O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1163

1163

DIARIO DO GOVERNO

CAMARA DOS SENADORES.

23.ª Sessão, em 29 de Julho de 1840.

(Presidencia do sr. Duque de Palmella — continuada pelo sr. Machado, 1.º Secretario.)

Era hora e meia da tarde foi aberta a sessão; estavam presentes 46 srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente, ficou approvada.

Mencionou-se um Officio pelo Ministerio do Reino, incluindo a Acta da eleição, que ultimamente tivera logar no Circulo de Arganil, para um Senador, e um Substituto. — Passou á Commissão de Poderes.

Foi lido e mandado para a Mesa o seguinte

Requerimento.

Requeiro, que do ministerio do reino se exija uma nota da despeza, que no anno de 1839 fez o pessoal, e material de cada uma das casas Fiscaes, estabelecidas em virtude do Decreto de 4 de Agosto de 1838. Palacio das Côrtes, 29 de Julho de 1840. = Antonio da Silva Lopes Rocha.

Julgando-se urgente, teve logo segunda leitura, e foi approvado sem discussão.

O sr. Ribeiro: — Na discussão que hontem houve sobre o §. 12.º, que se approvou, parece-me que alguem disse que dependia da approvação da redacção desse paragrapho, tal qual estava, o dar força ao Governo: por este enunciado entendi eu, não sei se bem, ou mal, que quem não approvasse aquella redacção estava na intenção de não dar força ao governo. Pela parte que me diz respeito, declaro, que sendo eu um dos que hontem rejeitaram a redacção do paragrapho, estou com tudo deliberado a dar ao governo toda a força moral, que precisa para bem governar, e que por aquella votação tão pouco me julgo inhibido de approvar as Propostas do governo, sobre diversas reformas que elle entende necessarias, quando as mesmas propostas chegarem a esta Camara, e no caso de me persuadir, que ellas são convenientes ao bem do Paiz. (Apoiados.)

O sr. Costa e Amaral: — Sobscrevo inteiramente á declaração que acaba de fazer o illustre senador, por isso que na sessão de hontem, fui um dos que votaram contra o §, 12.º; e o fiz, não porque desapprovasse as idéas da Commissão, mas porque não julguei dever approvar a redacção de que ella usou para as exprimir.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Hontem tive a honra de enunciar á camara, que tinha o relatorio do ministerio da guerra para lhe apresentar; ha mais dias que eu quizera ter comprido com este dever, mas a necessidade de assistir a differentes discussões na outra casa, me privou de assim o fazer. Já o li na Camara dos Deputados, porque muitas das medidas a que o mesmo relatorio se refere, devem alli ter principio; mas tendo a honra de ser Membro do Senado, peço licença para o lêr, e manda-lo-hei depois para a Mesa, a fim de se lhe dar o destino conveniente. — S. Ex.ª leu então a Relatorio alludido; á Mesa, e proseguio.

O Relatorio do Ministerio da Marinha, tambem o tenho presente, mas não querendo cançar a attenção da Camara, manda-lo-hei igualmente para a Mesa, a fim de ser considerado na occasião competente.

Assim o fez; e a Camara resolveu, que ambos os relatorios se imprimissem.

Passando-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, (V. Diario N.° 213, a pag. 1:141.) O Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi interinamente occupada pelo Sr. Secretario Machado. — Estava presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Foi lido o seguinte

§. 13.º Igual desvelo empregará á Camara em considerar as diversas Propostas, de que Vossa Magestade faz menção relativas á organisação do Exercito, tendo sempre em vista as necessidades do serviço, e o bem da disciplina combinadas com o estado actual da receita publica.

Tendo primeiro a palavra, disse

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, para que eu possa entrar na materia do paragrapho em discussão, preciso declarar previamente, que as palavras que eu houver de proferir, não têem por fim, ambição de Poder, nem tambem solicitar indevida popularidade. (Apoiados.) Sr. presidente, ao fechar a Sessão de hontem dirigiram-se, e pela boca de um illustre Senador, cujas palavras são sempre calculadas e urbanas, e a quem este lado da Camara costuma prestar a mais respeitosa attenção, mas a quem eu poço licença para dizer, que se afastou hontem muito das regras por S. Ex.ª recommendadas, dirigiram-se, repito, a este lado da Camara certas allusões, ou certas imputações, que o decoro deste lado e o meu, em particular, obrigam e exigem que eu ractifique. (Apoiados.)

Sr. Presidente, quando S. Ex.ª o nobre Senador, a que me refiro, não encontre completo acordo neste lado da casa, S. Ex.ª tem certamente encontrado sempre a devida deferencia, e esta deviamos tambem esperar, e não insinuações menos leaes. Disse, S. Ex.ª, que nós defendemos com calor nossas opiniões, talvez por ambição do poder, ou reminiscencias delle: mas permitta S. Ex.ª que eu lhe diga, que nos não fez justiça; e não fez justiça, porque não considerou um instante as humildes pessoas que se assentam neste lado da Camara. – Sr. Presidente, pelo que me é possivel, posso afoutamente offerecer os documentos da minha vida publica, para mostrar, que nunca aspirei ao Poder, e até o meu infortunio teria sido maior, Sr. Presidente, porque nunca pude bajula-lo, fossem quaes fossem as mãos em que elle estivesse depositado. Sr. Presidente, entrei ao Gabinete por um acto espontaneo, e generoso da Soberana; por uma daquellas combinações politicas, que os tempos trazem comsigo. Entrei sem presumpção, creio ter servido com lealdade; não pedi á Côroa nem o mais remoto beneficio para mim, ou para os meus, e quando a minha hora soou, saí sem saudade. Sr. Presidente, este lado da Camara sustenta as suas opiniões, porque as entende boas mas não aspira ao Poder, nem a elle póde aspirar a opposição, reduzida ao ponto a que ella se acha: quem stygmatisa as prepotencias do Governo Britannico, não aspira ao Poder: o caminho para subir a elle, é outro... e se ha desejos de poder, não é certamente deste lado da Casa; se alguem tenta hoje subir a elle, não é por certo a humilde gente da esquerda do Senado... S. Ex.ª sabe bem qual é o pião aonde essas tentativas giram e rodam. (Apoiados.) O caminho é outro — vestir de saco, cobrir de cinza, atar uma corda ao pescoço, e prestar as faces no chão.... e, rara felicilate, posso ainda, mas não devo, accrescentar mais nada. Este sim, este é o trilho para o Poder.

Em quanto porém ao desejo de obtermos indevida popularidade (como se disse), S. Ex.ª fez ainda maior injustiça aos membros, que se assentam deste lado da Camara, injustiça que S. Ex.ª lhes irroga, por não saber talvez o que em Portugal se passou, nos ultimos tempos que S. Ex.ª estava ausente. Se S. Ex.ª falla daquella popularidade, que é filha da estimação dos

Página 1164

1164

DIARIO DO GOVERNO.

nossos concidadãos, todos desejamos merece-la; mas se S. Ex.ª falla da popularidade filha do delirio das paixões; os Membros deste lado da Camara, já deram provas as mais evidentes, e mais arriscadas do seu amor á ordem, e ás prerogativas da Corôa de que muitos outros, que por alli ha, que se apresentam hoje, ostentando serviços que não fizeram, a principios que, ou não tinham, ou disfarçavam com muita arte e primor. (Apoiados.)

Outra imputação se tem feito a este lado da Camara, fallando-se em certa alliança, alliança que eu desejo muito em todos os pontos, porque ella é eminentemente nacional.... Mas, se essa alliança foi boa, o exemplo veio do Governo, e se foi má, o exemplo veio do Governo. - Agora, Sr. Presidente, entrarei na materia.

Primeiramente....

O Sr. Duque de Palmella: — Eu supponho que o illustre Senador que acaba de fallar, vai agora entrar na materia do paragrapho em discussão; mas como o seu exordio foi inteiramente estranho a esse paragrapho, e unicamente uma allusão, ou resposta ao que se disse hontem nesta Camara, não sei se o Senado, se o mesmo illustre Senador julgará conveniente que eu responda áquella allusão antes de se entrar na materia do paragrapho, ou se me deverei reservar para depois.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Para mim é igual, é-me indifferente.

(Vozes: — Falle, falle.)

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, eu espero que este incidente não leve muito tempo á Camara, porque os sentimentos que reinam em todos os seus Membros são de tal modo urbanos, de uma natureza tão conciliante, e todos elles tão sinceros, que não se deveria talvez dar demasiada importancia a este episodio estranho á Ordem do dia de hoje.

E começarei fazendo completa justiça aos talentos do illustre Senador que me precedeu, e sobretudo á sua franqueza (a qual, mesmo quando possa ser intempestiva, é sempre uma qualidade em si mesmo boa) e a todas as outras qualidades que adornam o illustre Senador: por consequencia não quiz nunca insinuar, nem ainda da maneira a mais distante, que as opiniões manifestadas por S. Ex.ª nesta Camara não fossem as suas, não fossem, inteiramente conscienciosas, ou que fossem movidas por motivos menos proprios da nobresa do seu caracter. Quando hontem disse, que era mais facil excitar as paixões, fallar no sentido das idéas no momento, lisonjear o amor-proprio nacional, e por tanto caminhar por esse lado para a popularidade, não pertendi com isso fazer uma accusação; pertendi unicamente fazer uma observação, observação que é sempre verdadeira, que é fundada na natureza do coração do homem, que foi, de todos os tempos, e que ha de continuar a ser sempre exacta. É mais difficil e menos agradavel ir ao encontro daquellas opiniões que temporariamente triumpham, ou tem preponderancia; e é mais difficil porque é um serviço que se faz a um senhor ingrato (porque as Nações são de sua natureza ingratas.) (Apoiados.) e exije o fazer-se abstracção das paixões do momento, das prevenções que apresentam os negocios debaixo de um aspecto differente daquelle, que vem a ter quando se aprofundam mais; em fim não é dado igualmente a todos, não é facil, nem deixa de ser algumas vezes perigoso. Entretanto, todos os que se apresentam para fallar n'um Parlamento, vem, ou devem vir com a tenção firme de cumprir a sua missão, quaesquer que possam ser as consequencias. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) Então faço a justiça plena que devo fazer aos Srs. que tem votado nesta Camara, de uma maneira differente da que eu voto, e exijo delles que me façam igual justiça.

Disse o illustre Senador que a opposição que elle fazia não era de certo o caminho do Poder. Repito, as minhas protestações: eu não quiz dizer que o nobre Senador aspirava ao Poder por esse meio; mas permitta-me elle que lhe lembre que em Paizes governados como se acha actualmente o nosso, onde os negocios do Estado se tractam em publico, a opposição é frequentemente um caminho ao Poder; (Apoiados.) não é outra cousa, nem o póde ser. A opposição procura fazer prevalecer as suas opiniões, e as suas idéas, e faz para isso todos os esforços ao seu alcance; se estes são baldados não chega ao Poder; pelo contrario, se taes esforços se tornam proficuos, se alguma das muitas circumstancias que acompanham similhantes debates, faz com que a maioria passe de um para outro lado do Parlamento, e que a opinião que se achava em minoria, ou que se achava fóra do Governo, triumphe, claro está, que aquelles que mais a sustentavam, que aquelles que se pozeram á testa da tropa parlamentar, que combateu debaixo da sua direcção, tem, ou elles queiram, ou não queiram, ou aspirassem ou não aspirassem, tem, digo, um justo direito a exercer o Poder; quero dizer, a substituir aquelles que a força dos seus argumentos, ou a solidez das suas razões, venceu na arena parlamentar. Por tanto, permitta-me o nobre Senador de não acceitar a protestação que elle fez — de que não aspira ao Poder; porque isso poderá ser o sentimento do seu coração, mas não se conforma á marcha que S. Ex.ª tem seguido; e talvez, e provavelmente não será esse o resultado; porque estamos agora vivendo debaixo de uma fórma de Governo, que não só admitte, mas quasi exije essas alterações de Ministerios de tempos a tempos, e não dá logar a que se perpetue, ou vincule o Poder n'uma porção escolhida de homens; aqui o Poder pertence de direito ás capacidades intellectuaes, qualquer que seja o partido a que se acham ligadas, porque, se essas capacidades são verdadeiramente superiores, nunca podem pertencer, no fundo ao partido da desordem e da anarchia. (Apoiados geraes.)

O illustre Senador foz uma allusão que eu não entendi: fallou n'um nucleo ou pião, á roda do qual parece girarem as intrigas e as ambições. Não sei, nem pertendo indagar a quem este tiro se dirige; (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A ninguem) por mim o que posso dizer é, que não conheço em Portugal esse nucleo: nas circumstancias em que nós desgraçadamente nos achamos, o Poder não é tão invejado, nem tanto para isso como em alguns outros Paizes; (Apoiados.) são poucos os individuos em circumstancias de o exercerem, e os que o exercem são mais para ser lamentados do que invejados. O que devemos fazer em logar de os hostilisar, é anima-los, sempre que o possamos fazer conscienciosamente, e dar-lhes tempo, logar e meios, para que pratiquem algum bem, para que, ao menos, façam tentativas e experiencias, que até agora senão tem feito, para gosar das vantagens que deve produzir o Governo Representativo, empregando todas as forças que lhes dá a sua influencia sobre os Povos, pelo vehiculo da publicidade dos debates, que entra na essencia desta fórma de regimen para facilitar essas tentativas, ainda que não seja se não para que nos desenganemos, e saibamos se de tal especie de Governo, nas circumstancias em que se acha o Paiz, e em quanto a educação publica não tiver feito os progressos que devem desejar-se, póde conservar-se, póde ou não prosperar e fazer ou não a fortuna de Portugal. — Eu assim o espero; faço votos por isso; e muito desejo se abra o campo, que dê logar a fazer essas experiencias.

