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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

5.ª SESSÃO

EM 23 DE JUNHO DE 1911

SUMMARIO - Antes da ordem do dia: Chamada e abertura da sessão.- Leitura da acta e do expediente.- Explicação do Sr. Presidente acerca de um folheto recebido e distribuido.- Segunda leitura do projecto de lei do Sr. Estevam de Vasconcellos sobre accidentes de trabalho e de uma proposta do Sr. João Gonçalves para ser desdobrada a commissão de legislação. - O Sr. José de Padua propõe que as sessões d'esta Assembleia comecem ás tres horas da tarde - O Sr. Eduardo de Almeida apresenta e justifica uma proposta para a elaboração de um codigo de trabalho. - O Sr. Ramos da Costa apresenta uma proposta, que fundamenta, para que a respectiva commissão formule um projecto de lei relativo á construcção de habitações economicas destinadas ás classes operarias. - O Sr. Sebastião Rodrigues justifica a sua falta á sessão anterior. - O Sr. Alfredo Ladeira propõe e sustenta que, nos trabalhos dependentes do Estado ou das municipalidades, seja desde já estabelecido o dia normal de oito horas. - O Sr. Albano Coutinho declara que desejava apresentar uma moção, mas que o não faz por não estar presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e manda para a mesa duas representações e um telegramma. - O Sr. Ministro do Fomento refere-se a parte do discurso do Sr. Albano Coutinho. - O Sr. Ladislau Piçarra desenvolve uma proposta para que se organizem nesta Assembleia secções de estudo em que se inscrevam os Srs. Deputados segundo as suas aptidões. - O Sr. Ramada Curto faz referencia a uma proposta feita por outro Sr. Deputado na sessão anterior. - O Sr. Lopes da Silva trata do imposto de consumo em Lisboa. - Os Srs. João de Menezes e Alvaro Poppe apresentam propostas, que fundamentam, sobre a hora de começar os trabalhos parlamentares. - O Sr. João de Freitas retira uma proposta sua sobre o mesmo assunto - Os Srs. Manuel Bravo e Botto Machado desistem da palavra para se entrar na ordem do dia - O Sr. França Borges requer, pelo Ministerio do Interior, alguns documentos relativos a individuos accusados de conspirarem contra a Republica ou de espalharem boatos perturbadores da ordem publica.

Ordem do dia. - O Sr. Innocencio Camacho e o Sr. Silva Ramos propuseram desdobramento de commissões, ficando as suas propostas para segunda leitura. - O Sr. Presidente deu conhecimento do resultado da eleição complementar para a commissão de julgamento e faltas. - Procedeu-se simultaneamente, por proposta do Sr. Dantas Baracho, ao escrutinio para a eleição das commissões de finanças e administração publica, dando o Sr. Presidente conta dos resultados obtidos.- O Sr. Correia de Lemos participou que estava constituida a commissão da Constituição. - Usa da palavra para explicações o Sr. Innocencio Camacho. - O Sr. João de Menezes propõe, e foi approvado, que o sabbado fosse o dia de semana destinado a trabalhos em commissões. - Foi a sessão prorogada, com algumas observações feitas pelo Sr. Sousa da Câmara, até se concluirem os trabalhos de votação das commissões referidas. - Foi encerrada a sessão, marcando-se a immediata para o dia 26, á uma hora da tarde.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Balthasar de Almeida Teixeira
Affonso Marques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão. - Á 1 hora e 30 minutos da tarde.

Presentes - 177 Srs. Deputados.

os seguintes Srs.: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Álvaro Poppe, Álvaro Xavier de Castro, Amaro Justiniano de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Carvalho Mourão, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Richter, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo de Almeida, Elisio de Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel do Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palia, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Luis dos Santos Motta, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montês, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José Thomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Mariano Martins, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Bottos Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião de Magalhães Lima, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victor José de Deus Macedo Pinto, Victorino Henriques Godinho e Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Antonio Ribeiro Seixas, Bernardino Luis Machado Guimarães, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Eduardo de Abreu, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Florido da Silva Toscano, Francisco da Silva Passos, João Barreira, João Fiel Stockler, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José da Silva Ramos, Manuel de Arriaga, Manuel José de Oliveira e Manuel de Sousa da Camara.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Augusto da Costa, Alberto Carlos da Silveira, Alexandre Braga, Angelo Rodrigues da Fonseca, Anibal de Sousa Dias, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Aurelio da Costa Ferreira, Antonio José de Almeida, Antonio Padua Correia, Antonio Pires de Carvalho, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Fernando da Cunha Macedo, Fortunato da Fonseca, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Helder Armando dos Santos Ribeiro, João Carlos Nunes da Palma, Joaquim Theophilo Braga, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Augusto Simas Machado, José Dias da Silva, José Jacinto Nunes, Leão Magno Azedo, Miguel de Abreu, Severiano José da Silva e Thomás Antonio da Guarda Cabreira.

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SESSÃO N.° 5 DE 23 DE JUNHO DE 1911 3

O Governo estava representado pelos Srs. Ministros das Finanças, da Guerra e do Fomento.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Fez-se a leitura do seguinte

Expediente

Officios

Do provedor da Misericordia de Lisboa. - Remettendo alguns exemplares do relatorio do anno de 1909-1910 que a respectiva administração dirigiu a S. Exa. o Sr. Ministro do Interior, afim de serem distribuidos pelos Srs. Deputados que o desejarem.

Para a Secretaria.

Do presidente da Junta do Credito Publico. - Remettendo 221 exemplares do relatorio e contas da gerencia do anno economico de 1909-1910, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a Secretaria.

Do presidente da Propaganda Civica.- Convidando a mesa da Assembleia Nacional Constituinte a assistir á festa que se realiza no domingo, 25 do corrente, pela uma hora da tarde, no Colyseu de Lisboa, em homenagem á colónia espanhola em Lisboa.

Para a Secretaria.

Do presidente da assembleia geral da Associarão de Soccorros Mutuos Fraternidade Naval. - Communicando que foi deliberado lançar na acta da sua sessão de 22 de junho corrente um voto de congratulação pela proclamação da Republica Portuguesa e enviar aos Srs. Deputados calorosas saudações.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Marvão. - Exmo. Presidente Constituintes, Lisboa. - Commissão Municipal Marvão, em sessão, seu secretario e administrador concelho saudam Assembleia Nacional, fazendo ardentes votos pelo progresso e resurgimento da nossa querida Patria. = Presidente da Commissão.

Para a Secretaria.

Faro. - Exmo. Presidente da Camara dos Deputados, Lisboa. - A Commissão Municipal Administrativa, em seu nome, do povo republicano e patriotico d'este concelho, sauda a proclamação da Republica. = O Vice-Presidente da Commissão, Domingos Joaquim Guieiro.

Para a Secretaria.

Cartaxo. - Exmo. Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - Camara Cartaxo, na sua primeira sessão depois proclamação da Republica na Assembleia Nacional Constituinte, sauda legitimos representantes da Nação e d'elles espera uma patriotica dedicação pela honra e dignidade da Republica e pelo bem do País. = Presidente, Pereira.

Para a Secretaria.

Mossamedes. - Presidente Constituintes, Lisboa.- Saudações enthusiasticas. = Centro Republicano Colonial.

Para a Secretaria.

Braga. - Camara Braga, sua sessão, resolveu saudar todo enthusiasmo Assembleia Constituinte, legalização gloriosa revolução 5 de outubro, fazendo votos felicidade da Patria e Republica. = Simões de Almeida, vice-presidente.

Para a Secretaria.

Porto. - O Syndicato dos Professores Primarios de Portugal sauda a primeira Assembleia Legislativa da Republica Portuguesa, fazendo votos pelos seus auspiciosos resultados. = O Presidente da Direcção, Miguel Martins Oliveira.

Para a Secretaria.

