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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

17.ª SESSÃO

EM 10 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Antes da ordem do dia. - Chamada e abertura da sessão. - Leitura e approvação da acta da sessão anterior. - Deu-se conta do expediente. - Interpellação do Sr. José de Abreu ao Sr. Ministro do Interior, acêrca do administrador de Oliveira do Hospital - Communicação do Sr. Bernardino Roque, acêrca da invasão do Humbe pelo gentio do Cuanbama. - O Sr. Rodrigo Fontinha chama a attenção do Governo para as casas que pertenciam ás congregações, empregados publicos e jogo de azar. - Discursos dos Srs. Ministros do Interior (Antonio José de Almeida) e dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado). Proposta do Sr. Ministro da Guerra relativa ás reservas do exercito.

Ordem do dia. - Prosegue a discussão do projecto de lei n.° 3 (Constituição). O Sr. Botelho de Sousa mandou para a mesa uma participação. (Constituição). Usam da palavra os Srs.: Egas Moniz que manda emendas para a mesa; Joaquim Pedro Martins e Severiano da Silva. - O Sr. Manuel de Arriaga pede para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte, o que é approvado. - O Sr. José de Abreu cede em favor do Sr. Alexandre Braga o direito de usar da palavra, o que a Assembleia consente, ficando juntamente com o Sr. Barbosa de Magalhães com a palavra reservada.

Antes de encerrar a sessão usam da palavra os Srs. Lopes da Silva que pede com urgencia documentos pelo Ministerio das Finanças e o Sr. Emygdio Mendes que se refere á admissão do projecto sobre recompensas aos militares do exercito de terra e mar, a que responde, esclarecendo, o Sr. Presidente. - O Sr. Jacinto Nunes alludindo á attitude de um grupo de operarios corticeiros, pede providencias. Respondem os Srs. Ministros das Finanças (José Relvas) e do Fomento (Brito Camacho).- O Sr. Moura Pinto faz largas considerações acêrca do procedimento do administrador de Oliveira do Hospital, e o Sr. Gastão Rodrigues pergunta se foi votada autorização para o Sr. Deputado Jorge Nunes exercer o cargo de governador civil, alludindo tambem ao projecto de amnistia dos ferro-viarios. - Seguidamente encerra-se a sessão. São enviados para a mesa uma representação e diversas petições.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura - Ás 2 horas e 33 minutos da tarde.

Presentes á chamada - 185 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Nunes Ribeiro, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Americo Olavo de Azevedo, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José de Almeida, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Aureliano de Mira Farnandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Christovarn Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Inacio Magalhães Basto, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Joaquim Theophilo Braga, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Es-tevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José Thomás da Fonseca, Julio do Patrocinio Martins, Leão Magno Azedo, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victor José de Deus Macedo Pinto, Victorino Henrique Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Celestino Germano Paes de Almeida, José da Silva Ramos, Pedro Januario do Valle Sá Pereira.

Não compareceram á sessão os Srs.: Abel Accacio de Almeida Botelho, Adriano Augusto Pimenta, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Augusto de Barros, Amaro de Azevedo Gomes, Arailcar da Silva Ramada Curto, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Elisio de Castro, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Cruz, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique de Sousa Monteiro, Innocencio Camacho Rodrigues, Joaquim Brandão, José Augusto Simas Machado, José Bessa de Carvalho, José Montês, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Sebastião de Magalhães Lima, Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

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SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 3

Ás 2 horas e 1 quarto da tarde, tendo sido feita o. chamada, á qual respondem 98 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

E lida e, sem discussão, approvada a acta da sessão antecedente.

Lê-se o expediente.

O Sr. Presidente: - Communico á Camara que fui procurado por uma commissão da Associação dos Commerciantes de Ferragens e Quinquilharias que reuniram na Associação Commercial de Lisboa, a qual me entregou um officio acompanhado de uma moção votada naquella reunião, para cuja leitura chamo a attenção da Camara.

Teve segunda leitura uma proposta sobre reorganização da marinha de guerra, sendo admittida á discussão.

Foi admittido, á discussão, sendo enviado á commissão, um projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado liamos da Costa e publicado no Diario do Governo de 7 de julho.

Foi admiitido á discussão o projecto de lei do Sr. Ramos da Costa, sobre fiscalização de generos alimenticios, publicado no Diario do Governo de 7 de julho.

Não foi admittida á discussão a proposta do Sr. Innocencio Camacho sobre galardões por serviços prestados á Patria na revolução de 5 de outubro e publicada no Dia rio do Governo de 8 de julho.

O Sr. Presidente: - Vou abrir a inscrição para antes da ordem do dia.

Tenho a fazer a communicação de que o Sr. Jorge de Vasconcellos Nunes vae ser nomeado, em commissão, governador civil de Beja.

Eu proponho á Assembleia que lhe seja concedida licença para exercer estas funcções, em commissão.

Os Srs. Deputados que approvam tenham a bondade de se levantar.

(Pausa).

Está approvado.

O Sr. Nunes da Mata: - Approvei o pedido para o Sr. Jorge Nunes poder desempenhar as funcções da commissão para que u nomeado, mas desejo apresentar a minha declaração de voto.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente : Tratando-se da accumulação de funcções, a Camara não pode approvar um tal pedido.

Protesto contra isso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Antonio Pires Pereira, tenente de caçadores, communica que parte para o norte o batalhão a que pertence; por isso pede á Camara que lhe permitta conservar-se ausente o tempo que durar a permanencia do seu batalhão naquelle ponto do país, isto para poder occupar o seu lograr.

Os Srs. Deputados que approvam queiram levantar-se.

(Pausa).

Está approvado.

O Sr. Presidente: - Está annunciada para antes da ordem do dia a interpellação do Sr. Deputado José de Abreu ao Sr. Ministro do Interior.

Tem a palavra o Sr. José de Abreu.

O Sr. José de Abreu: - Sr. Presidente: mandei para a mesa, ha alguns dias, a nota da interpellação dirigida ao Sr. Ministre do Interior sobre a politica de Oliveira do Hospital e, em especial, sobre a attitude do administrador d'aquelle concelho.

Eu podia, Sr. Presidente, tratar do assunto particularmente, com o Sr. Ministro do Interior e expor-lhe as Vazões de queixa que havia de todo o povo do concelho de Oliveira do Hospital e estou certo de que o Sr. Ministro do Interior tomaria em consideração as razões que eu expusesse e, immediatamente, poria em execução as medidas absolutamente necessarias para que aquelle concelho ficasse, de uma vez para sempre, absolutamente tranquillo, mas o Sr. Ministro do Interior, por certo, terá uma maior satisfação em que eu venha á Camara expor as razões de queixa dos povos d'aquelle concelho.

Eu tenho recebido, Sr. Presidente, desde que esta Assembleia se constituiu, e, dia a dia, queixas successivas contra o administrador do concelho de Oliveira do Hospital, e nem V. Exa. nem o Sr. Ministro do Interior ignoram que a conspiração que se estabeleceu em Coimbra no intuito manifesto não já de derrubar a Republica mas de perturbar n marcha regular da Republica, estendia os f eus braços para todo o districto de Coimbra e abrangia tambem o concelho de Oliveira do Hospital.

Quando foi da minha propaganda eleitoral por todo o circulo n,° 26, tive occasião de ver, Sr. Presidente e Sr. Ministro do Interior, que o administrador d'aquelle concelho, em vez de cumprir os seus deveres de delegado de confiança do Governo e da Republica, muito ao contrario, tratava mas era de se pôr ao lado dos elementos reaccionarios que ali vivem, já não digo com o intuito de prejudicar a eleição de um ou outro dos candidatos, mas sim com o intuito, e eu não tenho a mais pequena duvida em o affirmar, de prejudicar o andamento da Republica ali.

Eu tenho por obrigação, por um dever de lealdade e de norma, dizer aqui perante a Assembleia Nacional Constituinte e perante e Sr. Ministro do Interior, que o administrador do concelho de Oliveira do Hospital, com quem aliás eu tive sempre as melhores relações, o que não impede que eu diga a seu respeito toda a verdade vive ainda hoje absolutamente irmanado e ligado aos homens que no concelho de Oliveira de Hospital sempre foram monarchicos e que jamais se collocarão ao lado da Republica.

Esse funccionario, Sr. Presidente, está absolutamente identificado e ligado a um homem que foi demittido pelo 8r. Ministro das Finanças por indigno. No Ministerio das Finanças foi-me dito que existe contra esse recebedor um processo do tempo da monarchia e no qual lhe suo feitas accusações gravissimas. Foi castigado ainda pela monarchia e foi-o agora.

Nós não temos absolutamente nada com a vida particular de cada cidadão, embora ella venha a influir na apreciação que possamos fazer do valor que essa pessoa possa ter e nos serviços que possa prestar á instituição republicana. No entanto esse ex-recebedor nunca será republicano, porque tem a todos os minutos e segundos hostilisado a Republica.

O Sr. Carlos Amaro: - Não apoiado.

O Orador: - Não apoiado? V. Exa. conhece o pessoalmente?

O Sr. Carlos Amaro: - Sei quem é.

O Orador: - Pois eu digo perante a Camara que esse homem era absolutamente indigno de occupar o logar de funccionario publico: é um homem que não tem nem pode ter nunca qualquer entendimento com o Governo da Republica.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Carlos Amaro: - É tão republicano como V. Exa.

O Sr. Jacinto Nunes: - Não pode accusar uma pessoa que não está presente nem tem voz nesta casa.

O Orador: - Não posso accusar esse homem sem estar presente?

O que posso dizer a V. Exa., Sr. Jacinto Nunes, e em relação ao administrador, é que as commissões politicas e a Camara Municipal de Oliveira do Hospital reclamam e pedem ao Governo a demissão d'esse administrador de concelho.

O que posso dizer a V. Exa. é que as commissões politicas de Oliveira do Hospital, que trabalham denodadamente em prol da Republica, que não pensam senão no prestigio das instituições republicanas, são as primeiras a dizer que é absolutamente necessario que aquelle homem se demitta.

Tenho aqui telegrammas d'essas commissões e sei tambem, Sr. Presidente, que o presidente da Camara Municipal, telegraphando ao Sr. Ministro da Guerra, lhe pediu que para Oliveira do Hospital fosse enviado um destacamento a fim de evitar perturbações de ordem publica.

O Sr. Ministro da Guerra disse-me que esse destacamento não tinha ido. apesar de ter recebido o telegramma, e que se fosse preciso tinha entidade sufficientemente competente, bastantemente intelligente para ir para Oliveira do Hospital occupar aquelle logar, sendo, alem de tudo isso, um individuo absolutamente dedicado á causa da Republica.

Neste momento, Sr. Presidente, em que as commissões politicas e a Camara Municipal de Oliveira do Hospital instam pela demissão do administrador, evidentemente, Sr. Presidente, não o fazem com intuitos de aggressão pessoal ao administrador, mas porque é absolutamente preciso que para Oliveira do Hospital vão republicanos sinceros e dedicados, que não pensem noutra cousa senão em trabalhar para que a Republica se mantenha.

Eu não tenho, Sr. Ministro do Interior, o mais pequeno desejo de fazer mal a esse administrador: eu pedia até a V. Exa., se fosse possivel, que o tirasse de Oliveira do Hospital e o collocasse noutro concelho onde não pudesse fazer damno, onde só houvesse republicanos; mas estar em Oliveira do Hospital um administrador que não é republicano, que tem todos os vicios da monarchia e que está ligado a homens que são absolutamente monarchicos, isso é que não pode ser, Sr. Ministro do Interior.

V. Exa. já tem recebido bastantes telegrammas de pessoas que conhecem muito bem este administrador de concelho, e V. Exa. sabe, como eu, que esse homem não pode continuar á testa d'esse concelho.

Vou citar dois factos que se passaram commigo na minha propaganda eleitoral.

Tive necessidade de ir era missão de propaganda eleitoral a duas freguesias d'aquelle concelho, uma chamada S. João, e outra Penal vá, nas margens do Rio Alva. Fizemos um comicio republicano em S. Gião, retirando, para na tarde d'esse mesmo dia fazermos outro em Penalva nas margens do Rio Alva.

Pois Sr. Ministro do Interior, depois de nos retirarmos do S. Gião, o administrador do concelho de Oliveira do Hospital do ultimo gabinete regenerador fez nessa mesma tarde um comicio monarchico, arvorando a bandeira azul e branca e dando vivas á monarchia e a Jesus Christo.

Quando chegamos a Penalva ahi foi impossivel poder fazer o comicio, pois as mulheres e crianças logo que nós ahi chegamos começaram a entoar o Bemdito, e por tal forma berravam que não nos foi possivel, por mais esforços que fizéssemos, realizar o comicio.

D'estes dois factos tem conhecimento o administrador, não procedendo a qualquer investigação no sentido de punir quem devesse ser punido.

Bastam estes dois factos, Sr. Ministro do Interior, para V. Exa. ver a forma, a maneira como procede o administrador do concelho de Oliveira do Hospital.

Mas ha mais, Sr. Ministro do Interior.

Ha muito tempo que se dizia que em Oliveira do Hospital havia armamento, mas que o administrador do concelho negava este facto. Se lá ha armas ou não ha, não sei.

Entraram armas, não entraram armas? Não sei.

O que sei dizer a V. Exa., e isso basta para o convencer, é que em meu poder se encontra uma carta do Presidente da Camara Municipal de Oliveira do Hospital, homem respeitabilissimo sob todos os pontos de vista, homem de uma probidade inconcussa, homem absolutamente incapaz de fazer mal seja a quem for, e que diz o seguinte:

(Leu).

Eu digo a V. Exa., não tenho o mais pequeno desejo de que para Oliveira do Hospital seja nomeado quem quer que for. Desejo até que se V. Exa. se resolver a demittir esse administrador e nomear outro, o faça por forma que não seja nomeado nenhum individuo d'aquelle concelho.

Peço a V. Exa., já que o Sr. Ministro da Guerra teve a ideia de me dizer que tinha um homem, absolutamente competente, sargento do exercito, para exercer esse logar, que nomeie essa pessoa, que é estranha a Oliveira do Hospital, e que não tem ligações naquelle concelho.

Estou convencido que esse homem, a ir para lá, com uma politica absolutamente correcta e digna, sem vinganças e sem odios pessoaes, sem nada que possa hostilizar aquella gente, socegará completamente Oliveira do Hospital.

Nós todos, que fomos sempre republicanos, que vivemos unica e exclusivamente pela Republica e que por ella lutamos, estou certo que ficaremos satisfeitos e que veremos mais uma vez esses conspiradores absolutamente ludibriados.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Em duas palavras vou responder ao Sr. Dr. José de Abreu, começando por agradecer a S. Exa. as expressões amaveis que me dirigiu, tendo apenas que lamentar uma cousa, e é que, dizendo S. Exa. que podia tratar particularmente commigo dos factos que apontou, viesse aqui fazer accusações de caracter tão grave, não porque num regime de livre critica, como é o republicano, não se possa e deva dizer tudo no Parlamento, mas porque, sendo gravissimas as accusações que S. Exa. fez, se me tivesse dado conhecimento d'ellas no meu gabinete, já poderia ter tomado as providencias que o caso demanda.

Se os funccionarios da Republica atraiçoarem a sua missão, só porventura não seguirem em todos os actos da sua vida, a par e passo, o caminho da honra, serão castigados conforme merecerem.

Lamento que o facto se desse de uma maneira tão completa como apresentou o Sr. José de Abreu.

As accusações que S. Exa. fez' contra o administrador do concelho de Oliveira do Hospital foram de tal maneira graves, que não me limito a chamar para o caso a attenção do Sr. governador civil de Coimbra; vou mandar instaurar um processo, não só como conspirador, mas como homem de maus costumes; e se esse homem, realmente, for um conspirador, como S. Exa. affirma - e o Sr. José de Abreu decerto tinha bases para fazer uma tal affirmação, porque nós que conhecemos a serenidade, a reflecção do seu espirito, não admittiriamos de maneira nenhuma a hypothese de vir lançar aqui um labeo, não tendo provas justificativas das suas affirmações - se esse homem for um conspirador, dizia, creia, será devidamente castigado.

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SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 5

S. Exa. ha mais tempo devia ter-me prevenido d'isso, porque o assunto é grave; porque neste momento em que a Republica Portuguesa não tem tido perigos, mas em que tem passado momentos um pouco amargurosos, é obrigação de todos os bons patriotas prevenirem as autoridades competentes para que sejam punidos severamente todos aquelles que conspirem contra as actuaes instituições.

O Sr. José de Abreu podia ter ha mais tempo feito essas revelações, acêrca do administrador do concelho de Oliveira do Hospital, que é, pelo que S. Exa. affirma, um criminoso, e que já teria sido castigado.

Se fosse innocente, já estaria tambem inteiramente despido d'esse capote de suspeitas que V. Exa. cabalmente lhe fez enfiar pelos hombros abaixo.

V. Exa. sabe que este caso é importante: V. Exa. ac-cusou de perigoso para as instituições esse individuo, com a aggravante de ser um funccionario de confiança; e comprehende V. Exa. a necessidade que o Governo tem de conhecer os funccionarios com quem está em communicação constante e permanente, quando esses funccionarios sejam inimigos das instituições, com a aggravante de serem individuos de uma vida moral tão torpe e tão baixa, que só por isso precisam de ser punidos.

Vou immediatamente telegraphar ao governador civil de Coimbra, para me fornecer elementos, a fim de se instaurar um processo contra o administrador de Oliveira do Hospital, como conspirador e homem de maus costumes.

Folgo até que V. Exa. levantasse esse assunto, para provar que, em harmonia com as minhas ideias, a politica que se fizer no Ministerio do Interior é apenas uma politica de engrandecimento do partido republicano, e que não tem nada de pessoal.

Neste caso do administrador do concelho de Oliveira do Hospital, como em todos os outros, procederei como for de inteira justiça.

Creio que isto deve satisfazer a Camara e o Sr. Dr. José de Abreu; e devo pedir a todos os Srs. representantes da Nação, que logo que conheçam algum facto em que a minha intervenção possa ser util aos interesses das instituições, mo communiquem, para que eu possa proceder com inteira justiça.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Constou ao illustre Deputado Sr. Bernardino Roque que no Cuanhama, na região do Humbe, se deram casos graves, aprisionando os indigenas, mulheres, crianças, etc.

Pediu a palavra para esse assunto urgente,

Os illustres Deputados que approvam a urgencia do assunto tenham a bondade de se levantar.

(Foi approvada a urgencia).

O Sr. Bernardino Roque: - Sr. Presidente, começo por agradecer á Camara a sua deferencia e vou entrar já no assunto para que pedi a palavra e que consta de uma carta que recebi do planalto de Mossamedes e para cujo conteudo chamo a attenção dos Srs. Deputados e do Sr. Ministro da Guerra, visto não se achar presente o Sr. Ministro da Marinha. O assunto é grave. Eu leio:

"Os cuanhamas invadiram a região do Humbe, chegando proximo da fortaleza. Atacaram tambem a Camba e o Pocollo. Roubaram grande quantidade de gado e levaram mais de trezentas pessoas. Só a um negociante roubaram duzentas e cincoenta mulheres e crianças".

E frequente, é talvez vulgar no planalto de Mossamedes a invasão do gentio do cuanhama. Mas o que constitue a novidade e a gravidade do caso presente é que d'esta vez o facto não se limitou a aggressão do gentio para gentio; não foram atacados apenas os naturaes, mas os negociantes brancos, sendo-lhes roubadas e escravisadas muitas crianças e mulheres.