Todos sabem que a Constituição, ou, para melhor dizer, a Liberdade appareceu entre nós mais accidentalmente do que de preposito deliberado; foram diversas circumstancias — a emigração dos nossos Principes, a invasão Franceza, a revolução d'Hespanha, e a agitação de toda a Europa — que trouxeram a Portugal antecipadamente, e segundo alguns, prematuramente uma fórma de Governo, á qual todos os espiritos que pensam bem, todos os corações bem-formados aspiram, mas que talvez a prudencia pedisse fosse trazida pouco a pouco, gradualmente, e em occasião opportuna: porém chegou, como disse, repentinamente, e os nossos esforços a fizeram triumphar, e eu humildemente concorri com muitos outros para esse triumpho: seria por tanto a maior das lastimas que agora, se por nossa culpa, e por nossas mesquinhas dissenções, se por differenças de opiniões que mal se pódem definir, que (ainda o repito) não se explicam senão por paixões humanas e não por opiniões verdadeiras, se por estes motivos desgraçados, nós cavássemos a sua ruina.

Torno pois a dizer que não conheço nenhum nucleo, nenhum pião em roda do qual trabalham ambições, ou intrigas para se empolgar o Poder. — Já que tenho a honra de fallar a esta Camara, se ella me permitte fazer humilde menção de um nome, direi que, não aspiro a outra cousa senão a usar do privilegio que me dão alguns serviços, que se dignam reconhecer que eu tenho feito, — longos serviços desgraçadamente— e as causas que nelles tenho adquirido, e as desgraças que tenho soffrido, e as injustiças de que tenho sido victima; a usar desse privilegio para dizer candida e francamente a verdade, ou o que penso que o é, sem outra ambição, e sem o menor desejo ou intenção de chegar ao Poder.

O desejo de popularidade, de que fez menção o illustre Senador, não é o mesmo que o desejo do Poder, mas são sentimentos differentes, que muitas vezes conduzem ao mesmo fim, ambos elles admissiveis e nobres não são talvez ambos igualmente louvaveis; mas, ainda quando se não aspire ao Poder (isto é, ao Ministerio que é o que significa traduzido em lingoagem ordinaria,) póde aspirar-se, e aspira-se mesmo involuntariamente á popularidade, porque ella é doce, faz cocegas no ouvido, e alegra o coração: é verdade que nem sempre dura muito; e que estão ameaçados de a perder aquelles, que a obtiveram por meios menos conformes á boa razão, e aos verdadeiros interesses dos Povos. Entretanto, ainda que alguns dos fins para que se obtem a popularidade, façam com que ella nem sempre seja agradavel e lisonjeira, não obstante, nos Governos publicos nas Republicas, ou nos Paizes que se governam como taes, tem-se visto, e se verá gente dotada de qualidades eminentes, que se lança nesse caminho, e que aspira a ella, tendo um exito mais ou menos prospero, conforme os tempos, conforme as circumstancias, e tambem conforme os principios mais ou menos solidos que seguem.

Acabarei por onde acabou o illustre Senador. Fez elle menção de uma alliança, que existiu durante as ultimas eleições, assim se disse no publico, não tenho motivos para saber se é exacto. Eu não censurei essa alliança, não posso censurar nunca a união de todos os Portuguezes das differentes opiniões, em que se divide agora a Nação; unicamente referi hontem esse facto para responder ao argumento, que se tinha feito sobre a tendencia para o despotismo do Ministerio actual, e daquelles que nesta Camara o sustentam. Eu disse então, que estava bem longe de pensar, que houvesse essa tendencia, e que tinha a certeza disso pela parte que me tocava, e não só a mim, mas a todos os meus amigos; que não eram essas as suas vistas, nem os seus interesses, quando podesse haver similhante resultado, porque aquelles que se acham mais no caso de julgar das consequencias, que póde ter o dominio de uma, ou outra fracção do partido liberal, esses individuos tinham já julgado a nosso favor, pelo facto de se unirem aos da opinião do outro lado. É impossivel deixar de suppôr, que alguns Portuguezes ainda nutram o desejo de vêr tornar o Paiz áquella fórma de Governo proxima, de que elles julgam a melhor, e a alguns delles faço-lhes a justiça de crer, que seguiram o partido do absolutismo conscienciosamente, e com probidade, e talvez receiando as consequencias, que em parte se tem verificado, e que desejo senão verifiquem no todo — então, se esses Portuguezes abrigam ainda no seu coração, com mais, ou menos fundadas esperanças, um tal desejo, e se elles procuraram promover a eleição de individuos, que pertencem a um partido, que eu reputo demasiadamente apressado nas idéas do progresso, e desenvolvimento das instituições liberaes, elles obraram assim porque julgam ter razão, para o fazer desse modo, n'uma palavra, porque julgam, que o caminho por onde se póde voltar ao Governo absoluto, é o da anarchia, (Apoiados.) e que a anarchia chegará mais provavelmente, fazendo-se prevalecer a opinião opposta áquella, que eu aqui sustento. A prova maior que eu posso apresentar do acerto das opiniões moderadas, pelo que toca á nossa actual posição, e ao desenvolvimento, ou organisação das instituições que nos regem, essa prova, digo eu, está no juizo, que desta formam os nossos adversarios.

Era isto o que eu quiz dizer hontem, e por maneira alguma pertendi reprovar idéas de conciliação entre todos os Portuguezes, lembrando á Camara que o primeiro que apresentou em publico essas idéas, em Nome da RAINHA, e do Ministerio que então tinha a honra de presidir, (Apoiados.) e as apresentou talvez prematuramente, porque reconheceu, que ainda então não tinha chegado o tempo da madureza, não tinha a experiencia mostrado o risco de systemas exaggerados, não se tinha acalmado o rancor, e o desejo de vingança, que fica sempre no coração humano, depois de uma longa e perigosa luta, em que triumpham de seus adversarios; esse. homem que primeiro apresentou publicamente essas idéas, e sobre o qual por isso caíu naquelle tempo, uma tempestade de injustas invectivas da imprensa periodica, que nessa época representava as opiniões, que

Página 1165

1168

DIARIO DO GOVERNO.

eu tenho a honra de combater hoje nesta Camara, esse homem é o humilde individuo, que acaba de fallar.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Eu não desejo interromper o nobre Senador, talvez pareça que pretendo quebrar a ordem da discussão. (O Sr. Barão da R. de Sabrosa: — Não Senhor.) Como ainda não principiou, e S. Ex.ª me permitte, e pelo seu silencio tambem a Camara, ser-me-ha licito procurar rectificar a asserção, que se fez de um facto; e sem entrar em considerações que esta rectificação naturalmente traria comsigo; direi que são verdadeiramente dois os factos incorrectamente mencionados, porém de um só me farei cargo. Se não cito os proprias palavras do illustre Senador, parece-me ter comprehendido o seu pensamento. Quanto ao primeiro..... mas não toco agora no primeiro, (Riso.) vou a um delles só — ao exemplo que o Governo deu na alliança de que se fallou; nem tocaria neste objecto, se acaso contra o Governo se não tivesse dito e escripto muita cousa indecorosa, ridicula, e sobre tudo falsa e indecente a seus Membros, como individuos, e como Conselheiros da Corôa. — Parece-me que a alliança que devia dar-se, por verdadeira, e essa de que fallou o nobre Duque de Palmella, referindo-se ás ultimas eleições para os Corpos Legislativos; essa alliança foi feita, e digo-o sem o menor disfarce, entre os homens, que representavam uma facção do partido liberal com a divisa de progresso, ou mais liberdade, e os sectarios do absolutismo puro, conhecidos entre nós pela denominação de miguelistas, ainda concedendo que hoje alguns ou muitos, se tanto se quizer, não tenham a voz de D. Miguel.

Se a este facto alludiu, o nobre Senador quando fallou de negociação, não sei que tenha justo motivo de sobre elle fazer uma asserção, que só podia proferir em virtude de informações perfeitamente inexactas e fabulosas. Concedendo pois que se fez essa alliança entre a dita fracção do partido liberal, que não differe da politica do Governo, em principios, e só delle se separa, por differença de opinião, sobra os meios governativos — concedendo, repito, que essa alliança se fez entre os miguelistas, que para ocaso das eleições foram honrados com o titulo de realistas, que até ali nunca tinham recebido (Hilaridade.) cumpre-me com tudo declarar que o Governo não dera o exemplo, e que o Governo nunca contractára com esses homens. E seja-me permittido narrar um facto que tem sido alterado de proposito em escriptos que se publicaram em diversos jornaes, e que déram motivo a disputas de que resultou a descuberta da verdade para aquelles que a desejavam saber; porque ha muita gente interessada em occulta-la, ou deturpa-la. Fez-se ao Governo a imputação de que concedera aos réos implicados no facto das Marnotas uma amnistia. Se tivesse tido discussão o paragrapho da Resposta ao Discurso do Throno em que se tracta da amnistia, é possivel que a necessidade me obrigasse a explicar as circunstancias desse facto; e eu mostraria que o Governo nunca negociou, nem tentou negociar, com os homens conhecidos como do partido dos que foram amnistiados. Se o Sr. Duque de Palmella não tivesse recordado á Camara qual fôra a sua politica em 1834, politica que tão mal acceita foi então pelo partido liberal, faria eu menção della, e da vozeria que contra a mesma se levantou pelos homens que hoje estão no partido extremo liberal, e diria mais que essa politica sempre a professei, se bem que em 1834 a reputasse impraticavel. A união da familia Portugueza é o grande objecto dos meus desejos, e dos desejos do Governo; mas para consegui-la não recorreu elle, nem recorrerá jamais a negociações. Estas as podem fazer os partidos politicos como quizerem, mas o Governo não negociou — concedeu, sem impor, nem receber condições.

Sr. Presidente, poucos dias depois da minha entrada na Administração, veio fallar-me um Advogado, pessoa muito estimável, e de boa reputação, ácerca desses presos que jaziam havia annos na cadêa publica desta Cidade; e perguntou-me se, em vista das circumstancias daquelles desgraçados, eu me sentiria inclinado a aconselhar á Corôa a concessão de uma amnistia para elles? Sem hesitar, eu respondi, que sim. Algumas conferencias mais tive com este homem, porque os presos se achavam em diversas circumstancias, e porque havia alguns tão pertinazes no sua religião politica, que assentavam ser um desdouro requerer, e eu insisti em que requeressem sob pena de não lhes ser feita a graça. Estas conferencias entre a benevolencia do Governo e a obsecação de homens que queriam o perdão, mas não pedi-lo, se podem chamar-se negociações, foram as unicas em que entrei; empregando as rasões, que se me offereceram, para declarar impossivel um acto de piedade da Rainha, a favor de homens que o não sol licitassem submissos e reconhecidos á generosa Mão que os arrancaria da morada do crime e da miseria, onde jaziam por seus crimes e não por acto algum de. injustiça do Governo, Nenhuma outra negociação houve, nenhuma outra absolutamente. Mas aconteceu ao Governo o que acontece muitas vezes aos particulares, e vem a ser, que o beneficio é o maior incentivo de ingratidão: o favorecido á por isso mesmo inimigo do seu bemfeitor. Neste negocio entravam alguns homens, e especialmente um conhecido por seus talentos e principios liberaes, que tomou parte no resultado da supplica por meros sentimentos de humanidade; mas nenhum delles propoz, nem pedia condição alguma; o que é hoje de toda a notoriedade.

A amnistia concedeu-se, e concedeu-se antes de verificada a condição pela qual se disse que a amnistia tinha sido concedida. E na verdade, muito impróvido seria o Governo se tendo-a concedido, mediando condições, se apressasse a dá-la antes que essas condições podessem verificar-se! Pelo menos mostrava precipitação. Mas nada disto houve; um ou outro homem, seja quem quer fôr, teve a ousadia, de faltar á verdade, procurando diminuir a grandeza do beneficio que se tinha feito aos desgraçados, e que só por desgraçados mereciam. A voz deste homem não devia ser acreditada, porque o seu intento claro e patente era escurecer o merito de uma acção Real dictada pela generosidade da Corôa, e aconselhada pelos mais puros sentimentos de humanidade, e em que me honro de ter tido parte. Mas nenhuma negociação houve para isto. Não a houve, mas é preciso confessar que, por parte dos interessados, foi ella lembrada como promessa de que se os presos obtivessem o perdão ou a amnistia, elles e os seus ajudariam o Governo. Se se quizesse contar a verdade quando destas cousas se faz menção, não ficaria no silencio a resposta dada pelo Governo: e esta foi a rejeição do serviço promettido como cousa impropria de ser mencionada no momento e por occasião de um beneficio, que perderia todos os quilates da sua importancia se fosse feito para ser retribuido.

Eis aqui o que tem respondido alguns homens distinctos, por sua honra e probidade, aos baldões escriptos pelos socios e co-partidistas dos agraciados: homens de probidade a quem os favorecidos devem ser gratos pelas diligencias que fizeram a seu favor.

