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DO DIARIO DO GOVERNO.

as causas e os effeitos dos successos humanos, difficil este estudo, porque todos nós buscamos achar nelle não os factos como elles tiveram logar, mas segundo nossas opiniões, e principios, e convicções; e daqui nasce o abuso que se faz tão frequentemente da lição da historia. — O nobre Senador eruditamente se referiu a Cicero, que veio a perecer victorioso da sua coragem contra os conspiradores de Catilina, cujos socios elle, sendo Consul, fizera matar na prisão.... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Parece-me que morreu combatendo); Cícero? Não morreu combatendo, foi morto fugindo: fallo da morte dos cumplices de Catilina. Sr. Presidente, tambem eu sei que o Governo, principalmente o de fórma representativa, que se lançar na carreira das vinganças, e só escutar as insinuações dos partidos, cuidando que assim obra segundo a publica opinião, ha de perecer victima de seu desvario. Mas a que vem aqui as allusões, a que tem aqui Cicero e a barbaridade da sua morte, ás mãos daquelle mesmo Popilio Lennas, que elle tinha salvado no fôro? Como se póde dizer do Governo actuai, que elle se lança ã frente da reacção, e que se faz instrumento de vinganças? O grande homem de Roma pereceu, e com elle a liberdade. Havido por aristocrata os demagogos, tornados tyrannos, o assassinaram, e na verdade ninguem corre mais depressa para o despotismo do que a demagogia! Nós procuramos enfrear esta, torna-la impotente; porque queremos salvar a liberdade. A liberdade não morre pela suspensão legal de algumas de suas garantias; morre pelo abuso que dellas façam os inimigos da ordem. Estes sim são os que miram as vinganças pessoaes, a satisfação de ambições; e peço ao nobre Senador que pois é tão familiar com a historia antiga e moderna, me diga se ella lhe mostra algum exemplo contrario ao que acabo de affirmar.

Pelo que respeita aos exemplos trazidos da historia da Revolução Franceza, não foi mais feliz o illustrado Senador. Que tem de commum os tribunaes revolucionarios estabelecidos pelo phrenesi popular para matar aristocratas com este Juizo legal e conhecido dos Conselhos de Guerra, para, segundo a Lei, serem julgados os homens que praticaram um crime de revolta? Esses tribunaes eram a revolução formulada juridicamente: o seu fim era derramar sangue, e excitar os animos contra os inimigos da mesma revolução; e a tal ponto chegaram seus excessos que foi necessario o braço de um grande homem que acabou com a liberdade para pôr termo á revolução. Nós pertendemos que não seja necessario este meio para acabar a nossa; queremos que a revolução acabe ou que o espirito revolucionario seja domado sem perigo de liberdade; e ha inda quem nos culpe de anti-liberaes porque assim procedemos! (Apoiados.) Nem é justo chamar exemplos dos tempos em que a authoridade desappareceu, e a multidão furiosa dominava despoticamente sobre as Leis, sobre a justiça espalhando o fogo das discordias que abrasavam uma grande nação, nem os da espada de um só homem, posto que esse homem fosse Alexandre, ou Napoleão: sirvam-nos exemplos mais modestos de legalidade constitucional: imitemos estes. Em Inglaterra para salvar a liberdade das mãos da revolução por muitas tezes tem sido suspenso o habeas corpus. Em Hespanha a liberdade constitucional tem escapado aos furores da anarchia protegida pela Lei do Estado de sitio, e julgamentos em Conselhos de Guerra. - Estes exemplos tem mais analogia com o nosso estado, são proximos, são contemporaneos. Quem vai hoje examinar os elementos da Sociedade antiga, tão diversos da Sociedade e regimen dos povos modernos?

É um facto sabido e notorio, que a organisação dos Governos constitucionaes os torna em casos extraordinarios insufficientes para obstar ás tentativas da rebellião, se se não soccorre o Governo a medidas de força, e de arbitrio; mas este recurso tem formas, e dá-se em casos determinados; e quando elles chegam é constitucional este recurso, contrario ás provisões do Codigo fundamental. D'outra sorte essas salutares provisões viriam a ser muitas vezes escudo que salvaria os inimigos da liberdade, e a tornaria funesta aos Cidadãos mais dignos della. A que proposito pois querem assustar com a perda da liberdade aquelles que nada tem que recear com a suspensão das garantias, que só póde ter effeito contra os que violam a Lei do Estado, e tomaram á sua conta infringir todas as Leis, sublevando-se contra o Governo com as armas na máo, querendo obrigar o Chefe do Estado a que deixe calcar a sua mais preciosa prerogativa?

