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DIARIO DO GOVERNO.

Sabrosa, publicou o anno passado á face da Nação um Decreto de Sua Magestade a RAINHA, compromettendo o Governo de Sua Magestade para com os credores estrangeiros de que havia effectuar o pagamento de meio dividendo, da divida estrangeira, e que este seria um dos primeiros objectos que havia de occupar a sua attenção, logo consequente á abertura das Côrtes; e faço justiça a S. Ex.ª de accreditar, assim como ao Sr. Ministro da fazenda d'então, que já teriam fielmente cumprido com esta promessa, a haverem continuado até hoje na Administração dos Negocios do Estado. Mas o Decreto de Sua Magestade passou nesta conformidade; por consequencia a palavra não só da Soberana, como a do Corpo moral do Governo, está empenhada neste compromettimento os credores estrangeiros com toda a razão o esperam. — Os nossos fundos estrangeiros conservam-se na Praça de Londres em um preço que indicam o conceito que se faz no cumprimento desta promessa, pois apesar de só se prometter meio dividendo, os de cinco por cento conservam-se a 35 ainda o que é igual a 70, se pagassemos o juro inteiro. Parecia-me que esta era a razão favoravel, tendo nós feito ponto, do Governo poder converter a divida nacional estrangeira em divida interna, creando novas apolices desta, em troco daquella divida com os juros pagos aqui. O grande remedio anodyno, senão curativo, relativamente á divida estrangeira, seria o domestica-la, importa-la, porque o pagamento dos dividendos em uma moeda estrangeira e fóra do Paiz é muito oneroso, para não dizer moralmente impossivel á Nação; pontue, como nós temos sempre pago todos os dividendos da divida estrangeira com novos emprestimos feitos em Londres, não estamos ao fado nem preparados pura julgar hoje do resultado ou effeitos que se seguiriam, sobre o cambio, ao Governo de apparecer todos os semestres regularmente na Praça a comprar moeda Sterlina para remetter; se o Governo comprar a mesma metade do dividendo, que andará por cem mil Libras cada semestre, essa operação bastará, olhando para o pé restricto das operações da nossa Praça hoje em dia, para produzir uma differença mui sensivel no cambio contra nós, e perturbar o equilibrio que em tal ponto é da mais alta importancia manter sempre pelas ruinosas consequencias que sempre se lhe seguem. Ora a Junta do Credito Publico está encarregada sómente do pagamento dos juros da divida interna, e as suas Leis organicas não lhe impõem, ou não lhe facultam o encarregar-se do pagamento da divida estrangeira fóra do Paiz; por consequencia o pagamento desta ultima está a cargo do Thesouro, o que é injusto, irregular, anomalo e incompativel com as funcções deste, pois que logo que se creou a Junta de Credito Publico, deve ser para curar de administrar toda a divida do Estado, e não d'uma parte só della; excepção esta viciosa, em si, e odiosa. Por tanto parecia-me que a occasião era oportuna, antes de reassumirmos o pagamento dos dividendos, para negociar com os credores, mostrando-lhes a certeza de que assim iam adquirir para o futuro o pontual pagamento do meio dividendo, removendo-se este encargo do Thesouro, que soffre debaixo d'um deficit constante, e não tem recursos positivos para similhante fim, para a Junta do Credito Publico que possue uma dotação certa e especifica, e a qual lhe seria augmentada na proporção necessaria para cobrir o pagamento addicional daquelles juros: exhibidas estas circumstancias aos credores estrangeiros, muitos haviam de escolher, de certo, esta alternativa; e eis-aqui removida a apprehensão que eu confesso ler de que o Governo venha a ser obrigado para o futuro a comprar letras sobre Londres na Praça aqui ao cambio de 52 por mil réis, ou ainda de menos, para fazer essa remessa positiva para pagamento dos dividendos nas épocas regulares dos seus vencimentos; porque o papel, que apparece na Praça sobre Londres, é d'importancia insignificante, e já mesmo para as necessidades do commercio aqui: quanto mais o não será quando o Governo concorrer igualmente a comprar tão grandes som mas, e em prazos certos e marcados. De mais emprestimos estrangeiros para esse fim Deos nos livre. O Governo necessariamente ha de deferir metade dos juros, não pagando, como não póde pagar de certo por ora, mais de metade dos juros; essa divida meia deferida continue embora por em quanto a cargo do Thesouro para se ír amortisando ou convertendo por meio de operações financeiras, que só o Thesouro pode levar a effeito. Ha muitos modos de ír progressivamente alcançando este desejado fim, por sommas parciaes, e por diversas e variadas medidas, já de conversões, como de loterias, segundo pratica o Governo Austriaco com grande vantagem como parte do seu systema regular, já para negociação de fundos, já para venda de bens nacionaes, por preços muito mais vantajosos do que alcançaria no mercado. Por exemplo — poderia o Governo obter das Côrtes authorisação para fazer um ensaio de uma loteria da quinhentas mil Libras Estrelinas, de bilhetes de vinte Libras cada um, divididos em fracções, os quaes estou persuadido se venderiam muito bem em menos de seis mezes nas Praças de Inglaterra, França, Belgica, Hollanda e Allemanha: estas quinhentas mil Libras Esterlinas seriam todas empregadas em comprar, pelo preço corrente do dia na Praça de Londres, as apolices da nossa divida deferida estrangeira, com todos os juros Vencidos incluidos no custo. Pelas quinhentas mil Libras Esterlinas crear-se-iam dous mil contos d'apolices de divida interna, com o juro annual de tres por cento, pago pela Junta do Credito Publico, os quaes formariam os premios da loteria em questão. Desta maneira, com um onus annual de 60 contos, juro das taes apolices por dous mil contos, levantaríamos nós, em Londres, uma somma de quinhentas mil Libras Esterlinas, por exemplo, com a qual poderiamos alli amortizar provavelmente cem mil Libras de apolices de 5 por cento, ou cento e cincoenta mil das de 3 por cento da nossa divida estrangeira, com todos os seus juros vencidos comprehendidos. Uma operação tal, havia de forçosamente fazer subir muito os fundos pela amortização de tão consideravel porção de apolices; subida que satisfaria completamente os possuidores das nossas apolices estrangeiras, porque sem uma subida muito maior, em razão da amortização completa dos bonds, do que a que resultaria do pagamento, e esse precario, do meio dividendo sómente. Cumprindo esta amortização fielmente, applicando todo o producto da venda dos bilhetes religiosamente á compra da nossa divida estrangeira, estou certo que ninguem nos accusaria de má fé.

