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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

25.º Sessão, em 3 de Agosto de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.° Secretario.)

FOI aberta a Sessão á uma hora e meia da tarde, verificando-se a presença de 47 Srs. Senadores.

Leu-se e approvou-se a Acta da precedente Sessão.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.° Um Officio do Sr. L. J. Ribeiro, expondo que por motivo de molestia não compareceu no Sabbado ultimo, nem póde comparecer mais alguns dias. — A Camara ficou inteirada.

2.° Um dito, pelo Ministerio da Guerra, em resposta a outro desta Camara, participando ficarem expedidas as convenientes Ordens ao Sub-Inspector do Arsenal do Exercito, para mandar entregar na Societária uma caixa de padrões dos Pesos e Medidas. — Inteirada.

Mandaram-se reservar, para serem opportunamente tomadas em consideração, tres representações da Camara Municipal, Junta de Parochia, e varios Cidadãos de Rezende, pedindo se approve o Projecto de Lei sobre a responsabilidade, dos Ministros.

Á Commissão de Administração foi remettida uma representação da Junta de Parochia das Freguezias da Villa de Monsaraz contra outras de diversos habitantes das mesmas Freguezias que pediam ficar unidos ao Concelho de Reguengos.

O Sr. Vellez Caldeira: — Sr. Presidente, ainda que eu não approvo o modo como se tem vendido os bens das extinctas Ordens Religiosas, não podia oppôr-me agora á venda delles, mas opponho-me a que com estes bens se vendam os insignificantes terrenos juntos ás Ermidas de devoção publica. (Apoiados.), Digo isto, Sr. Presidente, para accrescentar que esta á venda o terreno que formava a pequena cerca junto á Ermida de S. Mamede na Serra de Portalegre (Santo muito da devoção daquelles povos); dessa venda resultará que os habitantes ficarão privados de se reunirem naquella Ermida nas occasiões das festas della, porque o dono do terreno póde depois obstar-lhes a passagem por alli: — e note-se, que a quantia que o referido terreno poderá produzir em praça serão duzentos mil réis ao muito; e aqui mesmo estão alguns Srs. Senadores que podem confirmar o que eu acabo de dizer. — Faço por tanto um requerimento para que o Governo fazendo avaliar o terreno e mandando proceder ás mais informações que julgar necessarias, suspenda a venda delle, uma vez que se conheça a sua insignificancia; é o seguinte:

«Proponho que se recommende ao Governo, que obtendo as necessarias informações, e verificando por ellas que a Ermida de S. Mamede, no Districto Administrativo de Portalegre, é uma Ermida de devoção geral daquelles Povos, mande suspender a venda do insignificante terreno junto á mesma Ermida.»

Accrescento agora, que este negocio é pela sua natureza urgente, e senão se approvar já o requerimento, não terá depois remedio.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, eu estou certo que não é esta a occasião de haver uma discussão sobre este objecto; levantei-me simplesmente para assegurar á Camara que o Governo hade de certo attender a esta recommendação; mas ainda que seja esta a minha intenção, não posso di-

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zer que seja a dos meus collegas. Como a recommendação da Camara, é sem duvida uma circumstancia de grande peso (posto que independente della a minha opinião seja favoravel), e é por isso muito conveniente que vá ao Governo para melhor segurança do seu procedimento.

O Sr. Leitão: — Como o Sr. Presidente do Conselho não se oppõe a que a Camara delibere sobre o Requerimento do Sr. Vellez Caldeira, parece-me que se poderia dispensar a segunda leitura em outra Sessão, e approvar-se desde já.

O Sr. Presidente: — Eu tenho muita repugnancia em pôr a votos uma recommendação ao Governo sobre assumpto administrativo, sem que haja primeiro discussão, por ser materia muito delicada; é debaixo deste ponto de vista que eu peço á Camara que este objecto seja tractado com toda a madureza, especialmente não estando presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, eu sou habitante daquella Provincia, e sei que são exactissimas todas as circumstancias que refere o meu illustre collega, e por isso quando disse que decerto a opinião do Governo ha de aproximar-se muito á de S. Ex.ª foi na intenção de que não obstante isso, o Governo ha de primeiro tractar de haver todos os esclarecimentos que se julguem indispensaveis, e não haverá inconveniente de sobre-estar na venda emquanto não chegarem os dados exactos que deverão dirigir o procedimento do Governo a este respeito. Como a materia é muito grave, não deixa de ser conveniente uma deliberação da Camara sobre isso, para que o Governo assente a sua decisão no voto de uma Corporação tão respeitavel qual é a deste Senado. Em quanto ás reflexões de V. Ex.ª nada mais tenho a accrescentar, porque ellas na verdade são muito judiciosas.

O Sr. Trigueiros: — Eu estou persuadido, que não seria prejudicial á Fazenda que este pequeno terreno se cedesse para regalia dessa Ermida; mas não posso convir que este seja o modo legal de o fazer, posto que eu voto a favor quando o negocio venha á Camara como deve vir; e para isto convido o Sr. Vellez Caldeira a apresentar um Projecto de Lei afim de se conceder este terreno, á maneira do que se tem feito com outros; porque me parece que o Governo não ficará n o seu direito quando o Senado lhe fizer uma recommendação desta ordem. Este terreno está incorporado nos proprios Nacionaes; logo o Governo não póde sustar na arrematação, isso seria um processo illegal: então eu votarei por todas as razões, pela insignificancia do terreno, pelas razões de conveniencia publica, em favor do Requerimento quando o Nobre Senador auctor delle apresente um Projecto em fórma para se fazer esta doação.

O Sr. Vellez Caldeira: — Sr. Presidente, eu principiaria por um ditado portuguez; mas não é proprio que eu principie por elle. — O que faria eu com um Projecto como se indica? Tinha que se discutir aqui, havia de ir á outra Camara, e depois á Sancção Real; e no entanto estava já vendido o terreno, — A Ermida de S. Mamede é propriedade nacional, e manda-se vender aquelle terreno. O que diz o meu Requerimento! Que o Governo mande informar a este respeito, e depois que suspenda a venda. Não ha outro meio no estado em que está o negocio, senão recommendar ao Governo que suspenda a venda, se é exacto o que eu digo, e senão, não. — Esta foi a razão por que eu pedi a urgencia, porque não indo a providencia a tempo está o terreno vendido.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — O que diz o Sr. Vellez Caldeira, é o que se tem praticado sempre; muitos precedentes tem havido disto no Parlamento, e o Governo sempre tem a deferencia de não vender sem pedir informações; por tanto não ha inconveniente em seguir a praxe. Além disto, depois do que disse o Sr. Ministro parecia-me que não haveria difficuldade, em acabar com esta questão, votando o Requerimento,

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, não acho inconveniente em que se dirija o requerimento ao Governo, com tanto que se não indique ao Governo o que elle deve fazer, ou o que esta Camara entende que elle deve fazer. As nossas relações com o Governo são officiaes, e não officiosas ou amigaveis; e por isso me parece que o requerimento se deve remetter ao Governo para lhe deferir como julgar conveniente, etc. Porque para isso tem authoridade, e caso carecesse de alguma previdencia legislativa a póde pedir ao Corpo Legislativo. Nestes termos approvo que este requerimento seja remettido ao Governo.

O Sr. Vellez Caldeira: — A Camara não tem representações algumas, nem eu as recebi a este respeito: tenho conhecimento deste facto por uma informação particular: além disto sei que aquelles Povos estão escandalisados com esta, bem como o tem sido com iguaes vendas. Informo disto a Camara para ella dar conhecimento ao Governo, e para este proceder como entender. As recommendações não obrigam o Governo: tenho feito o meu dever; e lavo daqui as minhas mãos: se não quizerem não se dê seguimento a este negocio.

O Sr. Presidente: — Peço licença para dizer duas palavras sobre a ordem. Não creio que haja uma só pessoa nesta Camara que seja, a este respeito, de opinião contraria á do Sr. Vellez Caldeira (Apoiados): elle disse que lavava as suas mãos por ter feito o seu dever, e eu digo que lavo tambem as minhas por ter feito os meus. Como Senador, o como Presidente tenho obrigação de procurar que a Camara não sáia das suas attribuições, como aconteceria se ella se ingerisse em materias governativas: o Senado não é um Conselho d'Estado, não é um ramo do Poder Executivo para que delibere sobre objectos que pertencem ao Governo. Se se tem em vista o objecto essencial, que é chamar a attenção do Governo acerca daquillo que expôz o Sr. Vellez Caldeira, esse está conseguido, porque o Sr. Ministro Presidente disse que estava inteirado; e accrescentou que achava bom se mandasse esta recommendação ao Governo. Nisto peço licença para me separar da opinião de S. Ex.ª posto que a Camara assim o poderá resolver julgando-o conveniente. Se o Sr. Ministro tivesse dito simplesmente que ficava inteirado deste desejo manifestado ao Senado, e que tomaria as providencias necessarias, neste caso estava tudo feito sem que se precisasse remetter ao Governo uma especie de insinuação da parte da Camara sobre um objecto inteiramente governativo. Em fim, se se fizesse o que propôz o Sr. Miranda, acho que este procedimento seria muito mais curial: entretanto a Camara decidirá como quizer.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — É uma injustiça, reduzir o Senado a uma Junta de Parochia; entre uma e outra cousa vai um espaço immenso. — Se um Senador não tem o direito de pedir ao Governo que se informe antes de proceder, se não póde recommendar ao Governo que não venda um bocado de terra sem prévia informação, não sei o que póde. Daqui a ingerir-se nas funcções governativas, vai tambem um espaço immenso. Se o Senado não póde fazer o que pede o Sr. Caldeira, então de que serve o Senado? Esta é a praxe; e nomeie-se uma Commissão para examinar o Diario do Governo, e verão quantos exemplos similhantes se encontram. Então para que se ha de recusar hoje o que se fez sempre?

O Sr. Vellez Caldeira: — Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer que quando eu disse que lavava as minhas mãos não me dirigia a V. Ex.ª V. Ex.ª não póde deixar de fazer o que manda o Regimento, Quando um Membro faz o seu requerimento, a Camara póde approva-lo ou rejeita-lo; propo-lo nem é favor, nem ataca o Regimento.

O Sr. Presidente: — Sobre isso não ha questão, e ha de ser proposto.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, sinto que talvez de algum modo eu tenha sido a causa desta discussão, ou por me não explicar bem, ou por não ter sido bem entendido. Declarei que tinha um conhecimento espelhai do objecto como o nobre Senador que fez a Proposta, porque sou habitante daquella Provincia, e então acho que este assumpto merece toda a consideração: entendi tambem que os meus collegas provavelmente seriam da mesma opinião, e neste caso elles tomariam uma deliberação no sentido que S. Ex.ª propunha. Accrescentei porém que sendo a materia grave (talvez fosse nisto que eu me não explicasse com muita exactidão); o Governo havia de procurar os necessarios esclarecimentos, para poder obrar segundo entendesse ser mais justo e curial. A muita deferencia que esta Camara, e cada um de seus Membros em particular, merece ao Governo, fará com que ella não deixo tambem de conhecer a conveniencia de tomar uma deliberação a este respeito; e, sem entrar na theoria a que V. Ex.ª alludia, parece-me que essa recommendação não podia deixar de ser facultativa, e nunca imperativa: foi o que entendi em geral, e não reparei nas palavras especiaes em que ella era concebida. Parece-me necessario esta declaração, para que senão julgue que ha desharmonia entre a minha doutrina, e aquella que V. Ex.ª defende, á qual não posso deixar de subscrever inteiramente.

(Entrou o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.)

O Sr. Leitão: — V. Ex.ª disse que a questão era sobre a ordem; pois bem, a ordem é que quando se apresenta qualquer requerimento, dispensada a segunda leitura, deve entrar em discussão, e então é que se allegam todas as razões pró e contra; mas o que eu tenho visto, é que apezar de V. Ex.ª dizer que a questão era sobre a ordem tem-se produzido muitas razões a favor e contra o requerimento; e então parece-me que deverei lembrar que a ordem consiste em se pôr em discussão o requerimento do Sr. Caldeira, e depois votar-se sobre elle; e se no debate se apresentar alguma emenda, deve entrar tambem em discussão, para depois se votar.

