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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

7.ª SESSÃO

EM 27 DE JUNHO DE 1911

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta procede-se á leitura do expediente, que consta de diversos officios e telegrammas de congratulação pela proclamação da Republica. - Teem segunda leitura as propostas do Sr. João de Me1nezes, referentes a aumento de despesa, e do Sr. Antonio Granjo, pedindo nota dos Srs. Deputados que sejam funccionarios publicos, seus ordenados e accumulações. - Os projectos de lei do Sr. Eduardo de Abreu, estabelecendo disposições para a separação da Igreja e do Estado, criando uma contribuição de cultos e extinguindo as juntas de parochia. Todas as propostas e projectos foram admittidos e enviados ás commissões respectivas. - São relevadas as faltas ao Sr. Simas Machado. - O Sr. Dantas Baracho communica estarem concluidos os trabalhos da commissão do Regimento. - O Sr. Padua Correia, em negocio urgente, pede ao Governo inquerito rigoroso acerca do incêndio em Lamego e providencias para acudir ás muitas familias sem abrigo. Responde o Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida). É rejeitada a urgência da proposta do Sr. João de Freitas, sobre a hora de principiarem os trabalhos na Assembleia. - A proposta de amnistia aos operarios dos caminhos de ferro, do Sr. José Montez, fica para segunda leitura, tendo o Sr. França Borges requerido dispensa do Regimento para entrar logo em discussão, o que foi rejeitado. Fala sobre o assunto o Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho). - O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Bernardino Machado) declara que nos regulamentos da separação da Igreja os ministros da religião terão voto consultivo em todos os assuntos culturaes. Responde tambem ao Sr. Jacinto Nunes, que se referiu a um projectado acordo internacional corticeiro. - O Sr. João Gonçalves apresenta e justifica um projecto de Constituição. - O Sr. Alexandre de Barros propõe a nomeação de uma commissão para elaborar uma nota das nomeações feitas pelo Governo Provisorio e respectivos encargos e o Sr. Gastão Rodrigues apresenta uma proposta acerca da regulamentação do trabalho. As propostas, como o projecto, ficaram para segunda leitura. - O Sr. Marques da Costa invoca o artigo 81.° do Regimento. - O Sr. Adriano Pimenta, tendo-lhe sido concedida a palavra para negocio urgente (subsidio aos Srs. Deputados), manda para a mesa a sua proposta, declarando o Sr. Presidente que a proposta ficava para segunda leitura, passando-se em seguida á ordem do dia.

Ordem do dia. - Os Srs. Miguel de Abreu e Alberto Charula invocam o artigo 87.° do Regimento. - O Sr. Presidente procede á contraprova da urgencia, não tendo logar o requerimento do Sr. Egas Moniz sobre votação nominal. Verificado que a urgência havia sido approvada, justifica largamente a sua proposta o Sr. Adriano Pimenta, e sobre o assunto usam da palavra os Srs. Rodrigo Fontinha, Julio Martins, Antonio Macieira, Nunes da Mata, João de Freitas, Eduardo Abreu (por parte da commissão de finanças), Pedro Martins, Ministro do Fomento (Brito Camacho) e Egas Moniz. - Apresentam e justificam moções os Srs. José Maria Pereira e França Borges. - O Sr. Adriano Pimenta manda para a mesa um additamento á sua proposta, e o Sr. Egas Moniz um requerimento, que é approvado. O Sr. Manuel Bravo propõe que haja sessão nocturna, o que foi approvado, e o Sr. Joaquim Ribeiro que haja duas sessões por dia. Ficou para segunda leitura. - Seguidamente encerra-se a sessão.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Balthasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão - Á 1 e meia da tarde.

Presentes - 184 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barres, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Álvaro Poppe, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Cbarula Pessanha, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Carvalho Mourão, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José de Almeida, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Valente de Almeida, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Mon jardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio de Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Fernão Botto Machado, Fortunato da Fonseca, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Joaquim Theophilo Braga, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palia, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, Joso Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montes, José Nunes da Mata, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José Thomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Câmara, Mariano Martins, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião de Magalhães Lima, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henrique Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Acacio de Almeida Botelho, Alberto Carlos da Silveira, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Antonio Xavier Correia Botelho, Germano Lopes Martins, João Barreira, João Duarte de Menezes, José de Castro, José da Silva Ramos, Manuel José Fernandes Costa.

Não compareceram á sessão os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alvaro Xavier de Castro, Angelo Rodrigo da Fonseca, Annibal de Sousa Dias, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Ribeiro Seixas, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Artur Augusto da Costa, Augusto José Vieira, Bernardo Paes de Almeida, Francisco Xavier Esteves, Helder Armando dos Santos Ribeiro, José Augusto Simas Machado, José Dias da Silva, José Perdigão, Leão Magno Azedo, Manuel José da Silva, Miguel de Abreu, Ricardo Paes Gomes; Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 3

Feita a chamada, verificou se a presença de 145 Srs. Deputados, declarando o Sr. Presidente aberta á sessão. Era 1 hora e 30 minutos.

Leu-se a acta, que foi approvada.

Deu-se conta do seguinte

EXPEDIENTE

Leu-se na mesa um telegramma do Sr. Deputado Simas Machado, communicando que se acha, com o batalhão de caçadores n.° 5, do seu cominando, em serviço da Republica, no Minho, serviço que entende dever preferir a todos os outros, esperando por isso lhe sejam relevadas as suas faltas.

A Camara consultada pelo Sr. Presidente, resolveu relevar as faltas do referido Sr. Deputado em attenção á razão apontada.

Officios

Da Associação dos Bombeiros Voluntarios de Lisboa: - Communicando que a commissão administrativa d'aquella associação, na sua sessão de 22 de junho, approvou por unanimidade uma proposta para que na respectiva acta fosse exarado um voto de congratulação pela abertura da Assembleia Nacional Constituinte.

Para a Secretaria.

Do Ministerio das Finanças: - Remettendo o mappa de todos os contratos realizados por aquelle Ministerio, de valor ou preço superior a 500$000 réis, desde 1 de janeiro de 1910 até 24 de junho de 1911.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Montemor-o-Novo. - Exmo. Presidente Câmara Deputados, Lisboa. - camara Municipal Montemor-o-Novo, na sua primeira sessão depois da proclamação official Republica Portuguesa, sauda na pessoa V. Exa. a illustre Assembleia Constituinte, verdadeira representante soberania nacional. = António Fidalgo.

Braga, 26, ás 2 horas e 30 minutos da tarde. - Permitta-me V. Exa. informá-lo não tenho comparecido sés soes Câmara por estar batalhão meu cominando em serviço Republica no Minho, serviço que julgo perefere qualquer outro. = Commandante caçadores 5, Simas Machado, Deputado circulo 5.

Para a Secretaria.

Thomar. - Exmo. Presidente da Assembleia Constituinte, Lisboa. - Camara Municipal Thomar reunida hoje sessão consignou na acta voto de congratulação pela proclamação a que assistiu da Republica Portuguesa e que isso se communicasse a V. Exa. = Presidente, António Teixeira de Carvalho.

Seixal. - Exmo. Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - Commissão Administrativa Municipio Seixal sauda pessoa V. Exa. essa Assembleia fazendo votos para que da sua acção resultem medidas benéficas para pais e Republica. = Presidente, Alfredo Beis Silveira.

Para a Secretaria.

Poço do Bispo. - Illustre Presidente da Assembleia Constituinte, Lisboa. - A Associação Classe dos Manipuladores Fósforos Lisbonense felicita V. Exa. pela abertura das Constituintes e acclamação da Republica. = A Direcção.

Vimioso. - Exmo. Sr. Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - Commissão parochial republicana reguesia Avelanoso felicita V. Exa. e Governo pelas acertadas medidas até hoje tomadas, offerecendo em tudo sua oadjuvação e adherindo a qualquer acto pelo Governo praticado. = A Commissão, José Francisco = João António Castanho = José António = José João do Valle.

Para a Secretaria.

Porto, 27, ás 11 horas e 40 minutos da manhã. - Contra uma representação pedindo descanso padarias seja turnos, apresentada Digno Deputado Santos Pousada por empregados Cooperativa Panificia, protestam perante V. Exa. e Constituinte as Associações Classe Proprietarios Padarias e Manipuladores Pão Porto, visto que ella não é expressão verdade nem representa vontade indus-iria padaria e manipuladores pão, tentando somente defender seus interesses particulares e reduzir miseria centenas familias. Vamos enviar representação pedindo se conserve descanso tal qual está. = Presidente Direcção Proprietarios Padarias, José Fortunato Quadros Corte Real-Presidente Direcção Manipuladores Pão, Manuel Rodrigues.

Para a Secretaria, para ser enviado á commissão de legislação.

Segundas leituras

Propostas

Sendo certo que uma solida situação financeira é o fundamento indispensavel á reconstrucção da nacionalidade portuguesa; e dependendo, em relação directa, da maior ou menor abundancia de recursos e da maior ou menor amplitude de campo de acção, esse desenvolvimento constructivo nos seus multiplos aspectos da segurança interna e externa, da educação politica e social, e do trabalho virificador, como da solidez dos alicerces e da firmeza do terreno dependem a traça e duração de um edificio projectado;

Reconhecendo que a existencia, não accidental, senão constante, de um excesso das despesas sobre as receitas publicas, nos orçamentos de cada anno, denuncia uma situação financeira difficil se não perigosa para a autonomia economica do pais, sobretudo se for averiguado que a acceleração no aumento das despesas excede a progressão correlativa do desenvolvimento das riquezas;

Considerando que a energia potencial dos recursos disponiveis é o melhor elemento de credito, tanto interno como externo, e que d'este se precisa para a resolução dos mais instantes problemas da administração - taes o da instrucção e da viação, e o da defesa - no mesmo momento em que, por oneros herança, uma parte valiosa dos reditos publicos andam adstrictos a compromissos internacionaes, como as receitas das alfandegas á divida externa e as do monopolio dos tabacos ás respectivas obrigações;

A Assembleia Nacional Constituinte delibera e estatue:

1.° Recusar o seu voto approvativo immediato a todo o projecto ou a toda a proposta de lei que envolva aumento de despesa, ou d'ella venha a derivar-se, antes de ter tido conhecimento, pelo parecer das respectivas commissões de finanças e do orçamento, da situação da Fazenda Publica, que lhes seja presente pelo Governo, quanto ás receitas previstas e quanto ás despesas effectivas, incluindo as que possam resultar de diplomas ainda não confirmados pela Assembleia.

2.° Attender tão somente, para a concessão de creditos extraordinarios, que lhe sejam solicitados, no caso de salvação publica, ou para occorrer a despesas urgentes, reclamadas por caso de força maior, nos termos da lei geral ainda vigente.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 26 de junho de 1911. = O Deputado, João de Menezes.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Proponho que a todos os Deputados seja distribuida uma relação de todos os funccionarios publicos que na Assembleia tem assento, e especificadamente:

1.° Se esses funccionarios são estipendiados e em quanto, relativamente a cada um;

2.° Se esses funccionarios accumulam varias funcções, e d'essa accumulação recebem proventos por qualquer titulo. = O Deputado, Antonio Granjo.

Foi admittida.

Projectos de lei

I

Ao preceder com algumas considerações o projecto de lei que temos a honra de offerecer á consideração da Assembleia Nacional Constituinte, não é do nosso proposito elaborar nenhum relatorio solemne e erudito. Pequena digressão, clara e simples como a propria verdade, bastará para demonstrar o intuito que nos anima, e o fim que desejamos attingir. Inteiramente estranhos a facções politicas e a questiunculas partidarias, e apenas como velhos patriotas, como firmes e fieis republicanos, desejariamos fazer ouvir a voz da consciencia, bradando, na soberania da sua eloquencia, pela realização de uma parcella do direito. Como imparciaes estudiosos dos acontecimentos, que mais a mais se desdobram na Patria amada, e como frios legisladores tendo de dar o seu veredictum sobre uma das materias mais delicadas, mais complexas e transcendentes, e não como porta-voz de qualquer paixão politica ou philosophica, vimos traduzir num singelo projecto de lei o nosso modo de ver sobre o grave e momentoso assunto das relações entre as igrejas e o Estado.

Ora, ao defrontar esse problema que é de todos os seculos, o que primeiramente nos occorre é investigar a situação actual d'essas relações entre os principaes países da Europa e da America.

Uma bibliographia abundante e diversissima em todos os campos, cm todos os matizes, em todos os tons, inunda o assunto, fornecendo-nos todos os elementos de documentação e de estudo, desde a nota juridica e politica, até a variante economica e estatistica. Assim procederam, - para não citar senão dois brilhantes exemplos, o Sr. Aris-tide Briand no famoso Relatorio que precede a sua lei de Separação de 9 de dezembro de 1905, e o Sr. Conde Albert de Mun, na analyse profunda e eloquente que consagrou a essa lei num trabalho especial -, um e outro para deduzirem consequencias divergentes e até oppostas, todavia!

Semelhante excurso historico é profundamente proveitoso porque, entre outras vantagens, serve para patentear, como é que países, muitos dos quaes na vanguarda do progresso e da civilização, resolveram o difficilimo problema que tanto nos occupa e preoccupa. E não será de pequena monta a lição, se desapaixonadamente a quisermos attender. Não é natural que queiramos para nós a bem triste gloria de aproveitarmos o pais em experiencias que ou falliram totalmente noutros meios, ou deram resultados muitos oppostos ao que d'elles se esperava.

Uma coisa fere, á primeira vista, quem estuda e compara a legislação dos diversos paises sobre as relações do Estado e das igrejas, e é que todos elles procuraram sempre e sempre accomodar as theorias á realidade, fugindo a perigosas innovações, a ephemeras autorias e a precipitadas originalidades.

A Republica Portuguesa é pobre e luta com gravissimas difficuldades, principalmente de ordem colonial e financeira, quasi todas herdadas do extincto regime, umas já conhecidas, outras a conhecer. E dever de todos ver e saber encarar o perigo, que já basta, para as tão reduzidas forças e recursos do pais. Para que pois avançar mais do que em tantas outras nações ricas, poderosas, praticas, solidamente intellectuaes e progressivas?

II

Que lição eloquentissima não se colhe, por exemplo, na Itália, cuja situação politico-religiosa é unica no mundo e que, entretanto, tem sido pelos seus estadistas resolvida de uma maneira tão distincta, que os conflictos religiosos são nella bem mais raros do que nos paises onde o problema visava a uma solução precisamente destinada a evitá-los. E não se pode dizer que esse pais não progrida, mesmo em materia de liberdades religiosas.

E que os estadistas d'essa forte e florescente nação, não se deixam desvanecer pelo demasiado brilho das theorias.

Lá, como na Allemanha, como na Austria, como na Hungria, como na Suissa, como na Belgica, como nos Estados-Unidos da America do Norte, como no Brasil, toma-se, primeiro, o pulso ao pais, e depois é que se receita. E ai de todos, se ha erro na diagnose! "A religião do estado italiano, diz o sr. Arangio-Ruiz, decano da Universidade de Macerata, é a religião catholica, não porque o Estado a imponha e aconselhe como a unica verdadeira, mas porque sendo a religião da grande maioria dos italianos, elle se serve d'ella, todas as vezes que crê ou sente a necessidade de recorrer a uma funcção religiosa, para commemorar mortos, benzer um estandarte, um navio, etc."

E entretanto a Italia procura dia a dia estender cada vez mais o principio da liberdade de consciencia e de cultos, consignado na sua lei fundamental.

Assim, as instituições publicas de beneficencia e assistencia foram quasi inteiramente secularizadas: os cemiterios foram igualmente subtrahidos á influencia da Igreja: a lei de 9 de julho de 1908 supprimiu a funcção dos collegios nacionaes o director espiritual; desappareceu a obrigação de ministrar nas escolas primarias e elementares o ensino religioso, a não ser que os pães façam o pedido para o haver: nas Universidades de onde foram, deixaram de fazer parte, pela lei de 26 de janeiro de 1873, as faculdades de Theologia; a liberdade dos Professores é plena e absoluta. Mas é com circumspecção, com tacto e tino, e pouco a pouco, que a bella Italia vae caminhando para o desideratum da Separação, consequencia inevitavel da lei das garantias de 13 de maio de 1871.

III

A Inglaterra fornece-nos tambem um interessantissimo e sabio exemplo d'essa politica de opportunidade e de accomodação. Depois de três seculos de perseguição assegurou, pela lei de 29 de abril de 1829, a liberdade do culto catholico. Se oficialmente se separou de Roma, o espirito nacional não se modificou. Nem o anglicanismo de Inglaterra e do Pais de Galles, nem o presbyterianismo da Escocia, veem no catholicismo, actualmente, um inimigo, e vice-versa. A ultima geração inglesa assistiu ao florescimento d'essa pleiade brilhante de homens que se chamaram Newman, Faber, O'Connell e Manning que deram origem ao chamado "movimento de Oxford", e ainda recentemente a grande capital do Reino-Unido dava esplendidos exemplos de tolerancia religiosa.

Por outro lado, quando ha 25 annos se abria em Inglaterra a chamada campanha separatista por parte da "Liberation Society", o cardeal Newman, com os bispos ingleses, votavam que se mantivesse o "establishment", vendo nelle, pela manutenção da liberdade de cultos, uma garantia contra a irreligião.

IV

E a Allemanha? A Assembleia Nacional sabe bem que a Allemanha, unificada politicamente, dista muito de o estar religiosamente. Teem concordatas com a Santa Sé, a Baviera (5 de julho de 1817); a Prussia (16 de julho de 1821); o Hanover (26 de março de 1824); os países do

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Alto Rheno (11 de abril de 1827); o Wurtomberg (22 de julho de 1857) e Baden (22 de setembro de 1859), embora por um ou outro motivo alguns d'esses contratos synallagmaticos não chegassem a por-se em execução. A liberdade de consciencia é assegurada para a Baviera pela constituição de 26 de maio de 1819. Na Prussia a constituição de 31 de janeiro de 1850, dispus que as igrejas evangelica e catholica se governariam independentemente, embora sujeitas á inspecção do Estado. Na Saxonia, a constituição de 4 de setembro de 1831 e reconhece a liberdade completa de consciencia e de cultos. Se não pode, pois, dizer-se que o regime das igrejas na Allemanha seja o de separação, não pode tambem dizer-se que seja o concordatario. O que é um facto innegavel é que, apesar de todas as lutas, divisões de raças e de cultos, theorias philosophicas e religiosas de que tão fertil se mostra sempre o Imperio Germanico, o Estado soube chegar a viver em perfeita harmonia com as grandes associações religiosas, dando-lhes a maior autonomia, mas vigiando-as, cuidadosamente, para impedir abusos e não para lhes restringir o exercicio.

E se, como diz o Sr. Combes de Lestrade, a vida espiritual de um grande povo pode não ser um modelo, é, em todos os casos, um ensino.

V

Que se passa na Austria-Hungria? Na Austria era a concordata de 13 de agosto de 1855 que estipulava as relações entre a Igreja e o Estado, mas o fermento da emancipação produziu uma luta que foi ter á ruptura d'esse regime. A Austria pôde guardar as tradições do Josefismo, o que elia não acceitou foram os principios da Revolução. Esta affirmação é ainda exacta pelo que respeita á Hungria. Neste pais as verdadeiras ideias historicas são pela liberdade, pela tolerancia, pela igualdade religiosas.

Desde que uma religião existe legalmente, a sua autonomia é-lhe reconhecida. O Estado abandona-a á sua propria vida, nada mais fazendo do que exercer uma alta vigilancia para se assegurar mais da, legalidade do que da opportunidade do exercicio cultual. Isto quer dizer que cada Igreja traça a si propria a sua organização; circunscreve como entende os limites da acção ecclesiastica; funda ou supprime parochias, dioceses, communidades; define as attribuições dos seus dignitarios; fixa-lhes os ordenados; adquire e possue os bens que são necessarios á sua missão; e, cria emfim estabelecimentos de ensino de toda a natureza, de que é senhora, salvo o direito da observancia rigorosa das leis do Estado e dos programmas officiaes. A sombra d'essa liberdade ali vivem - o catholicismo com os seus três ritos, latino, grego e arménio; o protestantismo lutherano, calvinista e unitario; a orthodoxia grega nas suas duas metropolias serva e rumena, e emfim o judaismo. Tudo depende de autorização legal para se entrar e manter dentro do Estado, mas desde que se obteve, e não é isso sem rigorosas e minuciosas exigencias baseadas sobretudo em motivos de ordem publica e nacional - tudo está feito, e o exercicio do culto segue autonomamente.

Em nossa mocidade visitámos Budapest, a cultissima e formosa capital liungara, e ainda a memoria vibra, recordando-nos com quanta admiração ali observamos a diversidade de cultos religiosos, exercendo-se todos em amoravel e esplendida Liberdade!

VI

Passemos aos Estados onde a separação se define e precisa e vejamos o que lá se passa.

A Belgica é o pais que nos offerece o primeiro exemplo de uma separação na Europa. A Constituição belga sobre a materia que nos interessa diz o seguinte:

"Artigo 14.º A liberdade dos cultos, a do seu exercicio publico, assim como a liberdade de manifestar as suas opiniões em qualquer materia, são garantidas, salvo a repressão dos delictos commettidos por occasião do uso dessas liberdades.

Art. 15.° Ninguem pode ser constrangido a concorrer de qualquer maneira para os actos e cerimonias de um culto, nem a observar os dias de repouso.

