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DIARIO DO GOVERNO.

uma desordem na maior ordem possivel. Eu não vi esse motim; porém achando-me hontem á noite n'uma casa da Rua de S. Bento, e com alguns Deputados, só alli sube bem o que se tinha passado. Eu tinha visto umas Senhoras fugindo, ás quaes mesmo offereci o meu braço, mas não tinha podido avaliar de que. O unico barulho que ouvi até muito depois de meia noite, foi ao longe o movimento de alguma tropa. Repito portanto, que foi, muito felizmente, uma desordem, com ordem; porque não fez estrago. (O Sr. Miranda: — Foi uma rebellião.) Rebellião foi tambem a de 1837. (Apoiados.) Digo isto em resposta á observação do Sr. Senador, porque devo pagar um favor com, outro favor. Concluo pois dizendo, que depois do que V. Ex.ª lembrou poderia ficar o negocio para se decidir ámanhã pela manhã, e tambem porque eu presenciei dizer na outra Camara o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que: o negocio não era de tanta pressa, porque a segurança publica estava felizmente restabelecida, e tudo em socego.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Para uma explicação que o nobre Senador, por seu costume de benevolencia, me permittirá: quasi nunca ficamos mal por ellas; e desta vez espero que tambem não. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — (Apoiado.) O nobre Senador parece-me considerar que o conhecimento que eu tinha do complexo de factos que expuz, me proveio de informações. Sr. Presidente, eu posso dizer a este respeito quae que ipse miserrima vidi etc. mas estes acontecimentos são de notoriedade publica, e presenciados por uma Capital inteira; ninguem ha que negue a sua existencia, o progresso que tiveram, o acabamento com que terminaram, e os males que causaram; digo eu, pois então será ainda necessario mais alguma informação para conhecer que a noite passada houve um motim sedicioso em Lisboa? (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Do facto ninguem duvida.) Bem. Se o nobre Senador, se o Senado inteiro, se o Publico desta Capital, consideram o facto como elle foi, não é preciso que eu lhe ajunte epithetos para o qualificar. E trouxe-se á memoria outra revolução!.... Eu não nego que a de 1837 fosse uma revolução; (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — (Apoiado.) mas o Governo desse tempo fez então o mesmo que o Governo actual quer agora que se faça, com uma differença que eu não quero mencionar...... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Nesse tempo não era eu Ministro.) Se o nobre Senador fora Ministro não diria eu isto. — Com uma differença de moderação que avaliará quem quizer.

Mas, Sr. Presidente, quem negará que esta successão de revoluções, digo, de motins, sedições (ou como lhe quizerem chamar), contribue poderosamente para damnar, para desaccreditar, para tornar odioso o systema Constitucional no nosso Paiz? (Apoiados.) Não tratemos de devassar das pessoas que entraram no levantamento de 1837, nem de examinar quaes seus fins, quaes seus effeitos, malograda ella, concedo quanto queiram dizer historicamente desse facto. Depois delle houve um acto Nacional, que nos trouxe uma era nova, e o tumulto ou revolta da noite passada está ainda ahi presente. O Governo preciza de meios extraordinarios para cumprir os seus deveres, precisa-os ainda mais para manter a Constituição do Estado; (Apoiados.) sim a Constituição do Estado, que não permitte que homens amotinados gritem pelas ruas = morra o Ministerio = e outras vozes sediciosas.... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Isso é a materia.) É a materia de que se trata: mas, quando eu sahir da ordem, V. Ex.ª me advertirá, creio que tambem os illustres Senadores me advertirão, (O Sr. Miranda: — Esta na ordem.) porque não sou eu homem que queira vir fazer desordem nesta Casa, nesta Casa onde tenho sido tão benignamente tractado. — Porém, Sr. Presidente, que importa o que se gritou, que importa o que se disse, se tudo está no que se fez? No silencio da noite repousavam os habitantes desta Capital; a paz publica foi interrompida, e interrompida com loterias de gente armada: esta gente armada tinha um intento criminoso, ou antes desgraçado; eu me compadeço della: esta gente commetteu um crime publico. Sr. Presidente, foram presos officiaes militares; entre elles o official superior de dia e o Commandante de Lanceiros; foram desatrelladas bestas das carruagens que passavam pelas ruas; mandaram-se tapear cavalleiros; commetteram-se violencias, foram dados golpes em individuos militares e não militares, que se negaram a seguir tal movimento: uma parte dos sediciosos foi sorprehendida tendo arrombado as portas do Arsenal do Exercito. Eu tenho visto algumas sedições (porque disso temos visto nós todos os que vivemos em Portugal com os nossos quarenta annos); tenho visto que armas se tem dado no Arcenal do Exercito a gente que quer oppor-se á ordem de couzas existentes; mas, que eu saiba, é a primeira vez que se arrombaram as portas daquelle.... (não direi pandaemonium) daquelle edificio, até hoje respeitado. Este facto, repito, não carece de epithetos; e não sei eu como se possa deixar de julgar necessario tomar medidas para que elle não sirva de exemplo a outros que taes, se é que outros, em combinação com estes, não tem já lido logar. E preciso tomar medidas vigorosas: para que? Para fazer victimas? Não: para que não haja mais criminosos, porque, quando os não houver, não haverá victimas. O Governo apresenta francamente ao Corpo Legislativo este seu intuito, e o Governo crê, pelo exemplo de moderação, que acaba de dar, que tem direito de esperar uma especie de confiança, sem ser voto della, do mesmo Corpo Legislativo, por isso que não tem abusado do poder para tomar vinganças individuaes de ninguem.