O Sr. Presidente: — O nobre Senador sabe quanto é difficil traçar os limites entre as discussões sobre a ordem e as discussões sobre a materia, porque se não póde ter mão em que os oradores que pedem a palavra para fallar de um modo venham depois a aproveita-la para discorrer de outro: entretanto, discussão sobre a materia não a tem havido, porque todos estão de accôrdo nesta parte; mas como se pedio á Presidencia que a questão se pozesse a votos immediatamente, foi por este motivo que eu tomei a liberdade de fazer aquella observação.

O Sr. Miranda: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, porque sobre a materia não tem havido questão nem a ha; e então seja-me permittido fazer uma observação. — Não é só aquella Ermida que está nas circumstancias a que se tom aludido, e que no requerimento vem declaradas, muitas outras ha que estão no mesmo caso, e merecem a attenção do Governo; porque o contrario seria fazer uma violencia aos Povos despresando ou atacando de frente as suas antigas crenças, usos, e costumes. (Apoiado.) O Governo que entende quanto é necessario respeitar a opinião dos Povos, e até os seus mesmos prejuisos, não póde deixar de tomar em consideração não só este requerimento, mas quantos se apresentarem da mesma natureza. — Todos concordam na materia e em quanto ao modo da remessa eu proponho esta emenda = Que o requerimento seja remettido ao Governo para seu conhecimento. = Não é preciso mais nada, assim o requerimento vai em fórma curial. Um meu collega disse que não sabia o que esta Camara havia de fazer se não dava solução a este requerimento, e a outros de igual natureza, remettendo-os ao Governo; mas esta observação, em fórma de argumento não tem força alguma; porque esta Camara tem muito que fazer, cuidando nas providencias legislativas que a ordem, e as necessidades publicas reclamam, juntamente, e em concorrencia com a outra Camara. Em consequencia parece-me que se deve remetter o requerimento ao Governo, sem recommendação alguma, aliás desnecessaria, por estarem presentes os Srs. Ministros.

O Sr. Serpa Machado: — Não fallarei na ordem, visto que se falla na materia: a materia parece insignificante, mas é grave, e para ser grave basta ler-se de marcar os limites entre dous Poderes do Estado. Sr. Presidente, a razão porque alguns illustres Senadores têem combatido este proceder, não é por duvidarem da verdade do Sr. Vellez Caldeira; porém o modo como S. Ex.ª quer que se faça a recommendação ao Governo, está fóra das nossas attribuições, e a Camara não póde convir de modo nenhum em que se faça uma invasão nas do Poder Executivo, ao que deve poupar-se, e muito mais por se conseguir o mesmo fim pela emenda do illustre Senador o Sr. Miranda, e nisto creio eu que todos nós devemos concordar; pela minha parte desde já o declaro. — Sr. Presidente, esta Camara não deve fazer uma recommendação tão formal, porque á contraria á Constituição, nem se deve seguir por mais tempo qualquer, pratica que em sentido contrario a isto possa haver; e se o negocio é de tal natureza que precise de medidas legislativas, tomem-se essas medidas: porém uma das Camaras não deve impôr preceitos por si só ao Governo sobre materias da competencia deste, nem fazer-lhe recommendações, que sendo attendidas limitam o poder do Governo, e sendo

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desprezadas denunciam a fraqueza da Camara, e a sua impotencia. Resumindo, digo que me opponho ao requerimento do Sr. Senador Vellez Caldeira, da maneira como se acha concebido, approvando comtudo que se empregue qualquer outro meio para se conseguir o desejado fim. — Este objecto, Sr. Presidente, não é tão pequeno como parece á primeira vista, pelo contrario é de grande consequencia; e por isso, e para lembrar á Camara que o tenha como tal, é que eu pedi a palavra.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, quando eu entrei, já a discussão tinha principiado; informei-me do objecto della, e parece-me conveniente declarar ao Senado, que o Governo em taes e similhantes pertenções tem sempre provido conforme os desejos dos Povos, ainda mesmo quando lhe não constam directamente por via de reclamações dos mesmos Povos, mas sim por informações das respectivas authoridades. Ainda não ha muito tempo que no Districto de Coimbra, e tambem em outros Districtos do Norte occorreram estes mesmos casos, isto é, relativamente a alguma parte de terrenos que serviam de arraiaes; e á sombra de cujas arvores os Povos descançavam em suas romarias; terrenos que de algum modo consideram uma especie de propriedade de que se acham na posse. Ha certas capellas, aonde os moradores visinhos, e até distantes, concorrem, levados da devoção por imagens de santos que reputam amigos velhos, que já o foram de seus pais e avós, a favor de quem obraram prodigios. O Governo sempre ha concedido o uso dos terrenos contiguos a estas capellas para logar de repouso e licito folguedo dos romeiros; porque todos nós sabemos que nestas festas ha certa mistura do sagrado com o profano, assim como que é mui justo dar ao povo tão cançado de trabalhos alguns meios de contentamento e goso innocente.

São a maior parte das romarias no verão e principios do outono, tempo de calma e em que a sombra dos arvoredos consola e dá saude. Seria uma grande crueza tirar aos povos a fruicção desses pedaços de terra, desses devotos bosques em que repousaram seus passados e esperam que repousem seus filhos. Continue o povo em suas alegres devoções que isso não faz mal — mal faz que o povo as despreze e discorra philosophicamente contra ellas. Já vê pois o nobre Senador que nada tem que recear pelas quasi sagradas immunidades do campo dos devotos. Prasa a Deos que o seu numero não diminua, e nisto estamos de accôrdo. O Governo mandará sobreestar na venda da porção de terra junto a essa Ermida visinha de Portalegre. A acquisição della pelo Governo daria quebranto aos povos que é nossa obrigação, quanto seja possivel, ter contentes e satisfeitos. Nem os compradores ganhariam muito com tal compra, a meu entender, porque a devoção ás Vezes é impaciente e turbulenta. Facilmente se podem crer taes acquisições offensivas aos santos; e em tal caso os devotos se julgam obrigados a tornar-se defensores dos suppostos direitos de seus patronos, e mal de quem é julgado o inimigo delles! O Governo sempre tem attendido exigencias desta natureza; e eu creio que por parte do Governo me cumpre attender á que vejo ser opinião do Senado, manifestada nesta discussão a fim de prover neste objecto como parecer justo. (Apoiados.)

O Sr. Vellez Caldeira: — Rogo a V. Ex.ª queira mandar ler o meu Requerimento.

(Leu-se.)

O Sr. Vellez Caldeira: — Este Requerimento não involve ordem ao Governo, porque elle fica em plena liberdade para fazer ou deixar de fazer o que no Requerimento se diz; e mais ainda, o Governo fica em estado de não mandar proceder a essas informações, se entender que o não deve fazer; mas eu estou no meu direito em o fazer, apoiado com a Constituição que diz o seguinte: (leu.) Eu assentei que isto era para bem geral dos povos; entendi-o assim, estou no meu direito em fazer o Requerimento, assim como o estão os illustres Senadores que são de opinião contraria, em o rejeitarem se quizerem. — Sr. Presidente, o fim do meu Requerimento está preenchido; porque o Sr. Ministro do Reino acaba de dizer que tomava nota disto, a fim de se informar; é o que eu dezejo, e o Governo depois obrará como entender.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu simplesmente quero ver se posso modificar duas palavras que sahiram do outro lado da Camara; e vem a ser, que o Requerimento do Sr. Vellez Caldeira era uma in vasão do Poder Executivo! Ora, Sr. Presidente, se a materia do Requerimento é uma invasão do Poder Executivo, então todas as Camaras desde 1834, até agora, têem invadido o Poder Executivo, e mais de metade desta fez parte dessas Camaras. (Apoiados.)

Agora, Sr. Presidente, aproveito a occasião de estar presente o Sr. Ministro da Guerra para pedir a S. Ex.ª queira ter a bondade de dizer-me se S. Ex.ª entende, que uma resolução tornada isoladamente pela Camara dos Deputados a respeito de dous Officiaes Generaes, mas sem o concurso deste Senado, obriga o Ministerio? Eu entendo que não; porque a Camara dos Deputados não póde por si sómente interpretar as leis, porque o Parlamento Portuguez compõe-se de duas Camaras. (Apoiados.)

O Sr. Raivoso: — Eu supponho-me em estado de pedir que se ponha termo a esta discussão. O Sr. Velles Caldeira requer uma cousa possivel: o Sr. Presidente do Conselho já disse que o Governo tomaria isto em consideração: o Sr. Ministro do Reino manifestou o interesse que por isto tomava, para satisfazer aos desejos da Camara: — e invista disto, não sei eu que precisão haja de dizer mais nada. (Apoiados.) Por tanto supponho que a discussão está nos termos de fechar-se, e de se votar o Requerimento, e é o que eu peço se faça.

O Sr. Miranda: — Eu retiro a minha emenda.

O Sr. Velles Caldeira: — Eu nunca julguei que o meu pedido trouxesse com sigo uma tão grande discussão; para que ella acabe eu rogo a V. Ex.ª me queira devolver o meu Requerimento a fim de o entregar da minha mão ao Sr. Ministro do Reino, e S. Ex.ª fará depois o que lhe parecer. (Apoiados.)

Annuindo a Camara a que o Sr. Velles Caldeira retirasse o seu Requerimento, foi pelo illustre Senador entregue ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

O Sr. Presidente: — Um dos Membros desta Camara dirigio uma pergunta de bastante importancia ao Ministerio; não sei se se quer tractar agora desse objecto......

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sobre a interpellação que eu ha pouco fiz ao Sr. Ministro da Guerra tenho a dizer, que se S. Ex.ª entender que não deve responder hoje a esse respeito, eu não insto por uma prompta resposta, e ficará para quando S. Ex.ª entender que está habilitado para a dar.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros; — Eu estou prevenido favoravelmente pelo pensar mesmo do nobre Senador, mas para provar mais a S. Ex.ª que ha razão sufficiente para o Governo não ter tomado uma deliberação além daquellas razões que occorrem bastará que eu diga perante esta Camara que essa recommendação ainda não houve tempo para a levar a conselho de Ministros, e que versando sobre infracção, ou interpretação de Lei percisa considerada maduramente, e que apenas chegou no Sabbado de tarde. Por tanto ainda não pude considerar sobre ella.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Bem.

Eu esperava pelo dia de hoje para mandar para a Mesa uma Representação assignada pelo nosso Collega o Sr. Visconde de Beire, e outros muitos accionistas da Companhia dos vinhos do Porto. Estes accionistas tem direito a serem tractados com consideração, porque soffreram enormes perdas. (Apoiados.) Nesta Representação se expõem muitas razões de grande peso, as quaes devem ser tomadas em consideração, aliás deixará de existir aquelle Banco, e ficarão muitas familias reduzidas á miseria; e eu peço á Camara que attenda esta pertenção, e que se não considere de pouca importancia a existencia deste Banco, porque delle está dependente muita gente, e o consumo e exportação dos vinhos de todos os Districtos viticulas do Reino. (Apoiados.) Sr. Presidente, quando em 1835 e 1837, eu e alguns dos meus nobres amigos tractamos desta materia na outra Casa, os illustres Deputados da Extremadura, animados de mui louvavel zêlo pelos interesses dos seus representados, conceberam muito ciume deste Banco; mas não tem razão; porque empatado o Vinho do Douro, tambem os da Estremadura não tem consumo. Este anno apenas se tem exportado d'aqui para o Porto 37 pipas d'agoa-ardente......

(O Sr. Miranda: — Se se discute a materia, então, peço a palavra). Eu não estou discutindo a materia, estou mostrando as razões que tenho para apresentar a Representação, mas o Sr. Miranda ferve em ouvindo fallar na Companhia. — Sr. Presidente, eu tenho direito a mandar esta Representação para a Mesa, o que ninguem me pode negar, assim como ninguem me póde tirar o direito que tambem me assiste de dizer o que me parecer sobre o objecto desta Representação. Sr. Presidente, eu não quero tomar tempo á Camara, o que simplesmente quero é manda-la para a Mesa, e pedir que seja remetida a uma Commissão que a tome em consideração, e dê depois sobre ella o seu Parecer. (Apoiados.)

O Sr. Presidente: — Queira o illustre Senador mandar o requerimento para a Mesa.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Agora tenho a mandar para a Mesa outro requerimento, que é de um Cidadão de Portalegre José Caldeira Vieira de Andrade, que se queixa de ter soffrido alguns padecimentos em consequencia do seu proceder relativamente a eleições.

