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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

26.ª Sessão, em 4 de Agosto de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.º Secretario.)

Foi aberta a Sessão pouco antes das duas horas da tarde, e tendo-se verificado a presença de 50 Srs. Senadores.

Leu-se e approvou-se a Acta da precedente.

Mencionou-se a correspondencia seguinte:

1.° Um Officio pela Secretaria da Camara dos Deputados, acompanhando 100 exemplares do Relatorio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros. — Distribuiram-se.

2.º Um dito pelo Ministerio da Guerra, incluindo a Copia dos trabalhos sobre recompensas militares, de que foi encarregada uma Commissão especial, os quaes se apresentaram como Proposta de Lei á referida Camara. — Á Commissão de Guerra.

3.° Um dito de João Carlos Lara de Carvalho, com a Copia de um Protesto da Junta Geral do Districto de Lisboa. — Mandou-se para a Secretaria.

Passando-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, (V. Diario N.° 221, a pag. 1204.) o Sr. Presidente deixou a Cadeira que foi interinamente occupada pelo Sr. Secretario Machado.

(Estavam presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino e da Fazenda.) Proseguiu o debate do

§. 15.° A Camara dos Senadores, tendo em vista os desejos publicos, e as necessidades do Estado, concorrerá pela sua parte para que se effeituem todas as reformas e reducções tendentes a diminuir a despeza publica, assim como a melhorar a receita, para o que anciosamente espera pela apresentação das Propostas que Vossa Magestade lhe annuncia, e muito folgará de vêr por este meio habilitado o Governo de Vossa Magestade para satisfazer, não só as despezas publicas indispensaveis, mas tambem, e não menos, os encargos da divida estrangeira, ambas igualmente sagradas.

Teve a palavra

O Sr. General Zagallo: — Eu não tencionava pedir a palavra sobre a materia do presente paragrapho, porque era minha intenção aprova-lo; entre tanto como a respeito delle se tem produzido factos para provar a maneira escandalosa, com que se tem procedido nos lançamentos da decima, e eu sei factos muito particulares a este respeito, julguei do meu dever não ficar silencioso nesta occazião, para que se conheça não só que a Lei actual da logar a essas prevaricações, mas até porque ellas se fazem independentemente da Lei em todas as partes.

Sr. Presidente, houve um General que tinha direito a duas forragens, e por consequencia á dispensa do novo imposto por outras tantas cavalgaduras, e foram-lhe lançados não obstante dois cavallos, um que era delle, e outro de um Capitão seu parente, que estava em sua casa, e tambem tinha direito a uma forragem. Representou este General que não devia pagar novo imposto, por isso que a Lei lhe dava a faculdade de o não pagar: na Junta do lançamento não se fez caso da sua reclamação = quod dixi dixi = quod scripsi, scripsi. = Appellou para cima, tambem senão fez caso disso conseguindo finalmente a fortuna de ser absolvido na Junta do Credito Publico, porem depois de ter pago dezoito mil e tantos reis! Ora, Srs. que disgraça esta! Se ao menos estes dezoito mil reis fossem para o Estado, mas foram só em proveito daquelles bixinhos, de que na Sessão passada fallou o Sr. Barão do Tojal! — Outro facto referirei que é mais escandaloso ainda: — Outro General que tinha direito a duas forragens, foram-lhe lançados dois Cavallos, quando elle não tinha, senão duas muares; representou á respectiva Junta, que a pezar da falsidade do lançamento de dois cavallos, pois eram muares, as que tinha, e não cavallos, com tudo devia ser dispensado de pagar imposto por ellas, porque elle só era obrigado a fazer o serviço, e não á qualidade das cavalgaduras em que o houvesse de o fazer; porque a Lei faculta as forragens aos Generaes, para que se não desculpem com a falta das bestas necessarias para o serviço que lhes é ordenado, e não para que as tenham effectivamente, nem tão pouco para que as tenham desta, ou daquella qualidade, com tanto que cumpram o serviço que lhes compete; em summa, o que exige a Lei de um General, quando lhe conceda forragens sem obrigação de matricular suas cavalgaduras? É que na occasião de ir fazer o serviço, não dê a desculpa de que não tem em que montar. Muito bem. — Foi fundado neste direito que o dito General appellou para a Junta do Lançamento; porém ella, apezar de reconhecer a falsidade deste, teimou em não reconhecer o seu direito, = quod dixi, dixi = quod scripsi, scripsi = Apellou depois para a Junta do Districto, e teve o mesmo resultado, não sendo mais feliz no recurso que dirigio para o Thesouro. — Neste meio tempo aquelle General soube que um Empregado Publico não militar, mas que tenha exercicio em uma Repartição militar, havia sido dispensado de pagar o novo imposto por uma parelha de muares, em que fazia o serviço, da mesma sorte que o dito General reclamante, conseguindo-o por via de requirição do mesmo Sr. Ministro da Guerra que está presente, o qual teve a bondade de lho communicar depois de já não ser Ministro; e como logo depois o tornasse a ser, o mesmo General, aproveitando-se desta occasião, fez a competente reclamação por via do Sr. Ministro, o qual lhe asseverou tê-la dirigido ao Ministerio competente; porem o Sr. Ministro da Fazenda que tambem está presente, indeferiu sem cerimonia o dito Requerimento, não obstante aquelle flagrante exemplo!!

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho, que era o Ministro que existia, quando este General requereu, mandou consultar a Junta do Credito Publico a fim de elle deliberar sobre a Consulta; elle sahiu do Ministerio, e esta decisão foi tomada pelo Sr. Ministro da Fazenda actual; elle dirá os fundamentos em que se apoiou, e se a justiça destribuitiva é assim que se deve praticar, dispensando-se do novo imposto a um empregado que não sendo militar, não está por conseguinte na letra da Lei, e forçando apaga-lo aquelle, a quem a lei expressamente dispensa. Avista disto porque não havemos nós de clamar, como disse hontem o Sr. Ministro do Reino, que em Londres se exclamava contra a rapina da exacção? Sim nós devemos tambem exclamar contra a rapina das violencias, das malversações, e dos roubos, feitos não só em Lisboa, mas em todo o Reino!!!

Eu quiz referir estes factos que são verdadeiros, a fim de que o Governo, ou as Côrtes evitem a continuação de similhantes males.

Agora já que pedi a palavra, direi alguma cousa mais, sobre os pontos, que aqui se tem tocado relativamente aos meios, com que deve ser munido o Governo.

Disse o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, e disse muito bem, que elle não approvaria qualquer lei que aqui viesse para dar

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meios ao Governo, se ella viesse ao alar das feridas, para nos não fazer passar pelas forcas caudinas, da mesma fórma que succedeu o anno passado; mas eu não tendo necessidade de fazer hoje similhante declaração, por isso que já a fiz, não só por mim, mas tambem por parte da Commissão de Guerra, quando naquella épocha deu o seu Parecer sobre o respectivo Orçamento; hoje com tudo accrescento, que não darei o meu voto, mesuro sobre o Orçamento do presente anno, sem que primeiro se apresente nesta Camara a conta da receita e despeza do anno antecedente, porque, sem esta, não sei como se possa calcular a despeza futura. — Tenho ouvido dizer aos Srs. Ministros, que o estado da Contabilidade militar é tal, que senão póde dar aquella conta: e posto que eu creio aquillo exacto em parte, com tudo não posso persuadir-me que nenhuma conta se possa dar; porque a ser assim, eu não sei, como o Sr. Ministro da Guerra, póde calcular a despeza futura, sem ter um conhecimento da despeza passada. E verdade que no Orçamento apparecem quotas, que não sei se lá se poem por costume, visto que ellas nunca se pagam; por exemplo = mobilia dos quarteis. = Ellas apparecem em todos os Orçamentos, mas ainda está para se fazer o primeiro pagamento desta verba: entretanto ella importa no Orçamento de 1839 a 40, que foi approvado, em 11:846$800 rs. achando-se já lançada no Orçamento de 40 a 41 uma semilhante quantia. Se nos voltámos para outro lado, vê-se no sobredito Orçamento de 39, lançada na Repartição das Obras Militares, que comprehende tambem a despeza da mobilia dos quarteis, a quantia de 43:623$915 rs, para férias, e 3:263$600 para empreitadas. Ora supponhamos que metade da somma destas quantias, isto é, 23:444$750, foi gasta em mobilia de quarteis, ajuntando-lhe a sobredita quantia de 11:846$800, votada no Orçamento expressamente para aquelle fim, temos que só neste ramo se absorveram 35:291$550 rs. sem se saber como, e como não. S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, melhor explicará qual é o fim que teve este dinheiro, porque não é possivel que todo elle fosse gasto no objecto, para que foi destinado, maxime, sabendo-se que nenhum official até agora tem recebido dinheiro para mobilia. — Observo tambem que não se tendo jámais dado conta relativa ao rendimento do antigo Collegio dos Nobres, se vê com tudo no dito Orçamento abonada para premios da Eschola Politechnica a quantia de 900$000 rs. e para os da Eschola do Exercito 480$000 rs. e isto em cima não só dos rendimentos daquelle antigo Collegio, mas até de mais a mais sobre esses enormes emolumentos que se pagam nas Escholas, os quaes servem mais para afugentar os discipulos, do que para promover a applicação no Exercito; por quanto as praças de pret, ou não hão de comer, ou não hão de pagar os emolumentos, ou não hão de estudar, seguindo este ultimo arbitrio muitas das ditas praças, por ser o unico exequivel nas suas circumstancias. — Ora sem se saber, digo, a conta da receita e despeza das sobreditas Escholas, como se poderão votar quaesquer quantias para ellas com conhecimento de causa? Por certo não será possivel. Ha outras verbas mais que já foram votadas, como roupas para os Hospitaes, de que se tem satisfeito mui pequenas quantias, e que não se sabe a applicação do resto; mas eu julgo não dever entrar em mais detalhes, porque o que fica referido, é mais que sufficiente para provar, que sem se saber a conta da receita e despeza do anno findo, não é possivel calcular-se, nem tão pouco approvar-se a despeza do anno futuro, isto é, o Orçamento; por quanto aquella Conta é a unica base, por onde este póde ser bem calculado.

Em consequencia eu espero que SS. Ex.ªs darão, em tempo proprio, as explicações que julgarem convenientes, para se conseguir o desejado fim.

O Sr. Miranda: — Eu approvo as ideias que acaba de expender o meu illustre collega; são muito justas, mas eu não posso dar-lhe todo o pezo, por que não tenho presente o Orçamento, por tanto eu pediria a V. Ex.ª fizesse limitar a discussão á generalidade em que ella deve ser tractada. Tudo o que disse o meu Collega é muito justo, e eu tambem poderia produzir muitos outros argumentos em apoio da sua opinião, senão me visse obrigado a limitar-me á questão, e a não entrar em considerações geraes que reservo para quando se tratar do Orçamento.

Agora falarei sómente sobre o imposto que se acha estabelecido sobre os cavallos de marca, proprios para o Remonta da Cavallaria, e estimaria que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra quizesse dar attenção a um objecto que em todos os paizes merece a attenção do Governo, e em particular pelo que toca ao estabelecimento das Caudelarias, por um systema franco, e livre dos embaraços e gravames do antigo Regulamento; supprimindo-se um imposto que obsta á vontade dos creadores, que melhor seria estimular por meio de premios que deverião ser distribuidos por aquelles que mais se distinguissem.