Devo aqui referir a outra circumstancia que altamente reclama nina reforma, e vem a ser, que as apolices da nossa divida interna em logar de serem apresentadas para serem carimbadas quando recebem os juros deviam ler Coupons annexos correspondentes a cada apolice, assim como é pratica com as apolices Hollandezas, Belgas, Francezas, Russianas, Austriacas e de todas as mais Nações, inclusivamente as nossas mesmas apolices da divida estrangeira. A pratica actual da Junta do Credito Publico, insistindo na apresentação da identica apolice para o pagamento do juro, em logar do Coupon do semestre vencido, que é o que deveria ser, indispõe os capitalistas estrangeiros, e as Praças estrangeiras a negociarem e empregarem seus fundos, em apolices da nossa divida interna, o que faz com que se comprima neste mercado, muito além da sua capacidade, uma immensidade de papeis com juro que, adoptando o Governo o methodo que recommendo, podiam circular livremente por todas as Praças do Continente, e a superabundancia de capitaes que nellas gira faria com que essas apolices, que em razão da nossa mingoa de capitaes, ou demasia de taes papeis, ou alto preço do dinheiro, estão hoje a 44 ou 45, as de quatro por cento, e a 53 as de cinco por cento (preços desgraçados na verdade) iriam talvez umas acima de 60, e as outras de 7.5; pois que se a Junta do Credito Publico não pagar os semestres dos juros exactamente em dia todos sobem e seria publico em todas as Praças estrangeiras que tem aquella dotação certa, ampla, e inviolavel para aquelle fim, e haviam de adquerir progressivamente confiança na segurança da nossa divida interna, e d'ahi resultaria o augmento do nosso Credito Nacional, e a facilidade de entabolar outras operações com vantagem para a remissão do resto dessa divida estrangeira que é um cancro que nos consome, da fórma em que existe, e que é indispensavel corrigir ou modificar, como tenho proposto, ou ella ha de ser a nossa deshonra e nodoa eterna, e talvez ruina. Se o Governo adoptasse pois isto, e transferencias, n'um grande livro, de qualquer somma de divida publica d'um nome para outro nome; o preço e credito das nossas apolices e fundos haviam de subir muito, alliviando assim a nossa Praça, para as estrangeiras d'uma consideravel porção dellas. Nós temos muitos meios e recursos de alliviar as nossas difficuldades financeiras, mas em quanto o Ministro da Fazenda em Portugal estiver é mercê do nosso mizeravel systema actual de Fazenda, sem vigor, exactidão, effectividade, ou credito algum; em quanto estiver á espera que das Alfandegas lhe entrem esses 10 contos de réis diarios, que com a mesada de 100 contos do Contracto do Tabaco formam a unica receita com que elle póde regularmente contar, pois que quanto á decima está á mercê dos Contadores, Recebedores, Juntas de Lançamento, e das Leis competentes, que todos os annos tem de esperar que se renovem; sem outros recursos intermediarios, em quanto senão cobram os impostos directos como os Excheques Bills em Inglaterra e os Bons Royaux em França; n'um apuro tal, contínuo e preplexo, sempre por falta de meios, admira como esse Ministro não indoudece. — Em taes extermidades me vi eu quando Ministro da Fazenda, e quiz introduzir nos Bilhetes do Thesouro, dos quaes emitti como ensaio 500 contos, um meio auxiliar de obter fundos, mas a época então era a mais contraria possivel para taes operações, posto que, assim mesmo aquella primeira tentativa não fosse de todo mal succedida. — Em quanto pois o Thesouro não tiver um meio supplementar para poder realisar fundos em quanto senão cobram os impostos directos, muitas despezas urgentissimas ficarão sempre por satisfazer. A tal estado, tão imperfeito, tão incompleto de finanças é necessario quanto antes prover de remedio, para que o credor publico, o Militar, o Empregado conheçam que estão a cuberto de todas as possibilidades de se lhes faltar com o pagamento no dia do seu vencimento.