É um facto gravissimo, porque representa não só um desprestigio para a nossa autoridade, mas uma diminuição da nossa preponderancia entre os povos d'aquella região.

O Sr. Nunes Godinho: - V. Exa. tem a bondade, lê outra vez essa passagem da carta que diz terem sido roubadas a um negociante duzentas e tantas mulheres?

O Orador: - Essas mulheres eram serviçaes.

O gentio do Cuanhama é insubmisso e aguerrido.

Vive de latrocinios; mas é intelligente e dispõe de alguma cavallaria, facto unico naquellas regiões. Possue armas aperfeiçoadas que adquire por contrabando na fronteira allemã e nos tres districtos, na Huilla, Mossamedes e Benguella, por meio dos contrabandistas portugueses.

Eu julgo que o Sr. Ministro da Marinha já ha de ter dado as necessarias providencias a este respeito. E preciso que o facto não fique impune, porque a impunidade pode trazer-nos graves dissabores.

As guerras que temos sustentado com o gentio naquellas regiões, de ha vinte annos para cá, tem-nos dado um fraco resultado, talvez um resultado negativo.

Apesar do feito brilhante do coronel Roçadas, a verdade é que o gentio d'aquella região, e sobretudo o do Cuamato, está num estado latente de revolta, e que se os cuanhamas por acaso não forem severamente castigados pode dar logar isso a um levantamento geral.

Quem conhece a psychologia do negro africano sabe que aquillo a que nós chamamos um crime, a invasão á mão armada, para elle constitue um acto de valentia, um acto heroico, e que se esse attentado não for seguido de immediata repressão, representa isso da parte do individuo que soffreu o attentado um sinal de fraqueza, que o gentio aproveita em seu favor.

Não venho pedir ao Sr. Ministro da Guerra que mande para o Cuanhama uma expedição em forma, porque isso é um problema a resolver, attentas as condições actuaes, e os meios de defesa de que o gentio do Cuanhama dispõe; mas o que peço é que S. Exa. dê as necessarias ordens ao Sr. governador geral de Angola, a fim de que sejam reforçados os postos militares circunvizinhos ás regiões do Cuanhama, áquem e alem Cunene, porque será um meio de evitar surprezas, como a actual, que se podem repetir durante o anno corrente attendendo ao péssimo anno agricola.

Desejo tambem chamar a attencão do Sr. Ministro da Guerra para o desenfreado contrabando de guerra que se faz no sul de Angola. Negociantes sem alma e sem dignidade, que teem na bolsa a alma e o coração, fornecem ao gentio, a troco de cabeças de gado, grande quantidade de armamento que mais tarde se volta contra nós. E um crime gravissimo que deve ser punido rapidamente e com toda a energia.

Eu sei que a Allemanha se queixa que pelas nossas fronteiras se faz contrabando de guerra, mas a verdade è que se faz tambem contrabando pelas suas fronteiras e não pequeno.

Entretanto o Sr. Ministro da Marinha tomará as providencias que julgar convenientes.

O Sr. Ministro da Guerra (Xavier Barreto): - Sr. Presidente, pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre Deputado Sr. Bernardino Roque, que eu transmittirei ao meu collega da Marinha as observações de S. Exa.

O Sr. Rodrigo Fontinha: - Desejava que estiveas8 presente o Sr. Ministro da Justiça, porque vou tratar de um assunto que se me afigura de alguma importancia e que corre pela pasta de S. Exa.

(Entra na sala o Sr. Ministro da Justiça).

Estava dizendo que desejava dirigir-me a V. Exa., Sr. Ministro da Justiça, acêrca da applicação das casas

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que pertenciam ás congregações religiosas que existiam em Portugal, e que segundo a lei, não havendo reclamações até um dado prano, ficavam pertencendo ao Estado. Segundo me consta, este prazo foi prorogado até o fim do mês passado. Nessa lei havia excepções para as casas que estavam occupadas pelos jesuitas, porque esses, como se serviam de processos illegaes, está claro que não podiam adquirir direitos que não tinham; mas o que é certo é que este prazo das reclamações passou, teem sido feitos varios pedidos para que aquelles editicios publicos tenham applicação e, a não ser com raras excepções, não se tem dado ainda destino a esses edificios.

Em Vianna do Castello, por exemplo, onde havia quatro ou cinco edificios que tinham sido occupados por congregações religiosas, elaborou-se um relatorio em que se expunham o fim e a utilidade que havia em se dar applicação a essas casas, e até hoje nada se fez.

Em Vianna do Castello pediu-se que a casa onde estava installado um collegio jesuita, e sobre o qual não podia haver reclamações, fosse dada para se estabelecer o lyceu, que está funccionando sem condições algumas de hygiene e com a qual o Estado está gastando 600$000 réis por anno.

O que é certo 4 que, se essa applicação fosse dada, o Estado é que lucrava e o lyceu podia estar mais bem installado.

O mesmo succede com outras casas, como por exemplo com o collegio de Campolide, segundo eu ouvi a um grande cidadão, que foi encarregado de ordenar tudo o que ali havia, e que me disse que aquella casa podia ser applicada para um collegio, não direi modelar, porque os jesuitas não procuravam attender ás melhores condições pedagógicas e hygienicas; o que faziam era grandes torreões que dessem nas vistas. O seu fim era ludibriar os papás. Mas servia para se estabelecer um collegio regular.

E essa uma maneira de nós, republicanos, darmos uma resposta condigna, uma razão clara á propaganda calumniosa que se tem feito lá fora.

Tem-se dito que a Republica pôs fora das casas religiosas cerca de 2:000 crianças e não trata de organizar outras casas de estudo.

No estado em que estamos continuamos a seguir a tradição que vem do tempo da monarchia, de que é mister afastarmo-nos.

Pois não se podem formar internatos para receber essas crianças?

Eu não quero referir-me especialmente ao Collegio de Campolide nem a outras casas, ao que se passa com a tal casa de Vianna do Castello, que podia ser aproveitada para lyceu. A tal respeito desejo perguntar a S. Exa. o Ministro o seguinte: o prazo para as reclamações sobre casas que foram das congregações foi ou não prorogado mais uma vez?

Se o foi, por quanto tempo? Se não foi, porque motivo, para se dar applicação a essas casas, se não organizou uma commissão que a respeito de todas essas casas que foram occupadas por congregações religiosas e estão hoje ua posse do Governo, desse num relatorio a sua opinião sobre o que ellas são, da applicação que podem ter em serviços publico de interesse local, etc.

Porque se não faz isto? E, com relação ás casas que foram dos jesuitas, por que motivo estão ellas, por assim dizer, desculpem me o termo, ás moscas, sem applicação condigna?

Já que estou com a palavra, peço licença para chamar a attenção dos Srs. Ministros das differentes pastas para outro assunto sobre que teem chamado a minha attenção e sobre que já tenho pensado muitas vezes.

Refiro-me á maneira como certos funccionarios publicos cumprem as suas obrigações burocraticas. É claro que ha muitas excepções, mas tambem é claro, porque conheço muitos d'esses empregados, que a maioria d'elles entram quando querem para as suas repartições. (Apoiados).

Fazem o que querem. Existe um livro de ponto, que tambem existia no tempo da monarchia, mas que de nada serve.

Isto é que não pode continuar assim.

A Republica deve ser uma cousa differente do que foi a monarchia. (Apoiados).

Não basta que isso se diga nos discursos, nos comicios, é necessario que seja a realidade, e o que é certo é que o cumprimento regulamentar dos funccionarios apenas existe hoje, por excepção, e honra lhes seja por isso, nos Ministerios da Guerra e da Marinha; mas é necessario que o mesmo succeda em todas as outras repartições.

Uma voz: - Apoiado, apoiado, ha empregados que entram ás duas horas para as suas repartirdes.

O Orador: - Não é só nas repartições, é nas escolas primarias, nas secundarias e nas superiores. Na Repartirão de Obras Publicas de Vianna do Castello então é um escandalo.

No primeiro mês (depois de implantada a Republica) houve um certo medo por parte dos funccionarios, mas esse medo passou e hoje continuam como antigamente. (Apoiados).

Esta bambochata é que é preciso que não continue, porque se os serviços publicos não entram em ordem, então ai da Republica!

Agora outra cousa eu ouso perguntar ao Sr. Ministro do Interior.

Está o jogo de azar prohibido ou não em Portugal?

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Absolutamente prohibido por mim.

O Orador: - E no entanto em toda a parte se joga á descarada.

Em Lisboa joga-se, nas provincias joga-se, sabe-se das casas onde se joga, as autoridades tambem não o ignoram e contudo permittem-no.

Seria preferivel que se fizesse a sua regulamentação, para obviar a muitos males e para cumprir muitas promessas feitas.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Pedi a palavra para responder ao illustre Deputado Sr. Fontinha, unicamente porque S. Exa., referindo-se a que os funccionarios das differentes repartições comparecem ao serviço geralmente tarde, em todos os Ministerios, com excepção dos da Guerra e da Marinha, consequentemente se referiu ao Ministerio do Interior. Por isso, declaro a S. Exa. que amanhã vou mandar proceder a uma syndicancia muito rigorosa e serão castigados todos os funccionarios do meu Ministerio, que se provar não cumprirem com os seus deveres.

Eu tenho a convicção de que todos elles cumprem os seus deveres; tenho toda a confiança nos directores geraes, e isso me leva a concluir que todos cumprem a sua obrigação; mas é possivel que os directores sejam illudidos. Entretanto, garanto a V. Exa. que, amanhã, se vae proceder a uma syndicancia muito rigorosa e serão castigados todos os funccionarios que não cumprirem os seus deveres.

Com respeito ao jogo, devo dizer a V. Exa. que, já em tempo convidei os meus collegas para uma reunião de Conselho de Ministros em que a questão do jogo foi exposta, resolvendo-se que fosse prohibido. Neste sentido telegraphei aos governadores civis para que cumprissem as ordens do Governo sobre a prohibição do jogo, expedindo ainda segundo e terceiro telegramma. Se elles não

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cumprem as ordens, é porque não ha meio de as cumprir.

O Sr. Moraes Rosa: - Sabe V. Exa. até onde se joga?

A bordo dos barcos no Tejo!

O Orador: - É um systema novo de conspiração. (Riso).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo illustre Deputado Sr. Fontinha. S. Exa. tem toda a razão. O Governo tem estado sempre identificado com o illustre Deputado no mesmo proposito de fazer com que em Portugal a dissolução das congregações clericaes não deixe nenhum vestigio penoso ás novas instituições republicanas. E não só é uma questão pedagogica a instituição de collegios dos sexos masculino e feminino, mas tambem uma questão economica muito grave para a maior parte das populações.

Em algumas terras, como Coimbra e Braga, é preciso, evidentemente, que o Estado substitua os antigos collegios por collegios seculares. Mas acontece, que em muitas localidades a propria população tem representado ao Governo em sentidos diversos. Ha em Vianna quem deseje o edificio que S. Exa. citou para um lyceu, mas ha tambem ali, quem tenha desejado que esse edificio seja applicado a uma colonia penal de menores.

O Governo, creia S. Exa., ha de resolver o problema, dando quanto possivel satisfação ás reclamações do illustre Deputado.

Effectivamente, o prazo que havia para as reclamações sobre a propriedade dos bens clericaes foi prorogado por mais sessenta dias, prazo este que expira no fim de agosto, e só depois de seguidos os tramites legaes é que se pode verificar de quem é cada propriedade.

Já que estou com a palavra, permitta-me a camara que lhe dê uma boa noticia, e é que varios dos parochos que haviam recusado a pensão reconsideraram ultimamente, e, eu estou disposto, se a camara não se manifestar em sentido contrario, a prorogar o prazo para que o maior numero de parochos possam vir a ter as suas justas pensões. (Apoiados geraes).

Isto prova que, felizmente, no país vão desapparecendo os adversarios da Republica, porque, evidentemente, só por acinte com as novas Instituições é que se podia fazer uma greve contra pensões, que era extraordinaria, porque greves para melhoria de salario, comprehendem-se, mas greves para não se receber nada...

Alem d'esta communicação, tenho a satisfação de dizer á Assembleia que o Governo Espanhol combinou com o Governo Português os meios efficazes de se tornar executoria a sua resolução de expulsar de junto da fronteira os conspiradores. Os dois Governos combinaram um serviço entre os cônsules portugueses e os governadores das provincias limitrophes de modo que os consules portugueses dêem indicações, aos governadores, das pessoas suspeitas de conspiração, para que os governadores ordenem a expulsão, e, caso elles não obedeçam, os mandem prender.

Eis a combinação feita entre os dois Governos.

D'este modo, creio que todos devem ficar satisfeitos, desfazendo-se, ao mesmo tempo, as preoccupações que vinham da fronteira. Porque os conspiradores dentro do país esses evidentemente não podem causá-las.

Devo dizer que, dentro em poucos dias, trarei a esta Camara uma nota exacta dos conspiradores detidos ou pronunciados até hoje, para se ver quão insignificante é esse numero.

Quero tambem dar uma resposta a um illustre Deputado que num dos ultimos dias falou aqui de umas crianças que estavam presas no Limoeiro.

É facto que muitas vezes os presos são enviados ás cadeias sem conhecimento do Ministerio da Justiça. Eu, porem, acabo de resolver que, sempre que haja de se fazer remessa de presos para as cadeias, essa remessa seja communicada ao Ministerio da Justiça; e relativamente ás crianças, tomei a resolução immediata e peremptoria de evitar a promiscuidade que se dava e que era perigosa, recolhendo as crianças a asylos e casas de correcção. (Muitos apoiados).

Darei agora umas explicações.

Alguns jornaes estrangeiros, referindo-se ao meu ultimo discurso nas Constituintes, disseram que o Governo estava realizando acordos com as outras nações, para alcançar d'ellas o reconhecimento da Republica Portuguesa.

Estou lembrado de ter falado aqui no assunto do reconhecimento, mas lembro me tambem de ter dito que o reconhecimento official já estava feito de facto; e tanto isto é assim, que acabo de assinar mais um acordo commercial com a Austria-Hungria.

E quem na verdade havia de contestar ao povo português o direito de se emancipar?

O que eu aqui disse foi que Portugal não estava sob a pressão de ninguem para tratar da sua Constituição.

Disse tambem que a Constituição se devia votar rapidamente. Mas rapidamente não quer dizer mal. E creio que esta Assembleia já está edificada sobre os grandes principios basilares da Constituição.

(O discurso de S. Exa. será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Alvaro de Castro: - Mando para a mesa o parecer da commissão especial para redigir um decreto que concentre em Lisboa a investigação e a instrucção de crimes contra a Republica, sobre a proposta dos Srs. Deputados Helder Ribeiro, Alvaro de Castro, Alvaro Poppe, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães e Americo Olavo, relativo aos emigrados portugueses.

Peço que a Assembleia resolva sobre a necessidade de se dedicar uma sessão especial á discussão d'este parecer.

(Consultada a Camara sobre o podido do Sr. Alvaro de Castro, foi approvado).

O parecer foi imprimir para ser distribuido.

O Sr. Presidente: - Amanhã communico á Camara.

O Sr. Ministro da Guerra (Xavier Barreto): - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta:

(Leu).

Esta proposta trata de um assunto de ordem publica, por conseguinte é urgente.

Peço a urgencia, para entrar immediatamente em discussão.

O Sr. Presidente: - Vae-se na mesa a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra e para a qual S. Exa. pede a urgencia.

Foi lida na mesa, foi considerada urgente, entrando em seguida em discussão.

E a seguinte:

"Sendo actualmente muito exiguos os effectivos das diversas unidades do exercito e tornando-se de urgente necessidade aumentar esses effectivos com algumas classes da reserva a fim de se poder occorrer ás exigencias da manutenção da ordem publica:

A Assembleia Nacional Constituinte decreta e promulga a lei seguinte:

Artigo 1.° Em harmonia com o determinado no artigo 14.° do decreto com força de lei de 2 de março de 1911 e no § 3.° do artigo 6.° do regulamento para a orga-

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

nização das reservas do exercito de 2 de novembro de 1899, são convocadas e chamadas ao serviço activo do exercito em todo o territorio do continente da Republica as seguintes classes de praças que, pelas disposições do regulamento acima citado, faziam parte da 1.ª reserva do exercito:

Para as praças da arma de infantaria, e das tropas dos serviços de saude e de administração militar, as classes de 1913, 1914, 1915 e 1916.

Para as praças das armas de cavallaria e artilharia, as classes de 1916.

Art. 2.° As praças de que trata o artigo antecedente devem apresentar-se nas unidades a que são destinadas nos prazos que forem fixados pelos commandantes dos districtos de recrutamento e reserva a que pertencem.

Art. 3.° Os reservistas ausentes com licença no estrangeiro e ultramar ficam dispensados de se apresentarem para effeito d'este decreto.

Art. 4.° São igualmente dispensados de se apresentarem os reservistas a que se refere o n.° 12 do regulamento mandado pôr em execução por decreto de 24 de julho de 1907.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Padua Correia: - Requeiro que seja lido na mesa o artigo da lei de 1899, citado pelo Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Eduardo Abreu: - Eu já vi, pela leitura rapida, que essa proposta aumenta as despesas publicas; mas o outro dia a commissão de finanças deliberou, que de todo o aumento de despesa que fosse feito em defesa das instituições republicanas não faria questão nenhuma.

Portanto, declaro a V. Exa., em nome da commissão de finanças, que não ha duvida nenhuma na approvação d'este projecto.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o paragrapho da lei de 1899 pedido pelo Sr. Padua Correia. (Leu-se).

O Sr. Padua Correia: - Segundo o artigo que acaba de ser lido na mesa, e o Sr. Ministro da Guerra cita no projecto de lei, já ha mais tempo que S. Exa. podia ter apresentado nesta Assembleia a proposta que hoje apresenta, porque, se era necessaria uma autorização especial para o chamamento das reservas, eu entendia que aquillo que S. Exa. hoje trás ha mais tempo, visto essas reservas terem sido chamadas depois de reunida a Assembleia, de via ter sido feito.

Ora eu, não faço isto de maneira nenhuma para censurar o procedimento do Sr. Ministro da Guerra; faço-o simplesmente para que a Assembleia não deixe de exercer todo o seu direito que hoje tem, segundo as leis.

Era esta a simples observação que eu queria apresentar em defesa dos direitos parlamentares e de todas as Assembleias, principalmente Constituintes.

O Sr. Ministro da Guerra (Xavier Barreto): - Invocou o Sr. Deputado Padua Correia os direitos do Parlamento. Não serei eu quem os conteste, pois tenho por elles o maximo respeito, mas entendo tambem que não se pode ter em menos conta os direitos da defesa da Republica, e foi em nome da defesa d'esses direitos que o Governo pôs de parte uma disposição legal.

Reconhecendo que não era opportuno nem conveniente trazer á Camara a proposta de lei antes de ter dado ordem para se convocarem as reservas, porque de um tal procedimento podiam resultar males de ordem interna e externa, podia sobresaltar o espirito publico e dar aos conspiradores a noção de que o Governo não dispunha de forças sufficientes para repellir qualquer ataque, animando-os a produzirem perturbações da ordem publica]; procedi pela forma que o fiz, convencido que o fazia a bem da Republica; mas se a Assembleia entende o contrario, se não tem confiança nas providencias do Ministro da Guerra para a manutenção da ordem publica, diga-o francamente, porque em seguida abandono o meu logar.

