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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

que são indispensaveis para que o seu funccionamento produza resultados efficazes. Quero que o orgão executivo não tenha a possibilidade de perturbar o orgão legislativo; mas quero ao mesmo tempo que o orgão legislativo não embarace a cada momento a acção propria do executivo.

Como se pede resolver a difficuldade?

Para mim, e tenho por meu lado a autoridade incontestavel de alguns espiritos philosophicos, as funcções do executivo tem de estar em harmonia, em qualquer dos seus aspectos, com as funcções do legislativo. Qual a funcção propria do executivo? É executar as leis, fiscalizar os serviços publicos e sobretudo pertence-lhe a administração.

Toda a gente comprehende que elle não pode fiscalizar o cumprimento das leis, não pode executá-las, sem a cooperação directa do Parlamento, cuja funcção propria é decretar leis e que tem indiscutivel competencia para fiscalizar tambem os serviços publicos, incluindo precisamente a acção executiva.

Quis-se tirar ao executivo a faculdade de vir aqui (e eu, se um dia fosse homem de Governo, havia de sentir-me rebaixado se não pudesse defender os meus actos), dizendo-se que nós vinhamos arrastar os Ministros a pugnas estereis, arrancando-lhes e tirando-lhes a sua liberdade de acção. Mas onde é então que se fazem os Ministros senão combatendo nesta arena, subindo a esta tribuna para agitarem as suas ideias, leal e desassombradamente; não é pelos seus programmas que elles conquistam o poder? Vão então recrutá-los na clientella dos Presidentes da Republica, com absoluto desprezo de todos nós, que claramente definimos principios e lutamos sacrificando-nos?

Fala-se da tempestade parlamentar; mas quem se arreceia d'ella? Não é preciso ser tribuno para a supportar; basta que se tenha por seu lado a razão, basta que saiba defender a justiça. (Apoiados).

As tempestades parlamentares limpam muitas vezes a atmosphera politica.

Mas, Sr. Presidente, o conveniente para o exercicio efficaz da funcçao executiva, não está em arrancar ou não os Gabinetes á acção parlamentar, está em separar estas duas cousas, que tanto se confundiram na theoria e na pratica por um vicio funesto, mas commodo de metaphysica, em separar, repito, a politica da administração.

Eu quero Ministros politicos, mas da politica que luta pelo ideal.

Eu sei que temos deante de nós o triste exemplo dos politicos passados, talvez por isso se me afigura indispensavel (e porque o julgo assim vou apresentar uma proposta) que a administração seja confiada a pessoas technicas, permanentes, responsaveis e independentes da politica. (Apoiados).

D'essa confusão vem o grande mal; a França, que tantas vezes tem servido de exemplo contra o regime parlamentar, ia definhando sob a influencia do imperialismo, porque cada estadista julgava encarnar em si a alma errante de Napoleão. Mas, felizmente, passados quarenta annos de illusoria republica, a França, e digo-o para honra dos seus estadistas modernos, vae entrando num regime democratico parlamentarista, e por isso sente já essa indiscutivel necessidade do separar a funcção politica da administração.

Que fizemos para evitar o perigo? Nada. Pois bem: eu direi ao Sr. José Barbosa e aos outros membros da commissão que um dos nossos maiores males, a causa da nossa mais profunda decadencia, está nessa inclinação portuguesa, para não empregar outro termo, de esmolar empregos.

Ahi é que eu quero que se introduzam reformas radicaes. A evolução do regime parlamentar, evolução democratica, está nessa medida da mais profunda moralidade e do mais vasto alcance.

Não se comprehende que numa democracia prosiga o espectaculo indecoroso de serem chamadas a exercer determinados logares, pessoas que para elles não dispunham da necessaria competencia, que para elles não tinham habilitações profissionaes, mas apenas titulos politicos. Não ha direitos politicos para occupar logares para que se é reconhecidamente incompetente.

Eu quero que nas differentes classes do funccionalismo entrem pessoas que saibam desempenhar conscienciosamente as suas obrigações. Termine-se com a empregadagem subserviente, com a conquista de logares pela intriga e pelo favoritismo.

É sobre este ponto que eu sou irreverente e defendo um saneamento completo, radical, insofismavel.

Quero que por varios ramos de administração publica haja moralidade e não apenas ansia de subir depressa; que os differentes funccionarios possuam os devidos requisitos para o cabal desempenho da missão que haja de lhes ser confiada; quero que elles possam expressar livremente a sua opinião, sujeitos ás leis e não á tutela de quem quer como superior, exceptuando os assuntos referentes á defesa nacional ou que se prendam com negociaçães diplomaticas; quero que se lhes garanta o direito de dizerem liberrimamente o que pensam, especialmente dos serviços em que tornam parte.

Eu vi que o artigo 67.° do projecto dizia que os empregados publicos são responsaveis pelos abusos que praticarem no exercicio das suas funcções, mas não é bastante.

É preciso que se consignem a esses funccionarios as garantias que a elles pertencem e sobretudo se definam os deveres que teem de cumprir.

Infelizmente em Portugal são raros os que estudam, e só quem estuda sabe quantos sacrificios tem de fazer, porque o tempo que assim gasta é perdido e roubado áquelle que se emprega na busca dos meios que são precisos para a sustentação.

E por isso que são tão raros e desprotegidos os exemplos de dedicação pela sciencia, mas é demais garantir assim, contra as mais torpes explorações da intriguice politica, os que ao trabalho somente se dedicam. Alem de justo é honesto, porque nós temos a dolorosa prova do baixo estado a que pode chegar a administração publica entregue a simples politicos.

E se tanto falo no assunto não é porque se tente commetter este abuso durante a vigencia da Republica; mas torna-se indispensavel estabelecer como principio que os logares publicos não são degraus para se trepar a eminencias da politica.

Passo agora a outro assunto, que é áquelle que diz respeito ao referendum. Não apresento o referendum politico, por agora inadaptavel aos nossos costumes; mas defendo o referendum administrativo em cada freguesia do continente, e o referendum municipal em Lisboa e Porto.

Não nos fiquemos em illusões de meros sonhadores, mas não estejamos tambem só a lançar poeira nos olhos das multidões.

Permitta-me o Sr. José Barbosa que eu me dirija a V. Exa., levantando uma frase infeliz que pronunciou ha pouco, quando discursava o illustre Deputado que me precedeu. Disse o Sr. José Barbosa que os republicanos no nosso país eram e seriam durante mais tres annos a minoria. Engana-se V. Exa.

Eu sou de uma provincia onde mais imperou a influencia jesuitica e a tradição monarchica, e posso dizer que o povo não professa odio ou má vontade contra a Republica.

Da ultima vez que tive occasião de vir a Lisboa, creio que em fevereiro, entrevistado por um redactor do Seculo, declarei-lhe que o povo do norte não seria republicano, mas não era monarchico; apenas indifferente.