Não entro em mais particulares porque me não quero afastar da Ordem que propuz a V. Ex.ª

O Sr. Presidente interino: — A Camara envio as observações que acaba de fazer o Sr. Miranda.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu pedi hontem a palavra para um caso especial, e foi isso quando o Sr. Ministro da Fazenda alludio a uma certa conjectura, cuja perda S. Ex.ª lamentava, e esta conjectura dizia respeito a uma convenção, e conversão que se desejou fazer com os credores estrangeiros: porém cumpre-me dizer a S. Ex.ª que não deve ter pena disso, por que os credores que se conformavam eram mui poucos; e por outro lado, por que para esta operação se verificar, era necessaria que os Membros da Administração de que tive a honra de fazer parte, saltassem por cima das Leis, cousa a que eu, nem os meus Collegas quizemos sobscrever; e pela minha parte digo que nunca o faria. (Apoiados)

Agora indicarei qual é o meu sentir, a respeito de um objecto em que hontem aqui ouvi fallar, isto é, relativamente a novos impostos: a este respeito declararei, Sr. Presidente, que como Senador que sou, já mais votarei qualquer imposto novo, em quanto se não discutir o Orçamento; nem tambem darei voto algum de confiança, antes dessa discussão. (Apoiados.)

Vou tocar em um ponto que interessa muito o credito do Governo em geral, e o dos lavradores de vinhos de Portugal. É sabido que se está concluindo um Tractado de Commercio entre a França, e a Inglaterra, Tractado que poderá talvez prejudicar muito o nosso Commercio de vinhos, o que não me admira depois da votação do Tractado de Methuen. (Apoiados.) Mas, eu desejo saber dos Srs. Ministros, se estão determinados a fazer uso das faculdades que a Lei lhes concede para estabelecer um direito differencial sobre as lans, algodões, ou quaesquer outros productos vindos de Inglaterra, para assim fazer sentir ás manufacturas Inglezas, uma parte do prejuiso que a nossa agricultura vai ter? Supponho que a mente de SS. Ex.ªs será essa, porque devem attender a que os vinhos de França vão pagar quasi metade menos dos direitos de entrada em Inglaterra, do que os nossos ficaram pagando. Nós temos na Lei das Pautas uma reserva que nos authorisa tambem a levantar, quando nos convier, os direitos sobre as manufacturas estrangeiras. (Apoiados.)

Se a Inglaterra se julga authorisada a prejudicar o nosso Commercio de vinhos, porque não havemos nós de fazer outro tanto? (Apoiados.) Diz-se, Sr. Presidente, que é necessario exemplar os Inglezes de pagar o maneio: mas, eu creio que será necessario tractar novamente a este respeito; porque não quero que se vão violar os Tractados: porém cumpre observar que nós já não temos maneio, temos decima industrial; (Apoiados.) e a esta decima industrial devem os estrangeiros sujeitar-se, assim como os Portuguezes se sujeitam nos outros paizes. Isto é o que eu entendo por igualdade, e a não se observar assim, nenhum Portuguez deve querer paçar impostos. (Apoiados.) Esta questão não está só agitada em Portugal, tambem o está no Brazil; porque semilhante pretenção, ou similhante direito, não póde hoje admittir-se. Todos os estrangeiros gosam privilegios em Portugal; mas os Portuguezes não os gosam em paiz algum; e é por isso preciso, Sr. Presidente, que nós empreguemos todos os meios para os conseguir tambem para os Portuguezes, ou para os retirar áquelles Estrangeiros, que delles gosam indevidamente em Portugal. A nossa propria tolerancia é quem nos tem feito desacatar. Eu entendo porem, que para isso se carece de uma revisão dos Tractados. Os estrangeiros em Portugal não deixam de reclamar sempre todos os seus privilegios, e até os Francezes não querem ir presos para a Cadêa do Limoeiro, reclamam a do Castello de S. Jorge, privilegio que pretendem ter; mas os Portuguezes não gosam nem em França, nem em Inglaterra de privilegios taes. É por tanto injusto que os Consules, e Subditos estrangeiros gosem muitos privilegios em Portugal, ao passo que os Consules Portuguezes, os nossos concidadãos, gosam de nenhum privilegio nas nações estrangeiras.

Em quanto ao que disse o Sr. Zagallo, observarei que a conta do Ministerio da Guerra é muito facil de dar em geral; mas em especial não é possivel dar-se com exactidão dentro d'um anno: eu fui Ministro da Guerra, e por isso devo nesta parte defender S. Ex.ª o actual Ministro, e faço-o porque posso com conhecimento de causa dizer, que é impossivel descer ao detalhe de todas as miudesas da contabilidade, não só porque esta não está ainda bem montada, mas porque as despesas não se realisam logo que se ordenam. É isto, Sr. Presidente, o que eu queria sómente dizer,

O Sr. Ministro da Fazenda: - Sr. Presidente, vou responder á censura que se me fez em particular, pelo indeferimento que dei a um requerimento em que se me pedia a exempção do novo imposto de criados e cavalgaduras. — Com effeito, quando entrei no Ministerio, houve um requerimento, não me lembra de quem, que pertendia não pagar esses impostos, dizendo que as suas cavalgaduras serviam na sua sege, e que o criado era uma criança de cinco ou seis annos: procedeu-se ás informações necessarias, e achou-se que as cavalgaduras eram uma parelha de machos, e o criado, que se chamou criança um homem feito. (Riso.)

A Junta do Credito Publico a cuja dotação pertencem estes impostos, consultou favoravelmente esta pertenção, fundando-se n'um exemplo que apontou, porém entendi, não obstante isso, que a devia indeferir. A Lei é muito clara, e o illustre Senador sabe perfeitamente que aquelle Militar que tiver os cavallos de pessoa que ella lhe permitte, está exempto do imposto, mas que quem em vez de cavallos tiver parelhas de machos, está sujeito a elle.

Foi este o motivo que me decidio no indeferimento desta pretenção. Quanto aos criados, direi tambem que os da lavoura, e de outros serviços similhantes, não estão sujeitos á contribuição, mas os da trazeira de uma carroagem não estão nesse caso, e é essa a razão porque tambem nesta parte indeferi a pertenção a que se alludio. — O exemplo que se citou de haver um antecedente favoravel n'uma pretenção identica, não podia obrigar-me a seguir a mesma opinião, e por isso, não me sendo possivel remediar o erro que achei feito, entendi que só me cumpria expedir as Ordens necessarias para que se não repetisse nos futuros lançamentos, e assim o determinei.

Esta discussão, Sr. Presidente, tem-se ex-tendido mais do que talvez fosse de esperar, porque o paragrapho parecia não dever dar logar a tão grande questão; quasi tem havido uma discussão de Orçamento, emittindo-se opiniões sobre uma baze que não é exacta. Os illustres Senadores que tem fallado, censurando algumas despezas como extraordinarias, ainda lhes não constam certamente as alterações que o Governo propõem no Orçamento que apresentou em Fevereiro: hontem tive occasião de as apresentar na Camara dos Srs. Deputados, e nellas se acham comprehendidas muitas e diversas reducções, tanto na receita como na despeza publica, e sem que esses novos trabalhos sejam distribuidos no Senado, mal se póde censurar qualquer despeza comprehendida no Orçamento anterior, porque todas as verbas sobre que aqui se tem discorrido, se acham muito reduzidas nessa nova Proposta que apresentei.

Quando hontem respondi a alguns Srs. Senadores, que supposeram que o Governo não tinha sido solicito em tomar providencias para evitar os vexames que se soffrem na arrecadação das decimas, fallei persuadido, como ainda estou, de que esses inconvenientes proveiu da Lei, e não do Governo. Os atrazos que existem nas decimas são o resultado da cobrança, e não dos lançamentos; não direi que não haja demasiada pontualidade da parte dos Contadores em relaxarem, para a execução, collectas que seriam de mui facil arrecadação, se a tempo se pedissem aos collectados, mas tambem asseguro que da parte dos contribuintes ha esquecimento, ou má vontade de pagar:

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eu tambem sou collectado, e confesso que nunca me lembro de examinar quando está aberto o Cofre para pagamento das decimas, e por isso as mais das vezes deixe de as pagar a tempo, e então forçosamente me hão de accrescer as custas da execução: o mesmo que me acontece, succede igualmente a muitos outros, e daqui vem o atraso immenso da arrecadação, e o vexame que soffrem os Contribuintes, o qual se acautellaria em grande parte se os avisos que a Lei determina, se fisessem com a regularidade que cumpre.

Pelo que respeita a depositos, já hontem expuz que o Governo reputava sagradas essas dividas, e que tinha muito em vista estabelecer os meios de as pagar; accrescentarei agora que não é o actual Ministerio que merece a menor censura por este motivo, porque desde o comêço da sua administração, tractou de habilitar o Cofre do Deposito Publico, não obstante os poucos recursos do Thesouro, afazer pontualmente os pagamentos a seu cargo — O Governo, entendeu que este sacrificio era absolutamente necessario, e que devia livrar esta Repartição dos vexames a que estava exposta, por falta dos meios que, em momentos de apuro, haviam sido removidos para o antigo Erario que com elles occorreu ás despezas publicas. Disse que destas dividas algumas havia mais priveligiadas que outras, porque de alguns depositos sei, que foram tirados, por ordens do Governo das mãos de depositarios particulares, com circunstancias, que não podem deixar de merecer uma attenção expecial no pagamento.

O Sr. Barão do Tojal ennunciou as suas idéas sobre a divida estrangeira, que eu teria por muito boas, se as podesse considerar de facil execução: S. Ex.ª, que sem duvida tem profundo conhecimento deste negocio, julga que é possivel nacionalisar a divida contrahida fóra do Paiz e que os credores se prestariam a isso com facilidade; e eu intendo pelo contrario que nas circunstancias presentes seria isso um grande onus imposto aos nossos credores, porque tornaria menos negociaveis os seus capitaes nos mercados estrangeiros, e bastava essa circunstancia para os desviar dessa operação, quando mesmo se lhes offerecessem algumas vantagens na conversão. — O Governo contenta-se, podendo concluir com esses credores uma convenção sobre o futuro pagamento da divida com reciprocas vantagens, e ainda que por agora seja prudente não anticipar o conhecimento do modo porque tem em vista leva-la a effeito, espera com tudo que ella se conclua de uma maneira util para o Paiz, e que justifique o sinsero desejo e empenho que as Camaras tem mostrado de reassumir o pagamento desta divida que por tantos titulos lhes merece a maior comtemplação. (Apoiados.)

S. Ex.ª expoz tambem o muito que seria conveniente que as Apolices da nossa divida interna fossem acompanhadas de Coupons representando o seu dividendo, o que facilitaria o recebimento dos juros, tornando-o independente de procurações, e das mais solemnidades que se exigem no acto de pagamento. — Concordo, Sr. Presidente, que esta medida teria esse effeito, e mesmo estou persuadido que as Apolices ao portador se tornariam mais negociaveis; no entretanto é certo que o Governo occorrendo-lhe esta mesma idéa, e querendo leva-la á execução, consultou alguns dos maiores possuidores dos nossos fundos, e decidio-se a abandona-la, porque reconheceu que contrariava os habitos dos Accionistas que preferem os incommodos que lhes provém do averbamento das Apolices em seus nomes, pela segurança que tem de as podérem reformar quando por qualquer motivo se desencaminhem. — Com mais tempo talvez a medida lembrada por S. Ex.ª poderá executar-se, mas por agora entendo que não convém fazer-se qualquer alteração nestes titulos.