Braga. - A Commissão Administrativa da Misericordia de Braga e Hospital de S. Marcos, em sessão realizada hoje, resolveu, por acclamação, saudar na pessoa de V. Exa., como seu Presidente, o primeiro Parlamento da Republica Portuguesa, de cuja acção espera confiadamente o resurgimento da Patria. = O Presidente, Alfredo Leal.

Para a Secretaria.

Nazaretii. - Presidente da Assembleia Constituinte, Lisboa. - A Camara Municipal de Pederneira, reunida em sessão, envia a V. Exa. calorosas felicitações pela proclamacão definitiva da Republica. = O Presidente da Câmara, Lino Silva.

Para a Secretaria.

S. Vicente.- Assembleia Nacional, Lisboa. - Os officiaes e praças da canhoneira Zambezia felicitam a Nação e saudara os seus representantes pela proclamação da Republica, manifestando confiança em que das novas instituições resurja um Portugal novo e digno.

Para a Secretaria.

Porto, 22, ás 2 horas e 55 minutos da tarde. - Cidadão Presidente Anselmo Braamcamp, Câmara dos Deputados, Lisboa. - Nós, reclusos da cadeia civil do Porto, do fundo da alma agradecemos a V. Exa., ao cidadão Dr. Eduardo Abreu e a todo o Governo da Republica Portuguesa a attenção que V. Exas. dispensaram perante os desgraçados com a amnistia. Viva a Republica Portuguesa.

Cadeia, 22 de junho de 1911. = Manuel Pinto Pestana.

Para a Secretaria.

Resende, 22, ás 3 horas e 26 minutos da tarde. - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - A Commissão Municipal Administrativa de Resende, reunida em sessão ordinaria depois da abertura solemne da Assembleia Nacional Constituinte e reconhecimento, pelos eleitos do povo, da Republica Portuguesa, sauda V. Exa. e toda a Assembleia Nacional. = O Presidente, Antonio Monteiro de Araujo.

Para a Secretaria.

Villa Verde, 22, ás 4 horas e 22 minutos da tarde. - Exmo. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - A Commissão Administrativa Municipal do concelho de Villa Verde, reunida em sessão ordinaria, deliberou que ficasse consignado na acta o seu completo regozijo pela proclamação da Republica Portuguesa na Assembleia Nacional Constituinte. = Presidente.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Tenho a dar uma explicação á Câmara. Foi-me enviada uma porção de folhetos e juntamente uma carta assinada por um homem de 92 annos de idade, irmão do fallecido estadista Mendes Leal.

Mandei distribuir esses impressos; e só depois reparei que no verso de cada um d'elles havia uma folha de papel com frases inconvenientes.

A meu ver o melhor remedio e cada um dos Srs. Deputados fazer o mesmo que eu faço: rasgar o folheto.

(S. Exa. rasgou-o).

Vae proceder-se á segunda leitura de um projecto de lei e de uma proposta que estão sobre a mesa.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITIUNTE

Projecto de lei

Senhores. - Na sessão de 9 de maio de 1908 apresentei nesta Câmara um projecto de lei impondo em Portugal as responsabilidades dos accidentes sob a noção do risco profissional, que se encontra já hoje estabelecido sem a menor discrepancia nem protesto em todos os países da Europa, medianamente cultos.

No relatorio que o precedeu ficaram concretizadas as razões por que esse projecto não satisfazia o meu desideratum em materia social, deixando sem garantias as victimas, na hypothese da insolvencia dos patrões e empresas industriaes.

Acima de tudo procurei fazer um trabalho exequivel. Sempre tenho julgado que é essa a missão do legislador. Leis brilhantes na sua contestura geral e completas em todos os seus pormenores, mas que não apresentem garantias de viabilidade, podem satisfazer a vaidade de uni estadista, ou attingir determinados uns politicos, mas são de utilidade absolutamente negativa e contribuem para a desorganização de todos os serviços do Estado.

Na sessão de 16 de março de 1909, renovando a iniciativa d'esse projecto de lei, corroborei com novas considerações, e fundamentei com novos factos a minha affirmativa de que nas actuaes condições do nosso meio social, politico e economico, uma lei sobre accidentes de trabalho para apresentar garantias de exequibilidade deveria ser muito simples e rudimentar, sem pretensões a garantir absolutamente todos os direitos do operariado.

No entanto não abandonei o assunto, e continuando a recorrer a todos os elementos de estudo ao meu alcance cheguei a concluir que o projecto de 1908 poderia, sem perigo para a sua exequibilidade, soffrer modificações relativamente importantes e de um alcance apreciavel.

Creio que todo o homem publico, cônscio dos seus deveres e responsabilidades, deve proceder por esta forma, procurando sempre tornar a sua obra mais proficua para os interesses da collectividade, e mais estavel em face das transformações do progresso.

A deficiencia maior do meu projecto de lei era a falta de garantias para o pagamento de pensões, devidas em casos de morte ou incapacidade permanente, quando se desse a fallencia do patrão ou quando este por qualquer eventualidade deixasse de exercer a sua industria.

Posto de parte o seguro obrigatorio e exclusivo por conta do Estado, que apenas a Noruega adoptou e que em Portugal nem merece as honras da discussão, posta de parte pela relutancia que levantaria no nosso meio um addicional sobre toda a contribuição industrial para a constituição de um fundo especial destinado a garantir as indemnizações nos casos de insolvencia - como existe na França e Belgica - eu procuro resolver a difficuldade, adequando á questão dos accidentes de trabalho a legislação que já se encontra em vigor em Portugal, para a industria dos seguros.

Se os patrões e empresas industriaes tiverem um largo espirito de iniciativa e uma noção segura dos seus interesses poderão fomentar o desenvolvimento de sociedades mutuas, cuja organização procuro estimular, determinando no artigo 4.° que o Conselho dos Seguros arbitre para essas agremiações, consagradas exclusivamente aos accidentes de trabalho, um deposito especial.

Esse deposito deverá, pelas mais rudimentares razões de equidade, ser muito inferior ao que se encontra estabelecido para as companhias de seguro que exploram negocios de maior latitude. E d'esta forma poder-se-ha conseguir no nosso pais, sem a intervenção do Estado, tantas vezes perturbadora e deprimente, a existencia de associações patronaes que desempenhem o papel que na Allemanhã e na Austria estão desempenhando as Caixas de seguros contra os accidentes.

Os patrões que não tenham transferido as suas responsabilidades ficarão sujeitos á obrigação de depositarem na Caixa Geral de Depositos as reservas mathematicas correspondentes ás pensões de que se tenham tornado devedores, em virtude de desastres que produzam a morte ou incapacidade permanente e estabelecendo o artigo 14.° que todas as indemnizações terão privilegio especial na hypothese de fallencia sobre as outras dividas, muito raros ficarão sendo os casos em que os operarios e suas familias possam ser logrados pela impossibilidade da applicação da lei.

Outra modificação apresenta este projecto de uma necessidade imprescindivel e de uma utilidade immediata. Especifico as industrias a que se estende a responsabilidade dos accidentes de trabalho porque a concepção de que todas devem considerar-se incluidas na lei poderá parecer á primeira vista a formula mais equitativa e sensata de resolver o problema, mas daria logar a confusões successivas e questiunculas irritantes, muito particularmente num país refractario até hoje a toda a legislação social.

Fica determinada a elaboração, por uma commissão em que deverão entrar representantes das classes interessadas, de um regimento especial para a remuneração dos serviços clinicos e preço dos medicamentos. As duvidas que sobre esta materia se teem suscitado em alguns países justificam por completo uma tal disposição que a França já se viu forçada a adoptar para pôr termo a conflictos constantes que se levantaram entre os medicos, pharmaceuticos, companhias de seguro e patrões.