O Sr. Taveira: — Eu desejava que o negocio relativo aos accionistas da Companhia dos vinhos do Porto fosse declarado urgente: se a Camara exige que eu diga alguma cousa para mostrar que elle é urgente, eu o farei; mas se julga que com aquillo que acaba de dizer o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa se póde votar sobre a urgencia, então nada mais accrescentarei.

Resolveu-se que a representação dos accionistas da Companhia passasse, com urgencia, ás Commissões reunidas de Agricultura e Fazenda. — O requerimento de José Caldeira Vieira de Andrade foi remettido á de Petições.

O Sr. Costa e Amaral: — Sr. Presidente, V. Ex.ª na penultima Sessão indicou aos Srs. Ministros da Corôa algumas das cousas, que conviria se fissessem nas criticas circumstancias, em que actualmente se acha o nosso Estabelecimento de Macáo, do qual eu tenho conhecimento particular por ter alli residido; e por isso espero que V. Ex.ª me permitta addicionar alguma cousa ao que por V. Ex.ª foi já indicado.

Sr. Presidente, Macáu está a immensa distancia de tudo que não é a China: a China é quem lhe fornece todos os artigos necessarios para a existencia; e o Commercio Com a China é a fonte unica das rendas publicas daquella Cidade, e da fortuna particular dos seus Habitantes. Essa fonte vai a ficar estancada por effeito das medidas hostis empregadas pelo Governo Inglez contra a China; por quanto tendo elle, pela ordem em Conselho de 4 de Abril ultimo, mandado apresar todas as embarcações pertencentes a subditos da China, e pertencendo a estes todas as embarcações que fazem o Commercio entre Macáu e Cantão, para apresar as quaes, se continuassem aquelle commercio, bastaria uma pequena Escuna de guerra, é claro que o hão de interromper; e as consequencias necessarias são que a Alfandega de Macáu deixará de render cousa alguma, que não haverá meios de occorrer ás despezas publicas; que os particulares se verão em grandes apuros para se manterem, e que por isso muitos se verão na necessidade de sahir dalli. Parece-me por tanto indispensavel que se adoptem duas medidas, uma, que cabe nas attribuições do Governo, é a de mandar para alli alguma embarcação de Guerra, que haja de proteger a vida e fortuna daquelles nossos concidadãos, nas vicissitudes a que estão expostos; outra, a de remediar por algum modo á falta, que receio do rendimento publico: para este fim eu apresentarei um Projecto de Lei, que é muito pequeno, e por isso se V. Ex.ª e a Camara o permittem eu o leio agora mesmo.... (Vozes: — Leia. Leia.)

O Orador leu então o seguinte Projecto de Lei.

Artigo 1.º Durante a guerra actual de Inglaterra com a China, fica o Senado de Macáu authorisado para contrahir os emprestimos, que sejam indispensaveis para occorrer ás despezas publicas daquelle Estabelecimento.

Art. 2.° Fica revogada a Legislação em contrario. Camara dos Senadores, em 3 de Agosto de 1840. = Francisco José da Costa Amaral.

E proseguiu: — Parece-me que este Projecto não póde ter inconveniente algum, porque limitado como está ao que fôr indispensavel para occorrer ás despezas publicas do Estabelecimento, não deixa logar a que delle se abuse; e cumpre advertir que, se esta authorisação não fôr dada por Lei, lá apparecerá a necessidade superior a todas as Leis, que ha de suppri-la; com a differença de que sem a authorisação poderá não haver quem empreste, é

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de certo não haverá quem o faça, a condições igualmente vantajosas.

Agora Sr. Presidente, peço licença para chatear attenção do Sr. Ministro da Marinha e Ultramar sobre outro objecto, e é sobre o methodo por que são fornecidas as Embarcações do Estado, que accidentalmente tocam em algum ponto das Provincias Ultramarinas, cujo methodo consiste em pedirem nas terras, a que chegam, tudo aquillo de que precisam, e até muitas vezes aquillo de que não precisam. Este methodo é tão oneroso e tão vexatorio para aquellas Provincias, que estando-se alli muitas vezes suspirando por que chegue alguma Embarcação do Estado, na esperança de que leve providencias, de que se precisa, treme-se com tudo á idéa de que essa chegada se realise, pelas enormes despezas, que vai occasionar, e a que, pela maior parte, não ha meios de occorrer, porque de todas essas Provincias raras são as que tem rendimento bastante para occorrer ás suas despezas ordinarias. Macáu, que nos ultimos annos equilibrava, com pouca differença, a receita com a despeza, tem uma divida de cento e tantos mil réis, e as suas rendas, independentemente da guerra da China, vão diminuir consideravelmente pela cessação do commercio do opio: e só uma Corveta, que alli foi em 1838, levando Tropa para aquella Cidade e Empregados para Timôr, fez de despeza á caixa de Macáu, em fabrico, soldos, ordenados, fornecimento etc, 40 e tantas mil patacas, o que não podia deixar de empeiorar consideravelmente as finanças daquelle Estabelecimento. Moçambique tem de despeza annual mais de 200 mil patacas; e a sua renda ordinaria, cessado o trafico da escravatura, apenas chegará a 60 mil patacas: entre tanto todas as Embarcações do Estudo, que vio para a India, alli refrescam á custa da fazenda da Provincia; e eu lá ouvi geralmente que os Commandantes de taes Embarcações nem são mesquinhos em pedir, nem faceis de accommodar, de que resultam dous inconvenientes: 1.º que essas Embarcações vão tornar mais penosas as circumstancias daquellas Provincias; 2.° que vão expostas a não acharem em alguma occasião aquillo de que absolutamente careçam. Lembrava eu por tanto a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha, que a ser possivel, quando taes Embarcações sahissem para o seu destino, fossem providas de creditos, ou por qualquer modo habilitadas para occorrerem ás suas despezas, de maneira que nos pontos, em que tocassem, nada percisassem exigir á custa da Fazenda local.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, eu principiarei por assegurar ao nobre Senador, que por ora não tem havido ainda representação daquelle Estabelecimento, que ponha o Governo n'um susto tão grande como realmente deveria ter-se, attentas as circumstancias em que o mesmo Estabelecimento se acha. Nós tivemos noticias até 15 de Fevereiro, por meio das quaes soube que não estava interrompido o commercio com a China; é certo que ha os declarações a que allude o nobre Senador, e em consequencia dessas circumstancias alguns navios de guerra Inglezes tinham pertendido entrar no Porto de Macáu, e effectivamente entrou um delles; mas o Governador e o Senador de Macáu julgaram que era imprudente a estada alli do mesmo navio, e então usando de todos os meios que lhes pareceram mais proprios e convenientes, conseguiu-se que o navio sahisse dalli. O cofre das despezas de Macáo realmente não tem sobejos, mas por ora a sua renda tem ido chegando; e pelo que respeita ás medidas extraordinarias que S. Ex.ª deseja, o Governo tem já tomado algumas a esse respeito, e uma dellas (creio que com isto ficará satisfeito) foi tractar de apromptar em Gôa uma Corveta que devia sahir de Macáu; porém S. Ex.ª sabe que as monções naquelles mares não são proprias em todas as epochas, e por tanto foi forçoso demora-la mais algum tempo, e mesmo porque esperava que chegaria um navio de Gôa. As ultimas noticias que temos são por Gôa, sabidas antes de hontem, e chegam até 25 de Fevereiro, e as que tinhamos antes eram até 15 (como já disse). O susto tinha naquelle Estabelecimento sido maior anteriormente, hoje está mais socegado, e conservo esperanças de que não chegaremos a um extremo assustador como era de suppôr, e eu mesmo estava nessa supposição que acaba de ser enunciada, hoje porém estou mais socegado. Tem-se tomado todas as providencias que era possivel immediatamente e o Governo não deixara de tomar todas as mais que julgar indispensaveis, a que a lei da necessidade obriga; e ainda que ás vezes não pareça das mais curiaes a respeito dos Estabelecimentos do Ultramar, a Constituição assim o manda; todavia o Governo não lançará mão desse extremo, senão em ultimo caso, Parece-me que deste modo tenho satisfeito ao nobre Senador, pondo-o ao facto destas noticias.

O Sr. Costa e Amaral: - Estou plenamente satisfeito com o que S. Ex.ª acaba de dizer, e particularmente com a noticia de que vai uma Embarcação de guerra estacionar-se em Macáu para dar protecção aos seus habitantes, porque elles são tanto como nós cidadãos Portuguezes, e actualmente os considero entre dous fogos, merecendo por isso especial portecção do Governo e dos Representantes da Nação. E não admire a noticia de não terem forças Inglezas chegado á China no mez de Março; esse era o tempo em que elles deveriam partir para aquelle destino, ao qual só podiriam chegar em Maio ou Junho, de maneira que agora é que provavelmente se estarão realisando as circumstancias, que eu receio: por isso requeiro que o Projecto, que apresentei, seja declarado urgente, a fim de que a medida nelle proposta não chegue tarde e a mas horas.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Farei uma declaração que será mui breve, in as que vem bastante para o caso, segundo entendo. — Por estas mesmas noticias de 25 de Fevereiro consta que ainda não havia partido essa expedição Ingleza que devia ir contra a China, e suppunha-se mesmo que se deveria demorar mais em consequencia da monção não ser a propria daquelles mares.

Esquecia-me responder a uma circumstancia importante. — Os navios de guerra quando sahem não tem sido possivel, ha muito tempo provê-los de sobrecelentes, e reservas, por maneira tal que vio aproveitar alguma cousa do em ha nos differentes Governos: até agora não tinha faltado dinheiro na maior parte delles, e por isso se faziam algumas despezas destas mais necesarias: ultima mente o Governo tem tomado todas as providencias, e feito todas as diligencias que estão ao seu alcance, para evitar que se vão onerar aquelles Estabelecimentos. O acontecimento de que fallou o illustre Senador, foi caso fortuito; um tufão levou o panno e mastros ao navio, e então em circumstancias tão extraordinarias não podia deixar de ser onerado o Estabelecimento com aquella despeza: mas o Governo tem feito todas as recommendações possiveis para o Governo de Gôa, que é superior ao de Macáu, e que tem maior numero de communicações. Tenho dado todas as explicações, e parece-me que o nobre Senador não desejará que eu aqui declare algumas outras cousas, que são de algum melindre nas actuaes circumstancias.

O Sr. Costa e Amaral: — Estou muito satisfeito.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para fazer um reflexão ao nobre Senador que propoz o Projecto, desejando que se averiguasse pela natureza do negocio a iniciativa delle pertencer ao Senado, ou se póde considerar-se exclusivo da outra Camara. Não sei o caminho que tomará a discussão; mas parece-me que se neste Projecto se tractar de hypotheca para pagar o emprestimo, e esta se reduzir a um imposto, creio que é conforme á Constituição que a sua iniciativa lenha logar na outra Camara, e em todo o caso o Projecto não poderá ser discutido nesta Casa com a liberdade, com que o seria, tendo o negocio a iniciativa na Camara dos Deputados. — Offereço isto como orna reflexão á Camara, e muito desejo que o illustre Senado a tome em consideração.

O Sr. Costa e Amaral: — A difficuldade, que acaba de ponderar o Sr. Ministro do Reino, parece-me que não póde obstar á admissão do Projecto, porque elle não tende a estabelecer impostos, e só sobre os dessa natureza é que a Constituição dá a iniciativa á Camara dos Srs. Deputados; e esta Camara, que não quer usurpar attribuições que não lhe pertençam, não deve renunciar ás suas. De resto pouco me importa que o Projecto tenha principio nesta ou na outra Camara; o meu desejo é que elle seja adoptado, porque o julgo indispensavel nas penosas circumstancias em que considero Macáu.

Não se offerecendo outra reflexão, foi o Projecto do Sr. Costa e Amaral lido segunda vez, e remettido com urgencia ás Commições de Marinha e Fazenda reunidas.

Passando-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, (V. Diario N.º 217, a pag. 1171.) o Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi interinamente occupada pelo Sr. Secretario Machado.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu tenho-me demorado a pedir a palavra a vêr se entrava o Sr. Ministro da Fazenda (O Sr. Presidente, do Conselho: - Não tarda.) Não tarda; então bem. Como este paragrapho tem por objecto negocio de Fazenda seria bom adia-lo até que venha o Sr. Ministro da Fazenda, que ha de querer assistir á discussão dós negocios da sua Repartição.