Vozes: - Não apoiado.

Lidos successivamente os diferentes artigos do projecto, foram approvados sem discussão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3 (Constituição)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Egas Moniz.

O Sr. Egas Moniz: - Cumprindo as prescrições regimentaes mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem n.° 3

A Camara, desejando que a nova Constituição esteja de acordo com as tendencias do povo português, continua na ordem do dia. = Egas Moniz.

Disse alguem que os machinismos constitucionaes não teem valor, nem efficacidades proprias, independentemente das forças moraes e sociaes que os representam e põem em movimento.

Com esta grande verdade iniciarei as minhas despretensiosas considerações, neste momento grave, em que se discute a Constituição da Republica.

As constituições só são boas, ou más, consoante se adaptam ou não á educação de povo para o qual ellas se formam e organizam.

O projecto em discussão não o é de um Deputado, nem da commissão que o elaborou, porquanto a Camara já ouviu alguns membros illustres d'essa commissão, e todos elles manifestaram ideias discordantes. A commissão apenas o que quis foi apresentar uma plataforma para a discussão, e nada mais.

Cada um dos membros da commissão que tem usado da palavra apresentou argumentos contra muitas disposições dos artigos contidos no projecto, e eu por minha parte, como membro da Camara, só tenho que agradecer á commissão a maneira como se houve, assinando o projecto unicamente, dando assim a entender que era um projecto de toda a commissão, quando afinal, como já disse, não representa senão uma plataforma para a discussão

Começarei por indicar quaes são as bases principaes do projecto:

1.ª A constituição dos poderes soberanos da Nação: poder legislativo, poder executivo e poder judicial; acceito-a.

2.ª O poder executivo será o delegado do poder legislativo; acceito-a;

3.ª O poder executivo tem, por chefe, o Presidente da Republica, e este deve ser eleito pelas duas camaras, em reunião conjunta; acceito-a igualmente;

4.ª Duas Camaras em vez de uma só, tambem a acceito.

Estas bases acceita-as; ha, porem, outras disposições particulares, que combato, embora ellas possam vir a ser acceites pela maioria da Camara.

Assim, por exemplo, consigna-se a independencia de todos os poderes, mas no artigo 18.° estabeleceu-se que seja a segunda Camara quem eleja, de entre os magistrados, o Supremo Tribunal de Justiça.

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Ora, não comprehendo a independencia do poder judicial, sujeito ao poder legislativo.

Todos conhecem muito bem qual o modo de ser politico da nossa terra, para não se consentir que fique consignado, na legislação portuguesa, um principio que é o repudio da independencia do poder judicial.

Eu queria que o puder judicial fosse independente do poder legislativo e executivo. Quereria que o Supremo Tribunal de Justiça fosse eleito, mas eleito por todos os magistrados, e só por estes.

O Sr. José Barbosa: - A commissão acceita a emenda do Sr. Egas Moniz.

O Orador: - Nesse sentido vou apresentar uma emenda, assim como tambem mais algumas outras.

A segunda questão - pela ordem natural de uma discussão methodica - é a que se refere á organização do poder legislativo.

Deve elle ser constituido por uma, ou duas camaras? Sou absolutamente pela opinião de duas camaras, desejando que ellas tenham a designação de - camara dos Deputados e Senado.

Pelo que respeita á segunda camara, quero para ella uma organização bem diversa da que vem consignada no projecto.

Não apresentarei, neste momento, grande copia de argumentos em favor das duas Camaras. Apenas direi algumas palavras, porque outros oradores que se seguirem, e que defendem esta ideia, por certo rebaterão os argumentos que venham a ser apresentados.

Não se diga que a constituição das duas Camaras traz a divisão do poder legislativo. É um velho argumento, citado em toda a parte e em toda a parte destruido. Os organismos são unicos; e é assim que o poder legislativo, tendo duas representações, a soberania nacional tendo dois mandatarios, nem por isso fica desunida; fica uma.

Nem se diga que a existencia de duas Camaras ha de trazer, implicitamente, a ideia de conflictos. E esse um erro que se destroe em face da theoria e dos factos.

Em 1851, havendo era França uma unica Camara, deu-se o golpe de Estado; existiram depois duas Camaras, e, apesar d'isso, desde 1889 não houve uma só dissolução. Os conflictos que possam surgir entre as duas Camaras devem resolver-se ou pela forma indicada no projecto, o que a mim não me repugna em absoluto, ou melhor ainda pela reunião das duas Camaras, Deputados e Senadores.

Alem d'isso, como disse Thiers, os países, para bem se governarem e prosperar, não precisam de muitas leis; do que precisam é de boas leis.

Sou de opinião que as duas Camaras devem existir, sobretudo para o nosso temperamento, um pouco impetuoso, e a que já os oradores antecedentes se referiram. Temperamento impetuoso que tem as suas vantagens como tem vantagens a raça latina, tantas vezes denegrida com apôs trofes inconvenientes.

Portugal, para obedecer ao temperamento do seu povo, precisa de ter uma Camara um pouco conservadora, com a representação de todas as classes sociaes. E desde já annuncio que apresentarei uma emenda nesse sentido.

Tanto tem conquistado, por toda a parte, novos adeptos a ideia das duas Camaras, que ainda agora a Camara revisionista grega, que ainda está reunida, acaba de votar, não a organização do Senado - lá chegará - mas a organização de um Conselho de Estado, com attribuições mais largas e amplas do que as do Conselho de Estado francês.

Sendo assim, e quando se vê os poucos países que teem uma só Camara evolucionarem para a ideia das duas Camaras, tem se a demonstração de que não nos devemos quedar numa aventura que, sendo perigosa em toda a parte, pode ser prejudicialissima para nós.

Falando, ha pouco, na constituição do Senado, disse que não concordava com a ideia existente no projecto; sob outra forma, porem, com uma outra orientação, não a ponho completamente de parte.

A este proposito, depois de um attento e demorado estudo, entendi dever apresentar uma emenda concretissima sobre a qual farei algumas considerações, de maneira a elucidar a Camara sobre o proposito que me levou a apresentá-la.

Não quero que o Senado seja uma duplicação da Camara dos Deputados e por isso não acceito o artigo que determina que o primeiro Senado seja constituido por antigos deputados eleitos. Uma duplicação era uma cousa inutil, e assim tinham razão todos aquelles que atacam a constituição das duas camaras feita por tal forma.

O Senado tem de ser uma cousa nova. Sei perfeitamente que esta medida, tal como acabo de apresentá-la, ainda não foi adoptada; mas raros são os tratadistas modernos que entendem que o Senado não deva ser a representação de aggragados sociaes, entendendo como aggregados sociaes as forças intellectuaes do país, desde o professorado primario até o superior, as forças da riqueza publica ; os agricultores, os commerciantes e os operarios, que são, tambem, a riqueza, sob outro aspecto.

Todas essas entidades, entendo eu que devem ser representadas, para serem a representação directa e immediata da riqueza publica, na sua mais larga generalização.

O numero de 80 senadores, que adopto funda-se em que, a meu ver, o numero de senadores nunca deve ser inferior a metade do numero de deputados.

Desde que uma camara represente a força directa do povo, e outra a força directa dos interesses sociaes, estou convencido de que quaesquer conflictos se podem resolver facilmente, no campo da pratica, tambem como podem ser comprehendidos no campo abstracto das ideias.

Tem-se discutido a questão da Republica presidencial e da Republica parlamentar.

No projecto ha disposições que, de facto, só se encontram nas republicas presidencialistas. Pertence a esse numero aquella que, desde o principio da discussão, tem sido mais discutida: a presença, ou não, dos Ministros nas camaras.

Quando li o projecto pela primeira vez, detive me um pouco, olhando para o passado do meu país. Sei que se tem abusado extraordinariamente do parlamentarismo em Portugal, o que, aliás, tambem succede em França e na Italia. Sei isso e espero que tal situação não continue dentro da Republica e que se torne pratica a frase de Thiers: que seja o Governo da Republica aquelle que diferencio menos os homens.

Por minha parte, porem, não hesito; quero que os Ministros venham á Camara dar conta dos seus actos.

Pelo que respeita á adopção da Republica presidencialista, não a posso eu conceber no meu país.

Nesse ponto estou em desacordo com o Sr. José Barbosa, pois é minha opinião que as republicas presidencialistas, como instituições mais ou menos modificadas, só podem prosperar nos países federativos. Ora, Portugal está muito longe de ser uma federação e, quiçá, nunca o será. Era preciso termos a organização da America do Norte, para sermos, como os Estados Unidos, apesar de ser presidencialista, uma republica typo.

Como, porem, temos que ver o problema com os seus antecedentes historicos, tendo de ter uma Constituição que esteja para o nosso temperamento, entendo que a Republica presidencialista só nos pode prejudicar.

Posto isto, referir-me-hei a uma questão que sei vae desagradar á Camara. A minha missão, porem, neste momento é dizer o que sinto.

Vem consignado no projecto um artigo em que se declara que a cada um é licito emittir livremente as suas

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opiniões e por ellas não pode ser perseguido. Ein vista

Por sua parte, deseja a dissolução.

Uma voz: - Não apoiado.

O Orador: - Peço a quem me deu um - não apoiado - que oiça as minhas ponderações e em seguida mo responda.

Julgo poder demonstrar a necessidade da dissolução, numa Republica parlamentar. Não comprehendo a dissolução no regime presidencialista, sem entrosar, mais ou menos, todos os poderes na mão do Presidente da Republica, porque elle nomerá livremente os seus Ministros, sem dar d'isso satisfação alguma, nem ao Parlamento, nem ao país, e quando o Parlamento pretendesse prejudicá-lo, dissolvia-o. Isso seria o tyranismo no regime parlamentar, . mas a falta da dissolução seria a tyrania do Parlamento; e a tyrania de muitos homens é muito peor do que a de um só.

A este respeito ha muitos argumentos, mas a soberania nacional é representada pelo Parlamento que, na sua essencia, é o país inteiro; e o país inteiro pode modificar a sua opinião; pode, amanhã, retirar o seu mandato.

A dissolução, porem, que eu quero, é ouira.

A dissolução, no systema parlamentar, é indispensavel; e, na minha qualidade de medico, gostando de exemplos concretos, de coisas vividas, apresentarei alguns exemplos.

Supponha-se que amanhã os homens que estão no poder, e hão de continuar no Ministerio, vivem com uma Camara que entende, por seu alvedrio, não lhes dar nem a lei de orçamento, nem as leis de defesa nacional, dentro do prazo legal.

Tal exemplo não é novo e já se tem dado em alguns regimes parlamentares.

Podia apresentar, tambem, o exemplo da Camara dos Deputados determinar a queda successiva dos Ministerios, estabelecendo, por assim dizer, a anarchia na administração do Estado.

Neste caso saem os Ministros, mas o mal permanece e permanece por tal forma, que é o golpe de Estado, é a revolta na rua e a desgraça do povo.

Por isso quero que com os maiores cuidados fique consignada a ideia da dissolução, pela forma por que a apresento numa emenda, que desejo ver detidamente apreciada.

(Ápartes.)

Já esperava essas interrupções e a ellas responderei.

Quando proclamei a necessidade da dissolução, não disse que ella fosse dada apenas pelo Presidente da Republica. Elle toma a iniciativa. Mas, pergunto: os membros da Camara, patriotas como são, vendo se amanhã numa situação irreductivel, não votariam a sua dissolução para sempre?

É por isso que desejo como conveniente a reunião das duas Camaras.

Se se der, por exemplo, a hypothese de uma medida necessaria ao bem do país não obter, depois de approvada na Camara dos Deputados, a acquiescencia do Senado, pergunto: nesse caso, reunidas as duas Camaras para a dissolução do Senado, ella será ou não votada? E portanto, o Parlamento que se dissolve a si proprio.

A maneira como elle apresenta o problema é para dar apenas a iniciativa ao Presidente da Republica, que ha-de, acima das cotteries, dos homens de partido e, até, das ideias, julgar em ultima instancia. Desejo manter-lhe este direito muito alto; tão alto que estou convencido de que, para bem da terra portuguesa e para bem de todos os politicos portugueses, elle será usado em Portugal, como tem sido usado em França.

Eu quero a dissolução com restricções; não quero dar-lhe uma generalidade tão lata que possa ser prejudicial á nacionalidade portuguesa.

Ao mesmo tempo apresento uma forma conciliatoria. Uns querem a dissolução larga, outros querem-na restricta; eu, porem, quero que a dissolução se dó por iniciativa do Presidente da Republica, mas com voto conforme da reunião das duas casas do Parlamento.

Referindo-me agora ao capitulo denominado - direitos e garantias individuaes - declaro acceitá-lo na sua maxima generalidade; contem, no entanto, pontos que invocam doutrina, com que não concordo.

Assim, por exemplo, nos artigos 15.° e 54.°, tratando-se de reunião e associação, estabelece-se a clausula da vigilancia da autoridade, para manter a ordem, embora um pouco disfarçada, o que não posso admittir.

Quero a associação e a reunião com os mesmos direitos sagrados, que hoje são adoptados em França pela lei de Maldeck-Rousseau. Quero que o direito de reunião e associação seja, dentro da Republica Portuguesa, tão perfeito, tão largo como o é nos países estrangeiros.

É certo que no projecto se fala em reuniões com armas. Mas reuniões com armas são já reuniões criminosas, e essas não entram nesse capitulo, porque essas reuniões pão projectos de crime e, para essas, ha o Codigo Penal.

Para o numero 21 do artigo 54.° desejo tambem chamar a attenção da Camara. Por minha parte, quero a abolição da pena de morte, até todas as hypotheses e casos; e quando tivesse do admitti-la, não era exactamente no caso de guerra que a acceitaria.

O Sr. Alvaro de Castro: - Já está abolida a pena de morte em casos de guerra.

O Orador: - Quero que a pena de morte seja abolida em caso de guerra, pela razão de que, sendo o principal argumento contra a pena de morte o erro judicial, com o julgamento, em caso de guerra, tambem se pode dar qualquer injustiça. Por isso quero que tal pena seja abolida para sempre, e em todos os casos.

Posto isto, chamo a especial attenção da commissão para outro ponto. O numero o 1 do artigo 19.°, § unico, diz o que é materia constitucional. Esse artigo não é senão a reproducção do artigo 144.° da carta constitucional, que consignou igual principio. Não censuro a commissão por ter adoptado um artigo que vinha na carta constitucional porque em direito publico é difficil hoje ser-se original. Não ataco, por isso, a commissão, mas lembro-me das lutas colossaes travadas nesta Camara, sobre o que era materia constitucional.

Quero que materia constitucional seja tudo o que na Camara se apresenta. Pode ser uma lei mais simples, mais reduzida, mas clara.

Sou, portanto, pela abolição d'esse artigo, que é uma copia do artigo 144.° da carta constitucional, assim como sou tambem pela introducção do um artigo similar ao artigo 7.° do acto adicional de 1896, que obriga o Governo a trazer á Camara, depois d'ella constituida, e no prazo de quinze dias, o orçamento e as leis de defesa nacional.

E indispensavel adoptar esta disposição, senão ver-se-ha chegar-se ao fim da legislatura sem os orçamentos votados e a defesa nacional perfeitamente garantida.

E indispensavel que o artigo 7.° seja adoptado e que o Sr. Ministro das Finanças seja obrigado a apresentar o orçamento dentro do prazo legal; assim como tambem os Srs. Ministro da Guerra e da Marinha sejam obrigados a apresentar as suas leis.

Outro ponto de que desejo tratar é o que se refere ao suifragio universal.

Sou de opinião que o suffragio universal fique consignado na lei constitucional portuguesa, de maneira a evitar que um Governo menos democrata, menos avançado, possa limitar o direito de voto aos cidadãos portugueses.

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E indispensavel que se consigne no artigo 72.° ou em qualquer entre o suffragio universal.

O Sr. Correia de Lemos: - Até mesmo para os analphabetos?

O Orador: - Analphabetos, ou não, porque todos teem o mesmo direito; e alguns analphabetos ha que teem mais consciencia e mais conhecimentos do que individuos que sabem ler e escrever.

Começo a sentir-me fatigado e, portanto, a ter necessidade de encurtar as minhas considerações. Não terminarei, porem, sem falar num assunto que reputo importante e que tem cabimento nesta altura da discussão.

Refiro me ás leis para constitucionaes, que vão completar o corpo de doutrina constitucional o dar-lhe maneira de se realizar em todas as suas circumstancias.

É assim que acceito a limitação do artigo 72.°, pelo que respeita ás leis sobre crimes de responsabilidade.

Acceito e acho indispensavel o que diz respeito ás leis eleitoraes do Senado e da Camara dos Deputados, a lei de reorganização judiciaria, que é indispensavel ao poder judicial; e ainda á lei de organização administrativa, embora não seja esta de tanta carencia, como aquellas que acabo de enunciar.

Para concluir, referir-me-hei ao capitulo das disposições transitorias, com que não concordo.

Uma é a que respeita á formação do Senado, saido da Camara dos Deputados.

Outra é a que se refere á vida d'esta Camara.

Entendo que é discutivel se a actual Camara foi ou não organizada só para votar a Constituição, mas não é d'isso que vou occupar-me; o caso é outro.

O artigo 74.° consigna que esta Camara viverá 4 annos, ao passo que pelo artigo 15.° se dá ás futuras Camaras a vida limitada de 3 annos.

Não se comprehende este desaôordo, tanto mais que a Camara continua a ser, não constituinte, mas uma Camara legislativa, como já o está sendo, porque ainda hoje votou, nessa qualidade, uma lei do Sr. Ministro da Guerra.

É apenas uma observação quê faço, não apresentando emenda.

E se sobre outros pontos as apresentei, foi por julgar que assim facilitaria o trabalho da commissão e da Camara.

Para terminar direi que, quanto á lei eleitoral, quer para o Senado, quer para a Camara dos Deputados, desejaria que ella fosse o mais liberal possivel. É indispensavel que todos se convençam de que é pela liberdade que se devem aniquilar os adversarios.

A liberdade - na frase de um grande escritor - é uma força tão grande, que nada ha que a domine; não ha tempo que a consuma; e não ha merito que lhe prevaleça.

As emendas que mando para a mesa são as seguintes:

Emendas ao projecto n.° 3

1.ª Proponho a eliminação do artigo 18.°

2.ª Proponho a introducção do seguinte artigo:

"O Presidente da Republica pode dissolver a Camara dos Deputados e o Senado antes de expirar o seu mandato desde que tenha o voto favoravel das duas Camaras conjuntamente reunidas.

§ unico. Neste caso serão convocados os collegios eleitoraes no prazo de quarenta dias e a Camara nos quinze dias que se seguirem ás eleições".

3.ª Proponho a substituição do artigo 17.° pelo seguinte:

"O Senado será constituido por 80 Senadores, sendo 40 eleitos por delegados de todos os corpos administrativos das provincias, dos archipelagos da Madeira e Porto Santo dos Açores e das provincias ultramarinas, sendo eleitos 4 por cada provincia e 4 pelos archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores em lista incompleta de 3 nomes e 4 pelas provincias ultramarinas; e os outros 40 por collegios eleitoraes assim constituidos:

1.° Por delegados do professorado primario, secundario, superior e especial do continente e archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores, ficando todas estas categorias representadas no Senado.