Neste caso de que deu o Governo o exemplo? De transacções? Quaes foram ellas á priori, e como se provam á posteriori? Da parte do Governo ha uma simples concessão de beneficio; nem outra cousa se póde provar pelo procedimento daquelles a quem foi feito. Tudo o que agora se diz de negociação é gratuito, e se algumas provas se podem produzir de que houvesse alguma transacção entre um e outro partido, não foi seguramente com o Governo. E o facto é que em parte alguma do Reino, ao menos que eu saiba, ou que viesse ao conhecimento do Governo, houve auxilio algum da parte daquelle partido (cujas victimas tinham sido favorecidas) na obra das eleições a que alludem todos os que dizem que a Administração negociou. E seria com effeito perversidade extrema o comportamento que tiveram os partidistas de D. Miguel, os hoje, e ad hoc, chamados realistas, se, tendo-se feito com elles tal negociação, elles a cumprissem de modo que em parte nenhuma do Reino, na mais insignificante Meza eleitoral, nos não dessem meia duzia devotos» Não quero eu mesmo fazer tal injuria a esse partido, e creio que, se elle tivesse negociado, havia de mostrar mais probidade do que lhe attribuem os mesmos que affirmam ter havido negociação. — O certo é que esse partido votou em toda a parte contra o Governo, fiel aos preceitos que recebe de seus chefes de alliar-se com o partido extremo liberal ou do progresso, fugindo do que se chama partido da ordem.

Sr. Presidente, o Governo acceita (se o illusttre Senador o disse como imputação) acceita a declaração que elle faz de que o mesmo Governo desejo effectuar a união, e reduzir a familia Portugueza a uma unica familia; affirmo que para isso não se nega a dar passos, todos quantos a decencia permitte, e todos quantos forem necessarios, para chamar a um centre todas as opiniões Portuguezas, e para fazer morrer, no coração de alguns homens, o desejo tenaz e pertinacissimo de fazer, triumphar na nossa Patria o Governo absoluto: eu não digo que esta seja opinião geral de todos os que foram sectarios de D. Miguel, más não estou certo de que o não seja. Estão ainda muito frescas as lembranças dos bens e vantagens que os principaes representantes desse partido gosavam, e é precizo haver grande generosidade grande abnegação para se esquecerem desses bens e dessas vantagens. É certo que emissarios ou agentes desse principe ainda procuram alimentar em Portugal o fogo da discordia, d'aqui vem o scisma, as falsas noticias, e as medidas tomadas por elles, como elles podem, para não deixar desfalecer as esperanças, que ainda muitos tem de que volte o Governo do Usurpador. Isto causa um grande mal: divide a Nação Portugueza, fere as consciencias, e faz progredir o scisma, scisma que o não é para os que o fomentara, mas sim para os credulos. Por estas razões e muitas outras desejaria o Governo, que houvesse essa conciliação, mas não a podia haver, por negociações, sem grande desdouro para elle que em taes casos só tem que escolher entre previdências de conciliação, ou de repressão, segundo vir, que as primeiras podem produzir effeito, ou as segundas são necessarias pela inefficacia daquellas; ou finalmente temperando umas com outras, se tanto parecer conveniente, mas sempre obrando como Governo, e não como parte contratante. Mas sendo certo que o Governo não negociou, se isto se não póde provar, como disse, nem a priori, nem a posteriori, outro tanto não direi a respeito dos partidos absolutistas ou realistas, e o liberal exagerado; porque se os documentos valem alguma cousa, eu vi e tenho listas impressas de Deputados e Senadores, em varios Circulos do Reino, contendo os nomes dos Senhores do partido liberal extremo intermeados com os dos representantes do partido miguelista. Aqui sim é que vem o meu argumento a posteriori. O que eu affirmo é verdade: as listas appareceram, entraram muitas nas urnas, nem um nem outro partido reclamou contra ellas: as associações e praticas foram notorias, o resultado é que não foi favoravel, no que se mostra, que o partido liberal da ordem póde mais do que os dois unidos. Não condemno a união, condemno, ou antes rejeito a desculpa, quando se affirma que o Governo dera o exemplo dessa negociação. — Não Senhor; fique, a quem a quizer, a honra da invenção do expediente, mas permitta-me quem se gloria da acção que lhe diga que a annuencia do partido absolutista ao extremo opposto póde ser conveniente para alguma cousa, mas nunca sincera da parte dos que se chamam realistas, que tem principios lixos, e systemas de que, apezar das grandes alterações politicas, ainda se não puderam affastar.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: — Sr. Presidente, S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella teve a condescendencia de se explicar por um modo que nada mais tenho a desejar, nem a responder. Agora quanto ao Sr. Ministro é necessario que eu lhe observe, que o meu fundamento está nas proprias palavras do Sr. Duque de Palmella, que affirmou aquillo a que eu alludi; além disto toda a gente o viu, toda a gente o ouviu, e não me parece generoso negar-se hoje. Agora, se o resultado dessa alliança teve effeito a favor de alguma opinião, foi a favor da opinião a que eu não pertenço, e esta prova por si só bastaria para indicar a acção do Governo — entretanto, a outros compete responder a S. Ex.ª

S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra e o primeiro que me fará a justiça de reconhecer que a sua pessoa está sempre fóra dos meus argumentos; mas, como Ministro da Guerra, e eu como Senador, havemos cada um de fazer o nosso dever. A primeira cousa que eu sinto, é que o Relatorio do Nobre Ministro se apresente na mesma occasião em que se vai tractar do paragrapho que é relativo á sua Repartição; que mal o pude ver, e de que apenas tomei alguns apontamentos. Principiarei por tanto a sentir que o meu nobre amigo não tivesse apresentado o seu Relatorio ha mais tempo; se S. Ex.ª tivesse entrado, ha pouco, para o Ministerio, seria perdoável, mas S. Ex.ª dissolveu as Côrtes, e sabia que ellas se ha-

Página 1166

1166

DIARIO DO GOVERNO.

viam de reunir em 25 de Maio; por consequencia devia ter adiantado o seu trabalho.

Outra cousa notarei eu, e vem a ser, a falta da expressa fixação da força de mar e terra. E sem esta fixação prévia, é illusorio fallar de Exercito. Se era necessario augmentar o recrutamento, e em tão grande proporção, era necessario ter mostrado essa necessidade, quando se tractasse de fixar a força armada. As Côrtes já deviam ter sido informadas do Exercito que era preciso, e dos meios que havia para lhe pagar. Cada um dos Srs. Ministros disse que havia de fazer alterações no Orçamento, mas essas alterações, em quanto ao Ministerio da Guerra, não são ainda conhecidas nesta Casa, e então não sabemos o que havemos de votar, porque não sabemos a força que hade existir; estas alterações, a fixação da força era necessaria, mas além disso era conveniente aos Srs. Ministros, e particularmente ao da Repartição a que me dirijo. S. Ex.ª não pode estranhar que eu saiba que S. Ex.ª tem dado algumas gratificações; não quero dizer que foram mal dadas, mas foram dadas sem authorisação; porque no Decreto que concede essas gratificações S. Ex.ª as deixou dependentes da approvação das Côrtes: por exemplo, dispensava-se ha muito, no Arsenal do Exercito, um Sub-Inspector, nomeou-se um; não digo nada contra a nomeação, e menos ainda contra a pessoa nomeada, mas passava-se sem elle, e então parecia-me que não era preciso gastar 35$000 rs. de gratificação mensal, em vista do nosso estado de finanças. — Achou-se que algumas gratificações eram demasiadamente reduzidas; mas eu, sendo Ministro, cumpri a Lei; dei gratificação a quem a tinha; mas retirei todas aquellas que as Côrtes haviam retirado. O Sr. Ministro tornou a manda-las abonar, e tornou-se assim superior ao Corpo Legislativo, e nem ao menos communicou ainda essas alterações! Entendo por tanto, que o Sr. Ministro fez pouco daquillo que devia ter feito para observar a Constituição, e prestar informação ao Parlamento, tendo tido para isso tempo bastante.

Tambem quero proporcionar occasião a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra de dar uma explicação, menos por mim que por S. Ex.ª; mesmo sobre a applicação de differentes fundos. Tem-se publicado que alguns bagageiros, ou antes os rebatedores que compraram por pouco os titulos dos bagageiros da Divisão Auxiliar em Hespanha, tinham sido pagos com sommas votadas no Orçamento para pagamento de differentes Repartições: não se entenda que eu quero negar aos bagageiros o direito de serem pagos, mas pagos sem preferencias offensivas. O anno passado votaram-se dous mil e nove contos para o pagamento de despezas correntes; e para ellas deviam ser applicadas. Não póde haver Parlamento que negue a sancção a algumas despezas extraordinarias e imprevistas em momento repentino, mas não é permittido pagar á Classe dos bagageiros, cujos titulos estão hoje em quarta ou quinta mão, e atrazar pret, e soldos. Eu mesmo fui atormentado para pagar a essa Classe; mas não o fiz; porque esperava obter nesta Sessão meios para occorrer a esse e outros fins. Ora Sr. Presidente, se isto é exacto, é tanto mais para lamentar quanto é certo que desde Novembro até hoje, em Bragança, isto é, até 22 do mez corrente, se atrazaram os soldos tres mezes e meio; em Elvas a penuria é tal que os officiaes foram obrigados a pedir ao General que lhes desse licença, quando entrassem de guarda, para irem jantar a casa, porque tinham vergonha de jantar tão pobremente diante do Povo e da Guarda.

Se as sommas votadas não chegavam os Ministros deviam ter vindo ao Parlamento e dizer, = as sommas votadas não chegam, eis aqui um orçamento supplementar. = Fóra disto tudo é abuso na applicação da Fazenda Publica, Eis aqui o que eu desejava que S. Ex.ª tivesse feito, e lamento que isto não tenha acontecido, porque tal systema desacredita o Ministerio e invade o Governo Representativo.

São estas Sr. Presidente, as reflexões que eu tinha afazer; e como o Relatorio não está impresso, nem os illustres Senadores tem obrigação de se confiar na minha memoria, nem eu poderia agora ser exacto; se houver sobre este objecto outra discussão eu farei ainda algumas reflexões mais.

Agora quero perguntar a S. Ex.ª se tem idéa de tomar a iniciativa sobre aquelle seu Projecto relativo aos Aspirantes a Officiaes: S. Ex.ª mesmo appresentou um Projecto de Lei, em uma das Legislaturas antecedentes, a este respeito; desejava saber se S. Ex.ª, tomava de novo a iniciativa delle, quando não tomava-a eu: ha uma Classe de mancebos que desejam assentar praça, mas que o não fazem, porque tem receio de certos serviços que fazem os soldados; principalmente no interior dos quarteis.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, principiarei a responder ao o nobre Orador, que acabou de fallar pela sua ultima exigencia. E então para ao menos, contentar a S. Ex.ª nessa parte, assevero que no Projecto de Lei, que offereci á Camara dos Srs. Deputados, estão consignados os principios que S. Ex.ª acaba de ennunciar, por meio dos quaes é sabido que o Exercito fará acquisição de uma classe donde poderá tirar excellentes Officiaes, porque o Projecto é essencialmente tendente a que não sejam admittidos senão mancebos que tenham já certos estudos, e tambem uma certa independencia de subsistencia para podérem conservar, no meio da subordinação indispensavel no Exercito, um certo gráo (seja-me permettida a expressão sem querer attacar conveniencias publicas) um certo gráo de superioridade que dá sempre a melhor educação e algum meio de subsistencia. No Projecto, como disse, acham-se consignados esses principios, e espero que a Camara dos Srs. Deputados fará a justiça ao Governo de o approvar, porque realmente sente-se grande falta, mesmo para poder conservar a boa disciplina, por não haver uma classe donde devam ser tirados não só os Officiaes, mas os Officiaes Inferiores, além daquelles que sáem do Collegio Militar, com os quaes faz o Estado um grande sacrificio, para o fim de que tenham certos estudos, mas certas armas ha no Exercito, em que são indispensaveis esses estudos, e para as quaes apenas chegam os Alumnos do Collegio Militar, como eu alludo no meu Relatorio, e por isso senão levou a effeito o Corpo d'Estado Maior que havia sido decretado na Lei do Orçamento.

Agora entrando em algumas das outras explicações, desejaria seguir exactamente o discurso de S. Ex.ª, mas é difficil, porque mui variadas foram as suas observações; entretanto, se o não fizer, o nobre Barão terá a bondade de me advertir onde a minha memoria me falhar, porque lisongeiu-me de o poder satisfazer cabalmente. Pelo que respeita a vir o Relatorio mais tarde do que realmente era o meu desejo; eu já hontem sobre este ponto tinha aqui dito alguma cousa; é um facto, que S. Ex.ª sabe tambem como eu, que estes Relatorios são combinados, entre os diversos Ministros, porque um Governo solidario precisa apresentar sempre a acção da unidade, e o mesmo pensamento. Os mais Relatorios dos ou tres Ministerios não poderam ainda, por diversos motivos, ser apresentados nesta Casa; e o da Guerra sabendo quando se chegava á discussão deste paragrapho estava ancioso de apresentar o Relatorio, mas não lhe foi possivel porque foi obrigado a ir em igual serviço á outra Casa Legislativa, e por isso o não apresentou antes desta discussão, e sinto que não estivesse inteiramente ao alcance de todos os nobres Senadores, mas póde ser consultado naquelles pontos mais essenciaes, porque se acha em cima da Mesa; e deste modo justifico eu as minhas boas intenções. Foi necessario, Sr. Presidente, para apresentar as economias que as actuaes circumstancias extraordinarias tornam indispensaveis, foi necessario descer a muitos premenores, e o nobre Barão sabe quam difficeis são quaesquer combinações a este respeito. Não foi só o simples facto da entrada deste Ministerio, e ter havido logo depois uma Sessão que privou este mesmo Ministerio d'apresenta-las logo no principio desta Sessão; foram tambem circumstancias extraordinarias que com isso occorreram. Sr. Presidente, em primeiro logar estavam os Orçamentos começados, e os Ministros certos de que a Administração que os havia precedido teria recorrido a todas as economias; por tanto não vacilaram um instante em approvar pelo menos para principio de discussão, aquelles Orçamentos já organisados: depois disto, Sr. Presidente, eu não farei agora uma minuciosa enumeração dos acontecimentos que sobrevieram, porque elles são bem publicos: houve uma dissolução das Côrtes; os Orçamentos são um trabalho immenso, e quando o Ministerio devia occupar-se desse objecto importantissimo, teve logar o gravissimo negocio, cujo Relatorio o meu illustre Collega do Reino apresentou hontem á Camara; o que poz o Governo em tal situação, que de certo todos os seus calculos falharam; então foi necessario recorrer a outros principios, esses estão reunidos no Ministerio da Guerra, é uma verdade, mas por isso mesmo que são muitos, e variados, é necessario reve-los e combina-los entre os differentes Ministros, e ainda não ha muito tempo que poderam remetter-se para o Ministerio da Fazenda, aonde definitivamente se faz o resumo de todos elles, sem o qual, qualquer calculo se torna inutil, porque é do calculo total que se ha de deduzir aquelle que pertence ao Ministerio da Guerra. Ora, sendo isto assim, como ninguem pode duvidar em boa fé, acontece tambem, que tendo o Ministerio da Fazenda precisão de apresentar estas economicas, tem o Governo tido a necessidade de fazer vêr ao Corpo Legislativo, que a força anteriormente votada, como effectivamente o nobre Barão ha de reconhecer comigo, não era a sufficiente para o Paiz, e que se tornava indispensavel augmentada; então variaram todos os elementos do calculo, e esse foi um dos motivos de não ter vindo aqui o Relatorio com maior brevidade.