Responderei tambem ao Sr. Barão de Villa Nova de Fozcôa, meu antigo amigo, que me censurou julgando que eu tinha disposição para exaggerar a receita, e diminuir a despeza publica. Sr. Presidente, isto está longe de ser exacto, por isso que o meu calculo funda-se no conhecimento que tenho assim da receita provavel, como da despeza necessaria do serviço. Estimei a decima em dois mil contos no Orçamento que apresentei em Fevereiro ultimo, diminuindo por esta maneira quinhentos contos na quantia em que nos anteriores se havia calculado este rendimento, e se ainda assim ella se acha exaggerada, não o fiz certamente com vistas de illudir a Camara, porque não é esse o meu caracter. Se errei, é porque calculei mal, e não com o fim de enganar ninguem. (Apoiados.) A prova disto é o que se encontra no Orçamento que hontem apresentei á Camara dos Deputados: entendi que não tendo sido possivel obter desde já para a decima de 1840 a 41 todos os effeitos que tinha em vista conseguir por meio de nova Lei, que devia regular a seu lançamento, entendi, digo, que devia ainda diminuirá receita da decima mais 400 contos estimando assim este rendimento unicamente em 1:600 contos quantia esta que me parece ser exacta, porque pelos lançamentos que se acham no Thesouro, a decima lançada hoje importa em 1340 contos mas fallando ainda cousa de 398 lançamentos, os quaes devo estimar em alguns contos de réis, acho que não sou exaggerado calculando em 1:600 contos a receita proveniente da decima. O illustre Senador talvez com rasão me supponha propenso a encarar os recursos do Paiz de uma maneira sempre esperançosa, mas esse defeito em mim já vem de longe — Quando em 1835 debaixo das ordens do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa no Orçamento que S. Ex.ª então apresentou na Camara dos Deputados, calculavam-se os recursos e encargos do Estado offerecendo um deficit de 8510 contos e a receita e despeza publica apresentava além disso o deficit de 3585 contos. Estes resultados eram assustadores porque parecia que sem grandissimos sacrificios não poderiamos salvar-nos dos embaraços que á primeira vista se apresentavam: entretanto, tendo de dar uma opinião com os meus collegas da Commissão de Fazenda da Camara dos Deputados que serviram nesse tempo, (talvez porque tenha propensão para ver as cousas pelo lado mais favoravel, o que é possivel) pareceu-me, desde logo, que sem recorrer a esses sacrificios havia de mudar o aspecto assustador que aquelles calculos offereciam. Effectivamente, não me enganei porque em resultado esse grande alcance entre os recursos e encargos do Estado está hoje reduzido a 4900 contos, e não existiria mesmo, se não comprehendesse os devidendos da divida estrangeira e o deficit calculado em 3:585 contos apenas existe hoje por 1:400 contos, sem que a receita fosse auxiliada por novas contribuições, e só por effeito natural do tempo e de bem meditadas economias. — Isto pelo menos provará que o meu modo de calcular não é tão inexacto como S. Ex.ª suppoz. — Creio que foi só esta verba da decima que se julgou estimada com exaggeração, e estou persuadido que tenho feito ver que a receita nesta parte se acha calculada sobre os documentos que existem no Thesouro.

O Sr. Barão de Villa Nova de Fozcôa: — Eu disse, e não por fazer censura, que se acaso o Sr. Ministro da Fazenda exaggerava a receita, havia de ver-se em embaraço, e não poderia cumprir os seus deveres. Foi isto o que disse, e referi-me ao Relatorio de S. Ex.ª, e aos documentos annexos que vem com o Orçamento de 1839, para 1840; agora se S. Ex.ª reformou essa conta no que hontem apresentou na Camara dos Srs. Deputados, não o podia saber; e por conseguinte é claro que fallei n'outra hypothese.

O Sr. Ministro: — Estou certo. Sr. Presidente, que o nobre Senador, de quem me prezo de ser amigo ha muitos annos, não leve intenção de me offender no juiso que formou sobre a avaliação da receita publica, com tudo o que disse sobre este ponto poderia produzir uma má impressão, se me não explicasse a este respeito, devendo ainda accrescentar que quando era Fevereiro apresentei o Orçamento não tinha ainda tido tempo deformar um juiso seguro dos negocios da minha Repartição, e que por isso segui em grande parte o que o meu antecessor no Ministerio havia feito, e contava sobre isso com o beneficio que devia esperar de uma Lei que regulasse da maneira mais proveitosa para a Fazenda Publica, o lançamento e arrecadação deste valioso imposto.

Julgo ter respondido, Sr. Presidente, a todas as observações que se tem feito, e persuado-me ter mostrado que o Governo tem feito tudo quanto está ao seu alcance para remover os inconvenientes que se tem ponderado, e hade continuar a empregar todos os seus esforços para melhorar o estado da Fazenda Publica.

O Sr. Presidente Interino: — Tem a palavra o Sr. Duque de Palmella.

O Sr. Duque de Palmella: - Cêdo-a ao Sr. Barão do Tojal, visto que elle a tinha tambem pedido, e creio que para fallar acerca do Tractado de Inglaterra e França: reservo-me para depois, se ainda julgar conveniente dizer alguma cousa.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu tambem a cêdo ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, posto que eu tinha a honra de occupar a Cadeira do Ministerio dos Negocios Estrangeiros devo ceder a primazia ao nobre Barão do Tojal, desejando ouvi-lo, principalmente sobre o negocio do Tractado que apontou o Sr. Duque de Palmella.

O Sr. Barão do Tojal: — Nada; falle o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Então direi, como informação, que eu não tive participação Official da ratificação, nem acabamento daquelle Tractado. É singular comtudo, que já ha dous Correios se me escrevesse de França, que o Tractado estava concluido e ratificado, e aqui nessa data se me enviasse de Inglaterra, que não estava concluido, nem ratificado, e até que nem havia esperança, de que fosse tão breve. Eu dou muito pela informação dos dous Funccionarios, que me escreveram; mas, a Diplomacia é cautelosa, e bom seria, que tambem nós, o fossemos: raras vezes se descobrem cousas importantes senão depois, que toda a gente as póde saber. Neste caso, um dos dous auctores das participações oppostas, se engana; porque não póde haver meio termo entre ser, e não ser, entre estar feito, e não estar feito esse Tractado. Repito, que não tenho participação alguma: a que possa dar assenso, visto, que as recebidas se destroem. É certo, que o Ministro da Fazenda de Inglaterra, em referencia ao Tractado com a França, na resposta que deu a uma interpellação na Camara dos Communs, declarou, se eu bem entendi o que foi inserto em um jornal, que as suas estipulações não entenderiam com aquelles Paizes, com quem houvessem Tractados. Não me parece, que possamos dizer, que estamos naquelle caso, por senão fazer menção de Portugal, em uma relação dos Paizes, que tem Tractados com a Inglaterra; essa relação não tem caracter Official para nos decidirmos por ella. Sobre este negocio posso assegurar ao Senado, que o Governo será tão solicito, quanto lhe cumpre; e deseja que venhamos a ficar para com todas as Nações em perfeita reciprocidade, que a nenhuma concedamos, o que ella nos não conceder. O Governo procura chegar ao termo da existencia dos privilegios estrangeiros, não correspondidos a favor dos Portuguezes; e terá em todos os Tractados que fizer, cuidado em suas estipulações. Hoje quasi todas as Nações tem juizes privilegiados entre nós: esta é desgraçadamente a regra geral; mas o Governo procura fazer nella uma, ou duas excepções, que bastem pai a acaba-la de uma vez. Parece-me inutil gastar agora mais tempo com este objecto.

Um nobre Senador, fazendo varias observações, e todas ellas cunhadas com o Sello da sensatez, e da imparcialidade que o carecterizam entrou em alguns pormenores a respeito de verbas do Orçamento; e como não estamos em discussão do Orçamento, S. Ex.ª me dispensará de quaesquer considerações sobre cada um destes assumptos, com tudo devo dizer que considero, e o Governo considerou um tanto excessiva a despeza que se faz com a Repartição das Obras Militares (Apoiados) que o Governo tem a intenção de juntar esta a outra Repartição, isto é comprehender as Obras Militares na Repartição das Obras Publicas, dando-lhe organisação adequada. E este um trabalho que eu fiz em 1835, e que apesar de quaesquer reflexões que se possam offerecer em contrario, tenho motivos de esperar que a sua approvação virá a sentir bom effeito; porque, se é verdade que a divisão do trabalho concorre muito para a perfeição delle, tambem é certo, que a subdivisão de Repartições Publicas que tem muita analogia entre si, que tendem ao mesmo fim, multiplicando entidades de empregados, as verbas, as folhas, e até suscitando rivalidades, que se oppõem muito a que se consiga a boa economia na despeza publica, e o bom acabamento das cousas que se tem em vista, é um grande mal para o serviço do Estado. Outra reflexão muito importante fez o mesmo nobre Senador a respeito da Eschola Polytechnica: esta Repartição não pertence hoje ao Ministerio a meu cargo, pertence ao Ministerio da Guerra. O Governo tem cuidadosamente examinado a situação actual desse estabelecimento: eu não venho aqui agora dar a

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minha opinião sobre elle, mas entendo que quando se fez esta separação, e quando se transformou em Eschola Polytechnica o Collegio dos Nobres, quando aquella casa deixou de ser uma casa de pensionistas, uma casa de instrucção primaria e secundaria, quando a Academia de Marinha, se tornou em uma outra Academia, creio eu que se procedeu com demasiada pressa e até sem muita attenção ás circumstancias do estabelecimento do Collegio dos Nobres, cuja origem não é conhecida geralmente.

Durante a guerra da successão de Hespanha, o Almirante de Castella D. João Thomaz Henriques se retirou para Portugal aonde fez testamento de seus muitos bens. Era elle partidista da Casa d'Austria. Testou os seus bens deixando por herdeira universal a Senhora da Conceição; e por testamenteiros uns Jesuitas Hespanhoes e Portuguezes com esta disposição — que se fosse vencedor na contenda o Archiduque, se fundaria em Madrid um Collegio de Jesuitas com a invocação de Nossa Senhora da Conceição, que na sua Igreja se diriam tantas missas quotidianas pela alma do fundador com certo rendimento annual aos Capellães; que os individuos admittidos ao Collegio seriam obrigados a ír ás missões da China, etc.; e que se a Casa d'Anjou conseguisse o Throno de Hespanha, este mesmo Collegio assim determinado seria estabelecido em Lisboa. Para dar cumprimento á vontade do Almirante os Jesuitas Portuguezes tomaram, como era expresso, conta dos fundos testados, e conseguida a licença d'ElRei D. João V. os iam empregando: haviam já comprado ao Conde de Tarouca o que se chamava a Cotovia de São Bento; e dois Padrões de 10 contos cada um, quando a Ordem foi extincta. Mas o Governo desse tempo conheceu que os bens do Conde Almirante não podiam pertencer ao fisco pôr não serem propriedade dos Jesuitas, e que se o testamento se não cumprisse, poderiam os parentes do testador vir reclamar a sua herança; pelo que o Marquez de Pombal ordenou que fosse creado um Collegio com a denominação de Nossa Senhora da Conceição; fez-lhe a doação dos referidos bens, e ainda lhe ajuntou alguns outros em Outubro de 1765. Constituindo os bens da testamentaria do Almirante a parte principal da doação, se determinou que na Igreja do Collegio da Cotovia, Casa destinada para o novo Collegio de Nobres, se dissessem as taes missas quotidianas, que a Padroeira fosse Nossa Senhora da Conceição, que dois Capellães delle, e quatro familiares a quem pelos estatutos de 1781, era permittido seguir os estudos, fossem obrigados quando, ElRei o determinasse, a ir na qualidade de missionarios á China, e finalmente que o habito dos alumnos fosse o habito clerical, com uma medalha pendente, e nella a legenda de = Collegio Real de Nossa Senhora da Conceição = etc. D'aqui se vê que a instituição do Collegio dos Nobres parece legado á execução de uma ultima vontade. Assim o entendeu o Governo do Senhor D. José I. que na creação do Collegio dos Nobres poz em cumprimento as disposições do Almirante de Castella, e isto mui claramente e com todas as formalidades, para evitar a reclamação dos herdeiros do testador. — Quando nós acabámos com o Collegio dos Nobres, e lhe mudámos inteiramente o instituto e os fins, digo que andámos talvez com demasiada pressa.