§ unico. Terão direito a eleger 12 Senadores em lista incompleta de 9 nomes.

2.° Por delegados dos agricultores, commerciantes, industriaes e operarios de cada provincia e dos archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores, constituidos separadamente em collegios eleitoraes.

§ 1.° Cada grupo dos delegados d'estes aggregados sociaes, reunidos em Lisboa, elegerá 7 Senadores em lista incompleta de 5 nomes.

§ 2.° Para a eleição dos delegados provinciaes de cada um d'estes aggregados sociaes proceder-se-ha ao recenseamento dos agricultores, commerciantes, industriaes e operarios de cada provincia e archipelagos, nas condições que as leis determinarem.

4.ª Proponho a eliminação dos n.08 3.°, 4.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.° 12.° e 13.° do artigo 38.° e a modificação do n.° 7.° do mesmo artigo, que ficará assim redigido:

"Representar a Nação perante o estrangeiro".

5.ª Proponho a eliminação do § 1.° do artigo 40.°, dos artigos 41.°, 42.° e 43.°, e, em sua substituição, proponho os artigos seguintes:

a) Cada Ministro dará conta ás Camaras dos seus actos.

b) Cada Ministro é responsavel pelos netos que praticar e por elles responderá nos tribunaes communs.

6.ª Proponho a substituição do artigo 51.° pelo seguinte:

"Todos os crimes, inclusive os crimes de responsabilidade do Presidente da Republica, dos Ministros, dos Deputados e dos seus co-reus, serão julgados nos tribunaes communs".

7.ª Proponho a eliminação do § unico do n.° 31.° do artigo 19.°, do projecto em discussão.

8.ª Proponho a inserção do seguinte artigo:

"Nos primeiros quinze dias depois de constituida a Camara dos Deputados, o Governo lhe apresentará o orçamento da receita e despesa do anno seguinte, com os projectos fixando as forças de terra e mar e o dos contingentes do recrutamento da força publica".

9.ª Proponho a inserção do seguinte artigo:

"Para a eleição dos Deputados e dos corpos administrativos terão voto todos os cidadãos portugueses no gozo dos seus direitos publicos, maiores de vinte e um annos".

10.ª Proponho que o artigo 72.° fique assim redigido:

"Promulgada a Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte passará a elaborar as seguintes leis, não podendo occupar-se, nas suas sessões diurnas, de qualquer outro assunto:

1.° Leis sobre os crimes de responsabilidade;

2.° Lei eleitoral para a eleição do Senado;

3.° Lei de organização judiciaria;

§ unico. Occupar-se-ha ainda nesta sessão da lei eleitoral para a eleição da Camara dos Deputados.

11.ª Proponho que no projecto em discussão se substituam as designações:

"Conselho nacional

"Conselho dos municipios

por:

"Camara dos Deputados

"Senado".

Sala das Sessões da Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Egas Moniz.

(O discurso de S. Exa. será publicado na integra quando restituir as notas tachygraphicas).

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Botelho de Sousa: - Por parte da commissão da marinha mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. que se installou a commissão de marinha tendo sido eleitos: pesidente o sr. João do Menezes e secretario o signatario.

O Sr. Pedro Martins: - Em harmonia com o Regimento mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Assembleia Nacional Constituinte affirma a necessidade de uma Constituição clara, coherente e nacional, em que de harmonia com a Republica legitimamente acclamada:

1.° Sejam democraticamente definidos e garantidos os direitos individuaes e os politicos dos cidadãos;

2.° Reconhecida a autonomia das administrações locaes e o referendum municipal;

3.° Organizados os poderes do Estado e definidas as attribuições respectivas por forma a assegurar-lhes regular e util funccionamento e prevenir conflictos entre elles; e continua na ordem do dia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = O Deputado, Pedro Martins.

Tratando-se da discussão de um projecto de importancia maxima, qual é o da lei fundamental do país, se por acaso não houver da parte da assembleia todo o patriotismo, toda a elevação, toda a serenidade intellectual e moral; se por acaso não se inspirarem todos somente nos grandes interesses nacionaes, poderão comprometter, para sempre, o futuro politico da patria portuguesa. Porque, ou a Constituição é alguma cousa, ou então não vale a pena discuti-la.

Se é alguma cousa, vae-se com ella harmonizar os direitos individuaes; vae-se com ella manter e defender os interesses dos individuos; vae se organizar os poderes politicos, por maneira que, amanhã, ou no exercicio das suas attribuições, ou do seu menos regular funccionamento, não se torne impossivel a vida politica.

Embora eu faça a enorme e grande justiça de acreditar, e bem alto proclamar, que a commissão envidou todos os esforços para dar á Patria Portuguesa uma Constituição coherente e nobre, a analyse do projecto mostra que ella não satisfaz á aspiração nacional.

Começo por dizer na minha moção que queria uma Constituição clara, que definisse principios geraes sobre individuos e Estado, e que harmonizasse os poderes politicos. Nada mais deve ter esse projecto.

Em todo o caso, a par da redacção defeituosa de muitas disposições, que apresentarei á commissão, a começar pelo artigo 1.° e a continuar no 7.°, em muitos outros artigos ha disposições relativas a leis que se hão de fazer, e até disposições regulamentares, como a que vem no artigo 72.°, que quer tirar á Camara o direito de discutir certas questões.

Como é que numa Constituição se estabelecem disposições regulamentares?

Essas disposições devem ser expungidas da Constituição, porque, mais tarde, hão de vir as leis organicas.

Pondo, porem, de parte estes defeitos formalistas do projecto, sobre os quaes não desejo alongar-me, para não tirar o tempo de que necessito, para me referir a outros pontos da Constituição, vou pô-la a funccionar, para a Camara ver como, por ella, os direitos individuaes não são acatados, e como se organizam os poderes por forma que não se sabe a que confusão, a que perigos poderá, dentro da Constituição, conduzir o funccionamento d'esses poderes.

Estarão, effectivamente, no projecto de Constituição, assegurados devidamente os direitos do cidadão? Pela forma por que o estão, era melhor que certos direitos não viessem garantidos na Constituição.

Com respeito ao direito de reunião, desejaria que ficasse estabelecido que toda a reunião é permittida a toda a hora. Ha, porem, outras disposições sobre direito individual que não sei como a commissão pôde inclui-las no projecto.

Eu quero o direito de propriedade em toda a sua plenitude e não como está no projecto, porque por essa forma vae-se não só atacar o direito fundamental de propriedade, mas podem amanhã surgir difficuldades de toda a ordem.

Os direitos individuaes são alguma cousa de serio e fundamental nas sociedades, e nisso é digna de louvor a commissão que os consignou na Constituição, pois são a defesa, a trincheira atrás da qual se collocam os cidadãos para se defender dos excessos dos poderes do Estado.

Basta ler o n.° 23.° do artigo 19.° para se ver como os direitos individuaes estão nas mãos do poder executivo, representando a autoridade que, em regra, é tradicionalmente inimiga do cidadão.

Fala o artigo 19.° em commoção interna. Quer dizer: o poder executivo fica amanhã com o direito de suspender as garantias, isto é, de restringir os direitos individuaes.

O poder executivo, perante isto, fica á vontade para fazer o que quiser, passando nove meses sem dar contas dos seus actos ao poder legislativo, visto que a legislatura só dura tres meses.

O Sr. José Barbosa: - Pondera que as Camaras reunem por direito proprio.

O Orador: - Não vejo isso no projecto. O quenelle se diz é que as Cortes se reunem por direito proprio em 31 de janeiro e não quando o entenderem.

Lamento que a nossa Constituição de 1838 fosse esquecida na organização do projecto, porque é superior á Constituição Brasileira em muitos pontos.

Todos os publicistas e a realidade dos factos dizem que, desde que o individuo esteja em frente do Estado, perde todos os seus direitos, fica completamente desarmado. É, por isso, indispensavel que criemos uma organização liberal em que a vida politica não seja alguma cousa de fementida: os aggregados sociaes.

O artigo 7.° do projecto está redigido de maneira que não se alcança o seu pensamento. Quem fica representado no conselho dos municipios? Os municipios ou as provincias?

Se são as provincias, isso só tem precedentes nos programmas dos partidos nacionalista e legitimista. Na nossa historia não se encontra a provincia como entidade administrativa senão num periodo muito limitado. Nunca tivemos os estados provinciaes, como os teve a Belgica e a Hollanda.

Parece-me que a Assembleia não poderá approvar que a provincia seja entidade administrativa.

O artigo 1.° deve ter outra redacção. Em vez de se dizer para seu Governo, deve dizer-se para sua forma de Governo, a fim de que não haja duvidas.

Não censura a commissão por ter ido á Constituição Brasileira copiar muitos artigos; o que era indispensavel é que o fizesse com bom criterio. Bom era até que o Governo, nalgumas leis que decretou, tivesse ido ao estrangeiro buscar formulas juridicas. Se assim tivesse feito, muitas d'ellas teriam ficado mais lógicas, mais perfeitas, mais livres de confusões.

No que diz respeito ao poder legislativo, applaudo o principio, estabelecido no projecto, das duas Camaras, e devo até dizer que não comprehendo como se pode querer uma só Camara.

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SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 13

Desde a antiguidade se encontra nos diversos países mais de uma Camara. Apenas tres nações tem actualmente uma só Camara: a Servia, o Egypto e a Grecia. O Peru, a Bolivia e o Equador, depois de terem tido uma só Camara, avançaram para o systema das duas.

Para garantia de todos, e principalmente do Estado, é necesoario evitar o despotismo parlamentar que pode resultar da existencia de uma só Camara.

Mas os municipios teem sempre desempenhado funcções administrativas, nunca os encontrámos funccionando como orgãos politicos. Que vantagem ha em lançá-los na politica, nas lutas eleitoraes, elegendo os membros do Senado ou Conselho dos Municipios?

Quer a Assembleia Nacional Constituinte organizar definitivamente uma segunda Camara? Faça-a representante dos interesses da agricultura, das industrias, das diversas classes sociaes.

A commissão collocou os Deputados, de uma e de outra Camara, em situação extremamente privilegiada. Eu porem, não approvo para os Deputados privilegios tão grandiosos porque considero isso anti-democratico. A lei deve cair sobre quem commetta um crime, seja ou não Deputado. Pois oomprehende-se que o Deputado, encerrado o Parlamento e tendo voltado para a sua terra, continue, embora sem funcção alguma politica, a estar couraçado com os privilegios que a commissão lhe concede? Não pode ser!

Pelo que respeita ao poder executivo, as disposições dos artigos 4.°, 5.°, 25.°, 26.° e 38.° contradizem-se; e, no entanto, á necessario que fiquem bem claras para que, caso surja um conflicto entre o poder executivo e o legislativo, possa ser prontamente resolvido.

O poder executivo é independente ou é delegado? É representante da nação?

Se isto não fica esclarecido na Constituição, um conflicto que se dê entre os dois poderes só poderá ser resolvido pela cessão do poder de um a outro, o que trará complicações, ou por um golpe de Estado, o que é temeroso!

Creio que poderemos continuar ainda com o regime parlamentar, mas bem defendido, organizando-se ao mesmo tempo os direitos individuaes e dando-se aos municipios as attribuições que elles, por Índole, devem ter, não se consentindo que Apossam ser roubados nessas attribuições.

Para garantia dos direitos individuaes, estabeleça-se o direito de resistencia que se consigna na Constituição de 1838.

Tem-se advogado a dissolução das Camaras.

A Republica Francesa tem vivido no regime parlamentar; e, todavia, desde 1877 até hoje, não tem carecido de dissoluções.

Se, numa divergencia entre um Governo e o Parlamento, o Presidente interviesse dissolvendo as Camaras, o Presidente seria um criminoso. Em tal caso, o que teria a fazer era demittir o Governo.

O Sr. Jacinto Nunes: - Essa é a verdadeira doutrina.

O Orador: - No caso de um conflicto entre as duas Camaras, a Constituição determinará a maneira de sair d'elle. Para que é necessaria a intervenção do Presidente?

Consultar a opinião da nação acêrca da politica do Governo? Eu bem sei para que é essa consulta.

Houve uma Constituição que só autorizava o rei a dissolver o Parlamento quando a salvação do Estado o exigisse. Isso foi o bastante para autorizar uma serie de manejos politicos, uma serie de ataques aos interesses nacionaes; tudo á sombra da salvação do Estado.

Se se estabelecesse essa disposição, a primeira Camara a ser dissolvida seria a actual.

Não tenho duvida, nesta parte, em acceitar a proposta do Sr. Egas Moniz, porque por ella o direito de dissolução fica na verdade, não nas mãos do Presidente, mas nas proprias Camaras.

Mas o Sr. Egas Moniz dá ao Presidente a iniciativa da dissolução. D'ahi resultaria que, para dirimir o conflicto entre o Governo e o Parlamento, se abria um conflicto maior entre as Camaras e o Chefe de Estado.

Se ha gabinetes ministeriaes que só podem viver com solidas e firmes maiorias, dispensemo-los porque a hora d'elles findou.

As grandes organizações partidarias não podem hoje surgir porque os desacordos appareceriam immediatamente.

Deseja que o poder judicial seja respeitado em toda a sua independencia.

A este respeito direi que não comprehendo a disposição do artigo 48.° Entendo que se o poder judicial, independente de qualquer das partes, impugnar a validade da lei, deve sempre verificar a validade.

E, para terminar, direi:

Organizemos devidamente os diversos factores da nossa vida politica, colloquemos os tres poderes em condições harmónicas, e elles serão o sustentaculo dos nossos direitos individuaes, da liberdade, da vida prospera e da politica da nação.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel de Arriaga.

O Ss. Manuel de Arriaga: - Como tenho de ir trabalhar para uma commissão, peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que eu deixe de falar agora, e use da palavra na sessão de amanhã.

Consultada a Assembleia, esta resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. José de Abreu.

O Sr. José de Abreu: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente que o meu direito de falar agora possa transmittir-se ao Sr. Dr. Alexandre Braga.

Consultada a Assembleia, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alexandre Braga.

O Sr. Teixeira de Queiroz: - Mas o que se está fazendo prejudica os outros oradores inscritos.

O Sr. Presidente: - Não ha tal prejuizo para V. Exa. porque o Sr. Alexandre Braga antecede-o na lista da inscrição.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Peço a V. Exa. para tambem ficar cem a palavra reservada.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Severiano José da Silva.

O Sr. Severiano José da Silva:-Sr. Presidente e meus senhores: eu acho que o projecto tem sido atacado essencialmente na especialidade, (Apoiados) e que nós estamos perdendo um tempo precioso, tendo depois de gastar mais tempo estudando cada um dos artigos.

Fazer uma Constituição, meus senhores, é organizar um Estado; o que nós queremos aqui, é um esqueleto, para depois o vestirmos de carne. Vejamos se elle a esse ponto satisfaz.

O projecto de Constituição, depois de dizer onde está a soberania, levanta d'ella e por ella os poderes do Estado,

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que são os seus orgãos destinados a desempenhar as funcções em que elle se divide.

As funcções do Estado são, meus senhores, como em todas as constituições de todos os países, funcções legislativas, funcções executivas e funcções judiciaes. Até este ponto o projecto não falha. O que agora nós precisamos é examinar se os orgãos que o projecto construiu estão, por sua estructura, bem adequados á funcção que desempenham.

Para isso o melhor caminho a seguir é definir com precisão cada uma das funcções.

Desde que estas sejam definidas, nós vamos com facilidade construir o orgão que a ha de rigorosamente executar, ou conhecer os defeitos d'aquelle que o projecto apresentou.

Definimos primeiro a funcção do legislativo.

A funcção caracteristica do legislativo é fazer a lei; a lei é para a sociedade; e ella será tanto mais perfeita quanto for a forma aproximativa da realidade da sociedade. Assim adquire desde o nascer as suas qualidades essenciaes: a inviolabilidade e a estabilidade; porque, traduzindo a forma real da sociedade, ella evidentemente será executada.

Da sociedade havemos tambem de arrancar o orgão que ha de exercer essa funcção. Portanto, olhemos para a sociedade e examinemo-la.

A sociedade, juridicamente, apresenta-se-nos sob dois aspectos:

O aspecto legal e o aspecto real, isto é, pelas leis e pelos actos.

Se nós analysarmos todas as constituições, notamos que ha desacordo entre a sua letra e a pratica; notamos este desacordo, logo desde o principio, e não só como phenomeno de evolução. Este desacordo dá-se não só no que respeita ás leis constitucionaes, aias ainda com relação ás leis communs. Ora o papel do legislador consiste em fazer desapparecer esse desacordo. Eis a funcção legislativa. Para o fazer desapparecer é preciso saber de onde elle vem.

Segundo Cruet, a febre eleitoral que de tempos a tempos agita uma nação é uma febre ideológica. Nessa occasião, é quando o cidadão sente em si o que quer que é de elevação, porque é nella que elle exerce o voto, unica cousa que lhe ficou de toda a soberania. Nessa occasião debate assuntos varios sob novos criterios, apparecem-lhe programmas tangendo e apontando ideaes novos.

Nessa occasião, meus senhores, apparece ainda a eloquencia sobredourando a vida, mostrando, acima da realidade, uma idealidade. Eleitor e eleito identificam-se nessa atmosphera.

O eleito vem para a Camara nesta atmosphera ideal, procurando para a sociedade e para a sua Patria, meus senhores, uma vida melhor, querendo traduzir nas leis os ideaes que elle sente.

Por outro lado, o eleitor, vae para casa, e no dia seguinte, longe da multidão politica, a sós, encontra-se em face da realidade do meio, que o condiciona e determina na pratica dos seus actos bem diversos dos ideaes da véspera.

Eis a causa do desacordo. Eis a indicação para o legislador. Estabelecer o acordo entre o acto e o voto, esse é o papel nitido e carecteristico do legislador.

"E' preciso para determinar com toda a sinceridade as tendencias da vontade publica examinar parallelamente como a nação vota e como ella vive".

Para a votação escolheremos o suffragio universal como processo mais aproximado de expressão da vontade nacional e de conformidade com os programmas do partido republicano.

Para a expressão da sua vida seria preciso organizar uma estatistica dos actos sociaes. Por varios processos se poderia obter esse resultado, directa ou indirectamente.

Analysando as constituições de todos os países, notamos que ellas torneiam essa difficuldade organizando uma segunda Camara composta de individuos cuja idade tem por limite minimo os 35 annos. E esta a idade em que o cidadão, apagados os arrebatamentos da mocidade, presta toda a attenção á realidade da vida. A experiencia traz-lhe como criterio da vida mais os actos do que os ideaes. Essa segunda Camara representará, do maneira indirecta, o suffragio dos actos e será o verdadeiro correctivo á primeira. A lei será mais a expressão da vida real da Nação quando passada por esta segunda Camara.

Uma é a expressão da Nação voto; outra é a expressão possivel da Nação pratica.

É este o argumento mais solido que vem em defesa do estabelecimento de duas Camaras.

Analysada a questão do legislativo-bicamaral de uma maneira generica, examinemo-la agora em face da nossa Nação.

Analysando-se o que foi a nossa sociedade politica antes do advento da Republica, verificado é que o poder executivo dominou sempre como absoluto.

Quem aqui disse que nós possuimos tradições parlamentares tinha, por certo, cataratas no espirito.

O poder executivo dominou sempre.

O poder legislativo era somente a chancella para os actos do poder executivo.

