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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

16.ª SESSÃO

EM 7 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Antes da, ordem do dia. - Chamada e abertura da sessão. - Leitura da acta e do expediente. - É concedida autorização ao Sr. Deputado Paes de Figueiredo para estar ausente, em serviço militar. - São admittidas e enviadas ás commissões respectivas as propostas já apresentadas pelos Srs. Deputados Machado Santos, Fernão Botto Machado e José Affonso Palla. - O Sr. Deputado Alfredo Ladeira obtem a palavra para um negocio urgente e refere-se á paralização dos trabalhos da industria corticeira, concluindo por apresentar uma proposta. Falam sobre o mesmo assunto o Sr. Deputado Jacinto Nunes e o Sr. Ministro das Finanças (José Relvas). É mandada lançar na acta a proposta do Sr. Deputado Alfredo Ladeira. - O Sr. Deputado Adriano Pimenta participa estar constituida a commissão do Regimento. - O Sr. Deputado Estevam de Vasconcellos apresenta uma representação em que o povo de Mertola se queixa de estar ali fechada a escola primaria do sexo masculino, por falta de professor. - O Sr. Deputado Joaquim Ribeiro apresenta e justifica uma moção para ser apreciada juntamente com o projecto de lei que o Sr. Deputado Innocencio Camacho vae apresentar sobre recompensas; e outra proposta relativa á reconstituição da armada portuguesa. - O Sr. Deputado Carvalho Mourão refere-se aos serviços de instrucção primaria, á impropriedade dos edificios escolares e á falta de professores.- O Sr. Presidente participa ter sido procurado por uma commissão de operarios corticeiros, que lhe entregou uma representação. A Assembleia resolve que esta representação seja publicada no Diario do Governo. - Alguns Srs. Deputados requerem documentos pelos differentes Ministerios. - O Sr. Deputado Innocencio Camacho, apresenta o projecto de lei, que já havia annunciado, sobre recompensas por serviços prestados á Patria na Revolução de 5 de outubro.

Na ordem do dia (Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3 (Constituição). - Usam da palavra os Srs. Deputados José de Castro, Adriano Pimenta e José Barbosa. - Falam sobre diversos assuntos os Srs. Deputados Manuel Bravo, Ministro da Guerra (Correia Barreto), Jorge Nunes, Jacinto Nunes e França Borges, que apresenta um requerimento. - O Sr. José Mendes Cabeçadas participa a constituição da commissão dos correios. - Os Srs. Padua Correia e Nunes da Mata enviam requerimentos.

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Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão. - Ás 2 horas e 10 minutos da tarde.

Presentes - 190 Srs. Deputados.

São os seguintes Srs.: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Nunes Ribeiro, Alvaro Poppe, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Anrlcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio de Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco de Salles liamos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Hel-der Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Joaquim Theophilo Braga, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José" Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montês, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa, da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Portirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Thomé José de barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henriques Godinho e Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Adriano Mendes de Vasconcellos, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio José de Almeida, Augusto José Vieira, Bernardino Luis Machado Guimarães, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José da Silva Ramos, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Pedro Amaral Botto Machado e Sebastião Peres Rodrigues.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Augusto da Costa, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alvaro Xavier de Castro, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio -Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Xavier Esteves, Henrique de Sousa Monteiro, José Augusto Simas Machado, José Bessa de Carvalho, José Cordeiro Junior, José Dias, da Silva, José Tristão Paes de Figueiredo, Leão Magno Azedo, Sebastião de Magalhães Lima e Victor José de Deus Macedo Pinto.

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O Governo estava representado pelos Srs. Ministros das Finanças, do Fomento e da Guerra.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

EXPEDIENTE

Officios

Da Camara Municipal do concelho de Villa Franca de Xira. - Saudando a Assembleia Nacional Constituinte e communicando que o povo d'aquelle concelho exulta pela constituição da referida Assembleia no dia 19 de junho.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia para o officio que vae ler-se:

Exmo. Pr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. - Tendo sido prevenida a bateria do meu commando para estar pronta a marchar á primeira voz, venho pedir á Camara autorização para me ausentar e para me demorar o tempo que necessario seja.

Sala das Sessões, em 6 de julho de 1911. = José Tristão Paes de Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que concedem a autorização pedida tenham a bondade de se levantar.

Concedida a licença.

Leu-se o seguinte

Telegramma

Santarem. - Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - Camara Municipal Santarem, reunida em sessão, appella para o patriotismo dos verdadeiros representantes do povo nas Constituintes para primeiro que tudo envidem todos os seus esforços para a consolidação interna e externa da Republica e deixem para depois tudo que se refira a subsidies e promoções aos que trabalharam pela implantação da Republica. = O vice-presidente em exercicio, Manuel Antonio das Neves.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento vae ser lida a seguinte proposta de lei, que foi hontem publicada no Diario do Governo.

Fez-se a leitura:

Proposta

E da boa praxe que, ao implantar-se um novo systeraa de governação publica, os Deputados do Povo, de acordo com o Governo, concedam uma amnistia ampla, ou pelo menos parcial, conforme os preceitos da boa razão e de patriotismo.

Ora, cabendo a esses mesmos Deputados a missão gloriosa de organizar uma lei fundamental, justo é que, no cumprimento d'esse mandato, se lembrem d'aquelles a quem podem valer pela justiça ou pela generosidade.

E por isso:

1.° Considerando que a Assembleia Nacional Constituinte, ao iniciar os seus trabalhos, proclamou benemeritos da Patria todos quantos concorreram para a implantação da Republica;

2.° Considerando que a mesma Assembleia, ao reconhecer a sua qualidade de republicanos sinceros, reconheceu-lhes, ipso facto, a qualidade de patriotas;

3.° Considerando que, assim, não é de crer nem mesmo admissivel, que quem lutou pela realização de um ideal procurasse destrui-lo, pouco tempo depois, por um acto de rebellião mal intencionado;

4.° Considerando que, ainda que justo fosse o procedimento criminal contra esses benemeritos da Patria, não nos é licito acreditar que elles se transformassem em criminosos, com o fim de prejudicar os interesses da mesma Republica, que é obra sua;

5.° Considerando que á Assembleia Nacional Constituinte compete galardoar todos os serviços prestados, indistinctamente, ainda que tenha de, ao mesmo tempo, ser juste, e generosa:

A mesma Assembleia Nacional Constituinte é presente a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É concedida amnistia plena e completa a todos os implicados nos acontecimentos de 7 de abril do anno corrente e que tiveram logar no Arsenal da Marinha.

Art. 2.° Fica por esta forma annulado e de nenhum effeito o processo ainda pendente no juizo respectivo, devendo ser todos os implicados no referido caso immediatamente postos em liberdade e reconduzidos nos seus cargos.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, e Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de julho de 1911. = O Deputado, Machado Santos.

Foi admittida e enviada á commissão de petições.

O Sr. Presidente: - Ha mais duas propostas que vão ser lidas em conformidade com os tramites regimentaes. Uma é do Sr. Deputado José Affonso Palla.

(Foi lida na mesa).

Proposta

Proponho que seja nomeada uma commissão de cinco membros para estudar a forma de se recompensarem os que prestaram serviços á Republica, nos dias da revolução e antes d'elles;

Que se aproveite o resultado dos trabalhos d'essa commissão, como subsidio para a historia da Republica Portuguesa;

Que, em relatorio detalhado, essa commissão traga á Camara o resultado do seu inquerito.

Proponho para esta commissão os seguintes cidadãos:

Presidente - Feio Terenas.

Vogaes:

Forbes Bessa.

José Nunes da Mata.

Capitão Carlos de Maia Pinto.

Padre Fontinha.

Sala das Sessões. = O Deputado, José Affonso Palla.

Foi admittida e enviada á commissão de petições.

O Sr. Presidente: - A outra proposta é do Sr. Deputado Fernão Botto Machado.

Foi lida:

Proposta

"Considerando que a Constituição que vae discutir-se resulta de um movimento revolucionario que transformou o regime monarchico em regime republicano;

Considerando que, alem de ser o Codigo Fundamental da Republica, é a sua lei substantiva, ou a lei das leis, com a qual todas as outras teem de harmonizar-se nos principios e na forma:

Considerando que, se todas as leis são precedidas de um relatorio e justificação de motivos, muito mais o necessita o Codigo Fundamental da Republica, que, sondo um diploma essencial e eminentemente historico, em de dizer ao mundo, a coevos e a vindouros pouco versados em historia, as razões justificativas da explosão revolucionaria do 5 de outubro e os motivos por que ao novo português se dá essa Constituição;

Considerando que todas as Constituições formuladas

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como consequencia de revoluções transformadoras de regimes foram sempre precedidas de relatorios, e a da independencia dos colonos ingleses, votada em 1772 em Boston, até foi precedida de uma verdadeira catilinaria contra o então rei de Inglaterra;

Considerando que só os dynastas, fundados no falso di-r%ito divino, outorgam constituições sem as justificarem;

Considerando que, se a Constituição inicial da Republica Portuguesa não for antecedida de um relatorio e justificação de motivos, padecerá de uma lacuna lamentavel e ficará um diploma historico e legal acephalo:

Proponho que a Constituinte convide os illustres membros da commissão a formularem, em palavras rapidas e concisas, a referida justificação de motivos.

Lisboa e Sala da Constituinte, aos 6 de julho de 1911.= O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado".

Foi admittida e enviada á commissão da Constituição.

O Sr. Presidente: - Vae fazer-se a inscrição para antes da ordem do dia.

Muitos Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alfredo Ladeira pediu a palavra para um negocio urgente. Deseja referir-se á paralysação dos trabalhos da industria corticeira. Os Srs. Deputados que consideram urgente este assunto queiram levantar-se.

Foi reconhecida a urgencia.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Vou ser o mais correcto possivel a dentro d'esta sala, mas falarei com o vigor e a rudeza só proprios do soldado e do operario.

Quando ha dias o Sr. Jacinto Nunes trouxe a esta Camara a questão corticeira, o meu espirito sobresaltou-se, porque sei quanto é difficil resolver este melindroso problema que nos legou o extincto regime monarchica. E, se não usei logo da palavra para responder ao Sr. Jacinto Nunes, foi porque o Sr. Ministro das Finanças e o dos Estrangeiros tinham de responder a S. Exa., e tinha já terminado a hora antes da ordem do dia.

O Sr. Jacinto Nunes insistiu mais de uma vez nesta questão, sabendo que o Sr. Ministro das Finanças, para a estudar, ia nomear uma commissão composta de todos os interessados: productores de cortiça, industriaes e operarios.

É este, sem duvida, o melhor caminho a seguir. Entretanto o Sr. Jacinto Nunes apresentou nesta Assembleia o assunto por uma forma tanto mais irritante quanto é certo que todos os que se encontram aqui são representantes da Nação e não de uma classe especial.

Pelo meu coração e pelos meus principies eu teria de defender os interesses da classe a que tenho a honra de pertencer, mas entendo que aqui, como Deputado, acima de tudo, vejo os interesses da nação, e esses são os que de preferencia devo defender.

O Sr. Jacinto Nunes não entendeu, porem, assim; entendeu que deve defender, acima de tudo, os seus interesses de productor de cortiça, esquecendo que acima d'esses interesses estão os do país.

A classe dos productores de cortiça representa alguns milhares de contos de réis, os industriaes igualmente representam muito dinheiro; mas os operarios representam muitos milhares de individuos cujos interesses são tão respeitaveis como os d'aquelles. (Apoiados).

A forma por que S. Exa. tratou d'este assunto só conseguiu lançar no espirito dos operarios corticeiros o descontentamento.

O Sr. Jacinto Nunes: - Peço a palavra.

O Orador: - O resultado d'isto é poder amanhã declarar-se uma greve geral extremamente perigosa neste momento.

É preciso attender aos productores e aos grandes e pequenos industriaes, mas é necessario não esquecer os operarios, nem de forma nenhuma estar a illudi-los com vãs promessas.

A classe dos corticeiros é uma classe amiga da Republica; não a vamos nós contrariar e prejudicar de forma que ella amanhã se lance numa greve a que fatalmente adherirão outras classes.

Eu vejo nisso um grande perigo neste momento, tanto mais quando os empregados ferro-viarios não foram ainda amnistiados e sentem por esse facto um natural descontentamento, do que pode resultar um grande perigo.

Repito, receio muito que amanhã, declarando-se a greve dos corticeiros, ella venha a degenerar na greve geral.

É em nome dos altos interesses da Republica, é em nome do amor que tenho por ella e pelo país, que eu, um rapaz, peço aos homens quê como o Sr. Jacinto Nunes teem a larga experiencia dos annos, que pesem bem as suas palavras proferidas aqui dentro.

O effeito d'ellas aqui está, e se a Camara e o Sr. Presidente me derem licença, eu passo a ler o extracto de duas reuniões de corticeiros.

(Leu).

Eu pedia á Camara que desse todo o apoio sobre o assunto ao Sr. Ministro das Finanças, pois todos aquelles que neste momento não encararem bem a questão incorrem numa grande responsabilidade. (Apoiados).

Terminando, porque não quero fatigar a Assembleia, mando para a mesa uma proposta sobre este importante assunto.

Foi lida na mesa a proposta do Sr. Deputado Alfredo Ladeira.

Proposta

"Proponho que fique consignada na acta d'esta sessão a seguinte declaração:

"A Assembleia Nacional Constituinte, reconhecendo que da solução da questão corticeira está dependente, não só a melhoria da situação economica do país, mas ainda o justo equilibrio de interesses de diversas classes, confia do alto patriotismo e comprovada intelligencia de S. Exa. o Ministro das Finanças a solução possivel para um assunto de tal magnitude. = O Deputado, Alfredo Maria Ladeira".

O Sr. Jacinto Nunes: - Peço a V. Exa. que consulte a Assembleia sobre se consente que eu use da palavra.

O Sr. Presidente: - A Assembleia ouviu o pedido do Sr. Deputado Jacinto Nunes.

O Sr. Manuel Bravo: - Requeiro que se leia na mesa a inscrição para antes da ordem do dia. Leu-se na mesa.

O Sr. Manuel Bravo: - Não ouvi bem, e por isso não sei em que altura fico inscrito.

O Sr. Presidente: - V. Exa. é o quarto Sr. Deputado a usar da palavra.

(Pausa).

Os Srs. Deputados que approvam o pedido do Sr. Jacinto Nunes tenham a bondade de se levantar. Foi approvado.

O Sr. Jacinto Nunes: - Agradecendo a resolução da Camara, diz que, pelo despacho de 28 de setembro de 1910, do Sr. Teixeira de Sousa, foi prohibida a exportação da cortiça em bruto.

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Por esse despacho desappareceu a liberdade de commercio, mas, como se disse que elle era necessario para dar trabalho aos operarios, não se oppôs.

Em 7 de novembro, o Sr. Ministro das Finanças, com o pretexto de aclarar esse decreto, determinou que fosse considerada como cortiça em bruto toda a cortiça que não fosse cozida, raspada, classificada e enfeixada. Se a cortiça tivesse unicamente como applicação o fabrico da rolha, bem estava; mas não é assim, tem varias outras applicações.

A portaria foi feita para explicar, mas só serviu para confundir.

Mais tarde, em 21 de novembro, appareceu outra portaria que ainda veio complicar mais a questão, pois não ha folha alguma de cortiça que tenha unidade de calibre e de qualidade. Isto representa para os productores um prejuizo de 20 a 30 por cento.

Se os industriaes corticeiros do nosso país pudessem concorrer com a industria estrangeira, bem estava; assim, são prejudicados os productores sem grande beneficio para os operarios.

O remedio não está nisto, está em fazer tratados de commercio e em proteger a industria, dispensando-a, por exemplo, da contribuição industrial.

O Sr. Alfredo Ladeira: - A commissão o fará.

O Orador: - Dizem que elle, orador, advoga apenas os interesses dos productores. Não é assim; o que advoga são os interesses do país.

Se visse que o sacrificio imposto ao país e aos productores podia ser util á classe rolheira, porque distingue esta da corticeira, ainda se comprehendia, mas como tal não succede, insurge-se contra o que está estabelecido.

Se a Espanha, que fabrica quasi toda a cortiça que produz, não quer a liga aduaneira; se a França não quer o trust, e a Argélia tambem se oppõe a elle, que podemos nós fazer, quando apenas fabricamos 25 por cento da nossa producção?

Nunca foi irritante para com a classe rolheira; o que quis foi simplesmente mostrar que essa classe não ganhou cousa alguma com os sacrificios dos productores.

E, para terminar, deve dizer, em resposta ao que hontem affirmou o Sr. Julio Martins, que ao que S. Exa. se referiu foi a uma conferencia realizada em outubro, emquanto que elle, orador, do que tem falado é do que se passou em novembro.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Volto a esta questão para responder a umas affirmações do Sr. Deputado Jacinto Nunes. S. Exa. entende que os resultados da portaria de 21 de novembro são contraproducentes. Neste ponto nós estamos em discordancia formal. S. Exa. affirma o facto sem ter bases para poder trazer á Camara uma tal affirmação, ao passo que eu já trouxe ao Parlamento numeros que representam exactamente o contrario do que S. Exa. tem affirmado.

A estatistica do movimento na região corticeira central do país affirma uma exportação, no primeiro semestre de 1911, de 21:000 fardos no valor de 168 contos de réis. A porção de cortiça apartada nas condições da portaria de 21 de novembro foi apenas de 800 fardos.

Eu chamo a attenção da Camara, especialmente do Sr. Jacinto Nunes, para o facto que esta estatistica demonstra e ainda para o de encontrarmos nella 1:124 operarios, que representam um decimo da população operaria occupada na fabricação da cortiça em Portugal.

Volto sempre ao meu ponto de vista e sinto-me tanto mais á vontade dentro d'esta questão quanto é certo que, se eu pudesse inclinar-me para um lado, inelinar-me-hia para os interesses da producção.