Agora, considerando o estabelecimento actual sem referencia áquelle que foi substituido; direi sómente que tenho ouvido ponderar varios inconvenientes que merecem muita attenção, e tanto na parte reguladora dos estudos, como nos vencimentos, ou gratificações, que ouço taxar de excessivas, e de desproporcionadas entre si. Mas o estabelecimento está a cargo do Ministerio da Guerra: o Sr. Ministro da Repartição tem havido os esclarecimentos de que precisava, e creio que ha de propôr algumas alterações. Em quanto a mim direi, que nunca me hei de oppôr á creação de estabelecimentos de instrucção no nosso Paiz; pelo contrario, pugnarei sempre por elles; mas eu creio que não aproveitarão á causa publica mui numerosas instituições de instrucção superior: entendo que carecemos muito de instrucção primaria (Apoiados), e que esta exige todos os cuidados do Governo: tambem entendo que carecemos de instrucção secundaria. E pelo que toca á instrucção superior, parece-me, que nada, ou muito pouco nos falta, e que se ha defeito, este consiste na demasiada confusão em que tudo se poz. (Apoiados geraes.) Sr. Presidente, eu digo isto mais com os olhos nos factos, mais induzido pelo exemplo, do que por considerações e alvitres meus proprios: vejo nas Nações mais civilisadas, e mais adiantadas que os que querem ser doutores pagam-no e pagam-no muito bem.

Sr. Presidente, não me resta senão fazer uma pequena observação a respeito dos lançamentos das decimas de que se queixou o meu antigo amigo, e illustre Senador o Sr. General Zagallo. Não entrarei no exame do desleixo, ou da severidade com que os exactores, e as estações superiores querem fazer executar a Lei, obrigando ao pagamento d'impostos não só por cavallos propriamente cavallos, mas por bestas, que não são cavallos; ainda que façam serviço cavallar. Disse o Sr. Manoel Gonçalves de Miranda, que a nossa nobresa algum dia não andava a cavallo em muares; mas eu leio que os heroes cavalgavam bestas chamadas mullas, e D. Nuno Alves Pereira combateu os Castelhanos, cavalleiro em uma mulla, n'uma viva refrega junto a Alcantara no tempo do cerco de Lisboa, se me não erra a memoria, com o andar do tempo vieram as cavalgaduras muares a ser mais usadas por frades, e medicos, donde vem a expressão de mulla de phisica para significar um andar ronceiro por malicia, etc. Mas, seja o que fôr, eu não culparia aquelles Empregados publicos que se cingem á letra da Lei, se a Lei diz mulla, claro está que não é cavallo, nem cavallo é mulla. É verdade que na obra intitulada — As mullas de D. Miguel — poemetto de um autor Portuguez um tanto inclinado á mysantropia, se lê; mas creio que em nota, que mullas são o mesmo que cavallos, e outros disparates de igual jaez. — Deixando porém isto de parte, o que a mim me parece é que os Empregados subalternos não têem arbitrio algum, e se elles não com mettessem outros defeitos senão esses, o nobre Senador lhes perdoaria, e os desculparia talvez: ha porém alguns que elles commettem por arbitrio proprio, e isso é que eu acho muito máo; mas em quanto a leira da Lei fôr expressa para que se pague um direito por tal ou tal objecto, não posso dizer que quem o exige não cumpre a Lei, e queixo-me della, e não delles. Fallando agora de mim, como os demais fazem, mas mui directa e claramente, direi que todo o meu estado consiste n fim máo cavallo, e n'um burro; os lançadores deram ao meu burro as honras de cavallo, mas estas honras as não concederam de graça, que eu as paguei; e feitas as devidas declarações acabámos com ellas (Riso.) Entretanto ha de certo grandes defeitos, que senão podem remediar de repente; esses defeitos fazem com que haja muitos queixosos; e na verdade por mais que se queira, sempre acho que ha da parte de alguns exactores uma certa malicia, um proposito em surprehender os devedores (e neste ponto peço licença para me desviar um pouco da opinião do meu illustre Collega o Sr. Ministro da Fazenda) não é tanto o esquecimento dos contribuintes como se disse, como a lembrança dos cobradores, e a sua habilidade, digo, de alguns, que fazem com que o espaço de quinze dias se percorra ás vezes em quatro ou cinco, etc. Como aqui não examinamos este objecto expressamente, nem me parece nelle deveriamos ter tocado; não proseguirei no incidente, desejando muito que não gastemos todo o tempo em queixar-nos do passado e do presente; mas occupemo-nos tambem em acautellar o futuro.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, cingindo-me inteiramente á opinião do Sr. Manoel Gonçalves de Miranda, tractarei de me abster quanto possa de entrar em explicações especiaes, pois que actualmente não tractamos da discussão do Orçamento; é com tudo do meu dever fazer algumas declarações a respeito de certas proposições sobre que o illustre General chamou o meu testimunho, e espero que depois dessas declarações S. Ex.ª conhecerá que não ha certamente divisão de opiniões sobre mim é o meu illustre Collega da Fazenda, e menos ainda pouca vontade de annuir ás representações que me tem sido dirigidas, por aquelles a quem pertencia curar da sua justiça nos lançamentos,

É um facto Sr. Presidente, que durante uma das Administrações em que tive a honra de ser incumbido da Pasta dos Negocios) da Guerra, me foi dirigida traia representação naquelle sentido, a qual, como é pratica, eu remetti ao Ministerio da Fazenda; e de certo, nem o interessado nessa representação, nem o illustre General que hoje fallou aqui sobre este assumpto, entenderam que eu devesse dar outro destino á mesma representação. Queixava-se nella o individuo que a assignou de que, pretencendo-lhe duas cavalgaduras de pessoa, effectivamente não devia pagar imposto algum por ellas, o que por tanto em injusto o lançamento: mandei a representação para a estação competente, e vendo-se alli que a graduação da pessoa que requeria lhe facultava ter aquellas cavalgaduras independente de pagar o imposto respectivo, julgou-se que effectivamente o não devia pagar. Com este exemplo allegou um General requerendo igual deferimento; então nada mais natural do que dizer eu — que a respeito desta, pertenção se seguisse exactamente, o mesmo caminho que se tinha seguido para a outra; (O Sr. General Zagallo: — Apoiado) e tendo-se feito assim, Sr. Presidente, passado muito tempo, veio a questão a ter uma solução diversa da que tinha tido a primeira: quando se tractou de taes representações, e se passou especialmente áquella de que estou fallando, entenderam as Authoridades (e creio que entenderam bem, e nisso certamente S. Ex.ª convirá comigo) que cavalgaduras isentas de pagar tributos, á vista da Lei desse tempo, e em quanto não houvesse outra, são aquellas que são dadas para o exercicio de cada uma das patentes, e até está designada a especie dessas cavalgaduras, porque na mesma se diz —cavallos de pessoa — sem fazer distincção se é cavallo ou egua, mas fez-se a distincção de que seja sempre besta cavallar, e não muar, porque em tempo de paz não são dadas cavalgaduras de bagagem, caso unico em que as muares deviam ficar isentas, pois que então eram necesarias para o serviço do Paiz e não da pessoa: talves houvesse algum caso destes, quando appareceu a primeira representação porque então se estava no estado de precisar a todo o momento de empregar activamente este ou aquelle Funccionario publico, e percisavam ter as bestas que a sua graduação lhes concedesse. Com esta explicação, persuado-me ter provado a S. Ex.ª que a melhor boa-fé reinou entre mim e o meu Collega, não havendo a menor intenção de privar ninguem do direito que lhe podesse assistir; mas as Authoridades competentes entenderam-no assim, e realmente entenderam-no em vista da Lei, e dahi procede que, em consequencia disso, o Governo mandou que o recorrente pagasse os tributos que devia por não serem bestas cavallares aquellas de que pertendia a isenção. — Pelo que respeita a este ponto parece-me ter dado todos os esclarecimentos necessarios. Sobre alguns dos outros a que se alludiu accrescentarei ainda poucas palavras. Disse o nobre Senador que para haver Orçamento é necessario que haja conta. Já um illustre Orador respondeu sobre este objecto, e o fez com tanta clareza e discrição, que qualquer cousa que eu pertendesse adduzir seria superfluo; entretanto, Sr. Presidente, não me será estranho que eu lembre, ainda que verdadeiramente se não tracta agora deste objecto, que o Orçamento comprehende as verbas da receita e despeza, e que infallivelmente se hão de fixar, confirmando ou alterando as que estão determinadas por Lei; mas a conta é certamente uma cousa muito differente. Pelo que respeita a algumas verbas que se veem no ultimo Orçamento apresentado, effectivamente foram ellas reduzidas tanto quanto podiam ser, e pelo que toca especialmente ao artigo mobilias, tenho a lembrar a S. Ex.ª que essas verbas não figuram no actual Orçamento, por se terem dado muito poucas vezes; mas algumas o têm sido, porque ha circumstancias locaes que tornam indispensavel dar-se mobilia, ou alguma gratificação correspondente: em todas as Nações acontece assim, e a nossa Lei assim o manda. - Pelo que respeita ao Estabelecimento do Collegio dos Nobres, não é agora occasião de entrar em promenores a este respeito, mas posso assegurar a S. Ex.ª que essa verba foi lançada no Orçamento com as devidas considerações, e com o tempo se ha de mostrar qual é a receita do mesmo Estabelecimento com que se deve contar; e não o affirmo, porque não estou bem presente nisso, se vem lançada especialmente por cada uma das parcellas que esta receita comprehende, ou se em globo, para entrar em linha de conta no Thesouro. — Pelo que respeita a roupas para os hospitaes militares, é um facto que os hospitaes regimentaes tem produzido uma economia muito grande, e com essa economia se tem podido conseguir a manutenção nos mesmos hospitaes; mas houve algumas occasiões em que foi indispensavel aju-

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dar este ou aquelle hospital, fornecendo-lhe a roupa necessaria e correspondente áquelle numero de doentes que accidentalmente ha nelles porque é conveniente reuni-los; por exemplo, em Lisboa houve sempre hospitaes fixos além dos regimentaes, e para se fazer a maior economia (porque em fim o bem do Paiz e todas as conveniencias recommendam que se faça quanto fôr possivel) tem-se extinguido todos, e apenas existe um chamado hospital do Corpo de Sapadores, para onde vão todos os doentes militares: por tanto era impossivel que aquelle hospital deixasse de ser auxiliado; e assim tem acontecido em alguns outros pontos.