Consultada a Camara, resolveu que o §. 15.º ficasse adiado até ser presente o Sr. Ministro da. Fazenda,

Leu-se o seguinte

§. 16.º A Camara agradece a Vossa Magestade a confiança, que se digna manifestar-lhe, e á qual procurará corresponder contribuindo com o mais decidido empenho para assegurar a prosperidade publica, e a liberdade adquirida á custa de tantos sacrificios, e de tão nobres esforços: na certeza de que estes grandes resultados tão conformes aos beneficos desejos de Vossa Magestade só poderão alcançar-se pela sincera união da Familia Portugueza, mantida firmemente a Constituição do Estado sob a protecção de Leis justas, e conservadoras da ordem, e da paz.

Foi approvado sem discussão.

(Pausa.)

O Sr. Presidente Interino: — Talvez fosse conveniente começar a discussão do paragrapho 15.°, e depois quando á Sr. Ministro da Fazenda estiver presidente, poderia dar as informações que os Srs. Senadores tivessem a requerer. (Apoiados.)

Convindo o Camara neste arbitrio, foi lido o

§, 15.º A Camara dos Senadores, tendo em vista os desejos publicos, e as necessidades do Estado 5 concorrerá pela sua parte para que se effeituem todas as reformas, e reducções tendentes a diminuir a despeza publica, assim como a melhorar a receita, para o que anciosamente espera pela apresentação das Propostas, que Vossa Magestade lhe annuncia, e muito folgará de vêr por este meio habilitado o Governo de Vossa Magestade para satisfazer, não só as despezas publicas indispensaveis, mas tambem e não menos os encargos da divida interna, e da divida Estrangeira, ambas igualmente sagradas.

Teve a palavra

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A unica cousa porque eu desejava a presença do Sr. Ministro da Fazenda, era para lhe pedir algumas explicações ácerca da dívida externa.

Quando tive a honra de occupar um logar naquelles bancos da frente, S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella me dirigio algumas observações a respeito da divida estrangeira, e eu com meus collegas dissemos ao nobre Duque que davamos a nossa palavra, que na Sessão de 30 seria aquelle o primeiro objecto sobre que chamaríamos a attenção das Côrtes. — Na Camara dos Deputados fui tambem interpellado pelo Sr. Silva Carvalho, a quem dei a mesma informação. Senão compri a minha palavra foi porque Sua Magestade Se Dignou escolher outro Conselho. Logo que as Côrtes se encerraram, o Sr. Manoel Antonio de Carvalho, occupou-se de um Projecto para fazer face á divida externa; esses trabalhos estavam promptos, como sabem muitos cavalheiros que me ouvem, quando eu deixei o Ministerio, e teriam sido apresentados se eu tivesse tido a honra de continuar com os meus collegas na Administração até 2 de Janeiro. Deve aos credores Britannicos esta declaração; porque se eu procuro não faltar á minha palavra como particular, menos o faria ainda como homem publico. Agora devo dizer, que não póde haver credores que mais desejem um arranjo rasoavel que os Senhores Thorton, e Goldsmith: havia pouco a dar-lhes; mas elles foram sempre muito comtempladores com o Sr. Manoel Antonio de Carvalho. E como elles são dos principaes credores mostraram sempre muito desejo de não nos apurar.

É quanto tenho a dizer, não queria senão fazer vêr, que senão cumpri o que tinha promettido, os motivos são conhecidos. Accrescentando sómente, que estou ainda disposto a dar todo o meu apoio a qualquer medida tendente a mostrar ã Praça de Londres que nós não queremos faltar á nossa honra, nem desconhecer que os seus fundos nos ajudaram a collocar a RAINHA no Seu Throno. (Apoiados geraes.)

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O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - Sr. Presidente, se o nobre Barão da Ribeira de Sabrosa carecesse de testemunhos em abono do que acaba de dizer ácerca da grande solicitude que lhe mereceu essa divida, imposta mais, ainda sobre o caracter nacional, do que sobre os bens nacionaes, (Entrou o Sr. Ministro da Fazenda.) se assim posso explicar a minha idéa; se elle como digo, precisasse já de algum testemunho, o meu seria o primeiro, porque na occasião em que S. Ex.ª tractou mais determinadamente desse objecto, me fez a honra de convocar-me entre outras pessoas cuja opinião consultou; eu sou reconhecido a esse signal de consideração. — Agora accrescentarei que a Administração actual não tem empregado menos diligencias para bem concluir este negocio; e porque vejo que o Sr. Ministro da Fazenda entrou, só me caberá dizer, que esta Administração procurando conciliar o desempenho da sua obrigação com a possibilidade dos seus meios, julga ter fortes motivos, para accreditar que haverá uma convenção para assegurar o pagamento aos credores a contento e annuencia delles e tão suavemente quanto é possivel para nós. Para terminar assim esta pendencia concorre a boa vontade que ha, em uma parte de pagar, e na outra de ser paga sem grande sacrificio do seu devedor. — Eis aqui tudo quanto posso dizer a este respeito, e deixo ao Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda o dizer, o que mais ha de particular sobre este objecto, que no meu conceito deve ser satisfatorio para o Senado.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu pedi a palavra não para impugnar a materia do paragrapho, que acho boa, mas para chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda sobre alguns factos da Administração a seu cargo, que merecem exame e providencias.

Ha um clamor geral nos credores do Estado por falta dos pagamentos que lhes são dividos, e tambem é certo que ha falta de meios para effectuar esses pagamentos; mas esses meios escaceiam tanto mais quanto é o desleixo, que effectivamente existe na arrecadação da Fazenda; o Discurso da Corôa, no paragrapho a que este responda, promette providencias para se melhorar: mas medidas ha a tomar que não necessitam das promettidas propostas; e então eu vou apontar alguns factos sobre os quaes o Sr. Ministro podera dar providencias.

Ha em Lisboa Recebedores de Julgado para arrecadar as decimas, mas estes Recebedores creio que são logares imaginarios, que só apparecem no tempo marcado para a cobrança, e logo desapparecem, de que resultam graves males á Fazenda Publica; vou prova-lo com factos. — Um meu amigo tem uma propriedade em Lisboa, e incumbiu-me de fazer pagar as decimas, que devesse essa propriedade: mandei indagar quem era o Recebedor da respectiva Freguezia, e ninguem soube dizer quem era, Bem aonde morava; então esperei que se annunciasse a abertura do cofre; e por essa occasião perguntou-se ao Recebedor se recebia as decimas da referida propriedade pelos semestres passados? Respondeu-me que não tinha taes Roes, nem Ordem para as receber, e sómente recebia as tocantes ao semestre para que abrira o cofre. Instou-se segunda vez effectuar-se o pagamento; e respondeu que não tinha em seu poder papeis nenhuns a tal respeito, e o mais que podia dizer era, que esses conhecimentos tinham sido relaxados ao Poder Judiciario, e que se entendessem com o Solicitador da Fazenda; mas procurando-se este, disse que não tinha em seu poder taes conhecimentos: e o resultado de tudo isto qual é, Sr. Presidente? O estarem as decimas por pagar — e a Fazenda privada do seu producto. (Apoiados.) Ora, exemplos similhantes a estes ha muitos outros. (Apoiados geraes.) Eis aqui pois um dos muitos motivos donde procede, que o Thesouro não possa pagar o que deve; e é por isso que eu rogo a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, que indague, se esses Recebedores de Freguezia são entes imaginarios, ou como os meteoros que apparecem e desapparecem: porque eu entendo que taes homens devem estar sempre com a sua porta aberta, para receberem os impostos áquelles que querem satisfazer as quotas, que lhes foram lançadas. A pratica actual é, pôr um Edital á porta da Igreja, a algumas vezes no Diario do Governo, que se abre o cofre por vinte dias; mas se um dia depois fôr alli qualquer pessoa para pagar, já não acha o Recebedor para receber. Ora, se o conhecimento fosse logo relaxado ao Poder Judiciario, o resultado seria favoravel á Fazenda; mas não acontece assim; a Fazenda não tam esse proveito, e o devedor fica sujeito ao capricho do Recebedor para ser, quando este quizer, intimado para pagar o capital com excessivas custas! (Repetidos apoiados.) Isto ninguem dirá que não é uma perfeita violencia feita aos contribuintes, sem utilidade para a Fazenda. A pratica de se assignarem os vinte dias; para o pagamento das decimas por meio do Edital nas portas das igrejas, e por aviso no Diario, é pessima: ha muita gente que de tal annuncio não tem noticia, porque não lê o Diario, nem costuma ir lêr o que se affixa nas portas da Igreja; outra porque ainda que quizesse não sabe lêr; outra porque são Senhoras despidas de relações, por meio das quaes podessem ter tal noticia; outra finalmente são viuvas, ou donzellas recolhidas, que nada sabem do que se publica nas Diarios, nem do que se affixa pelas esquinas: — e daqui resulta que todas essas pessoas são violentadas a pagar excessivas custas, porque não acudiram a pagar nos vinte dias de que não tiveram nem podiam ter noticia! (Apoiados geraes.) Para obstar pois á continuação de taes vexames, lembro um methodo que se reduz ao seguinte: — O encher o Recebedor todos os conhecimentos, sem os assignar, e manda-los a casa de cada um dos collectados, para avista delles irem pagar dentro do prazo, que se marcar no mesmo conhecimento quando forem pagar levam esse conhecimento, que antecedentemente receberam, pagam, e é então assignado nesse acto pelo Recebedor, e esta assignatura servirá de recibo: por esta fórma, que tenho por muito simples, creio eu, Sr. Presidente, que se evitarão muitissimas injustiças, que actualmente se estão fazendo, e que mais aggravam o mal, que os contribuintes já soffrem. (Apoiados.) Nós devemos empregar todos os meios possiveis, para diminuir ao povo o gravame, que sobre elle pésa, e como entendo, que este principio de justiça é conhecido de todos os illustres Senadores, nada mais direi a tal respeito.

Accrescentarei agora, Sr. Presidente, que é actualmente permittido por Lei, o fazer-se encontro nas decimas, quando o collectado é originario credor por titulos, que se denominam de = Divida Publica = nada parece mais simples, do que o credor chegar ao Recebedor da decima com o seu credito na mão, e dizer-lhe = eu sou o originario credor como provo por este Titulo, e venho para que se me faça o encontro na conformidade da Lei, no que devo de decima por taes propriedades = e o Recebedor fazer o encontro na presença do Titulo. Porém não é este o methodo que se manda observar: é preciso para isso requerer ao Thesouro, e depois de uma longa operação de informações, e respostas inuteis; porque tudo se reduz a saber, se o colectado é o originario credor, o que consta do Titulo que apresenta, apparece a decisão; mas acontece, que este demorado processo não se acaba dentro dos vinte dias, porque se abriu o cofre para se effectuar o pagamento, gasta mezes, e quando o credor obtem a decisão do seu negocio, e se apresenta com ella, (ainda que seja um dia depois dos vinte), já o Recebedor não existe, nem o cofre, e o credor fica sujeito sem culpa sua, a soffrer uma penhora do Poder Judiciario, e tem depois que pagar avultadas custas!!! O que eu acabo de dizer corrobora-se com um exemplo, que eu vou apontar, e vem a ser; que sei haver muitos credores, que requereram ao Sr. Ministro da Fazenda similhantes encontros, ha mais de tres mezes, e até hoje não obtiveram ainda solução sobre o seu pertendido encontro: ha porém uma cousa favoravel aos pertendentes, e vem a ser, que as suas dividas não foram ainda relaxadas ao Poder Judiciario: mas se o tivessem sido já, não estavam elles obrigados a pagar o principal, e avultadas custas? Certamente: e tambem é igualmente certo, que isto é a maior das injustiças. — Chamo pois á memoria do Sr. Ministro da Fazenda este objecto, para que o tenha em toda a consideração, e prouva de remedio.

Agora, Sr. Presidente, farei outra observação, e vem a ser: quando se entrega dinheiro a um particular como depositario delle, e este depositario dispõe do dinheiro a seu arbitrio, e delle não dá conta, commette um crime, que pelas nossas Leis é gravemente punido; e a esse infiel depositario dá-se um nome muito máu: mas quando o Governo faz o mesmo eu não me atrevo a dar-lhe o nome.... O certo porém é, Sr. Presidente, que algumas heranças de pessoas que falesceram no Ultramar, devendo pela Lei entrar no Deposito Publico, entraram (não sei porque) no Thesouro, e este dispoz dellas: vieram depois os herdeiros requerer que se

lhes entregassem, obrigaram-nos a fazer justificações dispendiosas, mas depois de tudo isto não se lhes restituíram essas heranças que são suas! Porém eu noto que nem no Relatorio dos Srs. Ministros, nem nas suas propostas, se lê uma só idéa que tenda a pedir meios para pagar essas heranças: o que eu esperava vêr em attenção a ser uma divida sagrada, ou antes uma restituição; porque não é nada menos do que entregar a seu domno o que é seu, a sua propriedade, na qual por motivo nenhum se devia pôr mão. — É por estes fortes motivos, que eu peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, que empregue todos os meios para que taes dinheiros sejam sem demora restituidos, e se entreguem a quem de justiça o devam ser. (Apoiados.)

