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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

20.ª SESSÃO

EM 15 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Antes da ordem do dia: Lida e approvada a acta, deu-se conta do expediente. - Discussão do projecto de lei relativo á investigação dos crimes dos portugueses que se acham em país estrangeiro e dos ausentes homisiados. - A Camara nomeia uma deputação para prestar homenagem de despedida ao representante diplomatico do Brasil.

Ordem do dia: Continua a discutir-se na generalidade o projecto de lei n.° 3 (Constituição), usando da palavra os Srs. Deputados Goulart de Medeiros e Eduardo de Almeida. Fica pendente - O Sr. Deputado Nunes da Mata manda para a mesa tres pareceres da commissão de petições. Foi posto á discussão e rejeitado o parecer sobre a proposta do Sr. Deputado Affonso Palla, para que se nomeasse uma commissão para o fim de estudar a forma de recompensar os cidadãos que prestaram serviços á Republica, usando da palavra os Srs. Deputados Peres Rodrigues, Emidio Mendes e França Borges. Foi approvada a proposta do Sr. Deputado Eduardo Abreu para se nomear uma commissão para inquerir de quaesquer documentos encontrados nos paços reaes acêrca de pretendidos actos de traição á Patria, usando da palavra os Srs. Deputados Eduardo Abreu, Ministro do Fomento, (Brito Camacho), Germano Martins, França Borges, Alvaro de Castro, Padua Correia e Ministro das Finanças (José Relvas). - É mandado para a mesa pelo Sr. Deputado Barros Queiroz o parecer sobre a proposta respectiva ao pessoal da antiga Camara dos Pares.- A requerimento do Sr. Deputado Alfredo Ladeira entra em discussão, e é approvado, o parecer que manifesta o desejo de que seja publicado um decreto de amnistia aos delictos ferro-viarios. - E autorizado o Sr. Deputado Machado Santos a ir depor como testemunha. - O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto) dá informações acêrca de um incidente no quartel de infantaria n.° 2, em resposta a observações que tinha feito o Sr. Deputado Manuel Bravo, que se congratula com as explicações dadas. - O Sr. Deputado Teixeira de Queiroz dá conta da missão que com outros collegas desempenhara perante o Sr. Costa Mota, ex-Ministro do Brasil em Lisboa. - Encerra-se a sessão.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão. - Ás 2 hora e 20 minutos da tarde.

Presentes. - 169 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José de Almeida, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha. Antonio Xavier Correia Barreto, Artur Rovisco Garcia, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Carreia de Lemos, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco de Salles Ramos da, Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Veldez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegro, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Brás Bravo Junior, Manual de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victor José de Deus Macedo Pinto, Victorino Henrique Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Achilles Gonçalves Fernandes, Alberto Carlos da Silveira, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alvaro Nunes Ribeiro, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio França Borges, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Domingos Leite Pereira, Elisio de Castro, Ernesto Carneiro Franco, Faustino da Fonseca, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Theophilo Braga, José Bessa de, Carvalho, José Maria de Padua, José da Silva Ramos, Julio do Patrocinio Martins, Thomás Antonio da Guarda Cabreira.

Não compareceram á sessão os Srs.: Adriano Augusto Pimenta, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Augusto de Barros, Amaro de Azevedo Gomes, Antonio Aresta Branco, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Carlos Maria Pereira, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Cruz, Francisco Xavier Esteves, Henrique José Caldeira Queiroz, João Duarte de Menezes, Joaquim Brandão, José Augusto Simas Machado, José Cordeiro Junior, José Estevam de Vasconcellos, José Montês, José Perdigão, José Tristão Paes de Figueiredo. Leão Magno Azedo, Luis Fortunato da Fonseca, Sebastião de Magalhães Lima, Severiano José da Silva.

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SESSÃO N.° 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Fez-se a chamada.

Estão presentes 114 Srs. Deputados; está aberta a sessão.

Vae ler-se a acta.

(Leu-se).

Como ninguem pede a palavra considera-se approvada.

Está approvada.

Vae ler-se o expediente.

(Leu-se.).

Chamo a attenção da Camara para este documento.

(Leu-se).

Os Srs. Deputados que concedem a licença pedida tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

Continua a ler-se o expediente.

Vamos entrar nos trabalhos antes da ordem do dia.