Estabelece, emfim, este projecto no § unico do artigo 13.° doutrina nova que deixa o campo aberto para todos os acordos internacionaes, que de futuro se venham a realizar. É este um dos aspectos mais interessantes da legislação social na sua actual fase. O internacionalismo vae conquistando terreno; os espiritos mais reflectidos e previdentes vão comprehendendo que as medidas sociaes apenas poderão dar resultados verdadeiramente fecundos no dia em que todos os países se tornem solidarios na sua execução.

Já se encontra em vigor desde 1904 o acordo franco-italiano estabelecendo reciprocidade de direitos entre os operarios franceses e italianos victimas de acidentes e a corrente accentua-se nesta orientação, que decerto vingará num futuro mais ou menos próximo.

Senhores. - Esta questão continua posta em termos definidos e insofismaveis. A promulgação de uma lei sobre accidentes de trabalho-precisamente a unica lei social que em Portugal seria immediatamente realizavel por não acarretar encargos para o Thesouro - é absolutamente inadiavel! E não ha subterfugios nem mystificações que possam illudir este facto. Um inquerito, como o que ultimamente se mandou proceder para se conhecer o numero e a causa dos accidentes occorridos em todo o pais, principia por ser irrisorio e acaba por ser inutil.

Emquanto não estiver em vigor uma lei que imponha responsabilidades, uma estatistica de accidentes de trabalho ha de offerecer tantas garantias de seriedade como a que offereceria uma estatistica criminai num pais em que não houvesse tribunaes e os crimes não fossem punidos. E muitos ou poucos, devidos á imprevidencia dos patrões, ao descuido dos operarios ou aos defeitos da proprio machinismo industrial, o que é justo, o que é honesto, o que é humano é introduzir sem mais delongas na legislação portuguesa o principio consagrado do risco profissional.

Artigo 1.° Terão direito á assistencia clinica, medicamentos e indemnizações consignadas nos artigos 2.° e 3.° d'esta lei, sempre que sejam victimas de um accidente de trabalho succedido por occasião do serviço profissional e em virtude d'esse serviço os operarios e empregados das fabricas, officinas e estabelecimentos industriaes onde se faça uso de uma força distincta da força humana, das minas e pedreiras; das fabricas e officinas metallurgicas e de construcções terrestres e navaes; dos serviços de cons-

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tracção, reparação o conservação de edificios; dos estabelecimentos onde se produzem ou se utilizam industrialmente materias explosivas ou inflammaveis, insalubres ou toxicas; de construcção, reparação e exploração de vias ferreas, portos, estradas, canaes, diques, aqueductos e outros trabalhos similares; de transportes por via terrea, maritima e navegação interior; dos trabalhos de limpeza de poços e de esgotos; dos armazens de depositos de carvão, lenha e madeira de construcção; dos theatros em relação ao seu pessoal assalariado; das corporações de bombeiros; dos estabelecimentos de producção de gaz e electricidade, collocação e conservação das redes telegraphicas e telephonicas; dos trabalhos de collocação, reparação e desmontagem dos conductores electricos e para-raios; dos serviços de carga e descarga.

§ 1.° Considera-se accidente de trabalho, para os effeitos da applicação d'esta lei, toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psychica (com ou sem lesão corporal concomitante) que resultem da acção de uma violencia exterior, produzida durante o exercicio profissional.

Igualmente se consideram para os mesmos effeitos accidentes de trabalho: a absorpção accidental de uma substancia perigosa, projecção de um liquido corrosivo, a intoxicação immediata por vapores puterciveis, a asphyxia subita por gazes deleterios e a inoculação do carbunculo.

§ 2.° As entidades responsaveis pelas indemnizações e encargos provenientes dos accidentes de trabalho são os representantes das empresas e os patrões que exploram uma industria e auferem os respectivos lucros. Apenas são exceptuados os operarios que, trabalhando habitualmente sós, chamem para os auxiliar no seu serviço um ou mais dos seus camaradas.

Art. 2.° Se o accidente for seguido de morte, dará logar ás seguintes pensões annuaes:

a) Para o cônjuge sobrevivo, não separado de pessoas e bens, sob a condição de que o casamento se tenha effectuado antes do accidente, 20 por cento do salario animal emquanto não contrahir novas nupcias, e nesta ultima hypothese a uma indemnização igual ao triplo d'aquella pensão;

b) Para os filhos legitimes, legitimados ou perfilhados antes do accidente, menores de dezaseis annos, 15 por cento sobre o salario annual se houver apenas um, 25 por cento se forem dois, 35 por cento se forem tres e 40 por cento se forem quatro ou mais;

c) E, não havendo filhos, para os ascendentes ou para quaesquer descendentes menores de dezaseis annos que estivessem a cargo das victimas, 10 por cento do salario annual, não podendo a totalidade d'essa pensão exceder 40 por cento do mesmo salario.

§ unico. Estas pensões principiam a ser vencidas desde o dia do fallecimento.

Art. 3.° Se o accidente occasionar incapacidade de trabalhar da victima, esta terá direito, desde o dia do mesmo accidente, a uma indemnização, segundo o grau de incapacidade:

a) Na incapacidade permanente e absoluta a uma pensão igual a dois terços do salario annual;

b) Na incapacidade permanente e parcial a uma pensão igual a metade da reducção, que a victima tenha soffrido nos seus proventos em virtude do accidente;

c) Na incapacidade temporaria e absoluta a uma indemnização, em todos os dias uteis, igual a dois terços do salario diario e se este for variavel da media do salario vencido no ultimo mês;

d) Na incapacidade temporaria parcial a uma indemnização igual a metade da reducção soffrida no salario diario.

Art. 4.° Em seguida á promulgação d'esta lei o Conselho dos Seguros determinará os depositos especiaes que deverão realizar na Caixa Geral de Depositos as sociedades mutuas, constituidas por patrões e tendo por objecto exclusivo garantir o pagamento das indemnizações devidas por accidentes de trabalho e fixará as reservas mathematicas das pensões estabelecidas nesta lei para os casos de morte e incapacidade permanente.

Art. 5.° Os patrões e empresas industriaes que não tenham transferido as suas responsabilidades para qualquer companhia de seguros ou sociedade mutua deverão depositar na Caixa Geral de Depositos as reservas mathematicas correspondentes ás pensões de que se tenham tornado responsaveis pelos desastres succedidos.

Art. 6.° Correm por conta dos patrões as despesas de assistencia clinica e medicamentos necessarios para o tratamento da victima de um accidente de trabalho.

Art. 7.° Uma commissão nomeada pelo Ministro do Fomento em que deverão entrar representantes das associações industriaes, das companhias de seguros, da Associação dos Medicos Portugueses e da Associação dos Pharmaceuticos procederá á elaborarão de um regimento especial para a remuneração dos serviços clinicos e para o preço dos medicamentos em casos provenientes de accidentes de trabalho.

Art. 8.° É permittida á victima a escolha do medico, quando se não queira sujeitar á assistencia do que lhe for indicado.

Neste caso o seu tratamento poderá, porem, ser fiscalizado pelo medico do patrão, companhia de seguros ou sociedade mutua responsaveis pelas despesas e a remuneração dos serviços clinicos não poderá ir alem da que for fixada no regimento a que se refere o artigo 7.°

Art. 9.° Ficam a cargo dos patrões as despesas dos funeraes dos operarios e empregados fallecidos em virtude de um accidente do trabalho, não podendo essas despesas exceder quinze vezes o valor do salario diario.

Art. 30.° Quando se prove que o accidente foi dolosamente provocado pela victima ou que esta se recusa a cumprir as prescrições clinicas do medico que a trate, deixarão ella e os seus representantes de ter direito a qualquer indemnização.

Art. 11.° As indemnizações poderão attingir a totalidade do salario, se o accidente tiver sido dolosamente occasionado pelo patrão ou quem o substitua na direcção dos trabalhos, sem prejuizo das mais responsabilidades em que incorram.