Ainda chamarei a attenção de S. Ex.ª sobre outro ponto. — É conhecida de S. Ex.ª certa operação que se fez para extinguir o papel-moeda, de cuja operação senão tirou o proveito desejado, e della só resoltou o ficarem na mão dos particulares mais de dois mil contos de réis, os quaes vieram a estas mãos em troco de moeda corrente nas suas transacções. Ora, lendo eu o Relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, não encontro nelle uma só palavra, sobre meios de indemnisar os particulares desta inorme quantia, que está em seu poder, quasi sem valor nenhum; por quanto, ainda que na folha commercial vem com o valor de 40 por cento, nem esse mesmo tem; porque, se apparecessem no mercado tres ou quatro contos de réis para vender, não se achará quem os tome: cem, ou duzentos mil réis, haverá quem os tome, porém maior quantia de certo não. Digo pois, que dous mil contos de réis na mão dos particulares devem ser retirados, e o Governo deve empregar para isso medidas muito promptas. (Apoiados.) Este dinheiro foi para um emprestimo nacional, que tem hipothecas nacionaes, e que ainda hoje existem, e a Junta do Credito Publico está com elle pagando outras obrigações. Este emprestimo é de uma natureza muito mais sagrada do que qualquer outro; porque além de ser um emprestimo como qualquer outro, ás suas Apolices deu-se curso forçado, como moeda legal; e na minha umilde opinião entendo, que ainda que se extinguisse o dinheiro de papel, como moeda não se lhe podia tirar a naturesa d'Apolices de um emprestimo, para se pagarem os seus juros pelos rendimentos que lhe estavam consignados. (Apoiados.) Mas agora não se tracta disto; o que eu quiz sómente foi chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda, para que preponha meios de se resgatar, quanto antes essa, enorme somma de papel moeda, que está na mão dos particulares como é de Justiça? é verdade que S. Ex.ª me podera responder que as actuaes circumstancias em que está a Fazenda Publica, o não permittem: mas eu direi que permittem, e permittem ainda muito mais, Sr. Presidente, o caso está em cortar muitas despezas superfluas e desnecessarias, que se fazem e de grande inutilidade. (Apoiados geraes.)

Aqui ficarei, Sr. Presidente, e nada mais digo por agora, porque outra melhor occasião espero ter para o fazer.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, principiarei por responder ao illustre Senador que acaba de fallar, dizendo que não cabem ao Governo as censuras que lhe dirigiu, nem tem a culpa que suppõe nas irregularidades que apontou. Diz o illustre Senador que os cofres das decimas não estão abertos o tempo necessario, o que não só produz o atrazo de arrecadação que existe desde 1837, mas engana os collectados e os obriga a serem executados. Não creio que isto seja assim; antes me parece que se cumpre o que a Lei recommenda: depois dos lançamentos feitos e mandados cobrar abrem-se os cofres por tempo determinado, mas os collectados na generalidade não se lembram nem se occupam de ír examinar as quantias em que foram lançados, e só o sabem quando os Officiaes lhe batem ás portas para lhas pedir. Isto é o que na realidade succede, e todos nós que somos proprietarios o sabemos, porque assim nos tem acontecido. — O Governo procura remediar os gravissimos inconvenientes, que se tem ponderado, e deseja impedir que os contribuintes paguem de facto quasi dobradas contribuições em consequencia das custas que lhe cressem. (O Sr. Barão do Tojal: — Apoiado.) E para esse fim tenciona, propôr ás Camaras uma Lei difinitiva de lançamento e arrecadação da decima. A Administração anterior já teve isto mesmo em vista, e nomeou uma Commissão, de que tive a hon-

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ra de ser Membro, cujos trabalhos se chegarem a ser approvados, hão de sem duvida remover uma grande parte dos inconvenientes que respeitam á cobrança desta contribuição; por quanto nelles se fixa um tempo certo de arrecadação dos Impostos, e se determinam muitas outras medidas que hão de necessariamente remediar as irregularidades que se sentem. — Mas estas providencias não podem por agora estabelecer-se, porque a formação d'uma Lei permanente de decimas depende de se conhecer quaes hão de ser as Authoridades, que tem de intrevir nos lançamentos, e por isso só depois de adoptadas as Propostas que o Governo tem apresentado para a organisação do Paiz, é que se poderão determinar medidas, que removam os vexames de que com mais, ou menos razão geralmente se queixam, e dos quaes alguns effectivamente existem, sem que por isso o Governo mereça por este motivo imputação alguma.

Apontou tambem o illustre Senador a demora com que se procede no Thesouro, sobre o pagamento de decimas por encontro em Titulos de á Lida publica, considerando essa demora como de grande incommodo, e prejuizo ás partes. — Sobre este ponto informarei a Camara que quando se requerer por esse meio o pagamento de qualquer dívida, necessariamente tem de se proceder a informações que exigem tempo, e que demorariam a sua decisão, pelos muitos negocios que sobre-carregam o Thesouro, se este expediente não estivesse agora tão simplificado como se acha. Os processos que o Sr. Senador diz que estão demorados, com justissima causa o estão, porque tractam de fazer esse encontro em Titulos cuja parte metalica se acha extinta pelos encontros anteriores; e é muito duvidoso para mim que seja justo e regular que nelles se continue a fazer encontro, reduzindo a parte papel pelo desconto de vinte por cento como achei em pratica, e em que não consenti por terem variado as circumstancias que legalisavam esse desconto de que resultaria agora consideravel prejuizo á Fazenda Publica, em beneficio de pessoas abastadas que de ordinario são as que possuem esses Titulos directos.

Quanto ao papel moeda é bem natural que este objecto tenha de occupar a attenção do Corpo Legislativo; os credores por este Titulo tem um direito sagrado a serem pagos como a Lei lhes prometteu, mas nas circumstancias presentes, e com os limitados recursos do Thesouro é muito difficil proporem-se desde já medidas efficazes para a effectiva extincção desta moeda. O Governo continuando a admitti-la n'uma terça parte do preço por que se vendem os bens nacionaes vai promovendo a sua gradual amortisação, e acaba agora de propôr uma outra providencia que ha de poderosamente influir para a sua extincção porque tem a peito o pagamento desta divida sagrada, e deseja vê-la extincta de todo. (Apoiados.)

Agora resta-me dizer alguma cousa sobre o que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa expoz relativamente á divida estrangeira, querendo que se fizesse, supponho eu, o pagamento dessa divida.....

(O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa explicou, repetindo o que antas tinha dito.)

O Sr. Ministro: - A Administração actual a respeito do pagamento da divida estrangeira, não tem de certo menos empenho do que teve a Administração de que fez parte o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa; mas o que ella não tem infelizmente e a opportunidade em que se achou a Administração anterior de poder fazer um contracto vantajoso: entre tanto apesar de que as circumstancias mudaram, e que as exigencias dos credores se tornaram mais vehementes, o Governo assegura que tem toda a esperança de poder concluir com elles um arranjo satisfactorio. Entrar agora no detalhe deste arranjo, e desenvolve-lo convenientemente, parece-me intempestivo; não posso senão affiançar ao Senado que este negocio é de uma importancia tal, que senão perde de vista um momento, e que o Governo espera dar boa conta delle, empregando todos os meios que possam estar ao seu alcance, para conseguir a sua conclusão, sendo a firme intenção do Ministerio que pelo menos se pague meio devidendo aos credores da divida estrangeira, para o que empenha todas as diligencias que ao estado actual é possivel fazer.

Esquecia-me dizer alguma cousa sobre os depositos! O Governo é exactamente da opinião do illustre Senador; os depositos constituem uma divida sagrada e são de uma importancia consideravel, segundo as informações que tenho, porém este mal não póde remediar-se de repente; asseguro ao nobre Senador que é impossivel, restitui-los posto que muitos desejos tenha a Administração actual de o fazer: só podem ser pagos gradualmente, estabelecendo-se com essa applicação uma prestação mensal que vá satisfazendo os diversos credores, ou pelas suas antiguidades, ou pela sua preferencia, porque entre estes depositos lia alguns que mereçam mais attenção que outros. — Estas dividas reclamam que pelo menos se leve a effeito esta providencia, mas são tão limitados os recursos actuaes que não tem sido possivel até agora adopta-la.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu não posso deixar de fazer algumas observações sobre esta importante materia, e começarei por dizer que o nosso systema de fazenda é um perfeito cahos. (Apoiados.) Entram nelle Poderes e elementos heterogeneos, e dissimilhantes, de maneira que ainda que o Governo queira fazer alguma cousa em taes circumstancias, não póde. O desarranjo principia primeiro que tudo das Juntas de lançamento, as quaes fazem os trabalhos muitissimo tarde, imperfeitos e inexactos; (Apoiados.) Depois disto, segue-se a irregularidade e in nu methodo ou modo vicioso de proceder na cobrança, o que eu tenho tido muitas occasiões de observar, ainda comigo mesmo; aconteceu-me ha poucos dias ser avisado (no dia 28) que se fechava o cofre da Recebedoria do Tojal no dia 31 de Julho, e que devia entrar com a importancia de duas decimas juntas, de 1337 a 1838, e de 1838 a 1839, importando em 300$000 réis, além de tres por cento para o Recebedor particular por não entrar com o dinheiro antes da expiração dos 15 dias em que esteve aberto o cofre. Ora os Recebedores se poem os avizos nas portas das Igrejas, ou estes cahem porque são mal seguros, ou não são lidos, porque grande numero de pessoas não sabem lêr, e entre os lavradores ha poucos que possuam essa sciencia, ou occupados com os seus trabalhos de tal cousa não advertem, e d'aqui resulta, que quando os pobres homens vêm no conhecimento de que o cofre esteve aberto, é só talvez quando o Official de justiça lhes bate á porta e intima que devem pagar o principal e as custas, importando talvez cincoenta por cento mais. Este vexame é sentido de todos nós, aggrava enormemente a cobrança dos impostos, muito mais incomparavelmente do que o pagamento dos impostos em si, e por isso é necessario que o Governo ponha cobro ás arbitrariedades, ás violencias, que sobre as Leis e regulamentos fiscaes commettem as Authoridades subalternas a quem está entregue a importantissima tarefa da cobrança dos Impostos directos. (Apoiados geraes) O animal, ou bichinho Recebedor depois da Junta é quem espezinha o contribuinte e o flagella, não é o Ministro da Fazenda; e não sei mesmo se o tal bichinho vai ou não feito no negocio com o Poder Judiciario... (Apoiados.)

Sr. Presidente, muitas vezes trago eu, e trarei aqui para exemplo a Inglaterra; mas faço-o porque vivi vinte annos naquelle Paiz classico da liberdade e da legalidade verdadeira; e observei o quanto se executam alli as Leis com imparcialidade e justiça. Eu tive muitos annos casa em Londres e pagava impostos directos em consequencia, sobre o aluguer, criados, cavallos, carruagens, janellas, etc. etc. mas como eram elles cobrados? Vinha á minha porta o Recebedor dos impostos e deixava-me um conhecimento com todas as verbas e correspondentes impostos, tudo muito claro e especificado, e punha em lapis o dia em que vinha elle mesmo buscar o dinheiro, geralmente um avizo ou prazo de 15 dias; tinha eu amplo tempo de examinar se estava bem ou mal collectado, porque alli o Recebedor não pertende surprehender ou tornar vantagem do contribuinte, e então acontece a quasi todos com bem poucas excepções, que quando vem o tal cobrador de impostos, (Taxgatherer) que é em geral um individuo particular, porque alli faz-se esta arrecadação por empreitada, por quem quer que contracta effectuada mais barato, e geralmente segue-se que são muito cortezes e civis, nem recorrem a medidas extremas porque lhes não convém senão depois de terem vindo pessoalmente tres ou quatro vezes debalde a uma porta, tendo então um Juizo privativo de Fazenda com quem os collectados tem de se entender.