Mas tenho procurado sempre collocar a questão por forma a não ir contra os interesses do commercio, da industria e do operariado.

Para resolver esta questão encontramos graves embaraços; não é só uma questão de ordem interna, é uma questão internacional. (Apoiados).

Sob duas faces podemos encará-la: nas suas relações com os tratados de commercio e no caracter especial que lhe é dado em relação á producção e trabalho nacionaes.

A grande complexidade da questão faz que eu não me pronuncie de uma forma definitiva sobre a liga aduaneira.

Se ella representar interesses para Portugal, tanto melhor; se os não representar, todo o Parlamento se levantará como uma só pessoa contra ella.

Emquanto se não demonstrar que a liga aduaneira é má, emquanto não conhecermos o que pode conter em vantagens essa liga, nós não devemos abandoná-la.

Quando eu combatia a monarchia e falava nesta questão, pronunciei, numa conferencia do Atheneu Commercial do Porto, estas palavras: "É preciso defender acima de tudo a materia prima nacional". (Apoiados).

O Sr. Deputado Jacinto Nunes dizia que a cortiça era o producto mais importante da terra portuguesa; pois é por isso mesmo que é preciso ligarmos a maxima importancia ao problema, para o resolver.

S. Exa. apresentou á Assembleia os seus receios por se tratar de um valor intrinsecamente grande. Nós estamos a este respeito numa situação aviltante perante as outras nações; lembro a Espanha, que tem 75 por cento da sua producção industrializada e nós temos apenas 25 por cento. A questão é importante e, porque o é, requer muita cautela.

Eu não quis illudir os operarios, sempre lhes disse isto mesmo e julgo que nunca se deve deixar intervir nas causas internacionaes seja quem for, que possa representar, pelo menos, interesses suspeitos.

Dizia o Sr. Deputado José Jacinto Nunes ha pouco, e muito bem, que as questões que devem merecer-nos maior attenção são as economicas. (Apoiados).

E não é só a questão corticeira que é importante, ha productos da agricultura colonial que devem merecer cuidadoso interesse ao Parlamento (Apoiados) porque se a situação da cortiça é má, a situação do cacau não é melhor.

Uma voz: - E o vinho?

O Orador: - Não quero falar do vinho porque para esse producto estão voltadas todas as attenções, havendo para elle leis de excepção que aliás se teem demonstrado bastante inuteis. (Apoiados).

Tendo de nos occupar de questões economicas, havemos de fazê-lo dentro dos principios economicos, que são ainda os melhores para as resolver.

Tenho dito.

O Sr. Jacinto Nunes: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Adriano Pimenta (Por parte da commissão do Regimento): - Participo a V. Exa. e á Assembleia que a commissão do Regimento se acha constituida, tendo sido nomeado seu presidente o Sr. Deputado Baracho, e eu, seu secretario.

O Sr. Presidente: - Queira V. Exa. mandar essa communicação por escrito.

Foi lida no mesa a communicação.

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Communico á mesa que está installada a commissão do Regimento, na qual foram eleitos presidente o Deputado Dantas Baracho e secretario o signatario. = Adriano Augusto Pimenta, Deputado pelo Porto.

Para a Secretaria.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Como está no animo d'esta Assembleia o especial cuidado na defesa dos interesses de todas as classes, e como se trata de uma numerosa e importante classe que é a corticeira, entendo interpretrar o alto interesse que o assunto inspira, requerendo que entre em discussão immediatamente a proposta do Sr. Deputado Alfredo Ladeira.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: apesar da muita consideração que me merece o Sr. Deputado Ladislau Piçarra, peço a V. Exa. o favor de me indicar qual o artigo do Regimento que permitte requerimentos antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Piçarra quererá talvez que eu consulte a Assembleia sobre se permitte que se generalize a discussão.

O Sr. Ladislau Piçarra: - O que eu desejo é que seja posta immediatamente á votação a proposta do Sr. Alfredo Ladeira.

O Sr. Presidente: - Vae pôr á votação o pedido do Sr. Deputado Piçarra, prevenindo desde já a camara de que, se houver discussão, lhe prefere a ordem do dia.

O Sr. José Montês: - Não sabemos de que se trata.

O Sr. Jacinto Nunes: - Qual é a materia?

Foi novamente lida na mesa a proposta ao Sr. Deputado Alfredo Ladeira.

Vozes: - Apoiado. Admittimos. Não ha que discutir e para lançar na acta.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados, que approvam que se lance na acta das sessões a proposta do Sr Ladeira, queiram levantar-se.

Foi approvado.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Envio para a mesa uma representação do povo de Mertola, coberta por um grande numero de assinaturas, em que se pedem pró videncias contra o facto de não funccionar regularmente ha mais de seis meses, por falta de professor idóneo, a escola do sexo masculino d'aquella localidade.

Não tenho duvidas em reclamar para o facto a attenção do Governo e muito especialmente a do Sr. Ministro do Interior, por isso mesmo que ninguem levará a sua maledicencia até o ponto de dizer que se trata de uma simples questão de campanario. (Apoiados).

Está já assente, irreductivelmente assente, que a prosperidade e o futuro do país, a comprehensão e assimila cão dos bons principios democraticos estão intimamente ligados ao problema da instrucção. (Apoiados).

Para honra e interesse da Republica não pode prolongar-se a situação criada pela monarchia.

O numero de escolas era deficiente para a população escolar do país e muitas d'essas escolas não funccionavam regularmente, umas por falta de professores, outras por falta de casas e outras ainda por falta de mobilia. (Apoiados).

Tenho ainda a referir-me a outro assunto, que me parece de toda a opportunidade.

Foi presente á Assembleia Constituinte pelo Sr. Dr. Montês uma proposta de amnistia aos ferro-viarios, processados em virtude das ultimas greves.

Essa proposta foi admittida e enviada á commissão de petições.

Ante-hontem fui procurado por alguns ferro-viarios que me mostraram os inconvenientes que para os seus camaradas resultam da demora na solução do assunto, estando alguns ainda a serem julgados por factos occorridos durante a greve.

Se realmente não subsistem razões que se opponham á concessão da amnistia, se, como parece, ella se encontra no espirito e nas intenções d'esta Assembleia, atrevo-me a pedir com a maior instancia á commissão de petições que não demore o seu parecer. (Apoiados).

E não ficaria mal á Constituinte um gesto de generosa deferencia para uma classe de prestantes e obscuros trabalhadores, precisamente no momento em que o país se glorifica num grande movimento de civismo e abnegação, precisamente no momento em que o proletariado português, numa despreoccupação absoluta de quaesquer interesses de classe, se mostra disposto a todos os sacrificios que forem necessarios para a defesa da Patria e da Republica. (Apoiados).

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: vou mandar uma moção para a mesa e peço, se ella for approvada pela Camara, que seja enviada á commissão respectiva, a fim de ficar junta ao projecto do Sr. Deputado Innocencio Camacho.

(Leu).

Tenho a declarar que me parece justo que se dê um galardão áquelles que contribuiram para a implantação da Republica.

O Governo Provisorio, logo depois de implantada a Republica, com criterio seguro, fornecido decerto por pessoas competentes, galardoou muitos officiaes, sargentos e praças, dando-lhes accesso em postos.

É possivel, Sr. Presidente, que alem dos galardoados alguns tivessem ficado no olvido, mas vão sê-lo pelo projecto do Sr. Innocencio Camacho, que concede grandes quantias em dinheiro a cada um dos que não foram ainda galardoados e mesmo a alguns d'aquelles que já o tinham sido.

S. Exa. propõe-lhes elevadas pensões pecuniarias, mas eu lembro que esses individuos são em geral novos, que já tiveram accesso de posto e que, creio bem, contribuiram para a implantação da Republica, como todos os outros, sem attenderem ao seu interesse pessoal. Alem d'isso amanhã, em nome da Justiça, será preciso galardoar todos os que, directa ou indirectamente, contribuiram para o advento da Republica.

Sr. Presidente, nós estamos em circunstancias financeiras muito pouco lisonjeiras.

Não digo que estejamos em péssimas condições financeiras, mas não ha duvida de que ellas não são prosperas.

Á noite, depois da sessão, e conhecido o projecto de lei do Sr. Camacho, eu, ao passar perante o placará de um jornal, ouvi a muita gente dizer - era a consciencia popular que falava: "Então esses senhores das Constituintes teem tanto dinheiro que o possam dar em tão grande quantidade? E então a nós, povo, que tambem nos batemos?"

Ao projecto do Sr. Camacho falta o respectivo relatorio, substituido pela sua palavra de honra. Ora, eu, Sr. Presidente, nem por um momento duvido da palavra de honra d'esse Sr. Deputado; mas aqui devemos exigir um relatorio, pelo qual nos possamos guiar, para dar ou negar a nossa approvação, devendo attender-se sempre ás circunstancias do Thesouro.

Desde a proclamação da Republica que tenho tido a impressão de que o simples facto de se implantar o regime republicano inundou o país de ouro.

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Teem-se aumentado extraordinariamente as despesas publicas.

O primeiro dever do Governo da Republica; ao assumir o seu logar, deveria ser restringir essas despesas.

Bem sei que muitas classes gemem quasi na miseria, mas na miseria está o país quasi todo, e é injustiça estar a favorecer algumas classes sem tambem favorecer as outras.

E impossivel equilibrar as nossas finanças começando a aumentar as despesas, sem o correspondente aumento de receita.

Eu registo, Sr. Presidente, que este projecto de lei foi apresentado depois da Camara ter approvado a proposta do Sr. João de Menezes...

O Sr. João de Menezes: - Não, senhor; a minha proposta foi rejeitada.

O Orador: - Não, senhor. Foi approvada com uma emenda.

O Sr. João de Menezes: - Devemos estar ambos enganados.

O Orador: - Não, senhor; e tanto que foi á commissão respectiva.

Mas o que eu estranho é que o Sr. João de Menezes fosse um d'aquelles que deram apoiados enthusiasticos quando o Sr. Camacho apresentou uma proposta tão contraria á sua.

Sr. Presidente: peço a V. Exa. que, no caso da Camara acceitar a moção que apresento, a mande juntar ao projecto do Sr. Camacho.

Passando a outro assunto, cumpre-me lembrar á Assembleia que numa das nossas primeiras sessões um Sr. Deputado, não sei qual, apresentou aqui um projecto de lei ou bases de um projecto sobre acumulações.

Quando estavamos na monarchia, gritavamos, quer nos jornaes, quer nos comicios, contra a pouca vergonha das acumulações.

Proclamou-se a Republica e eu vejo as mesmas immoralissimas acumulações, e criarem-se empregos chorudos incompativeis com uma democracia. Isto, Sr. Presidente, dá-me a ideia de que a Republica foi uma sorte grande para muita gente.

Portanto, Sr. Presidente, eu peço que a commissão a que foi enviada esse projecto sobre acumulações apresente urgentemente o seu parecer á Assembleia para ser discutido o assunto que se traduz numa questão de alta moralidade.

Para um outro ponto, importante tambem, devem convergir as nossas attenções: - a nossa defesa nacional.

Nós somos um grande país, disse aqui, ha dias, o Sr. Bernardino Machado.

Não ha duvida. Somos grandes em tradições, somos grandes em territorio, e somos grandes em muitas cousas mais.

Não somos, porem, um país que se defenda, pois temos bellos pontos estratégicos que não se encontram defendidos, e falta-nos absolutamente uma armada.

Amanhã, perante uma conflagração europeia, talvez inevitavel, nós veremos, pela necessidade da sua defesa, uma potencia tomar conta d'elles e transformá-los em novos Gibraltares.

Nós, Sr. Presidente, temos obrigação de nos precaver, zelando assim o património dos nossos antepassados.

Eu quero crer que não pratico uma inconveniencia dizendo isto á Assembleia.

Ha necessidade de prover com urgencia á reconstrucção da nossa armada, simplesmente para que a nossa nação possa manter a sua integridade, e seja respeitada e ouvida em toda a parte como lhe compete de direito.

Envio portanto a minha moção para a mesa.

Foi lida na mesa a moção do Sr. Deputado Joaquim Ribeiro.

Moção

A Assembleia Constituinte resolve, antes de recompensar qualquer cidadão pelos seus serviços á Republica, aguardar o relatorio da commissão que para tal fim for nomeada, attendendo implicitamente ás condições do Thesouro Publico. - O Deputado pelo circulo n.° 33, Joaquim Ribeiro.

A Assembleia resolveu que esta moção fosse apreciada pela commissão respectiva com o projecto do Sr. Deputado Innocencio Camacho.

Tambem foi lida na mesa a seguinte proposta do mesmo Sr. Deputado Joaquim Ribeiro:

Proposta

A Assembleia Constituinte resolve, attendendo a uma impreterivel necessidade, encarregar a commissão de marinha de apresentar um projecto de reconstituição da Armada Portuguesa, bem como o da utilização dos pontos estratégicos do continente e ilhas adjacentes, podendo aggregar a si qualquer pessoa que para esse fim ache conveniente. = O Deputado pelo circulo n.° 33, Joaquim Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Esta proposta seguirá os tramites regimentaes.

O Sr. Carvalho Mourão: - Sr. Presidente: quando hontem o Sr. Deputado Eusebio Leão se referiu ás missões de propaganda republicana em Trás-os-Montes e no Minho, affirmando, aliás mui judiciosamente, que a grande, a principalissima propaganda se deverá fazer pela escola, alludiu tambem ás condições, na opinião de S. Exa., deploraveis em que se encontra o ensino naquellas provincias.

Acrescentou o Sr. Deputado Eusebio Leão que não só ha falta de escolas -e nesse ponto estou plenamente de acordo com S. Exa. - mas tambem que funccionam mal as que por ali existem, que muitas estão fechadas ha muitos meses, senão annos, que os professores não cumprem zelosamente os seus deveros, havendo até muitos de entre elles que nunca apresentaram um alumno sequer a exame, etc., etc.

Na altura em que o Sr. Eusebio Leão proferiu o seu discurso, não me foi possivel responder a S. Exa. porque, a esse tempo, estava esgotada a inscrição, de contrario pediria immediatainente a palavra para fazer algumas annotações que julgo indispensaveis, dada a minha situação especial, ás objurgatorias do illustre Deputado contra o mau funccionamento das escolas naquella região do país.

E ninguem estranhará, por certo, Sr. Presidente, que eu levante aqui a minha voz, tratando se do ensino primario, porque sendo eu o inspector da circunscrição do norte, a que principalmente mereceu as attenções do Sr. Eusebio Leão, constitue para mim um dever indeclinavel corrigir algumas das afirmações de S. Exa. affirmações que se me affiguram menos consentaneas com a rigorosa verdade dos factos. Alem d'isso, podendo ver alguem nas palavras do illustre Deputado uma censura, embora indirecta, ás autoridades escolares respectivas, eu preciso demonstrar-lhe que essas autoridades nenhuma responsabilidade têem na situação geralmente pouco lisonjeira em que se encontram as escolas, quer da circunscrição do norte, cuja direcção me está confiada, quer nas circunscrições do país.

Creio bem que S. Exa. não queria aggredir, nem sequer melindrar, essas autoridades. Faço-lhe essa justiça, mas como as palavras aqui proferidas teem repercussão lá fora e como não a primeira vez que taes accusações se

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formulam, embora noutros legares, eu quero dar ao illustre Deputado e á Camara algumas explicações, a fim de se ficar sabendo que da parte das autoridades que superintendem no ensino primario não tem havido negligencia no desempenho das suas espinhosas funcções. Muito pelo contrario: teem empregado sempre os maiores esforços e a melhor boa vontade, no sentido de se conseguir, sob todos os pontos de vista, o bom funccionamento das escolas, a fim de produzirem os resultados que o país tem a esperar delias. E ainda não ha muito que o Sr. Deputado Jacinto Nunes se queixava amargamente de estarem fechadas ha muito tempo algumas das escolas do seu concelho. Embora o caso se não entendesse directamente commigo, dei logo a S. Exa. as explicações necessarias, para se convencer de que as autoridades escolares não podiam ser accusadas, visto não haverem podido encontrar professores para ellas, sobretudo nas condições especiaes em que essas escolas se encontram.

E certo, e seria um erro grande negá-lo, que muitas escolas funccionam em condições muito irregulares, que algumas estão fechadas e que, como o Sr. Eusebio Leão affirmou, ha grande falta d'ellas, tornando-se indispensavel criar as que se julgarem precisas - e não são poucas para que os beneficios da instrucção possam chegar a todos os recantos da Nação. Mas devem criar-se com methodo, sem outras preoccupações que não seja servir os verdadeiros interesses do povo.

S. Exa. estranhou, e com razão, que das escolas existentes, embora insufficientes para as necessidades do país, nem todas estejam providas de professores, mormente dizendo se haver muitos concorrentes habilitados á espera de collocação.

A este respeito, permitta-me o Sr. Eusebio Leão dizer-lhe que está mal informado. S. Exa. faz porventura obra pelo que leu nos jornaes que por vezes, teem affirmado haver uns tres mil professores sem collocação.

Isto é uma falsidade. Os factos o comprovam. E não ha logica como a dos factos.

Devo dizer á Camara que se tem aberto regularmente concurso para as escolas vagas, mas que muita vez teem ficado desertos esses concursos.

Ora isto prova eloquentemente que a falta de professores é muito sensivel; se o não fora, concorreriam sem duvida os candidatos e as escolas não ficariam fechadas por muito tempo, como frequentemente tem succedido. As autoridades escolares - posso afoitamente affirmá-lo - não teem descurado o assunto.

Infelizmente, porem, não lhes é licito inventar professores, e assim é que, não sendo conhecida geralmente a origem do mal, se attribuem responsabilidades a quem realmente ellas não cabem.

