendo a Camara examinado ainda as Propostas do Governo, não póde affirmar, nem negar cousa alguma a seu respeito, ficando assim conciliadas todas as opiniões; visto que todas são conformes em que no caso presente, a resposta não deve ser mais do que o echo das palavras proferidas por Sua Magestade; e a minha emenda preenche cabalmente este fim, sem de mais a mais ferir o melindre da Commissão, visto que lhe não suprime, nem augmenta uma só palavra do paragrapho em questão; esperando que ella a adopte, por isso que exprime o seu mesmo pensamento — mando-a para a Mesa.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu faço plena justiça ao illustre Senador, o Sr. Zagallo, e ás intenções com que elle propõe esta emenda, que, em caso ordinario, entendo que não teria inconveniente nenhum; porém na minha opinião, como Membro da Commissão, tem o grande inconveniente de que seria uma especie de concessão, feita ácerca de um paragrapho para cuja defeza se gastaram tres Sessões, e em

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cuja discussão se consumiu (permitta-se-me a expressão) tanta polvora parlamentar. (Apoiados.) peço, por tanto, que se rejeite tambem a emenda do sr. Zagallo, não porque ella me pareça má, mas porque me parece melhor o paragrapho.

(Vozes: — Votos, votos.)

O Sr. Presidente interino: — Ainda ha sete Srs. com a palavra.

O Sr. Serpa machado: — Eu cêdo da que tinha pedido, e proponho que V. Ex.ª consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida. (Apoiados.)

Assim se resolveu; disse então

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Como o senado entende que se não deve fallar mais sobre esta materia, calar-me-hei; porém declaro já, que direi ámanhã, ou depois de ámanhã o que hoje queria dizer, porque me não esqueço, nem me atrapalharei. Accrescentarei agora, Sr. Presidente, que depois da discussão de um paragrapho a que se tem dado tanta importancia, e que durou tres dias, parece-me que valia bem a pena de haver votação nominal sobre elle, (Apoiados.) e assim mostrâmos nós, os poucos deste lado, que não temos vergonha de ficar em minoria, antes disso nos vangloriâmos.

O Sr. Marquez de Loulé: — Eu não ligo á minha substituição uma importancia tão grande, que repute merecer ella votação nominal; a minha substituição não tendia a nada mais do que a tornar mais claro o proprio sentido que foi explicado pela Commissão: e na certeza de que ella a adoptaria é que eu a propuz; porém como não foi adoptada, peço á camara queira consentir em que eu a retire. (Apoiado.)

A camara annuiu, e bem assim a que as votações fossem nominaes, como requerêra o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

Proposta a emenda do Sr. leitão, disseram approvo

Os Srs. Barão da R. de Sabrosa,

de V. N. de Foscôa,

de V. Torpim,

Basilio Cabral,

General Zagallo,

General Carretti.

A. Castello Branco,

Pinto Basto,

General Osorio,

Taveira,

Vellez Caldeira,

Castro Pereira,

Leitão,

Visconde de Sá da Bandeira;

e disseram rejeito.

Os Srs. Mello e Carvalho,

Lopes Rocha,

Barão de Almeidinha,

de Argamassa,

de Renduffe,

do Tojal,

Gambôa e Liz,

Conde do Bomfim,

de Linhares,

de Penafiel,

de Terena,

de Terena (José),

de Villa Real,

Duque de Palmella,

da Terceira,

Pereira de Magalhães, Costa e Amaral,

Serpa saraiva,

Pessanha,

Curry,

Gomes de Oliveira,

Nogueira Soares,

L. J. Ribeiro,

Macedo,

Serpa Machado,

Marquez de Fronteira,

de Loulé,

Azevedo e Mello,

Visconde de Laborim,

de Porto Côvo,

de Semodães,

do Sobral,

P. J. Machado,

Cordeiro Feyo,

Trigueiros.

Ficou por tanto rejeitada a emenda do Sr. Leitão por 35 votos contra 14.

Sobre a substituição do Sr. General Zagallo, disseram approvo

Os Srs. Barão da Ribeira de Sabrosa,

de Villa Nova de Foscôa,

de Villar Torpim,

Bazilio Cabral,

General Zagallo,

General Carretti,

Costa e Amaral,

Castello Branco,

Pinto Basto,

Nogueira Soares,

General Osorio,

Taveira,

L. J. Ribeiro,

Vellez Caldeira,

Castro Pereira,

Leitão,

Marquez de Loulé,

Visconde de Sá da Bandeira;

e disseram rejeito

Os Srs. Mello e Carvalho,

Lopes Rocha,

Barão de Almeidinha,

de Argamassa,

de Renduffe,

do Tojal,

Gambôa e Liz,

Conde do Bomfim,

da Linhares,

de Penafiel,

de Terena,

de Terena (José),

de Villa Real,

Duque de Palmella,

da Terceira,

Pereira de Magalhães,

Serpa Saraiva,

Pessanha,

Curry,

Gomes de Oliveira,

Macedo,

Serpa Machado,

Marquez de Fronteira,

Azevedo e Mello,

Visconde de Laborim,

de Porto Côvo,

de Semodães,

do Sobral,

Polycarpo José Machado,

Cordeiro Feyo,

Trigueiros.

Ficou por isso rejeitada a substituição do sr. General Zagallo por 31 votos contra 18.

A final, sendo posto á votação o §. 12.°, tal qual se achava no projecto, disseram approvo

Os Srs. Mello e Carvalho,

Lopes Rocha,

Barão de Almeidinha,

de Argamassa,

de Renduffe,

do Tojal,

Gambôa e Liz,

Conde do Bomfim,

de Linhares,

de Penafiel,

de Terena,

de Terena (José),

de Villa real,

Duque de Palmella,

da Terceira,

Pereira de Magalhães,

Serpa Saraiva,

Pessanha,

Curry,

Gomes de Oliveira,

Nogueira Soares,

Macedo,

Serpa Machado,

Marquez de Fronteira,

Azevedo e Mello,

Visconde de Laborim,

de porto Côvo,

de Semodães,

do Sobral,

Polycarpo José Machado,

Cordeiro Feyo,

Trigueiros;

e disseram rejeito

Os Srs. Barão da Ribeira de Sabrosa,

de Villa Nova de Foscôa,

de Villar Torpim,

Bazilio Cabral,

General Zagallo,

General Carretti,

Costa e Amaral,

Castello branco,

Pinto Basto,

General Osorio,

Taveira,

L. J. Ribeiro,

Vellez Caldeira,

Castro Pereira,

Leitão,

Marquez de Loulé,

Visconde de Sá da Bandeira.

Resultou ficar approvado o §. 12.º por 32 votos contra 17.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu tencionava apresentar hoje a esta Camara o Relatorio do Ministerio da Guerra, mas não pude faze-lo por me achar impedido na dos Srs. Deputados; mas annuncio ao senado que se acha prompto, e que ámanhã o apresentarei.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Ainda que já agora de pouco poderá servir, sempre é bom que venha; agradeço a S. Ex.ª

O sr. Presidente interino: — A ordem do dia é a continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso do Throno: está fechada a sessão. — Eram cinco horas.

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