Mas o que acontece entre nós a este respeito? Eu vi na minha visinhança individuos que tinham sido collectados em sommas insignificantes comparativamente, terem perto de vinte moedas de multas e custas, segundo a asserção delles. O Governo ignora estes e muitos outros abusos atrozes, e arbitrarios que esfollam o povo, em proveito da rapacidade individual a dos sanguisugas fiscaes e judiciaes que fazem com que a Nação seja collectada em talvez duas ou tres vezes mais do que entra para o Thesouro: o Recebedor particular tem tres por cento quando o collectado não entra com o imposto durante a abertura do cofre, que mal continua por 15 dias, e é feito o aviso no Diario do Governo que poucas pessoas lêem e mesmo muitos dos que lêem não advertem. Para receber os taes tres por cento, que é a principal parte dos seus ganhos ou vencimento, o interesse do Recebedor é naturalmente occultar, ou difficultar ao conhecimento dos contribuintes que devem pagar em quanto o cofre está aberto. Dos casos particulares, é que se tiram os exemplos. Eu tenho um armazem aonde recolho papel da minha fabrica d'Abelheira, e ha poucos dias apresentou-se um membro do Corpo Judicial para cobrar 7:200 réis de maneio pelo tal armazem (como pelo conhecimento), e de aparai 5 mil réis de custas (segundo os autos): declaro porém da maneira mais solemne que tal conhecimento alli senão havia apresentado jámais; e mandando a Lei positiva e terminantemente que o conhecimento para ser procedente, e poder ter processo judicial seja assignado pelo collectado ou seu agente, tal assignatura não tinha, fallando-se assim da maneira a mais arbitraria, tanto da parte do Recebedor como do Juizo, ao primeiro requisito da Lei! Quando isto me acontece que fará a outros que não tem iguaes meios de resistencia a taes injustiças, e de obterem reparação como eu: no entretanto eu paguei logo o tal principal e tambem as custas, que é o que elles queriam, porque quanto ao principal desde o primeiro dia o poderiam ter recebido, se tivessem apresentado

O conhecimento a alguem meu; porque nenhuma duvída admittia o seu pagamento. Por consequencia isto são males que é necessario remover, porque tolhem de facto a cobrança dos rendimentos publicos, e indispõem muito os Povos contra o Systema Constitucional ao qual elles attribuem taes flagellos, como eu ouço dizer a muitos, que no tempo do absolutismo não se praticava assim. — Estes Empregados fiscaes e judiciaes, abusando da sua pertendida, independencia, mofam do Executivo e Legislativo, e pensam que elles encerram toda a authoridade em sr.

Direi agora alguma cousa quanto á nossa divida estrangeira; ella é muito sagrada, e é necessario applicar-lhe todos os meios imaginaveis, e os recursos que temos para a Sua satisfação. Eu não sou desses que mais desanimam, do nosso estado financeiro. Temos ainda muitos meios para nos extrahirmos das nossas difficuldades pecuniarias, e organisarmos nossas finanças e credito, para fazer encontro aos nossos credores estrangeiros, alguns dos quaes nos merecem grande consideração. (Apoiados.) Eu tenho conhecimento pessoal com os Srs. Thornton e Goldsmith, o primeiro creio que tem apolices nossas na importancia de setecentas mil Libras Estrelinas, compradas ainda quando ellas valiam de 70 a 80 por cento; que elle, ainda nas crizes maiores tanto politicas como financeiras, que temos nestes ultimos cinco annos atravessado, nunca quiz vender, confiado na honra e integridade do caracter Nacional Portuguez: eu digo isto para que conste, porque elle o merece, e pelo alto conceito, deferencia, e contemplação que sempre mostrou pela Nação Portugueza; e a ponto tal chegou a confiança deste generoso individuo, que ainda além de possuir esta enorme somma em apolices da nossa dívida estrangeira, emprestou ao Ministerio do Sr. Passos duzentas e cincoenta mil Libras das taes apolices, sem hypotheca alguma, para sobre ellas levantar o dinheiro necessario para pagamento d'um dividendo, o do segundo semestre de 1888; e o Sr. Passos foi igualmente cavalheiro para deste modo, e em taes circumstancias, quaes as de então, pagar aquelles dividendos da divida estrangeira. Creio que ainda se devem ao Sr. Thornton algumas cento e noventa mil Libras do tal emprestimo de duzentas e cincoenta, d'apolices. — É indispensavel pois que o Governo alcance quanto antes os meios necessarios das Côrtes para satisfazer ao menos aquella parte desta divida de honra da qual em creio que ainda se lhe deve pouco mais ou menos o saldo, em apolices, que refiro.

Agora quanto aos juros da divida estrangeira, a Administração do Sr. Barão da Ribeira de

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Sabrosa, publicou o anno passado á face da Nação um Decreto de Sua Magestade a RAINHA, compromettendo o Governo de Sua Magestade para com os credores estrangeiros de que havia effectuar o pagamento de meio dividendo, da divida estrangeira, e que este seria um dos primeiros objectos que havia de occupar a sua attenção, logo consequente á abertura das Côrtes; e faço justiça a S. Ex.ª de accreditar, assim como ao Sr. Ministro da fazenda d'então, que já teriam fielmente cumprido com esta promessa, a haverem continuado até hoje na Administração dos Negocios do Estado. Mas o Decreto de Sua Magestade passou nesta conformidade; por consequencia a palavra não só da Soberana, como a do Corpo moral do Governo, está empenhada neste compromettimento os credores estrangeiros com toda a razão o esperam. — Os nossos fundos estrangeiros conservam-se na Praça de Londres em um preço que indicam o conceito que se faz no cumprimento desta promessa, pois apesar de só se prometter meio dividendo, os de cinco por cento conservam-se a 35 ainda o que é igual a 70, se pagassemos o juro inteiro. Parecia-me que esta era a razão favoravel, tendo nós feito ponto, do Governo poder converter a divida nacional estrangeira em divida interna, creando novas apolices desta, em troco daquella divida com os juros pagos aqui. O grande remedio anodyno, senão curativo, relativamente á divida estrangeira, seria o domestica-la, importa-la, porque o pagamento dos dividendos em uma moeda estrangeira e fóra do Paiz é muito oneroso, para não dizer moralmente impossivel á Nação; pontue, como nós temos sempre pago todos os dividendos da divida estrangeira com novos emprestimos feitos em Londres, não estamos ao fado nem preparados pura julgar hoje do resultado ou effeitos que se seguiriam, sobre o cambio, ao Governo de apparecer todos os semestres regularmente na Praça a comprar moeda Sterlina para remetter; se o Governo comprar a mesma metade do dividendo, que andará por cem mil Libras cada semestre, essa operação bastará, olhando para o pé restricto das operações da nossa Praça hoje em dia, para produzir uma differença mui sensivel no cambio contra nós, e perturbar o equilibrio que em tal ponto é da mais alta importancia manter sempre pelas ruinosas consequencias que sempre se lhe seguem. Ora a Junta do Credito Publico está encarregada sómente do pagamento dos juros da divida interna, e as suas Leis organicas não lhe impõem, ou não lhe facultam o encarregar-se do pagamento da divida estrangeira fóra do Paiz; por consequencia o pagamento desta ultima está a cargo do Thesouro, o que é injusto, irregular, anomalo e incompativel com as funcções deste, pois que logo que se creou a Junta de Credito Publico, deve ser para curar de administrar toda a divida do Estado, e não d'uma parte só della; excepção esta viciosa, em si, e odiosa. Por tanto parecia-me que a occasião era oportuna, antes de reassumirmos o pagamento dos dividendos, para negociar com os credores, mostrando-lhes a certeza de que assim iam adquirir para o futuro o pontual pagamento do meio dividendo, removendo-se este encargo do Thesouro, que soffre debaixo d'um deficit constante, e não tem recursos positivos para similhante fim, para a Junta do Credito Publico que possue uma dotação certa e especifica, e a qual lhe seria augmentada na proporção necessaria para cobrir o pagamento addicional daquelles juros: exhibidas estas circumstancias aos credores estrangeiros, muitos haviam de escolher, de certo, esta alternativa; e eis-aqui removida a apprehensão que eu confesso ler de que o Governo venha a ser obrigado para o futuro a comprar letras sobre Londres na Praça aqui ao cambio de 52 por mil réis, ou ainda de menos, para fazer essa remessa positiva para pagamento dos dividendos nas épocas regulares dos seus vencimentos; porque o papel, que apparece na Praça sobre Londres, é d'importancia insignificante, e já mesmo para as necessidades do commercio aqui: quanto mais o não será quando o Governo concorrer igualmente a comprar tão grandes som mas, e em prazos certos e marcados. De mais emprestimos estrangeiros para esse fim Deos nos livre. O Governo necessariamente ha de deferir metade dos juros, não pagando, como não póde pagar de certo por ora, mais de metade dos juros; essa divida meia deferida continue embora por em quanto a cargo do Thesouro para se ír amortisando ou convertendo por meio de operações financeiras, que só o Thesouro pode levar a effeito. Ha muitos modos de ír progressivamente alcançando este desejado fim, por sommas parciaes, e por diversas e variadas medidas, já de conversões, como de loterias, segundo pratica o Governo Austriaco com grande vantagem como parte do seu systema regular, já para negociação de fundos, já para venda de bens nacionaes, por preços muito mais vantajosos do que alcançaria no mercado. Por exemplo — poderia o Governo obter das Côrtes authorisação para fazer um ensaio de uma loteria da quinhentas mil Libras Estrelinas, de bilhetes de vinte Libras cada um, divididos em fracções, os quaes estou persuadido se venderiam muito bem em menos de seis mezes nas Praças de Inglaterra, França, Belgica, Hollanda e Allemanha: estas quinhentas mil Libras Esterlinas seriam todas empregadas em comprar, pelo preço corrente do dia na Praça de Londres, as apolices da nossa divida deferida estrangeira, com todos os juros Vencidos incluidos no custo. Pelas quinhentas mil Libras Esterlinas crear-se-iam dous mil contos d'apolices de divida interna, com o juro annual de tres por cento, pago pela Junta do Credito Publico, os quaes formariam os premios da loteria em questão. Desta maneira, com um onus annual de 60 contos, juro das taes apolices por dous mil contos, levantaríamos nós, em Londres, uma somma de quinhentas mil Libras Esterlinas, por exemplo, com a qual poderiamos alli amortizar provavelmente cem mil Libras de apolices de 5 por cento, ou cento e cincoenta mil das de 3 por cento da nossa divida estrangeira, com todos os seus juros vencidos comprehendidos. Uma operação tal, havia de forçosamente fazer subir muito os fundos pela amortização de tão consideravel porção de apolices; subida que satisfaria completamente os possuidores das nossas apolices estrangeiras, porque sem uma subida muito maior, em razão da amortização completa dos bonds, do que a que resultaria do pagamento, e esse precario, do meio dividendo sómente. Cumprindo esta amortização fielmente, applicando todo o producto da venda dos bilhetes religiosamente á compra da nossa divida estrangeira, estou certo que ninguem nos accusaria de má fé.