Os governos, não tendo um legislativo que lhes servisse, para assim dizer, de carta choro-sociographica da Nação, não possuiam o natural e necessario estimulo para bem governar; e, supprimindo ou desfigurando o Parlamento, annullaram-se a si mesmos. Essa suppressão foi como o coice de espingarda em caçador inexperiente. Só lhes fez mal a elles.

Ora o Parlamento como representante genuino e legitimo da nação, deve ser o indicador dos interesses geraes que os Governos teem por dever conhecer, para os harmonizar e desenvolver.

Faltando ao Governo tão importante cooperador, Portugal devia fatalmente resentir-se. De facto se resentiu porque nos ultimos tempos da monarchia muito se atrasou; e se não retrogrado.u ou mesmo não estacionou foi devido ás representações das classes dirigentes.

Foram as reclamações energicas dos municipios, das associações commercial e industrial; foram as representações do exercito e da armada e das corporações scientificas, que fizeram marchar alguma cousa este pobre Portugal.

Eis aqui o eleitorado da segunda Camara. São as corporações dirigentes que envolvidas mais activamente nas lutas dos interesses; e mais illustres, melhor conhecem a sociedade pelo seu lado pratico.

A segunda Camara deve, pois, sair das classes dirigentes, e não somente dos municipios como se estatue neste projecto.

De resto a eleição da segunda Camara para as classes dirigentes em nada enfraquece a soberania nacional, como por vezes tenho ouvido.

As classes dirigentes não se fizeram a si mesmas, appareceram feitas pelo suffragio da nação.

Passemos agora, Sr. Presidente, ao executivo, que é, parece-me, a questão capital hoje ventilada nesta Camara.

O executivo tem a questão da Presidencia e esta assenta sobre este fundamento: ser ou não independente o executivo. Se o executivo tem de ser independente é necessaria a Presidencia, se o executivo não tem de ser independente não é necessaria a Presidencia.

Analysando o executivo, como fiz para o legislativo, isto é, primeiramente pela sua força, vê-se que elle se nos apresenta á primeira vista, theoricamente, como braço do legislativo, quer dizer a força applicada á lei.

Ora se o executivo é a força applicada á lei, evidentemente é uma dependencia do legislativo.

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Mas, se nós examinarmos um pouco mais attentamente a questão encontramos que o executivo não é tal a força applicada á lei mas sim o contacto da lei, regra gera!, com o cidadão, o facto concreto, o particular.

Eu tenho uma maneira de fazer comprehender isto melhor.

Nós os medicos, temos uma medicina para a febre typhoide, é a medicina do banho frio, mas se encontramos deante de nós um cardiaco ou um brightico não lhe applicamos o banho frio porque elle morre.

Pois com o poder executivo dá-se a mesma cousa. Muitas vezes a lei applicada cegamente a todos os casos dá em resultado destruir interesses valiosos sem que o país nada lucre e ha perturbações da ordem publica.

Manter a ordem publica eis o papel caracteristico do poder executivo, e assim é que todas as Constituições do mundo dão ao Governo o direito de fazer os regulamentos.

Nós estamos philosophicamente analysando o projecto. Pelo que disse está-se vendo que o poder executivo desempenha uma funcção independente, nitidamente desenhada e que não pode estar de forma alguma directamente subordinada ao legislativo. Quando é que o legislativo consentiria que o executivo lhe alterassse a lei? Raras vezes e essas, a más horas.

Examinada a funcção do poder executivo de uma maneira geral, examinaremos agora como ella foi e será entre nós desempenhada.

Como ha pouco disse, todo o nosso passado politico se caracterizou pelo dominio absoluto do executivo.

Subia um partido, todo o país era d'esse partido. O executivo mudado de alto a baixo faria a Camara dos Deputados.

O nosso povo atrasado, mercê da politica monarchica, não tinha o treno administrativo, nem illustração para comprehender as mil leis que a seu bello prazer os partidos promulgavam. Recebia o exercicio da sua liberdade ou licença, pelo favor do executivo que, com a acquiescencia do Parlamento, tudo era. Esse favor pagava-o com o voto. Eis aqui, Sr. Presidente e meus senhores, todo o ma] da nossa politica. Estas duas rodas engrenadas, dependentes: o regedor (executivo) e o voto (legislativo). Essa engrenagem é preciso quebrá-la. Ora nós não a quebrámos desde que o executivo é braço do legislativo.

Sendo dependentes um do outro o resultado é voltar-se ao estado anterior, ao caciquismo. Eis mais uma razão da independencia do executivo e esta bem nossa, bem portuguesa.

Mas como se conseguirá a independencia do executivo? Pela presidencia, eleita por duas formas: pelo sufragio directo do povo ou pela, eleição das camaras, dando-lhe neste caso a Constituição uma vida superior á da Camara Morre a Camara e fica o executivo independente. A sua existencia já não depende d'aquelle poder legislativo Assim estatue o projecto. Mas grande incoherencia nelle se nota, quando, tendo dado estas qualidades entre as quaes avulta como necessaria e imprescindivel a independencia do executivo, estatue que o Presidente poderá ser destituido pela Camara.

Quer dizer, tirou-lhe toda a virtude. Tendo construido uma estatua de bronze pôs-lhe um pedestal de barro. Essa clausula da destituição pelas Camaras tem de ser eliminada a meu ver.

Quando tratar a especialidade terei occasião de apresentar a respectiva proposta.

Pode o Presidente, como elle fica com todo o executivo apôs a morte das Camaras, fazer elle a eleição do futuro Parlamento. Nesse caso, é preciso destruir o que se chama o caciquismo do Presidente.

Entendo que o projecto o destroe cabalmente pela maneira como organiza o Ministerio. Desde o momento em que o Ministerio não tenha Presidente, e estando, por isso dissolvida a sua solidariedade, quando as Camaras reprovarem qualquer medida governativa, o cheque será somente jara o Ministro da pasta respectiva, e como o executivo nomeado entre o Presidente e os Ministros, o que poderá acontecer é que á queda de um Ministro caia numa ou noutra localidade um governador civil ou um administrador que lhe era affeiçoado. O resto fica. O país não muda toda a face como d'antes. O executivo já não fica á mercê do voto.

E, agora, lembro-me de uma cousa importante que me faz um enorme contraste no espirito: é que nós, que tanto cuidado temos em regatear a independencia ao executivo, não regateamos nenhuma independencia ao judicial, que é, a certa medida, tambem um poder executivo. Não tenhamos medo de dar a independencia ao executivo. Os homens são todos os mesmos nós é que os fazemos maus em as nossas desconfianças. Em conclusão:

Ha necessidade de independencia para o executivo para bem desempenhar a sua funcção e para acabar, quanto possivel entre nós, com o miseravel processo politico em que temos vivido.

Não falo no poder judicial, visto a sua organização tal qual está no projecto não ter sido objecto de larga impugnação.

Mas o que é necessario é armá-lo de toda a independencia.

O projecto de Constituição é um esqueleto do qual não podemos prescindir para realizarmos a nossa obra.

Portanto, não percebo bem uns zuns-zuns que apparecem dizendo que o projecto não presta e que ha de ir por terra.

Nelle ha muito que aproveitar e dar-lhe-hia até o meu voto incondicional senão fora os dois defeitos que lhe encontrei: O da organização da segunda Camara, e o cortar as pernas á presidencia, quando diz que as Camaras a podem destruir; demais a mais havendo outra entidade para a qual nós voltamos como para um ideal de justiça, todas as nossas vistas, com poderes para isso. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Lopes da Silva: - Sr. Presidente: tenho a declarar a V. Exa. que fui o primeiro Deputado que hoje pediu a palavra antes da ordem do dia. Acredito que V. Exa. não me desse a palavra em obediencia ao n.° 8.° do artigo 38.°, mas declaro a V. Exa. que não prescindo dos direitos que me confere o artigo 54.° do mesmo Regimento, por isso que eu desejava apresentar uma proposta a esta Assembleia, de altissimo interesse para a Republica.

Em obediencia, portanto, ao § unico do artigo 53.°, mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Finanças, rne seja enviada, com toda a urgencia, copia de todas as representações entregues sobre a entrada livre do azeite estrangeiro.

Lisboa, em 10 de julho de 1911. = Lopes da Silva.

Peço a V. Exa. a fineza de fazer significar ao Sr. Ministro das Finanças, que não vejo presente, a necessidade urgente que eu tenho d'estes documentos, a fim de fazer uma interpellação ao Sr. Ministro das Finanças sobre este assunto, que é de alta importancia.

O Sr. Presidente: - Queira V. Exa. mandar para a mesa a sua nota de interpellação.

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O Orador: - Perdão; os documentos que peço é que hão de servir de base á minha interpellação ao Sr. Ministro das Finanças.

(Entra na sala o Sr. Ministro das Finanças).

O Orador: - Como está presente o Sr. Ministro das Finanças, peço a V. Exa. a fineza de ordenar o cumprimento immediato do meu requerimento, a fim de que me sejam enviadas copias de todas as representações recebidas no Ministerio das Finanças sobre a introducção livre do azeite estrangeiro em Portugal, porque eu tenho de apresentar um projecto de lei que regularize esta funcção maxima, de alta importancia para o país.

E a V. Exa., Sr. Presidente, peço que me mantenha integro o uso dos direitos que me confere o artigo 54.° do Regimento, a fim de eu apresentar as ideias que entendo de alto interesse a bem da Patria e da Republica.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - V. Exa. deve estar inscrito.

O Sr. Emidio Mendes: - Como chegasse um pouco tarde á Camara, informei-me sobre se havia sido lida na mesa a proposta que o Sr. Innocencio Camacho ha dias apresentou a esta Assembleia, acêrca do galardão a dar aos officiaes do exercito e da armada que se distinguiram na Revolução.

Interroguei alguns collegas meus sobre se essa proposta tinha ou não sido lida na mesa; uns disseram que sim, outros que não. Pergunto a V. Exa. se effectivamente essa proposta foi lida na mesa, e se sobre ella incidiu votação da Camara.

Uma voz: - Não foi.

O Sr. Presidente: - Eu digo a V. Exa. A verdade é que a proposta não foi lida, porque o Regimento que está em vigor não manda fazer essa leitura.

Esse projecto, nos termos do Regimento, foi impresso no Diario do Governo, e a Assembleia só tinha que pronunciar-se sobre a sua admissão.

Quando esse projecto foi sujeito á votação da Assembleia juntamente com outros, vi que a Camara havia rejeitado a sua admissão. Depois d'isso, varios Srs. Deputados surprehendidos com o facto vieram á mesa perguntar se effectivamente o projecto fora sujeito á votação, porque, como não foi lido, não sabiam bem do que se tratava.

O Sr. Emidio Mendes: - Quer dizer, foi um equivoco. Naturalmente por essa disposição, que não manda ler na mesa as propostas, é que a Camara a pôs fora da discussão. Desejava falar sobre o modo de votar, mas como a hora vae muito adeantada, pedia a V. Exa. que se dignasse consultar a Assembleia, sobre se permitte que eu faça uma proposta sobre o modo de votar.

Vozes: - Nesta altura da sessão, não pode ser.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados ouviram o pedido que fez o Sr. Emidio Mendes?

Vozes: - Agora não pode ser.

O Sr. Emidio Mendes: - Eu repito. Peço a V. Exa. que consulte a Camara, sobre se consente que eu amanhã faça a minha proposta sobre o modo de votar.

Vozes: - Amanhã, sim.

O Sr. Presidente: - Não sei se nesta altura da sessão se poderá pôr á votação o pedido de V. Exa. Eu peço a attenção dos Srs. Deputados. Parece-me que a resolução tomada ha pouco pela Camara, reveste uma grande gravidade (apoiados) e attribuo a ter-se tomado tão precipitadamente essa resolução ao facto de não ter sido lida na mesa a proposta de qire se trata; por isso pedia á Camara se autorizava, apesar do disposto no artigo 127.° do Regimento, que eu amanhã sujeitasse novamente a proposta á votação. Os Srs. Deputados que approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Jacinto Nunes: - Li num jornal que um grupo, mais ou menos numeroso, de operarios corticeiros se dirigira ao Ministerio das Finanças, para dar todo o apoio ao Sr. Ministro e agradecer-lhe o papel que desempenhara na questão corticeira, mas que, não estando o Sr. Ministro, o seu secretario dissera aos operarios que fossem ao Parlamento, que ali seriam recebidos, e que podiam estar certos de que S. Exa. o Ministro havia de manter inflexivelmente a solução que dera á questão.

Pergunto ao Sr. Ministro só autorizou o seu secretario a fazer tal affirmação, e no caso de a não ter autorizado, se a approvou, porque S. Exa. não pode dispor do parecer da Camara numa votação que ainda lhe ha de ser submettida.

Outro aspecto d'esta questão, e esse é com o Sr. Ministro do Interior.

A procissão dos operarios seguiu pelas principaes das da cidade até o Parlamento, e durante o percurso soltaram, segundo o mesmo jornal, vivas ao Governo, ao Sr. Ministro das Finanças, e morras ao Deputado Jacinto Nunes, sendo necessario empregar a força para não invadirem o Parlamento.

Pergunto ao Sr. Ministro do Interior, que sente não ver presente, se teve conhecimento d'estes factos, e por que motivo a policia presenciando-os, cruzou os braços? Porque se não manteve a independencia dos representantes da Nação?

Não se trata da minha individualidade, mas da minha entidade como representante do país.

Desejo saber se de hoje em deante poderei emittir livremente as minhas opiniões.

Não temo ameaças, por isso continuarei firme no meu caminho. Quem já esteve no Limoeiro, no Governo Civil e a bordo de um navio de guerra tem demonstrado que não se deixa intimidar. O que desejo saber é se aos Deputados se mantem o direito de livremente exporem as suas opiniões conforme entenderem.

Peço ao Sr. Ministro das Finanças, visto não estar presente o Sr. Ministro do Interior, ou a outro qualquer dos Srs. Ministros presentes, que me responda categoricamente.

É preciso manter a dignidade da Camara.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Uso da palavra, Sr. Presidente, simplesmente para dar algumas explicações ao Sr. Lopes da Silva.

S. Exa. pede com insistencia que lhe sejam enviadas todas as representações que se hajam recebido sobre importação de azeite. Devo dizer ao illustre Deputado que essas representações se encontram no Ministerio do Fomento. E todas as que teem sido feitas se encontram no meu Ministerio ás ordens de S. Exa., e de qualquer Sr. Deputado que as quiser consultar.

Não tenho difficuldade alguma em mandar tirar copias, mas como são volumosos os processos de que S. Exas.

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SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 17

no pleno uso dos seu3 direitos, querem tomar conhecimento, as copias...

O Sr. Lopes da Silva (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Agora não lhe dou licença, porque talvez não seja justificada a interrupção de V. Exa.

Ia eu dizendo que são tão numerosos e volumosos os documentos de que S. Exas. querem informações directas, que peço licença para lembrar que, por motivos de economia e rapidez, os illustres Deputados fariam bem se fossem consultar nos proprios Ministerios os documentos de que carecem. No meu Ministerio estão todos os documentos á disposição de S. Exa. ai; e o mesmo certamente se dará nos outros Ministerios, a não ser no dos Estrangeiros que nem todos se podem mostrar, e ainda no da Guerra referentes á defesa nacional.

E vale a pena pensar que as copias não se podem tirar rapidamente e custam muito dinheiro ao Estado. Já nas Camaras monarchicas nós, os Deputados republicanos, nos abstinhamos de pedir copias de documentos, porque davam esta resposta que era verdadeira e justa.

Aproveito o ensejo para declarar ao Sr. Deputado Jacinto Nunes, que informarei o meu collega do Interior sobre os factos que S. Exa. relatou á Assembleia. O que eu estou convencido é que a policia será a primeira a reprimir esse inqualificavel abuso.

Quanto á apprdhensão de S. Exa. sobre se esta Assembleia será ou não capaz de garantir a plena independencia dos seus membros, ella não tem razão de ser, visto que o Sr. Presidente só recebeu a representação dos operarios corticeiros, com a faculdade de alterar qualquer termo que julgasse menos respeitoso para com a Assembleia, ou para com o Sr. Deputado que era visado nessa representação, salvaguardando-se, assim, a dignidade dos proprios Srs. Deputados.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Sr. Presidente: São breves as palavras que tenho a dar em resposta ao Sr. Jacinto Nunes. Soube que uma commissão delegada dos corticeiros me havia ido procurar ao Ministerio das Finanças, e, na minha ausencia, o meu secretario respondeu áquelles delegados que bem sabiam já a minha orientação, que era de resto a que tenho desde o principio da questão.

Eu de modo algum pretendo impor a minha orientação á Assembleia. Não só pelas palavras que aqui pronunciei em resposta ao Sr. Alexandre de Barros, mas pela attitude que tenho mantido nesta Assembleia, pela qual nutro o mais profundo respeito, se vê bem a minha dedicação, assistindo até as sessões com bastante sacrificio pelo muito trabalho que tenho.

Relativamente á ultima parte do discurso do Sr. Deputado Jacinto Nunes, devo dizer a S. Exa. que não era preciso que a policia interviesse. A manifestação dos corticeiros pode dizer-se que correu ordeiramente. Dirigiram-se em primeiro logar ao meu Ministerio, onde, recebidos pelo meu secretario e informados de que os esperava no Parlamento, aqui vieram. Foi então que, ouvindo umas palavras que poderiam ser menos primorosas para o caracter de S. Exa., pelo qual todos temos o maior respeito, eu mesmo protestei dizendo-lhes que deante de mim não consentia palavras menos justas, e que o Sr. Jacinto Nunes, como qualquer outro Sr. Deputado, tem o direito rio Parlamento de expender as suas opiniões.

Eu, Sr. Presidente, ante as multidões nem as adulo, nem transijo com injustiças.

Sei que depois se retiraram muito ordeiramente, tendo, eu tido a honra de, pela primeira vez, substituir a policia de Lisboa. (Riso). (Apoiado).

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Moura Pinto: - O motivo que me obrigou a pedir a palavra foi o dizerem-me nos corredores da Camara que um Deputado, o Sr. José de Abreu, tinha feito referencias excessivamente desagradaveis e absolutamente injustas ao administrador do concelho de Oliveira do Hospital, entrando alem d'isso em descabidas considerações sobre a vida particular de um homem que eu, e commigo todos os homens de bem, temos na conta de homem honrado.

A primeira affirmação do Sr. José de Abreu é gratuita.

Lançar o labéu de conspirador sobre um homem de bem que ha mais de tres annos a dentro das corporações denodadamente trabalhou em favor da Republica é uma affronta que não podia ficar sem resposta.

Conspirador, sim, a favor da Republica, porque a esta deu elle sempre todo o esforço da sua fervorosa crença.

Elle é bem conhecido nos seus sentimentos republicanos, nos seus serviços prestados á Republica, nas horas anciosas da conspiração. Manuel Alegre, Carlos Amaro, Bissaia Barreto, Pires de Carvalho e outros Deputados conhecem de sobejo a nobreza d'esse grande coração e alguns d'estes senhores encontraram-no a seu lado em serviços revolucionarios da maior importancia. Elle nada deve á Republica, porque d'ella nada recebeu, é a Republica que lhe está em divida e seria monstruoso pagar-lhe a sua fé, o seu trabalho, o seu desinteresse com o labéu infamante de conspirador. Não pode ser. E eu que admiro o seu caracter, que conheço a sua inquebrantavel dedicação pela Republica, não podia deixar de repellir firmemente qualquer armmação ou insinuação á sua lealdade ás instituições republicanas.

