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SESSÃO N.° 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 17

Julga-se tambem, mas julga-se erradamente, que o regime parlamentar foi trazido de Inglaterra.

E um engano, uma das taes confusões metaphysicas.

De Inglaterra veio uma determinada fornia de parlamentarismo, mas o principio já existia e vive na alma nacional portuguesa e na nossa historia politica.

Para honra nossa, podemos dizer que o absolutismo foi entre nós quasi sempre moderado. E a razão, podemos affirmá-lo envaidecidamente, está no facto da nossa historia não ser apenas feita pelo ostentoso luxo dos réis, mas ser uma historia do povo.

A sua intervenção era directa, constante, heróica nos destinos da patria; é a elle que se deve a nossa independencia, as nossas maiores conquistas, e elle que se lança nessas estranhas aventuras maritimas já tão gloriosamente cantadas; e um povo que assim procura a prosperidade da sua patria, e assim se manifesta cônscio do que lhe cumpre nos momentos dolorosos, não podia nem saberia abdicar dos seus direitos. E não abdicou por que os defendeu sempre nos foraes, nas Cortes, nos municipios que constituem - só a metaphysica o nega - verdadeiras, legitimas tradições parlamentares.

Mas, Sr. Presidente, quererei eu com isto dizer que se adopte para o meu país o regime parlamentar, tal como em compêndios se define e tal como o comprehendem muitos dos illustres Deputados?

Porque é aqui que a confusão começa.

O regime parlamentar, como o presidencial, soffrem de um mal profundo.

Um e outro estabelecem erradamente em theoria e mais erradamente ainda na pratica a divisão e independencia dos poderes. Se o regime parlamentar, que saiu mais de um conceito de harmonia que de independencia, escravizava ao Parlamento os outros poderes, dando a todos um caracter tumultuario, o regime presidencialista, nascido de uma divisão mecanica, subjugava á ditadura ampla do executivo todas as energias sociaes. Chegava-se ao chãos partindo da harmonia, ao despotismo querendo estabelecer-se a independencia.

E, não obstante, continua-se teimando que no regime parlamentar não tem o poder executivo a necessaria independencia.

Mas onde está a independencia dos poderes, em qualquer regime?

Aos diversos orgãos do Estado não é necessario dar independencia, mas sim as condições de vida indispensaveis para que elles possam desempenhar cabal e satisfatoriamente a funcção que lhe compete.

A independencia dos poderes é, portanto, uma coisa puramente metaphysica.

Se não ha independencia no individuo, como pode ella existir nas differentes funcções do Estado?

A noção de independencia, que tanto tem entretido os publicistas, é nociva porque estabelece uma absurda separação de vida, de rigido alheamento de funcções, onde a vida é una e a cooperação fundamental. O que se quer dizer é que é preciso garantir as relações entre os poderes de forma que não estejam sempre a invadir attribuições e a perturbarem-se reciprocamente.

Metaphysica tambem é accentuadamente anti-democratica esta palavra - poderes. Então numa Republica ha poderes com privilegios?

O Sr. José Barbosa: - Não são poderes do Estado, são orgãos da soberania popular.

O Orador: - Órgãos desempenham poderes. Já vê V. Exa. a que distancia estamos d'esses poderes.

No seu desagrado ao parlamentarismo a Commissão lembrou-se, e com razão, de uma parte restricta da nossa vida nacional em que o parlamentarismo decaiu.

E certo esse decaimento, mas fez-se, e até então, ouve muitas vezes a voz da justiça soltada por pessoas que eram systematicamente postas de parte.

Não se lembrou, porem, de que se, no nosso feitio, estão um pouco estas inclinações palavrosas, ha uma cousa peor no temperamento português: e o impulso violento.

A verdade é que, embora sejamos inclinados aos debates parlamentares, a ditadura não deixa de estar incrustrada por tal forma no nosso feitio que até o actual Governo - e peço desculpa aos teus illustres membros de me referir á sua obra, mas faço-o como elemento para a minha argumentação - que até o actual Governo, dizia eu, continua, em parte, em ditadura, não obstante estar aberta a Assembleia Constituinte.

Digo isto porque varias vezes vejo publicados...

O Sr. José Barbosa: - Esta Assembleia autorizou-o...

O Orador: - Manteve-lhe a confiança, mas não lhe conferiu poderes legislativos nem podia conferir-lh'os. No entanto são cousas minimas, pois os decretos publicados pelo Governo referem-se a assuntos de pouca importancia.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: se é certo, em virtude de semelhantes hesitações, que o projecto de Constituição apresentado a esta Camara é imperfeito, a verdade é que (e digo o exactamente pelo alto apreço em que tenho a Assembleia Nacional) a nossa Constituição ha de ser a final imperfeita. E felizmente, porque um codigo ideal, em que se reunisse o que ha de mais avançado em concepções politicas e fosse tocado pela maior belleza dos devaneios altruistas, seria inexoravelmente rovogado pela dynamica social e cairia esfarrapado em amargas privações. Com isto, porem, não quero dizer que não ache justa e que não seja proficua a dedicação por um dia em que a humanidade conheça ventura sempre maior que a passada e em que, se possivel, a tristeza appareça tão raras vezes que apenas viva a dor sequiosa de a não podermos sentir mais.

O que é fundamental na constituição?

E que se attenda a leis positivas.

Desculpe-me o illustre Deputado que me precedeu que eu diga que a sciencia sociologica existe, embora não tão adiantada como outras, como por exemplo a sciencia mathematica. Tem a sciencia sociológica leis de indiscutivel positividade que se devem adaptar á vida politica portuguesa.

Eu disse, logo depois de proclamada á Republica, e repito agora nesta Assembleia, que a Republica feita pela revolução heróica de 5 de outubro, libertando-nos da escravatura politica e do rebaixamento moral em que vivia-mos, não conseguira, porem, transformar de repente, como uma mutação de magica, o povo português.

O povo é o mesmo. Esse povo que mostrou a sua dedicação extraordinaria pela causa da Patria, manifestando qualidades viris, abnegação exemplar, heroismos tocantes e que ainda agora está provando o seu valor e a sua coragem na defesa da integridade da Republica, é o mesmo povo de hontem. E assim como havemos de pagar durante muito tempo dinheiros que outros gastaram, havemos de igualmente sentir, duramente e longamente, os funestos resultados do jesuitismo que abafava o espirito e a consciencia como estufa adequada á sua vegetação perigosa e occulta e havemos de soffrer com a irradiação infecta da pustula que a monarchia abriu na alma portuguesa.

Sr. Presidente: uma Constituição republicana deve obedecer á lei positiva do progresso, inscrevendo os principies essenciaes da democracia, mas não pode furtar-se ás leis positivas da solidariedade e continuidade humanas e adaptando-os ás condições de vida da sociedade portuguesa. Eu quero, portanto, que cada orgão do Estado desempenhe as suas funcções, tendo as condições de vida