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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pires de Campos pediu a palavra para um negocio urgente.

A urgencia refere-se ao apparecimento de um vapor desconhecido na costa de Peniche.

Consultada a Camara foi approvada a urgencia.

O Sr. Pires de Campos: - Sr. Presidente: recebi hontem, das mãos de um nosso correligionario, revolucionario antigo, uma communicação que não é grave, mas que demanda a attenção do Governo.

Ha dias que apparece nas costas de Peniche um vapor desconhecido. É certo que nesta costa tem havido uma rigorosa vigilancia por parte dos revolucionarios, no entretanto esse vapor tem-se tornado suspeito.

Sr. Presidente: devo dizer que o Cabo Carvoeiro dista de Porto Novo uns 35 a 40 kilometros, com praia perfeitamente acostavel. Lembro-me até que foi em Porto Novo que desembarcaram as tropas inglesas.

Não receio, é claro, uma invasão de soldados por aquella costa5 mas receio o desembarque de armas, e chamo a attenção dos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha para o assunto, a fim de que S. Exas. mandem vigiar esta parte da costa, porquanto as unicas autoridades militares que a occupam são apenas 18 homens da guarda fiscal.

E visto que estou no uso da palavra, falando a respeito de Peniche, eu peço licença a V. Exa. para dizer que o estado dos espiritos naquelle concelho não é bom.

Peço, pois, aos Srs. Ministros presentes que façam sciente ao seu collega do Interior das considerações que vou fazer.

Na praia da Consolação foi incendiada ha dias uma casa pertencente a um antigo republicano como vingança dos jesuitas d'aquella região.

Mas fez-se mais. Na Serra de El-Rei, povoação d'aquelle concelho, em virtude do procedimento d'um padre que reside naquella freguesia, um padre odiento e odioso, tocaram os sinos a rebate, e o povo, que é excessivamente ignorante, atacou as casas de correligionarios nossos e principalmente senhoras, insultando-as com as palavras mais indecentes e vergonhosas, unicamente porque ellas auxiliaram a difusão da instrucção infantil e são esposas de republicanos convictos o dedicados.

Isto é uma infamia que se não praticará sem o meu protesto.

Fala-se agora na politica de acalmação.

Esta palavra repugna-me porque mo lembra o papel de um Ministerio, após a morte de D. Carlos.

Sr. Presidente: a Republica foi feita para todos os portugueses. No entretanto, eu entendo que devemos primeiro que tudo estar ao lado d'aquelles que se teem sacrificado por ella.

Chamo a attenção dos Srs. Ministros da Guerra e do Interior para este facto, lamentando que o Sr. Dr. Antonio José de Almeida não esteja presente.

Na Serra de El-Rei esse padre odiento não cumpre o seu papel como determina o Evangelho; este homem, servindo-se dos processos jesuiticos, ainda ha pouco, quando para ali foi requisitada uma força para manter a ordem, esse padre industriava o povo a dar vivas á Republica, mas ao mesmo tempo mandava injuriar as senhoras, só por que ellas eram esposas de antigos republicanos.

Peço a attenção de V. Exa. e da Camara para esta situação miseravel; eu sei que o padre tem a protecção de muitos conselheiros que ainda por ahi ha, e que é preciso varrer de uma vez para sempre. (Apoiados).

Ainda ha dias eu fui procurar um empregado superior de um Ministerio que não estava no seu Jogar, e um continuo muito mesurosamente me disse: no Sr. Conselheiro ainda não veio". E preciso acabar com estes titulos que foram extinctos.

É preciso acabar com os ultrages aos republicanos devotados á causa da Republica e da Patria e que precisam ser auxiliados pelo Governo e por nós todos.

A causa do odio d'este padre da Serra de El-Rei explica-se pela seguinte razão.

Quando foi implantada a Republica, os republicanos d'ali pediram uma syndicancia aos actos da Junta de Parochia, porque se dizia, não sei se com verdade se com mentira, que se tinha feito uma obra sem orçamento, e que o padre recebera setecentos e tantos mil réis.

Eu chamo para este ponto a attenção do Sr. Ministro do Interior, para que esta syndicancia seja ordenada immediatamente.

Já que estou com a palavra que tão raras vezes me chega, seja-me licito occupar a attenção da Camara por alguns minutos enviando para a mesa uma representação dos amanuenses e continuos da Biblioteca de Lisboa.

Impressionou-me extraordinarirmente a leitura d'esta representação, pois esses pobres empregados a quem se exigem algumas habilitações, trabalham dez e onze horas por dia ganhando apenas 10$000 réis por mês.

Isto é uma vergonha que não se deve admittir.

Ha dias ouvi o Sr. Ladeira, pedir que o dia de trabalho fosse fixado em oito horas, ideia que perfilho. Ao ler porem; a representação d'estes desgraçados que trabalham dez e doze horas lembrei-me do que S. Exa. aqui nos disse.

O Sr. João de Menezes apresentou uma proposta que eu approvo, em principio, para que não se possam aumentar as despesas publicas.

Em principio estou de acordo com S. Exa., mas ha despesas productivas, e despesas improductivas.

Despesas improductivas são todas aquellas que dizem respeito a luxo, productivas são as necessarias, as indispensaveis como, por exemplo, a que se refere á instrucção primaria, que não desejo que fique só no papel que seja posta em pratica, porque é uma vergonha a que existe no nosso país.

Estou certo que o Sr. João de Menezes autor da proposta, se ler a representação d'estes empregados, ser o primeiro em concordar que se lhes aumentem os ordenados, porque é preciso que esses homens sejam muito honrados para que, vivendo na miseria em que vivem, não deitem a mão a algum livro.

Ora, fazendo a comparação do que ganham esses empregados com os de outras repartições vê-se uma flagrante desigualdade.

Emfim, eu mando a representação para a mesa para ser remettida á commissão de finanças que resolverá o que for de justiça.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Sr. Presidente: ha dias, tanto eu, como o Sr. Ministro da Marinha, fomos procurados pelo Sr. Tiago Salles, que nos communicou que na costa de Peniche pairava um vapor suspeito.

O Sr. Ministro da Marinha mandou proceder a averiguações e o Sr. Tiago Salles procurou tambem outras informações o afinal reconheceu-se que se tratava de um vapor que andava á pesca clandestina da lagosta; e que o suppor se que apparecia e desapparecia, era devido a ficarem-lhe occultos os faroes quando voltava de bordo. Esse vapor tornou-se por tal forma suspeito, que a guarda iscai, na noite de 4 para 5, chegou a fazer fogo sobre elle.

Será a esse mesmo vapor que o Sr. Deputado se refere? Não sei, mas o que posso informar a S. Exa. é que a vigilancia na costa de Peniche, é muito activa por parte dos republicanos, e que aguarda fiscal naquella area já foi aumentada para evitar que ali possa desembarcar qualquer contrabando de guerra.