Art. 16.° O Estado não tem o direito de intervir nem na nomeação nem na installação dos ministros de um culto qualquer, nem a prohibir a estes que se correspondam com os seus superiores e a que publiquem os seus actos, salvo neste caso a responsabilidade ordinaria em materia de imprensa e de publicação. O casamento civil deve sempre preceder a benção nupcial, salvas as excepções a estabelecer na lei se a houver".

Commentando estas disposições escreve o professor Dupriez:

"Posto que a Constituição assegure a todos os cultos uma igual liberdade na Belgica, hoje distinguem-se os cultos em dois grupos "os reconhecidos" e os "não reconhecidos", pertencendo aos primeiros o catholico, o israelita, o anglicano e o protestante. Ha igrejas consistoriaes em Anvers, Bruxellas, Gand, Liège, Tournai.

As igrejas anglicanas que não fazem parte da união das igrejas evangelicas, mas estão collocadas sob a autoridade do bispo de Londres, existem legalmente em Bruxellas, Anvers, Ostende, Bruges, Spa e Gand. Ha cinco synagogas reconhecidas em Bruxellas, Anvers, Gand, Liège e Arlon. Mas a grande maioria dos belgas é catholica, e isso explica as vantagens que essa religião usufrue, chegando um publicista a dizer que a separação belga existe, mas num sentido catholico. Entretanto, ahi vemos, entre outros, este exemplo de tolerancia - salariar os ministros não só dos cultos reconhecidos, de que falamos, mas ainda os de algumas igrejas não reconhecidas, posto que estas sejam na sua maioria formadas de estrangeiros.

Eis os orçamentos em 1907:

[Ver tabela na imagem]

Estamos, pois, longe da separação theorica das igrejas e do Estado, porque se neste regime o Estado ignora os agrupamentos religiosos, as igrejas, como taes, se elle considera e deve considerar as religiões como manifestações puramente individuaes, o Estado belga está tão longe d'este objectivo que até tem a seu cargo os ordenados dos ministros do culto!!

Estas considerações fazia-as precisamente o professor Larnaud, da Faculdade de Direito de Paris, ao ouvir o Sr. Dupriez na Société de Législation Comparée. Mas o facto assenta em considerações de ordem politica e social, que aqui seriam, de certo, ociosas. A realidade é o que deixo assinalado. Bastará que frisemos o asserto de que o caso não é unico. Assim, na Hollanda, onde a separação é mais accentuada e onde todavia as condições mesologicas não são as mesmas, a constituição tambem garante os ordenados dos ministros dos cultos, garantindo-lhes as communas a residencia e destinando certas quantias para o asseio dos edificios religiosos. Separação, pois, na Belgica como na Hollanda, não quer dizer suppressão completa do orçamento dos cultos.

Absolutamente desprovido de intuitos politicos ou de calculos religiosos, estou simplesmente a apresentar factos e numeros, factores primaciaes na vida e progresso das

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nações. E se entre vós, cidadãos constituintes, alguem ha que os rectifique ou conteste, grande serviço prestará á Republica, que tanto clama pela verdade, e á justiça, que não tem fronteiras!

VII

Vejamos agora a Suissa, sim, essa tão sympathica Suissa em que agora todos falamos, para a imitarmos nas suas leis e grandes virtudes republicanas.

A Suissa dá-nos o exemplo de um Estado inteiramente leigo. Quer se attenda á legislação particular a cada um dos cantões, quer á do Estado central, á confederação por toda a parte, vejo assegurada e mantida plena liberdade de consciencia, de religião e de cultos.

Sabeis que dos cantões em que esse pais desde a Reforma se achou dividido, eram exclusivamente catholicos alguns como Uri, Schwytz, Unterwald, Lucerna e Zug, no centro, e já nos confins da Suissa francesa, Triburgo e Soleure. Partidarios da Reforma foram, entre outros, Zurich, Berne, Glaris, Bale e Schaffhouse. Apesar do seu caracter confessional estes, como os cantões criados posteriormente, reconheceram bem depressa que para se engrandecerem e prosperar era indispensavel unir os seus esforços, afastando as causas de divisão e mutuo desacordo - a religião, portanto, em primeira linha. No cantão de Genebra havia 62:400 protestantes contra 67:200 catholicos em 1000, e só na capital, a velha cidade de Calvino, 30:400 protestantes contra 27:500 catholicos.

Na Suissa francesa os seus 730:000 habitantes são, na sua maioria, pertencentes ao culto reformado; os habitantes da Suissa italiana 150:000, são, se exceptuarmos os do valle de Grisões, exclusivamente catholicos. Já visitámos esse bello país, tão culto e prospero, tão alegre e saudavel; e quem estudar as suas instituições politicas e religiosas, nota, sem longo exame, quanto a ideia de Liberdade penetra e informa os costumes. Tolerancia perante todas as convicções, trabalho por todos os habitantes, eis os poios em que gira a preciosa mentalidade e o bem estar do povo suisso.

A Constituição federal, actualmente em vigor, afirma no artigo 49.° a liberdade de consciencia e que ninguem pode ser constrangido a fazer parte de uma associação religiosa, seguir um ensino religioso, cumprir um acto religioso, incorrer em penas, de qualquer natureza que sejam, por motivos de opinião religiosa. Alguns cantões auxiliam o culto por verbas inscritas nos seus orçamentos, mas isso não traduz dogmatismos politicos ou philosophicos, mas uma sobrevivencia do antigo confessionalisrno ordeiro e liberal. Nota-se entretanto a tendencia para acabar com todas as distincções, e já vimos, em 1907, Genebra votar a separação por 7:653 votos contra 6:823, e isto com o apoio dos catholicos por desejarem igualdade das igrejas perante o orçamento. O problema foi tambem posto e discutido em Balc-Ville e em Schaifhouse, embora negativamente resolvido, 15:094 votos contra a separação, 8:412 a favor. Mas pode a separação estar longe de entrar na legislação d'este formosissimo país; o que de lá ninguem arranca é o criterio superior da razão e do livre exame, do verdadeiro e autentico livre pensamento, que anima e paira sobre todos os seus habitantes, o respeito mutuo, a mutua condescendencia e apoio!

VIII

Saltemos á livre America, e escolhamos os dois países em que tambem tanto fallamos, sem todavia os imitarmos no que elles teem de grande, de generoso e de bom. Não ha exemplo mais eloquente dos beneficios de uma separação bem entendida do que nos é fornecida pela legislação do grande povo norte-americano, da qual diz o notabilissimo estadista e livre-pensador o Sr. Aristide Briand "a igualdade dos diversos cultos é tão completa como a sua liberdade. Mas a neutralidade do Estado não comporta, na America, nem hostilidade, nem mesmo indifferença e respeito das religiões."

Um dos homens publicos da America mais em evidencia na actualidade, o Sr. Theodoro Roosevelt, considera como traços essenciaes do caracter nacional a tolerancia religiosa. "Nós exigimos, escreve elle, uma tolerancia religiosa absoluta, e a separação da igreja do Estado". E todos, absolutamente todos os livres-pensadores ou catholicos que estudam a situação religiosa da America, confirmam jubilosamente o facto. A liberdade de consciencia e de cultos é com effeito uma das liberdades essenciaes da America.

Qualquer organização religiosa, parochia, igreja, communidade, diocese, consistorio, synagoga, vive tranquillamente como quer.

Se os cidadãos constituintes quizerem de um golpe de vista, rapido e seguro, avaliar do liberrimo exercicio do cultos na America do Norte, basta consultarem o grande livro seguinte "Trow's General Directory of the Boroughs of Manhattan and Bronx City of New York. Vol. CXX 1908." Na pag. 1681, da edição que possuo, começa o "Register of public institutions." Ahi encontrarão que só em New York, em 1907, existiam 821 edificios, desde a Cathedral Catholica ou Protestante, até o mais pobre e pequeno templo, onde o culto de todas as religiões conhecidas em todas as regiões do globo era livremente exercido pelos seus ministros, membros ou fieis, sem haver a registar o mais leve conflicto entre elles ou com o Estado.

"Os adherentes, escreve um dos autores que melhor estudou a poderosa nação, podem livremente, sem autorização administrativa, nem declaração previa, reunir-se, adoptar o genero de vida que lhes convem, dar-se a disciplina interior que lhes agradar, communicar com as organizações semelhantes do estrangeiro, entregar-se á propaganda no interior do país pela imprensa e pela pregação. Qualquer sociedade religiosa pode mesmo, sem ter necessidade de recorrer á lei civil, procurar-se meios materiaes de existencia sufficientes para os seus principios, como recolher dons manuaes, subscrições, fazer peditorios. Pode, emfim, sem pedir ao legislador civil a incorporação, gozar de propriedades mobiliarias e immobiliarias annexas ao seu uso em virtude de acquisições feitas por cotizações ou provenientes de legados e administrados por trusteen.

E Bryce, cuja autoridade em materias de direito publico todos conhecem, escreve "De uma maneira geral todo o corpo religioso pode organizar-se como bem lhe parecer. O Estado permitte adoptar, não importa que methodo de administração, seja por meio de fidel-commissarios (trustees), seja por meio de corporações constituidas e organizadas, seja segundo o direito geral do Estado, seja conforme um estatuto particular." E pela mesma boca falam ou catholicos, como Felix Klein, ou livres-pensadores como o Sr. Briand.

A 6 do corrente teria sido celebrado, em Baltimore, o 25.° anniversario da elevação de Gibbons a Cardeal. O senado e a câmara dos representantes, já tinham nomeado as suas respectivas commissões para assistir á grandiosa homenagem. Entre outros oradorea estavam já inscritos, o presidente Taft; o vice-presidente Sherman, o ex-presidente Roosevelt, o secretario de estado White.

Enfim, o que se passou em Washington, no Congresso, relativamente á suppressão no exergo das moedas, da phrase, que se manteve "In God we trust", na festa da inauguração da exposição de S. Luis em 1903, e em 1997 em Jamestown, a legislação mesmo de certos estados da grande União, dispensa-me de levar mais longe o exame de uma politica religiosa tão sabia, e que, se não pode, por circunstancias fáceis de apprehender, ser imitada, não

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deixa de constituir uma lição digna de meditação e estudo, emquanto nos revela um povo nobre, orgulhoso, feliz, a caminhar o progresso e para a paz sob a égide para da Liberdade.

IX

Pois que estou na America, vamos ao Brasil. A proclamação da Republica na nação nossa irmã foi a 15 do novembro de 1889. A 7 de janeiro de 1890 o Governo Provisorio decretava a separação nos termos seguintes, que desejo ter a honra e a satisfação de aqui consignar na sua integra:

"Artigo 1.° E prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federaes, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos estabelecendo alguma religião ou vedando-a, e criar differenças entre os habitantes do pais, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2.° A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé, e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos que interessem o exercicio d'este direito.

Art. 3.º A liberdade aqui estatuida abrange, não só os individuos, senão tambem as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados, cabendo a todos o pleno direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder publico.

Art. 4.° Fica extincto o Padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.

Art. 5.° A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio dos seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios do culto.

Art. 6.° O governo federal continua a prover á côngrua-sustentação dos actuaes serventuarios do culto catholico e subvencionará por um anno as cadeiras dos seminarios, ficando livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros ministros de esse ou de outro culto sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7.° Revogam-se as disposições em contrario.

Como foi recebida esta lei? A 19 de março seguinte, o episcopado brasileiro em carta collectiva dizia "que a igreja catholica conquistara no Brasil uma somma de liberdades que nunca tinha conhecido no tempo da monarchia" - e, analysando um por um os artigos da Separação, mostravam que a sua doutrina em nada contrariava os principios da sua crença. E o Papa Leão XIII, numa encyclica dirigida ao episcopado brasileiro a 2 de junho de 1884, entre conselhos que a nova ordem politica naturalmente exigia, com energico desassombro recommendava aos catholicos a observancia das leis do Estado. Quer dizer, todos os habitantes do prospero e fecundissimo país sul-americano, qualquer que fosse a sua opinião religiosa, acolheram de bom grado os sete artigos fundamentaes da lei de Separação, que é, com effeito, uma clamorosa lição de patriotismo, de bom senso, de nobreza, de sabedoria e de equidade.

Pitt, protestante, primeiro ministro da Gran-Bretanha aos 23 annos; Disraeli, israelita, e Gladstone, catholico, primeiros ministros aos 70 annos, consideraram sempre as religiões, sob a vigilancia do Estado, como factores da maior importancia a integrar, pela liberdade, no progresso das nações cultas.

Mas, no Brasil fez-se a Separação olhando de alto para a lei, que quando nasce é para todos, e portanto sem odio, nem offensa para ninguem. Realizada a separação, o presidente da grande republica, Campos Salles, não ficou impossibilitado de, antes de assumir a presidencia, vifitar o Papa, nem a primeira dignidade ecclesiastica do Rio de Janeiro, o seu arcebispo, de inaugurar ao lado do presidente Rodrigues Alves os trabalhos do porto; nem a camara de 1903 de regeitar uma proposta contra as congregações ou o projecto que impunha aos sacerdotes o serviço militar, ou um outro para a supressão da legação do Brasil, junto do Vaticano, o que aliás o governo da Republica Portuguesa terá fatalmente de decretar, substituindo em Roma como noutras capitães os seus ministros por encarregados de negocios, de despesa modestissima, attendendo á suprema lei da salvação do Estado, cujas finanças herdou do extincto regime, na eminencia de uma bancarrota, que tanto se tem aggravado, ameaçando os altos destinos da Patria e da Republica.

X

Volto á Europa para analysar, embora perfunctoriamente, o que se passa em França, não para apresentar o que seja a lei da Separação, ou os antecedentes que a motivaram, mas para conhecermos bem, cidadãos constituintes, a situação actual, os resultados a que com a sua promulgação se chegou, ou os frutos que d'ella se colheram. Para essa analyse, ahi estão, a começar nos dois relatorios do Sr. A. Briarid, as muitas monographias que ao assunto consagraram os publicistas franceses, italianos, ingleses e allemães. Mas a lei é um facto, sobre o qual giraram já seis annos que, na velocidade pasmosa com que, no nosso seculo, ideias e homens passam no quadrante do tempo, alguma consideração merecem.

Falemos primeiramente das "associações cultuaes", a pedra angular da lei de 5 dezembro de 1905.

O regime d'essa lei não admittia, nem reconhecia senão um meio de praticar o culto, que era por meio d'essas associações, mas estas nunca chegaram a constituir-se porque o Papa Pio X, em duas encyclicas, de 11 de fevereiro e 10 de agosto de 1906, pronunciou a sua condemnação formal, completa, absoluta. Pela minha parte, em meu pobre gabinete de estudo, e sem necessidade de frequentar templos, sagradas ou profanos, para me inspirar ou informar, observo que o Papa ainda manda, e que é ainda obedecido. Os estadistas, os philosophos e os physiologistas, que concluam: registo apenas o facto, com a absoluta convicção de não errar.

Continuando direi: para obviar a um tal estado de cousas, á recusa do Papa ao Governo Francês, e que podia ser fonte de continuas discordias, o mesmo Governo, após varias tentativas, publicou a lei de 2 de janeiro de 1907, que alguns escritores, coroo Fandière, chamam a "segunda lei da separação", e outros como Moye, a "carta fundamental do culto catholico".

"Importava, dizia o relator da lei no Senado, o Sr. Maxime Lecomte, precisar condições de applicação da lei de 1900, prever-lhe certas sancções, e salvaguardar, por prescrições fáceis de cumprir, o livre exercicio do culto".

Mas se a lei de 2 de janeiro procurou assegurar a liberdade do exercicio do culto, o que a caracteriza é, afinal, um rigor particular contra os catholicos, visto que, como escreve o Ministro, não se podia ser "conciliador e generoso" para quem tinha feito á lei "uma opposição systematica".

A frechada despedida em Paris, dá mais alta tribuna francesa, com mão de mestre, foi direita ao Vaticano, mas o Papa continuou impossivel. O novo diploma de separação, substituindo a primeira lei, assegurava o exercicio publico do culto - alem das associações cultuaes, que os

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catholicos se haviam recusado a constituir, por dois novos regimes.

1.° Associações ordinarias, regidas pela lei de 1 de julho de 1901; 2.°, declaração do nome do Ministro oficiante, quer dizer, reuniões convocadas por iniciativa individual cm virtude da lei de 30 de junho de 1881 e segundo as prescrições do artigo 20.° da lei de 7 de dezembro de 1905.

Ora, no numero das formalidades prescritas por essa lei, figura uma "declaração" afazer previamente á convocação da reunião. Foi essa exigencia que acarretou novos embaraços, e tudo comprometteu, porque a autoridade religiosa entendeu que tal "declaração" se não devia fazer. A situação voltou, pois, imprevistamente ao statu que ante. Para resolver a difficuldade havia um remedio puro e simples, - supprimir a necessidade da "declaração". E foi o caminho que o Governo tomou com a publicação da lei de 28 de março de 1907, que, apesar do seu caracter de generalidade, pois não fala senão em "reuniões publicas v, não é senão um episodio da historia legislativa da Separação, destinada, digamos o termo, a galvanizar um moribundo. Sim: que a Assembleia Constituinte, observe serenamente, os apertos, as voltas e reviravoltas dos modernos grandes estadistas da França revolucionaria, para levarem a porto de salvamento, uma soffrivel lei de Separação.

Diz o artigo 1.°: "As reuniões publicas, qualquer que seja o seu objecto, podem fazer se sem declaração previa". E o artigo 2.°: "São abrogadas no que tem de contrario á presente lei as disposições das leis de 30 de junho de 1881, 9 de dezembro e 2 de janeiro de 1907".

Significa isto, conforme anota um commentador francês, que as "reuniões, cultuaes" são reuniões publicas, isentas a esse titulo de toda a declaração previa pela lei de 28 de março de 1907, e dispensadas alem d'isto, pela lei de 2 de janeiro de 1907, da formação de um bureau, e em tudo o mais submettidas á lei de 30 de junho de 1881, e ás prohibições, penalidades ou protecções especiaes previstas para as reuniões cultuaes pela lei de 9 de dezembro de 1905.

Tal é neste ponto o estado actual da questão. Agora, pelo que respeita ao uso dos edificios e mobiliarios adstrictos ao culto, eis o que diz o artigo 5.° da referida lei:

"Na falta de "associações cultuaes" os edificios destinados ao exercicio do culto, assim como os moveis que os guarnecem, continuarão, salvo destino nos casos previstos pela lei de 9 de dezembro de 1900, a ser deixados á disposição dos fieis e dos ministros do culto, para a pratica da sua religião".

Podem, portanto, os fieis, agora, como antes da separação, ir aos templos e a qualquer hora praticar os exercicios de piedade pela sua Igreja autorizados, e pode o ministro do culto catholico regular o serviço religioso, dirigir as cerimonias, empregar os objectos mobiliarios de que precisa, como o fazia anteriormente. Isto, dentro dos templos.

E fora?

Responde o § 1.° do artigo 27.°: "As cerimonias, procissões e outras manifestações exteriores do culto continuarão a ser reguladas em conformidade dos artigos 95.° e 97.° da lei municipal de 5 de abril de 1884. Portanto as manifestações do culto, publicas, são livres e autorizadas por lei, embora sujeitas á regulamentação que tem por base "a boa ordem e a tranquillidade publica". Só isto. Uma regulamentação que excedesse estes direitos seria illegal. E, com effeito, assim o teem interpretado os tribu-naes, e nomeadamente o "Conselho de Estado", declarando illegaes, decisões municipaes, tendentes a prohibir aos membros do clero o acompanharem, revestidos de seus habitos insignias, os enterramentos, ou conduzirem o viatico. De modo que os direitos dos catholicos estão, actualmente, bem definidos por estas disposições, e pelas interpretações de todo o ponto equitativas que lhes tem sido dadas pelos tribunaes franceses. Na quadra que atravessamos é trivial ler-se ou ouvir-se a personalidades mais ou menos diplomadas, eloquentes divagações sobre as leis da separação, aqui, ali ou alem. E quantas ignoram estas e tantas outras particularidades, que derramam luz, muita luz, sobre as trevas do problema, que mais pode convulsionar uma sociedade inteira! E com que infinita tristeza, nós, que tão enleados nos sentimos, perante as difficuldades do assunto, lemos e anotamos, que até patrulhas destacadas do exercito português, por ordem superior, andavam, como Universidades, Parlamentos ou Faculdades moveis, percorrendo villas e aldeias com o encargo para os seus commandantes de explicarem ao povo, o que vinha a ser separar o Estado das igrejas!

Seculos sobre seculos de atavismo pesam sobro a humanidades inteira. Como aliviá-la rapidamente de tamanha e tão dura carga, á ponta de baioneta, ou o bico de penna de um legislador, por maior que seja o seu talento, o seu saber, a sua audacia, o seu impaciente amor por um ideal triumfante?

Os que do recanto do seu gabinete de estudo, longe do mundo onde se degladiam as fortes paixões politicas, tantas vezes desorientadoras, seguem, anciosos, as peripecias das grandes lutas em prol da emancipação das consciencias de todas as tyrannias, partam de onde partirem, receiam, não sem justo fundamento, que a era dos conflictos religiosos, que tanto se tinha a peito afastar, não esteja definitivamente encerrada em França. A França não possue ainda em materia de separação o seu estatuto legal definitivo.

E Portugal?

Tem a palavra a Assembleia Nacional Constituinte. E vejamos todos, firme e claro, que o Estado não tem nada com catholicos ou não catholicoa, com crentes ou atheus: tem tudo com os cidadãos que vivem dentro do seu territorio e sob a sua soberania.

