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DIARIO DO GOVERNO.

veis. Sr. Presidente, lavemos efe vêr nascer novos embaraços uns atraz dos outros: até aqui fez-se uma Lei que dizia que bastava a suspensão do Artigo 18.°; agora pede-se a suspensão do Artigo 20.°, porque já não basta a daquelle; ora é evidente que seria tambem necessaria a suspensão dos Artigos 35.º, e 123.º; mas esta é impossivel; entretanto virá tambem pedir-se; teremos Leis para ampliar a primeira Lei, para a prorogar, Leis para suspender os differentes Artigos da Constituição: a Lei de 14 de Agasta será o prefacio de um Codigo reaccionario; e vêr-se-ha a Lei fundamental do Estado desmantelada peça por peça. (Apoiados.)

Muitas vezes tenho ouvido dizer, que a soberania nacional é a omnipotencia humana, pela reunião de todas as forças, e pela reunião de todos as vontades: mas ha vontades que nem a Nação, nem os seus Representantes podem nunca ter; porque ha limites prescriptos, pela moral universal, que a nenhum poder humano é licito ultrapassar: tal se verifica neste caso. Vós ides dar aos réos Juizes suspeitos, Juizes escolhidos pela parte contra quem litigam! É contra a humanidade obrigar os réos a pôr a sua honra e vida, á discripção daquelles de quem o accusador fez escolha. (Apoiados.) A recusação do Juiz suspeito é uma parte da defeza natural, e esta não póde haver Lei nenhuma que a tire; é um direito anterior a todas as Leis, e a todas as Constituições: se se quizesse privar os réos do direito natural da defeza, então melhor seria, ou, senão fosse melhor, seria certamente mais franco, proscreve-los logo, declara-los fóra da protecção da Lei, e mataveis é vista. (Apoiados.) Digo mais, que os réos têem direito a usar da recusação, e os Advogados têem obrigação de lha aconselhar, porque são erigidos em Juizes homens escolhidos pela parte, homens de quem o accusador fez escolha: e tambem não sei como seja possivel fazer-se uma Lei que obrigue o Juiz, que se sente suspeito, a não reconhecer a sua suspeição. (Apoiados.)

Sr. Presidente, bem conheço que existem ás vezes certas circumstancias, nas quaes o perigo é tão imminente que nem toda a prudencia humana pelos meios ordinarios póde desviar; conheço que póde haver algum caso era que seja necessario cubrir com um véo a estatua da Liberdade: mas estamos nós actualmente chegados a esse caso? Não, porque o proprio Governo confessa que ha tranquillidade publica. Aqui estão presentes muitos illustres Senadores que já pertenceram em 1834 ao Corpo Legislativo, e que coma seus membros tiveram parte na confecção de uma Lei contra os sectarios do usurpador. Essa Lei diz, que se a Provincia, ou o Districto estiver declarado em insurreição, se empreguem contra os que nesse Districto se levantarem medidas extraordinarias; mas que, se não estiver declarado em insurreição, os sectarios do usurpador, ainda que se levantem, e tomem armas a favor delle, sejam entregues ás Justiças ordinarias; e note-se, que isto teria logar posto que D. Miguel tivesse entrado em territorio Portuguez; e além disto foi decretada esta Lei na época em que havia uma grande guerrilha armada: e, agora quando não ha insurreição, e quando tudo está tranquillo, ha de se ir lançar mão de medidas mais severas, medidas que então se rejeitaram? Custa a crer.

