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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

republicano sem disfarces que se fundou em Lisboa sustentava a doutrina federalista.

Succedeu-me com a politica o que me succedeu com as crenças philosophicas. Cada vez se robusteceram mais as minhas primitivas opiniões, ao contrario do que tem succedido a muito boa gente que, com o decorrer dos annos, se modificaram as suas ideias.

Cada vez mais me convenço de que é o positivismo ou determinismo o verdadeiro criterio philosophico, e o federalismo a verdadeira doutrina politica e o unico processo a adoptar para corrigir os males do nosso país, que está cheio de vicios e de corrupções politicas.

Ora a segunda Camara poderia representar ou os districtos ou os municipios. Eu dava completa liberdade para a formação dos agrupamentos. Queria que esses agrupamentos se formassem espontaneamente, isto é, que fossem convidadas as parochias, os municipios e os districtos a congregarem-se como melhor quisessem ou entendessem.

Era uma obra perfeitamente natural e não artificial, o que é de grande vantagem, porque toda a obra artificial e ephemera.

Já V. Exas. vêem que nem estas resoluções, a adoptarem-se, seriam precipitadas, nem iriam lançar o país na desordem. Eram as mais logicas e mais naturaes. Poderá dar-se conflicto entre as duas Camaras, evidentemente, mas esse conflicto que eu procurei resolver tentando primeiramente harmonizar as duas Camaras reunidas em congresso teria como supremo juiz o povo, pelo supremo recurso á Nação. E o referendum.

Mas não é natural que á precipitação de uma Camara na confecção de uma lei correspondesse a irreflexão da outra, approvando-a, ou que em caso de discordancia não prevalecessem o bom senso e a justiça.

Quando, porem, nenhuma das Camaras quisesse ceder da sua opinião, havia então o supremo recurso para a primeira e legitima soberania, a Nação.

Parece me que não ha no meu projecto os perigos de que é accusado. Dizem que é muito avançado, impraticavel e irrealizavel. Ora, ao contrario, eu julgo-o não só realizavel mas até opportuno.

O projecto da commissão diz que a Nação se forma de certas provincias que menciona. Se é uma simples exposição geographica, realmente faz pena que ao menos não tivesse sido feita em harmonia com a sciencia.

Se é porem uma concepção, um esboço de regionalismo, como disse o Sr. João de Menezes, que é partidario da descentralização, eu queria então que a commissão fosse mais longe, que tivesse a coragem de fazer o que fiz no meu projecto.

O Sr. José Barbosa: - V. Exa. não se lembra de que todos os membros da commissão explicaram como o projecto foi feito, que não podiam ir alem do curto espaço de tempo que lhe concederam para propor umas bases para discussão?

O Orador: - Eu, com a apresentação do meu projecto, que será imperfeitissimo, não tive a pretensão de obter a sua approvação, nem tenho agora a pretensão de convencer a Camara da verdade das minhas doutrinas; o que quis foi deixar consignada a minha opinião, para que no futuro todas as enormes responsabilidades deste momento historico se pudessem apurar.

Alguem disse aqui que todos nós deviamos contribuir para esta obra, que era, por assim dizer, os alicerces do grandioso edificio que será a Legislação da Republica, e eu, humilde obreiro, sem pretensão a grande architecto, quis tambem contribuir para a sua construcção.

Os pedreiros livres da Hade Media fizeram cathedraes magestosas, como a de Strasburgo, construiram edificios notaveis, jóias architectonicas, como a Batalha, ligaram a ellas os seus nomes, mas não forum com certeza os unicos que trabalharam, tiveram humildes obreiros obscuros collaboradores a auxiliá-los, e eu que sou tambem um humilde obreiro da grande obra da Republica, quero deixar consignada a minha humilde opinião a respeito da lei fundamental, e essa minha opinião não é gratuita, nem precipitada, mas representa alguma reflexão e algum estudo.

O regionalismo levou um golpe profundo, formidavel, quando os réis começaram a dispensar o seu auxilio na luta contra o feudalismo e levou-o ainda maior quando os jesuitas começaram a dominar e a educar em Portugal. Se por um lado, portanto, OB réis para consolidarem o absolutismo, iam abatendo a independencia local, por outro lado os jesuitas iam destruindo o espirito de região para melhor dominarem, porque só lhes convem uma sociedade absolutamente uniforme. Mas ainda assim não o destruiram de todo, e a prova está nas rivalidades que ainda hoje se manifestam de freguesia para freguesia, de municipio para municipio. Quem não se lembra da luta ridicula entre Braga e Guimarães, unicamente porque Guimarães não queria ficar sujeito a Braga!

E o que significa a luta entre as diversas ilhas do archipelago açoreano? Aqui está em frente de mim o Sr. ex-governador civil de Ponta Delgada que sabe que foi João Franco, e isto é espantoso, que foi João Franco quem concedeu a autonomia administrativa a S. Miguel, uma cousa que essas ilhas evidentemente desejavam e que considerou como uma das suas mais bellas conquistas politicas dando ao Ministro as mais altas provas de gratidão. Pois bem, esse homem que representou o absolutismo, o centralismo, por especulação certamente, porque eu nunca acreditei na sua sinceridade, foi o primeiro a conceder uma autonomia. Concedeu-se primeiro a S. Miguel, depois á Terceira, depois ao Funchal, e só não a acceitou o meu districto, porque é tão pobre que com ella talvez ainda ficasse prejudicado nas condições em que lhe era offerecida. Já vêem V. Exas., portanto, que existe no país o espirito autonomista, e até o espirito intransigentemente regionalista.

A proposito d'isto eu vou contar a V. Exas. um facto interessante. Ha alguns tempos, obedecendo á inania centralista de fazer leis iguaes para todo o país, o Governo progressista, creio eu, decretou uma organização administrativa, e, em virtude d'ella, impôs á pequenina ilha do Corvo as seguintes condições. Se quisessem ter um concelho ha viam de pagar todos os encargos respectivos, renda da casa para repartição de fazenda, e todas as mais despesas. A pobre ilha do Corvo, a principio hesitou, mas o governador civil de então, foi especialmente a essa ilha, num navio então commandado pelo Sr. Ministro da Marinha, que tenho pena não esteja presente para confirmar o que estou dizendo, a fim de consultar a sua população sobre se queria ou não o concelho.

Fez se uma assembleia popular, e imagine a Camara como eu no meio do povo estava ancioso para ouvir os resultados da consulta as manifestações de apreço ou desprezo pela sua independencia que aquella gente ia apresentar. De cima de um balcão um empregado explicou com clareza e até com grande desenvolvimento o assunto para que tinha sido convocada a reunião, e perguntou finalmente se queriam que fosse criado o concelho ou se queriam continuar a pertencer ao das Lagens das Flores.

Houve uma grande hesitação, uma especie de consulta intima, porquanto reinava um profundo silencio. Todos perguntaram decerto a si proprios se valeria a pena o grande sacrificio pecuniario para adquirirem a sua independencia. Eu estava numa anciedade extraordinaria para saber o que se resolveria, mas o silencio continuava. De repente, uma voz disse: "Queremos a nossa independencia, queremos um concelho nosso", e logo, sem intervallo quasi, sem hesitação, toda aquella gente gritou o mesmo e vibrando de enthusiasmo, todos reclamaram o concelho, estando dispostos aos maiores sacrificios para que elle fosse criado.