Está em discussão o parecer n.° 7 na sua generalidade.

PROJECTO DE LEI N.º 7

Senhores Deputados. - Em sessão de 21 de junho ultimo o Sr. Deputado Alvaro de Castro apresentou a seguinte proposta, tambem assinada por mais quatro Srs. Deputados:

1.° A redacção de um decreto, banindo do territorio português todos os individuos que gravemente attentarem, attentem ou venham attentar contra as instituições republicanas e se encontrem em territorio estrangeiro. O decreto definirá a gravidade do crime, determinará os casos de applicação do banimento, e dará um prazo para a apresentação em terras portuguesas.

2.° A criação de um tribunal para julgamento rapido e pronto de todos os individuos que se encontrem nas circunstancias do n.° 1.° e em territorio português.

Este tribunal deverá ter a sua sede em Lisboa e tem por fim concentrar as investigações de todos os processos para maior rapidez de julgamento.

3.° A nomeação de uma commissão especial para a redacção do decreto e organização do tribunal, suas funcções e processo.

4.° A commissão será nomeada immediatamente á approvação d'esta proposta, e no menor prazo possivel redigido o decreto de banimento.

5.° Autorizar todos os Ministros de Estado a demittirem os funccionarios sob a sua dependencia, implicados em movimentos contrarios aos interesses da Republica. = Helder Ribeiro = Alvaro de Castro = Alvaro Poppe = Victorino Mauricio de Carvalho Guimarães = Americo Olavo.

Esta proposta foi discutida naquella sessão, juntamente com outra do Sr. Deputado João de Menezes em que se propunha que o Sr. Presidente da Camara nomeasse uma commissão encarregada de redigir as bases de um decreto que concentrasse em Lisboa a investigação e instrucção dos crimes contra a Republica; e que esses crimes fossem julgados nos tribunaes ordinarios, nos termos do decreto de 15 de fevereiro de 1911.

Por fim a Camara resolveu, sob proposta do Sr. Deputado Sebastião Dantas Baracho, que aquellas duas propostas fossem enviadas a esta coinmissao e que depois o nosso parecer fosse submettido á Camara para ser discutido e sobre elle incidir votação.

Vimos cumprir o mandato que a Assembleia Nacional Constituinte nos confiou apresentando um projecto de lei que se nos afigura representar o espirito d'aquellas votações.

O projecto occupa-se das seguintes materias inteiramente distinctas: da investigação dos crimes dos portugueses que se acham em país estrangeiro e dos ausentes e homisiados. Sob a epigraphe Disposições commnns trata das disposições applicaveis tanto aos processos a que se referem os artigos 1.° a 8.° inclusive, como aos de que tratam os artigos 10.° a 22.° inclusive.

O artigo 9.° constitue materia inteiramente nova e independente das demais disposições e por elle se concede completa amnistia aos portugueses que, achando-se em territorio estrangeiro e apenas tenham sido assalariados, se apresentem dentro de quarenta dias á autoridade consular respectiva e façam a declaração de desistencia exigida nesse artigo, o qual com seus paragraphos dá as necessarias garantias aos que se queiram aproveitar de tão benéfica disposição, o projecto não contem materia penal nova, antes permitte aos tribunaes que pesadas certas circunstancias possam diminuir a pena até simples prisão correccional e multa.

Não se alterou fundamentalmente a forma do processo, nem de nenhum modo se cercearam os direitos de defesa. Reduziram-se a metade os prazos marcados nas leis para os diversos actos do processo, mas essa reducção em coisa alguma prejudica a defesa, e, pelo contrario, obriga a mais rapido julgamento de arguidos que em geral se acham presos sem fiança.

As investigações administrativas serão feitas com a maior brevidade possivel (artigo 2.°), e, depois de concluidas, serão enviadas aos juizos de investigação criminal de Lisboa e Porto, que já eram os competentes nos termos do decreto de 15 de fevereiro de 1911.

Applica-se ao julgamento dos ausentes o decreto de 1847, com algumas modificações, avultando pelo seu espirito liberal a da intervenção do jury em taes julgamentos.

O attento e cuidadoso exame que ides fazer do projecto dispensa-nos de mais largo relatorio, esperando nós que da discussão elle sairá livre das imperfeições que contem, e que servirá para ainda mais formar o prestigio da Republica, que sempre se tem norteado pelos principios da benevolencia e da justiça.