Alem de que, Sr. Presidente, é indispensavel distinguir - e nisso é que ninguem pensou ainda - entre os candidatos legalmente habilitados para o professorado aquelles que na verdade pretendem collocação, as condições em que a pretendem, e aquelles que a não querem, quer porque sigam outro destino, quer por outras quaesquer circunstancias. Porque o facto real, evidente, palpavel, é este: só para as escolas dos grandes centros, especialmente Lisboa e Porto, é que apparecem quasi sempre concorrentes em grande numero. Para as restantes escolas do país, sobretudo para as das povoações ruraes, apparecem sempre menos pretendentes, sendo, por vezes, muito difficil obtê-los, como os concursos exuberantemente o demonstram.

Duas causas concorrem para este resultado: a tendencia geral de se preferirem os grandes centros e a falta real de candidatos habilitados. Factos successivos o demonstram.

Posso affirmar á Camara que, apenas uma escola vaga, se procura provê-la immediatamente com um professor interino, até que o concurso permitta provê-la definitivamente. Muitas vezes, porem, não se encontra quem queira exercer o ensino em taes condições, especialmente por não haver na lei garantias que dêem aos professores interinos preferencia absoluta sobre os demais concorrentes. E uma outra difficuldade existe, e que por certo o Sr. Eusebio Leão desconhece, que muito prejudica o provimento de algumas escolas. Quero referir-me áquellas cujos professores foram julgados absolutamente incapazes de continuar no serviço, mas cujos processos de aposentação se eternizam no Ministerio das Finanças, com o fundamento de não haver na Caixa das Aposentações verba sufficiente para fazer face ás pensões dos aposentados.

Seja-me licito observar, de passagem, não me parecer fundamentada esta explicação, visto que o decreto de 25 de abril de 1895, no seu artigo 6.°, preveniu a hypothese. Mas isto ficará para outra vez.

Ora, na hypothese de que se trata, a difficuldade em prover interinamente as escolas é muito maior ainda que nos casos ordinarios, porque os professores que vão reger escolas em taes condições não teem a certeza - a lei não lh'o garante - de ficar nellas como professores effectivos. Ora ir um professor reger uma escola, permanecer lá uns poucos de annos e ter depois de sair d'ella, havendo muita vez criado lá interesses e contrahido obrigações que não pode abandonar, é motivo bastante para afastar os concorrentes d'essas escolas, vendo-se, por isso, era grandes difficuldades as autoridades escolares para obter professores interinos para escolas em semelhantes condições.

Creio, Sr. Presidente, que no regulamento que se está elaborando para execução da reforma de 29 de março, e de cuja commissão tenho a honra de fazer parte, se ha de providenciar de modo a evitar os inconvenientes que ligeiramente deixo apresentados. Mas, até lá, as difficuldades subsistirão, sem duvida.

O sr. Eusebio Leão disse, e com verdade, haver escolas que funccionam mal. É um facto, muito principalmente pelo que diz respeito aos edificios e respectivo material de ensino. Ha realmente algumas que de escolas tem apenas o nome. E, para o demonstrar, para pôr bem em evidencia o desamor com que o regime, felizmente extincto, tratou sempre a instrucção, não precisamos sair de Lisboa.

O ensino popular fora sempre tratado pela monarchia como um filho bastardo. Com effeito, não se encontra em todo o país uma unica escola que satisfaça as condições que a hygiene e a pedagogia aconselham. Mas o facto não é para espantos. Aos governos passados não convinha o desenvolvimento do ensino e educação popular, não convinha que o povo soubesse ao menos ler. Devemos confessar, porem, que tinham razão. Eram lógicos, visto que a monarchia não pretendia suicidar-se. E para ella era, evidentemente, o suicidio.

Ora, dada a feição acentuadamente absolutista que ella tomara, sobretudo nos ultimos vinte annos da sua miseravel existencia, era correcto, no seu ponto de vista, que procurasse conservar o povo nas trevas da ignorancia, visto que o absolutismo é ignorante, e só ignorante se comprehende, no dizer profundamente conceituoso de um publicista illustre, insuspeito para o caso visto haver sido sinceramente monarchico. E assim é que ella votara a completo desprezo, ao mais descaroavel abandono a escola popular, cujo progresso a incommodava, tentando-se, por um trabalho lento, mas persistente, o seu completo anniquillamento. Espero que me chegará a opportunidade de o provar.

Mas, Sr. Presidente, não deve causar-nos estranheza o mau funccionamento das escolas por todo o país, se aqui, m Lisboa, ellas, na sua installação material, representam uma verdadeira vergonha nacional. Não existe só uma talvez aproveitavel.

Se V. Exa., Sr. Presidente, se desse ao incommodo de visitar algumas delias, creio que ficaria verdadeiramente

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horrorizado. E, se formos ao Porto, encontrar-nos-hemos na mesma deploravel situação. O quadro não é muito mais animador. Gastaram-se por lá muitas dezenas de contos, na construcção ou adaptação de escolas, e, comtudo, não serei muito exaggerado se affirmar que tal dinheiro o considero absolutamente perdido. Custaram sommas relativamente enormes as escolas de Cedofeita e Santo Ildefonso, expressamente construidas para esse fim. Apesar d'isso, tem sido tamanha a nossa ignorancia era materia de construcções escolares, parece pesar sobre o ensino popular uma fatalidade tão irredutivel, que essas duas escolas, que não custam talvez menos de 60 contos de réis, teem de ser arrasadas, quando houver dinheiro para convenientemente as substituir. No Porto só as escolas de Paranhos é que me parecem toleraveis.

Ora, se nas duas cidades principaes do país o quadro é assim desolador, o que poderá dizer-se das restantes escolas, sobretudo das povoações ruraes? Com rarissimas excepções, uma vergonha sem nome - isto sem excluir as escolas construidas nos ultimos annos, as quaes, sob todos os aspectos porque as possamos considerar, representam uma das nossas maiores vergonhas. O povo classificou admiravelmente essas escolas, chamando-lhes, na sua linguagem pitoresca, gaiolas de grillos.

Mas, se essas novas escolas, no seu aspecto geral, são condemnaveis, que poderá dizer-se a respeito das condições a que tem obedecido a sua construcção? É verdadeiramente pasmoso o que neste capitulo se tem podido averiguar. Não me dispenso de tratar opportunamente o assunto, com a largueza que elle requer. O que, desde já, posso assegurar a V. Exa., Sr. Presidente, e á Camara, é que algumas d'essas escolas, antes de começarem a funccionar, já ameaçavam ruina. Eu mesmo o averiguei. Algumas até já foram abandonadas!

Não quero cansar a attenção da Camara com a narração de factos do meu conhecimento, factos que são verdadeiramente edificantes e nos podem elucidar convenientemente sobre o regime de desperdicio em que por largos annos vivemos, muito especialmente neste importantissimo capitulo de administração publica. Conto que me ha de chegar a opportunidade de o fazer.

Ora, se os factos se teem passado como ligeiramente os enunciei, é evidente que ao novo regime, ao Governo da Republica, não podem caber nenhumas responsabilidades, nem censuras pelo estado pouco lisongeiro em que o ensino primario ainda se encontra. Nem ao Governo nem aos seus representantes. Muito se tem feito já e muito mais se fará com o concurso intelligente e desinteressado de todos.

Permitta me ainda o Sr. Eusebio Leão dizer-lhe que não nos é licito formular juizos tão severos como os de S. Exa. acêrca do serviço dos professores. A generalização, neste caso, afigura-se me inconveniente e sobretudo injusta.

Ha professores realmente maus, nada zelosos no desempenho das suas funcções, e cujo serviço é pouco menos de nullo. Seria falsear a verdade negá-lo. Mas sejamos razoaveis. Nas condições detestaveis em que tem funccionado a maior parte das escolas e attendendo ao insignificante vencimento que lhes tem sido attribuido, parece uma verdadeira maravilha que, ainda assim, tanto tenham produzido. A maioria trabalha regularmente, é um facto que me cumpre assinalar com prazer.

O Sr. Eusebio Leão, para demonstrar o mau serviço de um bom numero de professores, affirma ainda que muitos d'elles, com largos annos de serviço, não teem habilitado um unico alumno para exame. Tambem isso é infelizmente verdadeiro. Mas eu devo observar a S. Exa. que, sem de modo nenhum pretender attenuar a gravidade do facto, não é o numero de alumnos approvados em exame publico o padrão unico, nem sequer o essencial, que nos deve servir de base para avaliar o serviço dos professores.

O Sr. Sousa Junior: - Perdão; esse é o principal elemento de apreciação.

O Orador: - Está V. Exa. illudido, permitta-me que lh'o diga. E, se V. Exa. o desejar, poderemos discutir opportunamente este caso. Se V. Exa. e o Sr. Eusebio Leão tivessem a pratica que eu tenho d'este serviço, se tivessem visitado as escolas, principalmente os museus, concordariam decerto commigo, concordariam absolutamente com a minha opinião, que e, aliás, a de muitos mestres na especialidade. Ha muitas circunstancias a attender, ao tratar da apreciação do serviço de um professor.

Quando inspecciono uma escola, preoccupo-me sobretudo com o estado geral em que se encontram os alumnos, com o systema disciplinar do professor, com os seus processos de ensino. E, se a physionomia geral da escola me dá a convicção de que o professor é assiduo e zeloso, de que é sobretudo um excellente educador, se os alumnos, em geral, mostram aproveitamento, a conclusão que eu tiro - e muito racional - é a de que me encontro em presença de um professor na significação nobre do termo, ainda que o numero de alumnos approvados em exame seja limitado. De mais, Sr. Presidente, é um erro gravissimo suppor-se que as escolas devem de ser uma fabrica de exames. Os que assim pensam parece-me andarem muito affastados do verdadeiro caminho, em materia de instrucção popular. E, neste ponto, encontro-me felizmente em excellente companhia - a dos grandes educadores.

Em regra, dá-se até um facto muito singular, para o qual tomo a liberdade de chamar a attenção da Camara: O professor que se preoccupa apenas com o grande numero de alumnos que ha de levar a exame para se exhibir em publico, deante das familias embasbacadas, não é geralmente o melhor educador; porque, attendendo só aos effeitos scenicos de occasião, sacrifica a escola no seu conjunto a um numero limitado dos alumnos, cuja intelligencia lhe parece mais viva, occupando-se especialmente d'elles, com prejuizo da instrucção e educação dos restantes, quer dizer de grande numero da população escolar. Isto é um erro muito lamentavel e cujas consequencias tenho muitas vezes observado com o mais profundo desgosto. Detestei sempre os meninos prodigios, e é a estes que os mestres pouco conhecedores dos verdadeiros fins da escola sacrificam, para orgulho e satisfação de paes inconscientes ou vaidosos, a totalidade dos seus discipulos.

Coherente com estes principios nunca me esqueço, nas minhas visitas de inspecção, de recommendar aos professores que o mestre por excellencia é o que trata por igual todos os seus discipulos, que a todos presta os mesmos cuidados e carinhos, procurando que todos elles se desenvolvam gradual e harmonicamente, de modo a adquirirem por igual, tanto quanto possivel, a instrucção e educação que convem ás classes que, em regra, não passam da escola primaria. E não me esqueço tambem de lhes recommendar e aconselhar que o seu grande objectivo deve ser a educação, no seu mais nobre significado, porque só assim podem os professores desobrigar-se honrosamente das grandes responsabilidades que sebre elles impendem.

Desejaria, Sr. Presidente, fazer ainda outras considerações sobre factos aqui apontados, se bem que não me digam directamente respeito, visto não se encontrar presente o Sr. Director Geral de Instrucção Primaria, para os esclarecer, embora S. Exa. não me tivesse dado procuração para o defender, nem S. Exa., pela sua larga illustração e provada honestidade no desempenho do seu elevado cargo, d'isso carece. Entretanto na sua ausencia, algumas explicações poderia dar á Camara, por se tratar de factos que sufficientemente conheço.

Mas ouço dizer que deu a hora. Vou, por isso, concluir

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as minhas observações, lamentando que o tempo de que me é permittido dispor me não consinta explanar convenientemente um assunto que eu julgo digno, sobretudo, de occupar as attenções da illustrada Assembleia que tem tido a paciencia de me escutar. Creio, porem, que a opportunidade de o tratar largamente ha de chegar, e então não faltarei ao cumprimento dos meus deveres.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Tenho de fazer á Assembleia a seguinte communicação: fui procurado por uma commissão de operarios corticeiros, a qual me entregou uma representação que está sobre a mesa.

Consulto a Assembleia sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

A Assembleia resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tenham alguns papeis a mandar para a mesa podem enviá-los.

O Sr. Americo Olavo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Tendo o Diario do Governo de 27 de março de 1911 publicado a portaria de 22 do mesmo mês que ordenava uma "rigorosa syndicancia á Biblioteca Nacional de Lisboa e Archivos Nacionaes, inquirindo do modo como teem funccionado, de sua administração e bem assim da assiduidade do respectivo pessoal", e não tendo até hoje o mesmo Diario publicado o resultado d'essa syndicancia, requeiro que pelo Ministerio do Interior se faça essa publicação a exemplo do que se tem feito com o resultado de outras syndicancias. = O Deputado, Americo Olavo.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio de Sousa Junior: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me seja enviada copia autentica do telegramma no qual o Exmo. Ministro convidou, em nome do Governo Provisorio, o director da Escola Medica do Porto para representar o mesmo Governo no congresso da China contra a peste.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 7 de julho de 1911. = Antonio Joaquim de Sousa Junior, Deputado pelo circulo n.° 51.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Ferreira da Fonseca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Fomento me sejam enviados os seguintes documentos:

1.° Copia de qualquer proposta apresentada para a construcção da linha ferrea de Villa Franca das Naves á Régua.

2.° Nota, do orçamento total d'esta linha.

3.° Nota das obras já realizadas e das respectivas despesas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 7 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 22, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca:

Mandou-se expedir.

O Sr. Pires de Campos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me seja enviada copia do relatorio da syndicancia feita á Administração e Direcção do Hospital das Caldas da Rainha D. Leonor (Caldas da Rainha).

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 7 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 30, G. Pires de Campos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Carlos Calixto: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me seja enviada uma relação dos professores de gymnastica em exercicio nos lyceus ou em quaesquer escolas officiaes do país, com a data da sua nomeação, nota dos seus vencimentos, das suas habilitações technicas e de ordem geral, e do estabelecimento de ensino onde estão exercendo as suas funcções.

Mais requeiro que pelo referido Ministerio me seja enviado:

Copia de quaesquer relatorios que os mesmos professores tenham enviado ás instancias competentes sobre os seus methodos de ensino ou aproveitamento dos seus alumnos.

Copia do relatorio do professor Antonio Martins sobre a sua missão official de estudo á Suecia.

Lisboa, em 7 de julho de 1911. = O Deputado, Carlos Calixto.

Mandou-se expedir.

O Sr. Manuel Bravo: - Envio para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, me seja enviada com a maxima urgencia uma nota circunstanciada do numero de associações cultuaes que se formaram no país, de harmonia com a lei respectiva, e as localidades em que ellas se formaram.

Requeiro mais que nessa nota se diga o dia em que deram entrada no Ministerio as necessarias participações de organização d'essas associações cultuaes.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 7 de julho de 1911. = Manuel Bravo.

Requeiro que pelo Ministerio das Finanças me seja enviada, com a maior brevidade, copia dos processos de descaminho de direitos de toros de pinho da firma Pinto Bastos & Ca. e outros, processos que devem estar affectos á Alfandega de Lisboa.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 7 de julho de 1911. = Manuel Bravo.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Innocencio Camacho: - Mando para & mesa o projecto de lei annunciado em uma das anteriores sessões, confirmando todas as promoções feitas pelo Governo Provisorio da Republica para galardoar serviços prestados á Patria na revolução de 5 de outubro, que determinou a proclamação da Republisa, e concedendo a Gran Cruz da Torre e Espada, com a pensão annual e vitalicia de 1:200$000 réis, aos seguintes officiaes: Antonio Ladislau Parreira, José Carlos da Maia, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Anibal de Sonsa Dias, Tito Augusto de Moraes, João Mendes Cabeçadas Junior, Henrique da Costa Gomes, e Mariano Martins; o Grande Officialato da mesma Ordem, com a pensão annual e vitalicia de 900$000 réis, aos seguintes: João Fiel Stockler, Silva Araujo, Antonio Pires Pereira Junior, Camacho Brandão; o Officialato da mesma Ordem, com a pensão annual e vitalicia de 200$000 réis, a todos os sargentos promovidos a officiaes pela revolução; e o grau de Cavaleiro da mesma Ordem, com a pensão annual e vitalicia de 150$000 réis, ao aspirante Adolfo Trindade.

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O Sr. Presidente: - Este projecto, como determina o Regimento, vae ser publicado no Diario do Governo. (Pausa). Entramos na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 3 (Constituição)

O Sr. José de Castro: - Sr. Presidente: meus illustres colegas, agradeço antes de tudo, muito reconhecido, a deferencia, a delicadeza que teve para mim a Camara.

Vozes: - Mais alto, mais alto, não se houve bem.

O Orador: - A minha idade já não me consente que eu me exprima num tem mais alto do que o estou fazendo. Se, porventura, a camara não me puder ouvir, tenho de renunciar á palavra, pedindo ao mesmo tempo desculpa de não acceder ao seu desejo, como seria minha Vontade, mas os annos não m'o permittem... pois não chegaria ao fim, se quisesse levantar a voz.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Mas renovo os meus agradecimentos á Camara, que pelos seus nobres sentimentos de bondade imaginou que pelo facto de eu ser advogado devia effectivamente saber muito de direito publico e poderia fazer uma Constituição tão completa quanto possivel.