Em quanto á arguição de que faltando os recursos era forçosa obrigação do Ministerio vir aqui pedir um credito extraordinario; é necessario que eu declare, em primeiro logar, que o Governo agora, como succedeu ao de S. Ex.ª achou, que em alguns pontos era preciso variar a respeito dos seus Empregados, o a isto mesmo já, em outra occasião, eu aqui alludi. Quando se muda um Contador Geral o recebimento de todo aquelle Districto soffre um choque tal que estando passadas as ordens (e S. Ex.ª sabe como são passadas, tanto no Ministerio da Guerra, como no da Fazenda, que é avista das respectivas tabellas) para diversos pagamentos, contando alli com os respectivos fundos, esses não poderão effectuar-se: então succede que o Ministerio da Guerra tem actualmente 25 contos de réis em ordens no Algarve, que espero já hoje estejam realisados, e o mesmo succederá em Bragança, e Elvas. Isto obrigou o meu illustre Collega, o Sr. Ministro da Fazenda, a fazer os maiores esforços para buscar letras, e em fim tudo quanto se póde fazer nestes casos. São estas anomalias que privam ás vezes o Ministro de que possa vir aqui fazer a enumeração de semelhantes inconvenientes. Tenho pois demonstrado deste modo, e com a maior franqueza e lealdade, que reconheço que tem havido alguns desses atrasos, posto que não sejam tantos como se diz, por isso que desgraçadamente aquelle que soffre o mal, fal-o ver ainda maior, e quando se vão a fazer as necessarias combinações sobre o facto conhece-se, que não é tamanho, como se apregoa: assim aconteceu ha pouco tempo com uma das Divisões Militares, cujo atraso vinha justamente da occasião em que sahiu o Ministerio a que S. Ex.ª presidia, e tractou logo o actual de vêr como havia de ser morto este atraso; isto foi na 8.ª Divisão, di-lo-hei com franqueza. Mas, Sr. Presidente, os recursos do Governo tem sido absorvidos por tantos modos extraordinarios, e quando o Governo contava ser habilitado com os meios necessarios para fazer face ás despezas, porque as rendas não chegam, foi essa a occasião em que houve a dissolução das Côrtes. Tinha-se feito o emprestimo ou transacção, para que o Governo tinha sido extraordinariamente authorisado a realisar até 1:400 contos; mas o Governo antecedente mui honrosamente só se approveitou de mil contos: quando entrou a presente Administração, trabalhou para seguir uma economia restricta para deixar, como lhe cumpria, essa tarefa ás Côrte tendo a devida deferencia com os Corpos Legislativos, a fim de verem quaes eram os meios mais naturaes, e mais proprios para fazer face a essas despezas, e então o Governo viu-se obrigado a viver mais tempo com menos recursos, e d'aqui proveio, em parte, esse atraso: mas a continuação da discussão da Resposta ao Discurso do Throno por tanto tempo faz-me crer que, qualquer objecto de importancia que eu aqui trouxesse, não poderia fazer, com que se alterasse a ordem desta discussão. Por tanto, Sr. Presidente, parece-me, que não posso com justiça ser arguido de trazer um pouco tarde o Relatorio do Ministerio da Guerra.

Pelo que respeita á formação da força necessaria para o serviço do Paiz com a mesma

Página 1167

1167

DIARIO DO GOVERNO.

lealdade, e franqueza digo a S. Ex.ª que era incapaz de fazer uma allusão não fundada em verdade, fosse ella contra quem fosse, e S. Ex.ª nessa parte parece-lhe que a culpa provem do Ministerio não ter apresentado em tempo o seu Relatorio: ahi estão lixadas as forças indispensaveis, e se prova que são necessarias 18 mil praças de pret em serviço effectivo, e declaro a S. Ex.ª que não tendo o Exercito recebido aquella força que lhe foi determinada na Lei do Orçamento, pelos motivos que tambem ahi estão designados, e que se não podem negar, quaes são o não se ter podido fazer o recrutamento, e nisso estão accordes todas as Administrações; ainda faltam 6 mil homens, e que nesse caso se o Exercito não fosse elevado a uma força maior, do que a votada seria, preciso um recrutamento de 6 mil homens, e eu insisto em que é preciso maior força, e declaro, que para prover ao serviço publico, e aos fins a que a sociedade os destina recrutando 10 mil homens vamos dar baixa a O mil, faremos justiça a quem merece baixa, e poderemos ter 18 mil homens em serviço, e 6 mil licenceados, o que dá um todo de 24 mil praças de pret, que é um excedente a respeito do que tinha sido votado, sem o que se não poderá fazer economia alguma importante, nem sustentar sã ordem devida no Paiz. E apesar disto, por este modo ha ainda uma reducção de mais de 400 contos no Ministerio da Guerra, e a fóra esta com os arranjos que se propõem nos diversos Projectos do Governo, poupa-se no Ministerio do Reino uma despeza de mais de 100 contos, vem o Thesouro a pagar menos 500 contos com a força armada, e assim creio que poderá satisfazer ao serviço em quanto se não conhecer se as necessidades do Paiz, precisam de alguma modificação para mais ou para menos, o que se poderá decidir na seguinte Sessão.

Eu creio ter em geral respondido, mas algumas observações se fizeram ácerca da gratificação do Inspector do Arsenal, e outras a respeito de se ter pago a bagageiros, sobre as quaes direi tambem alguma cousa. Pelo que respeita ao Sub-Inspector do Arsenal, o que se fez foi preencher o logar que estava marcado na Lei, mas quanto á gratificação deixei-a para as Côrtes deliberarem o que lhe parecer mais conveniente. E por esta occasião não posso deixar de lembrar a S. Ex.ª, que sendo o Inspector do Arsenal o benemerito General Barão do Monte Pedral, que está empregado na Camara dos Deputados, e sendo aquelle serviço muito assiduo, e sendo o Sub-Inspector um Official que mereceu a contemplação de S. Ex.ª e que o conhece muito bem (O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: — Apoiado), parece-me que em quanto os Corpos Legislativos não marcassem a gratificação que a este Official devia pertencer, não era de justiça que elle servisse, só pelo soldo da sua patente. Com isto creio ter satisfeito a S. Ex.ª sobre este ponto.

Pelo que respeita ao dinheiro separado para bagageiros e outras cousas que tem dito, declaro que estou inteiramente de accordo com S. Ex.ª; que seria uma violação e uma decepção se se tivesse separado dinheiro para taes pagamentos; e então direi qual foi o milagre; é o mesmo que S. Ex.ª, fez = a applicação de sobras = porque eu que seria incapaz de applicar fundos com destino especial para qualquer outro fim, só appliquei as sobras que havia para o que me pareceu mais urgente, e quando as ha, é forçoso acudir com ellas a muitas dessas precisões, e das que S. Ex.ª enumerou, é esta uma dellas; e esse objecto acha-se até recommendado pela Camara dos Deputados, e o que pelos bagageiros se destribuiu foi uma pequena somma, e não o que se tem dito; é cousa muito insignificante; o maior pagamento que houve, foi a respeito de um (tenho a maior satisfação em o dizer, porque quero ser sentenceado pelos meus actos) um bagageiro a quem se devia 8 contos de réis, sobre o qual havia uma execução da Fazenda (chama-se Fulano do Rio), e o que se pagou a esse bagageiro, o que fez a gritaria toda, foram 600 mil réis, que não chegaram de certo para satisfazer as execuções que tinha sobre si, porque todos os seus fundos estavam empatados, principiou o pagamento por aquelle a quem se devia mais, porém dando-lhe uma somma pequenissima em relação áquella de que elle era credor ao Estado; outras sommas tambem pequenas, e por uma ordem geral se pagaram a outros, sem eu saber a favor de quem revertiam, com tanto que fossem os primarios Credores, e nisto segui é systema do nobre Senador: da minha parte não houve preferencia, desejaria igualmente mandar pagar a todos os Credores de outra natureza, porque neste caso realmente o meu desejo é só o da justiça, livre d'affeições particulares, Tros Tiriusve mihi nullo discrimine agetur, e assim não havendo meios para chegar a todos, por alguns se havia de principiar, e principiou-se justamente por aquelles, em vista das circumstancias que acabo de expor.

S. Ex.ª fallou tambem em quatro mezes de atraso em Bragança: parece-me que ha nisso alguma exaggeração. Em Elvas devo declarar que os soldos e prets effectivamente se atrasaram dous mezes e meio, mas que estam dadas as ordens, e espero que a esta hora estejam pagas tres quinzenas e um mez de soldo, e é minha intenção e do Governo fazer igualar os pagamentos a todos. A Camara e a Nação inteira sabe, que o Governo se vio no ultimo apuro, e em logar de vir aqui pedir um novo credito, tem tractado de finalisar esses emprestimos, porque se lhe podia dizer = vós ainda tendes 400 contos = e para isso se fazer é preciso fazê-lo com a attenção que pedem medidas de tal natureza, medidas que hoje estão quasi levadas a effeito; e por esse modo ficará o Governo habilitado, como lhe cumpre, e é da sua intenção, a pôr na igualdade possivel pagamentos tão sagrados. Eu creio que com esta declaração o nobre Senador que tem muito a peito objectos tão importantes, ha de ficar satisfeito; e até agradeço a S. Ex.ª por me ter dado occasião de poder dar estas explicações em Parlamento, explicações que são puramente a verdade; os interessados saibam que eu sou escrupuloso em zellar, a sua justiça, como cada um daquelles que levado pelo amor dessa mesma justiça aqui procura que ella lhes seja feita.

Parece-me, Sr. Presidente, ter dado as explicações necessarias; mas se houver ainda alguma cousa a que não tenha respondido, tomarei novamente a palavra quando se me advirta, porque tenho a maior deferencia com todos os Membros desta Camara, e essencialmente com S. Ex.ª, que estando muito ao facto destes assumptos, realmente pode concorrer para elucidar qualquer delles.

Ha um ponto sobre que ainda tenho de fallar — a fixação da Força de mar. — Ella está fixada, em quanto não houver uma nova fixação, mas diria S. Ex.ª que talvez fosse precisa outra: realmente eu muito desejaria poder fazel-o, porém, Sr. Presidente, vejo-me na necessidade de attender aos recursos do Paiz, é um facto, que talvez ella nunca fosse tão necessaria (O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: — Apoiado) mas é outro facto (sobre o qual S. Ex.ª aqui mesmo me fez justiça como á sua propria Administração) que ha muito tempo que a nossa Marinha não tinha um movimento tão grande como tem tido ultimamente (O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: — É verdade) as Colonias tem tido mais vasos nestes dous annos, do que nos quatro annos antecedentes, sem que por isso eu queira ou tenha a mais remota idéa de dirigir a menor censura ás outras Administrações, mas cumpre-me dizer aquillo que sinto, e que não teria duvida em o fazer como Senador ou Deputado se o fosse; mas como Membro do Governo, é constante, que se tem feito agora melhoramento, porque ainda que se diga que havia escacez de meios, é porque muitos d'elles eram applicados para aquelles objectos do serviço sim, mas para os quaes os rendimentos não estavam determinados, ultimamente restabeleceu-se tudo quanto nos outros annos se extraviou pelas circumstancias em que estava o Paiz e com as quaes nunca se podia contar fazer um pagamento certo, agora que ha socego póde haver mais regularidade, e seria um crime se se não attendesse ás nossas Colonias; por mim digo que nunca perderei de vista que ellas são de grande importancia, porque se podem tornar em mananciaes de riquezas, e na discussão do Orçamento apresentarei algumas medidas, não só precisas, mas que julgo imperiosamente necessario adoptar, para melhorar a sorte daquellas vastas Possessões.