A Assembleia Nacional Constituinte decreta:

Da investigação dos crimes

Artigo 1.° Para os effeitos do artigo 3.° do decreto de 15 de fevereiro de 1911, continuam a ser exclusivamente competentes os juizes de investigação criminal de Lisboa e Porto, emquanto se não publicar a reforma da organização judiciaria.

Art. 2.° A investigação dos crimes a que se referem os artigos 1.° a 5.° do decreto de 28 de dezembro de 1910 e artigo 48.° do decreto de 20 de abril de 1911, que substituiu o artigo 137.° do Codigo Penal, será realizada por quaesquer autoridades administrativas e policiaes e continuada sendo necessario pelas autoridades policiaes de Lisboa e Porto no mais curto prazo de tempo possivel.

Art. 3.° O processo de investigação administrativa ou policial valerá como corpo de delicto, que pode completar-se em juizo, onde tambem poderão ser reperguntadas e acareadas as testemunhas, e bem assim proceder-se a quaesquer exames.

Art. 4.° Cumpridas as diligencias ordenadas nos artigos 2.° e 3.° do decreto de 15 de fevereiro de 1911, o juiz de investigação criminal mandará immediatamente os autos com vista ao ministerio publico, o qual deverá logo dar a sua querella se para tanto houver indicios, podendo todavia requerer simultaneamente todas as diligencias que considerar convenientes para esclarecimento da verdade era continuação do corpo de delicto.

Art. 5.° Se o delegado do procurador da Republica tiver querellado nos termos do artigo antecedente e ao mesmo tempo requerido quaesquer diligencias e estas não poderem effectuar-se, de forma que o despacho de pronuncia possa ser lançado e intimado ao arguido dentro do prazo referido no artigo 3.° do decreto de 15 de fevereiro de 1911, devora o juiz lavrar esse despacho só já houver in-

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dicios sufficientes e ordenar que só pratiquem as diligencias referidas no mais curto prazo.

§ unico. Se o arguido ou o ministerio publico interposerem recurso do despacho lavrado nas condições do artigo anterior, o recurso não subirá á instancia superior sem se terem effectuado as diligencias requeridas.

Art. 6.° Aos arguidos de qualquer dos crimes de que trata o artigo 2.° d'esta lei, é applicavel o artigo 10.° do decreto de 14 de outubro de 1910, quando haja diligencias judiciaes a realizar a requerimento do ministerio publico nos termos dos artigos anteriores.

Art. 7.° A estes processos não é applicavel o artigo 7.° do decreto de 14 de outubro de 1910, sendo todavia o arguido assistido por advogado de sua escolha, perante o qual o juiz o interrogará, podendo indicar testemunhas e offerecer documentos somente com a contestação ou na audiencia de julgamento.

Art. 8.° Os prazos marcados nas leis em vigor para os diversos actos dos processos a que se refere a presente lei, posteriores ao despacho de pronuncia, ficam reduzidos a metade em todas as instancias.

Dos portugueses que se acham em país estrangeiro

Art. 9.° É concedido o prazo de quarenta dias para se apresentar ás autoridades portuguesas, declarando que reconhece a Republica Portuguesa e que contra ella desiste de qualquer tentativa criminosa, a todo português que achando-se em territorio estrangeiro, não tiver praticado actos de aliciamento, mas tiver sido simplesmente assalariado para a pratica dos crimes referidos nos artigos 1.° e 2.° d'esta lei.

§ 1.° A declaração deve ser feita perante a autoridade consular portuguesa mais próxima do logar onde actualmente se achar o português que quiser aproveitar-se do beneficio concedido no § 3.° d'este artigo, e será assinada por aquella autoridade e pelo declarante o qual designará o logar onde quer fixar residencia;

§ 2.° Uma copia d'essa declaração será logo enviada ao Conselho de Ministros que, em face d'ella poderá facilitar e proteger a entrada do declarante no territorio português.

§ 3.° Aos individuos que assim regressarem ao territorio português e garantido o livre e absoluto exercicio dos seus direitos civis e politicos, e o completo silencio sobre todos os factos anteriores ás suas declarações.