Pelo que ouvi aos illustres oradores que me precederam já V. Exas. vêem que pala minha parte não havia essa sabedoria, pois todos esses oradores teem notado muitas faltas, muitos defeitos no projecto em discussão. É pois certo que eu sou cumplice dos crimes dos meus collegas.

Mas devo dizer a V. Exas. que por muita vontade e bom desejo que eu e os meus illustres collegas tivesse-mos de satisfazer os desejos da Camara e da comrnissão nunca se podia fazer obra perfeita. Uma das difficuldades vem da parte da Camara, da parte do publico e da parte da imprensa que appareceu exigindo e desejando que a commissão desse conta dos seus trabalhos em cinco ou seis dias.

Para se fazer um trabalho completo seria preciso compulsar as Constituições de todos os países civilizados, mas isso não seria trabalho para dois ou seis dias, mas sim para vinte, trinta ou quarenta. De forma que o que se fez por tê-lo sido em tão pequeno espaço de tempo, é não só da responsabilidade da commissào, mas tambem da Camara e da imprensa.

A meu ver para que se fizesse um trabalho consciencioso deveriam estabelecer-se bases para esse mesmo trabalho: deveria previamente assentar-se se a Republica deveria ser directorial, parlamentar ou presidencial.

Parece me que nesta altura para evitar discussão mais longa e se ainda fosse occasião apresentavam-se propostas á commissão. Não se pode agradar a todo o mundo demais nas circunstancias que estamos.

Mas, emfim, nas circunstancias em que se encontra o país, que não são de um sossego completo e absoluto, que não são de uma pacificação de tal natureza que os nossos espiritos estejam sossegados ao ponto de nos não inquietar o estado social, por essa razão nós nos apressámos a fazer este trabalho, posto que incompleto e até certo ponto um pouco contraditorio.

Sr. Presidente, devo dizer que os meus ideaes com respeito á Constituição republicana foram expressos no jornal O Seculo, que ahi correu mundo. Eram muito simples. Eram aquelles que nós tinhamos advogado sempre na propaganda. Era uma Republica puramente democratica que se assemelhasse um pouco á da Suissa. Era uma Republica que teria um Presidente, mas um Presidente muito simples. Era uma Republica que saia da alma popular. Era uma Republica que vinha aqui depois escolher os seus Ministros, e os seus Ministros escolhiam o seu Presidente. Haveria só uma Camara. Nesse ponto não só íamos com as nossas tradições, mas iamos com as tradições e principios do partido republicano.

Mas devo dizer que, mal entrei no seio da commissão, eu reconheci que tinha de sacrificar os meus ideaes, não porque os meus companheiros, nobres e distinctos a todos os respeitos, não pensassem como eu, não porque fossem menos avançadas as suas ideias do que as minhas, mas porque todos reconhecemos que o nosso povo ainda não tem a alta comprehensão dos seus destinos, nem uma illustração correspondente a essa forma de governo.

Devo dizer a V. Exa. e á Camara que, ao fazermos este trabalho, tivemos um unico pensamento, um unico ideal: attender aos interesses da Patria.

O meu trabalho foi insignificante.

Houve quem trabalhasse muito mais. Talvez não devesse falar ainda nesta altura, não só porque não venho dizer cousas novas, mas ainda porque a commissão se compõe de outros cavalheiros, de outros nossos collegas, que estariam mais no caso de expor o assunto do que eu.

O primeiro a falar devia ser o Sr. Dr. Sebastião de Magalhães Lima, mas infelizmente S. Exa. está doente e não pode satisfazer este encargo.

Sinto profundamente a sua doença e certamente a Camara me acompanha neste sentimento. (Apoiados).

Faço votos por que S. Exa. em breve possa vir ás Camaras tomar ainda parte nos trabalhos da Constituição.

Mas por essa razão, porque elle não podia tomar o encargo de falar, a mim estava reservado vir fazê-lo, em segundo logar; e a commissão tambem, por alto sentimento patriotico, imaginara que seria melhor falar no fim.

Talvez fosse melhor, mas pareceu-me que, tendo falado o nosso primeiro orador português, o Dr. Alexandre Braga, e tendo falado o meu distincto collega, gloria do nosso foro, o Sr. Antonio Macieira, e tendo a honra de ser collega de ambos no foro, parecia descortesia e falta de consideração não tomar a palavra, não para combater os seus argumentos, mas para lhes dar a significação do meu respeito e da minha estima, respondendo lhes.

O illustre presidente da commissão, Sr. Correia de Lemos, com uma delicadeza propria do seu nobilissimo caracter (Apoiados), dignou-se fazer-me referencias na occasião em que fez a apresentação da commissão.

Agradeço muito reconhecido essa deferencia, mas ella não podia deixar de me agradar e de me sensibilizar por parte de um homem que é a honra da magistratura portuguesa (Apoiados), pelo seu saber e pela sua bondade. Pelo seu saber, é ver a maneira como expôs o pensamento da commissão, e quanto á sua honestidade, está o seu passado, as suas tradições, estão as comarcas onde tem sido juiz e juiz integerrimo a todos os respeitos.

Iniciaram o debate os Srs. Alexandre Braga e Antonio Macieira. Não podia o debate começar tão elevado como começou, honra para esta Assembleia e honra para o país.

Quando, lá fora, se lerem as palavras dos discursos proferidos por estes dois distinctos oradores, dir-se-ha que a Constituição foi discutida por homens de valor intellectual e superior que sabem perfeitamente discutir assuntos d'esta natureza. (Apoiados).

Foram talvez levados um pouco pela paixão, foram ambos levados por um sentimento certamente, de amor patrio, de amor pela Republica, mas talvez una pouco exagerados, porque apaixonadamente lhes pareceu que estava estabelecido seguir este ou outro systema, quando o pensamento da commissão não foi esse. Mas o que não deixa de existir é a admiração que o país deve ter por ver que a

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Constituição começou por ser combatida por homens de valor e de merecimento como os que iniciaram o debate. E este facto ha de ser d'aqui a annos de um alto valor historico como historicas ficaram sendo as paginas da Camara de 1822. Ver-se ha que esses dois homens são perfeitamente a traducção dos caracteres levantados dos que ergueram aqui a sua voz e que tão bera defenderam o nome e a honra do país. Dir-se-ha que souberam perfeitamente traduzir o pensamento d'esta Assembleia e ser como aquellas figuras lendarias que foram a honra da Camara de 1820.

O Sr. Dr. Alexandre Braga começou por dizer que era preciso afastar qualquer espirito fantasista e feiticeiro, quer dizer, que é preciso que façamos um trabalho pratico e não um trabalho imaginario, fantasista, que assente sobre combinações que não sejam as que resultem propriamente da natureza especial do nosso modo de ser.

Eu já disse algures que a Constituição deve ser a expressão da tradição e ao mesmo tempo a expressão do progresso de uma dada civilização ou de um dado povo

Se ella não traduzir estes dois pensamentos, essa Constituição não seria a expressão do sentir do nosso povo (Apoiado), não traduziria a ideia do mesmo.

Ora qual é a tradição portuguesa? A meu ver, apesar da serie de acontecimentos despoticos que vieram quebrar a cadeia, indubitavelmente a nossa raça português? teve sempre em si o cunho mais caracteristico da democracia; a alma portuguesa é profundamente democratica Eu não conheço povo nenhum no mundo, onde os penduricalhos e as commendas sejam menos admiradas.

Eu não conheço povo onde a simplicidade se una mais intimamente á intelligencia, á modéstia, á sobriedade e a todas as qualidades que podem distinguir os povos.

Eu não creio, que haja raça superior a esta que seja capaz de praticar actos como os que temos praticado; e não ha, certamente, na Historia, facto que se possa assemelhar ao de 5 de outubro. Só esse por si era sufficiente para indicar, dar a nota do caracter d'esta raça especial, raça de bondade, capaz de amar, capaz de odiar, até o ponto de sacrificar a sua propria vida para defender a sua Patria, o seu lar.

Vozes: - Muito bem.

E depois, quanto a povo progressivo ou quanto a tendencia progressiva não ha maior. Eu tenho viajado pouco, mas no pouco que Tenho viajado tenho comparado o nosso homem do povo, vulgar, com o homem vulgar espanhol, francês e italiano, e tenho notado que o espirito do nosso trabalhador, mesmo quando não sabe ler nem escrever, é superior ao dos outros que sabem ler e escrever. É uma raça sui generis; e porque é uma raça suigeneris, eu queria que a Constituição fosse a tradução da sua alma; mas queria, desejava. Muitas vezes porem, os nossos desejos não correspondem, ou antes os factos não podem corresponder aos nossos desejos, isto é, uma aspiração, um sonho, uma fantasia, d'essas fantasias a que se referiu o Sr. Dr. Alexandre Braga quando dizia que isto não devia ser uma fantasia de feiticeiro. E não deve; deve ser uma realidade mesmo o podermos encontrar no seio da Nação Portuguesa alguma cousa de util, de necessario, de essencial, que deve fazer parte da nossa Constituição. E depois, dizia elle, não deve ser de afogadilho. Não; concordo absolutamente: ampla liberdade, que todos discutam, que o povo saiba, que o país reconheça, que o país ouça as nossas palavras e que nós procuremos por todos os meios fazer uma obra, senão maravilhosa, pelo menos respeitavel, para que ao menos se diga que nós empregamos o melhor do nosso trabalho em fazer uma obra que deve ser a base fundamental de toda a nossa vida social e da nossa legislação.

Disse o Sr. Dr. Alexandre Braga que a Republica devia ser presidencial e devia ter duas Camaras, que isto já está, por assim dizer, assente.

Salvo o devido respeito, ainda não vi nesta Assembleia nem nos jornaes fixado de vez este ponto, porque este ponto não pode realmente ser fixado lá fora. Ha de ser fixado aqui. (Apoiados). Portanto, não se pode dizer que está assente que a Republica deve ser presidencial e que deve ter duas Camaras.

Disseram tambem que nós tinhamos trocado os nomes ás Camaras. Effectivamente talvez haja alguma razão para reparos, porque bem se podia chamar lhes Camara dos Deputados e Camara dos Pares; o Senado tambem tem recordações realengas e eu devo dizer que, no seio da commissão, disse que me parecia melhor chamar-lhe, e isto vae como emenda, em vez de Conselho dos Municipios, Conselho Nacional. Parece-me que podia ser.

Falou-se ainda em vantagens do regime presidencial. Eu sou absolutamente contrario a tudo que significa cercear as regalias parlamentares (Apoiados) e contra presidentes e, muito mais, quando esses presidentes querem absorver todos os poderes da nação. (Apoiados).

O presidente que a commissão quer, tão simples e modesto e ao mesmo tempo tão barato (Risos) parece-me que é o presidente que nos convem. Porque, qual é a situação do país? Como tem sido este país? Este país tem sido sempre modesto (Apoiados). Qual é a situação em que nos encontramos? A nossa situação, não digo que seja péssima, mas, emfim, não é d'aquellas que nos dê logar a dar dinheiro a rodo e á larga. Portanto, este presidente satisfazia os que queriam um presidente e ao mesmo tempo satisfazia áquelles que querem um presidente barato. Mas dizem que é pequena a dotação de 18:000$000 réis? Não sei, mas, francamente, nos termos em que está redigido o projecto dão-se lhe 12:000$000 réis e mais 6:000$000 réis para despesas normaes e estas despesas podem transformar-se em 60, 70 ou 80 contos de réis.

Sr. Presidente, em bem sei que o povo rude e ignorante, o povo que vive fora de Lisboa, que vive na provincia, nas serras, ama, estima e admira estas illusões, estes vestuarios, estas fardas com muitos dourados. Bem sei isso, mas é preciso que nós ensinemos a esse povo que essas entidades não valem mais do que elle. (Apoiados). E preciso dizer-lhe que esses individuos, que se cobrem, com europeis, não são mais do que entidades insignificantes, a quem muitas vezes falta um merito apreciavel.

É preciso que digamos que isso custa muito dinheiro e que esse dinheiro sae dos bolsos do povo, e em face da miseria tamanha com que luta o desgraçado operario, quer das fabricas, quer dos campos, não se deve abusar da situação para dar largos ordenados ao Presidente.

Disse se que este ordenado era inferior ao do grande commissario de Moçambique. Cumpre me dizer que a commissão não se lembrou d'esse grande commissario, ou de outro qualquer empregado, nem isso tem importancia. Esta determinação não é de natureza que não possa ser modificada amanhã.

Devo tambem dizer que succede na Suissa cousa digna de nota. O Presidente ganha 4 contos de réis e o Ministro representante d'esse país numa outra nação ganha 14 e 15 contos de réis.

Mas porque é isso? É porque o Presidente pode viver modestamente e os Ministros que vivem nas grandes cidades onde se encontram como representantes teem que fazer grandes despesas.

Este facto é positivamente verdadeiro, e ainda ha pouco a lei com um amigo que lá esteve como nosso Ministro me disse que era assim.

Portanto bem pode o nosso Presidente ter esse vencimento e um nosso Ministro receber quantia maior, pois pode ser obrigado a fazer mais despesas que o Presidente.

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Ha um ponto em que discordo, como a commissão tambem discordou, e é aquelle a que se referiu o Sr. Alexandre Braga, dizendo que o Presidente devia ter a faculdade de dissolver o Parlamento; e que se atacasse as regalias da Nação ella se defenderia.

Dar ao Presidente o papel de dissolver as Camaras não pode ser. Quanto isso tem de assombroso e perigoso todos o comprehendem.

Como podia o Presidente ter na mão a dissolução do Parlamento, quando nós tivemos o cuidado de estabelecer e determinar que elle se reuna por direito proprio? Não pode ser.

O facto da Nação se levantar contra a dissolução do Parlamento não é tão facil como parece. Poderá o povo querer revoltar-se, mas pode haver difficuldades e nós devemos evitar d'esses desregramentos.

O povo precisa descansar, e é preciso que uma vez terminado esse acontecimento, essa infamia d'esse homem que se chama Couceiro, todos nós possamos descansar e trabalhar, entregando-nos ás nossas profissões, porque não podemos estar constantemente preoccupados com preparativos para a luta. (Apoiados).

E, felizmente, o povo está preparado para a luta. Felizmente o povo ao ver passar as tropas, cobre-as de vivas enthusiasticos, mostrando bem a vontade de seguir com os seus irmãos que vão para a fronteira defender a Patria Portuguesa.

É, pois, preciso evitar que os factos - não digo d'esta natureza, porque estes jamais se repetirão - mas aquelles que se podiam dar de um Presidente dissolver a Camara sem motivos sufficientemente justificados se dêem, afastando-se assim a intervenção popular que daria logar a graves perigos.

Disse-se que os Ministros não deviam comparecer perante o Parlamento, e logo se respondeu que essa innovação era offensiva do caracter português.

Ora, quando foi apresentado na commissão este alvitre, eu confesso francamente que exclamei: Magnifico. E uma cousa excellente porque vae evitar de futuro - como já hontem o declarou o Sr. presidente da commissão - as touradas parlamentares.

Vozes: - Oxalá que não! Oxalá que não!

O Orador: - Eu bem sei que as figuras dos Ministros ficam apagadas. Eu bem sei que não apparecem mais estas figuras brilhantes, que vêem aqui fazer discursos de primeira ordem que espantam as multidões, e tomam attitudes quasi divinas quando falam.

Eu sei isso; mas tambem devo dizer que ha muitos homens que podem ser explendidos Ministros e não são capazes de dizer duas palavras.

A meu ver, os grandes espiritos, os grandes talentos muitas vezes podem esconder na sua forma, na sua eloquencia, grandes falsidades.

Muitas vezes acontece que os homens de talento, tão brilhantes e suggestivos na forma, tão extraordinarios na maneira de expor, possuem ideias falsas que elles querem transmittir aos outros, cujas ideias são por tal forma buriladas, tão cheias de calor e tão cobertas de dourados, que passam para o publico como realidades, quando, finalmente, não passam de uma cousa falsa, falsissima!

Homens de merecimento que não falam ha muitos, muitissimos.

Nós tivemos o nosso Alexandre Herculano, que certamente ninguem duvidará de que elle era um talento de primeira grandeza! Um homem de alto valor e um grandissimo espirito era Sampaio, da Revolução, e elle falava com dificuldade!

E quantos outros, assim?

Parece-me, portanto, que, por este lado, se porventura os Ministros comparecerem na Camara, só a isso devem ser obrigados a exigencia da Camara ou de qualquer Deputado.

Mas sem essa obrigação, estar aqui a perder tempo...

Uma voz: - Perder tempo, não, porque estamos agora a ouvir V. Exa.

O Orador: - Por mim não valia a pena. Se houvesse simplesmente tempo para tratar de todos os assuntos ministeriaes, talvez como passatempo valesse a pena vir á Camara. De resto, não.

Ora, francamente, havendo uma quantidade enorme de serviço, de trabalho, nos differentes Ministerios, é quasi impossivel aos Ministros terem de assistir ás sessões. Eu que já tenho entrado nos Ministerios, tenho visto a accumulação de trabalho que ahi existe e a preoccupação dos Ministros naquella turba-multa de negocios e de pessoas. Nestas circunstancias a Assembleia verá se convem ou não convem que os Ministros venham á Camara.

Eu entendo que não é necessario; e recordo que se dez ou onze Ministros cairem de um momento para o outro, lá porque não sabem ou não podem responder com aquella grandeza, intelligencia e eloquencia da parte das opposição, não é racional, nem logico desperdiçar homens de valor só porque não são oradores parlamentares.