O Sr. General Zagallo: — Eu sou inteiramente conforme com a opinião do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, relativamente á necessidade de se restituir ao Exercito a Classe dos Aspirantes; e possuido destes principios eu me occupei desse trabalho que está comprehendido no Projecto de Regulamento, que ha muito apresentei a esta Camara, e foi de certo por senão recordar disto, que o illustre Senador pediu ao Sr. Ministro da Guerra que apresentasse um Projecto ao mesmo respeito. O Sr. Ministro tinha apresentado este Projecto na Sessão passada, e vendo eu que as Côrtes foram dissolvidas, e tendo de offerecer um Projecto, que abrangesse todas as medidas indispensaveis para a boa organisação e administração do Exercito, julguei que devia tambem tractar do presente objecto. Agora pelo que pertence á exigencia, que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa fez ao Sr. Ministro da Guerra de apresentar um Projecto ao mesmo respeito, julgo eu que elle ficará satisfeito, sabendo que S. Ex.ª o Sr. Ministro foi convidado para assistir ás Sessões da Commissão de Guerra desta Camara, e que tendo elle a bondade de annuir a este convite, como já fez uma vez, alli conviremos em principios, conciliando-se tudo deste modo. Além disso como o recrutamento que está decretado para o Exercito, não poderá levar-se a effeito, sem uma nova Lei, que não seja a Lei das excepções, como se chama á actual, e esta Lei só póde ser proposta na outra Camara, muito tempo ganhariamos, se a minha proposta dos Aspirantes fosse discutida nesta Camara, e em vez della o Sr. Ministro da Guerra offerecesse á outra um novo Projecto de Lei de recrutamento, de que tanto se necessita, como a experiencia tem mostrado. Deste modo se procederia com mais ordem, do que affluindo todos os trabalhos ao mesmo tempo á outra Camara, em quanto esta estaria ociosa, e vice versa; cujo inconveniente só poderá evitar-se da maneira que proponho. Em quanto ás minhas idéas sobre a Lei do recrutamento, não é agora occasião de as expor, o que farei, quando esse Projecto se discutir nesta Camara, se eu ainda aqui me achar.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, pedi a palavra para dar as explicações que deseja o illustre General Zagallo; eu estimaria muito poder ter com S. Ex.ª toda a attenção sobre este ponto, e hei de ter toda a possivel, mas, Sr. Presidente, S. Ex.ª mesmo pelo modo que se enunciou, reconhece que é na outra Camara que devia ter principio a discussão em alguns destes assumptos, escravo deste dever, penhorado, pelo que devia ter feito ha mais tempo, desejara mostrar-me coherente, mas tendo sido instado, pela Commissão de Guerra da outra Casa, tenho pedido e insistido para que o Projecto respectivo fosse discutido quanto antes; e permitta-me S. Ex.ª lhe declare que em quanto se discute lá, creio que nenhum tempo se perde, e virá tempo da materia ser revista na discussão do seu Projecto, Não estou bem presente dos principios que S. Ex.ª seguio no seu Projecto de Regulamento, porque tendo tido a honra de ser convidado para assistir ás conferencias da Commissão de Guerra desta Camara, desgraçadamente para mim, ainda não tenho podido ahi concorrer senão ama vez, porque o serviço tem obstado ao meu desejo; prometto sempre que possa, de vir assistir a estas conferencias, e participarei na outra Camara se algumas alterações são precisas para se combinarem com o Projecto que alli se acha pendente; já se mandou imprimir, mas eu podia pedir para o retirar, se tanto fosse necessario, mas parece-me que S. Ex.ª não enunciou, que quizesse tanto, antes de aqui entrar o assumpto em discussão, não me parece que se adiante cousa alguma. Em quanto ao mais reservo-me para quando se tractar da discussão do Orçamento.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa dirigiu-me uma recommendação, que eu não perderei de vista, e por isso mesmo que eu entendi que era indispensavel ter o maior cuidado a esse respeito, tem-se tomado todas as medidas que a prudencia e dever exigiam, e espero que S. Ex.ª não terá occasião de se poder queixar de que o Governo não tenha levado a effeito as providencias para isso necessarias ácerca desse objecto, e nada mais direi por agora.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, a tardia apresentação do Relatorio, não é uma allusão feita simplesmente ao nobre Presidente do Conselho; a tardança foi de todos nós Ministros, porque todos nós, andámos de vagar, não por andar pouco, mas porque nem sempre correndo se chega á meta desejada. Ninguem póde duvidar, de que temos estado em circumstancias extraordinarias; e essas circumstancias conhecem-se não só por aquillo que se vê, mas ainda mais particularmente por aquillo que se sente. A apresentação dos Relatorios de combinação com as altera-

Página 1168

1168

DIARIO DO GOVERNO.

ções do Orçamento; a necessidade de economisar, quanto possivel, os fundos publicos, a outra necessidade de não faltar á justiça na distribuição destes fundos, de vêr bem quaes são as primeiras, e quaes são as segundas destas necessidades, e se se poder acudir a umas sem faltar a outras; tudo isto são negocios de tão grave importancia; que tomam impossivel agora, ou antes impossivel, desde que ha Côrtes em Portugal, o apresentar os Relatorios, em tempo perfixo, e conforme manda a Constituição; todavia a differença tem sido de dias, uns tardam mais oito dias, outros menos, segundo a habilidade, ou segundo as difficuldades; mas a questão é de mais oito, menos oito. Não creio que esta differença provenha das mais ou menos diligencias que se fazem, para acudir a tempo com os Relatorios ás Côrtes; porque os bons desejos são de todos, e os meios postos em pratica os mesmos. Tem sempre havido uma certa indulgencia para com todos os Ministerios anteriores: não ha motivo para que esta nos seja negada.

O objecto de que fallavam o Sr. General Zagallo e o meu nobre amigo o Presidente do Conselho, parece-me que melhor se póde decidir fóra da Camara: tracta-se da opportunidade, ou de apresentar o Projecto relativamente á admissão dos Aspirantes ao mesmo tempo e de combinação com as outras partes do Regulamento que tem relação com o objecto, ou de dar preferencia á Proposta do Governo apresentada pelo Sr. Presidente do Conselho na outra Camara. Eu sou um grande zelador das prerogativas do Governo, em quanto sou homem do Governo. (apoiados.) Mas aqui não se deve considerar só isso, deve-se considerar tambem a conveniencia; (O Sr. General Zagallo: — Apoiado.) E parece-me, sem combater a opinião do Sr. Presidente do Conselho, que essa conveniencia póde faltar a um e outro Projecto senão houver uma combinação prévia entre ambos os Senhores. Em summa, eu sempre creio preferivel o meio da examinar uma obra em suas diversas partes para conhecer o systema e harmonia que ha entre ella, e o todo, a vêr discutir separadamente uma parte de um Projecto, erma e desligada das outras que nelle tem de entrar. Até acho que muito se enganam aquelles que, para poupar tempo, separam de um Projecto os Artigos que julgam mais importantes para os discutir em separado. Por isso que se desconhece a referencia de taes disposições a outras, é que se levantam, para assim dizer, discussões no ar; divaga-se, dizem-se até absurdos em boa fé, e sem ser por defeito de intelligencia; e as discussões se estendem muito mais do que se á vista de cada um, e em um quadro, se apresentasse qualquer negocio inteiro, composto de todos os seus accessorios, e postas em jogo todas as suas disposições, para se poder avaliar o merito e relações das cousas. Tambem póde acontecer que sejam approvados Artigos de um dos Projectos cuja approvação vá causar embaraços na adopção de Artigos do outro. Donde eu concluo, e não posso deixar de concluir, que o Sr. Ministro da Guerra, e o Sr. General Zagallo, devem entender-se para o melhor bem do serviço, e concordar nas providencias que ambos julgam necessarias. Póde alguem dizer que um Senador ama um Projecto seu de amor paternal, não sacrifica as suas convicções, e por fim gasta-se o tempo e nada se obtem. Estou longe de pensar assim. Não se tracta de prezar muito a gloria de fazer um Projecto de Lei; o que se estima é o ser util ao nosso Paiz, e no presente caso ao nosso Exercito: esta consideração faz desapparecer qualquer estimulo de amor proprio.

Agora em quanto á Lei do recrutamento, eu com o nobre Senador a acho de extrema necessidade, e não só elle e eu, mas todos os Funccionarios publicos, e todos os homens que dezejam vêr completo e bem formado o Exercito, que o não póde ser vigorando a Lei actual. É com tudo certo que essa Lei só póde ser bem disposta quando passarem os Projectos do Governo; e antes de saber-se quaes são as modificações que levam, mal póde a dita Lei organisar-se.

Uma Lei de recrutamento é eminentemente administrativa, e até se póde dizer nova para nós, tendo de ser accommodada ás instituições modernas.

Algum dia essa operação do recrutamento era já uma especie de rotina: os Capitães-móres (quando se velava em que senão commettessem abusos) desempenhavam bem o seu dever em quanto a recrutamento. O que então succedia nesta parte, comparado com o que succede hoje, faz-me ter saudades dos Capitães-móres. (Riso.) Digo-o francamente: muita vantagem podia o Governo sob o regimen constitucional tirar da nossa organisação antiga; e em minha opinião foi desgraça a perda delle (Apoiados.) Sr. Presidente: instituições como essa, que tanta parte tinha na organisação publica do Paiz, deviam não ser derribadas á primeira idéa que houve de as destruir. Destruio-se esta, e foi a primeira causa da sua quéda comerem os Capitães-móres todos os lombos de porco do seu Districto: (Riso.) Foi erro dos Legisladores esta destruição, foi puerilidade este motivo, e outros quejandos. Todos errámos, todos abraçámos a nuvem por Juno; todos corremos atraz da popularidade, a verdadeira nos foge, fica a falsa, que por isso que o é, dura pouco, e deixa vestigios de destruição. A nossa organisação militar comprehendendo as tres linhas do Exercito, e tendo sempre a Nação em armas, causou admiração aos militares mais illustres da Europa (Apoiados.) Escuso dizer porque a este Senado, cheio de grandes intelligencias e notaveis capacidades; mas isso já lá vai. Deitámos por terra os Capitães-móres porque comiam leitões e lombos; (Riso.) Privámo-nos de Magistrados gratuitos, que sustentavam a ordem publica, e que, d'um momento para outro, podiam armar uma Nação pequena para resistir a uma Nação grande. (Apoiados.) O Exercito fez sempre maravilhas, aias quando se tractou de defender a independencia de Portugal, esse Exercito foi apoiado pelos Cidadãos Portuguezes armadas que o tornavam invencivel. Sr. Presidente, perdemos desgraçadamente, a nossa organisação militar politica: apoz as Ordenanças foram-se as Milicias, outra instituição bella. (Apoiados.) Errámos todos, mas é necessario que chegue o momento em que o Governo tenha a coragem de dizer que errou; porque em quanto senão confessarem os erros, não se podem fazer as emendas. (Apoiados.) Sr. Presidente, desde que se extinguiram os Capitães-móres e as Milicias, nunca mais se pôde fazer um recrutamento, nem sei como se poderá fazer. Isto longe está de significar que seja opinião minha a restituição de uma e outra cousa; mas é necessario encher o vazio que essas duas instituições deixaram na acção administrativa. É forçoso prever que o vago não continue, para que senão veja uma Lei vital entregue ao capricho dos acasos. O Projecto de recrutamento está feito, mas ha de carecer de alguma modificação, e até os regulamentos terão em muita parte de ser alteradas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu direi muito pouco, e faço-o, porque vi que S. Ex.ª punha demasiada confiança nas Ordens passadas para pagamento das Divisões, e por isso contarei o que se passou no tempo em que eu estive no Ministerio. — Passaram-se ordens para o Contador de Portalegre, e este não as satisfez, atrasando assim tres quinzenas: queixei-me disto ao Sr. Manoel Antonio de Carvalho, que então era meu collega no Ministerio, e examinando elle as Tabellas mostrou-me que aquelle Contador devia ler dinheiro em cofre para satisfazer essas ordens. Então instei eu para que se mandasse vir a Lisboa esse Contador; mas apenas foi chamado teve logo dinheiro para pagar as quinzenas! Este resultado é signal evidente de que linha dinheiro, mas negociava com elle. (Apoiados geraes.) Applico agora o conto; e peço a S. Ex.ª que se lembre delle, para ter a certesa de que se negoceia muito por esse mundo, com o dinheiro da Fazenda, em quanto que os soldados, e as viuvas morrem de fome. (Apoiados.)

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, eu entendia que com o que eu havia dito, o Sr. General Zagallo ficaria satisfeito e que seria comprehendido bem, sem me vêr obrigado a repetir quasi o mesmo que disse o meu collega o Sr. Ministro dos Negocios do Reino. Eu empenhar-me-hei em ir á Commissão sempre que possa, e antes disso hei de certificar-me sobre qual é o plano de S. Ex.ª; mas pediria ao nobre Senador que não obrigasse a deixar discutir o outro, sem ter conhecimento deste; e como sou chamado á outra Commissão da outra Casa, eu communicarei a S. Ex.ª quaes são as idéas dessa Commissão, e se S. Ex.ª me permittir eu mesmo farei participar na Camara dos Deputados (onde na qualidade de Ministro, me é dado apresentar as idéas de qualquer dos meus illustres collegas que possam elucidar as materias) o que S. Ex.ª não levará a mal: creio que a este respeito não j haverá grande differença de opiniões, pelo contraria devo presumir que estão muito aproximadas. É quanto tenho a dizer.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu pedi a palavra sobre a ordem, porque me pareceu que o illustre Senador que principiou esta discussão, tendo-se aproveitado da occasião muito parlamentar para fazer algumas perguntas ao Ministerio, foram-lhe respondidas; e vendo eu que até agora ainda senão impugnou o paragrapho, em discussão, requeria por isso que V. Ex.ª pozesse á votação se a Camara, o julgava sufficientemente discutido. (Apoiados.)