Quando se tractar desta materia, eu informarei a Camara com mais detalhe; por agora nada accrescentarei, parecendo-me ter satisfeito ás exigencias de alguns dos nobres Senadores; e se o não fiz, tão completamente como desejavam, peço a SS. EE. tenham a bondade de me lembrarem que eu farei as rectificações convenientes sobre qualquer ponto que lhes pareça mais interessante.

O Sr. Barão do Tojal: — Sr. Presidente, este assumpto é muito grave; por isso tudo quanto sobre elle se podér observar, merece bem o tempo, que com a materia se gastar. (Apoiados.)

Em quanto ao projectado tractado entre Inglaterra e França, direi que tenho procurado sempre em todos os Jornaes Inglezes, o que a respeito de tal transacção se tem publicado, e só no Times é que li, que Mr. Porter tinha saido de Londres para Pariz com o Tractado, e corre por quasi certo, que pouco lhe falta para se concluir. Tambem li nesse Jornal uma interpellação feita ao Ministro da Fazenda, sobre se as concessões nos direitos dos vinhos estipulados pelo referido Tractado, eram só extensivas á França, ou se comprehendiam tambem

outras Nações, que importam vinhos em Inglaterra? A resposta porém foi, que ellas só seriam extensivas áquellas Nações, com quem a Inglaterra tivesse Tractados commerciaes. Eu creio, que a Inglaterra insiste em que ainda existem em vigor todos os Tractados entre ella e Portugal, menos naquella parte, que refere mutuamente aos direitos sobre mercadorias — ponto sobre o qual ambas as Nações estão presentemente livres, e sem estipulações fixas, o que todavia não acontece com as que tem relação com certos privilegies civis, das quaes ainda se exíge o cumprimento. — Diz-se que o Tractado reduz o direito do vinho a dous shellings por gallão, fazendo assim uma alteração em favor nos direitos, de tres schellings e seis pences por galão. Persuado-me, Sr. Presidente, todavia que são taes, e tão consideraveis os interesses de varias classes muito respeitaveis, e preponderantes em Inglaterra, ligadas com o commercio de vinho com Portugal, que é impossivel que essas Classes e esses interesses, deixem de influir com o Ministerio Inglez, a fim de que Portugal seja comprehendido nos beneficios desse Tractado, pois seria um grande [...] para os interesses dessa respeitavel classe, (que tem Advogados poderosos no Parlamento) se o Governo os perdesse de vista, ou sacrificasse em tal materia, considerando os grandes capitaes, e individuos, que giram no commercio de vinhos de Portugal. Convém-nos muito, e muito, por tanto, a um dos nossos interesses, mais vitaes, qual a prosperidade d'agricultura dos nossos vinhos em geral, assim como da nossa navegação, negociarmos e levarmos a effeito sobre as mesmas condições nelle especificadas, o Tractado já entabolado com a Inglaterra desde 1385, que tão fertil, em vantagens, seria para nós, e que por desgraça fatal senão ultimou então.

Agora tocarei, Sr. Presidente, na abolição do direito de exportação de doze mil réis por pipa que se paga sobre o vinho do Porto exportado para a Gram-Bretanha e Irlanda, e direi, que não ha nada mais barbaro e Gothico do que impormos nós sobre os nossos proprios productos vinte por cento de direitos de saída!

Isto só fazem os Turcos, que no Tractado resente que celebraram com Inglaterra impozeram tres por cento de direitos de entrada sobre as mercadorias Inglezas, e onze por cento de saída sobre as suas proprias! (Apoiados.) Mas, dir-se-ha que o Governo não póde prescindir do direito de doze mil réis por pipa, sobre trinta mil que se exportam annualmente para Inglaterra! Em porém se hoje fosse Ministro da Fazenda não hesitaria em propôr desde já ás Côrtes que este imposto verdadeiro onus, que hoje pésa sobre a agricultura nacional, fosse transferido para as mercadorias estrangeiras; e em logar deste direito que promptamente supprimida, suggerida a imposição de quinze por cento addicional, sobre os direitos de entrada cobrados nas Alfandegas de Lisboa e Porto, producto que montaria talvez a quatro centos contos de réis nas duas referidas Alfandegas; e assim fitaria compensada a diminuição que se faria no rendimento publico, em consequencia da abolição do direito impolitico, que hoje pagam os vinhos que do Porto exportamos para Inglaterra. Esta medida conviria muito tomar-se para aliviar sem demora o custo do genero de exportação da maior importancia que temos, e para beneficio da lavoura e agricultura de Portugal, especialmente da Provincia do Minho. Nem a Inglaterra se poderia queixar, pois quo ainda que alguma cousa mais carregassemos os direitos sobre as suas manufacturas, o que igualmente aconteceria ás mercadorias de todas as outras Nações, ella por outro lado é que receberia exclusivamente o proveito da abolição do direito de exportação sobre o vinho do Porto, por estar este commercio quasi exclusivamente nas mãos dos Inglezes.

Em quanto a nossa divida nacional estrangeira, considero-a como um assumpto da maior vitalidade; e por conseguinte tudo quanto se disser a este respeito, não é perdido, porque devemos trabalhar para vêr se se consegue aliviar alguma cousa esse grande onus nacional, que pésa sobre este Paiz por diversas circumstancias que se déram, e sobre todas para nos livrarmos da usurpação: e, ainda que essa divida foi contraída com muito grandes sacrificios, ella apesar disso deve ser considerada como tendo a natureza de uma verdadeira divida sagrada. (Apoiados.) Urge pois descobrir os meios para aliviar a Nação desse mal. Assim, Sr. Presidente, parece-me que nos é impossivel hoje legitimamente e á risca, cumprir, ou poder satisfazer na letra as condições originaes dessa divida; e necessariamente ha de entrar alguma especie de arranjo, não trapaças, mas alguma esperteza honesta e legitima, por operações financeiras, para nos aliviarmos de parte desta divida, basta dizê-lo, e de onze milhões sterlinos; não importa ser de tres ou cinco por cento, essa é a importancia nominal que o Governo é obrigado a resgatar, e se cumprir com as condições do contracto, ha de a Nação vir a remi-la afinal quasi ao pár. Nós já commettemos um acto de banca-rota suspendendo o pagamento dos dividendos, nem temos os recursos para fazer face ao pagamento de dous mil e cem contos por anno, em que importam taes juros e amortisação, isso era impossivel por ora, e por muitos annos nas nossas circumstancias, depois de uma guerra de Usurpação, e de tantas outras desgraças nacionaes, que tem reduzido Portugal a um abysmo de ruina: muito fez o Governo, por tanto, em circumstancias taes, sem recorrer a novos emprestimos, em prometter que paga metade do juro; e quem não reconhecer este esforço, é porque não está ao facto das nossas circumstancias politicas e financeiras, mas ha meios, e meios legitimos, e meios honrosos de poder alcançar o fim que nos propozemos de diminuir muito o pêso deste onus. — Disse o Sr. Ministro do Reino, que nada havia mais a desejar do que induzir os credores estrangeiros a acceitaram o pagamento dos dividendos aqui: nada quanto a mim mais facil do que, pôr um annuncio, convidar o Governo, os possuidores dos bonds estrangeiros a converterem os mesmos (até uma somma certa annualmente) em Apolices de divida interna, com o mesmo juro e pago integralmente, pela Junta do Credito Publico: segue-se que quem tiver bonds da nossa divida estrangeira, contando com ter metade dos juros delles deferidos, com avidez abraçaria aquelle convite de conversão, que lhe assegurai la o pagamento do seu juro por inteiro, ainda que pago aqui. Se o Governo disser = eu nacionaliso, ou estou prompto a converter meio milhão sterlino de cinco por cento, ainda por exemplo ao cambio de 60 por 1:000, ou de quatro mil réis a libra sterlina; = qualquer que tinha as suas dez mil libras, quererá logo, e hão de querer todos, tanto, que o Governo ha de se ver na necessidade de distribuir proporcionalmente entre os concorrentes a somma que se tiver proposto converter, pois que ainda dado o caso que os estrangeiros recusassem, o que não é admissivel suppôr-se, os nossos proprios Capitalistas e Negociantes haviam de mandar comprar a divida a Inglaterra para a trazer para cá, e converte-la, em quanto a differença dos preços os convidasse a isso. O que era por exemplo a conversão; de um milhão dos tres por cento, ou quatro mil contos a tres por cento? Cento e vinte contos. E meio milhão de cinco por cento? Dous mil contos. Fazia tudo duzentos e vinte contos de juro annual; mas pagos aqui, e talvez gastos aqui, ou exportados em parte, em generos do Paiz, quando o cambio não convidasse. Para o anno, e á proporção dos recursos da Junta, a qual se devia e podia ir dotando; a mesma Junta do Credito Publico podia ir effectuando estas conversões, porque a Junta para administrar a divida publica é que foi instituida, e a Junta pela sua Constituição actual e bem entendida, quanto a mim, não póde pagar fóra do Paiz. O Governo pois deve convidar, por um annuncio, a conversão da divida estrangeira em divida interna, como tenho suggerido, fixando a somma que pertende por ora converter, segundo os meios da Junta do Credito Publico; e (contra a supposição do Sr. Ministro do Reino) estou eu convencido que hão de apparecer numerosos concorrentes a essa conversão, mesmo á porfia; e não póde deixar de assim ser, visto que a junta paga integralmente. Ora eu sou um que tenho algumas Apolices de 5 por cento que ainda comprei a oitenta e nove = e noventa, e era o primeiro que acceitava; e repito, que o Governo não tem mais que propôr, e eu tenho toda a certeza que no seguinte paquete tem a somma toda acceita, ficando extincto o juro atrazado, na conversão das Apolices, a pagar o juro novo desde o dia da data das novas Apolices. Eis um meio pois de alivio em que se não faz violencia aos credores, sendo perfeitamente convencional.