Devo aqui referir a outra circumstancia que altamente reclama nina reforma, e vem a ser, que as apolices da nossa divida interna em logar de serem apresentadas para serem carimbadas quando recebem os juros deviam ler Coupons annexos correspondentes a cada apolice, assim como é pratica com as apolices Hollandezas, Belgas, Francezas, Russianas, Austriacas e de todas as mais Nações, inclusivamente as nossas mesmas apolices da divida estrangeira. A pratica actual da Junta do Credito Publico, insistindo na apresentação da identica apolice para o pagamento do juro, em logar do Coupon do semestre vencido, que é o que deveria ser, indispõe os capitalistas estrangeiros, e as Praças estrangeiras a negociarem e empregarem seus fundos, em apolices da nossa divida interna, o que faz com que se comprima neste mercado, muito além da sua capacidade, uma immensidade de papeis com juro que, adoptando o Governo o methodo que recommendo, podiam circular livremente por todas as Praças do Continente, e a superabundancia de capitaes que nellas gira faria com que essas apolices, que em razão da nossa mingoa de capitaes, ou demasia de taes papeis, ou alto preço do dinheiro, estão hoje a 44 ou 45, as de quatro por cento, e a 53 as de cinco por cento (preços desgraçados na verdade) iriam talvez umas acima de 60, e as outras de 7.5; pois que se a Junta do Credito Publico não pagar os semestres dos juros exactamente em dia todos sobem e seria publico em todas as Praças estrangeiras que tem aquella dotação certa, ampla, e inviolavel para aquelle fim, e haviam de adquerir progressivamente confiança na segurança da nossa divida interna, e d'ahi resultaria o augmento do nosso Credito Nacional, e a facilidade de entabolar outras operações com vantagem para a remissão do resto dessa divida estrangeira que é um cancro que nos consome, da fórma em que existe, e que é indispensavel corrigir ou modificar, como tenho proposto, ou ella ha de ser a nossa deshonra e nodoa eterna, e talvez ruina. Se o Governo adoptasse pois isto, e transferencias, n'um grande livro, de qualquer somma de divida publica d'um nome para outro nome; o preço e credito das nossas apolices e fundos haviam de subir muito, alliviando assim a nossa Praça, para as estrangeiras d'uma consideravel porção dellas. Nós temos muitos meios e recursos de alliviar as nossas difficuldades financeiras, mas em quanto o Ministro da Fazenda em Portugal estiver é mercê do nosso mizeravel systema actual de Fazenda, sem vigor, exactidão, effectividade, ou credito algum; em quanto estiver á espera que das Alfandegas lhe entrem esses 10 contos de réis diarios, que com a mesada de 100 contos do Contracto do Tabaco formam a unica receita com que elle póde regularmente contar, pois que quanto á decima está á mercê dos Contadores, Recebedores, Juntas de Lançamento, e das Leis competentes, que todos os annos tem de esperar que se renovem; sem outros recursos intermediarios, em quanto senão cobram os impostos directos como os Excheques Bills em Inglaterra e os Bons Royaux em França; n'um apuro tal, contínuo e preplexo, sempre por falta de meios, admira como esse Ministro não indoudece. — Em taes extermidades me vi eu quando Ministro da Fazenda, e quiz introduzir nos Bilhetes do Thesouro, dos quaes emitti como ensaio 500 contos, um meio auxiliar de obter fundos, mas a época então era a mais contraria possivel para taes operações, posto que, assim mesmo aquella primeira tentativa não fosse de todo mal succedida. — Em quanto pois o Thesouro não tiver um meio supplementar para poder realisar fundos em quanto senão cobram os impostos directos, muitas despezas urgentissimas ficarão sempre por satisfazer. A tal estado, tão imperfeito, tão incompleto de finanças é necessario quanto antes prover de remedio, para que o credor publico, o Militar, o Empregado conheçam que estão a cuberto de todas as possibilidades de se lhes faltar com o pagamento no dia do seu vencimento.

Em quanto ao papel-moeda, direi que realmente é um monumento da immoralidade dos Governos passados o não se ter desde muito amortizado, pois se ha uma divida sagrada que deva satisfazer-se é certamente essa; por isso o Governo deve rasgata-lo quanto antes. Eu quando Ministro da Fazenda apresentei um Projecto de Lei ao Congresso Constituinte para a consolidação de todo o papel-moeda restante, que mal chegaria a dous mil contos, em apolices de 6 por cento, por ser esse o juro original que a Lei lhe attribuio, e que pelo estado do nosso credito naquella época, e mesmo ainda hoje, apenas valeriam taes apolices 60 por cento. Mas entre tanto dava o Governo um exemplo e prova de principios de boa fé, que não havia de ser perdido, e satisfazia um dever sagrado de politica e sã moral, fazendo desapparecer por uma vez da vista publica esse resto de papel, que nos atromenta como um spectro sem sepultura, apparecendo por todos os lados para vergonha nossa, como apresentando sempre um monumento da immoralidade publica, que para credito de uma Nação justa e civilizada se deve quanto antes remover.

Sr. Presidente, vejamos o que fez o Governo Inglez quando ha sete annos abulia a escravatura em todos os seus Dominios; poderia dizer, por exemplo, que d'um certo anno em diante, todo o escravo que nascesse seria livre, e assim, ou de qualquer outro modo indirecto vir a emancipar sem custo d'um Shilling toda a raça escrava quo andava por oitocentas mil almas; porém o Governo viu que isso era injusto para os donos, e cruel para a população escrava, em fim que traria comsigo o ferrete da immoralidade; quiz muito antes por tanto crear uma divida de vinte milhões estrelinos, como creou, e pagar logo o valor dos escravos a cada um, do que commetter acto violento e de injustiça que desacreditaria o ente moral Governo Inglez nos olhos da sua propria Nação, como nos olhos de todo o mundo civilizado. Sr. Presidente, até fez mais, levou o seu timbre de honra além disso; não quiz pagarem apolices, como podia ter feito pelo preço do dia a cada um, que gostozamente as teriam recebido; quiz pagar em ouro, e pagou a todos nesta especie. Eu fui testemunha disto, porque estando casualmente nesse dia jantando em casa de um amigo meu, que tinha oitocentos e quarenta escravos, elle me disse ter naquelle dia recebido em moeda sonante, o producto delles.

Concluo por tanto declarando, que é para que trago este episodio, que outro tanto deveria ter feito o Governo Portuguez quando se resolveu a extinguir o papel-moeda em 1834, retirando-lhe o seu valor de meio circulante, e o que em justiça não podia ter feito sem desde logo prover á sua completa amortização, e não com medidas incompletas e insufficientes que, frustando a medida como vemos, tem sido fru-

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ctifera de graves queixas do publico, prejuizos e serios vexames individuaes: direi por tanto, e muita honra caberá a este, ou áquelle Governo que apresentar uma medida deffinitiva a tal respeito.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Os illustres Senadores que têem fallado sobre esta materia, têem saido fóra da questão, e para o fazerem ha sobeja razão; com effeito a materia consignada neste paragrapho é corrente e não póde de approvar-se por não ser susceptivel de controversia: mas o que eu não sei se a Resposta é coherente com o que se diz n'o Discurso da Corôa, pois pela minha parte confesso que o não entendi. A Constituição diz formalmente, que nos primeiros quinze dias de cada Sessão Ordinaria, o Governo apresentará ás Côrtes a conta corrente do mi no findo, e o Orçamento do anno seguinte: esta disposição é soberanamente sabia, e não só porque a Nação deve saber em que se consome o dinheiro que ella pagou, mas tambem porque se dá uma razão de conveniencia que se não deve despresar; porquanto, como é possivel discutir o Orçamento do anno seguinte, sem se verem as contas do anno passado, para se conhecer por ellas se ha sobejo, a fim de se levar em credito no anno seguinte; ou se ha deficit para se supprir (Apoiados). Não se sabendo pois se ha ou não deficit, como é então que o Governo se lembra de querer impôr mais tributos? Eu estou resolvido a não votar por mais nenhum, sem que primeiro nos seja presente o Orçamento (Apoiados): e, oppondo-me eu a tributos em geral, não posso desde já deixar de declarar, que me opponho a um que me consta que o Sr. Ministro da Fazenda propoz na outra Camara, que versa sobre dizimos, o qual nunca approvarei, por ser muito desigual tanto entre os proprios contribuintes que o pagam, como porque só recahe sobre II in a classe, a dos proprietarios. Sr. Presidente s nós estamos já no terceiro mez da Sessão regular, e eu terno muito que se nos venha apresentar aqui nos ultimos dias o Orçamento, a horas em que delle se não possa já tractar, ou que nos venham pedir um voto de confiança; voto ao qual eu não sobscreverei (Apoiados).

Agora, e a proposito d'esta materia contarei um facto que prova o desarranjo da contabilidade, de que em parte procede o deficit, e é o seguinte. — Sei que tendo havido muitos Contadores, suo poucos aquelles que têem dado contas: e sei tambem de um que, querendo a sua casa desembaraçada, e livres as lianças, andou em Lisboa muito tempo, mesmo mezes, fazendo grande despeza, para obter que se lhe tomassem; tambem sei de outro que leiu quatro jogos de contas no Thesouro, e tem achado muita difficuldade para que o Thesouro lhas tome. Eu bem sei que ha embaraços para que ellas se tomem, mas removam-se, porque no Thesouro existem todos os elementos para isso, pois do contrario os Contadores estarão negociando com o dinheiro do publico (Apoiados), Ora se isto succede quando os mesmos Contadores requerem que as contas lhes sejam tomadas, que será quando elles o não exigirem?

Pelo que pertence porém ao methodo da cobrança, digo, como o Sr. Pereira de Magalhães, que tem muitas irregularidades: esse methodo porém, é observado em França, donde o transplantámos para Portugal, e alli produz optimos resultados, com a differença de que lá faz-se o seguinte: faz-se primeiro e segundo avis gratis aos contribuintes; se não comparecem, faz-se-lhes terceiro com custas, e não acudindo a pagarem, entram os Officiaes em casa, aprehendem trastes sufficientes para o pagamento, e á porta da rua arrematam-nos ao primeiro lançador. Não digo que se use de similhante severidade, mas digo que é necessario abbreviar as formulas, pois a experiencia mostra que o que nós precisámos é de Jurisprudencia. Eu não quero, repito, que em Portugal se leve isso a um ponto tal de dureza como em França; o que eu desejava era, que se removessem tantos embaraços para que não aconteça o que está acontecendo actualmente, e é, haver doze mil Processos, aos quaes não é possivel que os Escrivães possam dar aviamento (Apoiados). Note-se tambem que d'aqui resulta o reunirem-se dous ou tres annos nas mãos dos devedores, o que com difficuldade elles podem depois pagar.

Pelo que respeita porém á dívida estrangeira, direi que tambem eu desejava muito que ella se pagasse nos proximos primeiros annos; mas observarei que se has tirassemos da circulação annualmente 2:000 contos de réis, o meio circulante escacearia para as transacções commerciaes, e ir-se-ía atacar muito a propriedade particular; os cambios desceriam, e todos os que negoceiam com Inglaterra soffreriam graves prejuizos: o meio pois que ha a seguir, é vêr se os possuidores dos bonds, se contentam com o pagamento de metade dos seus juros. É verdade que os possuidores de pequenas quantidades de bonds não quererão vir a um accôrdo, porém a maior quantidade delles estão em poder de credores muito capazes; e eu posso affirmar, porque conheço esses principaes possuidores de bonds, que elles estão animados de muito boas intenções a nosso respeito.

Em quanto ao dinheiro papel direi que é de muita vantagem o acabar com elle por varias razões, e sobre todas, porque os possuidores delle têem os seus capitaes sem circulação; e todos nós sabemos o ganho que hoje se póde tirar com o emprego de dinheiro. Urge por tanto que se lance mão de todos os meios possiveis para se remediar este mal.

Em quanto ao maneio direi, que todas as Administrações que até agora têem havido, têem sido um pouco omissas. — No tempo da Regencia, e quando o Senhor D. João 6.º estava no Rio de Janeiro quiz-se obrigar os Inglezes a pagar o maneio; então estava aqui Mr. Canning o qual reclamou a esse respeito; e por isso essa medula não foi por diante. Mas, Sr. Presidente, nós sabemos que em Inglaterra todos os Portuguezes pagam, até o nosso proprio Consul, quando os Inglezes nada pagam em Portugal, e eu entendo que os negociantes Inglezes aqui deviam ser tidos debaixo da mesma consideração, em que o são, os negociantes Portuguezes residentes em todas as nações, a quem se obriga pagar os impostos (Apoiados). Não tia pois razão nenhuma de justiça para que nós percamos o recebimento d'esses maneios (Apoiados). É necessario que o Governo tome energia, e não obste a isso a lembrança de que nós somos pequenos; porque Sr. Presidente, nações ainda mais pequenas, e até Cidades, se têem feito obedecer; e contarei por esta occasião um facto que li nas Gazetas Inglezas, o qual nunca me esqueceu pela sua singularidade, e que veiu muito a proposito por ter applicação a esta materia, e é o seguinte: — O Commercio de Genova quiz fazer presente de uma fragata ao Rei de Sardenha; quotizou-se para isso e incluia na derrama os negociantes Inglezes. Estes, como é de suppôr, representaram ao Consul, o Consul ao Embaixador, e principiou a trabalhar a diplomacia com vigor. Os Genovezes não se inquietaram com isso; metteram soldados em casa dos Inglezes a comerem e beberem á sua custa, e ganhando cada um 800 réis ou cinco francos por dia até pagarem. Concebe-se facilmente que os Inglezes não quizeram soffrer as delongas diplomaticas, e que foram immediatamente pagar. Este facto foi referido no Parlamento por Lord Bronghom em 1817. Por conseguinte, se Cidades pequenas quando estão no seu direito se podem fazer obedecer, nós que somos uma nação teremos força para o conseguir; quanto mais que se não dá razão plausivel, nem motivo nenhum que obste a que os Inglezes deixem de pagar o maneio. (Apoiados.)