Dos ausentes ou homisiados

Art. 10.° Aquelle que achando-se em territorio estrangeiro tiver commettido ou commetter qualquer dos crimes previstos e punidos no artigo 2.° e seus numeros do decreto de 28 de dezembro de 1910, será processado e julgado nos termos do decreto de 28 de fevereiro de 1847, como ausente ou homisiado, com as modificações seguintes.

Art. 11.° Depois de lançado o despacho de pronuncia, se o indiciado não puder ser preso dentro dos dez dias seguintes e em juizo tiver constado, antes d'aquelle despacho, ou constar depois, que elle abandonou o territorio português, o juiz ordenará, dentro das vinte e quatro horas seguintes áquelle prazo, que o processo siga contra o indiciado como se presente fosse.

Art. 12.° Se o juiz não pronunciar todos os querellados, o ministerio publico recorrerá d'essa parte do despacho por aggravo de petição, que subirá em separado sem prejuizo da sequencia dos termos da causa quanto aos pronunciados, e será julgado como os aggravos em materia civel.

Art. 13.° Nesse despacho o juiz nomeará ao arguido um advogado officioso que assistirá ao julgamento e demais termos se elle expontaneamente se não fizer representar, marcará dia para julgamento, ordenará que se cumpram as diligencias para este, que se publiquem os respectivos editos no prazo de vinte e quatro horas, e que em seguida o processo vá com vista ao delegado do procurador da Republica para dar o processo com o seu libello dentro do prazo de oito dias.

Art. 14.° No prazo de tres dias, a contar da entrega do processo pelo ministerio publico, o escrivão entregará copia do libello, dos documentos com elle offerecidos e rol de testemunhas, ao advogado officioso ou áquelle que o arguido tiver nomeado, para no prazo de quinze dias apresentar, querendo, a sua contestação escrita, documentos e rol de testemunhas.

Art. 15.° O dia para julgamento deve ser designado dentro dos quarenta dias seguintes áquelle em que o referido despacho for proferido.

§ unico. O prazo dos editos será de vinte dias.

Art. 16.° O julgamento far-se-ha com intervenção de jurados que serão convocados extraordinariamente, se tanto for necessario para que se cumpram as disposições da presente lei.

Art. 17.° Se, decorrido o prazo estabelecido no artigo 9.°, até ao dia marcado para julgamento o considerado ausente ou homisiado se apresentar em juizo declarando que não praticou actos de aliciamento, mas que foi simplesmente alliciado ou assalariado, e o jury o der essa allegação como provada, o juiz poderá, conforme as circunstancias attenuantes, diminuir a pena ao accusado até simples prisão correccional e multa.

Art. 18.° No caso previsto na primeira parte do § 2.° do artigo 5.° do citado decreto de 1847, a prova de justa causa será feita no prazo de tres dias, não podendo o juiz marcar para a apresentação do arguido um prazo superior a oito dias.

Art. 19.° Se do certificado do registo criminal constar que o indiciado ou indiciados teem pendentes processos por outros crimes, esses se appensarão ao de ausentes e homisiados, para que o julgamento abranja todos os crimes.

§ unico. Se no caso do artigo anterior, houver co-réus nos processos appensados, os traslados que houverem de extrahir-se sê-lo-hão depois do julgamento e antes do processo de ausente subir em recurso, remettendo-se os traslados ao juizo de onde vieram os processos appensados.

Art. 20.° Os recursos dos despachos proferidos nos processos de ausentes e homisiados não terão effeito suspensivo.

Art. 21.° Ao processo de julgamento dos réus ausentes a que se refere a presente lei não é applicavel o § 3.° do artigo 3.° do decreto de 1847.

Art. 22.° Os delegados do procurador da Republica de Lisboa e Porto competentes nos termos do artigo 1.° d'esta lei, e conforme a ultima residencia do arguido pertença á area das Relações de Lisboa ou do Porto, promoverão desde já os respectivos processos contra aquelles que achando-se em territorio estrangeiro souberem incursos nos crimes referidos nos artigos 1.° e 2.° d'esta lei.

§ unico. Sem prejuizo da iniciativa a que se refere este artigo por parte dos delegados do procurador da Republica, o Governo enviar-lhes-ha relações de quaesquer funccionarios publicos civis ou militares que se achem naquellas condições.