Tenho defendido a minha opinião expondo as razões, que me suggere a convicção que tenho sobre este objecto; e espero que ninguem se persuada que estou animado da mais leve indisposição contra nenhuma das pessoas que existem hoje no Ministerio. (Apoiados.) No Ministerio está um illustre Senador, o Sr. Conde do Bomfim, de quem tenho recebido provas de consideração e amisade; no Ministerio está um collega meu, com quem não tenho motivo algum para estar indisposto. Mas além das razões que tenho indicado, não devo deixar de repetir, que a conveniencia do proprio Governo é uma das mais fortes para rejeitar estes recursos extraordinarios: os Srs. Ministros me permittirão que lhes diga, que a Constituição é a salva-guarda do Governo, assim como é a sua regra: os meios regulares e ordinarios, são os que lhe podem dar confiança, e a verdadeira força de um Governo Constitucional, cujo apoio é a opinião publica, perde-se pela deviação da regularidade e da justiça; as medidas extraordinarias espalham a consternação com o apparato do terror e da violencia; multiplicam-se os inimigos do Governo, e augmentam-se os seus perigos. Desde que se julga mais facil governar sem o constrangimento Constitucional, os exemplos succedem-se uns aos outros. Aqui e agora poderia eu abrir o grande livro da historia: não ha muito tempo, que se nos fallou dos Gracchos; e eu tambem poderia fallar nos Gracchos, e em Catilina, e em Cicero; os factos mostrariam, que as consequencias das medidas violentas são sempre desastrosas; que, depois de dado o exemplo, não é facil parar nessa carreira, até que totalmente se subverta a Constituição do Estado: mas é desnecessario, porque os illustres Senadores tem perfeito conhecimento dos factos historicos, que eu poderia apontar. Tambem poderia lêr uma pagina da historia da grande Nação Franceza, e ahi acharia como aos Tribunaes revolucionarios succederam Commissões militares, e Conselhos de guerra, aos Conselhos de guerra Tribunaes especiaes, etc, mas repito, a Camara conhece, melhor do que eu, que a experiencia tem mostrado invariavelmente a tendencia a imitar, e continuar taes instituições. Elias excedem sempre o seu firo; tomam direcções que se não previram, e por fim levam mesmo o terror, aonde os seus authores menos o desejariam. E a tranquillidade publica ganha com isso Estas medidas semeiam a desconfiança, e as suspeitas; reanimam as paixões, e dão-lhe armas; reanimam odios que talvez se fossem aplacando. E a Constituição? Essa ha de vir a ser por fim objecto de irrizão para uns; e quando outros «invocarem, será isto reputado como hostilidade da sua parte. Como é que se póde ter confiança naquillo que não garante nada? Como se póde respeitar a authoridade do que se está offendendo? Como se póde acreditar na estabilidade do todo, quando nenhuma das partes tem consistência? É preciso que eu me explique: digo isto para mostrar os perigos que resultam das medidas extraordinarias, que sáem fóra das regras marcadas na Constituição; e accrescentarei que o Ministerio não tem necessidade destas medidas, tem a Lei Judicial, na qual ainda que haja alguns defeitos, poderiam muito bem emendar-se. Seria tambem possivel evitar a demora que ha na instancia da appellação, e mesmo no Supremo Tribunal de Justiça; e muito facilmente passaria um Projecto que tambem abbreviasse os ter-mos da primeira Instancia.

Por tanto rogo á Camara queira rejeitar o Projecto em discussão, e que se nomeie uma Commissão que redija um Projecto de Lei, pela qual se reforme a Lei Judicial na parte em que os termos do processo, que ella estabelece, podem ser mais abbreviados.

O Sr. Serpa Machado: — É muito difficil fallar nesta materia seta nos affastar alguma cousa da questão; todos o temos feito, entretanto peço a V. Ex.ª que se eu me affastar della inadvertidamente, V. Ex.ª me chame á questão.

O Artigo que é adoptado pela Commissão reduz-se á ampliação explicita da suspensão das garantias ao paragrapho unico do Artigo 20 da Constituição. Um illustre Senador fez uma censura a Commissão e á Camara, e foi — que tendo-se feito uma Lei ha pouco tempo, tivessemos já de lhe fazer uma emenda: respondo que as Leis são como os Edificios, depois de feitos é que se lhe conhecem os defeitos; o mais que se poderia censurar seria que a Lei sahisse tão defeituosa que se devesse alterar em todos os seus Artigos; mas defeitos parciaes devem merecer desculpa: se os Legisladores em uma Lei feita em mementos de crise se esqueceram de apresentar este Artigo ampliativo, não se segue que agora o não devam fazer; mas eu direi as razões porque talvez se não desse attenção neste Artigo, ou á sua doutrina, a que agora se dá muita. Os que opinaram, e votaram por aquella Lei, entenderam que alterada a garantia do Artigo 18 escusado era fazer explicita mensão desta; e eu sou um destes; porque os Tribunaes que se estabeleceram por aquella Lei bem longe de serem contrarios ao paragrapho unico do Artigo 20 da Constituição, são conformes, a elle; o paragrapho unico do Artigo 20 o que prohibe é que se estabeleçam privilegios pessoaes, mas não que se estabeleçam privilegios de causas, e é por isso que as causas Commerciaes, e outras tem Juizo privativo; por tanto aquelles que o entenderam assim não se podem censurar, porque isto não são Commissões especiaes, mas Juizos privativos de causa, e se se omittiu a suspensão da garantia deste Artigo, foi debaixo desta supposição: depois suscitou-se esta duvída, e então era da prudencia do Legislador, tirar esse pretexto para que se não valessem delle os executores da Lei; por tanto o objecto tornou-se duvidoso, e agora para se removerem essas duvidas, é que se assentou que se devia adoptar este meio mais explicito, por aquella regra = quod abundai non nocet. E assim parece-me que tenho respondido nesta parte ao illustre Senador.