Disse-se tambem que a commissão copiou, sem mesmo alterar a sua redacção, a Constituição Brasileira, como tambem tinha copiado as Constituições de 1822 e 1836. Devo dizer, que, com effeito a commissão, tendo de apresentar os seus trabalhos num prazo relativamente curto, teve de tirar d'estas Constituições e d'aquella, aquillo que entendeu necessario para formar um corpo de doutrina para discutir, mas, não copiou como poderia parecer, apenas transportou e, em tão pouco tempo, não se poderia fazer melhor. De mais, a Constituição de 1822 foi a traducção completa da Constituição de Cadiz; não foi portanto original; como a Constituição de 1838 foi quasi a reproducção da de 1822 e como todas as Constituições de todos os povos modernos são quasi reproducções de umas das outras.

Para se fazer uma Constituição original para a Nação Portuguesa seriam precisos, pelo menos, dois annos, o tempo indispensavel para se colherem elementos na legislação patria, na historia portuguesa, na literatura, emfim, numa infinidade de fontes que demorariam a sua apresentação, e o facto é que a Assembleia, marcou á commissão um prazo maximo de seis dias para a apresentação do trabalho que lhe foi entregue. É possivel que o não creiam, mas, a commissão trabalhou durante longuissimos horas. Repito, não ha duvida que a commissão, aproveitou o que havia de util na Constituição de 1822; transportou o que havia de vantajoso na Constituição Brasileira para o seu trabalho, assim como d'esta Constituição tambem os legisladores apresentaram elementos para a Carta Constitucional de 1826. A Constituição Brasileira tambem se baseou na americana.

Isto é: em todas as Constituições se encontram elementos colhidos em outras.

Quanto á segunda Camara, a dos municipios, a commissão, entendeu, não sei se bem, se mal, dever organizá-la de forma a não produzir com a sua criação uma perturbação profunda no país, e em obediencia á nova organização dos municipios da lei administrativa do Sr. Jacinto Nunes.

Vae-se organizar o corpo municipal português como elle deve ser; temos portanto um ponto de apoio de primeira ordem para podermos realizar este pensamento.

Mas desde o momento em que os municipios estejam organizados e sejam autónomos e tenham vida propria, já não temos então esses taes municipios velhos, antigos, a respeito dos quaes o Sr. Eduardo Abreu dizia ha pouco que estavam fallidos. Estão, mas foi para isso que veio a

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Republica? Não. Viemos para fazer uma nova administração, para remediar esta situação quasi irremediavel em. que nos deixou a monarchia. Uma vez organizados os municipios, teremos um ponto de apoio para poder obter d'ali elementos que nos dessem eleitores capazes para eleger um conselho nacional. Poderá dizer-se: mas ha mais classes, a classe industrial, artistica, intellectual, etc.

Ha, mas o Sr. Alexandre Braga tinha dito anteriormente que os municipios estavam cheios de caciques que o mesmo é cheios, permitta-se-me a frase, de thalassas. Se assim é, se os municipios são assim, pergunto: e esses taes estabelecimentos, essas taes collectividades, não teem dentro de si estes thalassismos?

Parece-me que no momento actual não podemos ir procurar elementos onde possamos tirar a segunda camara senão nos municipios, quando organizados pela forma que devem ser.

Quanto ao Sr. Antonio Macieira, a commissão tem a agradecer-lhe a forma delicada e gentil como se lhe dirigiu, especialmente no ponto mm que diz que a commissão tinha feito questão aberta. Não podia fazer outra cousa desde o momento em que a Assembleia tenha encarregado a commissão de elaborar a Constituição, desde que não tinha dado pontos determinados para tratar. Não podia deixar de ser uma questão aberta, para a Assembleia poder discutir perfeitamente á sua vontade.

Por parte da commissão não se cumpriu mais de que um dever de cortesia, como não podia deixar de ter para com a Assembleia.

Depois, disse eu, falando a respeito do Sr. Alexandre Braga, que elle tinha notado que havia a reproducção de vinte artigos copiados do codigo brasileiro, mas a verdade é que esta afirmação de S. Exa. não é absolutamente tal como S. Exa. disse. O que eu disse foi que alguns artigos tinham sido tirados do Codigo da Republica do Brasil e que ella, por seu turno, tambem tinha tirado da Constituição Americana.

Não fomos tirar ao Brasil, fomos á America. Não pudemos fazer uma cousa nova, e o que fizemos novo é o que está expresso.

Apresentou uma proposta para o plano que deviam ter as materias na Constituição. S. Exa. deve saber, e a Camara tambem, que tratar de direito publico, não é o mesmo do que tratar de direito civil. No direito civil começa-se pelo homem, inevitavelmente. Eu já ouvi uma phrase latina que dá a razão d'este facto e é a seguinte: a natura hominis discenda est natura juris.

E esse o plano do nosso Codigo Civil. Mas a mim parece-me, salvo melhor opinião, que tratando-se de direito publico e de Constituição, a primeira cousa por onde se deve começar é pela soberania, depois da soberania vem o territorio, depois vem a divisão de poderes e, finalmente, vêem as garantias iudividuaes.

A maneira por que S Exa. quer collocar as materias é a dá Constituição Francesa. As constituições francesas traziam os direitos do homem no principio, mas a mim parece-me, salvo melhor opinião, que devemos fazer alteração num ponto e conservar-se a ordem que tem no nosso projecto; porque aqui não se começa a tratar do homem, começa-se a tratar do Estado, da sua soberania, da divisão ^dos poderes e condições especiaes d'estes para a organização de um mesmo Estado.

Uma voz: - Não ha estados sem homens.

O Orador: - Decerto, mas nesse caso para fazermos uma Constituição devemos começar antes pelo Codigo Civil.

Com relação aos outros pontos, ha uma que o meu collega Sr. Dr. Macieira se referiu, e a que não posso deixar de responder e é que nós tambem nos occupamos de minas, e que as minas estão regulamentadas por lei especial. De duas uma: ou nós estamos a fazer uma lei fundamental de onde hão de surgir as mais como consequencia d'ella, ou nós estamos a fazer uma lei que tem de apertar-se, aqui e acolá, com receio de que outras leis especiaes venham derogá-la. Não, nós estamos a fazer uma lei constitucional, e ha de ser feita por forma, e com tal amplitude, que dentro d'ella se comprehenda não só a vida civil, a vida commercial, mas toda a vida social.

De outra forma não teriamos Constituição.

Com relação a minas, deixe-me S. Exa. dizer: este assunto precisa estudado profundamente. (Apoiados).

É preciso que se destrua de fond en comble tudo o que existe a respeito de minas, porque a primeira cousa de que devemos tratar, é de ver se convem ou não que effectivamente a superficie do solo pertença ao proprietario e tudo mais ao Estado. E um ponto a estudar, é a forma italiana. A Camara, que tem largos espiritos, homens de larga instrucçao, de profundo saber, deve tomar em consideração este ponto, que é digno de estudo: se porventura ao proprietario deve pertencer, como tem pertencido, a superticie até ao interior da terra, ou se deve ser simplesmente a superticie e o resto pertencer ao Estado. Este ponto é de um grande alcance.

Não sei se tenho abusado da paciencia da Camara, mas entendo que não devo continuar, mesmo porque ha outros oradores que desejam tomar a palavra sobre o assunto: ha mesmo muitos oradores, e, felizmente, com muita satisfação o digo, porque desejo que este assunto seja debatido e tratado á altura que merece, porque nesta Camara estão os representantes de todas as forças vivas da nação, e todos abraçaram a Republica, não por interesses ou razões que não fossem o amor á sua Patria e á Liberdade.

O que precisamos é que por parte da Assembleia haja a convicção profunda de que a conimissão e os individuos que a compuseram não tiverão outro intuito que não fosse servir a Patria e mostrar aos collegas que recebemos o mandato com muita satisfação, mas com o receio de não poder realizar o pensamento que tinham em mente; e ao mesmo tempo mostrar que neste trabalho commum deve haver a maior serenidade, como é proprio dos espiritos de eleição, como são todos os nossos collegas, para que lá fora, onde chegam as nossas palavras, e neste momento todas as nações estão com os olhos e os ouvidos nesta casa, sejamos considerados como um país verdadeiramente civilizado.

Por isso, todos nós devemos querer fazer uma obra que honre a Patria e a Republica.

Tenho dito.

O Sr. Adriano Pimenta: - Sr. Presidente: cumprindo o que está preceituado no Regimento, mando para a mesa a seguinte moção que passo a ler.

(Leu).

Sr. Presidente: é para mim embaraçante tomar a palavra depois de a haverem usado tres jurisconsultos considerados por todos como talentos primaciaes do nosso foro.

Vieram a esta tribuna expor os preceitos da jurisprudencia e os conceitos da philosophia do direito; e eu, certamente, não os posso acompanhar nessa orientação, por que, sendo medico, desconheço, como é natural que desconheça, as teorias do direito moderno. Tomei, todavia, a palavra porque entendo que as leis, mormente uma lei d'esta natureza que interessa a nós todos e que a nós todos tem que servir, deve ter a cooperação de nós todos tambem.

Até aqui falaram os jurisconsultos.

É justo que por agora comecem a falar um pouco os representantes das outras classes que compõem o Parlamento.

Sr. Presidente: os medicos não podem, como disse, entrar propriamente na discussão dos principios de direito

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publico, não tendo a orientação juridica, nem os conhecimentos neccesarios para seguir esse caminho; mas podem trazer e trazem os conhecimentos que hajam colhido em varias leituras e sobretudo nas observações que tenham feito da vida e no meio em que vivem.

As leis fazem-se exactamente á custa d'esses factos de experiencia e de observação. E assim creio que os medicos podem contribuir para a formação da Constituição com o seu saber da experiencia, prestar assim um serviço e dar indicações que sejam uteis para fazer uma Constituição que se adapte ao povo português e com uma feição toda portuguesa.

Tomando a palavra, eu não tive de forma alguma o prurido de entrar na discussão da Constituição apenas na preoccupação exibicionista de me salientar nesta Camara. A minha vida tem sido modesta, vivendo no meu consultorio, no cuidado da minha tarefa profissional. Foi preciso que a Republica reclamasse, de alguma forma, a minha presença nas lutas e trabalhos necessarios á sua consolidação, para que deixasse essa modéstia da minha existencia e viesse comvosco trabalhar ou prestar alguma cooperação na obra da Republica, que é obra de todos nós.

Tomando a palavra, quis de certa forma accentuar tambem que é preciso, pondo de parte preoccupações de qualquer natureza, contrariar o intento de alguns em insinuar que a Constituição da Republica Portuguesa deva ser discutida e votada de afogadilho; porque isso não só representa uma offensa á illustre Camara Constituinte, mas significa, sobretudo, uma perversão do que deva ser o nosso dever, a nossa obrigação, neste momento.

O povo português que quer e ama a Republica está, positivamente, com os olhos postos nas Camaras Constituintes, e se alguma vez se disse e affirmou, para apressar a sua discussão, que o estrangeiro estava tambem com os olhos e ouvidos attentos ao que aqui se passava, é justo que á Nação e ao estrangeiro manifestemos todos que aqui vieram homens conscientes, com vontade de discutir, de estudar, de aperfeiçoar a lei pela qual a Republica Portuguesa tem de reger-se.

Posto isto, cumpre-me entrar propriamente na apreciação do projecto que foi apresentado pela commissão, dizendo qual o meu juizo a seu respeito.

E ainda bem que as declarações de alguns illustres membros d'essa commissão justificam a intervenção de todos nós para emendar e aperfeiçoar este projecto de lei. S. Exas. teem vindo affirmar á Camara que numa preoccupação de trabalhar de pressa, sob a pressão de uma necessidade que lhes pareceu urgente, cerziram, tanto quanto possivel, honestamente, um projecto sobre o qual incidisse apenas discussão d'esta Camara.

Desde o momento em que os membros da commissão, leal e espontaneamente, vêem fazer declarações d'esta ordem, estamos absolutamente á vontade, não para esfarrapar o projecto, porque não é esse e nosso intuito, mas para collaborar com esses novos collegas republicanos de sempre, trabalhadores e estudiosos, de forma que a Constituição seja o que de facto deve ser.

Sr. Presidente: disse se hontem, e affirmou se por quem o sabia e quem tinha estudado detidamente o projecto da Constituição, que elle era elaborado sobre a Constituição Brasileira. E absolutamente verdadeiro. E eu que comparei o projecto, quasi artigo por artigo, com essa Constituição, de facto reconheci que elle, na sua maxima parte e até na sequencia dos seus artigos mais importantes, é a copia fiel e quasi servil da Constituição Brasileira.

E de tal maneira se fez essa copia que nós poderemos e deveremos, em face d'este projecto de Constituição, manifestar o maximo respeito e consideração mais completo, por podermos affirmar que sobre elle já incidiu a votação de Camaras Constituintes de uma nação amiga.

Trazendo-o de novo para a discussão, elle apparece-nos com esse cunho tão familiar e sympathico, como se viesse uma parte da alma brasileira intervir na organização juridica da nossa Republica. Todavia devo dizê-lo, numa ou noutra parte, a Constituição Brasileira foi mutilada e truncada em algumas das suas principaes disposições e tambem se introduziu materia nova por um tal ou qual intuito de enxertia. Mas as operações de mutilação e enxerto não modificaram fundamentalmente nem a caracteristica nem a phisionomia que dão, estructuralmente, a este projecto, a phisionomia e o cunho da Constituição Brasileira.

Neste projecto de Constituição ha tres pontos que se pretende fazer passar por fundamentaes e que foram alterados ou mutilados. O primeiro é a eliminação do veto do Presidente da Republica, o segundo consiste em estabelecer que o poder executido é constituido, não pelo Presidente como na Constituição Brasileira, mas pelo Presidente e seus Ministros. E o terceiro, finalmente, e esse considera-o a commissão como uma innovação para modificar e corrigir os defeitos que, porventura, a Constituição Brasileira apresentasse, consiste em criar uma commissão, por meio da qual o Parlamento se pudesse entender com o poder executivo. Vejamos, porem, agora se com esses tres elementos perturbadores, digamos assim, das Constituições Americanas, se conseguiu uma modificação de tal modo profunda no projecto que elle possa deixar de ser o de uma Constituição de uma Republica presidencialista, para ser, como pretendem os membros da commissão, o de uma Republica de transição entre as formas presidencialistas e as formas parlamentares.

O veto, meus senhores, não é de forma alguma um fundamento essencial das Republicas presidencialistas. Ha Republicas presidencialistas na America - terra, de resto, privativa d'estas Constituições Republicanas, onde o veto não existe, e até, se bem me recordo, uma d'essas Republicas é precisamente a do Peru.

O Sr. Eduardo Abreu: - E a do Mexico.

O Orador: - Exactamente a do Mexico e a do Peru.

O Poder Executivo, meus senhores, parece ter sido um dos elementos ou um dos organismos que merecem á commissão cuidado especial.

Ainda não, ouvi dizer, é certo, a dentro d'esta sala provavelmente pelas péssimas condições acusticas, ou porque nenhum dos membros da commissão interveio a explicar-nos este ponto). Mas a verdade é que eu li uma affirmação qualquer, da responsabilidade de um dos illustres membros da commissão, de onde se deduzia que já não era propriamente uma Republica presidencialista a do projecto, visto que as funcções executivas não ficavam somente entregues ao Presidente, mas eram tambem outorgadas aos seus Ministros, que com aquelle constituiam o Poder Executivo.

Ora eu li, Sr. Presidente, os artigos correspondentes, neste projecto, ao Poder Executivo, e vi em verdade que esse poder é constituido pelo Chefe, que é o Presidente e pelos Ministros. Effectivamente diz o projecto:

"Art. 27.° O Poder Executivo é de delegação temporaria do Poder Legislativo. O chefe d'este poder exercerá a acção presidencial nas relações do Estado.

Art. 28.° O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da Republica e pelos Ministros do Interior, etc.".

E segue-se a enumeração dos Ministros que são nada menos de dez. Note a Camara.

Estabelecem-se logo dez Ministerios, cousa que será para pensar e estudar muito, quando tratarmos da questão propriamente na especialidade, porque muito curioso deverá ser o modo de arranjar dinheiro para tantos aumentos de despesa. (Apoiados). Mas adeante.

Parece, portanto, que pelos artigos que acabei de ler a

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funcção executiva está entregue, do facto, a estas entidades todas.

Pois muito bem. Nas attribuições do Poder Executivo eu encontro logo no artigo 38.° o seguinte:

"Compete privativamente ao Presidente da Republica, como chefe do Poder Executivo... (Seguem as suas attribuições)".

Ali diz-se privativamente, note bem a Camara, privativamente ao Presidente.

Ora na Republica Brasileira pertencem somente ao Presidente as funcções executivas. E eu tive a curiosidade de ir ver ao nosso projecto de Constituição quaes as attribuições executivas que a commissão tinha destinado aos Ministros, para que lhes coubessem tambem as responsabilidades a que ficam sujeitos por esta lei. O que achei foi que os Ministros não teem funcções algumas como poder executivo conferidas no projecto da Constituição. Estão apenas a servir o Presidente, como simples auxiliares, nas funcções publicas e alta administração. E não exercendo funcções effectivas do Governo não podem ter responsabilidades perante o Parlamento, onde, de resto, ninguem manda que elles venham. Mas o interessante é que não tendo, realmente, funcção alguma, especial, como Poder Executivo e não podendo dignamente exercer o poder na Republica, cabe-lhes, todavia e em qualquer caso todas as responsabilidades do poder e tanto que por semelhante Constituição estarão sempre aptos e sempre preparados a soffrer os ataques e penalidades que, por qualquer circunstancia, tenha de soffrer o Presidente. São uma especie, meus senhores, de cabeças de turco que se arranjou para que o Presidente da Republica Portuguesa possa arrastar a cruz dos seus peccados.

Ha finalmente o ultimo elemento que a commissão teve o cuidado de estabelecer, e que é precisamente o meio de que se serviu e com que marcou essa especie de transição entre as republicas presidenciaes e os regimes parlamentares.