É de lamentar que tal facto se tivesse dado, tanto mais que se envolveu o lado pessoal no lado politico, talvez para provocar a perseguição ao administrador do concelho com o gravissimo e falsissimo pretexto de elle ser conspirador!

Tenho a consciencia tão serena sobre esse funccionario que sou eu mesmo o primeiro a pedir, a exigir do Governo que mande syndicar os actos d'esse administrador do concelho, e traga a esta Camara o resultado d'essa syndicancia, somente pedindo que quem a ella proceda seja honesto e imparcial e que não seja feita por pessoas que o Sr. José de Abreu conhece, como aliás todo o concelho de Arganil.

O Sr. José de Abreu sabe que depois que principiou a luta eleitoral no concelho de Arganil o administrador teve como inimigos pessoaes o presidente da camara e o presidente da commissão municipal republicana, e taes entidades, por motivos pessoaes e politicos, devem ser estranhas a essa syndicancia. Não podem merecer confiança.

A outra affirmação, a accusação do Sr. José de Abreu, lançada sobre um velho de mais de 70 annos, que é monarchico sem duvida, mas que é um homem de bem de quem sou amigo desde criança, e com cuja amizade me orgulho, pelas suas altas qualidades de intelligencia e de honradez, a Camara terá visto como foi descabida chamando aqui quem se não pode defender, com referencias ao que me dizem extremamente desagradaveis e que nunca se deviam fazer á sombra das immunidades parlamentares que são um direito sagrado apenas quando se sabe usar d'elle.

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado que já passaram os cinco minutos.

Vozes: - Fale, fale.

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Orador: - As accusações do Sr. José de Abreu foram tão estranhas que só quero attribui-las como feitas em obediencia a uma cotterie politica da terra, levantando assim esta deploravel questão para que os seus eleitores soubessem que elle toma a serio os negocios do seu circulo.

Mas para que os seus eleitores saibam a seriedade como o Sr. Deputado cuida do circulo não era preciso trazer ao debate estas questões e mormente o ultimo incidente que visava, um homem honrado, o recebedor do concelho, numa questão que sendo de honra e de melindre é affrontoso tratar com leviandade e sem pleno direito de defesa que o interessado aqui não tem.

E o que é de lamentar é que o recebedor do concelho já foi punido por crimes que não commetteu sem ser sequer ouvido e em circunstancias gravissimas, d'aquelles que homem nenhum pode supportar, porque são de molde a envelhecer o coração de um novo e a amargurar para sempre o coração de um velho. Eu sei que o Sr. Ministro das Finanças tem um coração fidalgo, cheio de amor pela justiça e presando sobretudo a honra alheia como presa a honra propria, peço, pois, a S. Exa. que mande syndicar d'esse funccionario, que se informe com gente de isenção e faça o que for de justiça, e ao Governo repito o meu pedido; syndique-se já o administrador, venha o resultado para a Camara e depois faça-se inteira justiça, deinitta-se ou compense-se segundo merecer castigo ou recompensa pelo injusto enxovalho.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Pedi a palavra para perguntar a V. Exa. se foi concedida a autorização para o Sr. Jorge Nunes poder exercer o cargo de governador civil de Beja, porque, segundo a lei eleitoral, que é expressa, perde o logar de Deputado todo aquelle que acceitar qualquer cargo remunerado pelo Estado.

O Sr. Presidente: - A Assembleia autorizou o Sr. Jorge Nunes a exercer, em commissão, o cargo de governador civil.

O Orador: - Chamo a attenção da Assembleia para o artigo 306.° n.° 4.° da lei eleitoral, que prohibe aquelle Sr. Deputado de exercer o cargo de governador civil sem prejuizo do seu mandato.

Julgo que a Assembleia de maneira nenhuma pode revogar qualquer dos artigos da lei eleitoral. Peço á Assembleia que reflicta sobre o assunto.

A Assembleia, em face da lei eleitoral, não podia conceder essa autorização.

Consta-me que a nomeação do Sr. Jorge Nunes será publicada amanhã no Diario do Governo.

Tenho pelo caracter do Sr. Jorge Nunes a maior consideração, mas entendo que não se deve estabelecer o precedente, porque, estabelecido elle, com o fundamento de ser em commissão, vae invalidar-se por completo essa benéfica disposição da lei.

Agora chamo a attenção de V. Exa. para outro assunto: a questão da amnistia aos ferro-viarios.

A commissão de petições está formada desde 5 do corrente e até agora ainda a proposta da amnistia não lhe foi enviada pela secretaria. A amnistia aos ferros-viarios é um assunto de alta importancia por isso que se estão commettendo violencias. Protesto contra essa morosidade.

Se os ferro-viarios infringiram a lei, foi por um acto de solidariedade, e especialmente contra a permanencia do Sr. Fernando de Sousa á testa da direcção da companhia.

Os ferro-viarios não merecem ser tratados com tanta rispidez pelo Sr. Ministro do Fomento, porque elles prestaram grandes serviços á Republica.

Emquanto muitos conspiradores teem sido soltos, os ferro-viarios, que, nos dias da Revolução, levantaram as linhas para impedir que os regimentos viessem de fora auxiliar as forças da monarchia, estão ainda presos por motivo da greve, tendo-se esquecido os serviços que fizeram em defesa da Republica.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para fazer sentir ao Sr. Jacinto Nunes que foi mais uma vez injusto para com os corticeiros.

S. Exa. melindrou-se com os platónicos protestos d'essa classe, mas não se lembrou, que pedir a revogação da portaria publicada pelo Sr. Ministro das Finanças, seria reduzir á fome e aggravar as condições de vida de muitos homens, mulheres e crianças. Modificar essa portaria, sem esperar pela apresentação de um projecto que signifique um equilibrio de interesses de todas as classes é tirar o pão a milhares de pessoas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão ás 2 horas da tarde. A ordem do .dia é a continuação da discussão do projecto da Constituição.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 05 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representação

Dos cabos e soldados da guarda fiscal que tomaram parte mais directa e activa na revolta de 31 de janeiro de 1891, pedindo aumento de ordenado.

Para a commissão de petições.

Petições

Do antigo segundo sargento de infantaria n.° 23, Manuel Nobre Saint Maurice, pedindo a sua reintegração no posto de alferes, dando-se-lhe em seguida a reforma ou passagem á reserva.

Para a commissão de petições.

Do primeiro sargento reformado Severiano José Pinto da Mota, pedindo que se lhe mande applicar o que dispõe o § unico do artigo 16.° do decreto de 26 de maio, publicado na Ordem do Exercito n.° 12, de 27 de maio ultimo.

Para a commissão de petições.

De Adelaide da Conceição de Sousa, directora do col-legio da Rua das Cavallariças do Infante, pedindo que lhe seja dada uma casa ou um subsidio para ajuda do pagamento da renda.

Para a commissão de petições.

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Bramão.
(Na ordem do dia) = Albano da Cunha.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 19

Nota do expediente que devia ler-se a pag 3 da sessão n.° 17 de 10 de julho de 1911 e que ali se não publicou

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio das Finanças, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Julio Patrocinio Martins, nota dos funccionarios dependentes d'aquelle Ministerio, que são Deputados á Assembleia Nacional Constituinte.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Fernão Botto Machado, copia da nota da QÍrecção Geral das Contribuições e Impostos, relativa á contribuição de registo.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Amilcar da Silva Ramada Curto, copias de documentos relativos á aposentação solicitada pelo ex-inspector geral dos Impostos, João Alfredo de Faria.

Para a Secretaria.

Da Direcção Geral dos Negocios da Justiça, communicando, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Garcia da Costa, quaes as comarcas em que ha mais de tres meses as funcções de juiz de direito são desempenhadas pelos respectivos substitutos.

Para a Secretaria.

Da Associação de Classe da Industria Corticeira Silvense, felicitando o Sr. Ministro das Finanças e os membros do Governo pela integridade da portaria relativa á industria corticeira, até que justiça seja feita ás reclamações dos operarios corticeiros do país.

Para a Secretaria.

Da Junta de Parochia do Bomfim, Porto, cornmunicando que em sua sessão de 7 de julho foi unanimemente approvado officiar-se ao Sr. Ministro da Guerra, manifestando-lhe o enthusiasmo de todos os parochianos d'aquella freguesia pelas acertadas providencias e extraordinaria intelligencia e capacidade militar, que tão sabiamente demonstrou em defesa da Patria e da Republica.

Para a Secretaria.

Do cidadão Eugenio Cesar, offerecendo 200 exemplares de uma sua noticia biographica das "Cortes do Reyno de Portugal", desde as de Lamego até as de 1698.

Para a Secretaria.

Da Direcção Geral dos Negocios de Justiça informando, em resposta ao requerimento do Sr. Deputado Affonso Ferreira, de que o processo de syndicancia a que o mesmo requerimento se referia é muito volumoso, não sendo facil e rapida a sua copia, mas que o mesmo processo poderá ser examinado naquella Secretaria pelo Sr. Deputado requerente.

Para a Secretaria.

Da Juventud Republicana, de Nalaga, felicitando os rej presentantes do país lusitano pelo advento da Republica em Portugal, e manifestando o seu jubilo por tal acontecimento.

Para a Secretaria.

Da classe dos negociantes de ferragens e quinquilharias dando conhecimento de uma moção que foi approvada numa reunião effectuada no dia 5 de julho, e que tem por fim levar ao conhecimento das chancellarias estrangeiras que o reconhecimento, por ellas, da Republica Portuguesa, é um acto de verdadeira justiça, que por todos os motivos se impõe.

Para a Secretaria.

Da classe dos operarios corticeiros de Setubal communicando uma moção que foi approvada na sua sessão da assembleia geral de 6 de julho, como protesto contra a attitude do Sr. Deputado Jacinto Nunes, na questão corticeira.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Barcelona. - Reunido Barcelona consejo pleno union federal nacionalista republycana Cataluna acuerda unanimente saludar Asambléa y felicitaria por definitiva proclamation Republica. = Presydente, Valles y Ribot.

Para a Secretaria.

Cintra. - Presidente Camara Deputados, Lisboa.- Felicitamos em V. Exa. Deputado Victorino Guimarães e major Sá Cardoso, pela patriotica resolução não acceitarem recompensa do Estado por terem contribuido implantação Republica.

Junta Parochial Rio de Mouro. = Presidente, Correia de Freitas.

Para a Secretaria.

Guarda, 8, ás 3 horas, Lisboa.- Exmo. Presidente Camara Constituinte. - Varios cidadãos d'este districto vêem pedir-me para apresentar a V. Exa. e a toda a Camara, com o que muito me honro, o seu protesto contra a attitude tomada pelo Bispo d'esta diocese, o já celebre Vieira de Matos, que em todos os seus actos tem revelado sempre o intuito bem manifesto de contrariar toda a acção pacificadora do Governo da Republica e que ultimamente nada mais tem feito senão aconselhar ao clero actos de insubordinação e rebeldia, chegando a ameaçar todos os que requererem ou tenham requerido a pensão com a pena immediata de suspensão. = Arnaldo Rigotte, Governador Civil.

Para a Secretaria.

Silves, 8, ás 12 e 35 da tarde. - Classe operaria, em reunião publica, protesta contra attitude Deputado Jacinto Nunes, louvando Exmo. Ministro Finanças. = Administrador concelho, Duarte.

Para a Secretaria.

Odemira. - Exmo. Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa.- Os corticeiros de Odemira, reunidos em assembleia geral, protestam energicamente contra a proposta e declaração do Deputado Jacinto Nunes e saudam o Ministro das Finanças pela sua bella orientação na questão corticeira.- A Secção Corticeira.

Para a Secretaria.

Silves. - Exmo. Presidente Assembleia Constituinte. - Lisboa. - Classe operaria, em reunião publica, protesta contra attitude Deputado Jacinto Nunes, louvando Exmo. Ministro Finanças. = Administrador concelho, Duarte.

Para a Secretaria.

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITTINTE

Odemira - Os corticeiros de Odemira, reunidos em assembleia geral, protestam energicamante contra as declarações do Deputado Jacinto Nunes e pedem a V. Exa. interceda pela classe corticeira = A Secção Corticeira.

Para a Secretaria.

Evora, 8, ás 12 horas e 40 minutos. - Classe corticeira Evora pede apoio digna Assembleia Constituinte ao illustre Ministro Finanças contra systematica perseguição Dr. Nunes á industria rolheira nacional. = Associação dos Corticeiros.

Para a Secretaria.

Proposta

A Assembleia Constituinte resolve, attendendo a uma impreterivel necessidade, encarregar a commissão de marinha de apresentar um projecto de reconstituição da Armada Portuguesa, bem como o da utilização dos pontos estratégicos do continente e ilhas adjacentes, podendo aggregar a si qualquer pessoa que para esse fim ache conveniente. = O Deputado pelo circulo n.° 33, Joaquim Ribeiro.

Foi admittida e enviada a commissão de marinha.

Sendo uma das causas de definhamento da nossa raça a má alimentação, não só pela deficiencia e defeituosa preparação das refeições, mas tambem, e principalmente, pela inferior qualidade dos generos alimenticios, aggravada com as falsificações praticadas por alguns commerciantes deshonestos, apresento á consideração da Assembleia Nacional Constituinte o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Os sub-delegados de saude analysarão esse officio os generos alimenticios expostos á venda para consumo publico, communicando mensalmente aos respectivos delegados as occorrencias que se derem neste serviço.

Art. 2.° Quando qualquer cidadão recorrer ao sub-delegado, queixando-se de qualquer falsificação praticada pelos commerciantes de generos alimenticios, procederá á respectiva analyse, informando o reclamante do resultado.

Art. 3.° Logo que seja descoberta qualquer fraude ou falsificação nos generos alimenticios apresentados á venda para consumo publico, o sub-delegado respectivo formulará um relatorio summario da occorrencia e o remetterá ao juiz da comarca.

Art. 4.° Reconhecida e verificada a falsificação, a pena de prisão, que nunca poderá ser inferior a seis meses, e que lhe houver de ser imposta, nunca poderá ser substituida por multa. Da condemnação resultará para o réu a obrigação de, á sua custa, fazer publicar no Diario do Governo, e em dois jornaes dos mais lidos da localidade ou do districto, caso na mesma localidade não haja em publicação dois jornaes, a sentença condemnatoria, por tres dias consecutivos.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de julho de 1911. - Francisco de Salles Ramos da Costa, Deputado pelo circulo n.° 39.

Foi admittido e mandado enviar a commissão de hygiene.

Havendo varios edificios e terrenos na posse do Ministerio da Guerra que não podem ser convenientemente aproveitados para serviço do exercito, e sendo urgente a reparação de alguns quarteis para alojar mais convenientemente os recrutas na época de instrucção, e bem assim adquirir alguns artigos de material de guerra para serviço das unidades, apresento á consideração da Assembleia Nacional Constituinte o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° E o Governo autorizado, desde já, a alienar pela forma legal da desamortização os edificios e terrenos da posse do Ministerio da Guerra e que não forem necessarios para o serviço do mesmo Ministerio.

Art. 2.° O producto da venda dos referidos edificios e terrenos será applicado exclusivamente a melhorar as condições dos actuaes quarteis e á acquisição de material de guerra.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de julho de 1911. = Francisco de Salles Ramos da Costa, Deputado pelo circulo n.° 39.

Foi admittido e mandado enviar á commissão de guerra.

Consultada a Assembleia sobre a admissão do projecto de lei do Sr. Deputado Innocencio Camacho sobre galardão por serviços prestados a Patria, publicado no Diario do Governo de 8 do corrente, não foi admittido.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Jorge de Vasconcellos Nunes vae ser nomeado, em commissão, governador civil de Beja, consulta a Assembleia sobre se concede licença para que esse Sr. Deputado possa exercer a commissão a que allude.

Foi concedida a licença.

O Sr. Nunes da Mata: - Manda para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que votei a autorização ao Sr. Deputado Jorge Nunes para se ausentar do Parlamento a fim de ir tomar posse do logar de governador civil de Beja, mas, sabendo que o mesmo Sr. Deputado fa7 sacrificio grande, muito grande, em ir occupar o logar para que foi nomeado, e que vae por estar convencido de que o seu sacrificio é conveniente para a Patria e para a Republica, convencimento para que o signatario na sua sinceridade concorreu, instando com o Digno Deputado para não deixar de ir, declaro mais que voto, com prejuizo entretanto do n.° 4.° do artigo 106.° da lei eleitoral de 15 de março de 1910.

E justo que o numero e artigo anteriores sejam rigorosamente applicados para com todos os Srs. Deputados, sem excepção, quando a nomeação dos logares ou empregos publicos corresponda a um beneficio do nomeado, raas como no caso sujeito o nomeado é sacrificado e se se prestou a acceitar, foi isso devido exactamente á circunstancia de não ter interesse com a nomeação e ser necessario que acceite para conveniencia do districto de Beja e do Pais, por isso voto sim a licença pedida, mas sem prejuizo do seu logar de Deputado.

Sala das Sessões, em 10 de julho de 1911. - José Nunes da Mata.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia para o pedido de licença que vae ler-se.

Tendo de retirar com o meu batalhão para o norte, peco á Assembleia me conceda licença para me ausentar pelo tempo necessario.

Sala das Sessões, em 10 de julho de 1911. - O Deputado pelo circulo n.° 36, Antonio Pires Pereira Junior, tenente, de caçadores 5.

Foi concedida a licença.

O Sr. Presidente: - Annuncio que vae realizar-se a interpellação annunciada pelo Sr. Deputado José de Abreu ao Sr. Ministro do Interior.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 21

Papeis mandados para a mesa por varios Srs. Deputados e que deviam ter-se publicado a pag. 8 da sessão n.° 17 de 10 de julho de 1911

O Sr. Padua Correia: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja passada nota das pessoas nomeadas, depois de 5 de outubro, para regerem cadeiras nas diversas escolas normais do país, especificando:

1.° Data da nomeação;

2.° Se o provimento foi provisorio ou definitivo;

3.° Designação da cadeira;

4.° Se precedeu concurso e, no caso negativo, os fundamentos do despacho, diplomas, titulos de capacidade, ou qualquer outras provas de aptidão especial para o exercicio do cargo da pessoa nomeada.

Requeiro especialmente, quanto ás escolas nominaes do Porto, copia da syndicancia ou inquerito ali realizado.

Lisboa, Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Padua Correia.

Requeiro, pelo Ministerio do interior, copia da syndicancia ou inquerito feito aos actos dos Srs. Drs. João de Barros e João de Deus, emquanto exerceram os cargos do Director Geral da Instrucção Primaria e do chefe da Repartição de Pedagogia.

Lisboa, Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Padua Correia.

Requeiro que, pelos Ministerios do Interior a da Justiça, me seja passada nota das pessoas que até a data foram presas sobre accusação de conspirar contra a Republica ou propagar boatos prejudiciaes ao regime e á Nação.

A nota especificará:

1.° Data e lugar da prisão do incriminado, seu estado, profissão e residencia;

2.° Qualificação do delicto;

3.° Se foi remettido a juizo, ou solto;

a) Por falta de provas;

b) Por provar a sua innocencia;

4.° Se foi pronunciado e como tal se acha, ou tendo respondido em juizo saiu absolvido ou condemnado.

Lisboa, Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Padua Correia.