Os nobres Senadores espraiam-se em prophecias: como nada podem dizer do presente dio um salto para o futuro; e ameaçam a Nação com os despostimos que o Governo ha de exercer, se lhe fôr concedida a faculdade que veio pedir. Serio renovadas as alçadas de D. Miguel, e os cadafalços se erguerão, como se ergueram reinando esse monstro. Até se disse aqui que esses juisos de D. Miguel eram menos monstruosos que os Conselhos de Guerra, porque ao menos os Desembargadores de então tinham jurisdicção! — Não esperava ouvir este elogio ás alçadas pelo nobre Senador jurisconsulto, o qual devia lembrar-se que se taes verdugos tinham jurisdicção para com os presos civis, a não tinham para com os militarei que, não obstante, eram por elles julgados e Sentenciados. Eis-aqui como ás vezes se cegam os mais finos entendimentos. Mas o que eu acho mais notavel no discurso do illustre Senador é que elle mesmo reconhece a insufficiencia dos juisos ordinarios para o julgamento destes crimes. Até aqui se tem dito que o defeito da Lei é parte para que muitos crimes ordinarios estejam annos por sentenciar; e que se dirá destes que devem quanto seja possivel (conservados os meios de defensa) ser seguidos do castigo? Entretanto o Governo propoz o meio não de condemnar os réos, sem lhes deixar defensa, como aqui se disse na Sessão de 13, não o de nomear juízes para os condemnar, mas sim um meto de julgar usado, conhecido, e até havido como beneficio para os réos militares, meio adequado ás circumstancias extraordinarias do crime; que se ha de dizer? Que o Governo quer exercer a tyrannia e tornar-se desposta para renovar entre nós os tempos de D. Miguel. Na verdade esta conclusão me dispensaria da resposta, se por dever me não vi se obrigado a da-la....

O Sr. Leitão: — Eu não fallei hoje em alçadas de D. Miguel; e quando fallei nellas. outro dia, não disse, que eram compostas só: de Magistrados com jurisdicção; pelo contrario disse, que os seus Membros eram vestidos, uns de béca, outros de farda: logo enganou-se o Sr. Ministro do Reino. — Disse tambem S. Ex.ª, que eu attenuam o facto: eu não attendei, nem exagerei; antes na outra Sessão disse, que não contestava a menor circumstancia do Relatorio do Sr. Ministro: logo enganou-se o Sr. Ministro do Reino. — Disse tambem S. Ex.ª, que eu affirmara ter previsto estes embaraços na exclusão da Lei. Eu não disse que tinha previsto estes embaraços; disse que os lamentava, mas que não me admirava; e nisto se enganou tambem S. Ex. — Agora em quanto ás expressões ironicas a meu respeito, a que S. Ex.ª julgou poder abaixar-se, não respondo: sómente me permittirá que lhe diga, que taes argumentos fazem mais mal a quem os emprega.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino. — Se me dá licença, direi que me não accusa a consciencia de me ler servido de expressões ironicas.

O Sr. Leitão: — Quando fallou de centelhas e faiscas etc,

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Essa é boa; não Senhor, não é ironia, é a verdade.

O Sr. Leitão: — Agradeço muito.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não sei do que me deva admirar mais, se da confiança do Governo em pedir, seda liberalidade do Corpo Legislativo em conceder: não sei, Sr. Presidente, o que é mais extraordinario, se o devoto respeito que o Ministerio affecta de quando em quando para com a Constituição do Estado, ou a boa fé do Corpo Legislativo em accreditar protestações contrariadas constantemente pelos factos! E, Sr. Presidente, póde dar-se maior contradicção entre os factos, e as protestações, do que o Projecto de Lei em discussão? No dia 12 podia ser permittido a qualquer Governo o entender, que a manutenção da ordem publica na capital, demandava algum poder extraordinario; mas hoje, Sr. Presidente, quando nós todos testemunhámos hontem dez mil Portuguezes de todas as classes, de todas as condicções, de todos os partidos, de todas as côres, e de todas as profissões, reunidos n'uma praça publica pelo espaço de seis horas, applaudindo uma brilhante e aparatosa corrida de touros, sem que entre tantos mil expectadores houvesse uma só palavra, um só gesto de desunião, hoje, Sr. Presidente, que o Senado ou vio do banco dos Srs. Ministros Confirmar o facto de que todo o Reino está felizmente em socego; hoje que faz o Ministerio? Em vez de propôr a derogação da Lei de 14 de Agosto, ao menos em quanto ás Provincias, em quanto á liberdade de imprensa, em quanto ás alçadas de infernal memoria, que vem elle propôr, que vem elle pedir, que obteve já da Camara baixa? A suspensão de novas garantias! Não será isto uma decepção continuada, a que o Senado não deve associar-se? Pois o mal minora feliz mente, e o rigor augmenta! E ha coragem para propôr, e devoção para votar novos Leis de excepção? Onde querem levar-nos? Se alguem o ignora, a Sessão de hoje poderá illustra-lo.