Trata-se, nada mais, nada menos, do que a criação de uma commissão extraordinaria cujo exercicio é interessante, como medianeira entre o poder legislativo e o poder executivo.

A commissão lembrou-se de criar esta nova organização, para esbater um pouco o conflicto permanente entre os dois poderes, a que ha pouco me referi.

O Sr. José Barbosa (Interrompendo): - No projecto não existe tal commissão.

O Orador: - Permitta-me V. Exa. que eu continue, porque chegaremos a acordo.

O Sr. José Barbosa (Interrompendo): - Os Ministros entendem-se só com as commissões parlamentares.

O Orador: - Perdão. O projecto refere-se a commissão extraordinaria do Parlamento e porque pensava que com ella se pretendia introduzir as funcções dos Comités Americanos, eu ia precisamente a notar que o projecto nada registava sobre as suas attribuições. Mas está bem. É assim um argumento a menos que eu tenho a rebater.

Não tenho a menor duvida em pôr ponto ás considerações que tencionava apresentar, referentes ao facto a que V. Exa. alludiu.

No projecto diz-se. (Leu).

Tenho notado que se attribue uma grandissima importancia á commissão extraordinaria e interessante que vem no Parlamento substituir o poder executivo.

Imagine-se que essa commissão extraordinaria exerce as funcções representativas dos Comités dos Estados Unidos; mas a verdade o que ella tem as suas funcções marcadas na Constituição.

Meus senhores. Apesar de todas as modificações que tenho apontado e que a commissão estabeleceu no fim de differenciar um pouco este projecto da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, não encontro motivo ou razão pela qual possamos crer que a Constituição que se nos offerece ao nosso estudo não seja a de uma Republica Presidencial.

As modificações que noto são tão minimas que o mesmo é que não existissem.

Ageitar-se-hia uma tal Constituição ao genio português, todas as caracteristicas tão differentes dos dois povos.

A commissão, no seu projecto, teve o intuito de nos doar com uma nova formula que melhor servisse ao jogo dos poderes da nossa organização republicana. E certamente que para isso devem ter imperado no seu espirito razões superiores e nem mesmo se concebe que esses motivos não existissem a determiná-la, dados o nosso feitio, o nosso genio, o nosso temperamento, e sobretudo a nossa educação politica.

Convem saber que razões houve a propor para nosso uso uma Constituição que não tem raizes na nossa tradicção nem nos nossos habitos.

De certo que a commissão teve razoes poderosas a determiná-la, tanto mais que ninguem desconhece a boa vontade que pôs na execução do mandato que lhe fora confiado.

Eu não vi, Sr. Presidente, que as Constituições ou as Republicas Presidencialistas existam de facto e de direito em outros países que não sejam os países americanos.

As Constituições ou as Republicas Presidencialistas, que são privativas das Americas, foram implantadas ali, foram estabelecidas ali pela primeira vez, quando se tratou de dar forma a um país novo como era os Estados Unidos da America do Norte.

Uma das observações que me permitte fazer á Camara que as Republicas Presidencialistas representam ou traduzem precisamente organismos politicos de Estados novos onde ainda se não tinha estabelecido ou differenciado bem o caracter de raça. E, assim, nós vamos encontrá-las na America do Norte implantada ha um seculo num país onde ha raças diflferentes, sem uma estructura que lhe desse o caracter de um povo homogeneo com o seu espirito, com a sua alma nacional. Nos encontramo-las nas Republicas do Sul, espano-americanas, em todos os países de emigração, onde não é possivel descobrir de forma alguma a caracteristica ainda de uma raça bem marcada nas suas linhas, com a feição rigorosamente nacional.

Vamos encontrá-la no Brasil, que é tambem um poderoso Estado, nação que merece todo o nosso respeito, é certo, mas do qual temos que dizer esta verdade sociológica.

O Brasil é uma nação onde ainda hoje não exista um povo homogeneo, com a sua caracteristica nacional, com a sua alma de raça.

Portanto, meus senhores, uma das observações importantes para a historia do regime presidencialista é que elle se implantou precisamente nos povos de nova formação, onde ainda se não constituiu a caracteristica, nem se vincou o genio de uma raça differenciada.

Quero agora perguntar se porventura sobre este aspecto nós podemos igualmente applicar uma tal Constituição Politica a Portugal, onde a alma nacional está bem vincada dentro do nosso caracter, dentro da nossa physionomia, bem definida, e onde nada ha a justificar a conveniencia do regime presidencial.

O que lá se passa onde o regime presidencialista existe ainda como lei constitucional não vale a pena referir nem é agora a opporturiidade de lhe fazer a historia.

V. Exas. sabem o que succede todos os dias nessas Republicas da America do sul; conflictos graves entre o Poder Executivo e Poder Legislativo, que se não resolvem

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apenas com tempestades parlamentares, mas que liquidam na rua violentamente.

E que, meus senhores, o regime presidencialista é o caminho mais direito para a ditadura e para a tyrannia. O regime presidencialista está absolutamente ao acaso de circunstancias especiaes de raça ou da fortuna especial do homem.

No dia em que o funccionamento d'essas nações em que um homem cheio de força, de intensa força, de espirito dominador, encontrou um povo enfraquecido e sem resistencia.

O regime presidencialista, com a separação absoluta dos poderes, tem, pela propria ausencia dos Ministros dentro das assembleias legislativas, o condão de afastar da vida politica as tempestades parlamentares, ataques violentos ao Poder Executivo. Mas se as lutas apaixonadas se não desencadeiam nos Parlamentos, estalam tantas vezes na praça publica, em detrimento da nação e com prejuizo das instituições. (Apoiados).

E isto o que se dá nas Republicas unitarias da America do Sul. Porque outro tanto não succede, pelo menos com suas caracteristicas, na Republica dos Estados do Norte e na do Brasil?

Meus senhores: o regime presidencial ainda se comprehende em nações, cujo povo como o norte americano é dotado de um temperamento particular que lhe garante uma certa serenidade na sua vida collectiva.

Mas ha ainda a notar que, na America do Norte, ha tambem um elemento de correcção importante ás suas instituições.

Criou-se ali um organismo novo, que de tal modo modifica a separação dos poderes, que um publicista lhe chamou um Parlamento á porta-fechada.

O conflicto, constante e persistente que ameaça estalar entre os dois poderes, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, foi modificado, em certas condições, por uns comités parlamentares que se organizaram fora de quaesquer disposições da Constituição d'aquelle país.

O povo americano, com um admiravel bom desejo, com que procura assegurar a sua vida economica e progressiva, e reconhecendo que a separação violenta dos dois poderes, o Legislativo e o Executivo, com um elemento constante de perturbações, estabeleceu um comité que se entendia directamente com o Poder Executivo.

Certas condições, porem, não se encontrara realizadas na Republica Brasileira, e é justo indagar os motivos ou as razões porque nellas ainda se não deu de ha vinte annos nenhum conflicto, que era natural que se estabelecesse por essa separação de poderes, attentos os vicios do regime e o caracter do povo brasileiro.

E não se deu, meus senhores, porque,, como muito bem disse um Deputado que me interrompeu, um dos correctivos mais intensos de regime presidencialista é a federação dos Estados que embaraça qualquer Presidente a assumir a ditadura.

Esses Estados independentes, com interesses e feição peculiares, são organizações tão conscientes da sua vontade, dos seus deveres, que é cousa difficil, em todo o caso, que se constituam e façam ditadores com a mesma facilidade com que se fazem em outros países unitarios.

Eu ouvi algures que o projecto da Constituição, apresentado pela commissão a esta Assembleia, era propriamente não um projecto ou uma Constituição de transacção, mas um projecto ou uma Constituição de transição. Eu comprehendo que se façam Constituições de transição dentro do regime presidencialista.

Comprehendo que se estabeleça uma Constituição de transição para a America do Norte ou mesmo para o Brasil e outras republicas presidenciaes. Mas não comprehendo um regime de transição num país que tem todas as tradições parlamentares; num país onde mal se ageita e mal cabe um Presidente com taes poderes, num país, finalmente, onde a tendencia de todos nós é, precisamente, para a ditadura.

Não se imagina, meus senhores, eu tenho a coragem de dizer, não se imagine que as ditaduras que lançaram este país na situação ruinosa em que elle se encontrou em 5 de outubro foram simplesmente uma consequencia do regime monarchico. Foram, é preciso dizê-lo com franqueza e lealdade, porque essa franqueza e lealdade obrigam-nos de alguma forma a corrigir o nosso vicio politico, foram o producto tambem d'esta tendencia impulsiva para a ditadura, a que somos levados pelo nosso temperamento e como é proprio dos povos latinos.

Sr. Presidente: está dito por muitos sociólogos que os povos latinos, tão amigos da liberdade, teem comtudo dentro da sua alma e do seu espirito esta necessidade quasi irreductivel de abusar do poder.

É de uma immoralidade que nós vamos fazer uma Constituição que é um convite, entre aquelles que se julguem com folgo e força para tanto, á ditadura que nos ha de perturbar a vida interna e na vida externa da nação.

Meus senhores, accusa-se o regime parlamentar, sobre tudo por criar clientelas que vão ser outros tantos bandos organizados, mettendo as mãos nos cofres do Thesouro Publico.

Não ha motivo, de facto, para o negar.

O regime parlamentar, ainda nas nações mais civilizadas, mesmo como a França, não pode vencer esse defeito e erros do parlamentarismo. Mas o que se não pode negar ao parlamentarismo, o que se tem de confessar aberta e claramente, é que o parlamentarismo tem uma virtude como nenhuma outra; essa virtude consiste na fiscalização corajosa e constante sobre a moralidade do Estado e dos homens publicos que nos governam.

É das tradições d'esta casa, meus senhores, e é bem sabido que, num Parlamento constituido por homens ligados ou amarrados á corrupção de um regime, bastaram simplesmente 5 ou 6 homens justos e bons, falando a linguagem da verdade para iniciar neste Parlamento a obra redemptora que terminou em 5 de outubro.

Nós sabemos que bastaram 5 ou 6 republicanos honrados e bons, aqui no Parlamento, guiados pela verdade e pela justiça, para encher de pavor o bando que de mãos dadas com os governos nos explorava e a monarchia que deshonrava a Patria Portuguesa.

Bastaram estes exemplos e estes simples motivos da nossa propria vida parlamentar para justificar a necessidade de continuar com um Parlamento que tem tradições honrosas em Portugal.

O regime presidencial é de tal maneira uma tentação constante á ditadura, que é um facto interessante ver nas nações da America do Sul, que muitas das suas Republicas, para corrigirem tambem um pouco essa separação absoluta de poderes, criaram uma commissão extraordinaria e interparlamentar, que se mantem com todos os poderes do Parlamento junto do Poder Executivo e até com a prerogativa de poder convocar a Assembleia legistativa quando assim o entender a salvação publica.

Pois, meus senhores, apesar de todas estas garantias, de todos estes elementos de que aquelles povos se servem já, para se defender do regime que é causa de tantas perturbações, nunca conseguiram modificar e arredar da sua vida politica as insurreições successivas que a todo o momento vem soffrendo.

Senhores: pondo de parte ou acabando aqui as minhas considerações relativamente ao regime presidencial, entendo que a Camara, antes de votar ou antes de se pronunciar por um d'estes regimes republicanos, muito tem que pensar e estudar, porque precisamos de saber se porventura, contra o nosso temperamento, contra a nossa falta de educação civica, porque ainda a temos dentro do nosso povo, nos devemos arriscar a uma aprendizagem de Republica Presidencial.

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E pensemos se melhor será soffrer na nossa nova vida politica essas tempestades parlamentares, ou se havemos de preparar o terreno necessario á Republica de forma que, calando-se o Parlamento, comece a falar a praça publica.

Sr. Presidente e meus senhores: um outro orgão do poder, affirmado nesta Constituição é o Poder Legislativo.

A commissão entendeu dever estabelecer a divisão do Poder Legislativo em duas secções: Conselho Nacional e Conselho dos Municipios.

Eu, meus senhores, quando vi estabelecida esta funcção do Conselho dos Municipios, devo dizer a V. Exas. que pressurosamente fui ler e procurar dentro d'este projecto alguma indicação que me affirmasse a vontade de fazer reviver dentro de Portugal essa instituição que é essencialmente portuguesa, á qual devemos talvez o nosso caracter de liberdade e que foi a autonomia do concelho, o municipalismo nacional. E alegrei-me por julgar que se ia affirmar esse principio que é necessario para o melhoramento material e moral do nosso país.

Fui ver se a criação d'esse Conselho de Municipios em Portugal correspondia aos termos que esta Constituição parece impor, mas não encontrei senão o artigo 61.°, tão vago, que é quasi uma desillusão. Compare-se com a artigo da Constituição Brasileira e veja-se a enorme differença do modo como se estabelece essa obrigação. Emquanto no projecto apparecem tantas circunstancias a condicionar a autonomia local, na Constituição Brasileira está redigida sem outro cuidado que não seja principalmente estabelecer no Brasil á vida municipal.

Desde que o Conselho dos Municipios não é, nem pode ser nas circunstancias actuaes, uma organização que derive da autonomia municipal, porque se lhe não chamou antes Senado, denominação commum a tantos Estados? Que repugnancia foi a da commissão contra a designação de Senado? denominação tão nossa conhecida, tão pronto no dizer-se, emquanto que a outra é tão pouco propria á nossa lingua que correcta, não imprimindo, de resto, nada que faça lembrar a nossa actual vida municipal.

Como quer que seja concordo com a existencia das duas Camaras que mutuamente se corrigem.

A soberania é una e indivisivel. Com as duas Camaras não se divide, mas antes se completa, corrigindo-se os defeitos.

A commissão não attendeu bem á organização do Poder Legislativo de forma a fazer entrar na representação nacional.

Os delegados das collectividades organizadas viriam tornar mais perfeita a representação nacional.

Porque?

Porque a representação das classes determinaria no seio do Congresso a representação tão necessaria de todas as forças vivas da nação. Do suffragio, em geral, saem para o Parlamento os nomes dos homens que dia a dia a dentro da politica são aquelles que, se não fazem vida da politica, teem em todo o caso como funcção essencial da sua existencia viverem com a politica do seu país. Teem grandes qualidades, mas teem tambem grandes defeitos e por si sós não podem ser a expressão da representação nacional.

E preciso que vamos buscar para o nosso Poder Legislativo outros elementos que não sejam os saidos simplesmente do suffragio proposto e que venham completar a representação da soberania nacional.

O Senado deve ser composto dos representantes das classes e a Espanha já assim o comprehendeu.

Sabe-se que na Constituição Espanhola já ha para o seu Senado a obrigação da representação de muitas classes.

Nós, que estamos fazendo uma Constituição que deve registar todos os principios modernos do direito, porque não havemos de introduzir na nova organização politica os elementos que, não brigando de forma alguma com o nosso temperamento e com o nosso feitio nacional, devem contribuir para o levantamento moral e material do nosso país.

Não quero alongar este meu discurso para poupar a attenção da Assembleia.

Vou, portanto, terminar, lembrando comtudo á Assembleia que é absoluta a necessidade de estudar, de ver, de considerar bem todos estes graves problemas.

Em primeiro logar, pondere bem a Camara as conveniencias ou inconveniencias do regime presidencialista; em segundo logar, deve-se curar um pouco de estabelecer, dentro da Constituição, condições que melhor assegurem a representação nacional. Finalmente, marquem-se nesta Constituição as necessarias condições precisas á descentralização politica e administrativa, de forma que Portugal nunca mais se veja sujeito ás perturbações que soffreu nos tempos idos, em que um Governo dava liberdades para outro Governo lh'as tirar com a maxima facilidade e semcerimonia, e sempre dentro da Constituição.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. José Barbosa: - Sr. Presidente: desde o inicio d'este debate, que ha um ponto constantemente batido, constantemente frisado.

Nenhum dos Srs. Deputados que teem atacado o projecto da Constituição, se esqueceu de affirmar, solemnemente, que elle é presidencialista.

Eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para, principalmente, affirmar que o projecto em discussão não é presidencialista.

Com effeito, nelle não se contem as caracteristicas do regime presidencialista.

E sabido por toda a gente que este regime se baseia: primeiro, na separação absoluta dos poderes; segundo, na responsabilidade exclusiva do Presidente, e, talvez, se se quiser encarar por esse aspecto, no excesso de autoridade conferido ao Presidente, o que é tido por fonte de dictaduras.

O nosso projecto não offerece nenhum d'estes caracteres.

Alem d'isso, o projecto não veio para aqui como um dogma.

Trouxemo-lo para ser emendado, para ser melhorado.

No proprio dia em que nesta casa se encetava o debate constitucional, e depois de ter ouvido os meus illustres collegas na commissão que elaborou o projecto, inseria eu num dos jornaes de Lisboa, na Luta, um artigo, no qual se declarava já que o projecto era trazido á Assembleia para ser emendado e que todos os nossos esforços tinham obedecido á ideia de encontrar, por transigencias e compromissos entre os membros da commissão, uma formula capaz de servir de base á discussão.

Pois, se não era possivel, no curto prazo de seis dias - a nós cinco - que tinhamos acceitado essa responsabilidade, convencer-nos uns aos outros, como seria possivel num dia convencer a Camara toda?

O nosso projecto não é do typo chamado presidencial, porque não estabelece a absoluta separação dos poderes do Estado.

Não ha constitucionalista algum que tenha, até hoje, escrito que ha regime presidencialista, onde o Presidente, chefe do poder executivo, não é eleito directa ou indirectamente pelo povo.

Sem essa origem, o executivo não está separado, de modo completo, do legislativo. Ora, no nosso projecto, é o poder legislativo que elege o Presidente e que, contrariando a doutrina americana da absoluta separação dos orgãos da soberania, vae até a posse da attribuição excepcional de destituir o presidente e os seus Ministros.