Disse o nobre Senador, que nunca vira desordem com tanta ordem! Isto affirmou S. Ex.ª porque lendo tido occasião de offerecer galantemente os seus braços a umas damas, em quanto a revolta se operava, ninguem appareceu que lho vedasse: mas, poderão affirmar outro tanto aquelles Cidadãos que foram presos, e os cavalleiros áquem foram tirados seus cavallos á força? Sr. Presidente, este caso é daquelles a que se póde applicar o proverbio vulgar (e peço perdão) de que cada um conta da festa, como lhe vai nella.

O nobre Senador, estando na outra Casa, ouvio uma expressão minha, á qual nesta deu um sentido que ella não tinha. Na Camara dos Deputados tratava-se, se devia ser ou não nomeada uma Commissão para examinar a Proposta do Governo; e por essa occasião disse eu, que a pressa não era tamanha que obrigasse a postergação das fórmas parlamentares: não disse por tanto que — não havia pressa — mas sim — que a urgencia não era tanta, que devesse obrigar a uma infracção do regulamento daquella casa — visto que se as circumstancias fossem taes, que impozessem ao Governo a obrigação de obrar immediatamente no sentido da sua Proposta, cumpria-lhe faze-lo assim por bem da segurança publica, e vir depois dar conta ao Corpo Legislativo das rasões do seu procedimento. Mas o Governo não julgou necessario obrar deste modo, e deseja que mui pausadamente a sua Proposta seja discutida; com tudo, entre a pausada discussão de uma Proposta, e um longo intervallo entre a sua apresentação, e a sua decisão, entendo que vai grande differença. O Senado decidirá como lhe parecer, mas certamente não poderá ser taxado de haver-se com precipitação, porque discuta hoje mesmo uma Proposta muito simples em si, e muito simples em sua applicação. Houve ou não houve uma.... não quero chamar-lhe rebellião, (desejo enfraquecer esta expressão, que sôa sempre mal n'um Governo Representativo) um movimento revoltoso? Houve. Uma idéa ha que se associa á deste movimento — que se póde reputar consequencia de outros, que nada tem com o nosso estado: de outros que nem temos rasão de imitar, nem nos convém seguir, se queremos arreigar as instituições liberaes entre nós: o Governo tem por dever acautellar tudo, para que a paz publica não seja perturbada. Não é preciso entrar em promenores sobre acontecimentos sabidos; e o Governo póde ter noticia de alguns menos publicos que obriguem a tomar medidas para conservar o Paiz em ordem, e a Constituição em vigor, livre dos ataques que lhe fazem os que mais vozêam pela sua conservação. E não seria o Governo verdadeiramente responsavel, se por impróvido deixasse chegar as cousas ao ponto de ser necessario derramar sangue? Quem o duvída? Mas o Governo não quer responsabilisar-se por isso: propõem o negocio á decisão de uma e outra Camara, que podem tracta-lo pausadamente; e como a continuidade da discussão senão oppõe á placidez com que é mister conclui-la em assumptos desta ordem, o Governo, pela minha bocca, tem a honra de fazer estas observações ao Senado, para elle as avaliar como em sua sabedoria entender.