O Estado não legisla para catholicos ou não catholicos: legisla para todos os portugueses. O clero nacional é catholico. É português: deixae-o, pois, em liberdade, sem pressões nem oppressões, aspirar tambem a ser republicano, lealmente dedicado á paz e ao progresso da Republica. A Assembleia Nacional Constituinte, cumpre decidir-se por uma verdadeira lei de separação; ou por uma lei de infusão das igrejas rio Estado; ou por uma lei de caldeação do Estado com as igrejas.

XI

Para que levar mais longe a analyse em que iamos? Está indicado o bastante para ver a solução que o problema teve lá fora, e a que importa que cá, a dentro do pais, se lhe dê, em proveito da paz geral e conforme os dictames da liberdade e da justiça universal, levando em linha de conta o nosso meio: o nosso temperamento; o nosso grau de cultura; a nossa situação politica e educacional no momento presente; as nossas reservas de ideal e de bem, disponiveis para entrarem em acção; mesmo o nosso proprio interesse material e economico; ainda o nosso prestigio no convivio mundial e internacional; e por tira o patriotismo exigindo na frase celebre de Fustel de Coulanges que "se não se pensa como os antepassados, se respeite, ao menos, o que elles pensaram".

Nós somos partidarios sinceros e enthusiastas da Separação, como quem deseja ver estendido a toda a terra, o imperio d'esses sentimentos superiores! Não queremos outras violencias, nem outras imposições senão as que dimanam do proprio dever e da lei, na sua mais alta expres-

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são. O respeito mais absoluto - por todos, das ideias e praticas religiosas de cada um, deve ser o primeiro artigo de uma Carta de Liberdades. Não ultrajar, nem ferir, nem perturbar, nem embaraçar convicções e cultos, que não sejam os nossos; nem por outro lado, ser obrigado a adherir, nem a participar por manifestações, em crenças que não compartilhamos; respeitar e até mesmo ignorar completamente as opiniões religiosas de quem quer que seja, particularmente dos funccionarios civis e militares em todos os graus, cuja carreira, nenhum embaraço por tal motivo deve deve soffrer; liberdade deixada aos pães de darem a seus filhos, em escolas da sua escolha, a instrucção conforme com as suas convicções; prohibição aos estabelecimentos publicos de beneficencia de subordinarem os soccorros geraes ás opiniões professadas e ás escolas frequentadas, só pelos assistidos e membros da sua familia....; taes, entre outras, as consequencias d'esse fundamental principio, que a um Governo praticamente bem orientado se impõe o estricto dever de cumprir e de fazer cumprir. Esta ideia deve dominar toda a lei.

"O que o estado leigo, vos deve a vós, catholicos, proclamou na tribuna francesa, o Sr. Briand, ao defender a sua lei, é a liberdade da consciencia. E mais vos deve ainda, - é a faculdade de exprimir com toda a independencia as vossas crenças religiosas pelas manifestações exteriores, que são o culto. Este direito a lei deve conferir-vo-lo: se a lei vo-lo não desse, seria uma lei má, uma lei de perseguição".

Como é bella a tribuna francesa, quando um livre pensador e estadista como Briand, assim se exprime!

"O mais alto sinal de civilização, - escreve Emerson, um dos geniaes pensadores dos tempos modernos, - é que toda actividade publica do Estado se applique a assegurar o maior bem ao maior numero".

Mas como assegurar o maior bem, manchando a flor do sentimento religioso, ainda tão cultivada na dor, na saudade e na esperança de tantos crentes?

Mas como assegurar o maior bem, cortando as azas á liberdade, no que ella tem de mais delicado e de mais intimo?

Por isso é que a legislação de todos os países cultos procura, como vimos, garantir o exercicio da liberdade na sua mais vasta expressão, só a restringindo, quando precisamente isso importa uma condição de maior felicidade, - ultimo fim a que devem aspirar todas as leis.

Foi nesta orientação, e coherente com o nosso longo manifesto publico de 10 de março de 1901 sobre a grave questão religiosa - caso Calmon, - que elaborámos um projecto de separação, restringindo-o, o mais que pudemos, só expondo ideias essenciaes.

A lei brasileira não tem, como sabemos, senão sete artigos. O projecto apresentado ás Cortes, quando do estabelecimento da Republica em Espanha em 1873, não tinha igualmente senão sete artigos. O decreto com força de lei do actual Governo Provisorio tem cento e noventa e seis artigos. Este projecto que apresento contem vinte e um artigos. Entendi dever manter este projecto em toda a sua elevação politica e religiosa, sem o misturar com outros assuntos, derivados da separação. E assim, penso que se deve reservar para diplomas especiaes o que explica e precisa, completa e amplia, o principio posto neste projecto, inspirado unicamente na paz, na ordem, na justiça.

Artigo 1.° A liberdade de consciencia é inviolavel. A escolha, profissão e exercicio de qualquer crença ou religião são inteiramente livres, salvos os direitos superiores da ordem e da moral publica.

Art. 2.° A Republica impondo-se e impondo o mais absoluto respeito das ideias e praticas religiosas de todos os cidadãos não distingue, nem estabelece entre elles, com tal fundamento, differença alguma seja de ordem publica, seja de ordem administrativa ou economica.

Art. 3.° A liberdade religiosa de que trata o artigo 1.°, estende-se aos individuos tanto considerados nos seus actos particulares, como formando igrejas ou aggremiações religiosas que podem, por isso, organizar-se e viver segundo os principios dá sua hierarchia e conforme os estatutos que as criaram e manteem desde que o seu intuito principal seja o ensino, a assistencia e beneficencia, ou outros fins de utilidade publica.

D'este principio de tolerancia são excluidas:

1.° As communidades que impõem aos seus aggremiados a clausura perpetua ou a vida meramente contemplativa;

2.° Os jesuitas ou quaesquer aggremiações ou congregações filiadas, ou d'elles dependentes, seja qual for a sua denominação ou os intuitos que revistam.

Art. 4.° As irmandades e outras corporações fundadas para fins cultuaes e de beneficencia, continuarão no uso dos seus direitos e regalias, devendo todas reorganizar-se sob novas bases economicas, garantindo e regularizando a distribuição das receitas, pelas suas instituições, e pelas que o Estado determinar.

Art. 5.° Todas as igrejas ou confissões religiosas, que satisfaçam ás exigencias da presente lei, gozam de personalidade juridica para adquirir, governar e administrar os seus bens, conformemente ao direito commum.

Art. 6.° Os seminarios, collegios ou quaesquer outros institutos destinados á preparação para o estado ecclesiastico, são considerados estabelecimentos particulares de ensino, que o Estado se reserva o direito de vigiar e fiscalizar.

Art. 7.° O Estado renuncia:

1.° Ao exercicio do direito de apresentação para os beneficios ecclesiasticos vagos ou que venham a vagar, seja qual for a sua classe ou categoria, porem, sem prejuizo dos direitos do Padroado do Oriente acerca do qual

o Governo opportunamente se occupará em diploma especial.

2.° Ao chamado "Beneplacito", de todos os documentos emanados das autoridades ecclesiasticas, correspondendo ao foro e á legislação commum, os delictos por esta forma commettidos.

3.° A todas as faculdades, direitos, previlegios e regalias que possam significar interferencia no regime interno das igrejas.

Art. 8.° Todos os edificios publicos em que até o presente se tem exercido o culto catholico, como os bens mobiliarios ou immobiliarios que os guarnecem ou a elles andam annexos, são declarados e ficam propriedade do Estado sendo, como taes, imprescritiveis e inalienaveis.

Art. 9.° As reparações relativas aos edificios ou aos objectos cultuaes, ficam a cargo das entidades religiosas que os usufruem, excepto se se tratar de monumentos ou objectos historicos ou artisticos classificados de "nacionaes", cuja reparação ou restauração incumbe directa e primariamente ao Estado.

Art. 10.° As igrejas e quaesquer outros edificios destinados ao culto, os paços episcopaes e os presbyterios com os bens moveis e immoveis que comprehendem; os titulos da divida publica; os foros, censos, pensões e rendas, continuam na posse dos actuaes ministros da religião, ou corporações que as tem usufruido, conforme a legislação em vigor.

Art. 11.° O templos são destinados unica e exclusivamente ás cerimonias da celebração dos cultos. As reuniões nelles effectuadas são publicas e livres, ficando sob a vigilancia da autoridade civil para os effeitos da manutenção da ordem.

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Art. 12.° Não são permittidas na via publica as manifestações do culto, como procissões e outras cerimonias no mesmo genero. A autoridade civil cumpre, todavia, ponderar a execução da generalidade do principio aqui estabelecido.

Art. 13.° As cerimonias cultuaes não poderão prolongar-se alem do por do sol, a não ser que se trate do administração de sacramentos em caso de urgencia ou de aptos que, segundo os usos e prescrições lithurgicas, só celebrem a hora mais avançada.

Art. 14.° Os sinos das igrejas são especialmente destinados ás cerimonias do culto. Podem comtudo ser empregados em caso de perigo commum que exija pronto soccorro, e em circunstancias em que este emprego seja prescrito por disposição de leis ou regulamentos, ou autorizada pelos usos locaes.

Art. 15.º É expressamente prohibido realizar reuniões politicas dentro dos legares destinados ao culto, como o é aproveitasse o ministro de qualquer religião do exercicio das suas funcções para desrespeitar as leis da Republica e provocar a actos de rebelião ou desprezo das autoridades constituidas. Em caso de infracção, os delinquentes serão chamados á responsabilidade nos termos do artigo 137.° do Codigo Penal.

Art. 16.° Aquelle que injuriar e offender um ministro de qualquer religião no exercicio das suas funcções, ou praticar actos de violencia e de ameaça tendentes a perturbar o livre exercicio das mesmas funcções, incorrerá na multa de 5$000 réis até 50$000 réis e em prisão correcional de dez a sessenta dias, ou numa d'estas penas somente, conforme a gravidade do delicto.

Art. 17.° Os ministros da religião catolica que anteriormente á data da proclamação da Republica tinham adquirido direitos de aposentação, quer em razão da natureza das suas funcções, quer pelo seu titulo de nomeação, receberão uma pensão vitalicia annual que nunca poderá ser inferior ao vencimento de categoria fixado na nova reforma para os professores de instrucção primaria, nem superior ao vencimento de categoria dos professores ordinarios das escolas primarias superiores.

Art. 18.° As pensões não poderão em caso algum cumular-se com outra pensão ou com qualquer vencimento a qualquer titulo recebido do Thesouro.

Art. 19.° A pensão será requerida pelo interessado que no requerimento indicará:

a) A idade;

b) O tempo de exercicio das suas funcções;

c) A congrua arbitrada por lei para o seu beneficio;

d) O rendimento liquido, em media nos ultimos dez annos;

e) A qualidade em que exerce o beneficio;

f) Qualquer vantagem como a de ter passal, residencia ou outras benesses.

Art. 20.° Dentro do prazo de três meses a contar da promulgação da presente lei o Governo da Republica publicará os regulamentos e mais diplomas precisos para assegurar a sua applicação.

Art. 21.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, na Assembleia Nacional Constituinte, a 26 de junho de 1911. = Eduardo Abreu.

Cidadãos Constituintes. - Para ser bem regulamentada e lealmente cumprida uma lei de separação do Estado das igrejas, é necessario, entre outros elementos, que o Governo organize o que não possue; - um tombo dos milhares de instituições de piedade e beneficencia, que existem por todo o territorio da Republica. E só em face d'esse inventario competentemente estudado e classificado, é que o Governo poderá regulamentar o artigo 4.°, do projecto de lei sobre a separação, que já submetti ao vosso estudo, ou outro qualquer que bula com aquellas seculares instituições. É um artigo de execução difficil, e como tal exige documentos, estudo e trabalho. Por isto submetto á vossa attenção o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o Governo autorizado a mandar proceder immediatamente a um rigoroso inquerito, por questionario, semelhante ao que se refere a portaria do Ministerio do Interior, de 30 de março de 1887, e relativo ao anno economico de 1910-1911 - a todas as misericordias, irmandades, confrarias, archi-confrarias, ordena terceiras e collegiadas, devendo todas, sob pena da lei responder no prazo improrogavel de 30 dias, contendo a resposta, alem de três assinaturas pelo menos dos membros que exerçam funcções administrativas na instituição inquirida, a do regedor da parochia e a do administrador do concelho ou bairro, e podendo qualquer resposta ser revista ou verificada por delegado de confiança directa do mesmo Governo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, Assembleia Nacional Constituinte, em 26 junho de 1911. = Eduardo Abreu.

Cidadãos Constituintes. - Submetto ao vosso estudo e deliberações um projecto de lei, subordinado ao que já vos apresentei, sobre a separação do Estado das igrejas:

Artigo 1.° Os actuaes ministros da religião catholica, pensionarios ou usofrutuarios de cathedraes, igrejas, seminarios, paços episcopaes, presbyterios, bens mobiliarios e immobiliarios que os guarnecem ou a elles andam annexos; dos titulos da divida publica, que nessa qualidade lhes estejam averbados; dos foros, censos, pensões e rendas que estejam recebendo, concorrerão para as despesas publicas locaes de instrucção, assistencia e beneficencia, com uma só contribuição geral e annual, paga em prestações semestraes, e que se denominará "Contribuição dos Cultos".

1.° Esta contribuição, competentemente fixada, de 5 em 5 annos, e com audiencia dos interessados, terá por base um rendimento collectavel em globo, calculado pelo referido usofruto, devendo nelle incluir-se o montante das pensões, só quando os ministros aposentados ainda exerçam actos do culto publico;

2.° Esta contribuição constituirá receita ordinaria semestral das commissões civicas, criadas noutro projecto de lei; será escriturada em livro proprio, e em separado de outra qualquer receita e despesa, e não poderá ter outra applicação differente da que seja attender ás despesas com a instrucção, assistencia e beneficencia publica parochial;

3.º Para os effeitos da incidencia, cobrança e pagamento da contribuição dos cultos ás commissões civicas, todos os ministros da religião catholica, que exerçam o culto na area do concelho, constituir-se-hão em livre gremio parochial, para acordarem e repartirem as quotas partes, e fixarem a sua distribuição;

4.° O presidente do gremio parochial, livremente indicado pelo chefe da circunscrição cultual, ou eleito pelos ministros da religião, agremiados no concelho, será directamente responsavel pelo pagamento integral e regular da contribuição dos cultos, ás commissões civicas parochiaes.

Art. 2.° As disposições do artigo antecedente com suas alineas 1 a 4 serão igualmente regulamentadas na sua parte applicavel aos ministros portugueses ou estrangeiros de outras religiões, que, individualmente ou agremiados, exerçam o culto ou o ensino publico no territorio da Republica.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, na Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de junho de 1911. = Eduardo Abreu.

Cidadãos Constituintes: - No projecto de lei sobre a separação do Estado das igrejas, disse-vos, que se de-

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 11

via reservar para outros documentos, o que explica e precisa, completa e amplia, o principio superior ali consignado. Nestas condições, julgo ser salutar para o cumprimento d'aquella ou de outra lei de Separação; de vantagens praticas para o Estado; de infiltração civilizadora levada ás ultimas e mais obscuras raizes da Republica, disseminadas por todo o seu territorio; e finalmente como passo decisivo para a necessaria economia e descentralização dos serviços, que trazem o Governo suffocado, - o seguinte projecto de lei que submetto á vossa consideração:

Artigo 1.° São dissolvidas e extinctas em todo o territorio da Republica as juntas de parochia.

Art. 2.° Em cada unidade administrativa do territorio da Republica, freguesia ou parochia, será eleita uma commissão civica, subordinada ao Ministerio do Interior, destinada a zelar pela ordem e progresso local; a promover a instrucção, a assistencia e a beneficencia; a definir questões locaes entre cidadãos pobres ou illetrados, e, entre outras responsabilidades, a de assumir todas as obrigações de consulta e informação que pelo Estado eram impostas ao parocho por varias disposições de lei.

1.° Na freguesia e comarca, nunca se procederá a qualguer inventario orfanologico, quando seguramente, o montante do espolio, for de valor igual ou inferior a 600$000 réis. A commissão civica é a competente para o attestar, em declaração escrita em três exemplares, entregando dois, nas estacões competentes, de que cobrará recibo, juntando-os ao terceiro exemplar, competentemente rubricado, e que a mesma commissão archivará, para os devidos effeitos.

2.° Nos espolios de valor igual ou inferior a 600$000 réis, a commissão civica, chamada a intervir, ou entendendo que deve intervir, por qualquer questão supravemente, que prejudique legaes e legitimos interesses de menores, procederá sempre com previa consulta escrita, ao delegado do procurador da Republica, que tambem por escrito e gratuitamente, é obrigado a responder.

Art. 3.° A commissão civica, será eleita de cinco em cinco annos, pelos eleitores da freguesia, inscritos no ultimo recenseamento, que será revisto. A lista conterá cinco vogaes effectivos e cinco substitutos, entrando sempre em cada grupo, dois dos dez maiores contribuintes, que saibam tambem ler e escrever, domiciliados, como os restantes vogaes na mesma freguesia.

Art. 4.° Na falta ou impedimento do professor de instrucção primaria da freguesia, o presidente da commissão civica, é ahi o official do registo civil e como tal responsavel pelo archivo, regularidade do serviço e exacta applicação da lei.

Art. 5.° O presidente da commissão civica, e na sua falta ou impedimento, o vogal secretario, é o representante local do Governo da Republica, para cumprir tudo que for regulamentado em diploma especial, para conhecimento da freguesia sobre o livre exercicio dos cultos, pelos ministros, membros ou fieis das religiões.

Art. 6.° Toda a receita das extinctas juntas de parochia em bens proprios e rendimentos diversos, constituirá o fundo administrativo da commissão civica, a que acrescerá:

1.° Uma percentagem sobre as contribuições geraes do Estado, votada annualmente pela Assembleia Legislativa.

2.° A quota parte da contribuição civica, que incidir sobre as misericordias, irmandades, confrarias e collegiadas existentes na area do concelho.

3.° A quota parte da contribuição cultual, paga pelos ministros da religião, agremiados no concelho.

4.° Metade do rendimento, que usufruir o ministro da religião, pelas propriedades que occupava, e titulos da divida publica, que nessa qualidade lhe estavam averbados, quando elles tenham de voltar á posse do Estado.

5.° Um imposto parochial de exportação, na area da freguesia, para qualquer ponto do país ou do estrangeiro, fixado e cobrado pela commissão civica e assim incidindo:

a) Vinho em cascos, em quantidade igual superior a 300 litros;

b) Minerio, carregando vehiculos, era bruto, já preparado, ou em começo de preparação;

c) Arvores, cortadas em terrenos incultos, cultivados ou cultivaveis, em bruto, ou já preparadas, serradas ou rachadas, para quaesquer applicações ou serviços; este imposto soffrerá uma reduccão de 50 por cento, quando o exportador se obrigue a plantar uma arvore nova, por cada quatro, das que cortar ou arrancar;

d) Aguas mineraes ou minero-medicinaes, já engarrafadas e capsuladas;

e) Granito já talhado ou trabalhado, para fachadas ou fronteepicios de boas casas de habitação particular;

f) A quota parte do imposto de 2$000 réis sobre cada aquista, não pobre, que frequentar por mais de 10 dias qualquer estação thermal, na area do concelho;

g) Um imposto sobre automóveis e carruagens particulares, que transitando pela area da freguesia, nella se demorem seguidamente, por mais de duas horas.

Art. 7.° O Governo da Republica auxiliará a commissão civica, fornecendo-lhe a planta e orçamento para a construcção de uma escola, typo parochial, para o ensino primario elementar, e onde aos collegiaes, será tambem fornecida uma andaina de fato, de modelo official nas escolas similares de todas as parochias, livros e utensilios escolares, uma refeição nos dias de estudo, e um banho semanal. Logo que a escola estiver construida e pronta a funccionar, a commissão civica receberá do Estado, um titulo de divida publica, do valor fixado pela Assembleia Legislativa, como subsidio auxiliando o regular funccionamento da escola. Havendo já escola a funccionar para collegiaes do sexo masculino, outra será construida e posta a funccionar, nas condições indicadas, para collegiaes do sexo feminino. Funccionando já as duas escolas, será construido o primeiro albergue, typo parochial, para sustentação dos mendigos invalidos, da freguesia, nas mesmas condições auxiliares, por parte do Governo da Republica.

Art. 8.° O capital necessario para a construcção e acquisição do mobiliario, dos primeiros quinhentos edificios destinados a escolas e albergues parochiaes, será obtido por um emprestimo entre os oitenta maiores contribuintes de cada concelho ou bairro, garantido pelo Estado em obrigações nacionaes de 50$000 réis, de juro annual de 5 por cento, amortizaveis ao par, por sorteio annual, no prazo maximo de 10 annos, e de desconto e circulação bancaria obrigatoria.

Art. 9.° Passados quatro annos, sobre o começo de execução da presente lei, em todo o territorio da Republica, se na freguesia, ainda não estiver em estado adeantado de construcção, ou já construida ou já a funccionar, a primeira escola de ensino primario elementar, ou o primeiro albergue, a commissão civica será demittida, por diploma publicado no Diario do Governo, affixado em todas as restantes escolas e nos consulados portugueses, nas republicas americanas. Ao presidente e mais vogaes, será suspenso, por cinco annos, o exercicio de todos os direitos civis e politicos. Serão igualmente punidos com a prohibição de residencia, durante cinco annos, na area do respectivo concelho, e, no caso de delinquirem, a pena será de prisão correccional e multa de 5$000 a 50$000 reis. A freguesia para todos os effeitos politicos e civis será annexada á freguesia mais proxima, onde já funccione alguma escola ou albergue, e só poderá recuperar a sua autonomia regional, quando a nova commissão civica, tiver concluido e posto a funccionar a escola ou o albergue.