Além deste, lembra-me ainda outra maneira pela qual o Governo póde vir a converter gradual, e mui vantajosamente esta divida estrangeira, de sorte que ella viesse a ficar reduzida, em poucos annos, a muito menos, e em divida, interna do Paiz. Eu proporia em parte o mesmo systema, o de Loterias, que está praticando o Governo Austriaco; alguns Srs. Senadores hão de ter visto os annuncios a este respeito, e talvez mesmo comprado bilhetes. Porque razão, pois não ha do o Governo Portuguez fazer uma Loteria de quinhentos mil libras, por exemplo, sacando bilhetes de vinte libras, que girariam por todas as praças da Europa, bilhetes que sub divididos em fracções, estou certo, que seriam mui vendíveis em sacando para os premios, desta Loteria, dous mil contos de Apolices de tres por cento de divida interna. Com o numerario esterlino, producto da venda dos bilhetes, resgatar-se-ía religiosamente a mesma importancia da divida estrangeira lá fóra. Com o effectivo de 500:000 libras sterlinas, resgatavam-se talvez 4,000:000 libras de Apolices de divida estrangeira ao preço do mercado, com todos os coupons, ou juros accrescidos. E pensa o Governo, que o Publico havia de estigmatisar esta medida? Não, Sr. Presidente, estou certo que não, porque o Governo faria publicamente o seu annuncio, e ao Publico era livre exigir o preço, que quizesse pelas Apolices. O Governo por outro lado, ainda mesmo que a comprasse ao par, fazia-lhe isso muita conta, porque comprava, ou trocava Apolices de cinco por cento, com os juros accrescidos por Apolices de tres por cento de divida interna, com os juros a começar. Por tanto, este systema, por meio de Loterias, em que talvez em cinco, ou seis annos Portugal podesse resgatar a sua divida, era bem digno e justo de se ensaiar. Ora se nós consideramos moral o systema de Loterias em Portugal, como não havemos de entender assim este, no estrangeiro; e sendo elle uma taboa de salvação em nosso critico estado de apuro financeiro? Os proprios credores estrangeiros haviam de approvar esta operação, pelo glande melhoramento e immensa subida, quo havia de produzir no valor das suas Apolices, consequencia daquella remissão avultada das mesmas. Sobre este plano correspondi-me eu, com alguns individuos em Londres, que tem grandes relações na Praça, e estes consultaram muita outra gente; todos approvaram o plano, e convieram que era exequivel e excellente. Este é mais um dos modos porque eu entendo, que se podia ir amortisando, e convertendo a nossa divida estrangeira, e é claro e evidente, que nós devemos mostrar a todos os nossos credores, que, se assim praticamos, é porque absolutamente não temos os meios pecuniarios adequados para lhes poder pagar, segundo a letra dos contractos; e eu reitero, que como proprietario não tenho duvida em contentar-me com estes expedientes, e de guardar as minhas Apolices. Poucos originarios possuidores dellas, hoje haverá ainda; a maior parte dos que presentemente as conservam, tem-as comprado a trin-

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ta por cento, pouco mais ou menos, e muita conta lhes faria, se as podessem realisar em breves annos a sessenta, ou setenta por cento, além do meio juro no interva-lo. Por consequencia, não ha, quanto a mim, nisto difficuldade, isto é, de nacionalisar a divida estrangeira, e assim póde, e deve-se apresentar ás Côrtes um plano para alcance de tão util fim. O certo é que urge absolutamente, e se tornará indispensavel fazer alguma cousa, porque a divida estrangeira é um cancro, e não póde ficar assim.

Em quanto á divida interna, estou pelo outro lado muito longe de a considerar como um mal publico; antes na minha humilde opinião, é um nó, um laço, um vinculo que prende, que faz reunir a Nação em apoio do Governo, que obsta á revolução e anarchia, que mantem a ordem e estabilidade, fazendo girar e promover o augmento dos capitaes particulares. e serve de emprego a milhares de individuos. Eu tenho estado em Inglaterra em tempo de disturbios violentos, e oscilações politicas, e sempre observei que, logo que a ordem publica era ameaçada, appareciam as reuniões numerosas de individuos proprietarios e abastados por toda a parte, a votarem resoluções expressivas dos seus sentimentos e opiniões, a fim de prestarem todo o apoio e força moral ao Governo, ás authoridades, e ordem publica, intimamente identificados com a conservação da sua propriedade e interesses. A nossa divida publica portanto deve distribuir-se mais pela Nação. Muitos dos Srs. que aqui estão hão de ter entrado no Banco de Inglaterra nas epochas do pagamento dos dividendos; nos primeiros cinco dias paga-se aos banqueiros, e depois segue-se o publico, as massas, isto é, o criado, a criada, o jornaleiro, o trabalhador, os individuos em fim, de todas as classes; e porque? Porque não ha apolices, porque, qualquer individuo póde ir comprar cinco libras de divida publica. A generalisação desta divida nacional aprecia-lhe tambem muito o valor; em segundo logar, é um Banco economico, onde as economias de todas as classes se depositam, e daqui resulta tambem esta grande vontade de sustentar a ordem e o Governo, que paga tão regulai mente, e que são as fontes donde resultam tantos beneficios que se palpam. Ora bem; até para chamar a attenção geral das massas da Nação a preferir os empregos nos fundos publicos foi que o Governo Inglez aboliu o imposto que havia sobre o rendimento derivado cios fundos publicos. O Governo Francez faz o mesmo, e tambem tem inscripções em um grande livro, que eu desejaria que nós igualmente adoptassemos para quem assim quizesse. Eu tinha dez mil francos de Rentes em o grande livro; requeri para Pariz que queria uma apolice por elles, e deu-se-me n'uma só apolice com coupons de cinco mil francos para cada semestre. Esta apolice era um bocadinho de papel amarelo que valla um capital de 370 francos. Eis aqui o systema que eu queria que tambem cá adoptassemos: quem quizesse converter as suas inscripções no grande livro, em apolices com os seus correspondentes coupons, que o fizesse, e este seria o modo de augmentar o valor á divida, e conseguir as outras grandes vantagens e considerações publicas que tenho referido. Actualmente a nossa divida interna está sendo o patrimonio, por assim me explicar, de meia duzia de capitalistas, porque não tem expansão, não está ao alcance das massas da Nação, pelo alto valor nominal das apolices, e tambem não giram estas fóra do Paiz por não lerem coupons annexos como é pratica sempre em todas as apolices estrangeiras. Eis a razão porque eu advogo a mudança do systema actual entre nós, de apolices averbadas, sendo infinitamente preferiveis as pagaveis ao portador, mas com coupons. Logo que em taes circumstancias e com estes predicados nossas apolices forem levadas a quaesquer mercados ou praças estrangeiras subirão immediatamente sobre seu actuai preço aqui; o equilibrio derrama-se por toda a parte, e aqui por conseguinte hão de tambem subir. Dizer-se que os capitalistas aqui não annuem a isso é absurdo; a dizer que elles ignoram o seu interesse, que são muito curtos de vista, porque elles antes quererão apolices que valham 70 a 75, do que 53 o preço actual das de cinco por cento aqui, ou 60 a 65, as de quatro por cento, em logar de 44 como agora aqui correm.

Eu não considero que os recursos da Hollanda sejam superiores, nem iguaes aos nossos, em quanto á capacidade productiva dos respectivos meios; são mais bem applicados sim, muito mais desenvolvidos; mas não tem os recursos de clima como nós temos, e dous terços da nossa população; pagam porém 46 a 48 milhões de crusados de impostos annualmente, o que prova incontestavelmente os grandes vicios, a falta de principios no nosso systema de Fazenda actualmente; systema de Fazenda o mais atrazado, o mais desgraçado que se dá em toda a Europa, A divida Hollandeza é enorme, é de 800 milhões de crusados; todavia os fundos Hollandezes estão acima do par. Entretanto os dividendos não são pagos em Londres, são pagos em Amsterdão; o possuidor das apolices, corta os coupons á medida que se vencem cada semestre, e de prompto os vende como leiras á vista pagaveis ao portador, sobre Amsterdão; livremente os compram, porque não é possivel falsifica-los, e passam de uma mão para outra sem difficuldade nenhuma; todo o mundo os quer, e porque? Porque confiam no seu prompto pagamento. Sr. Presidente, pelo contrario é geral a queixa que entre nós se ouve relativamente aos entraves, demoras, e delongas que em Lisboa se dão para similhante processo. (Apoiados.) Na verdade, Sr. Presidente, são immensos os embaraços o formalidades que se offerecem para poder receber-se Os juros quando estio a pagamento; e é por certo esse um dos motivos porque os capitalistas estrangeiros não querem comprar as nossas apolices, posto que muito em couta, e preferem comprar as dos outros Paizes, ainda que muito mais altas. Os capitalistas lá fóra são muito affoutos e decididos, e entram com facilidade em grandes transacções; se elles vissem pois aqui uma alteração nos nossos processos economicos, relativamente a fundos, viriam cá, de certo, empregar parte de seus capitaes em a nossa divida publica, que actualmente está muito abaixo do que devia achar-se por causa das nossas oscilações politicas; estabelecida porém firmemente, a ordem publica, o fariam com confiança, porque é verdade que a nossa situação financeira não é tão deploravel que justifique as nossas apolices; acharem-se as de quatro por cento a 44, e as de cinco por cento a 53, presentemente, antes quanto a esta parte sómente, deveriam ter um preço muito mais subido: nego que o nosso estado financeiro esteja nas circumstancias de sanccionar que os nossos fundos internos estejam com preço tão depreciado que rendam dez por cento de juro, como acontece actualmente, o que procede da congestão de apolices neste mercado impossibilitadas de girar por outros Paizes como tenho advertido. (Apoiados.) É pois necessario que o Sr. Ministro da Fazenda, remova todos os embaraços a este respeito, que ha na Junta do Credito Publico contra a pratica, e usos observados nos outros Paizes, e que tão bons resultados lhes produz. Eu digo isto, Sr. Presidente, porque tenho conhecimento pratico e longo dessas materias.

Agora que estou em pé referirei o outro ponto antes que me assente. — Hontem tive conhecimento da Portaria do Ministro da Fazenda no Rio de Janeiro, pela qual se mande estabelecer a avaliação sobre a qual deverão pagar o direito de cincoenta por cento os nossos vinhos: e eis-aqui o que ella diz: (Leu.) O vinho em Lisboa é avaliado em 130$000 a pipa. Ora, isto vem a ser 65$000 réis de direitos, se são cobrados sobre o valor bruto acima; o qual corresponde, mesmo em moeda fraca, a duzentos por cento de direitos sobre o custo original aqui! Á vista disto convem que o Governo não tenha remorsos para impôr, mais os taes quinze por cento sobre os direitos pagos pelos generos do Brazil, que recommendo para abolir o direito de exportação sobre o vinho do Porto. (Apoiados geraes.) Eu não posso consentirem que elles digam, que os nossos vinhos pagam só o que pagara os das outras nações, quando no meio disto lhes poem as avaliações que bem querem, e obrigam vinhos Portuguezes a pagar muito maiores direitos differenciaes do que pagam os dos outros paizes; isto quando menos, é uma falta de lealdade. (Apoiados.)

Eu não quero tomar mais tempo á Camara, e por isso vou concluir repetindo, que não devemos perder de vista a divida estrangeira, porque ella é a materia mais importante que peza sobre a consideração, e sobre o dever dos Representantes da Nação. Até agora o Governo Inglez tem estado calado, e não tem interferido; mas nós não podemos esperar por uma prolongada indifferença sobre este objecto, e devemos tractar de evitar que appareça tal collisão, provando com factos que da parte da Nação Portugueza tem sempre havido os maiores desejos, e boa vontade de cumprir seus deveres (do que senão póde duvidar) e só as circumstancias extraordinarias filhas de factos imprevistos e desastres sem numero é que lhe têem obstado ao cumprimento de sem compromettimentos. (Apoiados repetidas.) Repito pois, que nós não devemos tractar de leve um assumpto de tanta importancia, cumprindo-nos procurar conseguir os fins com o menos onus possivel para a Nação, quanto seja compativel com a honra; e isto só se póde fazer por meio de operações financeiras, que todo o homem, que dessas materias tiver algum conhecimento, saberá calcular, e adoptar efficazmente, em beneficio das finanças da Nação, que com uma mio habil e tempo, bem se poderão ainda regenerar completa mente,

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, tem-se usado largamente da occasião que sub-ministra a discussão da Resposta ao Discurso do Throno para discorrer sobre todos os objectos, de maior ou menor importancia, que comprehendem a politica externa, e a administração interna do Paiz: a Camara deve estar cançada, e desejosa que se apresse a votação deste ultimo paragrapho que se discute ha tanto tempo, e por occasião do qual tem ouvido fallar ácerca de varias materias, — com especialidade em relação á Fazenda e tambem, posto que accidentalmente, em relação á Diplomacia — a muitos dos illustres Membros desta Camara, que foram, ou estio sendo actualmente Membros do Gabinete, e por tanto aptos a discorrerem com pleno conhecimento de causa; e, segundo penso, os Srs. Ministros preteritos devem naturalmente estar dispostos a não lançar a pedra aos presentes, lembrando-se das difficuldades em que elles mesmos se achavam quando faziam parte dos Conselhos da Rainha. (Apoiados.)