O Senado não póde sem excesso flagrante, sem fallar ao seu mandato, derogar o paragrapho unico do Artigo da Constituição, que foi concebido para acabar no Governo Representativo com os Tribunaes revolucionarios Com as alçadas de D. Miguel, e com as fogueiras do Cáes do Sodré. Sr. Presidente, só por suspeitas que pódem ser mais ou menos bem fundadas, não deve o Reino todo continuar neste estado de soffrimento; de outra sorte nunca vetei cumprir a Constituição. (Apoiados). Sinto muito por tanto, torno a dizer, que quando o mal diminue, se exija ainda o rasgamento de mais folhas da Constituição. Renovar esses Tribunaes de excepção é não só um delicto, mas um erro, na phrase d'um, illustre estrangeiro — Ministros da Corôa, o mesmo braço que decepou as cabeças innocentes de Baille, e de Madame Rolland, decepou tambem as cabeças criminosas de St. Just, e de Robespierres. Se vós commetterdes a imprudencia de ír procurar o modelo dos vossos Tribunaes á Convenção, um dia poderá vir, dia nefasto, dia que Deos áparte, em que alguem vá procurar Juízes, e Tribunaes á Inquisição, ou aos tempos calamitosos de Cromwel, de Carlos 2.º, ou de James 1.º Eu tenho um grande receio destes Juizes escolhidos pelo Governo, e tambem pena delles, particularmente daquelles, que tem empregos a perder, que podem achar os seus meios de subsistencia, em contradicção com o seu dever.

Eu não quero fazer injustiça a ninguem, e muito menos injuria; mas parece-me que neste empenho de abolir todas as garantias por causa de uma sublevação tão parcial, e já extincta, ha não sei que de latente, que inspira sustos e receios pela Constituição se isto assim ha de continuar, eu creio, Sr. Presidente, que seria mais airoso para o Governo o vir aqui um dia e dizer — Decretou-se que a Constituição do Estado deixasse de existir, que o Governo absoluto seja o Governo de Portugal, que todos os Tribunaes se transformem em alçadas, todos os Juizes em algozes etc. etc. — do que insistir neste systema de hyprocrisia, que pede o despotismo, em nome da Liberdade. Haveria traição neste modo de proceder, mas tambem haveria algum denodo, e poderia reluzir nelle um systema de Governo; mas este systema bastardo, azul claro e branco de manhã, encarnado e azul de tarde, que nem mantem a ordem, nem sabe impedir a anarchia, não serve para outra cousa, se não para desairar o Governo, desmoralisar os povos, e deslustrar o Reinado da Rainha, (Apoiados.)

Sr. Presidente, fujamos das paixões na feitura das Leis, e desta importancia: fujamos da precipitação, que póde comprometter a reputação do Corpo Legislativo. Já não é muito airozo, que uma Lei feita hontem pelos sabios e distinctos Jurisconsultos do Parlamento, precise já hoje de commentario. Fez-se a Lei por vapor para o passado e para o futuro, e vem por fim seis illustrados Desembargadores, e mostram que não se póde fazer obra por ella? Esta ao menos não é da chamada Dictadura e da sapiencia de 1840. — Eu voto contra o Artigo.

Agora, Sr. Presidente, responderei a alguns argumentos que se apresentaram a favor do Projecto, e começarei discordando d'um illustre Senador, que entendeu que violar um Artigo da Constituição mais ou menos, era indifferente: eu não o posso pensar assim, e lamento muitissimo que já se tenham violado tantos, e que te proponha ainda a violação de outros. (Apoiados.) Eu direi tambem como S. Ex.ª que nem todas as obras sahem perfeitas; e com effeito esta obra sahio muito má de mais, porque lodosos seus defeitos foram logo conhecidos, e aquelles mesmos que tinham es-

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