Em quanto ao papel-moeda, direi que realmente é um monumento da immoralidade dos Governos passados o não se ter desde muito amortizado, pois se ha uma divida sagrada que deva satisfazer-se é certamente essa; por isso o Governo deve rasgata-lo quanto antes. Eu quando Ministro da Fazenda apresentei um Projecto de Lei ao Congresso Constituinte para a consolidação de todo o papel-moeda restante, que mal chegaria a dous mil contos, em apolices de 6 por cento, por ser esse o juro original que a Lei lhe attribuio, e que pelo estado do nosso credito naquella época, e mesmo ainda hoje, apenas valeriam taes apolices 60 por cento. Mas entre tanto dava o Governo um exemplo e prova de principios de boa fé, que não havia de ser perdido, e satisfazia um dever sagrado de politica e sã moral, fazendo desapparecer por uma vez da vista publica esse resto de papel, que nos atromenta como um spectro sem sepultura, apparecendo por todos os lados para vergonha nossa, como apresentando sempre um monumento da immoralidade publica, que para credito de uma Nação justa e civilizada se deve quanto antes remover.

Sr. Presidente, vejamos o que fez o Governo Inglez quando ha sete annos abulia a escravatura em todos os seus Dominios; poderia dizer, por exemplo, que d'um certo anno em diante, todo o escravo que nascesse seria livre, e assim, ou de qualquer outro modo indirecto vir a emancipar sem custo d'um Shilling toda a raça escrava quo andava por oitocentas mil almas; porém o Governo viu que isso era injusto para os donos, e cruel para a população escrava, em fim que traria comsigo o ferrete da immoralidade; quiz muito antes por tanto crear uma divida de vinte milhões estrelinos, como creou, e pagar logo o valor dos escravos a cada um, do que commetter acto violento e de injustiça que desacreditaria o ente moral Governo Inglez nos olhos da sua propria Nação, como nos olhos de todo o mundo civilizado. Sr. Presidente, até fez mais, levou o seu timbre de honra além disso; não quiz pagarem apolices, como podia ter feito pelo preço do dia a cada um, que gostozamente as teriam recebido; quiz pagar em ouro, e pagou a todos nesta especie. Eu fui testemunha disto, porque estando casualmente nesse dia jantando em casa de um amigo meu, que tinha oitocentos e quarenta escravos, elle me disse ter naquelle dia recebido em moeda sonante, o producto delles.

Concluo por tanto declarando, que é para que trago este episodio, que outro tanto deveria ter feito o Governo Portuguez quando se resolveu a extinguir o papel-moeda em 1834, retirando-lhe o seu valor de meio circulante, e o que em justiça não podia ter feito sem desde logo prover á sua completa amortização, e não com medidas incompletas e insufficientes que, frustando a medida como vemos, tem sido fru-