Sendo logo consultada, decidio affirmativamente; posto á votação o § 13.º ficou approvado.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu pedi a palavra unicamente, para lembrar aos Srs. Ministros uma cousa que talvez lhes não esqueça, e é, que na Camara dos Srs. Deputados estão tres Projectos de Lei sobre o recrutamento; e então digo eu que com esse, e com o que S. Ex.ª promette apresentar, poder-se-ha fazer um trabalho muito bom; a verdade porém é, que convêm muito, na falta das milicias abolidas, e que não podem voltar, nem os Capitães-Móres, reformar a Lei da Guarda Nacional, e organisa-la, porque nós não podêmos passar sem segunda linha existente em todos os paizes. (Apoiados.)

O Sr. General Zagallo: — (Para explicação.) Eu não tenho empenho nenhum em que o meu Projecto seja discutido aqui primeiro, que o seja a mesma materia na outra Camara; mas julgava que havendo lá muitos objectos a tractar, nós podiamos ir discutindo outros aqui, porque desta fórma se ganhava muito tempo. — Perguntarei agora, se a Mesa mandou a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra um exemplar do meu Projecto, o que eu ignoro? (O Sr. Presidente: — Mandou-se.) Pois então, S. Ex.ª examinando-o terá conhecimento de quaes são as minhas idéas a respeito deste objecto. Em quanto porém aos exames dos aspirantes, digo, que é necessario haver muita cautella nas habilitações, do contrario dar-se-hão muitos abusos, como o que já aconteceo de ir um sargento examinar-se por outro, que foi assim feito aspirante. (Riso.) Concluo por tanto repetindo, que me é indifferente que o meu Projecto se discuta já, ou quando se queira; porque o meu desejo é concorrer para fazer a maior somma de bens que seja possivel ao meu Paiz, sem me importar o modo porque se consigam.

O Sr. Duque de Palmella: — Queria dizer poucas palavras sobre um incidente que suscitou o discurso do Sr. Ministro dos Negocios do Reino, ácerca da abolição das Milicias e Ordenanças, a fim de justificar os Corpos Legislativos, a quem elle attribuio esta abolição. As Milicias e Ordenanças foram abolidas por Decretos de Sua Magestade imperial, o Regente, durante a Sua Dictadura, mesmo antes do desembarque no Mindello; na manhã anterior a esse desembarque que se reunio um Conselho abordo da Fragata Amelia, e ahi se redigiram os Decretos da abolição. E levantei-me não tanto para justificar os Corpos Legislativos Portuguezes desta imputação infundada, como para aproveitar esta occasião a fim de declarar que eu me oppuz quanto pude a essas medidas; quasi que protestei contra ellas, allegando então o que agora se diz depois de uns poucos de annos, isto é, que a nossa organisação militar merecera o elogio de todos os homens de armas, de todos os militares conspicuos que a tinham conhecido, tanto dos tempos passados, como dos contemporaneos; e atrevo-me a fazer estas asserções porque tenho muitas testemunhas vivas que podem comprovar a verdade dellas, entre outras muitas, um dos illustres Membros desta Camara que figurou sempre em primeira linha, quando em Portugal se tractou de questões militares.

Já que estou em pé, peço ao Sr. Presidente queira consultar a Camara, para se prorogar a Sessão por mais uma hora, a fim de vêr se podêmos adiantar a discussão do Projecto, que não vai pouco demorada. (Apoiados.)

O Sr. Conde de Linhares: — Pedi a palavra para uma explicação, como fim de notar, que é obvio e sabido de todos, que existe uma organisação no nosso Exercito, organisação calculada para as necessidades da defeza do Paiz. Se porém este quadro do Exercito necessita de soffrer uma alteração qualquer, o canal mais proprio para a fazer, é o Governo, porque elle melhor do que ninguem conhece o estado deste negocio. Se porém alguem ha que presuma pode-lo fazer melhor, é dever então, desenvolver largamente as suas idéas sobre a materia, para

Página 1169

1169

DIARIO DO GOVERNO.

provar ser menos a urgencia da materia; como não vejo assás claramente, no Projecto do Sr. Zagallo, esta necessidade demonstrada, não lhe posso dar o meu assentimento, e quando se discutir eu farei varias observações sobre a materia para o provar.

Posta á votação a Proposta do Sr. Duque de Palmella foi approvada. Continuou portanto a Sessão, lendo-se o

§ 14.° A Camara verá com muita satisfação todas as medidas, que se proponham tendentes ao melhoramento da nossa Marinha de Guerra indispensavel para uma Nação, que tem tantas Possessões Ultramarinas, cuja segurança, e prosperidade cumpre mais que nunca nas actuaes circumstancias promover, e manter.

Teve a palavra

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu não commetterei a imprudencia de pedir a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha, que diga em publico, nem mesmo em par ti cuja r, as ordens que possa ter passado aos Commandantes das nossas forças de mar na Provincia de Angola: eu não lhe pedirei que as diga, mas rogo á Camara permitta que eu leia uma cópia dos Protestos originaes que fez o Commandante do Brigue Raimundo, que navegava de Angola para Messamede, e que se empregava em objectos permittidos, levando unicamente a seu bordo 29 soldados, um Tenente, alguns passageiros, e pretos forros. — Eu vou lê-la porque desejo que ella se publique no Diario do Governo para conhecimento da Nação. Leu então o seguinte.

«No dia 20 de Fevereiro deste anno (1840) sahiu do porto de Benguela, para a Bahia de Moçambique, o Brigue Escuna Portuguez Raimundo I.° prompto de seus papeis, levando a seu bordo 29 soldados, o Tenente João Francisco Garcia, chefe para aquella Bahia, sua mulher, e passageiros, prefazendo o numero de 72 pessoas. No dia 21 se lhe atracou um escaler com onze inglezes armados, e um Official de Marinha, que pedindo os despachas do Navio, e mais papeis, que tudo se lhe mostrou, por estarem em todo correntes, pois além de levar tropa do Governo para aquelle ponto, levava pessoas que se destinavam a augmentar um estabelecimento, mas nada foi capaz de evitar a aprehensão do Navio, do qual fizeram signaes para o Brigue de Guerra Brisk a que pertencia este escaler, e no entanto foram abrindo escotilhas, devassando a Camara, roubando o que encontravam, e fazenda navegar o Navio á sua vontade, a ponto de o encalharem, sem embargo das advertencias que se lhes faziam, mas a custo tornou o Navio a nadar para procurar o Brigue de Guerra, que depois veio a apparecer; e quando o Capitão e mais pessoas do Navio Portuguez se persuadiam, que os excessos praticados por aquelles, que, á sombra de se revistarem papeis de despacho do Navio que navegava para fins tão licitos como aquelle, roubavam e praticavam barbaridades, contra a inerme tripulação e passageiros, sobre os quaes dispararam tiros de pistola, quando tratavam de desencalhar e salvar o Navio, dos quaes ficou ferido um soldado nosso, e seria acutilado, se não se lançasse ao mar, esta esperança se tornou em verem praticar mais excessos depois, por toda a tripulação do Brigue.

Já por ordem do Official do escaler tinham os nossos soldados embarcado n'uma lancha da embarcação roubada, e mandados a procurar a terra, sem agoa, nem comer, quando appareceu, cujo commandante, não só tolerou todos os excessos ladroeiras e barbaridades praticadas por marinheiros inglezes embriagados, como declarou boa preza aquella embarcação portugueza, destinada ao serviço nacional, e a coadjuvar um estabelecimento naquella nossa possessão: então a tripulação do Brigue derramou-se pelo Navio aprisionado, onde praticou tudo quanto é possivel de imaginar em depravação dos mais furiosos piratas, pois até levaram a immoralidade ao ponto de apalparem a mulher de um Official nosso, que ia em serviço; tripulação, e passageiros tudo foi roubado, levando o roubo para bordo do Brigue, á face do seu commandante, em fim foi tal a maneira do roubo, que até descoziam os bonets dos Officiaes do Navio, para tudo esmiussarem. A tripulação, que era composta de pretos cabindas livres, apezar de mostrarem os seus documentos foram levados para a Serra Leoa com a embarcação roubada. Os passageiros e Officiaes do Navio foram lançados n'um bote para os levar a terra, e alli serem abandonados, quando então avistaram a lancha, que tinha os nossos soldados, entregues tambem á providência pelo Official do escaler, sem mantimentos, o qual fui mandado rebocar, porque aquelles nossos soldados já estavam desfalecidos, e nesta lancha fez embarcar os passageiros para serem lançados naquella praia inhospita, onde saltaram com agoa pelo pescoço, vindo a lancha vazia para o Brigue, para que esta rapinagem fosse em tudo completa. O capitão do Brigue Escuna fez o seu protesto, que ractificou em Benguela.»

O Orador continuou dizendo: — Nenhuma observação farei sobre esta occorrencia, e só direi, que me parecia que os nossos Navios de Guerra em Angola não deviam estar alli unicamente para testimunhar estes factos escandalosos, deviam estar para os reprimir (Apoiados.) E eu confesso que se fosse commandante d'uma embarcação Portugueza, e estivesse alli na occasião era que taes insultos se commettessem, mettia a pique o Brigue inglez, desaggravando a minha bandeira, mas depois não vinha para Portugal, mandava o Navio; e eu ia para Boston: e fazia-o porque estou farto de ver como em Portugal se premeiam acções taes; e, contarei por esta occasião um facto acontecido no Rio de Janeiro que foi o seguinte — Um cadete, ou um Official reprimiu um estrangeiro, que tinha parecido faltar de proposito á Rainha n'um passeio; o resultado foi mandar-se o pobre militar a bordo dar uma satisfação ao agressor!

Agora pedirei a S. Ex.ª que queira dar-me uma pequena explicação ácerca de um facto do qual eu não estou bem informado. — Disseram-me que tinha vindo para aqui o sobre-carga e capitão do Navio Caçador, os quaes apezar de haverem sido julgados innocentes em Angola por occasião da um tiro desfechado contra o escaler. d'um crusador Britannico, ainda estão presos. Ora, se é certo que não houve motivo para serem processados em Angola, é uma injustiça estarem presos nesta Capital. Entendamos melhor a liberdade individual.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, principiarei, como ha pouco, respondendo á ultima interrogação, e asseguro a S. Ex.ª que effectivamente veio para aqui alguem desse Brigue Caçador, que se assentou a principio ter commettido alguma violencia contra um escaler de Sua Magestade Britannica. O Commandante das nossas forças navaes na Costa Occidental de Africa, julgou do seu dever mandar proceder áquelle respeito como imperiosamente o exigiam as nossas circumstancias naquelles mares. Houve um processo e depois de concluido vieram para Lisboa esses homens com o processo. O Ministerio, que não devia irrogar-se o poder de julgar, o que fez immediata mete foi mandar ouvir o Procurador Geral da Corôa, com a maior urgencia sobre este objecto; e não me tendo parecido proprio pronunciar eu em ultima instancia, e como me não parecia haver incompetencia em presença dos papeis, que tive diante de mim, e o meu desejo fosse fazer tudo que podia em beneficio da humanidade, mandei ordem ao navio para que esse individuo podesse vir a terra tractar dos seus negocios, não querendo, como disse, pronunciar sentença sobre a sua culpabilidade ou innocencia; o logo que chegue a resposta do Procurador Geral da Corôa será terminado este negocio. Pelo que respeita ao outro direi á Camara, que procedimento tão atroz me causou um horror tão profundo como a todos os Membros desta Camara, diante de quem se acaba de referir: aquelle protesto parece-me exacto, ou tem pouca differença do que foi remettido ao Governo, e em vista delle immediatamente se fizeram as reclamações que cumpria. S. Ex.ª e a Camara sabem que sobre objectos de tanta transcendencia para a honra nacional, e para a justiça dos Subditos Portuguezes, o Governo se não tem esquecido de fazer o que deve, e eu lerei a primeira nota que fiz por essa occasião, sobre um acontecimento daquella especie, e fique a Camara na certeza de que não é sem o melhor fundamento que o Governo tem a esperança de que aquelle negocio se concluira de um modo favoravel, e como cumpre ã dignidade da Nação em proveito dos nossos estabelecimentos. O theor desta Nota tem sido o mesmo de todas as outras Notas, e crêa-se que o Governo não deixará de fazer as mais especificas diligencias e de concorrer com todas as providencias que estiverem ao seu alcance para desaggravar a Nação. Pelo que pertence a este facto, não foi presenciado por nenhum navio de guerra portuguez; (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) porque estou certo de que Official algum Portuguez poderia soffrer por um momento a deshonra da nossa Bandeira. (Apoiados geraes.) Os nossos navios de guerra tem ordens, não seria conveniente estar aqui a explicar quaes ellas são, (Apoiados.) mas é certo que elles tem podido até agora conservar o decóro devido á sua Bandeira, e na presença delles jámais se tem praticado actos desta natureza, sendo uma prova bem evidente alguns casos cuja relação apparece no Diario do Governo. O Commandante do Brigue Inglez Columbine disse, que tinha o maior respeito á nossa Bandeira, que elle se tinha enganado, e que ia dar parte ao Commandante no Cabo da Boa-Esperança, isto que não é bastante, é alguma cousa, em quanto não houver tempo de se nos fazer outra reparação, que eu reconheço ser precisa, de modo que a honra nacional não fique postergada. (Apoiados.) Depois deste facto, não tornaram mais a apparecer crusadores Inglezes nas costas de Angola; tivemos noticias ha quinze dias, pelas quaes se sabe que não tem passado por alli nenhum delles havia 26 dias.

Agora, cumprindo o que prometti no principio, peço licença para lêr a Nota pela qual se verificará o que eu disse, e a Camara ficará satisfeita.