Disse-se mais que quando as Leia são claras não se precisa de declaração: a clareza ou obscuridade das Leis ás vezes depende da comprehensão de cada um: sustenta o illustre Senador que providencias desta natureza, e assim como as disposições da Lei vão atacar a Constituição; porém não adverte o illustre Senador que aquillo que elle reputa contra m Constituição, outros o reputam conforme; entretanto se elle nos podesse convencer disto á força de boas razões e argumentos, nós conviríamos: mas a opinião da maioria da Camara não póde com a sua núa convicção obrigar-nos a ceder da nossa.

Disse-se mais que senão verifica o caso de uma rebellião, visto que ella já acabou, e que devem cessar as medidas extraordinarias; porque cessando a causa, cessa o effeito: esta argumentação tem sido já tão repetida que não deviamos demorar-nos muito em combatê-la; mas uma revolução que apresentou taes symptomas no centro da Capital, que necessariamente devia ter grandes apoios, plano, e ramificações, não é para despresar ao ponto de que nos deitemos em um leito de rosas, e sem precaução, sómente porque se prenderam meia duzia de delinquentes; e por ventura quererá dizer-se que não ha rebellião? Quererá negar-se uma verdade conhecida, e de que todos nós fomos testemunhas? Poderá negar-se a existencia do fogo, só porque está coberto debaixo das cinzas, apparecendo a athemosphera cheia de fumo? Convêm taes medidas para evitar o seu progresso. Trouxe-se á collecção a historia da Revolução Franceza, e o comités revolucionarios: seja-me permittido dizer que antes de haverem esses excessos se introduziu a anarchia, e esta é que deu occasião a essas Commissões especiaes; se se tivesse sustentado a divisão dos poderes não viria a cahir a França primeiro nas Commissões especiaes revolucionarias, e depois no governo arbitrario de um só homem. O abuso dessas Commissões, e a desordem dellas vem de ordinario da má administração da justiça.

Disse o illustre Senador — deixemos o remedio aos Tribunaes Ordinarios: tanto em uma como em outra Camara se tem mostrado a necessidade de alterar as Leis ordinarias pela sua insufficiencia, e havemos deixar negocio de tanta monta sem cura efficaz e proveitosa? A questão reduz-se a vêr se as medidas que se propõem são bastantes, e eu entendo que não ha inconveniente em quo nós por maior segurança adoptemos as propostas; tiremos aos Juízes esse embaraço bem ou mal suscitado, para remediar o mal terrivel da denegação da justiça que é grande,

O Sr. Raivoso: — Sr. Presidente, este primeiro Artigo falla de Commissões especiaes: eu não sei o que são Commissões especiaes que só conheço pelos effeitos das que tem havido em Portugal, mas sei que são prohibidas em todas as Constituições, o muito expressamente no paragrapho unico do Artigo 21 da Constituição que ainda nos deve reger, de direito ao menos: sei ainda mais que este Artigo 21 é Constitucional, e não garantia individual, e por isso só póde ser suspenso pelo modo marcado na mesma Constituição de que elle faz parte: de outro modo virá a mesma Constituição a ficar anniquilladas á força de repetidas supressões de Artigos Constitucionaes. Por tanto reprovo o Artigo em discussão.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Não me parece que seja necessario discorrer largamente sobre o merito do Projecto (qualquer que seja a sua denominação) apresentado pela illustre Commissão deste Senado, por quanto o objecto geral delle, e as considerações que se fizeram sobre as suas causas, e os seus effeitos, tem sido longa, e até brilhantemente expendidas por muitos oradores, de um e outro lado. Entretanto, Sr. Presidente, repetiram-se mais de uma vez objecções, muitas das quaes já foram respondidas, e por isso não parecerá estranho que tambem se repitam as respostas, e até se ampliem. — Eu com tudo procurarei ser breve, e me limitarei áquellas referencias que muito especialmente fez um nobre Senador ao Governo são só moralisando sobre o facto acontecido, mas tambem sobre a opinião emittida pelo mesmo Governo, expressada por algumas palavras, aqui proferidas por mim, creio que na noite do dia 13.