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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

questão financeira, que parece secundaria e impropria de figurar na lei fundamental. Foi para que o executivo ficasse acima de todas as suspeitas, e nos pudéssemos tambem precaver contra as aventuras de algum tresloucado e, permittam-me que empregue este termo e não outro, porque eu parto do principio de que todo o partido republicano é honesto, e que só por desvario poderia apparecer algum Ministro que mo gerisse bem e honradamente as finanças do Governo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Nunes da Mata: - Por parte da commissão de petições, mando para a mesa tres pareceres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Eduardo de Almeida.

O Sr. Eduardo de Almeida: - Sr. Presidente: cumpro a obrigação regimental de ler a minha moção de ordem.

É a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional, em harmonia com o decreto por ella enthusiasticamente votado na sessão de 19 de julho, affirma o desejo de que a Constituição Portuguesa seja a de uma Republica Democratica, estabelecendo normas insofismaveis de garantia individual, adoptando as medidas necessarias para que os diversos orgãos do Estado possam efficazmente desempenhar as suas funcções proprias, e definindo os deveres fundamentaes dos cidadãos chamados a cooperar consciente, activa e dedicadamente na obra do progresso e do desenvolvimento social, e continua na ordem do dia.

Lisboa, Sala das Sessões, em 13 de julho de 1911. = O Deputado, Eduardo de Almeida.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: eu comprehendo que a Camara estranhe, não a mim como representante da Nação, mas a mim individualmente, encarado por insufficiencia de qualquer especie, que tome nesta altura do debate a palavra, mas a verdade é que eu, quando ante-hontem li os placaras annunciando que a Assembleia Nacional se pronunciara já sobre a Constituição, quando hontem vi um illustre Deputado, que aliás sei que estava inscrito para usar da palavra, propor que se julgasse a materia discutida, senti que descia sobre o meu coração uma amarga sombra de tristeza, não porque o assunto não esteja larga e sufficientemente discutido já, mas sim porque entendia necessario, e d'ahi vinha a minha tristeza, que sem nos lançarmos em utopias impossiveis, alguma cousa de mais avançado, de mais ideal e de mais altruista se devia affirmar desde já, no principio da Republica Portuguesa.

Desejava que outro e não eu, que não sou por temperamento inclinado a grandes arrebatamentos, viesse a esta Assembleia declarar que uma Constituição republicana não pode limitar-se a um composto de meras organizações e distribuição de poderes, mas tem de condensar os principios que mostrem o país disposto a caminhar na democracia.

Não posso eu fazê-lo, porque não tenho já muitas das illusões que na mocidade alimentaram o meu espirito, mas ardentemente desejava que a mocidade aqui trouxesse um pouco d'aquella irreverencia que tanto contribue, quando não é meramente anarchica, para fazer evolucionar e gravar as ideias generosas.

Vi tratar o assunto d'esta tribuna com a eloquencia mais profunda e a sciencia juridica mais completa, e todavia não se passou ainda de um campo caracteristicamente metaphysico por que se transportava o erro, que tantas vezes tenho notado nos tratadistas de direito politico, ao considerarem certos principios como dogmaticos, como fixos e immutaveis, collocando assim as doutrinas em manifesta contradição com os factos.

O regime parlamentar não é intangivel, não é um regime sagrado que não possa soffrer alterações, pois neste momento nelle se está operando uma evolução profunda era que nós vamos collaborar, introduzindo-lhes varias reformas.

Ato na presidencialista America do Norte, ha pouco, numa das ultimas sessões do Congresso, se fez uma importante transformação era favor do Parlamento.

E como?

Da seguinte fórma: por effeito d'esse largo espirito presidencialista, que domina toda a Constituição americana, os Deputados estavam de facto e não hypotheticamente curvados á influencia do poder executivo; o Presidente do Congresso tinha o direito de recusar, sem qualquer limite ou responsabilidade, quando queria ou lhe convinha, a palavra ao Deputado que a pedisse sobre este ou aquelle assunto.

O tremendo absurdo foi agora discutido no Parlamento, e felizmente derrubado e com elle outras attribuições presidencialistas que não consentiam aos membros do Parlamento a sua liberdade de acção.

Falou-se na decadencia do Parlamento, que o nosso regime parlamentar não tinha tradições, que fora importado da Inglaterra.

Isto não é verdade.

O regime parlamentar não está em decadencia: transforma-se sob um simples impulso real de democracia.

Quando, recentemente, na Allemanha, a voz do privilegio quis dominar a vontade parlamentar, os representantes do povo affirmaram de uma maneira efficaz a sua força, erguendo alto o pendão da sua revolta; e essa força é a da justiça contra a oppressão, a da verdade contra a tyrannia.

Foi-se á velha Inglaterra buscar um conflicto para mostrar que até ali, onde o Parlamento, como se diz nascera, estava passando attribulações; mas esse conflicto que é na realidade senão a revolta dos representantes da Nação contra uma aristocracia privilegiada para que ella não possa annullar as leis que o povo quer e defende?

A França entrou, não ha muito, num verdadeiro regime parlamentar, que não teve durante quarenta annos de Republica imperialista, e foi o Parlamento que deu á Russia um pouco da luz da liberdade e que integrou a Turquia no movimento civilizador.

Eu sei que no projecto (e aproveito a occasião para endereçar as minhas felicitações á illustre commissão) se quis evitar o perigo da ficção parlamentar, que tantos annos se divertiu entre nós.

Mas ficção parlamentar não é regime parlamentar.

A commissão lembrou-se de que essa ficção nos criara uma tyrannia dupla - a do Executivo sempre numa folgada ditadura, e a do Legislativo com a obediencia das maiorias e a esterilidade das lutas. Lembrou se de como a ficção parlamentar consagrou mediocres e elevou inhabeis.

Mas não se lembrou de que estava negando a propria acção do partido republicano, que veio ao Parlamento soltar o grito da revolta e que no Parlamento despedaçou, a golpes de genio e audacia, a monarchia. Aqui combateu ousado contra as violencias, que se tornaram cada vez mais ameaçadoras, contra a dissolução de costumes, que dia a dia se aggravava de uma maneira flagrantissima. Sempre que a indignidade se evidenciava mais, ou logo que o despotismo pretendia crescer, a voz dos grandes tribunos rugia ameaçadora e amesquinhava, espisinhava e fazia tremer como réus os que estavam agarrados ao mais alto poderio.