O Orador leu então a seguinte

Nota.

«O Governo de Sua Magestade acaba de ser informado das mais extraordinarias violencias e attentados, commettidos pelo Commandante Elliot do Brigue de Guerra Britannico — Columbine — contra Navios e Bandeira de Portugal, como consta do extracto junto N.º 1 do Officio que, ao Governo de Sua Magestade, dirigiu o Vice-Almirante Antonio Manoel de Noronha, Governador Geral de Angola com as copias N.° 2 e 3 a que se refere, bem como por Officio, copia N.° 4 de 10 do dito mez, do Capitão Tenente João Maria Ferreira do Amaral, então Commandante da Estação Naval em Loanda.»

«Da copia N.° 2 do Protesto feita pelo Capitão, Piloto, Contramestre, e Dispenseiro do Brigue Escuna Portuguez Esperança, se prova, que o dito Commandante do Brigue Britannico Columbina, não só detivera, sem justo motivo, ao Sul do Equador, na Costa de Africa, aquelle Navio Portuguez, durante oito dias, tirando-lhe por todo esse tempo a sua tripulação, mas abrira a correspondencia que nelle encontrára sem respeitar mesmo um Officio lacrado com o Sello das Armas Reaes de Portugal, que o Ministro de Sua Magestade, na Côrte do Rio de Janeiro, dirigíra ao Governador Geral de Angola, replicando com expressões arrogantes ás observações que sobre este procedimento tão criminoso, lhe fizera o Capitão do dito Navio Portuguez, Francisco Jeronymo de Mendonça,

«Ainda maiores attentados do mesmo Commandante Elliot se provam tanto do citado Officio N.º 4 do dito Commandante da Estação Naval em Loanda, como da Declaração, copia N.° 3, que ao Governador Geral de Angola apresentaram Bento Fernando Salgueiro, e Luiz Antonio de Carvalho e Castro, o primeiro delles Capitão, e o segundo Sobrecarga do Brigue Portuguez Paquete de Loanda.»

«Foi este Navio visitado pelo dito Commandante Elliot, e por elle detido, para presencear, como elle proprio disse, o castigo que1 queria dar aos dous Navios Portuguezes Neptuno e Angerona, cujas tripulações mandou, para bordo do dito Brigue Paquete de Loanda, mettendo depois a pique á força de tiros de artilheria os mencionados Navios Neptuno e Angerona, no ultimo dos quaes estava içada a Bandeira Portugueza, e com ella foi submergido.»

«Não se achavam incursos estes dous Navios nas penas estabelecidas pelas Leis, nem nas disposições dos Tractados, que prohibem aos Portuguezes o Trafico da Escravatura, por quanto consta dos mencionados papeis, que o referido Commandante Elliot valendo-se da authorisação que lhe dava a Convenção assignada em Loanda, em 29 de Maio deste anno, pelo Vice-Almirante Antonio Manoel de Noronha, Governador Geral de Angola, e pelo Tenente Tucker da Marinha Britannica, tinha naquella occasião ido ao Zaire para apresar os Navios, que se empregassem no Trafico da Escravatura; mas que deixara livres os dous Navios Neptuno e Angerona, sem duvida porque nada lhes achára em contravenção ao Decreto de 10 de Dezembro de 1836.»

«Muitos dias depois é que o Neptuno foi abordado de noite, e apresado pelos Escaleres do Columbine, e só quando ao amanhe-

Página 1170

1170

DIARIO DO GOVERNO.

cer os marinheiros Inglezes tratavam de desamarrar violentamente o Neptuno, para o conduzirem para o mar é que se diz que os Pretos de Congo lhes fizeram fogo.»

«Por conseguinte o apresamento precedeu ao fogo dos Negros, e não podia este ser motivo daquelle, nem esse fogo foi feito pela tripulação do Neptuno, como pertendeu asseverar o Commandante Elliot; por quanto a esse tempo já havia muito que a guarnição do Columbine se havia apoderado do Brigue Neptuno, e aprisionado a sua tripulação.»

«Disto resulta ser indubitavelmente da invenção do Commandante Elliot terem as tripulações dado armas aos Negros, quando aliás é certo e sabido que elles habitualmente dellas estão providos naquellas paragens.»

«Mas quando tivessem existido justas queixas da parte do Commandante Elliot, contra os ditos Navios, devia elle dirigir as suas reclamações conforme o Direito das Gentes á Authoridade competente em Angola, onde receberiam o merecido castigo as tripulações, ou os individuos dellas, que houvessem delinquido.»

«Vê-se porém manifestamente, que o Commandante Elliot não julgava culpado individuo algum das ditas tripulações, porque até os deixou a todos em plena liberdade; donde é evidente que o seu inaudito procedimento contra os mencionados dous Navios, só teve por alvo, a acintosa intenção de ultrajar da maneira mais atroz, a Bandeira Portugueza.»

«Ainda em estado de guerra, não é licito metter a pique os Navios do inimigo, senão em casos de extrema necessidade, o qual unicamente póde limitar os deveres de moderação, e de humanidade, que para com o proprio inimigo, manda observar o Direito das Gentes.»

«Em summa, dos papeis juntos, persuade-se o abaixo assignado, que se colhem sobejas provas do insolito comportamento daquelle Official, por quanto delles se vê o attentado de violar a correspondencia, quebrando o Sello das Armas Reaes; de deter um Navio, sem nelle encontrar objecto algum de suspeita; tirando-lhe a sua tripulação durante o espaço de oito dias: e finalmente de metter a pique dous Navios Portuguezes o Neptuno e Angerona, estando em um d'elles içada a Bandeira Portugueza, passando antes disso suas tripulações para bordo do Paquete de Loanda, que obrigou a demorar-se para presencear este acto inaudito!!! O facto pois de haver-se o Commandante Elliot, constituido de motu proprio, apresador, juiz, e executor de tão horrendos attentados, em tudo contrarios ás Leis de Portugal, e da Gram-Bretanha, e ao Direito das Gentes, é tão revoltante que não precisa commento.»

«Em consequencia o Governo de Sua Magestade vivamente offendido, deu ordem ao abaixo assignado, Enviado Extraordinario, e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima para reclamar do Governo Britannico, como elle faz pela presente Nota, uma reparação adequada á grandeza do ultraje recebido, e em virtude da qual se faça pesar a força da Lei sobre o delinquente, e se dê conveniente reparação aos donos, e mais interessados dos Navios, que tamanhas perdas soffreram.»

«O Governo de Sua Magestade tem toda a confiança, que o Governo Britannico não fallará a praticar este acto de justiça em que está empenhada a sua propria honra, e a elevada reputação da sua Marinha.»

«O abaixo assignado renova por esta occasião, etc.»

Por esta occasião, e como era de suppôr, tinha o Governo aqui Communicações com o Ministerio Britannico; não tenho aqui a Nota dellas, mas refiro-me á Carta a que me reporto.

S. E.ª leu então a seguinte

«Mylord. — Não me sendo possivel, em consequencia da multiplicidade de importantes negocios e cuidados que pesam sobre mim, e da proxima partida do Paquete para Londres, responder circumstanciadamente a V. S.ª como muito desejava, sobre cada uma das differente, partes da sua Nota de 13. do corrente em que V. S.ª me pede com a maior instancia esclarecimentos ácerca dos ultrajes praticados na Costa da Africa proximo ao Zaire etc. pelo Commandante Elliot do Brigue de Guerra Britannico Columbino contra Navios e Bandeira de Portugal e querendo corresponder da minha parte com a maior franqueza e lealdade ás mui positivas seguranças que V. S.ª me dá na sua citada Nota do quanto vivamente deseja contribuir para esclarecer esta tão extraordinaria occorrencia, perante o Governo de Sua Magestade Britannica, bem como da melhor vontade e vehementes desejos do mesmo Governo, de dar á Corôa de Portugal, da maneira mais prompta e assignalada, a mais plena reparação de qualquer procedimento dos Officiaes Britannicos que possa achar-se ter sido offensivo á dignidade da Nação Portugueza; tenho a honra de remetter a V. S.ª para seu conhecimento o incluso extracto das instrucções e cópias a ella juntas que na data de hoje se dão por este Ministerio ao Barão da Torre do Moncorvo para, sobre a mesma inaudita occurrencia, dirigir a necessaria reclamação ao Governo de Sua Magestade Britannica, a fim de pedir a devida reparação.»

«Para obter esta põem o Governo de Sua Magestade toda a confiança na illustrada rectidão e justiça do Governo de Sua Magestade Britannica bem como nas seguranças a este respeito por V. S.ª dadas como seu digno Representante, e na mesma cooperação de V. S.ª como tão desejoso da manutenção das relações de estreita amisade e harmonia entre as duas Coroas.»

«Deos Guarde a V. S.ª etc.»

Sr. Presidente, cumpre-me que faça algumas reflexões sobre este objecto. O Governo solicitou no desempenho dos seus deveres tem constantemente empregado a lingoagem que lhe cumpre, e procura haver os necessarios esclarecimentos, á vista dos quaes o Governo Britannico não possa duvidar fazer as devidas reparações a estes damnos: mas S. Ex.ª e a Camara sabe quanto é difficil de obter documentos com uma clareza tal, que á primeira vista pareçam da maior e mais rigorosa justiça. Sr. Presidente, deste facto nasceram mil outras necessidades, isto é, a necessidade de mil outros esclarecimentos para poder convencer o Governo de Sua Magestade Britannica de que os factos apresentados pelas authoridades a que nós alludimos eram verdadeiros: as authoridades daquelles Paizes, aonde de mais não as ha muito regulares, podem merecer uma tal ou qual desconfiança, não só perante o Governo da Sua Magestade Britannica, mas tambem perante o Governo da Rainha; mas este está convencido que quando por meio das peças officiaes se poder apresentar toda a verdade, de que a nossa justiça exige que se faça a devida reparação, não é possivel que o Governo de Sua Magestade Britannica se conservasse surdo a tantas razões que assistem a nosso favor. Mas até agora tem-se obstado, como é pratica na Diplomacia, com outras participações, — de que é preciso proceder ao conhecimento exacto da verdade entrando naquelles factos que se apresentam em primeiro logar. Não ha duvida que é um attentado commettido pelos Officiaes Britannicos o metterem os nossos navios a pique, isto segundo o direito das gentes e de todas as Leis: mas entra-se nas questões (que desgraçadamente tem dado logar a nossa Legislação, feita sem talvez se haverem pesado muitas consequencias que della poderiam seguir-se) sobre se esses navios são Portuguezes; e parece que não estão exactamente no theor da nossa Lei; a novissima Lei a este respeito diz, que não sejam considerados navios Portuguezes senão aquelles que tiverem sido construidos em estaleiros Portuguezes; depois de existir esta disposição, quando os navios tinham a nossa Bandeira eram considerados propriedade Portugueza, sem duvida alguma, mas hoje pode haver questão a este respeito; e sobre esta ha mil outras que sobrevem deste pretexto, e com as quaes é possivel illudir questões tão graves e tão affrontosas para a honra de uma Nação, com quem havia uma rigorosa obrigação (bem longe de lhe fazer insultos) de vir a um accôrdo, pois que tinha sido Portugal que deu primeiro a conhecer á Europa que desejava pôr têrmo immediato ao trafico da escravatura (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) Mas nós, Sr. Presidente, sobre este objecto temos importantes trabalhos; e não accrescentarei mais nada porque seria arriscar o que é necessario reservar por ora; por attenção aos meus Collegas, terei por ventura dito alguma cousa mais do que talvez conviesse, em razão ao logar que occupo.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — O modo como S. Ex.ª, explicou o negocio desse Capitão é, que não resultára culpa alguma do processo que contra elle houve em Angola: — e então digo eu, que se o homem veio para aqui sem culpa, e só porque o Commandante das forças julgou dever d'alli affasta-lo, é uma injustiça o rete-lo a bordo. Se porém elle tem processo, deve seguir os termos regulares; mas, se o não tem, deve ser posto em liberdade, e não estar preso, embora tenha a Cidade por homenagem, como se diz que tem.

Agora, Sr. Presidente, direi, que não condemno a conducta dos Commandantes dos navios que estão em Angola, e até já disse, que tive delles as melhores informações; o que porém repito é, que eu, que muitas vezes tenho sido arrebatado, se-lo-ía mais uma vez, se me achasse Commandante de uma embarcação de guerra em Angola, quando o Commandante do Columbine metteu a pique o nosso navio, porque então eu mettem aquelle tambem a pique, para me ficar a gloria de ter assim desaggravado a minha Nação ainda que eu desertasse se o Governo me sacrificasse. — S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha, manifestou um desejo que eu tambem tive, e que tem tido todos os Ministerios seus predecessores; mas receio muito, que o Sr. Ministro receba ainda menos satisfações do que tem recebido os Ministerios precedentes, porque o Governo Britannico tem mostrado poucos desejos de dar a menor satisfação ás Nações de segunda ordem, a quem por isso insulta e despoja sem risco.

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, começo por declarar que me uno inteiramente aos sentimentos manifestados pelo illustre Senador que acaba de sentar-se, e affirmo que, se o Commandante de uma embarcação de guerra Portugueza se achasse presente a algum daquelles casos flagrantes que aqui se apontaram, se visse metter a pique um navio mercante Portuguez por uma embarcação de guerra estrangeira, se elle presenciasse tal insulto feito á nossa bandeira, tendo polvora e balla a bordo, fosse ou não fosse igual o combate, fosse ou não certa a sua perda, digo, que devia á honra nacional desaffrontar a bandeira Portugueza, quaesquer que podessem ser as consequencias do seu procedimento, (Apoiados geraes.) ainda que fosse ao fundo; e para isso, digo mais, que não é necessario saber quaes são as instrucções que tinham as nossas embarcações de guerra naquellas paragens, porque essas instrucções, que eu não pergunto nem indago, não podem annullar a instrucção geral e fundamental, que tem todo o Commandante de um navio de guerra, para proteger Os seus nacionaes contra qualquer insulto ou violencia. — Dito isto, poderei agora accrescentar alguma cousa, e não será mais do que sustentar aquillo mesmo que já expendi em outras occasiões, e que me vejo obrigado a explicar de novo, se não tive a fortuna de ser então bem entendido.