Art. 12.° As indemnizações devidas nos casos de morte e incapacidade permanente apenas são determinadas nos termos dos artigos 2.° e 3 ° até o salario annual de réis 400$000. Na parte que exceda essa quantia serão reduzidas a metade.

Art. 13.° Os operarios e empregados victimas de um accidente de trabalho ou os seus representantes deixarão de ter direito a qualquer pensão desde que deixem de residir no territorio português. Se porem forem estrangeiros terão direito a receber por uma só vez, no momento de se ausentarem de Portugal, o triplo da pensão annual que lhes tenha sido fixada. Neste ultimo caso sendo menores de mais de 13 annos e menos de 16, apenas deverão receber uma indemnização igual ás pensões que lhes restavam receber se continuassem residindo em Portugal.

§ unico. Estas disposições poderão ser alteradas, nos limites das indemnizações determinadas nesta lei para os estrangeiros, cujos países garantirem vantagens equivalentes aos operarios portugueses.

Art. 14.° As obrigações contrahidas em virtude d'esta lei terão, em caso de fallencia, privilegio especial sobre todas as outras dividas.

Art. 15.° Para o julgamento das questões suscitadas na applicação d'esta lei serão criados tribunaes especiaes de arbitros avindouros, constituidos por delegados, em igual numero, dos patrões, operarios e medicos.

§ 1.° O Governo publicará logo que esta lei seja decretada os regulamentos necessarios para a eleição em col-

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legios especiaes d'esses representantes e para o regular funccionamento dos tribunaes. Para este effeito o pais será dividido em circunscrições segundo o desenvolvimento industrial das diversas regiões e na sede de cada circunscrição funccionará um tribunal.

§ 2.° Na circunscrição, em cuja sede haja uma associação medica de classe, os representantes medicos serão escolhidos por essa associação.

Art. 16.° Todas as indemnizações devidas por accidentes de trabalho são empenhoraveis nos termos do n.° 9.° do artigo 815.° do Codigo do Processo Civil.

Art. 17.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de junho de 1911 = O Deputado, Estevam de Vasconcellos.

Este projecto de lei foi admittido e enviado á commissão do trabalho.

Proposta

Proponho que a commissão de legislação seja subdividida em duas: uma de legislação civil e outra de legislação criminal, sendo qualquer d'ellas composta de sete membros. = João Gonçalves.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Vou fazer a inscrição dos Srs. Deputados que desejem usar da palavra antes da ordem do dia.

Vozes: - Peço a palavra. Peço a palavra.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Vai lêr-se a inscrição.

Foi lida na mesa.

Vozes (reclamando): - Eu tambem pedi a palavra. Eu não estou inscrito.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Vai de novo ler-se a inscrição.

O Sr. Alvaro Poppe: - Talvez fosse melhor ler os nomes dos Deputados que não pediram a palavra... (Risos).

Foi lida a inscrição.

O Sr. Presidente: - Vou dar agora a palavra aos Srs. Deputados inscritos.

O Sr. José de Padua (na tribuna): - Sr. Presidente : Muitos Srs. Deputados teem outras occupações, e começando as sessões á uma hora da tarde, aquelles que são funccionarios publicos, não desejando faltar á Câmara, mas tambem não querendo faltar aos deveres dos seus cargos, veem-se numa contingencia difficil de resolver. Parece-me esta razão sufficiente para justificar a proposta que passo a ler.

(Leu).

Proposta

Proponho que as sessões da Assembleia Nacional Constituinte comecem ás tres horas da tarde.

Sala das Sessões, 23 de junho de 1911. - José de Padua = José Mendes Cabeçadas Junior = Emidio Mendes = Antonio Maria da Silva = José da Silva Ramos = Ladislau Parreira = José Carlos da Maia = Eusebio Leão.

Requeiro dispensa do Regimento para entrar logo em discussão. = José de Padua.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José de Padua pediu dispensa do Regimento para esta proposta.

Vozes: - O quê? Não se ouviu.

O Sr. Presidente: - E eu não posso falar mais alto.

O Sr. Faustino da Fonseca: - Um porta-voz...

Faz-se silencio em toda a sala.

O Sr. Presidente: - Dizia eu que o Sr. Deputada José de Padua pedira dispensa do Regimento para a sua proposta.

Muitas vozes: - Não pode ser. Não pode ser. Está-se pondo constantemente de parte o Regimento.

Uma voz: - Dispensa, não; urgencia, sim.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se reconhece a urgencia.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Nesse caso fica a proposta para segunda leitura.

O Sr. Eduardo de Almeida: - Sr. Presidente: Hontem, quando se ia entrar na ordem do dia, o Sr. Dr. Estevam de Vasconcellos advogou a ideia de se eleger uma commissão encarregada de estudar a legislação operaria e renovou a iniciativa do seu projecto de lei relativo aos accidentes do trabalho. Foi este o unico motivo que me determinou a não apresentar logo a proposta que, neste momento, tenho a honra de trazer á Camara.

Applaudo e associo-me com enthusiasmo profundo aquelles dois movimentos da mais avisada e leal democracia, mas não me dou por contente.

A Republica, que emancipou o espirito nacional, inundando de luz a noite do reaccionarismo jesuitico em que elle vegetava e uniu, na communhão sagrada da esperança, a coração da nossa raça (Apoiados) tem de levantar a imbecilidade hypocrita que resolveu que Portugal não era agitado pelas modernas questões sociaes e de abraçar o povo que lhe sacrificou sangue generoso e honrado e para ella ergueu os seus olhos maguados num anseio de fé e amor.

A Assembleia Nacional deve lembrar-se de que, por mais perfeita que seja a Constituição que venha a ser adoptada, e de que, embora dominada pelas mais bellas intenções, a sua obra ficará esteril, se não procurar - e desde já - evitar o perigo que verdadeiramente ameaça a nacionalidade e que está na tristissima desgraça e no criminoso desprezo a que foi lançada a mulher operaria portuguesa (Apoiados) e que vae perfida mas seguramente devastando a mocidade nas lutas ingentes do trabalho. (Apoiados).

A Republica seria uma mentira se não cumprisse o fraternal dever de melhorar a situação do operario, attendendo ás condições economicas do pais e recursos financeiros do Thesouro; seria uma mentira a Republica se não melhorasse desde já a sorte do operario, com um positivo criterio de previdencia e assistencia.

E onde, Sr. Presidente, mais cruel sarcasmo do que o de deixar, emquanto nós andamos envolvidos nesta luta de ideaes que cristalizará na organização básica definitiva de uma nova era politica, que mães portuguesas não tenham para dar a seus filhos senão as magras gotas de um leite pobre envenenado pela miseria e pela dor? (Apoiados).

Termino, recordando aquellas palavras de Thomás Hood - ó homens que tendes mães, irmãs, esposas queridas, o linho que vós usaes é a propria vida de criaturas humanas.

Não quero alterar o programma que me impus e em

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SESSÃO N.° 5 DE 23 DE JUNHO DE 1911 7

que está inscrita a norma de só dizer o preciso quando preciso e, confiado nos sentimentos da Camara, não lhe tomo mais tempo, lendo já a minha proposta.

"Proponho á Assembleia Nacional Constituinte que, approvada a commissão de legislação operaria, a esta s confie a redacção de um Codigo de Trabalho, em que se condensem, revistas e modernizadas, as disposições da leis respectivas em vigor e se estabeleçam desde já as normas fundamentaes de garantia ao trabalhador, attendendo aos seus justos interesses, ás condições economicas do meio e condições financeiras do Thesouro e da protecção e assistencia aos operarios menores e ás mulheres, regulamentando especialmente as convenções relativas ao trabalho, duração e descanso, hygiene e segurança, accidentes, caixas de aposentações, organização de syndicatos profissionaes e o serviço da inspecção honesta e efficaz.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 23 de junho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 4, Eduardo de Almeida.