Art. 10.° A penalidade constante do artigo antecedente não exime os delinquentes ao apuramento das responsa-

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

bilidades, em que tenham incorrido, na gerencia dos fundos que recebiam e administravam.

Art. 11.° As commissões civicas de Lisboa que substituirem as actuaes quarenta e duas juntas de parochia, serão compostas de nove vogaes effectivos e de outros tantos substitutos, devendo entrar em cada grupo, três dos trinta maiores contribuintes residentes na area parochial.

Art. 12.° Em assembleia geral das commissões civicas de Lisboa, será eleito um seu representante, junto do Conselho Superior de instrucção e assistencia, no Ministerio do Interior.

Art. 13.° A tabella de impostos, a que se refere o artigo n.° 6.° e alineas, destinados com as demais receitas nelle consignados e actuaes direitos paroehiaes, aos encargos geraes, avultando os da instrucção, beneficencia e assistencia, com repressão permanente da mendicidade publica local, será remodelada para Lisboa, Porto e mais cidades, de forma que, onde aquelles impostos não sejam applicaveis, incidam em cada parochia, em:

1.° Automoveis e trens de uso particular, cujos donos residam ou não, na area da freguesia:

2.° Pianos, gramophones, phonographos, harmonios e orgãos de uso e recreio nas casas habitadas pelos seus proprietarios;

3.° Pregão e venda de jornaes diarios na cidade em que se imprimirem e circularem, com as seguintes taxas de licença animal, paga pelas empresas a cada uma das parochias: tiragem diaria até 5:000 exemplares, 1$000 reis; até 10:000 exemplares, 3$000 réis; até 20:000 exemplares, 6$000 réis; até 50:000 exemplares, 10$000 réis. Por cada tiragem a mais, de 10:000 exemplares, ou fracção, 5$000 réis. Os postos parochiaes das empresas de impressão, destinados á venda das suas publicações periodicas e a outros negocios de publicidade ou informação, pagarão por cada porta ou janela a taxa de licença annual de réis 18$000.

4.° Os divorciados sem ascendentes nem descendentes directos, e os solteiros, no uso dos seus direitos civis e politicos, de idade igual ou superior a 40 annos, validos sem occupação certa e conhecida, e que residirem na area parochial em propriedade que lhes pertença, ou que possuam noutra parochia, dentro ou fora do territorio nacional, pagarão a taxa annual de 10$000 a 50$000 réis; e se o solteiro ou o divorciado, tiver occupação certa e conhecida, realizando-se as demais condições, a taxa annual será de 5$000 a 10:5000 réis;

5.° A quota parte parochial de um imposto de importação cobrado pelas alfandegas do continente nos productos constantes das alineas a) e b) do artigo 5.° do decreto sobre o álcool da Madeira, de 11 de março de 1911;

6.° A quota parte paronhial de um imposto de exportação cobrado pelas alfandegas do continente nos productos constantes da base 7.a do decreto sobre o álcool de Angola, de 29 de maio de 1911.

Art. 14.° É expressamente prohibido ás commissões civicas, intervirem ou interferirem no livre exercicio dos cultos, pelos Ministros, membros ou fieis de qualquer religião, e toda a intervenção ou interferencia do ordem economica, derivando do antigo regime parochial, será especialmente regulamentado, para se completar a separação dos poderes, garantindo para ambos o livre exercicio do ensino, da assistencia e da beneficencia publica local.

Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, na Assembleia Nacional Constituinte, 26 de junho de 1911. = Eduardo Abreu.

Foram admittidos e mandados enviar á commissão ecclesiastica.

O Sr. Dantas Baracho: - (Por parte da commissão do Regimento).

Sr. Presidente, no dia 20 foi nomeada uma commissão especial para elaborar o projecto do Regimento d'esta casa, dando-lhe quinze dias de prazo. Sete dias decorridos, essa commissão tinha os seus trabalhos concluidos.

Devo dizer a V. Exa. que da Imprensa Nacional ainda hoje pode vir o numero de exemplares necessarios para serem distribuidos pelos Srs. Deputados e, sendo assim, ainda é possivel entrar em discussão, se V. Exa. e a Camara assim o entenderem, na próxima sessão.

O Sr. Padua Correia: - Sr. Presidente, pedi a palavra para um negocio urgente, que diz respeito a um telegramma que recebi de Lamego e me dá a noticia de um incêndio que esta madrugada se desenrolou naquella cidade, ardendo por completo umas vinte casas, deixando numerosas familias ao desamparo, sem abrigo, calculando-se os prejuizos em 100 contos de réis e ignorando-se ainda se foi devido ao acaso ou se se trata de um crime ou desastre.

Chamo a attenção do Governo para que mande proceder a um inquerito, quer pelas autoridades, quer por pessoa de sua confiança, e depois tome as providencias que se usam nestes casos.

O Sr. Ministro do Interior (António José d'Almeida): - Tomo na devida consideração as palavras do Sr. Deputado Padua Correia, e direi a S. Exa. que não tenho inconveniente nenhum em mandar proceder a um inquerito o mais depressa possivel.

O Sr. Presidente: - O Sr. Dr. João José de Freitas pediu tambem a palavra para um negocio urgente. Os Srs. Deputados que permittem que S. Exa. fale, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O Sr. José Montes: - Sr. Presidente, pedi a palavra para apresentar á Câmara um projecto de lei que passo a justificar.

E sabido e conhecido de todos que, logo após a proclamação da Republica, tão desejada e ha tanto tempo pedida, se começou por intenso movimento grevista, por uma mal comprehendida liberdade.

Esse movimento foi talvez um pouco aggravado pela promulgação da lei que fixava o direito da greve e que foi regulamentado por lei posterior, que não desejo discutir, porque entendo não ser opportunidade para o fazer; mas estabelecendo essa lei penalidades para os individuos que não cumprindo os seus preceitos se declaravam em greve, teve como consequencia, em resultado de se terem declarado em greve os empregados dos Caminhos de Ferro do Estado e da Companhia dos Caminhos de Ferro, serem presos, suspensos e pronunciados alguns d'esses operarios.

O meu projecto tem por fim preparar a Camara para que sejam amnistiados esses individuos pronunciados em resultado d'essa greve (Apoiados).

E devo declarar que consultei o Sr. Ministro do Fomento sobre o assunto, por entender que devia consultar o Ministro que sobraçava a pasta que directamente interferia no assunto. Por S. Exa. foi-me dito que o Governo de maneira nenhuma podia ver mal a apresentação d'esse projecto, tanto mais que o Presidente do Governo Provisorio, procurado por uma commissão de operarios grevistas, tinha declarado a esses operarios que a Assembleia Nacional Constituinte de maneira nenhuma deixaria de approvar um decreto d'essa natureza.

Nestas condições vou mandar para a mesa um projecto de lei que passo a ler:

Lê e foi mandado para a mesa, ficando para segunda leitura.

O Sr. França Borges: - Pedia a V. Exa. se dignasse consultar a Camara sobre se dispensa o regimento para que este projecto possa entrar hoje em discussão.

Rejeitada a dispensa do regimento.

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 13

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer unias ligeiras considerações a respeito do projecto apresentado pelo Sr. Deputado José Montês.

Eu sabia que um outro projecto de lei se preparava a respeito de amnistia aos ferro-viarios; e quando o Sr. Dr. José Montês me perguntara se achava inconveniente que esse projecto fosse apresentado, disse lhe que não e que o mesmo havia respondido a outro Sr. Deputado, cujo nome não citei então, fazendo-o agora, o Sr. Alfredo Ladeira. E procedi assim, intencionalmente, porque não queria estabelecer para nenhum Sr. Deputado uma especie de preferencia na apresentação de um projecto que, em si, é altamente generoso.

O Governo Provisorio da Republica tinha reconhecido o direito á greve, ainda eu não era Ministro; e sendo chamado a gerir a pasta do Fomento em fins de novembro, apresentei o decreto que regulamentador esse direito reconhecido nos primeiros dias de dezembro. Esse regulamento foi discutido e approvado em Conselho de Ministros; mas eu quero reivindicar só para mim, perante a Assembleia, como então o fiz perante o pais, a inteira responsabilidade que d'elle possa derivar. Sr. Presidente, este decreto que pela materia de que trata é com certeza dos mais importantes, pelo menos dos mais discutiveis do Governo Provisorio da Republica, ha de ter a sua larga discussão nesta Camara, como de resto, a terá toda a legislação do Governo Provisorio, e então será o momento de justificar a sua redacção e todas e cada uma das suas disposições.

A greve dos ferro-viarios da antiga Companhia Real fez-se sobre a base de reclamações que a Companhia não tinha deferido; a greve dos ferro-viarios do Estado não se fez sobre a base de nenhuma reclamação; fez-se apenas por um espirito de solidariedade, tal como o entenderam esses empregados publicos.

Eu tinha recebido um caderno de reclamações dos ferro-viarios e tinha-lhes dito que esse caderno seria sujeito a exame e as reclamações seriam deferidas tanto quanto o permittissem os recursos do Thesouro. Não havia, por conseguinte, nenhuma razão seria, nenhuma razão valiosa que justificasse a greve. (Apoiados)

E foi exactamente por isso que essa greve não teve, desde a primeira hora, a sympathia e acquiescencia do publico. (Apoiados).

E tanto isto é a verdade, que sendo formuladas estas reclamações em fins de dezembro, tendo-se esses empregados do Estado declarado em greve, só dois meses depois é que as reclamações foram deferidas, o que quer dizer que nesta greve houve o manifesto proposito de falta de respeito pelos poderes publicos, perante o qual o Governo da Republica não podia deferir aquelle pedido.

É certo, Sr. Presidente, como disse o Sr. Montês, que da parte dos empregados ferro-viarios não se fez cousa parecida com uni propositado delicto, que pusesse em perigo a segurança das nossas instituições, que trouxesse ao Governo a menor diflSculdade na sua marcha governativa.

Eu que sou justo para com todos, e talvez de preferencia para com aquelles que não são meus amigos, devo dizer que mesmo nos actos de sabota gê que se fizeram, por parte dos ferro-viarios, houve todo o cuidado de providenciar de modo que nenhum desastre se desse; mas nas suas reuniões publicas, no que escreveram nos jornaes, a greve ferro-viaria era para affirmar o menos respeito que merecia a lei.

Nestas condições o Governo Provisorio não podia, por mera condescendencia, praticar um acto que podesse ser considerado de cobardia ou que não estivesse em harmonia com os bons principios.

Quatro dias antes de se proceder ás eleições, um numeroso grupo de ferro-viarios, mais de 400 homens, foram ao Terreiro do Paço pedir que fosse concedida uma amnistia aos seus collegas. O Governo Provisorio recebeu uma commissão d'esses empregados, como sempre o fez, mas o facto de irem 400 homens poderia de alguma maneira parecer uma intimidação. O Governo da Republica, pela pessoa do seu Presidente, declarou a essa commissão que não podia naquelle momento decretar aquella amnistia, mas que se na Assembleia Constituinte algum Sr. Deputado fizesse qualquer proposta nesse sentido, o Governo não faria a menor opposição.

Depois, já nesta Câmara, um illustre Deputado socialista, e outro que pertence ao partido republicano, tiveram a delicadeza, a benevolencia de me perguntar se haveria algum inconveniente em apresentarem á Câmara uma proposta nesse sentido.

Foi uma attenção, que somente traduzia o sentimento das conveniencias politicas.

Por um sentimento de ordem moral, muito bom seria que os illustres Deputados se dessem ao incommodo de consultar os Ministros sobre qualquer assunto que desejem tratar; porque hoje não succede como no antigo regime; hoje, numa assembleia republicana, consultar um Ministro sobre a apresentação de um projecto, não é subserviencia, mas apenas sentimento de solidariedade para que, qualquer difficuldade que haja, possa ser aplanada pelo Governo.

Sr. Presidente: dadas estas explicações e assente que foi simplesmente o respeito pela lei e o desejo de manter o prestigio do poder, que levou o Governo a negar a amnistia e a assentar que da sua parte não ha a minima duvida nem relutancia em que esse projecto seja discutido e votado, e em face das considerações que fez o Sr. José Montês e eu proprio fiz, reservo-me para mais tarde, quando esta providencia do Governo Provisorio entrar em execução, tomar a defesa da lei, que só foi inspirada num alto sentimento de justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O Sr. Ministro não reviu estas notas).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado): - Sr. Presidente: hontem o Sr. Deputado Eduardo Abreu, no seu discurso, estranhou que os ministros de qualquer religião fossem inelegiveis para membros ou vogaes da junta de parochia e não fizessem parte da direcção administrativa ou gerencia das corporações.

S. Exa. disse muito mais; disse que não comprehendia bem como era que um ministro do culto não podia ser membro de uma junta de parochia e podia ser governador civil.

A isto eu não tinha que responder, Sr. Presidente, porque o Sr. Eduardo Abreu sabe, e todos sabem, que esta disposição não é nova; existia; já tinha sido inserida no codigo liberal de Rodrigues Sampaio, de 1878, e todos sabem que razão havia para um padre não poder ser membro da junta de parochia e ter elegibilidade.

Essa razão, é evidente, é pela acção que pode converter-se em pressão sobre os seus parochianos, - o que não obsta a que um ministro da religião possa ser Deputado, Ministro da Nação -, porque são todos cidadãos, investidos em todos os direitos de cidadãos portugueses.

Eu pedi a palavra, é obvio, não porque tivesse de dar explicações neste sentido á Câmara nem ao Sr. Eduardo de Abreu; toco neste ponto, por se ter S. Exa. referido á maneira como o Governo fará os regulamentos necessarios para a execução mais exacta d'esta lei.

Alguns Srs. Deputados, hontem mesmo, desejaram saber qual o sentido em que se fará a regulamentação d'este artigo.

Tenho muito gosto em dizer á Câmara que o Governo pensa em o regulamentar, dando aos ministros da religião o voto consultivo em todos os assuntos cultuaes.

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14 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

E isto que eu creio estará no sentimento de toda a Constituinte.

Mas estas interpretação do citado artigo, como a de outros, fazemo-la nós no regulamento, sem ser necessario modificar a lei.

O Sr. Jacinto Nunes: - Refere-se a algumas considerações feitas pelos jornaes estrangeiros Chaine Liege e Corcho y Tapones acerca de uma proposta feita pelo Governo Português a algumas nações estrangeiras com respeito á classe rolheira e corticeira.

Pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros se essa proposta é do Governo actual ou do anterior. Se é do actual, quaes os motivos que a determinaram e quaes as classes que o Governo ouviu? Se é do Governo anterior, qual é, a esse respeito, a opinião do Governo actual?

(O Sr. deputado Jacinto Nunes não restituiu o seu discurso).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e interino da Justiça (Bernardino Machado): - Sr. Presidente, eu posso dizer formalmente ao illustre Deputado Sr. Jacinto Nunes que não ha proposta alguma sobre a questão corticeira.

(Interrupção de um illustre Deputado).

Perdão, creio que tenho autoridade para o dizer; não havia nem ha proposta alguma sobre tal assunto, que é da maior gravidade; é uma questão interna e externa que interessa, sobretudo, á causa do país.

Para tratar d'essa questão, os Ministerios das Finanças e do Fomento resolveram publicar por estes dias um documento para se nomear uma commissão que represente esses Ministerios, para estudar competentemente o assunto, que precisa de uma solução urgente.

Devemos fazer quanto possivel para que a solução seja o mais acertada, tendo ouvido todos os interesses envolvi: dos na questão.

Não ha duvida de que o assunto é importante.

Nós somos os maiores proprietarios de cortiça; temos mais de 70 por cento da producção mundial.

Neste sentido estou convencido de que Portugal ha de occupar-se desenvolvidamente dos interesses da nossa lavoura corticeira.

O Sr. João Gonçalves: - Manda para a mesa um projecto de Constituição.

Apresenta razões juridicas pelas quaes só acceita o Poder Legislativo, considerando os outros como seus agentes.

Entende de conveniencia, por agora, que haja um Presidente da Republica.

Julga que os Ministros não devem ter o direito de propor; cumprem as leis approvadas pelo Parlamento, que é quem possue a unica soberania. Assim se evitarão as ditaduras.

O orador é pela existencia de duas camaras, que de forma alguma prejudicarão o principio da soberania una e indivisivel do Parlamento.

O veto das camaras municipaes substituirá o referendum adoptado na Suissa.

Apresenta conscienciosameute as suas opiniões sobre o assunto e acceitará quaesquer emendas que a Assembleia desejar fazer ao seu projecto.

O projecto de lei apresentado por este Sr. Deputado ficou para segunda leitura.

(O Sr. Deputado João Gonçalves não restituiu o seu discurso).

Vozes: - Deu a hora, deu a hora.

O Sr. Alexandre de Barros: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Reconhecendo a Assembleia Nacional Constituinte, ao votar uma das propostas que lhe foram presentes, a urgencia de realizar actos que evitem uma situação financeira difficil;

Verificando que os dispendios trazidos pela mudança de regime e os destinados a manter a ordem bastam, como encargos para o Thesouro, num momento em que se impõem as mais severas economias;

Não admittindo que um pais pobrissimo, de enorme divida publica, mantenha o exercito de funccionarios que lhe impôs a monarchia, acrescido com outros novos não inferiormente remunerados, resolve, antes que uma reforma aos Ministerios e serviços dependentes estabeleça novos quadros de pessoal:

1.° Nomear uma commissão encarregada de trazer á Assembleia nota circunstanciada das nomeações de funccionarios feita sob a Republica, e do aumento de despesa resultante das mesmas nomeações.

2.° Examinar os vencimentos dos funccionarios nomeados, propondo as redacções que entenda convenientes e por modo que não subsistam honorarios superiores áquelles que percebem os directores geraes.

3.° Que os vencimentos até agora pagos o continuem sendo, até definitiva resolução d'esta Assembleia Constituinte sobre o assunto.

Sala das Sessões, em 27 de junho de 1911. - O Deputado, Alexandre de Barros.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Manda para a mesa uma proposta com respeito a regulamentação do trabalho: Justifica a sua proposta com varias considerações.

Vozes: - Não se ouve. A proposta é a seguinte:

Proposta

A Camara delibera:

Artigo 1.° Que pela commissão permanente da legislação do trabalho sejam, tem primeiro logar, apresentados projectos de lei instituindo em Portugal a direcção, conselhos, conselho superior e câmara do trabalho.

Art. 2.° Que, emquanto não existam e funccionem estas instituições, imprescindiveis para a methodização e proficua organização das leis do trabalho, se crie uma commissão, cuja denominação será a de "Commissão de inquerito ao trabalho e condições da vida operaria", que ficará aggregada, como auxiliar, á commissão permanente do trabalho e será composta por cinco membros eleitos por esta Camara.

§ unico. Esta commissão terá por fim:

1.° Inquirir, de visu, da situação das classes trabalhadoras no que respeita ao trabalho, salario, alimentação, hygiene, habitação, assistencia, etc.;

2.° Fornecer, por meio de relatorios, os resultados dos seus inqueritos e os elementos necessarios á boa organização das leis á commissão permanente da legislação do trabalho.

Art. 3.º Para os effeitos de harmonizar os interesses das classes, regularizar, coordenar elementos e facilitar as funcções de ambas as commissões, poderão estas tambem consultar individualmente ou aggregar a si, quando o julguem necessario, em reunião conjunta ou parcial, um delegado por cada uma das tres mais importantes associações commerciaes, industriaes e agricolas e um delegado

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 15

por cada associação operaria, de classe, não podendo estes exceder, em reunião conjunta, o numero de nove delegados e possuindo todos os delegados somente voto consultivo.

Art. 4.° A Camara votará no próximo orçamento do anno economico de 1912-1913 a verba que julgue necessaria ás despesas a effectuar com a "Commissão de inquerito ao trabalho e condições da vida operaria".

Art. 5.° Esta commissão funccionará sempre, embora se proroguem ou encerrem os trabalhos parlamentares, até a eleição, pela Câmara, de nova commissão, á qual entregará o seu mandato. = O Deputado, Gastão Rodrigues.

Ficou para segunda leitura.

(O Sr. Deputado Gastão Rodrigues não restituiu o seu discurso).

O Sr. Marques da Costa: - Sr. Presidente, invoco o artigo 81.° do Regimento...

O artigo 81.° não permitte que o Deputado use da palavra, antes da ordem, mais de ura. quarto de hora.

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado pediu urgencia para a sua proposta. Vou consultar a Camara.

(Consultada a Camara votou a urgencia da proposta).

O Sr. Presidente: - O projecto de lei do Sr. Adriano Pimenta fica para segunda leitura. Vae passar-se á ordem do dia.

O Sr. Adriano Pimenta: - A urgencia foi approvada. Mas desisto da urgencia.

Vozes: - Foi approvada.

O Sr. Presidente: - A proposta não foi votada; foi acceite apenas por benevolencia da Camara.

O Sr. Alberto Charula: - Peço a palavra para invocar o Regimento.

O artigo 87.° diz o seguinte:

(Leu).

Não cemprehendo, portanto, como se vae proceder ao escrutinio de uma eleição...

Vozes: - O Regimento não pode ser alierado. Não pode passar-se á ordem do dia.

(Sussurro).

O Sr. Presidente: - O pedido de urgencia feito pelo Sr. Adriano Pimenta foi apresentado já na hora de se entrar na ordem do dia, tendo sido attendido apenas por benevolencia da Assembleia.

O Sr. Pedro Martins: - Eu pergunto a V. Exa. e á Camara se se vae entrar na ordem do dia. Nesse caso estamos fora do Regimento, porque votada, como foi a urgencia, fica prejudicada a ordem do dia.