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Adoptámos esta doutrina como uma concessão indispensavel ao partido a que temos a honra de pertencer e onde pugnámos sempre pela responsabilidade do chefe de Estado.

Como antigos republicanos, não podiamos vir apoiar hoje uma cousa contra a qual sempre nos affirmamos; não podiamos vir hoje votar uma solução contraria a essa, pela qual sempre nos batemos na propaganda.

O Sr. Alexandre Braga: - Eu não falei de V. Exa. Isso parece querer dizer que eu expus doutrinas differentes das que sustentara na oposição.

O Orador: - Mas falou da commissão.

O Sr. Alexandre Braga: - Eu acato o programma do partido em materia disciplinar, em materia doutrinaria não.

Não sou escravo de ninguem e o programma do partido republicano não implica disciplina intellectual.

O Orador: - O nosso codigo disciplinar é a lei organica do partido. E esses principios fazem parte do programma do partido republicano português, do seu corpo de doutrinas. Sempre os acceitámos sob a monarchia.

Mas, como ia dizendo, no projecto que se discute, não dêmos ao Presidente outras regalias tipicas do presidencialismo e tantas vezes apontadas como o seu principal defeito: não deixámos, dentro do nosso projecto, o perigo das ditaduras, porque nem sequer conferimos ao Governo a faculdade privativa de convocar os collegios eleitoraes.

Para isso, tem de se entender com os presidentes das duas casas, do Poder Legislativo. E como estes presidentes se poderiam concertar com o poder executivo, estabelecemos que ao Congresso tambem competiria, quando a convocação dos collegios deixasse de ser feita pelo Executivo, a decretação, por direito proprio, dos comicios eleitoraes. Não se deu somente ao Governo ou ao Presidente da Republica esse direito, visto que é uma faculdade que tambem deve caber ao Poder Legislativo, a não ser que se queira deixar a porta aberta ás ditaduras.

Não ha no nosso projecto um unico ponto em que não fiquem perfeitamente garantidos os direitos do povo, representado pelo seu Congresso, contra a possibilidade de uma ditadura.

Nesse particular, portanto, não enferma o nosso projecto dos males attribuidos ao presidencialismo. É evidente que o nosso projecto não é presidencialista.

Falou o Sr. Dr. Alexandre Braga, falaram todos os oradores que combateram este projecto na necessidade de manter as nossas tradições.

Ora, eu pergunto a S. Exa. quaes são essas tradições. Serão as tradições monarchicas? Ou são as tradições dos nossos institutos juridicos, os quaes não são unicamente, não podem ser unicamente expressos nas leis constitucionaes?

O Brasil, apesar da sua transformação politica, não quebrou a continuidade das suas tradições. Conservou essas tradições; não rompeu com o passado; respeitou aquelles institutos juridicos e tanto que ainda hoje a sua legislação civil, ainda por codificar, se não divorciou de todo das nossas velhas Ordenações...

"Não desorganizou o seu futuro", porque, a aproveitando a experiencia accumulada de successivas gerações, respeitou os institutos principaes do seu direito". E o conceito de Burke, ao estudar as condições em que se tem de dar a transformação dos povos para que possam confiar no futuro.

E certo que os povos que respeitam os principios juridicos da sua existencia podem sempre ter a maior confiança no futuro.

O Brasil tem respeitado de fornia excepcional os seus fundamentos juridicos; mas, apesar d'isso, deu na ordem politica um assombroso salto, passando do regime da centralização para o regime federal, da mais ampla descentralização.

Uma voz: - Isso foi um tour de force. Foi feito numas condições muito especiaes.

O Orador: - V. Exa. está enganado; não foi nenhum tour de force, nem houve condições especiaes.

O Sr. Alexandre Braga não leu attentamente o nosso desgraçado projecto.

S. Exa. viu nelle o dogma presidencialista; mas foi S. Exa. que nos trouxe um dogma quando affirmou que a Republica seria parlamentar e democratica, e que a opinião já se tinha pronunciado de modo decisivo a esse respeito.

Esqueceu-se S. Exa. de que brigam esses dois caracteres, e de que não ha republicas que sejam ao mesmo tempo parlamentares e democraticas. Como conciliar esse parlamentarismo em que o Presidente é irresponsavel, com a democracia?

O Sr. Alexandre Braga: - Leia V. Exa. o que diz o extracto da sessão e verá o que eu disse.

O Orador: - Eu ouvi com toda a attenção o discurso de V. Exa. A irresponsabilidade do Presidente é um privilegio aristocratico. E a Republica democratica, que se caracteriza pela soberania da generalidade dos cidadãos, exije a igualdade dos direitos politicos e civis.

É preciso que tenhamos igualdade, é preciso que façamos uma Republica democratica, e não uma Republica aristocratica, de Presidente irresponsavel.

Eu, por mim, confesso que sou presidencialista puro; mas este projecto não consigna tal doutrina, e força é reconhecer que não podemos dar semelhante salto. Mas tambem não podemos adoptar o parlamentarismo.

Em Portugal já se fez a experiencia de regime inglês. Nós os republicanos, e comnosco os monarchicos liberaes, sustentamos sempre que esse systema se não adaptava á nossa indole e que o nosso povo não se lhe amoldava.

Esse regime deu já as suas provas neste país; foi já experimentado por nós e deixou-nos no triste e miseravel estado em que nos encontramos. Não constitue uma tradição portuguesa. Não se lhe sentem os resultados na nossa evolução.

Era isto o que diziamos na nossa propaganda, e era esse regime, que visavamos, nos nossos ataques.

Eu não quero o regime puro presidencial.

Sei bem que esse regime tem um mecanismo especialissimo, que só joga perfeitamente com o principio da maxima autonomia e descentralização no systema administrativo nacional. E eu não sei se os nossos municipios ou districtos teem recursos para desde já conquistarem essa maxima autonomia e descentralização.

O Sr. Macieira (interrompendo): - V. Exa. parece que se está referindo-á minha pessoa... (não se ouviu bem o resto da interrupção}.

O Orador: - Não é referencia a V. Exa. nem a qualquer outro orador. Ouvi o discurso de V. Exa.

Permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu diga quê, como defesa da dissolução, o Sr. Alexandre Braga laborou num erro, quando affirmou, na sua formosissima oração, que ainda não ha muito a Inglaterra se viu obrigada a recorrer a duas dissoluções do Parlamento.

O caso é inteiramente diverso.

A Inglaterra é um país que tem uma Camara de pares de nomeação regia, e onde, sem a dissolução, não haveria equilibrio parlamentar.

Como quer S. Exa. d'esta maneira a comparação entre

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a nossa situação e a inglesa? Lá a dissolução é necessaria para evitar o predominio dos lorde. E todavia repugna aos estadistas ingleses.

S. Exa. não viu que ainda ha pouco, Lloyd George e Churchill, Ministros d'aquelle país, reclamavam a nomeação de uma fornada de Pares para evitar a dissolução?

Não sabe S. Exa. que a dissolução foi sempre atacada na Inglaterra? Que para dispensar esse recurso, fonte de tantos males, se procura substituir a Camara dos lords por um senado do typo americano?

E a proposito, convem lembrar que esse regime presidencialista, a que se attribuem tantos defeitos e em que se vêem tamanhos perigos que se lhe chegou a dar a designação de "cultura da tyrannia", é aquelle mesmo regime em que Gladstone, o grande estadista, viu a obra mais genial que jamais o espirito humano tinha produzido de um jacto!..."

Com isto respondia o estadista inglês áquelles que tinham censurado o seu apoio á ideia de transformar a Camara dos Lords num Senado á maneira americana.

O regime do Presidente irresponsavel é precisa e exactamente uma mudança de rotulo. (Apoiados).

Succede que, em vez de termos uma monarchia portuguesa, teremos uma Republica Portuguesa. (Apoiados).

No nosso partido, no partido republicano, não conheço nenhum orador, nenhum escritor, ninguem que sustentasse a irresponsabilidade do Chefe do Estado.

Affirmo-o e digo-o com segurança, porque desde muito novo acompanho a vida do partido republicano.

Já foi dito pelo meu eminente amigo Sr. Dr. José de Castro que nós fomos buscar ao Brasil artigos completos da sua Constituição, porque evidentemente é a mais perfeita e adeantada, porque pôde aproveitar a experiencia dos povos que precederam p Brasil na instituição da Republica.

Todos os que se deram ao estudo das questões relativas ao direito publico sabem que essa Constituição contem artigos modelares.

Essa Constituição teve a grande collaboração de um alto espirito, de um dos jurisconsultos mais abalizados que hoje existem no mundo, o Sr. Rui Barbosa.

Essa Constituição podia vir para cá, como disse o Sr. José de Castro.

Tambem nós recebemos a Constituição de 1826, que foi copiada da Constituição do Imperio Brasileiro, a qual por seu turno fora encommendada sem olhar a tradições, a um estrangeiro...

Importámos cousas estrangeiras, e melhor fora, segundo disse o Sr. Dr. Alexandre Braga, que as não tivéssemos importado.

As Constituições não se inventam. Da sua pratica recebem lição e exemplo todos os povos. De onde podiamos recolher ensinamento melhor do que d'aquelle povo que teve uma historia commum com a nossa até 1822?

Onde haviamos nós de ir buscar tradições democraticas e republicanas para Portugal?

De certo que a essa Nação, que já em 1817 e até antes fazia tentativas republicanas.

Nós não fomos lá buscar inspirações para nos conduzirmos no acto revolucionario, para fazermos a transformação do nosso regime. Fomos buscar, sim, lições da sua experiencia, porque ella nos era e é applicavel, dada a identidade dos costumes dos dois povos e a semelhança absoluta dos respectivos genios.

Folgo de ter ouvido o Sr. Dr. Alexandre Braga dizer que o nosso projecto não tinha plasticidade, que era preciso fazer um estatuto com plasticidade sufficiente...

Nesse mesmo dia, publicava eu um artigo na Luta, em que dizia que, para obtermos "uma Constituição bastante plástica e bastante elástica", tinhamos feito um regime de transição que pudesse offerecer-nos a escolha entre o parlamentarismo puro e o presidencialismo puro, não por uma conquista, immediata, mas por conquistas lentas, que as sociedades fazem sempre passo a passo, com enorme cuidado, para evitar que da precipitação resulte um perigo enorme, qual é o da anarchia governativa.

Nós já vivemos dentro do famoso parlamentarismo que não se adaptou á nossa gente nem á nossa terra. Vivemos, então, dentro da anarchia governativa!

O nosso projecto procurava, separando os poderes, firmar a cada um de per si e fortalecê-los, a todos, de forma que nenhum d'elles pudesse sentir-se fraco deante da tentativa de invasão de um dos outros. Nós fomos buscar aos estatutos americano e brasileiro o poder confiado á justiça de garantir o cidadão contra o poder legislativo que pode exorbitar tanto á face da Constituição como na factura da lei.

Tambem lá fomos buscar o habeas corpus para garantir ainda o cidadão contra o poder executivo.

É nisso que se baseia o alto e nobre espirito do direito americano. É nisso que está a grande força d'essa assombrosa e fecunda democracia.

Não repudiamos a importação d'essas cousas estrangeiras. Nós não fizemos a Republica, meus senhores, para assaltar o poder e occupar os logares em que outros estavam. Fizemo-la para transformar os costumes politicos da gente portuguesa; fizemo-la para que não continuasse o Portugal velho, com qualquer nome: para que não puséssemos no poder, em vez de um rei, um amigo, um correligionario nosso, que só differisse d'aquelle no facto de não ter uma coroa na cabeça.

Queremos fazer uma democracia, criar cidadãos capazes de ter iniciativa e de confiar no futuro e não de eternamente viver das glorias do passado.

Ou isto se faz, ou a Republica é uma burla indigna do nosso esforço e é uma mentira indigna dos homens de bem. (Apoiados).

Diz-se que é pouco o dinheiro que se destina, como subsidio, ao Presidente. Num país tão habituado a tolerar o desbarato dos dinheiros publicos, é natural que assim se pense; mas olho ainda para os Estados Unidos da America e vejo aquelle collossal país subsidiar com 90:000 dollars por anno, ou sejam 90 contos de réis, o seu Presidente. Olho para o Brasil, cuja receita é de 300 e tantos mil contos de réis da nossa moeda - falo da União somente, falo unicamente da Federação- e vejo que o Presidente tem 120 contos de réis em moeda brasileira ou sejam 40 contos de réis da nossa moeda... E diz-se que é pouco o que pelo projecto n.° 4 se dá ao Presidente! Talvez porque somos muito ricos e temos as glorias do passado para pagar as nossas dividas... Mas volto-me para um país com a quarta parte da nossa população, a Republica do Uruguay, e vejo o Presidente com 18:000 piastras, ou sejam 18 contos de réis por anno. É um país riquissimo. Nós somos pobrissimos. Se ha quem ache pequena a dotação do projecto, dê-se mais.

Continuemos no caminho em que iamos. Não teremos perdão d'esta nação, que tem sofirido tanto, se enveredarmos pelo caminho das facilidades e das liberalidades.

Presidente barato, disse ha pouco o meu amigo Sr. Dr. José de Castro; Presidente modestissimo é o que devemos e podemos ter. Não quero que o Presidente não tenha a verba necessaria para a sua representação. No nosso projecto demos para a representação normal, a dos dias de festa nacional, 6 contos de réis. Não excluimos, porem, as despesas que, para representar extraordinariamente a nação e nunca para seu gozo pessoal nem para deslumbrar o seu séquito, o Presidente pudesse ter de fazer. O Presidente pode fazer outras despesas, pode receber os Chefes de Estado; mas então haverá verbas extraordinarias. Para essa representação o Congresso dirá se elle pode ou não gastar mais dinheiro.

Outro ponto do projecto que parece causar grande in-

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dignação é uma doutrina realmente de acordo com o espirito presidencialista e que, por unanimidade de votos, a commissão incluiu no projecto. Mas se ali nos uniu o mais estreito espirito de amor e dedicação á Republica para, sem desistirmos das nossas ideias, chegarmos a um projecto que servisse de base á discussão, aqui, nesta Assembleia, estamos dispostos a dizer que não nos traz em guerra contra ninguem o espirito de intransigencia e, que, neste mesmo ponto, acceitamos a ideia, um pouco modificada talvez, do projecto do Sr. Brito Camacho ou ao Sr. Brito Camacho attribuido, de que os Ministros poderão vir á Camara.

O Sr. Alexandre Braga (interrompendo): - Podendo, nunca elles cá põem os pés.

O Orador: - Nós vamos até o ponto de querer que os Ministros venham á Camara; mas o que entendemos necessario é que cada Ministro seja responsavel só por si, não haja responsabilidade ministerial collectiva.

Uma voz: - Conforme...

O Orador: - Nós não queremos - visto que não adoptámos o Governo de gabinete - que em casos privativos de cada pasta tenham de responder todos os Ministros.

Concordámos em que os Ministros se reunam não em gabinete, não em conselho, mas como membros do mesmo poder e combinem com o Presidente da Republica as medidas de ordem publica, assim como as medidas que dependam de mais uma pasta.

Entendo que com relação aos actos de politica geral refiro me ás relações internacionaes e ás questões de ordem publica - deve ser responsavel todo o poder executivo, porque todos os Ministros devem ser ouvidos pelo Presidente da Republica.

Queriamos que a responsabilidade fosse connexa, que o Presidente da Republica fosse responsavel ao mesmo tempo que os seus Ministros que elle livremente escolheu.

O Sr. Antonio Macieira, referindo-se ao facto dos Ministros não poderem vir á Camara, disse que lera no livro do Sr. Assis Brasil, que os Ministros brasileiros andavam galopinando pelos corredores da Camara. S. Exa. não se lembrou de que os Ministros do passado regime galopinavam nos corredores e até dentro d'esta sala.

O nosso pensamento ao inserir no projecto que os Ministros não assistiriam ás sessões, não era livrá-los da fiscalização do Poder Legislativo. Queriamos que elles se correspondessem com as Camaras por meio de mensagens. Em todo caso, asseguravamos aos Ministros o poderem entender-se pessoalmente com as commissões, como estatuem varias Constituições americanas.

Mas esta materia não merece mais discussão, visto que supponho que quanto a ella é que pode o Sr. Alexandre Braga affirmar que a Assembleia não approvará o proposto pela commissão, isto é, a não vinda dos Ministros á Camara.

É evidente, todos nós o reconhecemos e eu não devo deixar de o confessar.

O Sr. Alexandre Braga: - Como não approvará muitas outras cousas.

O Orador: - Decerto, se V. Exa. nos arrebatar com a sua eloquencia.

O Sr. Alexandre Braga: - V. Exa. é injusto para com a Assembleia.

O Orador: - Não sou injusto. Eu tambem me incluo no numero dos que a eloquencia de V. Exa. arrebata.

O Sr. Alexandre Braga considerou um perigo enorme a eleição, pelos vereadores municipaes, da segunda Assembleia. Não façamos questão de nomes. Eu, pelo menos, não o posso fazer. Estabelecia no projecto que cerzi a Camara dos Deputados e o Senado; não tenho receio do nome.

Sei que o Senado está ligado em muitos espiritos a uma ideia de grandeza monarchica. Não tenho esse receio. Esse nome está consagrado pela maioria das Republicas.

O Sr. Alexandre Braga disse que até poderia ser um crime de traição á Republica entregar essa segunda Camara á eleição dos vereadores municipaes. Não sei a razão por que os mesmos eleitores, que elegem nas localidades as camaras municipaes, elegem os Deputados e elegeram esta Assembleia, hão de amanhã constituir um perigo para a Republica.