Requeiro com urgencia que pelo Ministerio da Marinha me seja passada nota dos adeantamentos feitos nos ultimos cinco annos aos governadores geraes e governadores subalternos das nossas possessões africanas, especificando:

1.° Nome do governador, colonia ou districto que governou, data e quantia de adeantamento;

2.° Se o adeantamento já está liquidado e em que termos.

Lisboa, Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Padua Correia.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Balduino Seabra Junior: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro para que me seja fornecida uma relação dos automoveis pertencentes ao Estado ou que passaram á sua posse, bem como a indicação dos serviços em que estão empregados.

Sala das Sessões, em 10 de julho de 1911. = O Deputado, Alfredo Balduino de Seabra Junior.

Mandou-se expedir.

O Sr. Carlos Olavo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me seja enviada uma copia de um requerimento entrado ha dias no Ministerio da Justiça pedindo uma syndicancia a determinados actos praticados pelo juiz de direito Seves de Oliveira na comarca de S. Vicente na Ilha da Madeira.

Copia dos telegrammas expedidos por aquelle funccionario para o concelho de S. Vicente nos dias 26, 27, 28 e 29 de maio ultimo.

Certidão do que constar criminalmente na comarca da Ponta do Sol contra o escrivão de direito da comarca do Funchal, Aires de Mesquita Spranger.

Sala das Sessões, em 10 de julho de 1911. = O Deputado, Carlos Olavo.

Mandou-se expedir.

O Sr. Manuel Bravo: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro pelo Ministerio da Justiça que me sejam enviados, com a possivel brevidade, quaesquer trabalhos de estudo e reorganização penal que porventura tenham sido apresentados nesse ministerio por iniciativa das Direcções ou quaesquer funccionarios dos estabelecimentos penaes de Lisboa e Coimbra.

Requeiro mais pelo mesmo Ministerio copia dos relatorios respectivos da administração d'esses mesmos estabelecimentos penaes durante os ultimos dez annos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = Manuel Bravo.

Mandou-se expedir.

O Sr. José Botelho de Araujo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior (Repartição de Contabilidade) me seja fornecida uma relação das empreitadas em divida, referentes a construcções e reparações de escolas para o ensino primario. Nessa relação deve indicar-se a data em que entraram na respectiva Repartição as relações enviadas pelas direcções das obras publicas dos varios districtos. = O Deputado pelo circulo n.° 6 José Botelho de Carvalho Araujo.

Mandou-se expedir.

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Francisco José Pereira: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me sejam fornecidas todas as informações que, em resultado da portaria de 24 de junho proximo passado, as autoridades sanitarias e civis communicaram a esse Ministerio relativamente ao exercicio de pharmacia no continente do país e bem assim do numero de multas applicadas, os nomes dos multados e os districtos e concelhos onde essas multas foram applicadas.

Lisboa e Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = O Deputado, Francisco José Pereira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alberto Souto: - Apresentou o seguinte

Requerimento

Requeiro me seja fornecida a nota do rendimento do imposto do pescado no rio de Aveiro e da costa maritima que lhe corresponde nos ultimos cinco annos;

- de quantos os individuos empregados nas industrias piscatorias matriculados nas capitanias dos portos do país;

- do valor da importação e exportação do pescado nos ultimos cinco annos.

Requeiro mais me seja enviado qualquer mappa, relatorio, ou nota de serviços prestados á piscicultura nacional pela estação aquicola do Ave;

- nota dos fornecimentos de criações e "eus destinos saidos da mesma estação nos ultimos cinco annos;

- o regulamento d'essa estação aquicola;

- quanto, com a estacão aquicola do Ave, despende annualmente o Estado.

Requeiro que estes documentos, ao contrario do que outros tem succedido, que nunca são fornecidos, apesar das reiteradas reclamações dos Deputados, me sejam enviados com a maior urgencia possivel.

Sala das Sessões, em 7 de julho de 1911. = O Deputado, Alberto Souto.

Mandou-se expedir.

O Sr. França Borges: - Manda para a mesa os seguintes

Documentos

Envio para a mesa, afim de serem remettidos ao Governo e apreciados por este, dois modelos de autos da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses: um modelo distribuido antes da proclamação da Republica, outro destinado a posteriormente substituir aquelle. Vê-se que no recente modelo se suprimiu a coroa, mas ainda se adopta a denominação Companhia Real dos Caminho de Ferro Portugueses. Desejo saber se ouve erro typographico ou se a Companhia continua a adoptar para uso interno o titulo de Real.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. - O Deputado, Antonio França Borges.

Manda tambem para a mesa o seguinte

Requerimento

Desejo que, pelo Ministerio das Finanças, me seja enviada copia da informação que justificou a nomeação para chefe de secção da 9.ª Repartição de Contabilidade Publica do cidadão Lino José Cardoso, fundador e secretario da picaresca Liga Monarchica, da Rua do Alecrim, tambem conhecida pela Liga do. Carapau, albergue onde se associava a fina flor do regime extinto.

Outrosim desejo saber se não havia empregados da mesma categoria, e algum mais antigo, para serem providos no indicado logar.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 10 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

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APPENDICE A SESSÃO N.° 17 DE 10 DE JULHO DE 1911 23

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Egas Moniz, que devia ler-se a pag. 8 da sessão n.° 17 de 10 de julho de 1911

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: cumprindo as prescrições regimentaes, envio para a mesa a seguinte moção de ordem:

Leu.

A Camara, desejando que a nova Constituição esteja de acordo com as tendencias do povo português, continua na ordem do dia. = Egas Moniz.

Sr. Presidente: diz alguem que os mecanismos constitucionaes não teem valor nem efficacidade proprias independentemente das forças que os sustentam e põem em movimento. É com esta grande verdade que eu vou iniciar as minhas considerações no momento grave em que se discute a Constituição da Republica Portuguesa. Não quer isto dizer que seja inteiramente secundaria a questão da Constituição, mas é preciso notar-se que as Constituições são boas ou más consoante a educação do povo sobre a qual ellas se firmam e desenvolvem.

O projecto que se discute não é de um Deputado nem da commissão que o elaborou. Já ouvimos tres membros illustres d'esta commissão e todos eiles manifestaram ideias discordantes com o projecto.

A commissão apenas apresentou uma plataforma para a discussão. Cada um d'elles trouxe aqui argumentos contrarios a muitas das disposições nelle contidas. Prestaram-nos um serviço dando-nos uma base para a Constituição. Como tal a apreciarei.

Feitas estas considerações vou entrar propriamente na analyse do projecto.

Estamos discutindo a sua generalidade. Acceito as bases nelle consignadas, e, como gosto de proceder com methodo e pretendo fazer um discurso despretencioso, mas lógico, começarei por indicar quaes são para mim essas bases.

Base 1.ª Constituição dos poderes: Legislativo, executivo e judicial como delegação da soberania nacional.

Acceito.

Base 2.ª O poder executivo é delegado temporario do poder legislativo.

Acceito.

Base 3.ª O poder executivo tem por presidente o Presidente da Republica e este é eleito pelo Parlamento.

Acceito.

Base 4.ª O poder legislativo será constituido por duas Camaras.

Acceito.

Base 5.ª A inclusão na doutrina constitucional dos direitos e garantias dos cidadãos.

Voto esse capitulo de uma maneira geral.

São estas as bases que eu acceito na sua maxima generalidade, mas ha disposições particulares que combate.

Assim, eu entendo que devemos consignar no projecto a indispensavel independencia de todos os poderes e, portanto, do poder judicial. Sendo assim como permittir ao Senado que faça a eleição, entre os magistrados, do alto tribunal, que se chama Supremo Tribunal de Justiça?

Não comprehendo a independencia do poder judicial assim sujeita á mais alta corporação do poder legislativo. (Apoiados).

Conheço muito bem o modo de ser politico da nossa terra para não permittir que fique consignado na legislação um principio que offende a independencia do poder judicial.

Quer que este poder seja perfeitamente livre, inteiramente independente. Desejo que os magistrados do Supremo Tribunal de Justiça só possam ser eleitos por magistrados, que o poder legislativo não se intrometia nas suas funcções, embora sob proposta presidencial. Neste sentido, Sr. Presidente, enviarei para a mesa uma proposta, como outras emendas mandarei sobre varias outras disposições do projecto era discussão, a fim de que a commissão d'ellas tome conhecimento, elaborando depois o respectivo parecer, a fim de que uma nova discussão recaia sobre o projecto, e a Camara se pronuncie então definitivamente.

O Sr. José Barbosa: - A commissão acceita essa emenda.

O Orador: - Agradeço a declaração do illustre Deputado.

Tratarei agora de outro ponto.

O poder legislativo deve ser constituido por uma ou por duas Camaras? Eu sou em absoluto de opinião que devem existir duas Camaras e desejo que ellas, segundo a formula consagrada, tenham a classificação de Camara dos Deputados e Senado. (Apoiados). Não ha nenhuma vantagem em lhes mudar os nomes, de ha muito consagrados, e por isso discordo, completamente, da designação que lhes foi dada no projecto. E, na defesa d'esta opinião, não apresentarei uma grande copia de argumentos, porquanto eu sei, que alguns oradores que se acham inscritos tratarão desenvolvidamente d'este assunto; direi, por isso, algumas palavras apenas.

Não se diga que a adopção das duas Camaras traga como consequencia a divisão do poder legislativo. Os organismos complexos são organismos divididos. Assim é que o poder legislativo, comportando duas Camaras, que representam a soberania nacional, que fica assim com duas classes de mandatarios, não é um organismo politico dividido, té simplesmente um organismo complexo, mas essencialmente um.

Em 1871 havia em França uma unica Camara e deu-se o golpe de Estado de 2 de dezembro; depois existiram sempre duas Camaras; e, de 1876 para cá não se deu uma unica dissolução de Camaras, nem consta que qualquer golpe de Estado viesse perturbar a sua vida politica e social.

Isto quer dizer que os conflictos que possam apparecer entre as duas Camaras teem uma solução que pode ser a indicada no projecto, que não me repugna, e pode ainda ser a deliberação, em reunião conjunta, dos Deputados e Senadores, que é o que mais me agrada. (Apoiados).

Não se diga tão pouco que a prudencia do Senado, sempre mais conservador do que a Camara dos Deputados, possa trazer entraves á promulgação das leis, porque neste momento lembro as palavras de um grande escritor: os países para prosperarem não precisam de muitas leis, precisam de boas leis.

Está averiguado que as leis são mais perfeitas quando saem dos corpos legislativos do que quando saem de um unico.

Em virtude d'isso, sou de opinião que as duas Camaras devem existir e, sobretudo, para o nosso tempera-

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24 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

mento um pouco impetuoso, e a que já se referiram os illustres oradores que me antecederam, temperamento impetuoso que tem as suas vantagens, como excellentes predicados possue a nossa raça latina tantas vezes denegrida com apostrofes menos convenientes. E preciso, por isso, para corresponder ao temperamento d'este povo, criar-lhe, a moderar a irreflexão nativa uma camara um pouco mais conservadora, tendo a representação das classes sociaes.

E desde já annuncio, Sr. Presidente, que apresentarei uma emenda nesse sentido, mas em qualquer das hypotheses necessaria no temperamento da nossa raça. E tanto tem conquistado por toda a parte a ideia das duas Camaras novos adeptos, que ainda agora a Camara revisionista grega, que está reunida, acaba de votar, não a organização do Senado - em breve lá chegarão - mas a organização de um Conselho de Estado com attribuições mais largas e mais amplas do que o Conselho de Estado francês. De maneira que representa, por assim dizer, um verdadeiro Senado pelo que respeita a um novo exame e demora na promulgação das leis.

Sendo assim, e quando vemos os poucos países que teem uma só Camara evolucionar para as duas Camaras, temos um facto bem constatado que faz com que não nos devamos quedar numa aventura que, sendo perigosa em toda a parte, pode ser prejudicialissima para todo o país, o limitarmo-nos a possuir uma unica Camara.

Falei ainda ha pouco da constituição do Senado e disse que não concordava com a ideia exposta no projecto, mas sobre uma outra forma, com uma outra orientação. Não a ponho completamente de parte. A este proposito, depois de um attento e demorado estudo, entendi que devia mandar para a mesa uma emenda concretissima. Essa emenda precisa de ser lida. Depois farei sobre ella algumas considerações de maneira a elucidar a Camara do proposito que me leva a apresentá-la.

Eis o texto:

3.ª Proponho a substituição do artigo 17.° pelo seguinte:

"O Senado será constituido por 80 Senadores, sendo 40 eleitos por delegados de todos os corpos administrativos das provincias, dos archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores e das provincias ultramarinas, sendo eleitos 4 por cada provincia e 4 pelos archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores em lista incompleta de 3 nomes e 4 pelas provincias ultramarinas; e os outros 40 por collegios eleitoraes assim constituidos:

1.° Por delegados do professorado primario, secundario, superior e especial do continente e archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores, ficando todas estas categorias representadas no Senado.

§ unico. Terão direito a eleger 12 Senadores em lista incompleta de 9 nomes.

2.° Por delegados dos agricultores, commerciantes, industriaes e operarios de cada provincia e dos archipelagos da Madeira e Porto Santo e dos Açores, constituidos separadamente em collegios eleitoraes.

§ 1.° Cada grupo dos delegados d'estes aggregados sociaes, reunidos em Lisboa, elegerá 7 Senadores em lista incompleta de 5 nomes.

§ 2.° Para a eleição dos delegados provinciaes de cada um d'estes aggregados sociaes proceder-se-ha ao recenseamento dos agricultores, commerciantes, industriaes e operarios de cada provincia e archipelagos, nas condições que as leis determinarem".

Por outro lado não quero que o Senado seja uma duplicação da Camara dos Deputados; por isso não acceito o artigo que determina que o primeiro Senado seja constituido por antigos deputados. Uma duplicação era uma cousa inutil, e tinham razão então todos aquelles que atacam a existencia de duas Camaras, que passariam a ser duas edições do mesmo eleitorado.

O Sr. José Barbosa: - A commissão acceita a emenda de V. Exa.

O Orador: - Agradeço a explicação e o apoio que S. Exa. acaba de dar á minha ideia.

O Senado tem de ser uma cousa nova. Eu sei perfeitamente que esta medida, tal como a acabo de apresentar á Camara, ainda não foi adoptada em país algum, mas, raros são os tratadistas modernos que entendem que o Senado não deve ser a representação modernamente denominado dos aggregados sociaes.

São aggregados sociaes as forças intellectuaes do país, desde o professorado primario até o professorado superior e especial, são aggregados sociaes as forças da riqueza publica, os agricultores, os commerciantes, os industriaes, os trabalhadores e operarios, que são tambem riqueza publica, se não a sua maior riqueza-o melhor indicio da prosperidade publica.

Eu quero que todas estas forças sejam representadas numa Camara diversa d'esta que é apenas a representação directa, individual, do eleitorado geral do país, a fim de representar directamente a intellectualidade e a riqueza publica, na sua mais larga generalização. Devo acrescentar que se adoptei este numero de 80 Senadores, foi por motivo que logo exporei, mas que posso esboçar desde já, dizendo que o Senado nunca deve ser inferior, a meu ver, a metade do numero dos deputados. Eu direi a razão, e V. Exas. facilmente a comprehendem. Desde que acceito para resolver os conflictos das duas Camaras, a união das mesmas, não quero uma delegação igual do Senado e uma delegação egual da Camara dos Deputados. A Camara dos Deputados representa a soberania nacional vinda do eleitorado individual; o Senado representa a soberania nacional debaixo de outro aspecto; mas desde que uma representa a forca directa do povo e a outra as forças directas dos aggregados sociaes, e desde que eu estabeleço uma proporção tão justa e democratica, estou convencido de que esses conflictos se podem resolver facilmente no campo dos factos, e no campo abstrato das ideias, sem que haja necessidade de recorrer a medidas extremas.

Sr. Presidente: tem-se discutido aqui por mais de uma vez, e ainda o fez brilhantemente na ultima sessão o Sr. José Barbosa, a questão da Republica presidencial e Republica parlamentar. Ora V. Exas. verão como eu tirei d^ste projecto uma Republica parlamentar apresentada nas bases geraes que tive a honra de enumerar á Camara; mas ha aqui medidas, definições, que de facto só se encontram nas republicas presidencialistas. Pertencem a esse numero aquellas que, desde o inicio da discussão teem sido aqui mais atacadas e discutidas, por exemplo a presença ou não presença dos Ministros na Camara dos Deputados e no Senado.

Eu quando li o projecto pela primeira vez, detive-me um pouco olhando para o passado parlamentar do meu país, examinando as situações politicas que o convulsionaram a dentro do parlamento português.

Eu sei que se tem abusado extraordinariamente do parlamentarismo em Portugal. Não é pecha só da nossa terra, é uma condição da nossa raça; esse mesmo exagero existe desde a França republicana até á monarchica Italia. Não existe nos países do norte sóbrios de palavra e de temperamento diverso do nosso.

Sei que se tem abusado, fazendo por vezes campanhas violentas, ressumando odios, e eu desejarei que não se encontre essa situação dentro da Republica Portuguesa e se faça verdadeira a frase de Thiers - "que seja o governo da Republica aquelle que menos affaste os homens".

Mas, Sr. Presidente, entre a solução dos Ministros virem á Camara dar conta dos seus actos, que está de acordo com a nossa tradição, e a solução da ausencia dos Ministros, pela forma como vem consignada no projecto, não hesito um momento - quero que os Ministros venham

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á Camara dar contas dos seus actos. (Apoiados). Eu sei que isto talvez possa dar motivo a abusos e entraves á boa administração do país e que se podia arranjar uma forma intermedia, que é dar aos Ministros a faculdade de virem ou não ao Parlamento, mandando as suas mensagens explicativas. Mas devo dizer sinceramente que não confio nada nessa forma, porque conhecendo o feitio cavalheiresco da nossa raça e conhecendo os nossos homens, sei bem que no momento em que aqui se levante uma campanha contra um Ministro, esse Ministro ou virá responder ou demittir-se ha, mas em todo o caso acho que seria uma experiencia a fazer com proveito de todos nós.

Pelo que respeita á adopção da Republica presidencialista, não a posso conceber no meu país e nesta parte estou em desacordo com o illustre Deputado Sr. José Barbosa. Julgo que as republicas presidencialistas, com instituições mais ou menos modificadas, só podem viver e prosperar nos países federativos e nós, infelizmente, estamos muito longe de ser uma federação e quiçá nunca o seremos. Por isso entendo que a Republica presidencialista só nos poderá prejudicar.

Sr. Presidente: vou chamar ao debate uma questão que sei vae desagradar á Camara; mas a minha missão, neste momento, é dizer o que entendo (Apoiados), como vem consignado neste projecto no artigo em que se declara que cada um tem direito a emittir livremente as suas opiniões (Apoiados).

Vou encarar o problema denominado da dissolução. Eu desejo a dissolução.

Uma voz: - Não apoiado.

O Orador: - Já que houve quem dissesse - não apoiado - eu peço que me attendam e que desfaçam os meus raciocinios, mas só depois de me darem a honra de ser ouvido.

Sr. Presidente: vou demonstrar a necessidade da dissolução na Republica parlamentar, tal como eu adopto na orientação que venho dando ao meu discurso. Não comprehendo a dissolução no regime presidencialista. Isso seria entregar mais ou menos, para que não havemos de dizê-lo, todos os poderes nas mãos do Presidente da Republica. D'essa forma elle nomearia livremente os seus ministros, sem dar d'isso nenhuma satisfação nem ao Par lamento nem ao país e, quando o Parlamento pretendesse prejudicá-lo, elle dissolvei-o-hia. Seria a tyrania do Presidente: seria o predominio absoluto do homem.