(Sussurro).

Vozes: - Não senhor. Cumpra-se o Regimento.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia termina a prazo de tratar assuntos ás tres horas.

O Sr. Gastão Rodrigues acabou de falar. Falou outro Sr. Deputado. Em seguida o Sr. Pimenta apresentou uma proposta pedindo a urgencia do seu projecto. Já tinham passado as duas horas quando o illustre Deputado terminou a leitura da sua proposta.

O Sr. Pedro Martins: - Repito: desde o momento em que foi votada a urgencia ficava prejudicada a ordem do dia.

E a doutrina do Regimento.

Vozes: - Cumpra-se o Regimento.

Uma voz: - Sr. Presidente: eu requeiro a leitura da proposta que está em discussão.

(Grande sussurro na sala. Varios Srs. Deputados pedem a palavra, outros falam sem serem ouvidos. O Sr. Presidente agita varias vezes a campainha).

O Sr. Egas Moniz: - Requeiro votação nominal para o reconhecimento da urgencia.

O Sr. Presidente: - V. Exas. dizem que não foi votada a urgencia? A maneira de se apurar é fazendo a contraprova da votação.

Vae fazer se a contra-prova.

O Sr. Egas Moniz: - V. Exa. deve pôr á votação o meu requerimento, que representa o direito que me assiste de o fazer em virtude das disposições do Regimento e depois faz a contra-prova.

(Sussurro).

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente: - Não posso pôr o requerimento de V. Exa. á votação, porque não se trata de uma votação nova, mas simplesmente de ractificar uma a que já se procedeu. O que vae fazer-se é a contraprova.

Os Srs. Deputados que rejeitam a urgencia teem a bondade de se levantar.

Feita a contra-prova verificou-se que a urgencia havia sido approvada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do Sr. Adriano Pimenta.

(Leu-se).

Proposta

Artigo 1.° É fixado em 120$000 réis mensaes o subsidio aos Deputados da Nação Portuguesa.

§ unico. Nenhum Deputado pode recusar o subsidio, ou renunciar do direito a elle.

Art. 2.° Descontar-se-ha naquella importancia a quantia de 4$000 réis por cada falta não justificada a cada dia de sessão.

§ unico. Havendo duas sessões por dia, far-se-ha o desconto desde que o Deputado falte a qualquer d'ellas.

Art. 3.° Aos Deputados pelo ultramar e ilhas adjacentes, quando não tenham domicilio no continente, ser-lhes-hão abonadas as despesas de transporte de vinda e regresso.

Art. 4.° Os Deputados que sejam funccionarios publicos receberão apenas o subsidio quando este seja superior aos seus vencimentos liquidos, e receberão acenas esses vencimentos quando sejam superiores ao subsidio.

§ unico. Os administradores ou directores por delegação do Governo, de companhias que tenham qualquer contrato com o Estado ou por este sejam subsidiadas, os commissarios da Republica junto d'essas companhias e todos os empregados dos corpos administrativos são considerados funccionarios publicos para os effeitos d'este artigo.

Art. 5.° Quando o tempo de duração de uma sessão legislativa comprehender um mês incompleto, o subsidie corresponderá a 4$000 réis por dia.

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Art. 6.º As disposições dos artigos anteriores são applicaveis aos membros d'esta Assembleia Nacional Constituinte, começando a contar-se o subsidio desde o dia l de julho proximo futuro.

Art. 7.° Uma lei especial fixará as incompatibilidades parlamentares.

Sala das Sessões 27 de junho de 1911. = Adriano Augusto Pimenta = José de Abreu = Thomaz Cabreira = José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães = Alberto Souto = Antonio Amorim de Carvalho = Evaristo Luiz das Neves Ferreira de Carvalho = Antonio Maria da Cunha Marques da Casta = Jorge Frederico Vellez Caroço = Antonio dos Santos Pousada = Bernardino Paes de Almeida = Antonio Maria da Silva Barreto = Guilherme Nunes Godenho = Casimiro Rodrigues de Sá = Domingos Tasso de Figueiredo = Joaquim Ribeiro = Assis Alves da Cunha = Philemon Duarte de Almeida = Ladislau Piçarra = Henrique Caldeira Queiroz = Affonso Ferreira = Domingos Pereira = Antonio Joaquim de Sousa Junior = Victorino Henriques Godinho = Joaquim José de Oliveira = Angelo Vaz = José Pereira da Costa Bastos = Antonio Pires de Carvalho = Antonio José Lourinho = Manuel Pires Vaz Bravo Junior = Americo Olavo = Amilcar Ramada Curto = Manuel José de Oliveira = Luis Fortunato da Fonseca = Gastão Raphael Rodrigues = Adriano Gomes Ferreira Pimenta = Gaudencio Pires de Campos = José Francisco Coelho = José Luis dos Santos Moita = João Carlos Nunes da Palma = Alfredo Balduino Seabra Junior = Pedro Januario do Valle Sá Pereira = José Montez = Francisco Pereira = Alfredo Maria Ladeira = Carlos Maria Pereira = Aureliano de Mira Fernandes = A. Pires Pereira Junior = Antonio Joaquim Granjo = Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães = Henrique de Sousa Monteiro = Antonio Paiva Gomes = José Bernardo Lopes da Silva = Miguel Abreu = Fernando da Cunha Macedo = Pedro A. Botto Machado = Achilles Gonçalves Fernandes = Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca = Faustino da Fonseca = Pedro Alfredo de Moraes Rosa = José Cordeiro = Antonio Caetano Macieira Junior = Balthasar de Almeida Teixeira.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Adriano Pimenta (medico): - Sr. Presidente, a proposta que tive a honra de apresentar a esta Câmara é firmada com o meu nome e com os de grande numero de Srs. Deputados d'esta Assembleia.

O assunto d'ella é o que só acaba de ler - um subsidio aos Deputados á Assembleia Nacional Constituinte.

Não foi nosso intuito, ao apresentar esta proposta, attender exclusivamente aos nossos interesses pessoaes pondo de parte as altas conveniencias da Republica e do Estado.

Longe d'isso.

A proposta que apresentamos ao Parlamento tem por fim manter um alto principio de moralidade e absolutamente democratico - assegurar independencia aos que representam a democracia portuguesa. (Apoiados).

V. Exa. sabe e a Câmara que a maior parte dos Srs. Deputados que a constituem não são de Lisboa e um grande numero d'elles não possuem condições de fortuna nem meios de vida sufficientes para sustentar honesta e dignamente, como convem, a sua posição na capital.

Um grande numero dos nossos collegas, é necessario que isto se saiba, fazem um sacrificio enorme pela Republica, abandonando a sua casa e profissão, de que auferem unicamente os meios de vida, e afastando se dos seus negocios para estabelecer a residencia aqui. E muitos acceitaram o mandato, crendo que lhes seriam estabelecidas condições para a sua permanencia na capital.

Quando se tratou de confeccionar a lei eleitoral houve alguem que, numa reunião particular, lembrou ao Governo a conveniencia de fixar nella um subsidio para os Deputados á Constituinte, explicando que essa representação do pais á Assembleia Nacional dependeria necessariamente d'essa circunstancia, afirmando-se que a Camara seria uma ou outra, bem differente, conforme houvesse ou não subsidio.

O Governo nessa occasião, ou antes, um membro do Governo provisorio acceitou absolutamente, em principio, que aos Deputados ás Constituintes lhes fosse dado um subsidio, porque a razão não poderia exigir dos republicanos e dos homens que a viriam representar um sacrificio tal contrario a uma boa representação democratica.

Eu pedi a palavra para um negocio urgente, que era a minha proposta, de acordo com todos aquelles que me acompanharam na apresentação d'ella, porque a verdade é que as necessidades urgem.

O Sr. Macieira: - Eu concordo com a proposta de S. Exa., mas não concordo com a urgencia.

O Orador: - E assim V. Exa. comprehende que se pedira urgencia não foi a servir-me de um d'esses trucs parlamentares que eu não conheço ainda, mas simplesmente se impõe a urgente necessidade de prover a este estado de cousas.

Ha um grande numero de Srs. Deputados que se lhes for negado o subsidio teem de abandonar as cadeiras que occupam nesta Assembleia, deixando de ter nella representação uma grande parte do país.

Nos não podemos dar á nação esse espectaculo deploravel e humilhante de ver os seus representantes, que, não tendo condições para a sua existencia na capital, teem de abandonar esta Assembleia ou de recorrer a processos desairosos e pouco dignos para representantes da nação. (Apoiados).

Sr. Presidente: O projecto de lei, tal como foi apresentado, é o que nos parece o mais honesto, e de acordo com os preceitos estabelecidos na legislação de alguns países exarada em todas as Constituições republicanas.

O projecto estabelece um subsidio modesto, talvez, porque estou convencido, e creio que commigo toda a gente, que hoje, em Lisboa, dificilmente se vive com quantia inferior, e é preciso dizer a V. Exa. que este subsidio não basta para satisfazer todas as necessidades da existencia na capital. Mas procuramos garantir que esse subsidio seja apenas um subsidio ou subvenção e nada mais. (Apoiados). Não será nunca uma maneira de enchermos as algibeiras á custa do Estado (Apoiados) mas somente a garantia de uma existencia decente (Apoiados).

A fim de evitar que se transforme, em modo de vida especial, estabeleceu-se uma multa para todos aquelles que faltarem ás sessões, correspondente a 4$000 réis diarios.

No projecto de lei estabelecemos que o subsidio seja obrigatorio. Essa obrigatoriedade no subsidio tem a justificá-la uma simples condição de decoro e de moralidade, porque a Republica não pode acceitar serviços gratuitos dos cidadãos.

Se porventura o subsidio não fosse obrigatorio, alguns dos membros d'esta Câmara, ou por residirem em Lisboa e terem outros rendimentos que lhes garantam a sua situação, ou por possuirem fortuna propria, poderiam muito bem. attendendo a considerações de ordem moral, recusarem esse subsidio, desde o momento que elle não fosse obrigatorio. Ora V. Exa. e a Câmara comprehendem a situação deprimente em que ficavam aquelles que tivessem de o acceitar, (Apoiados). Portanto estabeleceu-se a clausula do subsidio ser obrigatorio no intuito de salvar o decoro de cada um dos Srs. Deputados (Apoiados) que porventura d'elle necessitem e estabelecendo condições de igualdade para os que fazem parte d'esta Assembleia.

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 17

No projecto de, lei estabeleceu-se ainda um principio que julgo moral: E aquelle que se refere á opção entre o que possa receber, como funccionario do Estado e o subsidio de Deputado.

No artigo 4.° diz-se:

"Os Deputados que sejam funccionarios publicos..."

Nestas condições o projecto de lei que temos a honra de apresentar á Câmara não representa uma extorsão ao Estado nem consente accumulações immoraes. (Apoiados}. Limita se a uma subvenção para cobrir as despesas extraordinarias d'aquelles que, residindo fora da capital, são obrigados a sacrificios materiaes com os quaes realmente não podem.

O projecto, no fundo, é essencialmente moral e democratico. (Apoiados).

Evita que esta Camara possa ser accusada dos mesmos defeitos e dos vicios das Camaras monarchicas. Sabemos todos que, desde que se tirou o subsidio ás Camaras monarchicas, ficaram sendo compostas apenas de empregados publicos, ou caçadores de empregos. E é preciso que a Câmara Republicana seja realmente a representação legitima da nação e não um simples congresso de burocratas e de argentarios ou dos que venham marcar logar para o emprego publico.

Nós queremos affirmar que as Camaras Constituintes teem de ser formadas por todos os representantes da nação, sejam elles ricos ou pobres.

São estas as explicações que desejava dar á Camara, a proposito do subsidio aos Deputados; ella resolverá como entender. - (Vozes: - Muito bem; muito bem).

O Sr. Rodrigo Fontinha:- Sr. Presidente, pedi a palavra simplesmente para fazer uma declaração, que é a seguinte: Concordando eu, em absoluto, com o subsidio que deve ser dado aos Deputados, por ser uma cousa absolutamente justa, não me conformo, no entanto, com o artigo que determina a obrigatoriedade da aceitação d'esse subsidio. (Apoiados).

E não concordo pela razão muito simples de que se não devem dar beneficios a quem quer que os não queira acceitar.

Sr. Presidente, se este projecto for convertido em lei, é claro que os Deputados que não acceitarem o subsidio transgridem a lei. Ora, toda a transgressão da lei deve ter uma comminação penal. Neste caso, pergunto eu: por esse facto elles serão mandados para o Limoeiro? (Apoiados).

E eu digo isto com tanta mais autoridade quanto é certo que estou disposto a receber o subsidio, porque sou pobre, e digo ainda mais, que não teria vergonha alguma em o acceitar, mesmo que fosse eu só a acceitá-lo. (Apoiados).

Ora, é era virtude d'isto que eu mando para a mesa uma emenda ao projecto, que é a seguinte:

Emenda

Do projecto de lei sobre subsidio aos Deputados será eliminado o artigo que determina a obrigatoriedade de acceitação.

Sala das Sessões, 27 de junho de 1911. = O Deputado, Rodrigo Fontinha.

É lida na mesa.

O Sr. Presidente: - Vai ler se a emenda.

Lê-se na mesa.

O Sr. Julio Martins: - Sr. Presidente, pedi a palavra sobre este ajunto, e vou romper com as mentiras convencionaes, com os falsos pruridos de honestidade e com a cobardia moral, cousas que para nada servem, nesta hora em que devemos declarar, desassombradamente, as convicções que nos animam.

As funcções parlamentares são funcções do Estado como quaesquer outras, e precisam de ser exercidas com a maxima independencia, com caracter e honestidade.

E se nós todos, orientados nos sãos principios da democracia e da Republica, proclamámos na opposição a honestidade d'esta Assembleia, é justo que a ponhamos agora em pratica. (Apoiados).

Sr. Presidente, tenho ouvido argumentar de differentes maneiras, e algumas bem extraordinarias, sobre as razões que teria esta Assembleia para votar ou não este projecto de lei.

Diz se, argumentando com uma falsa moralidade, que todos reconhecem, que a representação parlamentar deve ser subsidiada, mas para os outros, para os parlamentares futuros; para os republicanos d'esta assembleia, não.

E eu pergunto: Era que se escuda a consciencia dos homens que assim proclamara a originalidade de taes principios?

Nos empregos publicos, nas funcções burocraticas que desempenham ou nas circunstancias de fortuna em que nasceram ou, proventura, se encontram hoje?

A sessão legislativa d'esta Câmara não é, certamente, menos digna, nem menos honesta, nem menos importante do que qualquer outra que no futuro aqui venha a realizar-se.

Sr. Presidente, é preciso que encaremos as cousas como ellas são, que cada uni tenha a coragem de dizer o que pensa á luz dos principios que professa. (Apoiados).

É preciso que todos nós, que aqui viemos com vontade de trabalhar, não nos vejamos obrigados por essa falsa honestidade, na contingencia de nos irmos embora, deixando entregue a Assembleia ás clientellas politicas que para ahi podem surgir, aos argentarios, ou aquelles que estejam hoje collocados á mesa do orçamento.

Queremos que a funcção parlamentar tenha a maxima independencia e, sendo assim, eu pergunto ao Governo, eu pergunto á Constituinte:

Quando a lei eleitoral, promulgada pelo Governo Provisorio, estabeleceu as condições de elegibilidade dos Deputados, vinha ella ou não falsificando os principios da independencia parlamentar?

Os representantes das classes trabalhadoras, os eleitos do partido socialista, aquelles que vivem do trabalho manual e honradamente, aqui se sentam ao vosso lado, não podiam, evidentemente, entrar no primeiro Parlamento da Republica, admittido o falso escrupulo de quem não quer votar o subsidio aos Deputados da Constituinte.

Não, Sr. Presidente, nós precisamos garantir a liberdade da escolha dos eleitores e precisamos honestizar as funcções parlamentares. (Apoiados).

Assim, Sr. Presidente, concordando em principio com a proposta apresentada pelos meus collegas, ha pontos no entanto em que discordo plenamente do projecto e por que assim é, acompanhado tambem de outros Srs. Deputados, mando para a mesa um outro projecto que passo a ler.

A Assembleia Nacional Constituinte:

Considerando que é de toda-a justiça e boa politica estabelecer aos Deputados uma indemnização ou subsidio que a todos permitia o assiduo e independente exercicio das funcções legislativas;

Considerando que só assim se pode conseguir e garantir um recrutamento verdadeiramente democratico da representação nacional, permittindo que as funcções de Deputado possam ser exercidas por individuos de classes trabalhadoras e de profissões liberaes e pelos que teem a sua casa e os seus interesses longe da capital, e deixem

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

de poder ser exclusivamente exercidas pelos capitalistas, grandes proprietarios e grandes burocratas;

Considerando que tal indemnização ou subsidio, alem de absolutamente conforme com os principios democraticos, é-o tambem com as tradições do nosso direito constitucional, e com o direito constitucional dos povos civilizados;

Considerando que entre os Deputados da Assembleia Constituinte se encontram, democraticamente, segundo os principies apregoados na opposição, cidadãos de todas as classes, muitos dos quaes apesar da sua decidida vontade de bem servirem o pais e de trabalharem serenamente nesta sessão legislativa se encontram em condições economicas que lhe não permittem representar dignamente a Nação e conservarem-se na capital o tempo indispensavel para integralmente se cumprir a missão da Constituinte;

Considerando que o facto dos Deputados do regime extincto não serem nos ultimos tempos remunerados não produziu fruto benéfico nem honrou a moralidade;

Considerando finalmente, que os Deputados da Constituinte precisam de estar acima de todas as suspeitas, e provar ao pais que, sendo subsidiados legalmente, não carecem de lançar mão de negocios escuros, de ninhos burocraticos, de logares de companhias e das contas dos porteiros, mas procuram apenas trabalhar honrosa e abertamente na regeneração do pais, decreta o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Os Deputados da Nação vencerão um subsidio pecuniario durante as sessões do Parlamento o qual é fixado em 100$000 réis para a sessão ordinaria normal e em 75$000 reis, tambem mensaes, por cada sessão prorogada.

§ unico. O pagamento do subsidio será feito no fim do mês e sem deducções, excepto quando ao dos Deputados que por virtude dos seus empregos estejam sujeitos aos impostos de rendimento e sêllo e ao pagamento de quotas para o Montepio Official e para a Caixa de Aposentações ou de Reformas sob o qual se continuarão a fazer deduções em importancia igual ás effectuadas.

Art. 2.° Os Deputados que receberem outros vencimentos pagos pelo cofre do Thesouro, de qualquer natureza ou denominação; os que sejam directores ou administradores de sociedades que tenham contrato com o Estado ou d'este recebam subvenção ou privilegio; e os representantes do Estado, junto de sociedades, pelos cofres dos quaes lhes sejam pagos vencimentos, não podem accumular o subsidio com os seus vencimentos.

§ unico. Fica salvo aos Deputados funccionarios publicos ou a representantes do Estado o direito de opção pelo subsidio ou pelo outro vencimento, devendo usar d'este direito e fazer a respectiva declaração por escrito, no prazo de três dias a contar do da publicação da presente lei, na Secretaria da Assembleia respectiva ou na Repartição de contabilidade se houver.

Art. 3.° Os Deputados pelas colónias e ilhas adjacentes, domiciliados fora do continente, vencerão metade do subsidio no intervallo das sessões, quando estas sejam suspensas por tão pouco tempo que elles não possam regressar ás terras do seu domicilio.

Art. 4.º Quando o Parlamento reuna extraordinariamente, o subsidio será abonado á razão de 3$333 réis por cada dia (ou de 4$000 réis por sessão), observando-se sempre o disposto no § unico do artigo 1.° e no artigo 2.° e § unico.

Art. 5.° Encerrada, suspensa ou adiada a sessão ordinaria do Parlamento antes do fim do mês, o subsidio será abonado á razão de 3$333 réis, ou de 2$500 réis por dia, conforme a sessão for normal ou prorogada.

Art. 6.° Na hypothese do artigo 3.°, o abono será á razão de 1$666 réis por dia.

Art. 7.° Perde o direito ao subsidio, computado em 5$000 réis por sessão, o Deputado que não comparecer desde o principio ao fim da sessão sem causa justificada.

§ 1.° Havendo duas sessões por dia a falta de comparencia a uma d'ellas importa perda de subsidio.

§ 2.° Serão unicamente causa justificativa:

a) Comprovada moléstia durante a residencia em Lisboa ou arredores.

b) Morte de ascendente, descendente, cônjuge e parente collateral em 2,° grau, justificando a d'este ultimo, falta a duas sessões e a d'aquelles a tres, umas e outras continuas, contadas desde o dia em que tiver conhecimento do óbito, o qual o Deputado participará ao Presidente da Assembleia.

Art. 8.° Uma vez por cada sessão os Deputados domiciliados no continente, teem direito como indemnização para as despesas de vinda e volta a um bilhete de 1.ª classe nos meios de transporte do Estado, até a estação mais proxima do seu domicilio; e com as mesmas restricções aos domiciliados fora do continente serão abonadas pelo Estado as despesas de transporte directo.

Art. 9.° Este projecto transformado em lei, entrará em vigor no dia 1 do proximo mês de julho.

Sala das sessões da Assembleia Constituinte. - Lisboa, 27 de junho de 1911. = Os Deputados, Julio do Patrocinio Martins = João José Luis Damas = Abilio Barreiro = João Luis Ricardo = Albino Pimenta de Aguiar = Antonio Maria da Silva = Machado Santos = Antonio Affonso Garcia da Costa = Manuel de Sousa da Camara = Artur Rovisco Garcia = Carlos Henrique da Silva Maia Pinto.