Vozes: - Muito bem.

(Foi çida na mesa a proposta do Sr. Eduardo de Almeida e ficou para segunda leitura).

O Sr. Ramos da Costa: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

"Sendo indispensavel que a Republica não siga a orientação do regime deposto, que tudo promettia e pouco ou nada concedia, e que enverede por um caminho racional e pratico, attendendo ás justas aspirações e ás necessidades mais importantes do povo, propomos:

Que uma commissão especial ou a commissão da legislação operaria formule um projecto de lei que proporcione os meios práticos para se poderem construir habitações economicas para as classes operarias.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 23 de junho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 39, Francisco de Salles Ramos da Costa = O Deputado pelo circulo n.° 49, Manuel Goulart de Medeiros".

São de todos conhecidas as condições desgraçadas em que vive a maior parte dos operarios, principalmente dos centros mais populosos de Lisboa, Setubal, Covilhã, Porto, etc.

E devida a duas causas principaes esta má vida dos operarios: á alimentação e á habitação. A alimentação é deficientissima, não só pela quantidade como pela qualidade, porque o commercio, na maioria, não e honesto (Apoiados geraes), falsifica os generos alimenticios, envenenando as classes trabalhadoras, um dos factores mais importantes da riqueza nacional. (Apoiados).

Outro factor que concorre para a vida desgraçada do operario é a agglomeração. O operario, depois de estar umas poucas de horas habitando na officina, que em geral não tem condições hygienicas, vae para casa e encontra-se ahi em peores condições do que as que tinha na officina, porque a casa não tem luz, nem ar.

E indispensavel, pois, que a Republica olhe com olhos de ver para esses desgraçados (Apoiados), que teem tanto direito ao bem estar como todos os demais cidadãos. (Apoiados).

O homem, que está todo o dia junto a uma bancada, a uma machina ou a um torno, esgotando a sua energia, não pode chegar a velho, porque se estiola e, por isso, é preciso que o Governo, ou para melhor dizer a Republica, formule leis de protecção, não com o sentido de esmola, mas com o sentido de lhe reconhecer o direito a essa protecção, porque, assim como o operario tem a obrigação de produzir trabalho, tambem o Estado tem a obrigação de o proteger e de lhe proporcionar o bem estar.

Varias considerações poderia apresentar neste sentido, mas vou terminar, porque não quero cansar mais a attenção da Camara.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Ramos da Costa.

Foi lida na mesa.

O Sr. Ramos da Costa: - Desejava pedir a V. Exa. que consultasse a Camara sobre se dispensava o Regimento, attendendo á importancia do assunto.

Vozes: - Não pode ser; não pode ser.

O Sr. Presidente: - A proposta fica para segunda leitura.

O Sr. Sebastião Rodrigues: - Sr. Presidente: Participo a V. Exa. que, por motivo de doença, não pude comparecer á sessão de hontem.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente: Pedi a. palavra para mandar para a Mesa uma moção, mas antes, que a envie permitta-me V. Exa. e a Câmara que eu a, preceda de algumas breves considerações.

Por entre as numerosas e justissimas reinvindicações do operariado de todo o mundo culto, uma existe na alma de todo o operariado português ha muitos annos e a que elle tinha a absoluta certeza de que seria a Republica que lhe daria satisfação. Refiro-me ao estabelecimento do periodo normal diario das oito horas de trabalho.

Sr. Presidente: Eu não desconheço o estado lamentavel em que se encontra a nossa industria, sei muito bem que, umas arrastam vida miseravel, emquanto outras vegetam numa profunda ignorancia.

Desejaria muito que as oito horas de trabalho se estendessem a toda a industria nacional, para assim se livrar, o operariado português da escravidão em que se encontra. Mas para isso lembro a urgente necessidade de uma regulamentação de horas de trabalho. Orge que immediatamente se estabeleçam em todos os trabalhos do Estado e das municipalidades as oito horas de trabalho. Até hoje se as possuem os operarios dos municipios de Lisboa, Setubal e Evora. Na Inglaterra essa regalia estende-se a todos os operarios do Estado e dos municipios. Na Nova Zelandia e nos estaleiros franceses ha muito que os operarios, possuem essa mesma regalia.

Só os operarios portugueses em geral não teem tido o direito a essa mesma regalia.

É possivel que por alguns espiritos passe a ideia de que o operario trabalhando só oito horas produza menos. Ahi está o engano.

O operario trabalhando menos numero de horas sente despertar nelle mais gosto esthetico e maior sentimento, irtistico. A prova d'isto está em que V. Exa. Sr. Presidente, que tambem é presidente da camara Municipal de Lisboa, certamente terá visto que, depois de estabelecida esta regalia, as receitas da Camara Municipal não teem diminuido.

Nesta Camara tem assento como Deputado por Angra do Heroismo o Sr. Faustino da Fonseca, que, no Congresso Republicano de 1907, apresentou uma moção em que dependia esta doutrina.

Vou ler rapidamente alguns periodos para justificar as minhas considerações:

"Considerando que ao partido republicano incumbe a defesa do povo, opprimido pela descaroavel exploração do trabalho, do povo andrajoso e faminto, lançado á valia pela tuberculose, perdido sem esperança no dolente marasmo da miseria;

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Considerando que o programma republicano de 11 de janeiro de 1891 estabelece o seguinte:

"Abolição dos monopolios; estabelecimentos do regime de aprendizagem e regulamentação do trabalho de menores; desenvolvimento das associações cooperativas de consumo, producções, edificações e credito, pelo adeantamento pelo Estado de um fundo inicial; abolição de todos os direitos de consumo cobrados pelo Estado; diminuição gradual do imposto de consumo nos generos de primeira necessidade; regulamentação do inquilinato, tribunaes arbitraes de classe para os conflictos entre operarios e patrões; ampliação de competencia nos arbitros, auxilio ás câmaras syndicaes, bolsas de trabalho e todos os meios de encorporação do proletariado na sociedade moderna"; O partido republicano resolve disputar a eleição municipal de Lisboa para tornar a Câmara de Lisboa o municipio modelo, realizando em todas as administrações o programma republicano, estabelecendo o dia normal de oito horas e um minimo de salario para os operarios da câmara e todas as empresas que com ella teem contrato, forçando ao cumprimento da lei os potentados monopolistas, preparando a municipalização dos grandes serviços monopolizados, dando ao povo bairros operarios, banhos gratuitos, as festas civicas que o hão de dignificar e educar, erguendo ao principio associativo um palacio das associações, que seja a casa do povo, onde funccionem as associações de classe, as cooperativas, as bolsas de trabalho e os tribunaes arbitraes.

O representante do Centro Republicano de Angra do Heroismo, Faustino da Fonseca".

O Sr. Faustino da Fonseca: - E foi approvada por unanimidade.

O Orador: - Hoje com a Republica estabelecida, é necessario attender ás justas reclamações das classes operarias. (Apoiados).

Até hoje os operarios nada pediram, sendo pois justo que lhes concedamos uma parcela do que lhes devemos dar.

Termino, mandando para a mesa a seguinte proposta que passo a ler.

(Leu).

Proposta

Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte, ma infestando a consideração que lhe merecem as justas e legitimas reivindicações do proletariado português, tautas vezes formuladas ao extincto regime, e sempre por elle esquecidas, determine:

1.° Que em todos os trabalhos executados sob a immediata superintendencia do Estado ou das municipalidades, no continente ou nas ilhas adjacentes, fique desde já estabelecido o dia normal de oito horas de trabalho diario;

2.° Que nas possessões ultramarinas, o periodo de oito horas seja o periodo maximo de trabalho, podendo sempre ser reduzido, quando a violencia dos trabalhos a executar ou as condições climatericas assim o exijam. = Os Deputados, Alfredo Maria Ladeira = Gastão Rodrigues = Sá Pereira".