Póde haver casos mais ou menos injustos em relação á posição em que o Governo Inglez se collocou; quero dizer, o Governo Inglez deu ordem aos seus cruzadores de aprezarem navios que tinham escravos abordo, ou que sejam suspeitos de traficar em escravos; por tanto, quando esses cruzadores aprezam outros quaesquer navios, e mais ainda, quando os mettem a pique, excedem as ordens, que receberam do seu Governo, e o caso é muito atroz e revoltante para que possa ser defendido por esse Governo. (Apoiados.) Mas em quanto á parte que nos toca, na posição em que devemos sustentar firmemente o direito que nos compete, temos igual motivo para nos resentirmos do aprezamento de um navio (em virtude do bill) que trazia, escravos, como do de outro que os não trouxesse. (Apoiados.) Bem. E d'ahi tiro eu a consequencia de que os nossos Ministros, de certo modo, enfraquecem esse direito quando pedem satisfação de um caso e a não pedem dos outros. Para que nos havemos de estar a illudir a nós mesmos? A infracção do nosso direito, as injurias, os insultos, o caso de guerra tudo isso provêm da promulgação do bill. No mesmo instante em que elle se promulgou em Inglaterra, e que sobre as nossas representações (se se fizeram) o Governo Inglez se recusou a retira-lo, estava a questão levada ao extremo, e chegado o caso de uma declaração de guerra; não o fizemos, nem eu reprovo que assim se procedesse. — Repito pois que, em certo modo, entendo que se enfraquece o nosso direito quando especialmente reclamâmos contra este ou aquelle insulto que nos irrogam os cruzadores Britannicos: se uns são mais atrozes, se outros são menos fundados, todos são igualmente lesivos da independencia e dos direitos da Corôa Portugueza; e não ha mais que dizer con-

Página 1171

1171

DIARIO DO GOVERNO.

tra o insulto feito ao Capitão, cujo protesto o illustre Senador acaba de ler, do que o que se commettesse em um navio carregado de escravos, sahindo, por exemplo, do porto de Angola. Todos estes casos são igualmente injuriosos a bandeira Portugueza, todos solidos, como motivo não só de queixa, mas de justa guerra. Á Nação Portugueza, e ao seu Governo, compete ver se lhe convem usar do seu direito, que neste caso não é outro senão a ultima razão dos fieis, ou submetter-se, quero dizer, soffrer estes inconvenientes, que talvez fossem trazidos, em parte, por alguma falta de prudencia nossa, ou em fim buscar os meios da negociação. Mas, sobre cada novo ultraje que receba a nossa bandeira sobre cada um dos casos particulares que ocorreram, e que todos elles (como disse o Sr. Presidente do Conselho) podem ser contestados — porque assim como ouvimos uma das partes seria mister ouvir tambem a outra, e isto nos levaria a uma contestação que redundaria em cessação do nosso fundado direito; — como dizia, julgo indecoroso que reclamemos sobre cada um desses ultrajes, sobre cada um dos casos em particular. Esta é a minha opinião como Senador, e se-la-ia tambem como Ministro, se eu tivesse a honra de fazer parte do Ministerio.

Esquecia-me dizer, que se eu fosse o tal Capitão que desaffrontasse a bandeira Portugueza, com ordens ou sem ordens, eu não ia para Boston, vinha para Lisboa, na certeza de ser applaudido pela Nação inteira. (Apoiados.) Esta é a minha opinião; digo-a, como a sinto: se alguns daquelles males, daquelles inconvenientes, que sempre neste mundo resultam desgraçadamente da desigualdade de forças, que assim nos individuos como nas Nações se fazem sentir, se alguns delles tem existido, creio, que a este respeito nos achâmos, pouco mais ou menos, no mesmo caso, em que se acham todas as Potencias de segunda ordem. O que devemos fazer é passar, o mais que podermos, sem intervenção de estrangeiros, diligenciando prescindir do seu auxilio; (Apoiados.) augmentar as nossas forças, tractar de melhorar a nossa administração interna, e de obter mais recursos para o Paiz. A união faz a força; esta sentença é da mais exacta verdade: procuremos por tanto a nossa força, quanto possivel, na união de todos os Portuguezes. Mencionou o illustre Senador um facto acontecido no Rio de Janeiro: creio que houve mais de um dessa natureza; mas peço licença para dizer que, a respeito desse, seria tambem necessario saber todas as suas circumstancias para ver se era completamente justificada a exigencia do Porta-estandarte que foi dar a satisfação; é provavel que houvesse algum excesso, porque, se me não engano, cuido que naquella Côrte até aconteceu dar-se uma chicotada n'um Agente Diplomatico Estrangeiro. É preciso confessar que isto passa todos os limites, qualquer que tivesse sido a provocação. — Sómente accrescentarei que sabem todos os que me ouvem que alli se levava a um excesso muito duro essa exigencia, e que os que estavam encarregados de fazer observar o cerimonial pelas ruas, o faziam muitas vezes com uma tal insolencia que havia razão para se resentir della; talvez agora tenhamos infelizmente incorrido no excesso contrario, e fosse para desejar que uma pouca de rigidez que se empregava naquelle tempo para exigir cumprimentos, se empregasse para se praticar agora o que a decencia, a pura decencia, deve requerer de todo o Portuguez para com a Familia dos seus Soberanos. (Apoiados.)

Deixando este incidente, dirigir-me-hei agora aos Srs. Ministros, em consequencia das funcções que aqui exerço, não para lhes fazer uma pergunta, mas para que não passe em silencio nas Camaras Portuguezas a questão que vou de passagem tocar, porque isso me parece conveniente. — Todos sabem as occorrencias da China; todos sabem os compromettimentos que podem resultar para o Porto e Cidade, de Macau dessas hostilidades que vão ter logar por parte dos Inglezes contra os Chins: esta circumstancia é demasiado importante para ter esquecido aos Srs. Ministros, a elles compete, e certamente p terão feito, mandar instrucções bem combinadas ás authoridades de Macau, mas entendo ser prudente que essas instrucções tanto quando fosse compativel com o decoro nacional, sejam combinadas de accôrdo com o Gabinete Inglez, com o fito de conseguir uma bem entendida neutralidade, é que o Governo Inglez, concordando no acerto e na oportunidade dessas mesmas instrucções, as corrobore, pelo que toca aos seus Commandantes militares naquellas paragens.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu pedi a palavra para dar algumas explicações, que me pareceram serem ainda necessarias, ao que disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa relativamente aos presos que vieram de Angola, em consequencia do que teve logar com o Brigue Caçador. É facto que veio um processo; mas eu tenho obrigação de declarar que não quiz constituir-me Juiz em ultima instancia; sendo o processo feito por uma authoridade judicial sim; mas não daquellas que são propriamente da vida da magistratura, porque é um Juiz ordinario, visto não se achar alli então o respectivo Juiz de Direito, podia haver algumas nullidades, que dessem logar aquelle procedimento, e eu não quiz que o odioso disso caísse sobre o Governo que não é Juiz; e querendo occorrer com a competente medida, no caso de ter havido exorbitação dos deveres daquelle Juiz ordinario, mandei ouvir um Magistrado da maior confiança, não só para o Governo, mas para a Nação inteira, porque considero objecto importantissimo que um homem irregularmente porcessado fosse remettido para aqui preso; é necessario tambem que o Procurador Geral da Corôa indique o modo de proceder, e informe o Governo dos passos que ha a dar neste caso. Entretanto, para que esse homem não soffresse, mandou o Governo dar-lhe homenagem em toda a Cidade. — Este objecto creio que deve levar muito pouco tempo, e se não fossem os muitos negocios que pesam sobre aquelle honrado Magistrado, entendo que já se acharia decidido; mas lisongeio-me de que a esta hora já estará talvez no Ministerio, aonde o irei examinar. — Creio que pelo que respeita a este negocio S. Ex.ª ficará satisfeito.

Tirei outros apontamentos em quanto fallava o nobre Duque de Palmella, e tractarei de lhe responder, principiando por dizer que, estando de accôrdo com S. Ex.ª obre a doutrina em geral por elle expendida, devo com tudo dizer que estou persuadido que S. Ex.ª não irá distante da minha opinião: que o Governo de Sua Magestade ainda que reconhece, como S. Ex.ª que o facto alludido é de certo dos mais flagrantes, com tudo, como nos differentes acontecimentos desgraçados que tem tido logar ha offensas não só do decóro nacional, não só do direito das gentes, mas de mil outras circumstancias importantes, e tambem as ha de interesses particulares; o Governo tem julgado por isso indispensavel, dirigir as suas diversas reclamações, sem que por esse facto deixe de entender, como S. Ex.ª, que o meio para obstar a tão grandes transtornos, quero dizer, buscar, por todos os modos que forem compativeis com a honra nacional, pôr um termo a este estado que (como disse um dos meus illustres Collegas na outra Camara) não sendo de guerra, é com tudo tão máu, ou peior que o de guerra. Disto tracta o Governo, e espera poder conseguir o bom exito. Em quanto ao que disse o nobre Duque, sobre não fazer reclamações especiaes, porque decerto modo podem mostrar que reconhecemos o bill; parece-me que S. Ex.ª reconhecerá que havendo, além de injurias á bandeira, damnos causados a particulares (como ha pouco disse) é necessario que fiquem sempre impressos esses motivos perante o Governo de Sua Magestade Britannica, a fim de que os mesmos damnos possam ter a devida reparação. É esta a razão porque se lhe tem dirigido reclamações sobre alguns casos.

Pelo que respeita aos navios Portuguezes de guerra, já ainda agora declarei qual tem sido o comportamento dos respectivos Commandantes, e que estes tem tido afortuna de fazer com que, na presença dos seus navios, não tenha havido insulto algum: em abono daquelles distinctos Officiaes, é preciso que eu declare nesta Camara que o seu zelo, o seu fogo patriotico nada tem sido exaggerado no que se disse, chegando a ponto de ser mui difficil a um delles resistir aos seus proprios desejos, e aos da sua tripulação, para ir vingar uma affronta perpetrada, pelos crusadores Britannicos, a pouca distancia do navio que commandava; chegando mesmo ao ponto de levantar ferro para ír verificar se seria exacto, quanto a este respeito lhe constava. E por esta occasião direi que a maior parte das informações que alli se recebem, á cerca deste objecto, são muito imperfeitas, porque uma grande parte dellas vem dos negreiros, daquelles mesmos que são interessados em que se faça tão deshumano trafico, o que tem produzido os maiores males. Apesar disso, o Commandante de quem tracto, nunca pode conseguir ver os navios que tinham perpetrado aquelle attentado, nem chegou a tempo de poder prestar o menor soccorro aos opprimidos; e então continuou a conservar-se naquelle ponto em que tem obrigação de evitar quanto possa taes insultos, insultos para que nunca pode haver motivo. (Apoiados.) Bom é que a Camara saiba que aquelles Officiaes são dignos da confiança da Nação, e que elles tem feito tudo aquillo que faria qualquer Portuguez; honrado, tractando de desaggravar a honra da sua Patria offendida. (Apoiados.)

O Sr. Vellez Caldeira: — Não tractarei a questão do modo de se fazerem as reclamações; ainda que eu sou de opinião, que ha differença de factos mais, ou menos injuriosos; por exemplo, quando se ataca uma embarcação de guerra, que não é empregada no trafico da Escravatura, que vai em serviço do Governo, e com a qual nenhuma applicação tem mesmo as disposições do bill. Não fallo mais na questão; mas entendo que estas explicações são uteis até certo ponto. Eu tinha pedido a palavra para revendicar a conducta dos Officiaes de Marinha Portugueza, que estão naquelles mares: como são o Capitão Tenente Amaral, que alli commandou primeiramente: este Official é de muita honra; os que desembarcaram no Mindello, sempre o viram a seu lado nas occasiões de maior risco; desempenhou differentes commissões melindrosas de que tem sido encarregado, com a maior distinção; e é a mesma bravura. O Official que foi depois, e que hoje alli commanda, o Sr. Cunha, não é Official menos honrado, nem menos distincto; nenhum delles era capaz de mandar cá esse Official, por defferencia com algum Commandante Inglez; se cá o mandou, é porque estava pronunciado: nenhum delles tambem era capaz de consentir á sua vista o menor insulto á nossa Bandeira: e agora digo, como disse o Sr. Duque de Palmella, que nenhum desses Officiaes, deixaria de ir combater, mas tambem nenhum delles fugiria para os Estados-Unidos; no fim da sua commissão viria aqui seguro da consciencia de ter obrado conforme o seu dever.

(Vozes: — Votos, votos.)

O Sr. Conde de Linhares: — Eu peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida. (Apoiados.)

Assim o fez o Sr. Presidente Interino, e decidiu-se affirmativamente; propoz então o §. 14.º á votação, e foi approvado.

O Sr. Vellez Caldeira requereu que a Sessão seguinte começasse ao meio dia, e assim se resolveu.

O Sr. Presidente Interino deu para ordem do dia a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e fechou esta Sessão. — Tinham dado cinco horas.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×