Foi mandado enviar á commissão de finanças.

O Sr. Antonio Macieira: - Sr. Presidente, eu sou um dos sessenta e tantos Deputados que assinaram o projecto de lei enviado para a mesa pelo meu collega Sr. Adriano Pimenta, e sou tambem do grande numero dos que votaram a urgencia; e, Sr. Presidente, a meu ver, procedendo assim, cumpro um dever de consciencia em relação aos meus principios, e em relação a preceitos de alta moralidade.

(Interrupção).

O illustre Deputado que se me dirige não será d'essa opinião, quanto á urgencia, mas ha de permittir-me que diga as razões em que me fundo, porque não desejo que V. Exa. julgue me contento com affirmações dogmaticas, que são boas para épater le monde, mas que não convencem ninguem, que pensa pela sua cabeça.

Posso, de cabeça levantada, e bem alto, sustentar, aqui e lá fora, o direito que os Deputados teem de ser subsidiados pela Nação, porque não basta circunscrever a funcção parlamentar a meia duzia de beneficiados da sorte que podem prescindir do subsidio como elemento de prover aos mais necessarios meios de subsistencia.

Entendo que se esta Assembleia ficasse circunscrita áquelles que teem meios, e áquelles que teem profissões que lhe dão vida desafogada, esta assembleia ficava muito reduzida, e a Republica, a democracia e o verdadeiro suffragio soffreriam mais uma vez uma mystificação e não é justo, nem moral, que se circunscreva a acção da soberania nacional áquelles que teem dinheiro.

Justo é que esses que nada teem, mas que teem ideias, e que ideias não tenham mas que foram trazidos a esta Assembleia pelos seus eleitores, aqui possam estar á vontade, sem lá fora se lhes criar uma situação que pode levá-los a praticar actos irregulares e sem ter que recorrer ao credito para assegurar a subsistencia.

Ha economias que são immoraes.

Nunca ninguem pensou em fazer economias a respeito

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 19

da defesa da Nação, nunca ninguem pensou em fazer economias a respeito da instrucção, por maior sacrificio que o Estado soffra com taes medidas; nem pense nunca ninguem em fazer economias sobre qualquer iniciativa de reconhecida utilidade publica.

Como se podem fazer economias com aquelles que largaram as suas fazendas, as suas profissões, a sua familia e vêem exactamente com o seu esforço e intelligencia concorrer para que essas leis de utilidade social sejam apreciadas discutidas e votadas?

Honro-me por ter assinado o projecto que se discute, honro-me por ter ficado sentado, votando assim a sua urgencia.

E não se diga, tanto aqui como lá fora, preciso é accentuá-lo nitidamente, que a Câmara se agitou sobre a votação da urgencia por espirito ganancioso, ou por ambições, mas somente porque, dir-se-hia, que alguma cousa andava nos ares, tendenciosamente prejudicial ao projecto.

É preciso que o saibam todos que aqui estão e que lá para fora podem levar noticias do que aqui se passa, que a Assembleia era incapaz de se deixar dominar pelo egoismo, mas que se votar o projecto o faz em virtude de um alto e honesto principio moral, e se o considerou urgente é em consequencia de circunstancias imperiosas. Eu posso falar assim, Sr. Presidente, porque estou em condições de prescindir do subsidio, embora nunca praticasse esse acto, que representaria um insulto aos que o votassem e acceitassem.

Voto tambem a obrigatoriedade estabelecida no projecto, que é absolutamente indispensavel; e voto-a sem comminação, contentando-me como se contentam varias legislações com a simples sanccão moral, que é sufficiente quando provem de uma alta assembleia.

Voto este projecto com tanta mais decisão e tanta mais liberdade de acção que ninguem me pode dizer que eu sou Deputado de chancella de quem quer que seja, Deputado imposto, por isso que tive a minha eleição contrariada, sem bem saber a causa, nem as pessoas que o guerrearam, que certamente viram com desgosto que o meu nome saisse de um suffragio limpo.

O subsidio não é um facto novo na nossa legislação, como o não é nas legislações das outras nações, em toda a parte se encontra estabelecido, embora diversamente; na Europa apenas a Italia, a Espanha e a Inglaterra o não teem ainda, mas a Inglaterra, como a Espanha, estudam presentemente a forma de o adoptarem.

Entre nós é velhissimo. Vem da Constituição de 1823, e muito antes, embora por um criterio diverso, tinham-o os antigos Procuradores do Povo no simples systema representativo, e na Constituição de 1838 lá se encontra, e ninguem poderá dizer que as Constituintes de 1820 ou as de 1838 fossem menos liberaes, menos democraticas dos que aqui se encontram presentemente, nem que tivessem menos dignidade as de 1911.

Votarei, portanto, este projecto, e assim procedendo, entendo que pratico um acto moral, e segundo um principio que se encontra na tradição da nossa legislação, só abandonado em 1892 como uma das muitas medidas de salvação publica.

Mas, Sr. Presidente, uma assembleia elevada, uma assembleia de bons principios, como esta, uma assembleia democratica não ha de querer que esse projecto votado de afogadilho. (Apoiados).

Era necessaria a urgencia para que esse projecto prevalecesse a qualquer outro, para que o mais breve possivel os Deputados da Nação que vivem em condições difficeis, não fossem obrigados a retirar-se de Lisboa. Era necessario isto; mas tambem é necessario não votar esse projecto á pressa.

Requeiro por isso que elle ou qualquer outro sobre subsidio vá a commissão de fazenda para ella dar o seu parecer.

Mais uma razão, portanto, para que fique bem claro que a Assembleia não votou a urgencia por ambição.

Não entro na apreciação do segundo projecto ; alguns pontos tem elle que carecem de discussão, mas desde que entendo que um e outro ou qualquer outro, que venha, deve ir á respectiva commissão que, porventura, os pode refundir, apresentando depois á assembleia um projecto novo, que depois será distribuido pelos Srs. Deputados a fim de o apreciarem, eu reservo para então as considerações que o segundo projecto me suggere, e termino por aqui as minhas considerações, mandando para a mesa o meu requerimento.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Antonio Macieira a apresentar o seu requerimento. E, aproveitando o tempo em que S. Exa. o formula, referir-me-hei a umas palavras por S. Exa. proferidas. Pareceu-me que S. Exa. deu a entender que havia vontade de abafar o projecto.

Affirmo a V. Exa. que não sabia que seria apresentado. Mais: ignorava mesmo que elle existisse.

Vozes: - Não era com V. Exa.

O Sr. Antonio Macieira: - Mando para a mesa o meu requerimento.

(Assume a presidencia o Sr. Augusto Monjardino).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. António Macieira:

"Requeiro que as duas propostas apresentadas vão á commissão de finanças. = A. Macieira".

O Sr. Sousa da Camara: - Entendo que a Assembleia não pode votar esse requerimento, porque votou a urgencia do projecto. Fui dos que rejeitei essa urgencia. Mas, desde que a Assembleia a votou, entendo que este requerimento não pode ser votado.

O Sr. João de Freitas: - Os requerimentos não teem discussão, são postos á votação, approvam-se ou rejeitam-se.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento do Sr. Antonio Macieira para ser votado.

Posto á votação, foi rejeitado.

O Sr. Nunes da Mata: - Sr. Presidente: Não sou orador, mas, como Deputado, tenho obrigação de dizer o que sinto.

Direi que tendo varias vezes ouvido falar nos comicios em liberdade, igualdade e fraternidade, ao entrar aquella porta senti-me contrafeito, porque, entre os Deputados que aqui se reunem, no tratamento do Estado para com elles, eu não encontrava essa igualdade que tinha sido proclamada, não a encontrava sob um ponto de vista fundamental: a do subsidio ou indemnização aos Deputados.

Portanto, desde o principio entendi que era conveniente que fosse estabelecida essa igualdade com relação á indemnização que os Deputados devem receber. Direi que não considero essa indemnização sob o ponto de vista de subsidio. Lá fora, nas nações estrangeiras, não empregam esse termo de subsidio, empregam o termo de indemnização.

É debaixo d'este ponto de vista que considero o subsidio aos Srs. Deputados, isto é: uma compensação ou reparação temporaria do Estado pelo prejuizo que experimentam ao deixar as suas casas e ao desampararem as suas profissões.

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUJNTE

Nós aqui dentro d'esta casa estamos todos unidos num grande pensamento, o qual é o de empregarmos os nossos esforços para termos uma patria grande, livre, honrada. Unidos nesse pensamento constituimos uma verdadeira familia. Ora, em uma familia bem organizada a mãe tem e deve ter o cuidado de dar o mesmo tratamento a todos os filhos, e como a Nação, a Patria é a nossa mãe commum, não pode nem deve deixar de dar o mesmo tratamento aqui dentro a todos os seus filhos. Toda a desigualdade dentro do templo das leis da Republica Democratica constitue um ataque aos principios democraticos e, direi, á propria moralidade politica. Eu sou funccionario publico, e recebo, portanto, a remuneração bastante pelo serviço que presto, e quando estou na Camara não desempenho outro qualquer serviço. Mas, como democrata que sou e sempre fui, o facto de não ser prejudicado nos meus interesses materiaes, quando aqui estou, mais força e energia me dá para poder apresentar com franqueza a minha opinião sobre este assunto, que é melindroso sim, mas que é de justiça e de toda a moralidade que seja resolvido. Nesta ordem de ideias me dirigi a alguns Deputados das rainhas relações que são funccionarios publicos, e a todos encontrei na melhor disposição de empregar os meios de obstar a esta anti-democratica e immoral desigualdade. Tenho intima satisfação em o declarar.

Mais ainda, falando com alguns camaradas e outros funccionarios com assento nesta camara, em todos encontrei uniformidade de pensar a este respeito, dizendo-me alguns que era sua intenção apresentar um projecto de lei que regulasse o assunto.

É bom que por toda a parte se saiba, pois esta é a verdade, que a ideia e a iniciativa da proposta de indemnização partiu e é portanto principalmente devida a funccionarios publicos com assento nesta camara, e que nada teem a lucrar com a indemnização.

Em todas as nações que se governam pela forma republicana, que me conste, ha esta indemnização. Na Suissa, por cada dia de sessão os Deputados do Conselho Nacional percebem a gratificação de 20 francos, que, computando o franco a 200 reis, perfaz a quantia de 4$000 réis; em França, se bem me recordo, a indemnização dos Deputados é de 15:000 francos e é paga annualmente. Mas a França é a Nação mais rica do mundo e, portanto, pode pagar generosamente aos seus Deputados.

Nos Países Baixos tambem recebem por anno 2:000 florins, ou 4:200 francos ou 840$000 réis aproximadamente.

Finalmente na Suecia, Dinamarca, em summa em muitos países que se governam sob a forma monarchica, os Deputados recebem uma indemnização. Na propria Allemanha, desde que se constituiu o Imperio Allemão, os partidos liberaes fizeram altas diligencias para conseguir a indemnização aos Deputados, mas todos os chancelleres, a começar pelo de ferro, se oppuseram a essa indemnização. E por isso que no parlamento do Imperio Allemão, no Heichstag, predomina por modo notavel o elemento official que, desde Bismark, todos os Governos allemães teem diligenciado contrapor ao progredir do partido socialista, por viverem na persuação, que muitas vezes é erronea, de que o funccionalismo é, em geral, conservador.

Para se fazer ideia do quanto Bismark considerava util á democracia a indemnização aos Deputados do Reichstag, bastará dizer que chegou a mandar promover acção judicial do fisco contra os Deputados socialistas, exigindo a restituição do subsidio que recebiam dos seus partidos. E para obstar a novas tentativas dos partidos liberaes, contando que, para conseguir esse resultado, o meio mais simples seria recorrer á altivez e orgulho do povo allemão, mandou inscrever por debaixo do medalhão do poeta Uhland, o qual está nos Passos Perdidos do palacio onde funcciona o Reichstag, a seguinte quadra, tirada dos versos do poeta:

"Desdenhosos de vil salario
"Trabalhadores cheios de zêlo e subditos cheios de fé,
"Reunidos, vós respeitaes o direito popular
"E a magestade do rei".

Comprehende-se bem o intuito conservador que determinou a inscrição, que é insignificante sob o ponto de vista literario e insignificante nos seus fins.

Na Inglaterra tem sido sempre a Câmara dos Lord que se tem opposto com o seu veto á indemnização aos membros da Câmara dos Communs, apesar de ser geral em todo o Reino Unido a opinião de que estes devem receber indemnização.

Em 7 de março de 1906 foi mesmo apresentada na Camara dos Communs uma proposta do Deputado liberal Mr. Lever, a qual foi apoiada pelo primeiro Ministro Sir Campbell Bawerman e obteve a importantissima maioria de 253 votos.

Apesar da quasi unanimidade de votos, entretanto tão util resolução não pôde ser adoptada, por causa da opposião da Câmara dos Lords

Os conservadores ingleses por tal modo teem sido intransigentes a este respeito que, se bem nos recordamos, chegaram nas ultimas eleições a interpor recurso contra as Trades Unions por causa do subsidio que esta poderosa associação concedia aos seus Deputados. E o que é certo é que encontrou um juiz que lhes deu razão, aos conservadores, prohibindo aos Deputados socialistas o receberem indemnização.

Não ha pois a menor duvida de que em todo o mundo civilizado os conservadores consideram a indemnização aos Deputados um passo decisivo para o progresso e para a democracia, e é por isso que com a mais ardente tenacidade e persistencia por ella instam.

O meu voto sobre este assunto tem pois a justificá-lo a opinião de todos os que nelle teem pensado. Embora a occasião não seja muito airosa e asada, desde que o fim e justo, moral e democratico, eu não podia com a minha costumada franqueza deixar de lhe dar o meu voto.

Tenho dito.

O Sr. Alexandre de Barros: - Desisto da palavra.

O Sr. João José de Freitas: - Sr. Presidente: é lamentavel que a Câmara tivesse rejeitado o requerimento do Sr. Macieira, para que a proposta apresentada pelo Sr. Pimenta fosse á commissão de finanças: e isto quando, ha poucos dias, eu vi manifestar-se nesta Assembleia uma forte corrente favoravel á proposta do Sr. João de Menezes, para que nenhuma proposta, tendente a aumentar as despesas publicas, fosse submettida á discussão, sem ser enviada ao exame previo da commissão de finanças.

Sr. Presidente: todos sabem que não é desafogada a situação financeira do pais. Já aqui começaram a esboçar-se censuras vagas ao Governo, pelo facto de ter feito algumas reformas, tendentes a aumentar as despesas publicas, e é neste momento que a Assembleia Constituinte começa por tornar-se culpada de igual falta, apresentando uma proposta para se conceder o subsidio aos Deputados. (Apoiados).

Eu devo dizer que não falo como adversario do subsidio parlamentar e que sou mesmo em principio favoravel a elle.

Entendo que o subsidio aos Deputados é uma despesa que garante a independencia do corpo legislativo; mas o que é certo é que Assembleia Nacional Constituinte, occupando-se desde já, como questão urgente em prejuizo da ordem do dia, d'este assunto, dá uma prova de que ante põe aos interesses geraes do país, que emandam que se ha de sem demora da eleição das commissões, destinadas a occuparem-se dos diversos ramos da administração pu-

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blica e da discussão da Constituição Politica, a questão egoista dos seus interesses particulares. (Não apoiados).

Sr. Presidente: eu quero pôr em confronto o procedimento d'esta Assembleia com o procedimento da Assembleia Constituinte Francesa, quando votou o subsidio de que nenhum dos seus membros podia ser eleito para a Assembleia que lhe succedesse.

Todavia, nós não podemos deixar de negar a homenagem da nossa admiração a esses homens, que tiveram a abnegarão e o desinteresse de se collocarem fora dos negocios parlamentares e deixar a uma nova câmara de homens o cuidado de constituirem a Assembleia Legislativa.

A Assembleia Constituinte Portuguesa teria feito muito melhor se, sem prejuizo da ordem do dia, tivesse votado o requerimento do Sr. Macieira. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Tenho a lembrar ao Sr. Deputado que este projecto de lei se discute na generalidade e V. Exa. está discutindo uma votação da Assembleia, já feita.

O Orador: - Eu vou já entrar no assunto, lamentando, repito, que se tivesse rejeitado o requerimento do Sr. Macieira.

Todos sabem, Sr. Presidente, que a situação financeira do país não é desafogada, e eu vejo duas propostas, uma em que se estabelece o subsidio de 120$000 réis por mês, o que é mais do que antigamente recebiam os Deputados no tempo da Monarchia, e outra em que se propõe o subsidio de 100$000 reis, o mesmo que de antes recebiam os Deputados. Tanto uma como outra eu considero inopportunas, embora, em principio, concorde com o subsidio aos Deputados.

Não seria mais proprio, mais conveniente, que antes de se tratar do subsidio, a Assembleia se occupasse da eleição das commissões e de preparar a Constituição para a discutir e votar, porque d'ella depende o reconhecimento da Republica pela maioria das nações estrangeiras?

A Assembleia daria melhor exemplo de patriotismo e de desinteresse, se adiasse a discussão do projecto para melhor opportunidade, occupando-se de outras questões de maior urgencia. Eu bem sei que mesmo no Governo ha quem se tenha manifestado pelo subsidio, ainda no tempo da Monarchia. O Sr. Ministro do Fomento tomou a iniciativa de apresentar, quando Deputado da opposição republicana um projecto, a fim de que fosse restabelecido o subsidio aos Deputados.

Sr. Presidente, acabei de trocar impressões com S. Exa. e, numa rapida conversa a respeito da opportunidade da discussão d'este projecto de lei, S. Exa. manifestou a mesma opinião que eu acabei de expor á Assembleia, isto é que, antes de tudo, se devia tratar da ordem do dia, e só depois de eleitas as commissões parlamentares e de se ter discutido e votado a constituição politica, se poderia occupar d'estes assuntos.

Levanta-se tumulto.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Depois e só depois é que a Câmara poderá encetar a discussão d'este assunto.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente: - A Camara approvou que esse assunto constituisse a ordem do dia. Se V. Exa. continua a referir-se sobre a sua deliberação, eu vejo-me na dura necessidade de lhe retirar a palavra.

O Orador: - Eu estou discutindo o assunto, estou por isso dentro da ordem.

Vozes: - Não está tal.

O Orador: - Desejaria que esta questão fosse reservada para momento mais opportuno. Considero excessiva a dotação de 120$000 réis, e entendo que o subsidio a estabelecer-se não deve ir alem de 100$000 réis mensaes, que era o subsidio que no tempo da monarchia percebiam os Deputados.

Terminando, devo declarar a V. Exa. que, sendo favoravel ao principio do subsidio, voto neste momento contra os dois projectos apresentados á Assembleia em virtude da sua inopportunidade.

O Sr. Adriano Pimenta: - Sr. Presidente: Tinha pedido a palavra antes de falar o meu illustre collega Sr. João Freitas. Vi que S. Exa. acceita em principio o que se estabelece no meu projecto; estimo registar essa affirmação.

Certamente S. Exa. entende que esse subsidio é um principio de moralidade; mas infelizmente, visto não ter facilidade de ouvir bem o illustre Deputado, quando expôs os motivos pelos quaes não julgo haver inopportunidade para apresentar este projecto.

Pareceu-me que S. Exa. se referiu a uma proposta apresentada hontem pelo Sr. João de Menezes, para a Assembleia não autorizar despesa alguma que não fosse exigida como medida de salvação publica ou de defesa nacional.

Eu confesso a V. Exa., Sr. Presidente, que sob o ponto de vista geral estou com a opinião do Sr. João de Menezes, mas devemos tambem reconhecer que, apesar do Thesouro estar em pessimas condições, como affirma S. Exa., posto que eu ainda não ouvi o Sr. Ministro das Finanças fazer declaração alguma d'esta natureza, e portanto não podemos affirmar se a Fazenda Publica está em boas ou em péssimas condições; e é antes de suppor que sejam favoraveis, visto o Sr. Ministro das Finanças não declarar o contrario nem haver tocado a rebate, mas devemos reconhecer, dizia eu, e apesar de estar de acordo com os principios da proposta do Sr. João de Menezes, que a unica maneira de defender o Estado contra as despesas desnecessarias e o Thesouro contra a ganancia, é arranjar modo dos Srs. Deputados aqui poderem permanecer, de molde a esta Assembleia poder funccionar regularmente, fazendo a fiscalização necessaria. E precisamente sem o subsidio é que os Deputados não podem estar aqui a salvaguardar os interesses do Estado. (Apoiados).

Dito isto, não faço considerações de outra ordem sobre o meu projecto.

Alguns Srs. Deputados teem dito do meu projecto o que teem entendido, e muito bem, mas creio que está absolutamente no espirito d'esta Assembleia, não só que o subsidio é necessario, mas perfeitamente opportuno.

Nestas condições, e porque appareceu um novo projecto modificando as bases do projecto apresentado por mim, vou submetter á Assembleia uma proposta de conciliação que passo a ler, para terminar.

Proposta

Apresentado um novo projecto de lei de subsidio aos Srs. Deputados.

Proponho, como additamento á minha proposta:

1.° Que a Assembleia Nacional se manifeste desde já sobre o principio do subsidio aos Deputados da actual Constituinte.

2.° Que seja nomeada uma commissão de redacção definitiva do projecto cujo parecer deverá ser presente á Camara dentro de dois dias, para ser definitivamente approvado.

3.° Que a commissão de finanças seja depois ouvida, como é regulamentar, e urgentemente. = Adriano Pimenta.

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O Sr. Presidente: - Pela proposta que o Sr. Deputado acaba de fazer, deseja naturalmente propor que a materia seja julgada discutida no momento actual.