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do Sr. Deputado Alfredo Ladeira.

Vozes: - Não é moção é proposta.

Uma voz: - É um projecto de lei.

Leu-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Classificarei de proposta, se a Assembleia concordar.

Vozes: - Apoiado, Apoiado.

O Sr. Presidente: - Fica para segunda leitura.

O Sr. Albano Coutinho: - Não tenho acompanhado com a devida assiduidade os trabalhos, parlamentares, como tanto desejava, pelo mau estado da minha saude. Assim, só hoje, pela leitura, no Diario das Sessões da acta da terceira sessão, em que se discutiu uma proposta do Deputado Sr. Alvaro de Castro, é que tive conhecimento das palavras do Deputado Sr. Teixeira de Queiroz, meu velho amigo, quando se referiu a que não deviamos duvidar das providencias tomadas pelo Governo Espanhol, para ajusta defesa das novas instituições, ameaçadas na fronteira pelos infames conspiradores, que querem a todo o transe perturbar a consolidação da Republica Portuguesa. Eu apresentaria uma moção referente ao assunto, mas não o faço, por não estar presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Aproveito o estar no uso da palavra para mandar para a mesa duas representações dos aspirantes das repartições de finanças de Anadia e Mealhada, protestando contra as disposições da lei de 26 de maio.

Mando igualmente para a mesa um telegramma da commissão administrativa do concelho de Vagos, pedindo reparações em estradas districtaes que se encontram em péssimo estado, e sobre o assunto chamo a attenção do Sr. Ministro do Fomento, pedindo-lhe que faça, logo que isso lhe seja possivel, uma visita ao norte, para ver o estado lamentavel de algumas, estradas naquella parte do país.

Sou Deputado da Nação, mas não me desobrigo de tratar dos interesses regionaes da localidade que me elegeu seu representante ás Constituintes.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Pedi a palavra para dizer que a minha demarche junto do Sr. Deputado Albano Coutinho não tivera outro fim senão o de lhe pedir que se abstivesse, na ausencia do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, da apresentação de qualquer proposta ou moção que versasse materia relativa ás nossas relações exteriores. S. Exa. assim o fez, mas eu julgo-me obrigado a dar esta explicação para evitar erradas interpretações.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Desejo affirmar muito simplesmente, mas muito positivamente, que, em meu fraco modo de entender, se torna necessario romper, nesta Câmara, com as praxes adoptadas e que vieram do tempo da monarchia. De contrario perder-se-ha muito tempo, acabando se a illusão de que todos o querem aproveitar o melhor possivel.

Nestas condições tenho a honra de apresentar á Assembleia, em nome de um grupo de prezados collegas, e no meu proprio, uma singela proposta, consistindo em que se organizem secções de estudo, onde os Srs. Deputados se inscrevam livremente, de modo a facilitar-se assim a melhor composição das commissões parlamentares.

A organização de secções de estudo deve constituir um trabalho muito proveitoso. Proporei, pois, que, antes de se proceder á eleição de commissões, se proceda á organização de secções de estudo.

E neste sentido apresento a seguinte

Proposta

"Os abaixo assinados propõem que, á semelhança dos congressos scientificos, se organizem nesta Assembleia secções de estudo, nas quaes os Srs. Deputados se inscrevam livremente, segundo as suas aptidões.

Lisboa, em 23 de julho de 1911.= Os Deputados: Ladislau Piçarra = Gastão Rodrigues = Alfredo Maria

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SESSÃO N.° 5 DE 23 DE JUNHO DE 1911 9

Ladeira = Estevam de Vasconcellos = António Bernardino Roque = José Miranda do Valle."

(O orador não reviu.)

Foi lida a proposta do Sr. Ladislau Piçarra, e ficou para segunda leitura.

O Sr. Ramada Curto: - Lamento ter de levantar a minha voz para tratar de um assunto, a meu ver, pequenino.

Mas o meu criterio não tolelaria deixar passar em claro a proposta aqui feita hontem, para que fossem publicados os nomes dos Srs. Deputados, que, a certa altura da sessão, não estavam presentes.

Eu era d'este numero, porque os meus affazeres profissionaes, a minha vida, a isso me obrigaram. Mas isso não autoriza ninguem a suspeitar que eu tenha menos interesse pelos trabalhos parlamentares.

Não occupo uma alta posição financeira ou burocratica, é certo; mas posso assegurar que ninguem é mais patriota do que eu.

(O orador não reviu).

O Sr. Innooencio Camacho: - Peço a palavra.

O Sr. Lopes da Silva: - Sr. Presidente: Chamo a attenção de V. Exa. e da Assembleia para um assunto de altissima importancia, pedindo tambem para elle a attenção do Governo, especialmente do Sr. Ministro das Finanças.

O Governo Provisorio, no louvavel intuito de fazer guerra a um imposto tão revoltante e odioso como é o imposto de consumo na cidade de Lisboa, fez, obedecendo a um fim puramente humanitario, uma suppressão nas receitas publicas de 500 e tantos contos de réis, com o fim de favorecer as classes pobres de Lisboa. Mas é preciso que se saiba que essa importante quantia fica integralmente nas mãos dos intermediarios, e, como no decreto que o supprimiu se determina que no dia 31 de julho se faça outra suppressão de centenas de contos, que não vão ser utilizados pelas classes trabalhadoras, peço á Assembleia Constituinte que pondere bem o assunto, e ao mesmo tempo peço ao Sr. Ministro das Finanças que sobresteja na sua resolução. Nós não devemos de forma alguma continuar a estar algemados aos açambarcadores de generos alimenticios: a miseria é grande e preciso é attenuá-la.

Terminando, dirijo-me uma vez mais á Assembleia Nacional, pedindo-lhe que tome este assunto na devida consideração; e se os pobres não se hão de utilizar de tão importante beneficio, requeiro que para os cofres publicos voltem essas centenas de contos que tão necessarios são para a Republica poder fazer face ás suas despesas.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. João de Menezes: - Peço a palavra para um assunto urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado a vir á mesa declarar qual o assunto urgente para que pediu a palavra.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O assunto urgente, para que o Sr. Deputado João de Menezes pediu a palavra, é relativo á hora de começarem as nossas sessões.

Vou consultar a Assembleia sobre se considera urgente este assunto.

Consultada a Assembleia, resolveu affirmativamente.

O Sr. João de Menezes: - Pedi que a Assembleia fosse consultada sobre a urgencia do assunto de que desejo tratar, porquanto entendo necessario apresentar uma proposta que sirva de base para discussão.

Já no tempo da monarchia propus que as sessões começassem ás nove horas da manhã. E, por minha parte, tenho a certeza de que os propositos que animam a Assembleia são os do trabalho mais honesto e mais desinteressado, e de que nenhum dos Srs. Deputados se apresentou aos seus eleitores senão com o proposito de vir dar a todo o pais, pelo seu procedimento; o exemplo de dignidade civica, de honestidade e de trabalho.

Sr. Presidente: Um pais que caiu das mãos da monarchia absolutamente indisciplinado sob todos os pontos de vista, e principalmente sob o ponto de vista moral, apresentando-se á Assembleia Nacional Constituinte só vem no intuito de dar aos seus concidadãos o mais alto, nobre e indiscutivel exemplo de disciplina social e moral.

E porque tenho a certeza d'isto, e vejo em cada um dos meus collegas o proposito de sacrificar tudo a bem do pais, não hesito em propor, para inicio dos trabalhos parlamentares, uma determinada hora, sobretudo numa Camara eleita pelo povo, pelo povo que se levanta, ainda mal luz a madrugada, para ir trabalhar.