O Sr. Miranda: — Não pertendo agora entrar na materia, e só pedi a palavra para uma explicação, e faço-o, por ouvir dizer que os successos da noite passada foram uma desordem com ordem: isto não posso eu comprehender, Sr. Presidente, nem sei combinar como possa haver desordem com ordem, quando no caso actual a desordem é a maior e mais flagrante violação da ordem social, e uma serie de actos altamente criminosos. Houve uma desordem, Sr. Presidente, a maior que podia cometter-se, e que teria incalculaveis consequencias, e bem funestas, para toda esta nação, se a tentativa que fizeram uns poucos, de illudidos induzidos ao crime por outros que não appareceram, chegasse a ir avante, e se assim não aconteceu, deve-se ao Governo que empregou os melhores meios para o evitar, e por este serviço parabens lhe sejam dados, deve-se á firmeza e disciplina da Guarnição d» Cidade, e ao sizo e caracter dos Habitantes, que já conheceram por experiencia, os bens que lhes prometem, os apostolos dos movimentos. Sr. Presidente, de certo houve ordem, e desordem; e simultanea, mas por diversos lados: Houve ordem da parte dos Corpos da Capital, que abafaram a desordem, e da parte dos habitantes, que em patriotismo, e amor do bem publico, confraternisaram com as tropas: — mas, ordem da parte dos revoltosos? Ordem da parte daquelles que, em poucas horas, tantas desordens, e tantos e taes crimes cometteram, como é publico em toda a Cidade, e todos nós sabemos? E em verdade estranha concepção. Pedi pois a palavra para rectificaras expressões do nobre Senador, que, eu o creio, as proferio com intenção bem diversa do sentido que alguem poderia dar-lhes; e tão bem para separar a ordem da desordem, mostrando que a ordem esteve da parte das tropas, e dos habitantes desta Capital; e a desordem da parte dos amotinadores, e dos sublevados, que, em seu desvario, conceberam o pensamento de perturbar a ordem publica.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, se eu quizesse entrar neste momento na discussão da materia podê-lo-ia fazer, porque já aqui tenho apontamentos bastantes para fazer muitas perguntas ao Sr. Ministro do Reino: mas é facto que S. Ex.ª tem informações que eu não tinha; porque diz que fôra preso o Commandante de um Corpo; mas se esse official foi preso na Rua direita do Arsenal, indo dentro de uma Sege, isso prova que o Corpo de que elle é Commandante não estava prevenido, para acudir a obstar a continuação desses lamentaveis successos. Finalmente direi, Sr. Presidente, que quero pedir um premio ao Senado, por eu ter achado um meio de entreter a Camara, porque se tem conseguido o que V. Ex.ª propunha, isto é, que se addiasse a discussão por espaço de duas horas.

O Sr. Conde de Villa Real: - Sr. Presidente, entrando nesta caza penetrado da mais profunda magoa pelos acontecimentos desta noite ainda se augmentou quando vi que se tractava com motejos e com graças de um facto tão importante e tão grave; e que todos devemos lamentar.

Referirei o que se passou comigo e o que vir voltava pacificamente, como costumo, para minha casa, hontem perto das onze horas da noite, quando, já proximo ao largo da Estrella, veio ao meu encontro um homem de sobrecazaca militar (que não conheço e de quem não era conhecido) que me fez parar para me recomendar que não continuasse por aquelle caminho, porque no largo estavam grupos de homens em motim com alguns soldados da Guarda Municipal sublevados, que lhe tinham posto as baionetas ao peito para o não deixar passar, que lhe não tinham permittido recolher-se a sua caza, e que com muito custo se tinha livrado delles. Neste momento aproximou-se de mim outro homem que fallando-me pelo meu nome, sem eu então saber quem elle era, me recomendou, que me não demorasse na rua, que entrasse em alguma caza immediatamente, porque me podia acontecer alguma cousa. Offerecendo-me a sua casa um visinho do meu conhecimento com quem este homem estava fallando, entrei nella com os mais. Alli me disseram que se fazia uma revolução, que já desde as 9 horas se estava reunindo gente, no largo da Estrella, que a companhia da Guarda Municipal da Travessa dos Ladrões se tinha unido aos revoltosos que gritavam viva a Rainha e a Constituição de 38, e morram os Ministros.