O Sr. Adriano Pimenta: - A minha proposta parece talvez envolver implicitamente o desejo de que a materia se considere agora suficientemente discutida. Não foi esse, todavia, o meu intento, mesmo porque sendo eu o apresentante do projecto, mal me ficaria dar a materia por discutida. O meu desejo é que a Câmara se manifeste urgentemente sobre o principio do subsidio, e que depois a respectiva commissão dê o seu parecer.

O Sr. Eduardo Abreu: - Fui honrado pela Assembleia Nacional Constituinte com 175 votos para membro da commissão de fazenda. A missão d'essa commissão é pronunciar-se sobre as receitas e despesas. Portanto se os membros da Assembleia confiaram na commissão é porque confiaram no seu criterio.

No dia 30 tem de ser apresentado o orçamento ou uma lei de meios com duodecimos provisorios.

Os Srs. Deputados começam a receber o subsidio no dia 1 de julho; portanto, não tenham pressa; mandem a questão para a commissão de fazenda.

O Sr. Pedro Martins: - Segundo a letra do Regimento o projecto vae á commissão de finanças.

O Orador: - Então estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Assembleia sobre se admitte a urgencia que o Sr. Adriano Pimenta requereu para a sua proposta.

Consultada, a Assembleia resolveu affirmativamente.

O Sr. José Maria Pereira (sobre a ordem): - Quando pedi a palavra sobre a ordem ainda o Sr. Adriano Pimenta não tinha apresentado a sua proposta. Essa proposta casa-se pouco mais ou menos com a moção que vou mandar para a mesa e que é a seguinte

Moção

A Camara, tendo votado a urgencia da discussão sobre o subsidio a Deputados, mas não tendo resolvido dispensar o Regimento, resolve enviar as propostas á commissão de finanças, em harmania com o § unico do artigo 100.° do mesmo Regimento, para refundir os dois projectos e entregá-los á Câmara no mais curto espaço de tempo, passa á ordem do dia. = O Deputado pelo circulo n.° 41, José Maria Pereira.

Admittida essa proposta á discussão, vae a mesma recair sobre todos os projectos que estão na mesa. Ora a minha moção tem por fim acabar desde já com essa discussão para se tratar de assuntos práticos.

Essa proposta não pode nem deve ser approvada porque a isso se pppõe a letra expressa do Regimento que está em vigor. E uma proposta de alta responsabilidade, que pode ferir a dignidade da Assembleia, e portanto entendo que não pode ser votada sem que a commissão de fazenda se pronuncie sobre ella.

O Sr. França Borges: - Sr. Presidente, mando para a mesa a seguinte

Moção

A Assembleia Constituinte, reconhecendo que, antes de mais nada, tem que cumprir o seu primordial dever de votar a Constituição da Republica Portuguesa, resolve adiar a discussão do presente projecto até que as respectivas commissões dêem sobre elle o seu parecer. = Antonio França Borges.

Sinto deveras ver-me em desacordo com alguns dos meus collegas nesta Camara, que hoje falaram e que deram uma prova segura de que o pais pode contar absolutamente com o seu talento, como já sabia que podia contar com a sua dedicação.

Entendo que tendo a Assembleia Nacional Constituinte, por immediato dever votar a Constituição da Republica, não pode votar nenhum projecto que importe aumento de despesa, que não represente apenas uma ligeira affirmação de principios sem encargo para o Estado.

Entendi no começo d'esta sessão que a Assembleia podia ter reconhecido a urgencia do projecto do Sr. Montês e ter votado a amnistia justissima que reclamam os empregados ferro-viarios, pelo motivo de serem envolvidos numa greve cuja historia já foi feita nesta casa, mas que podia ter ainda outras causas. Entendo que podiamos votar projectos e moções que representem affirmaçoes de principios, mas não approvam precipitadamente, antes de votar a Constituição, projecto algum que represente o mais pequeno aumento de despesa.

Disse um dos illustres membros d'esta Assembleia que parte d'ella se tinha manifestado já contra aumentos de encargos resultantes das medidas do Governo Provisorio. Eu sou um dos que entendem que se podia ter evitado o sobrecarregar-se o Thesouro com a criação de novos logares, e, porque assim entendo, é que eu digo que não devemos votar qualquer outro aumento de despesa.

Alguns dos meus collegas, entre elles os Srs. Adriano Pimenta, Macieira e Pedro Martins, apresentaram excellentes argumentos a favor do subsidio aos Deputados.

O principio do subsidio representa com effeito uni principio moral e justo. Ataqueio-o na imprensa quando elle se apresentou para as Câmaras monarchicas, mas reprovo-o hoje por uma serie de considerações diversas.

Entendo que nós estamos ainda numa fase de formação da Republica, em que são absolutamente necessarios todos os esforços dos bons republicanos, e de bons republicanos é constituida esta Câmara.

Admittindo que o subsidio tem de votar-se, eu julgo que elle não deve ser votado antes de votada a Constituição da Republica.

Reconheço tambem que o subsidio obrigatorio tem largos inconvenientes e um d'elles é que, se nesta Assembleia estão elementos que precisam da chamada indemnização para se manterem em Lisboa, estão tambem outros que não precisam para nada do subsidio do Estado. Eu não posso conformar-me com que o Estado subsidie quem não precisa dos seus subsidios, nem os deseja.

A declaração do meu voto resume se nestas palavras: sou contra o subsidio.

Tenho dito.

O Sr. Adriano Pimenta: - O Sr. França Borges disse que era necessario que nós todos nos unissemos para, com a cooperação de todos, produzirmos o bem da Republica.

Pois é precisamente para manter esse esforço de todos os nossos collegas dentro da Assembleia Constituinte que nós nos lembrámos de propor o subsidio. Creia V. Exa. que se o subsidio não for votado amanhã muitas d'estas cadeiras ficarão abandonadas.

O Sr. Antonio Macieira: - E depois d'isto vota-se a Constituição sem constituintes!...

O Orador: - Quanto a V. Exa. se referir a aumentos de despesa, peco-lhe licença para dizer que nem sempre o Sr. Franca Borges tem mantido a opinião de que esta Câmara não deve votar esses aumentos.

Eu entendo que a Assembleia Constituinte deve ter em consideração o estado especial e economico de muitos Srs. Deputados. Portanto é absolutamente necessario que esta

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Camara seja a verdadeira expressão da representação do país.

É o povo que escolhe os Deputados que aqui estão e porque nelles deposita absoluta confiança.

É, pois, necessario que os representantes da nação mantenham condições de vida para se poderem desempenhar do mandato que lhes confiou a representação nacional.

Tenho dito.

O Sr. Pedro Martins: - Poucos minutos, Sr. Presidente, vou cansar a attenção de V. Exa. e da Assembleia.

Na altura em que se encontra o debate, o assunto está fundamentalmente esclarecido. Não votei a urgencia do projecto em discussão, mas applaudo o principio do subsidio, que melhor se deveria dizer indemnização, como ha pouco frisou e justificou o Sr. Nunes da Mata. Quasi todas as legislações contemporaneas o consagram expressamente; e hoje nenhum publicista de merito impugna.

A necessidade de assegurar o recrutamento democratico do Parlamento, garantir effectivamente a liberdade de escolha do eleitorado e a altissima conveniencia de evitar que a funcção parlamentar vá cair exclusivamente nas milos da burocracia e do argentario, aquelle por via de regra submisso e este quasi sempre retrogrado, são motivos tão ponderosos que só por si mesmos patenteiam a necessidade politica e a legitimidade do subsidio. (Apoiados).

A pratica dos Estados de regime representativo e até de monarchias absolutas mostra que tal necessidade é de ha muito sentida, e que o subsidio é olhado, e justificadamente, como condição material para o desempenho elevado e independente da funcção legislativa. Só em periodos reaccionarios elle não tem existido; e logico é que assim succeda, porque á reacção não convem que a funcção legislativa seja exercida por quem, pobre de meios seja rico de intelligencia e opulento de integridade e independencia moral, nada devendo e nada querendo da munificencia governativa, (Apoiados).

E tão flagrante e intuitiva a pratica do principio dos projectos em discussão, tão nobrea e credores de applauso os seus intuitos, que S. Exa. e a Assembleia ainda não ouviram que de alguma boca se desprendesse uma palavra de censura, um gasto de ataque ao projecto. Mas eu sei, Sr. Presidente, que ha dois processos de ataque: um, leal, corajoso, de frente; outro, indirecto, astucioso, habilidoso.

O primeiro ninguem o tentou; do segundo hemos presenciado varias tentativas e uma d'ellas foi a feita ha pouco pelo Sr. França Borges com a sua proposta que, para mais effeito scenico e regimental, S. Exa. chamou moção.

Proposta ou moção, envolve principios falsos e é de repellir nos seus intuitos.

Se quer significar que, antes de elaborada a Constituição, a assembleia não pode legislar, é mais do que errada, porque assenta sobre o desconhecimento das attribuições da Assembleia; se quer affirmar não ser costume as Assembleias Constituintes quedarem-se inactivas antes de discutir e votar a Constituição, então lembrarei á Camara que entre nós, as Constituintes de 1837 é em Espanha as Constituintes de 1873 pensaram, e bem, por maneira muito differente, pois aquelles legislaram sobre varios assuntos antes de votarem a Constituição, e estas resolveram muitos e variados problemas politicos e sociaes e não chegaram a votar a Constituição.

Alem d'isso onde está o projecto da Constituição que nós de vamos discutir?

Mas os argumentos, melhor direi, protestos para inutilizar os projectos são outros.

Tanto assim que se o Sr. João de Freitas não houvesse tido a coragem de aqui os produzir, nós só d'elles teria-mos conhecimento pela campanha feita insistentemente na imprensa e sobretudo na arena dos Passos Perdidos, com intuitos manifestamente tendenciosos.

São elles as circunstancias do Thesouro e a immoralidade da Assembleia votar o subsidio para os seus membros.

O argumento orçamental é quasi sempre para mina de nullo valor, porque infelizmente vejo-o quasi sempre invocado a proposito de despesas, sobre cuja utilidade ou não prejuizo ha acordo, e outras tantas vezes esquecido em relação a despesas, cuja inutilidade ou prejuizo é de facilima previsão. (Apoiados).

Mas importará o subsidio despesa tão importante que ponha em risco o Thesouro? Até 1892 existiu entre nós o subsidio e não consta ter elle sido causa da bancarrota de 1891; foi supprimido em 1892, e igualmente consta que, por esse facto, a situação financeira melhorasse. Antes se aggravou.

E, cousa curiosa, passado algum tempo, creio que as despesas da Câmara dos Deputados aumentaram.

Não tem, pois, o subsidio entre nós uma historia odiosa. E, com os projectos em discussão, sobretudo com o apresentado pelo Sr. Julio Martins, jamais o terá. O encargo resultante para o thesouro, na peor das hypotheses, não chegará a 10:000$000 réis mensaes. Segundo a lista das profissões e mesteres dos Deputados distribuida ha dias na Assembleia, só 93 o receberão por inteiro, o que a 100$000 réis cada um dá 9:300$000 réis. Pelo menos 45 nada receberão porque teem vencimentos superiores e estes, segundo o projecto, são inaccumulaveis com o subsidio. O numero total de Deputados é de 231, havendo um renunciado as funcções respectivas. Restam 92, dos quaes onze pelas colónias, que ainda não foram eleitos. Dando de barato que todos estes ultimos devam perceber o subsidio por inteiro - hypothese que se não verificará - teria-mos para elles a despesa mensal de 1:100$000 réis. Restam 81, que são funccionarios publicos e cujos vencimentos certo estou em que ninguem me acoimará de exaggerado, fixando-os na media de 50$000 réis. A despesa para elles será segundo os principios do projecto a que me venho referindo, na importancia de 4.050$000 réis. Tudo sommado, temos, como total do encargo mensal do subsidio 14:450$000 réis. (Apoiados).

Eis, Sr. Presidente, ao que se reduz o argumento orçamental.

E basta apresentar a somma para a ninguem ser licito acreditar que com ella não possam as forças, ainda que minguadas, do Thesouro.

Mas ha mais, Sr. Presidente. Pelos projectos em discussão, o subsidio começará em 1 de julho, isto é, no primeiro do próximo anno economico. O orçamento ha de ser presente á Assembleia; aqui terá discussão e revisão acirrada. Pois desde já asseguro a V. Exa. que com a reorganização e dotação sufficiente de alguns serviços publicos, a Assembleia, sem o menor prejuizo d'esses serviços, poderá realizar economias em importancia igual a, pelo menos, dois ou tres subsidios. (Apoiados).

O outro grande argumento é o da - digamos a palavra horrenda - immoralidade da Assembleia votar o subsidio para os seus membros, e da penosa impressão que tal medida poderia causar na alma popular.

Sr. Presidente: Não pensaram assim, não se prenderam com a mentira convencional nem se enredaram em preconceitos de falsa moralidade as grandes Assembleias da Revolução francesa, a Constituinte, a Legislativa, e a grandiosa Convenção, as quaes, escrevendo as mais bellas paginas de liberdade e emancipação humana, não hesitaram em votar o subsidio para os seus membros e nem por isso sentiram maculada a sua honorabilidade.

E, todavia, na Convenção tinham assento, entre outras figuras de heróica probidade, o nobre Verginaud e o rigido e incorruptivel Robespierre. E não consta que a votação do subsidio acordasse protestos de cólera ou repulsão e desdem na alma do povo francês, então a braços com uma temerosa crise economica e financeira, e na da he-

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roica população parisiense, que se debatia nos horrores da miseria e da fome.

E que, Sr. Presidente, aquellas Assembleias eram lavadas de animo e lucidas de espirito, tinham o vivo sentimento da realidade das cousas, e bem sentiam que o subsidio é condição indispensavel da independencia, tão necessaria de todos os membros das Assembleias parlamentares. E que o povo francês, espiritual e politico, comprehendeu e sentiu que o subsidio não é ganancia, mas imperiosa necessidade e que a despesa que directamente importa é por demais pela despesa que evita e que elle é um dos mais efficazes para salvaguardar a Assembleia da preponderancia de facções, porque asseguro a permanencia na Assembleia de muitos deputados que, pobres de meios, são ricos de intelligencia e de civismo.

Não se assustem com a revolta da alma popular; o povo português é intelligente e, na maravilhosa intuição politica que o caracteriza e por, vezes é tão superior aos raciocinios dos que o dirigem ou querem dirigir, sentira bem a elevada importancia politica. do subsidio e que importa sobremaneira á Nação que a falta de meios não afaste inevitavelmente dos trabalhos parlamentares muitos Deputados, cuja esforço e cooperação são aqui absolutamente indispensaveis. (Apoiados).

Não se assustem, pois, os timidos, que agora tanto clamam, mas cuja voz, certamente porque o receio a emudecia, permaneceu muda ante varios e evidentes aumentos de despesa que teem sido effectuados. (Apoiados).

Outro argumento contra o projecto em discussão é o de que, votando-o desde já, nós votariamos um artigo constitucional. É um erro, Sr. Presidente, a materia do subsidio não é materia constitucional, cabe bem em qualquer lei ordinaria. O sofisma é engenhoso, mas insubsistente. Não ha, pois, razão nenhuma para combater a justiça e a opportunidade do projecto. A rejeição d'elle equivale a tuna economia, por certo, mas economia relativamente insignificante e, nos seus effeitos, economia desastrosa e até immoral. Desastrosa e immoral, porque arrastaria a abandonar a Assembleia muitos dos nossos collegas, de cujo esforço e concurso muito carecemos para a obra de elevação, liberdade e emancipação politica e social, que nos incumbe. E eu sinto me muito á vontade, sr. presidente, para assim falar, porque não receberei o subsidio, visto ter a sorte de receber do thesouro vencimentos superiores á importancia do subsidio.

Reconheço, Sr. Presidente, que a Assembleia, ao ter de analysar e votar a questão do subsidio se vê em situação delicada, dado o preconceito da falsa moralidade reinante. Mas, Sr. Presidente, de quem é a culpa, senão do Governo? (Appoiados).

O Governo, que tanta coisa ha feito, que tantos serviços reformou, que tantas despesas autorizou e fez, bem podia e devia na lei eleitoral prevenir e regular o assunto. A mais elementar previdencia e o respeito pelos principios democraticos a isso o obrigavam.

Não quis ou não soube; e a responsabilidade d'esta sessão e das mais que se lhe seguirem sobre o assunto não é propriamente da Assembleia; é toda do Governo, que ante ella não pode nem deve ficar silencioso.

Julgou todas as funcções do Estado dignas de premio; olhou a funcção legislativa e da Assembleia com inteiro desamor. E a consequencia d'esse desamor, se este continuar, será desgraçada, porque será o abandono d'esta Assembleia por grande parte de deputados, distinctos pelo merito e pela sua independencia politica.

Voto, por isso, o principio do subsidio, entendendo, porem, que deve ir, conforme o Regimento, á commissão de finanças. Disse. (Appoiados. Muito bem).

(O orador é muito abraçado e cumprimentado por toda a assembleia).

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente: Era intenção do Governo conservar-se inteiramente alheio a este debate; convencido de que effectivamente, dentro do regime republicano, existe pela primeira vez, mas a valer, uma separação de poderes que se limitaram por varias esferas, dentro das quaes cada um deve exercer a sua acção.

Como disse era intenção do Governo Provisorio o intervir o menos possivel nos trabalhos parlamentares, mas o Governo o que não podia era ficar silencioso em face da censura acre do meu illustre collega e amigo o Sr. Pedro Martins, e, devo dizer, o Governo não merecia esta censura.

Sr. Presidente: tem-se aqui falado muito em escrupulos de moral e razões de decoro, e não seria muito fazer ao Governo a justiça de acreditar que tambem razões de moral e de decoro determinaram o seu procedimento.

Entrando neste debate faço-o com o maior desassombro, e faço-o com incontestavel autoridade. Estava-se ainda no regime da monarchia, e, eu desacompanhado dos meus camaradas, indo contra a opinião do partido republicano, levantei-me d'aquella cadeira, de que ainda hoje tenho saudades, para submetter á approvação da Camara monarchica um projecto de lei em que se pugnava pelo subsidio aos Deputados, e isto por varias razões de moralidade e boa democracia, que se impunham á minha consciencia.

Sr. Presidente: o que eu posso garantir a V. Exa. é que se esse projecto nessa occasião não foi tomado em consideração, foi porque o partido republicano o não quis. Eu fiquei só com a apresentação do meu projecto e lá fora, as accusações que se lhe fizeram foi talvez mais para serem feitas á minha pessoa do que pelo facto de o ter apresentado.

Já V. Exa. vê que - se porventura o partido republicano ainda existe - tem alguma autoridade para pedir subsidio.

Eu, Sr. Presidente, tenho a maxima autoridade para dizer que, se o não tem, não foi porque o Governo o não inserisse na lei.

Disse-se hoje, e em verdade assim é, que se não se votasse o subsidio, o Parlamento seria uma succursal do Terreiro do Paço.

Já no tempo do monarchia pugnei por isso. Quem tem verdadeiro amor pelo seu país, e o desejo de o servir, não pode fazer o sacrificio de estar em Lisboa.

Isto não viu o partido republicano, e não o viu por espirito de sectarismo. Hoje é o primeiro a vê-lo.

Porque não se inseriu na lei? Entendemos que deve haver subsidio, e deve ser contado desde o primeiro dia em que se reuniu a Assembleia Constituinte.

Sr. Presidente, nós não inserimos esse principio na lei porque nós não queriamos que se dissesse que o Governo se desviava do FCU honrado proposito, e porque tinhamos a certeza de que a Assembleia Constituinte havia de votá-lo.

Já V. Exa. vê e a Assembleia, que a censura do Sr. Pedro Martins com toda a eloquencia da sua palavra prestigiosa e sempre esclarecida, foi injusta.

Havia esta questão de ser trazida á Câmara por esta forma e ha de o Governo acceitar algumas emendas antes de resolver?

Entende o Governo que esta materia não é d'aquellas que a Assembleia Constituinte tem de resolver muitas vezes na sua vida, mas. como membro do Governo não o podia ter feito, porque não era licito abusar, e porque tenho a certeza de que lhe será tomado como interesse legitimo dizer em que se tem passado esta sessão.

A proposta é legitima, mas nós, o Governo, não vamos por esse caminho, porque se fosse elle que apresentasse á Camara esta proposta talvez que viesse aqui alguem dizer que isso era odioso.

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Sr. Presidente, entrando propriamente no debate direi que não tenho duvida que fique isto consignado: que o Governo não se pronunciou contra nem a favor da proposta, nem protelou a sua discussão, mas tendo sido mandada para a mesa e sendo mais tarde objecto de uma discussão e uma questão de que o Governo se desinteressa e mais interessa á Constituinte perante a qual o Governo se curva, á câmara compete resolver.

As minhas palavras não servem para outra cousa que não seja explicar a attitude do Governo neste debate e justificar o seu procedimento, determinado, como disse, por motivos de honra e de escrupulo e honestidade de fazer a lei eleitoral, e não como o Sr. Deputado Pedro Martins desejava.

Tenho dito.

(O orador não reviu o seu discurso).

O Sr. Adriano Pimenta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas observações ao Sr. Ministro do Fomento, que acaba de falar, referindo-se ao principio de perfeita moralidade, que inhibiu o Governo de estabelecer na lei o subsidio aos Deputados. Ora ter-se-hia evitado o incommodo moral e a violencia sobre nós mesmos que hoje temos soffrido para apresentar-se e defender-se a lei de subsidio aos Deputados; subsidio que, repito-o agora, todos aquelles que eram representantes do Governo por esse país fora, os governadores civis, não deixaram reclamar bem alto que era necessario que ficasse consignado na lei eleitoral.