Será escusado entrar em mais analyse, e só direi que estes objectos hão de entrar todos em discussão quando fôr presente o Orçamento a esta Camara, e então se farão sobre elle outras considerações. Acabarei dizendo, que o Ministro da Fazenda em todas as nações atenua a receita para ler dinheiro de sobejo, e pela mesma razão exaggera a despeza; porém S. Ex.ª faz o contrario disto, o que em occasião propria eu demonstrarei; bastando por ora dizer que a decima é por elle calculada em 2:000 contos, quando apenas produz 1:300.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Estou quasi satisfeito com as expressões do Sr. Ministro da Fazenda, e muito mais porque quanto á minha primeira observação está reforçada pelos factos apontados pelo Sr. Barão do Tojal relativamente ás fraudes que se commettem na cobrança da Decima; por tanto farei só duas observações. — Disse o Sr. Ministro, que entre os depositos havia uns mais privilegiados do que outros, porque havia alguns que foram tirados á força: eu quero só pedir que se examine o facto, e que se houver algum de que o Governo se apossasse por vontade do dono, eu cedo da minha instancia. — A outra é, que S. Ex.ª quiz atenuar a injustiça do papel-moeda, dizendo que elle entrava pela terça parte na compra dos bens Nacionaes, e eu digo que ainda que se vendam quantos bens Nacionaes ha, e se multipliquem muitas vezes, nunca se amortisará o papel-moeda por esse meio, e tanto não amortisa, que o agio está cotado a 40 por cento, e então só me posso lisongear de que o Sr. Ministro promette na Proposta (e eu tomo nota da sua promessa) a fim de se retirar esta moeda das mãos dos particulares, fazendo assim desapparecer este escandalo nacional.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, poucas observações tenho de fazer sobre esta materia, que mais particularmente pertence ao meu nobre Collega o Sr. Ministro dos Negocios da Fazenda; entretanto desejo enunciar, como sempre faço, uma opinião simples e candidamente a respeito destes negocios seriíssimos do Estado, que devem ter toda a publicidade; mas não basta a publicidade, é necessario que com ella venha a justa appreciação das causas que trouxeram os acontecimentos, e dos effeitos que desses acontecimentos se tem derivado.

A maior parte das vezes acontece (e não digo que seja aqui), que cada um vê atravez do prisma das soas proprias opiniões e prejuizos, avalia as cousas pelo toque das prevenções que o dominam: dá então como motivos verdadeiros dos acontecimentos o que só são suspeitas acintosas, quasi nunca sinceras, e sempre filhas de má vontade individual. — Em quanto ao defeito na cobrança dos impostos, este defeito é conhecido, e é sentido; mas quando se tracta de fazer juizo dos Empregados de uma certa repartição, por exemplo, os daquella em que sirvo, acho ser mui delicado, ou antes mui improprio avançar sobra elles uma opinião desfavoravel: nunca eu o faria ainda quando a maior parte delles fosse merecedora de censura; e poucos bastariam para salvar o resto. Ha em todas as classes muitos Empregados respeitaveis; e por isso não posso deixar de pedir ao nobre Senador, que em quanto ao que S. Ex.ª disse do que chamou bichinho Recebedor, e da sua colligação para o mal com certos Empregados do Poder judiciario, me permitta declarar-lhe que acho injusto offender classes inteiras de Empregados, cuja dignidade o Governo deve zelar sem com tudo deixar de punir algum que se torne merecedor de castigo.

Sr. Presidente, eu entendo que em administração tudo quanto uma vez se desorganiza custa muito a reorganisar, e que o systema de Fazenda é o mais difficil de pôr em andamento, desmanchado que venha a ser, é mil vezes mais difficil de restabelecer ou emendar, do que outro qualquer. Escuso de demonstrar isto que todos sabem. Temos exemplos que podêmos citar de mudanças de principios governativos, de alterações em todos os ramos da administração, e das difficuldades que se offerecem para organisar de novo e melhor; mas em toda a parte o ramo da Fazenda publica é mil vezes mais custoso de reorganisar, do que todos os demais, e como o bom andamento dos diversos ramos da Administração publica directa ou indirectamente depende do da Fazenda, d'aqui vem, que nós todos nos queixamos do Judicial, do Administrativo, e do Militar, quando verdadeiramente o mal está no da Fazenda. (Apoiados.) É impossivel chegar a um certo ponto de perfectibilidade, que se póde dizer verdadeiramente ideal; contentemo-nos de corrigir o que mais defeituoso nos mostra á experiencia. Eu não quero aqui fazer o panegyrico do antigo systema do lançamento e cobrança dos fundos publicos; mas o tempo tinha-nos ensinado; muitas medidas successivas tinham vindo emendar outras que se acharam defeituosas; a responsabilidade dos Magistrados triennaes encarregados das cobranças, e a simplicidade do methodo, que de certo podia receber grandes aperfeiçoamentos; em fim o menor custo por que taes cobranças ficavam ao Governo; o nenhum apparato com que o serviço se fazia, tudo me dá a entender que aquelle systema era melhor do que o actual, e que senão é possivel voltar a elle em tudo, porque havia então elementos que já hoje não existem, ao menos procuremos aproximar-nos da antiga simplicidade. Apprecio em pouco a machina cuja multiplicidade de molas torna dependente de difficeis combinações o seu andamento.

O que observo é que todas as correcções que vio lembrando, tanto ao methodo dos lançamentos, como das cobranças e arrecadações, tendem não a complicar o serviço, mas sim a torna-lo mais simples; e isto me dá esperanças de que alguma cousa se conseguirá. Nem se per-

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DIARIO DO GOVERNO.

aliada, ninguem que ha de ainda por muito tempo deixar de haver reclamações, e muitas dellas justas e attendiveis, pelo que pertence ao systema das cobranças. Em toda a parte o pagar é custoso, em toda a parte se obriga a pagar o povo para o Thesouro publico, e esta força se torna odiosa ao devedor. — Nisto ha realmente grande rigor legislativo, e uma certa ferocidade executiva de que vi muitos exemplos em Inglaterra e França, e em toda a parte se observam. Sr. Presidente, ha defeitos, o Governo os reconhece, tem pensado no modo de os remediar, e algumas medidas proporá em breve para isso: não serão as cabaes; o Governo não póde lisongear-se de obter quanto e necessario para conseguir os melhoramentos financiaes que tanto deseja, mas feliz o Governo, e a Nação que em cada anno dá um passo para esse aperfeiçoamento. (Apoiados.)

Sr. Presidente, bem foram ponderados os inconvenientes que existem na difficuldade (para assim me explicar) de nacionalisar a nossa divida estrangeira; sobre este assumpto o Senado permittirá ao Governa, que por ora não seja explicito, porque o não póde ser; mas eu declaro que, as observações que aqui tem sido feitas com tanto saber e intelligencia por muitos dos seus Membros, tem sido tomadas em consideração pelo Governo, e elle crê que algum beneficio tem produzido (Apoiados). O chamar á Junta do Credito Publico o pagamento da nossa divida estrangeira, digo da metade, que se paga ou se pertende pagar, virá a ser, quando os credores queiram annuir, um grande beneficios mas para isso é necessario que se lhes mostre alguma cousa primeiro; é necessario credito. Sr. Presidente; e nesta só palavra creio que exprimo tudo.

Um nobre Senador explicou um grande pensamento, na phrase de uma Personagem Imperial: — «Cidades se edificam contando; esquadras se poem nos mares contando; terrenos incultos immensos se arroteiam contando» — é verdade, mas para tudo isso, tambem é necessario ter que contar; e não basta contra com a penna, é indispensavel que haja mais alguma cousa que sôe. Mas ha outro dito não de bocca Real, mas de pessoa digna de aconselhar os Reis. Como havemos de solver a nossa divida, perguntava em Rei de França a um Ministro? Pagando-lhe, lhe respondeu elle. Mas, para pagar, que é necessario fazer? Para poder pagar é necessario pagar. — Todos estes pensamentos são bons, são profundos, mas cumpre observar e examinar as circumstancias particulares de uma Nação, quaes as causas da sua decadencia, quaes os seus recursos, os erros que tem commettido a sua administração, e porque fórma ha de fugir delles. Nós commettemos um grande peccado, digo nós todos homens desta era politica. Ouvimos os clamores geraes contra os abusos na administração; mas cumpria observar primeiro até onde chegava a verdade, e começava a exaggeração; e attender se as substituições poderiam acabar com os males velhos, sem darem origem a outros; em fim sem nada calcular para o futuro arrazámos o que existia.

Era talvez necessaria esta prova: é muito dura, e ainda hoje luctamos com os seus resultados.

Nós bem sabemos qual é a obrigação que o Governo lera de apresentar o Orçamento nos primeiros quinze dias da Sessão Ordinaria: este preceito ha de cumprir-se quando o Paiz estiver organisado; e a Providencia parece aju-dar-nos neste empenho; mas até agora ha sido impossivel a todas as Administrações satisfazer a este preceito: e nunca se lhes ha exigido o seu cumprimento. As causas desta difficuldade tem sido attendidas, e avaliadas por todos os Corpos Legislativos que acharam razão ao Governo na falta do cumprimento do preceito constitucional; se isto assim tem sido, se se tem achado razão a essas Administrações para não terem apresentado os seus Orçamentos, se não tem sido por isso censuradas, por se attender ás circumstancias extraordinarias em que se tem visto; não acho outro motivo nenhum para que Administração actual seja a unica censurada, visto que as difficuldades não são menores do que aquellas em que as outras se encontravam.

Tambem entendo, Sr. Presidente, que as obrigações a que os estrangeiros residentes no Reino devem ser sujeitos, é razoavel que sejam medidas pelas obrigações que pesam sobre os subditos desta Nação que residem nos outros Paizes (Apoiados geraes), e que devemos fazer como nos fazem. E com tudo, sem negar o principio, e forcejando muito por obter este resultado, direi ainda alguma cousa a este respeito. — Não sendo a primeira vez que eu tenho a honra de estar nos Conselhos da Rainha, e certo que este objecto alli tem sido tractado, (O Sr. Duque de Palmella: — Apoiado) assim como no tempo do nobre Duque que agora me faz a honra de apoiar-me, assegurando esta verdade, digo eu, Sr. Presidente, que se fizessemos agora como se fez em Genova não me parece que d'ahi tirassemos bom resultado. É preciso proceder com justiça, tanto de nação a nação, como de homem para homem; mas a justiça não se faz sempre pelos mesmos meios. Estou persuadido que viremos a alcançar o mesmo que alcançaram os Genovezes, e que tem alcançado outras Nações, que talvez não estivessem tão independentes de Inglaterra como estavam então os Genovezes: mas não creio que devamos fazer tudo que os outros fizeram, sem calcular os inconvenientes que possa haver no modo; e entendo mais que no modo de fazer estas cousas está tudo, e que tal difficuldade seria vencida por certa maneira, que se tornaria invencivel por mil outras, que até poderiam trazer resultados bem desagradaveis.

Eu sou da opinião do nobre Senador, sigo a theoria de que util seria que as Nações podessem passar sem fazer Tractados, e que estivessem nas circumstancias de poder dizer ás outras: — nós cá nos remediaremos como podermos, e vós obrai para comnosco como entenderdes. Mas não ha proposições geraes em economia politica, e dizia um philosopho, que nem em Moral. Então o que nos cumpre é tractar de obter as maiores vantagens pelos meios possiveis. No estado em que nos achamos relativamente ás outras nações da Europa continuemos a negociar, que este meio, no meu modo de entender, em quanto elle fôr decente e decoroso é preferivel a qualquer outro; porque em fim não devemos proceder de fórma que, ainda remotamente, a nossa independencia possa vir a ser ameaçada.

Havendo dado a hora, sobre proposta do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, resolveu a Camara que a discussão do § 16.° ficasse adiada.

O Sr. Presidente interino disse que essa seria a Ordem do dia da Sessão seguinte, continuando depois com o mais que respeitasse ao Projecto de Resposta ao Discurso do Throno; e fechou esta ás quatro horas e meia.

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