Pelo contrario na instituição republicana parlamentar a falta do direito de dissolução pode levar á tyrania do parlamento que, por ser a tyrania de muitos, é bem mais cruel e bem mais despotica do que a de um presidente.

Interrupções.

Eu, Sr. Presidente, conheço todos esses argumentos, mas a soberania nacional é representada pelo parlamento e na sua essencia é o país inteiro e o país inteiro pode retirar amanhã os seus mandatos. Variam os parlamentos com as apiniões do país. É necessario que este se pronuncie quando haja duvidas sobre se a camara representa, de facto, a vontade popular. Não é a dissolução uma medida anti-democratica, muito pelo contrario, é uma medida altamente liberal.

E a consulta ao povo, que é onde reside em ultima instancia toda a força e toda a soberania.

A dissolução que eu quero é, porem, cercada dos maiores resguardos. Dos maiores que pude imaginar. Condenso-os na emenda que vou mandar para a mesa e que diz assim:

2.ª Proponho a introducção do seguinte artigo:

"O Presidente da Republica pode dissolver a Camara dos Deputados e o Senado antes de expirar o seu mandato desde que tenha o voto favoravel das duas Camaras conjunctamente reunidas.

§ unico. Neste caso serão convocados os collegios eleitoraes no prazo de quarenta dias e a Camara nos quinze dias que se seguirem ás eleições".

Interrupções.

Já esperava estas manifestações da Camara. Era um dos numeros previstos no programam, Mas deixem-me justificar a doutrina aqui exposta a fim de sobre ella cair a critica severa dos que não apoiam esta maneira de ver. Só depois d'isto devem discutir as minhas ideias.

Tenho sempre o maior prazer em que me interrompam, porque isso representa da parte de V. Exas. uma deferencia que eu não mereço, embora muito agradeça. Mas não posso consentir que me impeçam de expor o conjuncto de razoes que tenho a apresentar em defesa da minha emenda.

A dissolução dos dois parlamentos é indispensavel, e eu como gosto muito de argumentar no campo dos factos, vou apresentar um exemplo.

Supponhamos que amanhã os homens que ali se sentam e hão de continuar no Ministerio vivem com uma Camara que, embora na maioria lhe seja favoravel, consegue, por obstruccionismo, não lhe dar, nem o orçamento, nem as leis de defesa constitucional no prazo marcado...

Uma voz: - Saem os Ministros.

O Orador: - Devem sair os Deputados, visto que não deram uma resolução á necessidade da fixação das forças da nação, á defesa ocacional, que está superior a tudo, e ainda porque a sairem os Ministros seriam as minorias que passariam a governar nos parlamentos, o que é contrario aos bons principios e á boa doutrina.

Eu aponto este exemplo, que não é virgem, porque o facto tem-se dado já em algumas republicas com regimes parlamentares, e pergunto: - não será indispensavel neste caso a dissolução? E a maioria da Camara e o Senado, ou a minoria e o Senado não darão parecer favoravel a essa dissolução?

Outro exemplo. Supponhamos que a Camara dos Deputados determinava a queda de successivos Ministerios, provocadas por grupos inteiramente irreductiveis com os quaes não seria possivel chegar a]acordo, o que daria a anarchia na administração publica. Nesse caso só a dissolução, permittindo a consulta ao país, poderia solucionar o conflicto. E seriam esses grupos e seria o Senado que em votação conjuncta e pelo que devem ao país e a si proprios votariam a propria dissolução. De outra forma viria o golpe de estado, que é a revolta nas ruas.

A ideia de dissolução, tal como a apresento, mereceu á assembleia uma manifestação que agradeço como demonstração da attenção que me dispensa, mas que, por isso mesmo, me obriga mais e mais a deter no seu exame e apreciação.

Eu não disse que fosse dada ao Presidente a faculdade da dissolução. O Presidente tem a iniciativa. E não o disse porque só a concedo com resguardos e cautelas, embora não tenha o receio de V. Exas. suppondo que amanhã os presidentes da Republica se comportariam como os passados réis, dando a dissolução ao menor pretexto.

E não se diga que com a consulta das proprias camaras ella nunca será concedida. E assim pergunto a V. Exas. se, sendo patriotas como são, se amanhã se levantarem conflictos irreductiveis, V. Exas., para salvar o país, não votarão a dissolução;

Certamente, e vou mostrar que casos se podem dar em que essa dissolução, de que apenas toma a iniciativa o

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Presidente da Republica pode e deve ser votada no congresso das duas camaras em determinados casos especiaes.

Se se der, por exemplo, a hypothese de uma medida necessaria ao bem do país que, pela divisão dos homens, não obtenha no Senado a acquiescencia que merece, a maioria da Camara dos Deputados, a sua quasi totalidade, não esmagaria o Senado votando em sessão conjuncta a sua dissolução?

Supponhamos outra hypothese. A maioria da Camara dos Deputados impediria a votação de uma medida salvadora para o para. Na reunião das duas Camaras o Senado com a minoria da Camara dos Deputados poderia muito bem decidir a contenda em sentido opposto: votando a dissolução da Camara dos Deputados.

O Presidente tem apenas a iniciativa, e essa iniciativa não lh'a podemos tirar. Nem é tão grande esse poder que nos possa amesquinhar a nós.

Uma voz: - As Camaras tambem teem essa iniciativa?

O Orador: - Pelo projecto não tem, para mim a falta de direito de dissolução, embora com especiaes cautelas, seria a destruição do proprio poder legislativo e uma constante luta, improficua e desvantajosa para o prestigio do Parlamente e para os interesses do país.

Creiam V. Exas. que a maneira como apresentei o problema, dando apenas a iniciativa ao Presidente da Republica, que deve estar acima das lutas do poder legislativo e acima das coteries, dos homens e dos partidos,, só tem por fim dar-lhe em ultima instancia o inicio de uma solução de que só com resguardos usará o que terá a sua logica solução a dentro do proprio Parlamento.

Uma voz na direita: - E se a Camara não accedesse ao convite do Presidente?

O Orador: - Não accedesse?! V. Exa. provavelmente não deseja a dissolução nem por esta forma nem por qualquer outra. (Apoiados). Respondendo á objecção apresentada no caso especial que apresenta ficam lhe ainda de pé todas as dificuldades que podem surgir desde que não haja dissolução. E para esses casos glandes medidas adopta S. Exa. O golpe de Estado? Alem de que eu não acredito de que haja portugueses, Deputados ou Senadores, que na hora do perigo, sob a eminencia de um golpe de Estado irreductivel, se furtem ao dever de votar a dissolução das proprias Camaras.

O contrario seria o conflicto irreductivel, e, então, soffreriam as consequencias d'esse facto.

O illustre Deputado que me interrompeu podia ser tambem da opinião de que a dissolução deve ser luta, ampla e clara. Eu não sou d'esse parecer, e não sou d'esse parecer, repito, porque nós não estamos aqui falando uns para os outros, mas para o país inteiro, soa tão mal aos ouvidos esta palavra: dissolução - que o país não acceitaria que ella se permittisse sem restricções. Tanto d'ella se abusou em tempos idos.

Repito, se sou por este motivo contra a dissolução lata, sem restricções, é porque o nosso povo que tantas vezes viu abusar da dissolução em Portugal em condições diversas d'aquellas em que hoje estamos porque é muito differente, sob este aspecto, um Rei de um Presidente da Republica, portanto um conta com a imunidade da situação, e o outro tem um poder transitorio que amanhã desapparece com todos os seus actos.

Uma voz na direita: - Mas eu não sou partidario da dissolução.

O Orador: - Então pode em face de conflictos irreductiveis levar-nos á guerra civil, á desgraça.

Uma voz na esquerda: - E o referendum popular?

O Orador: - Então o que é a eleição nestas condições senão o referendum popular?!

A livre Inglaterra, por exemplo, considerou sempre a dissolução como um acto liberal.

Os países avançados onde o eleitorado não vae atraz de quaesquer beneficios, consideram igualmente a dissolução como um acto benéfico que não representa por forma alguma um attentado á soberania popular.

Em 1890, devem V. Exas. lembrar-se, dizia Waldeck Rousseau, esse grande espirito que deu á Republica Francesa a ultima orientação democratica, no Parlamento do seu país: - A dissolução em vez de subjugar a soberania popular, é antes a sua garantia, a sua garantia suprema.

Eu sou pela dissolução, porque sem ella pode haver perigo para a liberdade, mas não quero a dissolução com faculdades latas. Não a concedendo pode haver-se um regime á tyrania parlamentar sem que haja na lei o recurso para esse mal. E aponto a forma conciliatoria, porque se uns pretendem a dissolução ampla, outros, talvez a grande maioria deseja que não seja concedida. Por isso a restrinjo á iniciativa do Presidente, mas com o voto favoravel das duas Camaras.

Sr. Presidente, vou tratar de outro assunto, esperando não ter da parte da Assembleia a mesma manifestação de apartes, o que para mim é lisongeiro, mas fatigante.

Vou deferir-me ao capitulo dos direitos individuaes, com cuja generalidade concordo, mas onde ha pontos com que não estou de acordo.

Succede assim com o n.° 15.° do artigo 54.° que trata do direito de reunião e de associação.

Eu quero o direito de reunião de associação com a mesma latitude com que existe em França.

Quero o mais amplo direito de reunião e de associação por que sempre tenho combatido.

Fala-se nesse artigo, em reuniões armadas. Essas estão fora d'este artigo. Não são um direito. São os prodromos de um crime ou de uma revolução.

Para outro ponto quero chamar a attenção da Assembleia. É para o n.° 29.° do artigo 54.° que diz que fica abolida a pena de morte excepto no caso em que a legislação determinar no tempo de guerra.

Eu quero que ella seja abolida em todos os tempos, e exactamente quando não a posso admittir, é no tempo de guerra.

O Sr. Alvaro de Castro: - Já está abolida.

O Orador: - Está V. Exa. enganado. Não leu o projecto. Se lesse o numero citado do artigo 54.° veria o contrario. E d'este projecto que me estou occupando. Deve ser abolida em todos os tempos, e em especial em tempo de guerra, porque sendo o principal argumento contra essa pena o erro judiciario, é exactamente em caso de guerra que esse erro se pode dar com mais facilidade e frequencia. A justiça deve ser sempre a mesma. E é necessario que essa pena seja abolida em todos os casos, porque de ha muito vive na tradição portuguesa, essa consoladora orientação penal talvez resultante da nossa affectividade excessiva.

E os sentimentos mandam mais que a intelligencia dos homens.

A pena de morte em caso de guerra não se pode defender. Não é moralizadora, nem com ella se domina o terror. E a proposito lembra-me um exemplo citado por Montaiyne, passado em Pekim. Ao serem atacadas as legações, um capitão inglês quis fazer marchar a sua companhia, o que não conseguiu. Mandou avançar o primeiro soldado da companhia. Ficou immovel. Matou-o. Seguidamente chamou o 2.°, o 3.º e o 4.° procedendo de igual forma, e não conseguiu fazer avançar a companhia. É pois certo que o

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terror pode mais que a propria morte. Mas d'esse mal, felizmente, nunca enfermaram os valentes soldados portugueses.

V. Exa., Sr. Presidente, desculpe-me o enthusiasmo que tomei, mas não concordo com a doutrina do n.° 29 do artigo 54.° Mando uma emenda para a mesa.

O Sr. José Barbosa: - A commissão acceita-a.

O Orador: - Neste artigo, que pela sua grande quantidade de numeros foi o que me chamou mais a attencão, encontra-se ainda a disposição do n.° 51.°, que fala das indemnizações pelo Estado para todos os casos de prisão, ou processo criminal. Preferia uma lei de prejuizos, dam nos e indemnizações porque entendo que quem for o falso denunciante é que tem de pagar essa indemnização e nunca o Estado. Não desejo que este principio estabelecido no projecto se mantenha, porque amanhã poderá dar logar ás maiores chantages, porquanto pode haver combinações entre individuos de menos escrupulos para entre si repartirem a indemnização offerecida pelo Estado. (Apoiados). Fala-se tambem do direito individual ser para todos os cidadãos igual, e assim não se pode comprehender que uns tenham maiores regalias que outros, estando nestes casos o Presidente da Republica, os Ministros, os Senadores, os Deputados, com regalias e tribunaes especiaes para seu julgamento.

Entendo que as leis devem ser communs para todos os cidadãos, e assim todos aquelles que delinquirem devem comparecer junto dos tribunaes communs e ahi responderem pelo que tenham commettido.

Sou, repito, contra os foros e regalias, sejam para quem forem. (Apoiados).

Passarei agora a tratar, Sr. Presidente, de uma questão de ordem geral e para a qual chamo a attenção da commissão. O § unico do n.° 31.° do artigo 19.° diz que só é materia constitucional o que fixa as attribuições e limites respectivos dos poderes politicos e os direitos politicos e individuaes dos cidadãos. Toda a outra materia poderá ser modificada.

Este artigo é a reproducção fiel do artigo 144.° da Carta Constitucional que consagra igual principio.

Não serei eu que censure a commissão por ter trazido para aqui artigos da Carta Constitucional, ou disposições de outras leis. Sei perfeitamente que em direito publico é difficil ser-se original, e, sendo assim, não me repugna nada que se reproduzam principios desde que sejam sensatos.

Portanto, não é por isso que ataco a commissão, ataco essa disposição porque representa um péssimo principio, porque me lembro das lutas estereis que aqui se travaram a proposito de se saber o que era materia constitucional, e o artigo 144.° da Carta Constitucional esvoaçava por esta camara, passava para a Camara dos Pares, fluctuava na imprensa com pretexto de infindaveis e atrabiliarias discussões.

Não quero de maneira alguma que se diga nesse artigo de uma maneira geral, o que é materia constitucional; quero que materia constitucional seja tudo o que se consigna na Constituição. E tanto esta minha observação é judiciosa que a commissão, no § unico do artigo 18.°, nos diz que, pelo que respeita aos Ministerios, não se trata de materia constitucional. Quer dizer a propria commissão começou a manifestar logo as suas duvidas sobre a applicação da doutrina d'aquelle § unico. E ou só deixa de ser materia constitucional o que se consigna no § unico do artigo 18.° ou é inutil esta disposição por estar comprehendida no paragrapho do artigo a que me referi.

Sou, portanto, pela abolição d'esta disposição. Mas assim como sou pela sua abolição, que é uma copia do artigo 144.° da Carta Constitucional, sou tambem, e muito sinceramente, pela introducção do artigo 7.° do acto addicional de 1896, que obriga o Governo a trazer á Camara, no prazo de quinze dias, depois de constituida a Assembleia, o orçamento e as leis da fixação das forças naval e militar, indispensaveis á defesa nacional. É indispensavel adoptar-se esta disposição, senão veremos sempre o Governo ter a principal responsabilidade de chegar ao fim da legislatura sem o orçamento votado e sem as leis da defesa nacional perfeitamente garantidas. E necessario que este artigo 7.° seja adoptado, que o Sr. Ministro das Finanças seja obrigado a apresentar o orçamento e os Srs. Ministros da Guerra e da Marinha as propostas de fixação das forças do exercito e da armada, de maneira que essas leis fiquem em condições de poderem ser discutidas pela assembleia e de serem votadas antes do fim do anno economico.

Ha um outro principio que quero consignar no projecto: é o que diz respeito ao suffragio universal. Quero que elle fique na lei constitucional portuguesa de maneira a evitar de futuro que um Governo, pelos menos democrata e menos avançado, possa limitar o direito de voto ao cidadão português.

E necessario que se consigne nesse artigo que o suffragio universal fica obrigatorio para todo o país.

O Sr. Ladeira: - Apoiado.

Outras vozes: - Não apoiado.

E do programma do partido republicano e dos partidos avançados de todo o mundo.

O Sr. Correia de Lemos: - Os analfabetos e os negros da Africa tambem teem voto?

O orador: - Quando me referi ao suffragio universal, tratava do suffragio no continente e ilhas adjacentes. Sobre a representação das colónias nos parlamentos da metropole sabe bem V. Exa. que a orientação moderna vae no sentido da sua exclusão. Nem se comprehende descentralização colonial sem essa clausula.

Pelo que respeita aos analfabetos desejo que tenham voto.

Alguns sei que não sabendo ler e escrever são mais instruidos, tem mais conhecimentos e mais consciencia dos seus deveres civicos do que os individuos que frequentaram as aulas primarias. (Apoiados).

E quem é o culpado do analfabetismo? Não são por certo os infelizes a quem foi vedado o direito de se instruirem.

Sr. Presidente: começo a sentir-me fatigado, e, portanto, a ter necessidade de encerrar as minhas considerações, mas não quero de maneira alguma terminá-las sem falar em assuntos que julgo ainda importantes, e que não tem cabimento senão nesta altura da discussão.

Quero referir-me, em primeiro logar, aquelles que eu designarei como pertencendo a um grupo de leis que denominarei para constitucionaes. A Constituição, tal como está em alguns pontos é larga, dilatada, talvez mais do que deveria sê-lo, mas noutro capitulo tem necessidade de leis complementares, a que eu chamo leis para constitucionaes, que venham completar este corpo de doutrina, dar-lhe unidade e maneira pratica de a effectivar em todas as suas minucias e em todas as circunstancias! E assim que acceito a enumeração do artigo 72.°, pelo que respeita ás leis de crimes de responsabilidade a sua designação.

E acho indispensavel que ali se inclua o que respeita ás leis eleitoraes do Senado e da Camara dos Deputados, á lei de reorganização judiciaria, que é indispensavel ao poder judicial para que possa viver livremente, e ainda á lei de organização administrativa.

Sr. Presidente: para concluir, quero referir-me ao capitulo das disposições transitorias. Ha ahi doutrina que eu

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28 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

não posso acceitar. Uma é a que respeita á formação do Senado saido d'esta casa do parlamento, porque isso seria a contradiç.ão de toda a exposição que acabo de fazer; a segunda é a que respeita á vida desta camara. Eu entendo que seria discutivel se esta camara foi ou não organizada só para votar a Constituição. Mas não descuto esse assunto embora me incline para que a sua missão termine logo que seja votado o codigo fundamental do país. Mas neste momento quero apenas referir-me ao artigo 74.°, em que se consignou o direito á camara de viver quatro annos, quando pelo artigo 15.° se dá a todas as camaras que lhe succedam apenas a vida limitada de tres annos.

Isto está em desacordo. (Apoiados).

E não se diga que este anno somos apenas uma Camara Constituinte, somos tambem uma Camara Legislativa e como tal já temos funccionado; ainda hoje votámos uma proposta do Sr. Ministro da Guerra, que é do foro legislativo.

É uma observação que apresento; para ella chamo a attenção da commissão e da Camara.

E agora meus senhores, já que falei em leis eleitoraes, quer para o Senado, quer para a Camara dos Deputados, desejo que ellas sejam o mais amplamente liberaes. É indispensavel que nos convençamos todos de que é sobretudo pela liberdade que devemos aniquilar os nossos adversarios. A liberdade nas democracias é uma arma de que só ellas podem usar, sem que os nossos adversarios não podem combater; e é uma força tão grande, que na frase de um grande escritor não ha nada que a domine nem ha tempo que a consuma, nem ha merito que lhe prevaleça.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

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