Fixemos a capacidade eleitoral, evitemos que haja caciques commandando analfabetos, levando-os á uma a votarem pela sua vontade. Sejamos firmes! Sempre tive a coragem de dizer a todos os meus correligionarios que era contra o suffragio universal. Nunca procurei captar as sympathias do povo de Lisboa, dizendo-lhe que era a favor d'essa garantia que, afinal de contas, só lhe é prejudicial. (Apoiados).

Façamos um eleitorado capaz de ter vontade, criemos esse eleitorado, mas não o accusemos antes sequer de o ter formado a Republica.

Suspeitamos desde já do organismo municipal que se vae crear!

Creio que o nosso novo Codigo Administrativo ha de ter outras corporações alem da Camara Municipal.

Alem da camara municipal, suponho que ha de haver a junta deliberativa do districto, se o districto for mantido, ou da provincia, se a provincia resurgir; mas o que acho indispensavel é que procuremos na organização administrativa a base d'esse corpo eleitoral da segunda camara, porque, meus senhores, nós não temos classes organizadas, e eu quero que me digam se as classes a que recorrem são as ricas, desprezando as pobres, como eu vi num projecto que surgiu ha dias, e se, depois de excluirmos os proletarios do eleitorado da camara alta, temos a coragem de affirmar que continuamos a sustentar os nossos principios democraticos...

A sociedade portuguesa não tem nada de organico, de fundamental e intimamente organico, senão o municipio. Desvirtuou-se, perverteu-se? Reanimemo-lo, demos-lhe a virtude que lhe falta, confiemos na força intrinseca do regime, acreditemos que é dentro das proprias instituições que está a sua energia virtual e que não é preciso ir buscar aos homens bons, notaveis, excepcionaes, aquillo que existe de facto dentro do jogo das instituições politicas e administrativas. As sociedades não se governam ao sabor dos grandes homens; governam-se segundo o seu determinismo. (Apoiados).

Sr. Presidente: o Sr. Adriano Pimenta referiu-se largamente a varios pontos a que já tenho respondido; mas insistiu especialmente nas nossas tradições parlamentares.

Eu volto a esta materia para dizer que nunca vi, estudando um pouco a historia politica da nossa terra, estudando um pouco a nossa transformação economica e social, que tivéssemos tradições parlamentares.

O que vi foi um conflicto permanente entre o Poder Executivo e o Legislativo; o que vi foi chegar-se nos ultimos tempos a não se poder formar qualquer Governo, que se não dissesse logo nos corredores d'esta casa: "não dura quinze dias".

E que o regime parlamentar não está no nosso feitio. Se temos tradições de alguma ordem, são absolutistas.

Quando surge algum ditador, levanta-se de subito a alma popular a sustentá-lo e eu tenho a coragem para dizer aqui que esse homem que foi detestado, que merece talvez o odio de muitissimo português injustamente feri-

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do por elle, esse homem encontrou um grande apoio nas nossas provincias.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - E verdade. Eu vejo aqui amigos meus que soffreram as ultimas violencias sob o Governo d'esse homem. Eu mal voltei de uma longa estada em terras estranhas, atravessei algumas provincias de Portugal e vi, com pasmo, o que deixo dito.

Uma voz: - E a reacção que determinou esse facto?

O Orador: - Essa reacção foi feita por uma minoria.

Uma voz: - Se fosse pela minoria não existia a Republica em Portugal.

O Orador: - Era a minoria activa da nossa sociedade; que teve, quando iniciada a luta, o apoio de grande parte da Nação. Todas as resistencias e todas as rebeldias partem de minorias.

Sr. Presidente, o que principalmente me fez tomar tanto tempo á Assembleia, foi o desejo de affirmar á Camara e aos illustres oradores, que me precederam nesta tribuna, que a commissão não teve em vista fazer uma Republica Presidencialista.

Eu, pessoalmente, como já o disse, sou absolutamente presidencialista. Entendo que dentro d'esse regime estaria a felicidade da nossa terra; mas que o não podemos adoptar desde já.

Mas nós todos que levamos tantos annos a esperar que a Republica se fizesse, temos um alto dever a cumprir: é acceitarmos uma formula intermedia que permitta livremente ao povo português decidir, por experiencia propria, sem riscos, qual das duas formas de governo mais lhe convem, e esperarmos, cada um dos do grupo que ficar vencido, que as nossas ideias, se forem boas, possam vir a entrar na lei básica do país, em algumas das suas revisões.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra aos Srs. Deputados que estão inscritos para antes de se encerrar a sessão, mas previno S. Exas. que, segundo o nosso Regimento, não podem usar da palavra por mais de cinco minutos.

Tem a palavra o Sr. Manuel Bravo.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: começo por pedir a attenção do Sr. Ministro da Guerra para uma informação publicada no jornal O Mundo e que importa grandemente á disciplina do nosso exercito e ao prestigio das instituições republicanas. Diz esse jornal:

(Leu).

Sr. Presidente, referi-me hontem a um facto grave, chamando para elle a attenção do Sr. Ministro da Guerra, porque importava, pelo menos, uma susceptibilidade para a opinicão publica. Referi-me hontem ás informações que a imprensa da capital deu sobre as insinuações feitas pelo commandante de infantaria n.° 2, junto do contingente d'aquelle regimento que partiu para o norte. Hoje, o que vem publicado no mesmo jornal, afigura-se me ainda muito mais grave, porquanto importa uma grande offensa para a disciplina militar.

Sr. Presidente, é necessario que nós. sabendo amar a Republica, façamos tudo quanto pudermos para que, dentro e fora dos quarteis, se mantenha a disciplina militar; é necessario que a Republica se faça impor a todos, para que ella possa ser respeitada em toda a grandeza do seu triunfo.

E necessario que os soldados que porventura prevariquem sejam rigorosamente castigados, mas é tambem urgente que os officiaes que offendam os interesses da Republica sejam immediatamente postos fora do exercito. (Apoiados).

É para isto que eu chamo a attenção do Sr. Ministro da Guerra, julgando, poder affirmar que S. Exa. dará todo o seu apoio á disciplina e castigará aquelies que devam ser castigados. E pode o Sr. Ministro contar, para esse effeito, com a solidariedade de toda esta Camara, que certamente lhe não negará os meios necessarios para radicar e consolidar a Republica dentro dos quarteis.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Sr. Presidente, o facto é inteiramente novo para mim, pois apenas d'elle tive conhecimento pelo telegramma do jornal O Mundo.

Parece-me um acto de um doido, sobretudo tratando-se de um official filiado no Centro de S. Carlos. Esperarei informações do commandante do regimento para proceder nos termos do regulamento militar.

E é claro que, se elle faltou ao regulamento militar e aos deveres de homem de bem, ha de ser castigado.

Tenho dito.

(Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. José Mendes Cabeçadas: - Por parte da commissão de correios e telegraphos mando para a mesa a seguinte

Participação

Declaro que está constituida a commissão dos correios, telegraphos e industrias electricas, que elegeu para presidente o Sr. Dr. Ramiro Guedes, para relator geral o Sr. Antonio Maria da Silva e para secretario o declarante.

Sala das Sessões, em 7 de julho de 1911. = José Mendes Cabeçadas Junior.

Para a Secretaria.

O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma reclamação ao Sr. Ministro da Justiça interino, mas como S. Exa. não está presente, e eu entendo que a questão é grave, por se tratar de uma criança, e deve merecer todo o cuidado do Governo, peço a qualquer dos collegas de S. Exa. o favor de transmittir as minhas considerações.

Tive conhecimento, pelo jornal A Capital, que uma criança de nove annos está ha cinco ou seis meses no Limoeiro, esse antro de vicio e devassidão.

Isto não pode permittir uma sociedade que arroga titulos de civilizada.

Aproveito esta occasião em que estão presentes quatro membros do Governo, lastimando que não esteja o Sr. Ministro da Justiça, para fazer esta reclamação, que julgo de toda a justiça.

Sr. Presidente, sou Deputado da Nação e tenho obrigação de defender aqui os interesses do país, e estou neste logar porque os eleitores do circulo n.° 30, Setubal, me trouxeram ao Parlamento, isto é, represento uma região que produz muita cortiça e que emprega milhares de braços na sua manufactura.

Hoje ventilou-se aqui uma questão importantissima, que foi mal tratada por todos os oradores que a ella se referiram.

Sr. Presidente, entendo que hoje na sociedade não ha privilegios, entendo que a Republica deve distribuir os seus beneficios por todas as classes e eu emquanto aqui estiver hei de deiender os interesses legitimos seja de quem for.

A questão corticeira não é uma questão insoluvel, mas para a resolver é necessario o concurso do Governo, o concurso dos operarios, dos industriaes e dos lavradores.

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SESSÃO N.° 16 DE 7 DE JULHO DE 1911 23

Fazer uma medida que importe simplesmente a uma classe, não é mais do que fazer um palliativo, e os palliativos não resolvem as questões economicas. (Apoiados).

Convido, pois, o Sr. Ministro das Finanças, por quem tenho a maior consideração, a que regule a situação das classes em jogo: industriaes, operarios e proprietarios, procurando empregar toda a sua energia e intelligencia na defesa dos interesses de todos.

Peço a S. Exa. que convoque as classes interessadas para dar remedio a esta situação insustentavel que não satisfaz cabalmente os operarios, prejudica o país e sacrifica a lavoura, não querendo referir-me, quando falo em lavoura, somente áquelles que obteem dinheiro pela venda da cortiça, mas tambem áquelles que esgravatam a terra, trabalhando duramente, e que dos proprietarios de montados de sobro recebem o seu salario. Refiro-me evidentemente aos trabalhadores ruraes.

Eu quero que os interesses d'essas tres classes sejam attendidos. Que todos, sem excepção, pequenos e grandes industriaes, operarios e proprietarios, sejam beneficiados com medidas justas e razoaveis, que muito embora não sejam concretas e cabaes, satisfaçam, em todo o caso, a todas as classes, e não prejudiquem os interesses superiores da Nação.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Tomei nota das considerações produzidas pelo illustre Deputado Sr. Jorge Nunes, e posso garantir a S. Exa. que as transmittirei ao Sr. Ministro interino da Justiça. E desde já digo a S. Exa. que se por acaso esse facto é verdadeiro, é elle derivado da falta de legislação a esse respeito.

Mal termine a sessão, telephono ao Sr. Bernardino Machado, e esteja S. Exa. seguro de que ainda hoje serão tomadas as devidas medidas.

O Sr. Rovisco Garcia: - Desisto da palavra.

O Sr. Jacinto Nunes: - Apesar de choverem sobre a minha pessoa tantos protestos, direi que se começa a comprehender que a questão corticeira é grave, fazendo-se, portanto, justiça ao que disse.

A classe rolheira é insignificante, mas a classe corticeira é muito numerosa. A questão corticeira deve ser resolvida em harmonia com os interesses dos trabalhadores ruraes, que são para cima de 600:000 homens.

Attendendo á importancia do assunto, entendo que se devem dedicar ao estudo d'esta questão duas sessões antes da ordem do dia.

Peço tambem ao Sr. Ministro das Finanças que acceite a seguinte transacção: deixe de pé a portaria e revogue o decreto.

Termino, pedindo ao Sr. Presidente que consulte a camara sobre se entende que se deva tratar d'esta questão antes da ordem do dia em duas sessões.

(O discurso de S. Exa. será publicado na integra quando restituir as notas tachygraphicas).

Vozes: - Não pode ser.

O Sr. Presidente: - Envie S. Exa. uma nota de interpellação, que eu marcarei uma sessão destinada a tratar d'esse assunto.

O Sr. França Borges: - Sr. Presidente: começo por pedir a V. Exa. que não conte nos cinco minutos o tempo em que os Srs. Deputados estão fazendo barulho. Tenho o direito de ser ouvido como os outros. (Apoiados).

No dia 23 do mês passado comecei a exercer um dos meus direitos de Deputado á Assembleia Nacional Constituinte, pedindo por varios Ministerios alguns documentos, entre os quaes uns ha que me parecem fáceis de copiar.

Ato hoje não recebi nenhum d'esses documentos, e pedi a palavra precisa e exclusivamente para chamar a attenção de V. Exa. para esse facto.

Creio bem, Sr. Presidente, que a culpa não é dos Ministros, que teem para a Assembleia Nacional Constituinte a consideração que ella merece. A culpa deve ser dos seus subordinados, tantos d'elles eivados dos vicios que lhe deixou a monarchia.

Peço providencias para este facto, reclamando, sobretudo, que me sejam enviados com urgencia, pelo Ministerio do Interior, os documentos referentes ao caso Penella, caso de que o Sr. Ministro começou a tratar ainda antes de em virtude d'elle ser accusado.

Peço tambem urgencia para um requerimento que mandei hoje para a mesa, a fim do me ser enviada copia do officio em que o Sr. Director Geral de Instrucção Secundaria pergunta ao Sr. Commissario da Republica junto do Theatro Nacional Almeida Garrett, quem havia cedido uma dependencia d'aquelle edificio para ali se reunirem alguns Srs. Deputados á Assembleia Nacional Constituinte, que, como é notorio, outro fim não tiveram senão conversar sobre a maneira de melhor servirem a Republica.

Desejo conheoer esse documento.

Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada copia do officio em que o Sr. Director Geral de Instrucção Secundaria pergunta ao Sr. Commissario da Republica, junto ao Teatro Nacional Almeida Garrett, quem havia cedido uma dependencia d'aquelle edificio para ali se reunirem alguns Srs. Deputados á Assembleia Constituinte, que, como é notorio, outro fim não tiveram senão conversar sobre a maneira de melhor servirem a Republica.

Requeiro que me seja enviada mais copia do officio do Sr. Commissario, e toda a correspondencia que posteriormente se troque sobre o assunto.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, 7 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

(O orador não reviu).

O Sr. Padua Correia: - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão porque desejava fazer tres perguntas ao Sr. Ministro da Marinha; mas, como S. Exa. não está presente, peço a V. Exa. que lhe transmitia o meu pedido de S. Exa. comparecer na Camara, na próxima sessão, antes da ordem do dia.

O Sr. Nunes da Mata: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de communicar á Assembleia e á mesa, em nome da commissão de petições, que o Sr. Bessa de Carvalho foi eleito secretario, o Sr. Narciso da Cunha, relator e o Sr. Nunes da Mata, presidente.

Sala das Sessões, em 7 de julho de 1911. = José Nunes da Mata.

Sr. Presidente: o cargo da commissão de petições é espinhoso para ruim. Ainda ha pouco ouvi dizer que um governador civil pedira a demissão por não lhe serem satisfeitos uns pedidos que fizera. Para que assim não succeda e não haja pretextos para isso, devem todos fazer o que eu faço - não pedir nada. Procedendo-se d'esta maneira, seguem-se os verdadeiros principios democraticos.

Lamento que não tivesse tido seguimento uma moção que apresentei, em uma das sessões anteriores, antes de

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encerrada a sessão, e referente aos reservistas que se apresentaram a alistar-se, bem como aos voluntarios.

E já que estou no uso da palavra, pergunto a V. Exa. Sr. Presidente, qual foi o motivo d'este facto?

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - A moção a que V. Exa. se refere não foi recebida na mesa porque não era occasião de ser apresentada. Isto mesmo disse eu a V. Exa. Podia tê-la mandado para a mesa no dia seguinte.

A proxima sessão effectuar-se-ha na segunda feira, ás duas noras da tarde. Antes da ordem do dia realizar-se-ha a interpellação do Sr. Deputado José de Abreu ao Sr. Ministro do Interior; na ordem do dia continua a discussão do projecto da Constituição.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 30 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa nesta sessão

Representação

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente das Constituintes Portuguesas.- Levamos ao conhecimento de V. Exa., e da digna Assembleia constituida, que os operarios corticeiros portugueses vêem collectivamente protestar contra a forma com que o Deputado Sr. Jacinto Nunes pretendeu collocar perante a mesma Camara a questão corticeira.

Não é um facto, Sr. Presidente, a classe corticeira ser constituida, na sua maioria, por operarios espanhoes, e muito menos, lesar nos seus interesses quaesquer interessados no assunto; mas sim pretender desenvolver a industria de maior riqueza em Portugal, como se tem provado desde os ultimos tempos da ruinosa monarchia, onde a classe corticeira deu tantas provas do seu civismo e valor, e que alguns d'esses movimentos teem trazido ainda que vagamente, alguns beneficios ao commercio, quer local quer geral.

Não é um facto que a ultima portaria de 21 de novembro de 1910 tenha aifectado a industria, muito pelo contrario ella a tem beneficiado de uma forma lenta, na verdade, mas tem minorado a crise do presente anno, como se pode provar pelas estatisticas de exportação de rolhas.

Não é facto, Sr. Presidente, como se affirmou que a portaria exigia a cortiça para exportação ser recortada e classificada, pois que já antecedentemente o era não tendo nesse ponto a portaria ou o Governo da Republica cousa alguma com o assunto, sendo obra exclusiva da defunta monarchia, e á qual o Sr. Jacinto Nunes não fez a menor referencia, assim como mostrou a commissão; que não faria opposição a portaria em vigor.

Os operarios corticeiros vêem, num alto dever patriotico, pedir a manipulação da cortiça, não desejando que ella saia em estado bruto. Pois que aqui se encontra uma verba importante para o Estado, e desenvolvendo mais o commercio e deixando de fazer concorrencia, pelos braços, as outras industrias que vivem em circunstancias penosas.

Os operarios corticeiros, confiados no Governo, e especialmente no Ministro das Finanças, o Sr. José Relvas, e na Camara dos Senhores Deputados, vêem por esta forma pedir attenção para esta rica e florescente industria de Portugal.

Saude e Fraternidade.

Lisboa, 7 de julho de 1911. - (Seguem as assinaturas).

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Pimentel.
(Na ordem do dia) = Affonso Lopes Vieira.

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