Ainda ha pouco, quando apresentei a proposta que deu motivo ao ligeiro incidente que aqui se passou, disse que os governadores civis observaram a um membro d'este Governo, numa reunião havida por causa dos circulos eleitoraes, que era necessario que esse subsidio se estabelecesse na lei, porque a representação em Câmara seria uma o outra conforme houvesse ou não subsidio. A Câmara sabe perfeitamente que, se o Governo tivesse feito o que era natural que fizesse, e o que logicamente se lhe reclamava lhe custava certamente muito menos que nos custa a nós esta violencia ao nosso sentimento de estar a defender uma proposta de lei por uma necessidade que reputamos urgente da Republica; e teria evitado que S. Exa. assistisse a uma sessão que o Sr. Ministro entende que nós não teremos desejo de recordar. Levanto essa affirmação ao Sr. Ministro, porque a sessão de hoje não foi tal uma sessão tumultuaria, na qual se tivessem desenhado sinaes de violencia ou em que se desencadeassem paixões improprias d'esta Assembleia. Não.

Nesta sala V. Exa. encontrou apenas uma certa vivacidade entre os Deputados, e quando muito, um certo grau de indecisão, por inexperiencia natural.

A culpa não é nossa, porem, mas somente da monarchia que não nos deixou entrar aqui mais cedo, acompanhando os poucos Deputados que lograram aqui vir.

Essa mesma vivacidade ter-se-ha evitado, todavia, se o Governo tivesse decretado o que devia. A assembleia deve affirmar-se, manter-se, não tumultuaria, mas viva, não esquecendo nunca o que a ella propria deve e á Republica.

V. Exa. fez ainda a affirmação de que se porventura não existe hoje o subsidio para os Deputados, a culpa pertence ao partido republicano.

Este partido, Sr. Presidente, não me deu procuração para o defender neste momento, pois está muito bem representado para se defender quando o entenda, mas declaro que nunca ouvi que o partido republicano entendesse inconveniente o subsidio aos Deputados.

Contra o que se revoltou o partido republicano foi contra o subsidio dado aos Deputados da monarchia, tão somente porque não eram representantes do pais, mas simples delegados dos Governos que vinham aqui servi-los, sendo chancela á sua corrupção e erros de toda a ordem.

E ainda que nesse tempo se votasse o subsidio, nem por isso cá viriam os representantes do povo, porque a monarchia não deixava que viessem. Nestas circunstancias o subsidio seria mais uma benesse aos Deputados dos governos monarchicos.

Não será sem subsidio que pode vir aqui quem o povo quer; mas sim quem o Governo quiser, como acontecia no tempo da monarchia.

Creio que V. Exa., Sr. Ministro, affirmou aqui que elle era justo e moral; eu termino registando as declarações de V. Exa. e a Assembleia julgará do meu projecto de lei.

O Sr. Manuel Bravo: - Mando para mesa uma proposta e peço a urgencia.

Proposta

Proponho que a Assembleia Nacional reuna hoje em sessão nocturna, principiando esta ás nove horas, com a ordem de trabalhos marcada para a sessão da hora regimental. = Manuel Bravo.

Posta á votação, foi approvada.

O Sr. Presidente: - O Sr. Manuel Bravo mandou para a mesa uma proposta.

Vozes: - Está em discussão outra proposta.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que emquanto não estiver completa a eleição de commissões a que se refere o artigo 102.°, haja em cada periodo de vinte e quatro horas duas sessões, sendo das oito ás onze da noite a ultima sessão. = O Deputado pelo circulo n.° 33, Joaquim Ribeiro.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Adriano Pimenta: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que os projectos de lei na mesa, sobre subsidio aos Deputados, sejam enviados á respectiva commissão de finanças. = Adriano Pimenta.

Foi rejeitado.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente, antes de principiar as minhas considerações, as quaes são muito breves, eu devo dar o meu caloroso applauso á Camara pela escolha do nome de S. Exa. para occupar o alto cargo de Presidente d'esta assembleia e que tem dirigido com a proficiencia que era de esperar do caracter e da intelligencia da alta individualidade que é Braamcamp Freire.

Posto isto, Sr. Presidente, vou entrar na discussão do assunto; e direi que em these sou pelo subsidio aos Srs. Deputados, mas absolutamente contrario á apresentação, neste momento, d'esse subsidio, que julgo inopportuno.

E aproveito o ensejo para protestar contra a urgencia votada, sem que nisso vá o menor disprimor para a Camara.

E peço que me seja consignada na acta esta minha opinião.

Eu não vou discutir neste momento, nem a questão do subsidio em si, aliás aqui largamente discutida com grande somma de argumentos brilhantemente deduzidos, nem tão pouco vou discutir sobre a opportunidade e urgencia concedidas á discussão d'este projecto.

Pretendo discutir um outro assunto, que nem por ser menos brilhante não é menos importante. Concretizemos.

1.° A Camara não pediu dispensa de regimento para esta discussão.

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2.° Sendo assim, está em vigor a lei organica que nos Orienta e governa a dentro d'esta casa e todos e teem proclamado e todos sentem que e preciso cumprir a lei e sermos nós os primeiros a dar o exemplo.

Posto isto venho demonstrar á camara que a votação da urgencia não permitte a discussão e muito monos a votação immediata d'este projecto.

Diz o artigo 87.° do Regimento:

"A proposta ou projecto de lei do qual no acto da apresentação se pedir a urgencia terá, se esta for votada, seguimento na mesma sessão".

O que significa isto?

Dizem-no claramente os artigos 84.°, 85.° e 86.° E chamo para este ponto preciso a attenção da Camara.

Se nós não seguirmos as determinações do Regimento com ordem, com methodo, estamos inteiramente perdidos e aniquilados, porque nós constituimos uma assembleia numerosissima, como nenhuma outra houve entre nós, de membros do Parlamento Português.

O que é este seguimento, Sr. Presidente?

Dizem-no os artigos anteriores. Esse seguimento é o ficarem dispensadas de segunda leitura as propostas apresentadas e nada mais.

E o Regimento não vae alem d'esta dispensa da segunda leitura e consequentemente a entrada nas commissões respectivas.

Vozes: - Poupavamos apenas um dia.

O Orador: - Perdiamos um dia, mas ganhavamos a pratica de uma legalidade.

Mas, Sr. Presidente, eu não quis só chamar a attenção da Assembleia para esta disposição. Quero chamar tambem para o artigo 100.°, que diz o seguinte no seu § unico.

"A commissão de finanças verá sempre sobre todas as propostas de projectos de lei que importem despesa não autorizada por lei".

Eu pergunto, Sr. Presidente, com que autoridade, nós, que dizemos respeitar a lei, que estamos aqui para ser regidos por este Regimento, estamos a fazer uma discussão inutil sobre uma proposta que não pode ter outro seguimento que não seja o ir para a commissão de finanças. Pelo nosso Regimento nenhum projecto de lei que traga aumento de despesa pode deixar de ir á commissão de finanças. Por outro lado a urgencia votada só nos dá a dispensa da segunda leitura.

Eu, por conseguinte, pedi a palavra para affirmar que dentro do Regimento o projecto que está em discussão, embora com urgencia, deve seguir immediatamente para a commissão de finanças. Esta, a pedido dos Deputados mais exigentes, que trabalhe, se quiser, hoje toda a noite para nos trazer amanhã aqui o resultado das conclusões do seu trabalho, mas não pode, por forma alguma deixar de ser discutida a dentro da commissão de finanças.

Sr. Presidente: Por todo o lado pretende votar-se hoje o projecto na sua generalidade.

Desde que se vote o subsidio, mesmo na generalidade, vota se um. aumento de despesa, o que se não pode fazer sem que a com missão de finanças apresente o seu parecer. E taxativo da lei.

Não ha que fugir a esta determinação regimental.

Um projecto d'esta ordem não pode estar a approvar-se na sua generalidade, e deixar apenas a redacção definitiva dos seus artigos, e a determinação das verbas a conceder aos Deputados, para a commissão de finanças.

Então se amanhã a Camara discordar da opinião da commissão, em que embaraços nos vemos nós? Vejam V. Exas. todos estes inconvenientes. E acima de tudo está a lei, que e o regimento d'esta Casa.

Pode a Camara, que é soberana, pedir ainda hoje, dispensa do regimento para se votar o projecto. Pode ser por essa forma concedido o subsidio. Mas só por essa forma.

É preciso que não nos afastemos da lei.

Tenho dito.

O Sr. Adriano Pimenta: - Era necessario que a minha proposta fosse á commissão de finanças. Eu creio que isto estava salvaguardado com o meu additamento.

O Regimento não diz que vá antes ou depois, o Regimento diz o seguinte:

(Leu).

Portanto, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, para que o Sr. Egas Moniz veja o meu intento, o favor da mandar ler o meu additamento, principalmente nesse ponto.

A urgencia que foi votada pela Câmara foi esta e peco a attenção da Camara para o artigo 86.° que diz:

(Leu).

O Sr. Egas Moniz: - V. Exa. faz favor de ler o § unico.

O Orador: - Vou ler a V. Exa. e á Camara esse paragrapho, que diz o seguinte:

(Leu).

Mas não vejo que elle tenha relação alguma com o que se discute.

O Sr. Egas Moniz: - Pelo raciocinio de V. Exa., as propostas apresentadas pelo Governo iam para a mesa e não iam para as commissões.

O Orador: - Sr. Presidente: Peço a V. Exa., portanto, o obsequio de mandar ler o meu additamento na parte que diz respeito á commissão de finanças.

O Sr. António Macieira: - Sr. Presidente, quem ouvisse falar o illustre Deputado e meu muito particular amigo Sr. Egas Moniz, com aquelle enthusiasmo com que elle fez vibrar as suas palavras, podia imaginar que elle teria pedido a palavra sobre assunto differente d'aquelle que consta a proposta que está na Mesa. E, todavia, Sr. Presidente, nessa proposta do Sr. Adriano Pimenta está precisamente o que o illustre Deputado pretende.

V. Exa., Sr. Egas Moniz, que via os bons principios em perigo, e, todavia, a proposta em discussão e sobre a qual V. Exa. pediu a palavra, é exactamente uma proposta de bons principios e é uma proposta de harmonia com o Regimento. Assim, a interpretação do illustre Deputado não tem razão de ser, pois que não deixa por isso o projecto de ir á commissão, visto que a votação em principio do assunto que até agora se tem feito não perde, de modo nenhum, o caracter de projecto ao trabalho que vier do seio d'essa commissão e, consequentemente, cumpre-se o Regimento que manda que ella seja ouvida, embora se estabeleça o principio julgado pela Câmara de que o subsidio devo ser dado.

De quanto será o subsidio?

A commissão resolverá, porque a commissão não será ouvida para negar a vontade da Camara; a commissão vae ser ouvida para dizer se porventura está o país, ou não, em circunstancias de dar o subsidio?

Sobre o ponto de vista financeiro, a commissão apresentará a sua opinião; se a Assembleia, depois de votar, em principio, o subsidio, entender que o parecer da commissão é justo, ella é bastante patriotica para disser: Eu não quero o subsidio! (Apoiados).

Eis as considerações que desejava fazer, embora enten-

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desse que podia prescindir da palavra depois de ter falado o Sr. Adriano Pimenta.

Tenho dito.

O Sr. Egas Moniz: - Manda para a mesa o seguinte:

Requerimento

"Requeiro que em cumprimento do preceituado nos artigos 87.° e 100.° se dê immediato seguimento para a Commissão de Finanças dos projectos do subsidio aos Deputados. = Egas Moniz".

Posto á votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Faltando apenas cinco minutos para dar a hora, é impossivel entrar-se na ordem do dia.

A noite ha sessão ás nove horas, sendo a ordem da noite eleição de commissões.

Encerrou-se a sessão eram 5 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, me seja facultado o relatorio e documentos annexos, ou suas copias, da syndicancia ordenada pelo respectivo Ministro ao tribunal judicial de Alcobaça. Sala da Representação Nacional, 27 de junho de 1911. = O Deputado, Affonso Ferreira.

Mandou-se expedir.

Requeiro qut, pelo Ministerio das Finanças, me sejam enviados os seguintes documentos:

Nota de todo o pessoal que, á data da proclamação da Republica, se encontrava subordinado á Administração da Casa Real;

Nota de todo o pessoal, incluindo o assalariado, que se encontra hoje subordinado á Administração dos Paços;

Despachos, instrucções e correspondencia que respeitam á nomeação, collocação, demissão ou despedimento dó referido pessoal;

Nota dos automoveis, trens, outros carros e gado que foram inventariados pela Administração dos Paços, e seu destino, ou applicação actual. Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 27 de junho de 1911. - O Deputado, António Franga Borges.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me sejam enviadas copias dos relatorios das syndicancias feitas ás camaras municipaes de S. Pedro do Sul e Resende; e, caso taes relatorios ainda não existam, informações do estado em que taes syndicancias se encontram. Lisboa e Saladas Sessões da Assembleia Constituinte, 27 de junho de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

Requeiro me seja dito pela repartição competente, e com urgencia, qual a situação em que, pela reforma dos serviços das finanças ultimamente publicada, ficam os serventes ou continuos das inspecções dos impostos dos districtos.

Sala das Sessões da Camara dos Deputados, 27 de junho de 1911. = O Deputado, Alberto Souto.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me seja enviada, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita do Estado ou companhias, por virtude de nomeação do Governo, como representante do Estado.

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas.

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos petos actos praticados e se, pela cessação das funcções respectivas, em virtude do exercicio das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos.

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento no cargo, emprego ou commissão e a data do provimento.

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos.

Salas sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 27 junho de 1911. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministerio do Fomento me seja enviada com a maxima urgencia lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Nacional Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita, do Estado ou de companhias, por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado.

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e na hypothese affirmativa quaes as importancias respectivas.

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se pela cessação das funcções respectivas em virtude do exercicio das funcções de Deputado cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos.

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo, emprego ou commissão e a data do provimento.

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 27 de junho de 1911. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministerio da Justiça me seja enviado, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita do Estado ou de companhias por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado.

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas.

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se pela cessação das funcções respectivas em virtude do exercicio das funcções de deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos.

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d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento no cargo, emprego ou commissão e a data do provimento.

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 23 de junho de 1911. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo Ministerio dos Estrangeiros, me seja enviada, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita, do Estado ou de companhias, por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado;

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas;

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se, pela cessação das funcções respectivas, em virtude do exercicio das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos;

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo, emprego ou commissão e a data do provimento;

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos. - O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministro da Marinha me seja enviada, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita do Estado ou de companhias, por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado;

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas;

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se, pela cessação das funcções respectivas, em virtude do exercicio das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos;

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo emprego ou commissão e a data do provimento;

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministerio da Guerra me seja enviada com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita, do Estado ou de companhias por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado;

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas;

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se, pela cessação das funcções respectivas, em virtude das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos;

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo, emprego ou commissão e a data do provimento;

e) Desde quando é que o funccionario e empregados referidos recebem vencimentos. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pela Presidencia do Conselho de Ministros, me seja enviada, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes da referida Presidencia, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar:

a) O respectivo emprego, cargo ou commissão retribuida ou gratuita, do Estado ou de Companhias, por virtude de nomeação do Governo como representantes do Estado;

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão, devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas;

c) Se ao exercicio do cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e se, pela cessação das funcções respectivas, em virtude do exercicio das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos;

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo, emprego ou commissão, e a data do provimento;

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimentos.

O Deputado, Julio de Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Requeiro que pelo Ministerio das Finanças me seja enviada, com a maxima urgencia, lista de todos os funccionarios e empregados dependentes do referido Ministerio, em ou fora de Lisboa, que forem Deputados á Assembleia Constituinte, devendo mencionar-se:

a) O respectivo cargo, emprego ou commissão retribuida ou gratuita do Estado ou companhias por virtude de nomeação do Governo como representante do Estado;

b) Lotação do emprego e remuneração da commissão devendo dizer-se se o vencimento se divide ou não em ordenado de categoria e gratificação de exercicio; e, na hypothese affirmativa, quaes as importancias respectivas;

c) Se ao exercicio de cargo anda inherente o direito a emolumentos pelos actos praticados; e, se pela cessação das funcções respectivas em virtude do exercicio das funcções de Deputado, cessa o direito a receber os emolumentos, visto não praticar pessoalmente os actos respectivos;

d) Qual o diploma legal que fundamentou o provimento do cargo, emprego ou commissão e a data do provimento;

e) Desde quando é que os funccionarios e empregados referidos recebem vencimento.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 27 de junho de 1911. = O Deputado, Julio do Patrocinio Martins.

Mandou-se expedir.

Peço para interpellar os Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros, das Finanças e do Fomento: o 1.° sobre a

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SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 29

proposta ou negociações entaboladas entre os Governos francês, espanhol e português para uma entente destinada a prohibir ou restriugir a exportação da cortiça em prancha; o 2.° e 3.° sobre as medidas tomadas por S. Exas. que restringiram a exportação da cortiça em prancha e prohibiram a exportação da cortiça que não esteja preparada ou em prancha. = José Jacinto Nunes.

Mandou-se expedir.

Justificação de faltas

O Sr. Deputado António de Padua Correia justificou a sua falta com attestado de doença.

A commissão do julgamento de faltas.

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Bramão.
(Na ordem do dia) = Albano da Cunha.

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APPENDICE A SESSÃO N.° 7 DE 27 DE JUNHO DE 1911 31

Discurso proferido pelo Sr. Deputado João Gonçalves, que devia ler-se a pag. 14 da sessão n.° 7 de 27 de junho de 1911

O Sr. João Gonçalves: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de Constituição. No intuito de o justificar, vou dizer á Camara quaes as bases que serviram para a elaboração do meu projecto.

Da sua leitura poderá deprehender-se que admitto a assistencia de tres poderes, quando a final aceito só um - o legislativo.

Todos os outros poderes são agentes do poder legislativo.

Tenho como base principal do meu projecto a soberania do Parlamento, como representante da soberania una e indivisa da nação.

Outro poder com as mesmas origens e que olhe sobranceiro para o poder legislativo seria uma calamidade: teriamos na primeira opportunidade uma ditadura, justificativa do conflicto dos dois poderes. E um perigo que o poder executivo represente um poder inteiramente independente do poder legislativo.

Nós sabemos o que se tem procurado fazer em França, o que tentou fazer Mac-Mahon, e o que pensou o reaccionarismo estabelecendo o septennato, que não foi mais que uma monarchia temporaria.

Felizmente o espirito publico ou o espirito democratico, saido de todas as camadas, não consentiu que essas ideias fossem por deante.

O que vemos agora em França é que tudo tende cada vez mais a fazer com que o poder executivo não seja mais do que um agente do legislativo. É este o unico poder que juridicamente reconheço legitimo. Mas, num pais saido ha semanas de uma revolução, eu lembro os perigos que pode trazer adoptado esse principio em absoluto. Temos de fazer uma Constituição para o momento presente, ainda que possa haver uma contradição nos principios juridicos, como acontece de resto em todas as Constituições.

Como todos os países, temos de elaborar uma Constituição para o momento presente. Eu lembro nesta occasião o que succedeu com a republica espanhola, em que cada crise presidencial era crise ministerial.

Só depois da Republica ser amada por todo o povo português é que o Presidente pode ser um agente do poder legislativo. Disse Castellar que a republica espanhola caiu porque houve um momento em que ninguem concorreu a representar a defesa do regime. Os partidos no Parlamento estavam de tal modo divididos que a funcção presidencial era difficilima, desde que a autoridade do presidente dependia da Camara.

O Sr. José Maria Pereira: - Já está em discussão a Constituição?

Varios Deputados: - O orador está no seu direito justificando o seu projecto. Fale, fale.

O Orador: - Estou a apresentar o meu projecto; se V. Exa. não concorda com o meu pensar, eu com isso nada tenho, estou aqui somente para apresentar, no uso de um direito, as bases do meu projecto de Constituição. Digo o que penso e o que sinto, aceitando tudo quanto reputar justo.

O estudo da nossa Constituição tem de se fazer serena e patrioticamente para o bem do país.

Só os Parlamentos é que legislam; aos outros poderes pertence cumprir o que o Parlamento resolver.

Sobre senado, entendo a necessidade da sua existencia como correctivo á impulsividade do nosso temperamento e porque ha sempre mais ponderação quando os nossos actos teem de ser submettidos á apreciação de um outro entendido.

Alem d'isso, Sr. Presidente, uma segunda camara não significa a divisão do principio da soberania um, individual, pois assim como a Camara dos Deputados não está dividida pelo numero de membros que a constituem, assim tambem as duas camaras não podem significar um fraccionamento, mas unicamente uma forma de agrupamento, meramente estructural, dos representantes da nação.

Sr. Presidente: eu procurei adaptar, tanto quanto possivel, o meu projecto ao estado de adeantamento do nosso país. Não é um projecto de Constituição radical nem conservador; é um projecto que procura conciliar as aspirações justas do povo português e attrahir todas as classes a interessarem-se pela politica, pelos negocios publicos.

Não sou conservador nem radical, sou opportunista, e dentro do meu opportunismo não fujo ao que, parecendo ser excesso de radicalismo, não significa mais que uma adaptação e o proposito de não contrariar ou suffocar iniciativas que não convem suffocar.

A proposito, não se assuste o Sr. Macieira com o referendum pelo veto do meu projecto de Constituição.

Eu não defendo o referendum obrigatorio, porque nem o povo está para elle preparado.

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