Muitas das cousas que aqui se tem dito, e cuja doutrina é excellente, com tudo na pratica apresentam grandissimas difficuldades. Poder-se-ía perguntar a alguns dos Oradores que tem tomado a palavra nesta discussão, a razão porque no tempo em que dependia delles remediar esses inconvenientes, ou apresentar medidas proficuas que lhes obstassem, elles o não fizeram; e como certamente não seria por falta de vontade, nem por falta de conhecimentos, é provavel que fosse porque encontraram obstaculos que, para se superarem, exigiam esforços e, pelo menos, tempo e preserverança; por consequencia resulta evidentemente a necessidade de contar tambem esse mesmo tempo, como elemento indispensavel áquelles que se acham actualmente, ou que poderio ainda achar-se em circumstancias de dirigir os negocios publicos.

Applicando em parte o que acabo de dizer á questão da divida externa, entendo, que todos estão perfeitamente de accôrdo de que é uma: divida sagrada; bastava ser divida para ser sagrada, mas esta foi contrahida, na sua quasi; totalidade, para resgatar Portugal, e toda ella o foi de boa fé por aquelles que emprestaram o seu dinheiro, e por consequencia empenhando a probidade e a honra da Nação Portugueza em a satisfazer. Ha porém um termo dentro do qual param as melhores intenções, e param mesmo as obrigações mais sagradas, que é a impossibilidade; quando se prova que não é possivel solver essa divida, claro está que senão podem exigir milagres. — Eu não estou aqui formando argumentos aos reclamantes nem aos governos estrangeiros, e seria uma cegueira persuadir-se alguem que as argumentações que se fazem nesta Camara possam ministrar razões novas aos que tem de negociar comnosco; tudo é tão sabido nos tempos em que vivemos, e os individuos ou gabinetes interessados estão tão scientes dos direitos que lhes competem e dos meios de que devem ou podem usar, que não ha risco de que lhes facilite as negociações aquillo que aqui se diz. — Por tanto, accrescentarei que um argumento muito forte de que se servem contra nós, mesmo para responder a essa ultima razão que eu ainda ha pouco alleguei, — a impossibilidade, — é que essa impossibilidade deve igualmente existir para a divida, interna como para a externa. É verdade que isto ainda tem respostas, e resposta que até certo ponto são entendidas pelos estrangeiros; mas indico sómente esta circumstancia para mostrar que não nos é licito levantar a voz com demasiada altivez. É preciso explicar bem os motivos pelos quaes, assim como uma força maior nos impede de pagar a totalidade da divida estrangeira, tambem ama força maior nos obriga, ao menos por agora, a fazer uma differença entre o credor interno e o externo, que ambos, legalmente fallando, deveram ser igual-

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mente considerados. — Disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa que ainda senão achava arrependido de não ter concluido algum arranjo a este respeito durante a sua Administração: (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) eu estou persuadido que S. Ex.ª teve muito boas razões para assim o fazer, isto é - para não fazer nada — e que nisto obrou da maneira que julgou a mais conveniente; porém receio que a sua allegação não tenha talvez toda a força, porque S. Ex.ª se referio a pertenções dos possuidores dos bonds que exigiam talvez hypothecas que não se lhes deviam, ou não se lhes queriam conceder; e por esse motivo, ou outros similhantes, senão póde concluir aquelle negocio; eu creio que não foi essa a verdadeira razão, creio que o negocio senão concluiu, porque S. Ex.ª não continuou até agora......

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — E porque não quiz hypothecar as rendas publicas, que não estava authorisado para isso.

O Orador: — Essa authorisação podia pedirão uma vez que o ajuste estivesse; concluido. — Então disse eu bem que se S. Ex.ª tivesse continuado a ser Ministro até agora, pediria a necessaria authorisação ás Côrtes, e teria acabado a negociação. Em todo o caso, de modo algum pertendo fazer imputações directa nem indirectamente, sómente desejo dizer que neste negocio, assim como em varios outros com paizes estrangeiros, havemos de perder sempre pelas dilações (Apoiados), e que nestes casos o ganhar tempo é perder nos interesses; que os negocios demorados se vem a concluir sempre peior do que se concluiriam em tempo opportuno, quero dizer, o mais promptamente possivel, formado um conceito exacto do assumpto, avaliada a situação dos negociadores, e pesadas as difficuldades; se apesar de tudo convem fazer sacrificios para as superar ou correr o risco de as deixar subsistir: o grande merecimento dos homens o Estado consiste em julgarem das opportunidades, e aproveitarem-se dellas. (Apoiados.) Nesta questão da divida estrangeira, não sei, nem digo que por culpa de ninguem, cada vez vamos a peior, e havemos ainda peiorar mais de dia para dia, se se continuar no mesmo systema. (Apoiados.)

É indubitavel que a divida estrangeira senão póde pagar toda por agora; essa seria a nossa obrigação, e por tanto devemos ficar com esse onus moral: ora o melhor modo de fazer sim ajuste, que combine o direito dos credores com as nossas actuaes possibilidades, deve ser proposto pelo Governo, e especialmente pelo Sr. Ministro da Fazenda; e creio que longe de lhe subministrar meios para concluir vantajosamente essa tarefa, ella se tornará tanto mais ardua, quanto mais sobre o assumpto se discorrer em publico, porque são negocios que de sua natureza devem ficar reservados, até á sua completa conclusão. Ha comtudo uma feição neste negocio, que se não perde antes se ganha em a apresentar á consideração das Camaras, e do Governo, e é aquella que foi indicada por varios Oradores, e principalmente pelo Sr. Barão do Tojal, para a qual eu me inclinaria fortemente se ella fosse adoptavel: declaro que não tenho conhecimentos especiaes nem os dados sufficientes para decidir aqui essa questão, mas entendo que se fosse possivel nacionalisar no todo, ou em parte a divida estrangeira, quero dizer, — converter para a divida interna aquella parte da externa, que de então em diante nos considerassemos habeis a pagar pontualmente — isto seria de uma grandissima vantagem, por muitos motivos longamente allegados pelo Sr. Barão do Tojal, e por outros que eu poderia ainda indicar e desenvolver, o que julgo inutil fazer agora, Mas receio tambem que da primeira entrada se apresente uma grande difficuldade, a de prover a Junta do Credito Publico com um rendimento sufficiente para que ella possa ficar com esse encargo, e desempenha-lo com a mesma exactidão com que desempenha aquelles que actualmente tem; e Deus nos livre que se diminuisse na minima parte o credito de que essa Junta deve gosar (Apoiados), porque isso traria graves consequencias.

Fallou-se aqui sobre varios objectos especiaes, aos quaes os Srs. Ministros responderam: eu não os ataco nem os defendo, e por tanto julgo inutil occupar-me de todos esses assumptos; sómente direi, que muitos delles pertencem mais naturalmente á discussão do Orçamento. É de lamentar que essa discussão não tenha tido logar ainda, e talvez o não tenha tão cedo; digo que é de lamentar, e não hoje, mas ha quatro ou cinco annos (Apoiados), e então cada um tome sobre si aquella parte da carga que d'ahi lhe resulte: creio que ninguem é muito culpado, assim das passadas, como da presente Administração. Os embaraços tem sido taes, as mudanças do Ministerio tão continuas, e as mudanças politicas mesmo — umas legaes outras illegaes, umas revolucionarias, outras, não revolucionarias — tem sido tão repetidas, que não é possivel esperar que a marcha do Governo Representativo siga o seu andamento regular e ordenado, como deveria seguir, como é de esperar que aconteça se elle se radicar entre nós.

Em quanto ás questões que incidentalmente se tractaram, e que têm connexão com a Diplomacia, julgo-me pela minha posição obrigado a fornecer alguns esclarecimentos que possam depender de mim.

E sobre esta questão, como preludio, direi o que já varias vezes aqui tenho indicado; é é, que eu não considero que deva, ou possa haver partidos entre os Portuguezes, quando se tracta de negocios entre a sua Nação e as Estrangeiras (Apoiados geraes): muito indignos seriam os homens d'Estado que se deixassem seguir ou dominar por motivos dessa natureza, seja no sentido da defeza dos nossos direitos, da nossa honra, e da nossa independencia, ou no sentido das considerações prudentes, que se devem sempre ter mais em vista quando se tracta de questões nacionaes, do que das individuaes, em que cada um póde fazer o sacrificio da sua propria existencia, ou da sua propria fortuna, e não assim o da existencia ou fortuna da Nação a que se pertence. Espero por tanto que a Camara me fará a justiça de persuadir-se que em nada do que eu digo a este respeito fallo induzido ou dominado por qualquer inclinação a uma ou outra das Administrações, a um ou outro dos partidos politicos que existem no Paiz.

Fallou-se no Tractado de Commercio que se suppõe a Inglaterra acaba de concluir com a França. Eu ignoro se o lacto é exacto, quero dizer, não sei mais do que o que dizem as folhas publicas, que muitos dos meus illustres Collegas tem lido mais do que eu nestes ultimos tempos; entretanto persuado-me que se o Tractado não está já ratificado, pelo menos está assignado, ou estão de accôrdo os negociadores: poderá talvez haver alguma circumstancia que suspenda a ratificação, algum motivo que a affaste inteiramente, porque em quanto um negocio destes não recebe o sello da ultima conclusão póde sempre desmanchar-se, entretanto não é provavel que aquelle a que alludimos deixe de ser ratificado. Eu não vi o Projecto, não tenho outros dados para discorrer sobre esta materia senão os factos que o Publico conhece; mas creio que nesse Tractado, se concede aos Inglezes a diminuição de direitos sobre algumas das manufacturas que elles importam em França, e a admissão de outras que até agora alli não eram admittidas; e que por parte da Inglaterra, como reciprocidade, se concede á França uma consideravel diminuição nos direitos dos vinhos, e aguas-ardentes que desse paiz forem importados no Reino-Unido: entretanto, esta estipulação não é, como era a do Tractado de Methuen, uma diminuição de direitos com relação a vinhos dos outros paizes. Pelo Tractado de Methuen os Inglezes concederam que os vinhos de Portugal pagassem sempre uma terça parte menos do que os vinhos de França, em quanto pelo recente Tractado entre a França e Inglaterra não creio que esta faça uma concessão de tal natureza; diminue, é verdade, os direitos que os vinhos Francezes ficarão pagando para o futuro em relação aos que actualmente pagam, mas não fica inhibida de diminuir da mesma maneira os direitos que pagam os vinhos de Portugal, se assim lhe convier. Tão pouco me parece que a resposta dada por Mr. Lobouchêre á interpellação que lhe foi dirigida no Parlamento, seja exactamente a que referiu o Sr. Barão do Tojal: eu creio que elle respondeu, que a Inglaterra nunca faria á França uma concessão commercial que a podesse inhibir de fazer concessões similhantes a outras Nações, uma vez que estas lhe offerecessem vantagens equivalentes; mas não disse, nem deu a entender que faria taes concessões a todas as outras Nações, com as quaes a Inglaterra tivesse Tractados de Commercio.