Não ignoro que ha muitos Deputados que teem outros assuntos a tratar á noite. Eu pertenço, ao numero d'esses que trabalham pela noite adeante; mas pertenço tambem ao numero d'aquelles que teem por norma não se importarem em sacrificar os seus interesses para que os trabalhos da Câmara corram para bem do país.

E por isso que proponho que as sessões da Assembleia Constituinte comecem ás no vê, horas da manhã e terminem á uma hora da tarde.

Com effeito, se a Assembleia, com o bom senso que a tem distinguido e com o manifesto proposito que todos os oradores teem revelado, persistir nesse louvavel empenho, poder-se-ha fixar no Regimento que, antes da ordem do dia, se destinem dez minutos para apresentação de quaesquer propostas e que, na ordem do dia, se designem vinte minutos para cada orador, que poderá assim manifestar a sua intelligencia e saber, e o pais aproveitar das ideias que elle tenha.

No tempo da monarchia, o melhor exemplo era um individuo falar, mas pensar pouco; talvez mesma o pais se perdesse pela abundancia de palradores e falta de pensadores. Agora, porem, o caminho da regeneração deve estar no seguinte campo: pensar muito, trabalhar mais e falar menos.

Uma voz: - Mas V. Exa. já fala ha mais de cinco minutos.

O Orador: - São as despedidas de verão. É o canto do cysne da verborreia parlamentar.

Proposta

"Proponho que as sessões da Assembleia comecem ás nove horas da manhã e terminem á uma hora da tarde. = João de Menezes".

(O orador não reviu).

Foi lida na mesa a proposta do Sr. João de Menezes.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado João de Menezes apenas considerou urgente a apresentação da proposta, e não a sua discussão, fica a mesma proposta para segunda leitura.

(Pausa).

O Sr. Deputado Alvaro Poppe tambem, sobre o mesmo assunto, deseja fazer uma proposta cuja apresentação considera urgente. Concederei já a palavra a este Sr. Deputado, se a Assembleia assim o entender.

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10 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Muitas vozes: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Alvaro Poppe: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que as sessões d'esta Assembleia principiem ás três horas da tarde. = Alvaro Poppe.

Com duas palavras vou justificar a razão por que escolho as tres horas da tarde e não as nove da manhã para a abertura da sessão.

Ha aqui dentro muitissimos Deputados que tem os seus afazeres nos Ministerios; se a sessão principiar ás nove horas da manhã, e acabar á uma hora, como propôs o Sr. Dr. João de Menezes, e como pelo facto de sermos Deputados não perdemos as necessidades e funcções fisiológicas, teremos seguramente de ir almoçar, não podendo pois chegar á Repartição antes das duas horas e meia; e sendo a hora de fechar ás quatro, ficamos apenas com hora e meia para trabalhar nos Ministerios.

Se, pelo contrario, a sessão principiar ás três horas da tarde, temos quatro horas e meia de trabalho nos Ministerios.

Requeiro a urgencia para a discussão d'esta proposta.

Foi lida na mesa a proposta do Sr. Alvaro Poppe.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alvaro Poppe pede tambem a urgencia para a discussão...

Vozes: - Não pode ser. Não pode ser.

O Sr. Presidente: - Ponho á votação...

O Sr. França Borges: - Peço a palavra sobre o modo de votar.

Uma voz: - E contra o Regimento.

Estabelece-se sussurro.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Os Srs. Deputados que consideram urgente a discussão da proposta do Sr. Alvaro Poppe queiram levantar-se.

Foi rejeitada a urgencia da discussão.

O Sr. António Macieira: - Requeiro a contraprova.

Fez-se a contraprova.

O Sr. Alvaro Poppe: - Requeiro a contagem.

Procedeu se á contagem.

O Sr. Presidente: - A urgencia para a discussão foi rejeitada por 87 votos contra 78. Fica, portanto, a proposta do Sr. Poppe para segunda leitura.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João de Freitas tambem pediu a urgencia para apresentar uma proposta analoga.

Vozes: - São tres horas. Ordem do dia. Ordem do dia.

O Sr. João de Freitas: - Desisto da minha proposta.

O Sr. Innocencio Camacho: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel Bravo, mas observo que faltam apenas quatro minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Manuel Bravo: - Desisto da palavra a favor da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Botto Machado. Previno igualmente S. Exa. de que tem só quatro minutos antes da ordem do dia.

O Sr. Botto Machado: - Em quatro minutos nada posso dizer. Peço a V. Exa. o favor de me reservar a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - Não se pode reservar a palavra para antes da ordem do dia.

O Sr. Botto Machado: - Nesse caso, attendendo ao adeantado da hora, desisto da palavra.

O Sr. França Borges: - Mando para a mesa um requerimento.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

"Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada nota de todos os individuos que foram detidos em Lisboa, ou para aqui vieram, sob o accusação de conspirar contra a Republica, ou de espalhar boatos tendentes a alarmar o publico, e que foram postos em liberdade, sem que chegasse a fazer-se participação para juizo.

Mais requeiro que urgentemente me seja enviada copia do officio do governador civil de Vianna do Castello acerca da prisão do ex-capitão José de Matos Mexia, Conde de Penella, copia do auto de investigação sobre a mesma prisão ou, pelo menos, das declarações prestadas pelo mesmo individuo; e copia da resolução do Conselho de Ministros que o mandou pôr em liberdade.

Igualmente requeiro copia do auto de investigação sobre a prisão do Padre António da Silva Teixeira, ao tempo prior da freguesia de S. Quintino, concelho do Sobral, comarca de Torres Vedras, detido no Alemtejo a caminho de Badajoz para Lisboa, e copia do despacho ou determinação ministerial que o mandou para Villa Franca de Xira.

Lisboa e Sala das Sessões da Camara dos Deputados, em 23 de junho de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

O Sr. Presidente: - Este requerimento vão ser expedido. É a hora de se entrar na ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O Sr. Innocencio Camacho: - Mando para st mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 102.° do Regimento se divida o n.° 3.° do modo seguinte:

De instrucção superior e especial.

De instrucção secundaria.

De instrucção primaria.

23 de junho. = I. Camacho.

Ficou para segunda leitura.

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SESSÃO N.° 5 DE 23 DE JUNHO DE 1911 11

O Sr. Silva Ramos: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Considerando que a 17.ª commissão do artigo 102.° do Regimento reune, sob a rubrica de "Saude Publica", assuntos que pouco se relacionam e que exigem conhecimentos e estudos differentes, propomos que a citada commissão seja desdobrada em duas, de nove membros cada uma, respectivamente chamadas de "Hygiene Publica" e de "Assistencia Publica".

Sala das Sessões, em 23 de junho de 1911. = José da Silva Ramos = Augusto Monjardino = António de Sousa Junior = Egas Moniz = Margues da Costa.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente:-Vou ler á Câmara o resultado da eleição feita hontem para complemento da commissão de julgamento e faltas.

Foi o seguinte:

[Ver valores da tabela na imagem]

Manuel de Sousa da Camara
António Brandão de Vasconcellos
Manuel José Fernandes Costa
Alvaro Poppe
José Jacinto Nunes
Francisco Teixeira de Queiroz
Antonio Ladislau Parreira
Antonio Caetano Macieira Junior
Adriano Gomes Ferreira Pimenta
Fernando da Cunha Macedo

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de finanças.

O Sr. Sebastião Baracho: - Proponho que, a exemplo do que se fez hontem, se proceda á eleição de commissões, duas a duas.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição simultanea das commissões: de finanças com onze membros e de administração publica com nove.

Convido os Srs. Deputados a formularem as suas listas, interrompendo-se a sessão por 10 minutos para esse fim.

Eram 3 horas e 20 minutos da tarde.

As 3 horas e meia reabre a sessão.

O Sr. Presidente: - Vai procedesse á chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores da eleição da commissão de finanças os Srs. Deputados Alfredo Botelho de Sousa e Jorge Nunes.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na uma 163 listas, ficando eleitos para a commissão de finanças os Srs.:

Votos

[Ver valores da tabela na imagem]

Xavier Esteves
Thomé de Barros Queiroz
Eduardo de Abreu
Innocencio Camacho
Manuel Forbes Bessa
Thomás da Guarda Cabreira
Victorino Guimarães
José Maria Pereira
José Barbosa
José Jacinto Nunes
Sidonio Paes
Alfredo Ladeira
Mariano Martins
Martins Cardoso
Estevam de Vasconcellos
Silva Cunha
Machado Santos

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores da eleição da commissão da administração publica os Srs. Deputados Alfredo Ladeira e Angelo Vaz.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 164 listas, ficando eleitos os Srs:

[Ver valores da tabela na imagem]

Anselmo Xavier
Jacinto Nunes
António Macieira
Miranda do Valle
José de Castro Carneiro Franco
José de Abreu Adriano Pimenta
António Carvalho
Pimenta de Aguiar
Nunes Godinho
António Lourinho
Sousa Fernandes
Ramiro Guedes
João de Freitas
Ramada Curto

O Sr. Francisco Correia de Lemos (por parte da commissão da Constituição): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Francisco Correia de Lemos participa a V. Exa. e á Câmara achar-se constituida a commissão da Constituição, da qual o participante ficou presidente e relator e secretario respectivamente os Srs. Magalhães Lima e José Barbosa.

A commissão recebe até segunda feira próxima inclusive quaesquer indicações que queiram dirigir-lhe, e pede á Câmara que lhe releve qualquer falta de comparecimento dos seus membros emquanto durarem os seus trabalhos.

Para a Secretaria.

O Sr. Innocencio Camacho: - Sr. Presidente: Os factos são factos, e julgo que foram adulterados.

No fim da sessão de hontem, depois de ter sido prorogada, e ao ver que ella era encerrada com a declaração de que não havia numero na sala para a Camara poder funccionar, notei esse facto, e nessa occasião li o artigo do Regimento que determina que os Srs. Deputados devem estar presentes até o fim da sessão.

Não discuti esse caso; simplesmente constatei um facto - o não haver numero na sala - e pedi ao Sr. Presidente que fizesse publicar no Diario das Sessões o nome dos Srs. Deputados que estavam presentes.

Uma voz: - Para o caso é a mesma cousa.

O Orador: - Não me arvorei, portanto, em guardião d'aquelles que não estavam, e apenas pedi que se publicassem os nomes dos que se encontravam na sala.

Repito: simplesmente constatei um facto - não haver numero - e mais nada.

(S. Exa. não reviu).

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. João de Menezes: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o dia especialmente destinado ao trabalho das commissões seja o de sabbado. = O Deputado, João de Menezes.

Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte a urgencia da proposta, para que possa entrar desde já em discussão.

Foi approvada a urgencia, approvando-se em seguida a proposta sem discussão.

O Sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se deseja que a sessão seja prorogada até que se concluam os trabalhos de apuramento das eleições a que se se procedeu.

A Camara assim resolveu.

O Sr. Manuel de Sousa da Camara: - Observo a V. Exa. que, nos termos do Regimento provisorio que está em vigor, a prorogação da sessão tem de ser requerida por qualquer Sr. Deputado, com uma certa antecedencia; do contrario não se pode prorogar.

Vozes: - A sessão é prorogada simplesmente para se concluir o escrutinio. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - A Camara já resolveu que a sessão fosse prorogada, e, para requerer, eu tambem sou Deputado.

O Sr. Presidente: - Para a commissão de finanças entraram na urna 163 listas. A maioria é de 83 votos e ficam eleitos 8 dos seus membros, faltando eleger 3.

Para a commissão de administração publica, entraram na uma 164 listas, das quaes 11 brancas. Ficaram portanto 153, sendo a maioria 77 votos. Falta portanto eleger 4 membros.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha trabalhos em commissões. A proxima sessão é na segunda feira, á 1 hora, sendo a ordem do dia a continuação da eleição de commissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas menos um quarto da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Sebastião Peres Rodrigues, Deputado pelo circulo n.° 9, justifica a falta á sessão de hontem com a declaração de que foi motivada por doença que o reteve todo o dia em sua casa.

Sala das Sessões, em 23 de junho de 1911. = Sebastião Peres Rodrigues.

Para a Secretaria.

Exmo. Sr. Presidente. - O Deputado pelo Porto, Manuel José da Silva, participa a V. Exa. que, por motivo de vida particular, parte hoje para o Porto, regressando a tomar o seu logar na quinta ou sexta feira próxima.

Lisboa e Sala da Camara, em 23 de junho de 1911. = Manuel José da Silva.

Para a Secretaria.

O Deputado Álvaro Xavier de Castro declarou que se ausentava por alguns dias, pedindo a justificação das faltas. = Balthasar Teixeira.

Para a acta.

Representações

Dos praticantes da antiga Repartição de Fazenda do concelho de Ilhavo.- Pedindo que seja modificado o disposto no artigo 18.° do decreto de 26 de maio ultimo, de forma que seja garantido o direito de admissão ao concurso de praticantes a todos aquelles que á data da promulgação d'aquella organização tivessem mais de um anno de serviço em qualquer repartição fiscal com boas informações.

Para a commissão de finanças.

Dos praticantes das antigas Repartições de Fazenda districtaes e concelhias do districto de Aveiro. - No mesmo sentido da anterior.

Para a commissão de finanças.

De diversos cidadãos. - Pedindo que sejam encurtados quanto possivel os prazos para a realização do acto eleitoral dos circulos do ultramar e que a discussão dos assuntos de interesse directo e immediato do ultramar português, especializando os da obra ditatorial, seja reservada para quando os seus Deputados tenham tomado assento na Assembleia.

Para a commissão de marinha.

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Pimentel.
(Na ordem do dia) = Sergio de Castro.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 5 DE 23 DE JUNHO DE 1911 13

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Ladislau Piçarra, que devia ler-se a pag. 8 da sessão n.° 5 de 23 de junho de 1911

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: pedi a palavra para affirmar muito simplesmente, mas muito positivamente, que no meu fraco modo de entender é necessario que rompamos nesta casa com certas praxes que nos foram transmittidas pela monarchia, porque, se continuamos a submetter-nos a ellas, estou convencido de que muitos dos nossos esforços se tornarão estereis, perdendo muitissimo tempo.

Tenho a honra de apresentar á assembleia, em nome de um grupo de meus prosados collegas, uma proposta que opportunamente lerei.

Esta proposta consiste em se organizarem nesta casa secções de estudo, onde os Srs. Deputados livremente se inscrevam, para que não estejamos á pressa, á ultima hora, a procurar quem é mais proprio para fazer parte de determinada commissão.

A eleição de commissões é assunto muito serio e que precisa ser cuidado com grande attenção, e pela minha proposta todas as commissões ficariam preenchidas por individuos idóneos, com conhecimentos proprios para tratarem das questões que a essas commissões fossem propostas.

Os Srs. Deputados inscreviam-se naquellas commissões para que se julgassem mais habilitados, o que era segura garantia dos seus trabalhos.

Termino mandando para a mesa a minha proposta, que é do teor seguinte:

Proposta

Os abaixo assinados propõem que, á semelhança dos congressos scientificos, se organizem nesta Assembleia secções de estudo, nas quaes os Srs. Deputados se inscrevam livremente, segundo as suas aptidões.

Lisboa, em 23 de julho de 1911. = Os Deputados, Ladislau Piçarra = Gastão Rodrigues = Alfredo Maria Ladeira = Estevam de Vasconcellos = Antonio Bernardino Roque = José Miranda do Valle.

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