Fallarei ainda sobre o Tractado de Methuen. — Disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, quo os Inglezes tinham violado o Tractado de Methuen: isto é suppôr que esse Tractado subsiste, o que é muito contestavel e duvidoso.

Não sei se a Nação Portugueza, e o seu Governo desejarão que elle se dê por subsistente; mas póde sustentar-se assim a affirmativa, como a negativa: os Inglezes sustentam que o Tractado não subsiste, nós poderiamos talvez affirmar o contrario. — Em rigor, nunca Portugal teve com Inglaterra senão dous Tractados de Commercio, que se possam chamar taes; um é o de 1703 (isto é, o de Methuen) o outro, o de 1810, o qual incorporou em si o Tractado de Methuen. Havia nelle dous Artigos em que se estipulava que os vinhos de Portugal, na forma do Tractado de Methuen, continuariam a pagar uma terça parte menos de direitos em Inglaterra que os vinhos de Hespanha; pois nossa parte concediamos aos generos de Inglaterra uma geral admissão nas nossas alfandegas, mediante o pagamento de 13 por cento de direitos ad valorem: ora, como nós abolimos o Tractado de 1810, parece-me, que segundo as regras da hermeneutica podemos concluir que o de Methuen ficou por esse facto implicitamente extincto, e o mesmo Governo Inglez assim o considerou, quando em 1832 igualou os direitos dos vinhos Francezes aos quo pagavam os nossos (Apoiados): na minha opinião foi então violado o Tractado de Methuen, porque o de 1810 ainda existia; agora, depois de declarada a extincção do segundo, creio, que o primeiro cessou tambem, ipso facto, de estar em vigor.

Mais de uma vez tenho aqui ouvido sustentar que é conveniente não fazer Tractados de Commercio com alguma Nação, e em sentido opposto a esta asserção tenho tambem ouvido que é de urgencia fazer esses Tractados. — É preciso que nos decidamos sobre esta parte da nossa politica: se assentâmos que é preferivel, não fazer, esses Tractados, muito bem; mas então não nos devemos queixar porque os Inglezes diminuiram os direitos dos vinhos dos outros paizes, e augmentaram os dos nossos. É verdade que temos o arbitrio de alterar as nossas Pautas como bem entendermos (porque isso está na mesma essencia dellas) augmentando tambem os direitos dos generos daquelles paizes aonde se augmentarem os dos nossos. Mas, Sr. Presidente, é preciso escolher, e não ficarmos nadando entre os dous systemas, e por tanto queixando-nos pela falta de um e outro; é certo que sempre havemos de soffrer inconvenientes, mas ao menos sejam só os do systema que adoptarmos, e não os daquelle que excluimos: se não queremos Tractados, trabalhemos para aperfeiçoar as Pautas augmentando ou diminuindo, conforme a experiencia o aconselhar, e com a mais completa liberdade, os direitos sobre todos os generos estrangeiros: a posição em que actualmente nos achamos não nos liga a respeito de nenhuma Nação, se esta posição é boa presistamos nella: mas se queremos que os vinhos de França não tenham preferencia sobre os nossos em Inglaterra, que a não tenham tambem na America, e em fim nos outros paizes; se queremos obter entradas nas Colonias estrangeiras, e gosar de certos privilegios para cuja fruição é indispensavel o consentimento de outras Nações; nesse caso é indispensavel conceder outros favores reciprocamente, e por consequencia — fazer Tractados: — isto é tão liquido que nem admitte controversia. Então cumpre aos Srs. Ministros negociar esses Tractados com o apoio das Camaras, e do Publico, que é necessario senão illuda nestas questões, e que as veja como ellas são.

Agora direi que, assim como não temos actualmente Tractado algum de Commercio com Inglaterra, ou com qualquer outra Potencia, o que podemos sustentar com argumentos invenciveis, não os podemos allegar igualmente incontrovertiveis para sustentar que os antigos Tractados de alliança (nos quaes estão incorporadas isenções e privilegios, tanto aos Inglezes como a subditos de outras Nações) não existem; porque infelizmente, esses Tractados não tinham limitação de tempo, foram feitos em epochas em que tal declaração se não costumava fazer, e d'ahi vem, senão uma razão, ao menos um pretexto plausivel para que os Governos, com os quaes se fizeram esses Tractados, pertendam que ainda subsistem. Este é o estado da questão pelo que respeita á que o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa aqui enunciou hontem relativamente ao pagamento do maneio pelos subditos Britannicos. — Elles consideram-se isentos dessa onus pelos Tractados de privilegios celebrados no tempo dos Senhores Reis D. João 4.º, e D. Affonso 6.º: esta pertenção tem sido successivamente disputada creio que por quasi todos os Ministros da Rainha, que

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tem tido a seu cargo a Repartição dos Negocios Estrangeiros, é creio que eu fui o primeiro que tive a este respeito uma discussão por escripto, e tanto sobre a especie tocada pelo nobre Senador como relativamente ao privilegio da abertura de lojas e tabernas, pertenção duvidosa da parte dos estrangeiros existentes em Portugal, e que certamente ataca os direitos geraes da Nação, e não menos os direitos Municipaes dos Concelhos, accrescendo que neste ponto não encontrâmos reciprocidade a nosso favor nos outros Paizes. Sobre todas estas cousas tem havido contestações, mas contestações sem decisão, porque é muito difficil, quando se elevam disputas desta natureza entre dous governos, e não ha um Tribunal para julgar entre elles, e muito difficil, repito, que um ou outro ceda ou desista, e principalmente o mais forte a favor do que o é menos; entretanto, a razão tambem é uma força, e uma grande força, para que da nossa parte a não façamos valer. — Este argumento que aqui se mencionou da mudança de nome que teve o direito do maneio, poderia tambem allegar-se; mas a informação que eu desejava dar á Camara a este respeito, é que tanto este privilegio, como outros ainda mais offensivos, por exemplo, o Juiso privativo dos Conservadores, e todas as antigalhas que hoje permanecem dos antigos Tractados, que nós não podemos abolir porque nelles se fundam tambem interesses maiores de alliança, mas que avaliando todos os seus detalhes se deveriam considerar caducos e obsoletos — todos esses privilegios, digo, e sem excepção de nenhum delles, teriam já sido abandonados pelo Governo Inglez, se se tivesse concluido o Tractado que esteve a ponto de assignar-se em 1835; Tractado que, ou sobre essas mesmas bases, ou sobre outras analogas, poderá ainda offerecer algum meio de nos entendermos com a Inglaterra, e de obstar não só a este mal, mas tambem á vergonha que nos resulta de sermos tractados da maneira que o eram os povos barbaros, pelas Nações civilisadas. — E nada mais direi sobre isto, porque nestes assumptos deve sempre dizer-se o menos que ser possa; mas é de dezejar que cada um tracte de fixar a sua opinião acerca da conveniencia ou inconveniencia de fazer Tractados de. Commercio, isto é, se sim ou não importa a Portugal negocia-los.

Concluirei protestando que faço votos para que as explicações que tenho dado sobre este mui melindroso e importante objecto sejam claramente entendidas, e não mal interpretadas, para que não dêem logar a injustas invectivas de periodicos, como tenho visto em alguns nestes ultimos dias; que apresentam as discussões desta Camara de uma maneira que senão atreveriam a praticar os escriptores publicos em parte nenhuma do mundo, inserindo só a integra de certos discursos, omittindo os outros, e tirando depois illações falsas e calumniosas dos mesmos discursos que não transcrevem. (Apoiados.) Entre outros citarei um argumento que em uma das passadas Sessões apresentei, o qual teve o apoio da Camara inteira, e que tendia a estabelecer mais claramente os nossos direitos, quero fallar dos apresamentos feitos pelos cruzadores Britannicos; em questões destas não ha parvidade de materia; logo que se viola a independencia de uma Nação, tanto faz que a violação seja numa virgula como em todo o Codigo dos seus direitos: fundado nesta doutrina, disse eu — que tão injusto, tão illegal, e tão attentatorio da independencia da Nação Portugueza era apresar um navio Portuguez levando escravos, como outro que os não levasse, uma vez que estes apresamentos se não faziam com a annuencia do Governo Portuguez, e que por tanto as nossas reclamações não deviam parar em algum caso mais flagrante, mas repetirem-se sempre que houvesse noticia de um novo apresamento: — pois este argumento apresentou-se como um insulto feito á Nação Portugueza! Esta maneira de sustentar partidos é que realmente é insultante para o bom senso nacional. (Apoiados repetidos.)

(Vozes: — Votos, votos.)

Julgando-se a mataria sufficientemente discutida, foi o art. 15.º posto á votação e ficou approvado.

Teve depois a palavra para uma explicação

O Sr. Zagallo: — Eu tinha pedido a palavra quando o meu amigo o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa disse, que não era possivel apresentar-se a conta da despeza, por isso mesmo que havia difficuldades a esse respeito. Mas quando eu exijo a apresentação da conta está entendido que eu não podia pedi-la senão do modo

possivel, porque impossiveis não se podem fazer: tenho pois declarado qual era a maneira como eu entendia ser possivel dar essa conta. — Mais alguma cousa tinha eu que produzir relativamente ao que se disse em resposta aos casos que eu referi, e que bem mereciam que eu fizesse mais algumas observações; porém não o faço agora porque espero poder fazê-lo em melhor occasião.

O Sr. Lopes Rocha: — Eu pedi a palavra para uma explicação sobre o caso que S. Ex.ª o Sr. General Zagallo referiu, quando se fallava das decimas, e que disse ter acontecido entre um General, e um Empregado publico. Permitta S. Ex.ª que eu lhe observe que a differença que houve no deferimento do Thesouro, foi consequencia necessaria do differente modo porque os Lançamentos se achavam feitos. O General tinha sido collectado no lançamento por dous machos ou mullas, e não por cavallos; e o Empregado publico tinha sido collectado no lançamento por mullas e cavallos que então tinha na cavalharice. Ora como a Lei que regia em 1837 isentava os cavallos, e não as mulas, o Ministerio da Fazenda indeferio o requerimento do General, e deferio o do Empregado publico vindo assim a fazer justiça ás circumstancias differentes em que segundo o Orçamento se achava um e outro.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu peço que haja ámanhã Sessão, a fim de se concluir o pouco que resta do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno. (Apoiados.)

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu quero fallar sobre a ordem. — A mim não me importa que haja ámanhã Sessão, porque havendo-a, até votaria porque ella começasse mais cedo, porque o meu desejo é trabalhar: mas, Sr. Presidente, eu vi decidir hontem a Camara, que não entrasse em discussão o Artigo 6.°, porque ainda não estava impresso o Relatorio do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e que por isso não era possivel estarem os Senadores ao facto delle, para poderem com segurança, e conhecimento da materia entrarem na sua analyse. Ora, acontecendo isto ainda hontem, pergunto eu, se hoje já está impresso esse Relatorio í Não. Logo não póde dar-se para ordem do dia o Artigo 6.° da Resposta, porque subsistem ainda as mesmas razões. (Apoiados)

O Sr. Duque de Palmella: — Eu não insisto.

O Sr. Presidente Interino deu para ordem do dia, a discussão do parecer da Commissão de Poderes, sobre a admissão do Senador eleito por Moçambique, e depois a do Projecto da Camara dos Deputados, que torna extensiva a certos Officiaes a Convenção d'Evora-Monte: e fechou a Sessão pelas cinco horas.

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