Disposições communs

Art. 23.° Nestes processos não se admittirão a depor mais de vinte testemunhas por cada parte, nem testemunhas residentes fora do continente, salvo se quem as produzir se compromettor a apresentá-las na audiencia do julgamento, sendo então inquiridas, e as de fora da comarca só poderão depor sendo apresentadas no dia do julgamento que apenas uma vez poderá ser adindo, mesmo por falta de testemunhas, sendo nesse caso e na propria audiencia marcado novo dia para julgamento dentro dos oito dias seguintes.

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SESSÃO N.° 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 5

Art. 24.° O funccionario publico de qualquer ordem ou categoria militar ou civil, quer subordinado ao Estado, quer aos corpos administrativos, seja qual for a sua denominação ou situação, e ainda mesmo que se encontre aposentado, fica suspenso das suas funcções e vencimentos logo que contra elle se instaure, em juizo, qualquer dos processos a que esta lei se refere. No caso de condemnação fica o mesmo funccionario, ipso facto, demittido; e no caso de absolvição, será restituido ás suas funcções, recebendo todos os seus vencimentos que lhe estiverem em divida desde a suspensão.

Art. 25.° O juiz na sentença fará as referencias necessarias á demissão ou levantamento da suspensão, conforme o réu for condemnado ou absolvido; e logo que a sentença tenha transitado em julgado, será remettida uma certidão da mesma ao Ministerio, Repartição ou corpo administrativo competente, para fazerem publicar o resultado do julgamento e executarem a sentença na parte que lhes diz respeito.

§ unico. A pena de demissão imposta aos funccionarios publicos será sempre acompanhada da declaração de incapacidade para tornar a servir qualquer emprego dentro do prazo de cinco annos.

Art. 26.° Os processos das especies referidas nesta lei, pendentes em qualquer comarca, serão immediatamente remettidos, com os presos nelles incriminados, aos Presidentes das Relações de Lisboa e Porto, os quaes, dentro de vinte e quatro horas, distribuirão esses processos, conforme o seu estado, pelos juizes de investigação criminal e pelos juizos dos districtos criminaes respectivos.

Art.° 27.° Os juizes e tribunaes farão proseguir os processos de que se trata com a maxima brevidade, devendo este serviço preferir a qualquer outro.

Art. 28.° Sendo interposto recurso do despacho de pronuncia, no accordão que o julgar ordenar-se-ha que os autos baixem á l.a instancia logo que o mesmo accordão transite em julgado, sem necessidade de promoção ou requerimento das partes, nem de novo accordão.

Art. 29.° O juiz relator apresentará o processo para julgamento na primeira sessão e só se adiará o julgamento se algum dos juizes que devam intervir, pedir vista; mas neste caso a decisão será proferida, impreterivelmente, até á sessão ordinaria immediata.

Art. 30.° Quando o accordão confirmar a pronuncia, se o arguido for condemnado nas custas do recurso e as não pagar dentro de cinco dias, contados da intimação do accordão, devem extrahir-se, dentro de quarenta e oito horas, a competente certidão e ordem para execução, que serão entregues ao ministerio publico para fazer instaurar a execução na comarca do domicilio do arguido, e os autos baixarão á 1.ª instancia se não tiver sido interposto recurso de revista.

Art. 31.° As disposições dos artigos 27.° a 29.° são applicaveis ao Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 32.° O incidente de falsidade e quaesquer excepções não suspendem o andamento do processo, podendo todavia ser apreciados no julgamento da causa.

Art. 33.° Com excepção do recurso do despacho de pronuncia e da sentença final, todos os demais recursos serão tomados em separado e processados como os aggravos em materia civel.

Art. 34.° Os magistrados judiciaes e do Ministerio Publico bem como as autoridades administrativas e policiaes que intervenham nestes processos, verificada a sua negligencia e o não cumprimento das disposições da presente lei e em geral o abuso de autoridade ou excesso de poder, poderão ser suspensos até tres meses e transferidos nos casos de reincidencia; e os officiaes de justiça, convenci dos das mesmas faltas, poderão ser suspensos até seis meses e transferidos ou demittidos no caso de reincidencia.

Art. 35.° Esta lei entra em vigor no continente cinco dias depois de publicada no Diario do Governo e nas ilhas oito depois da chegada do mesmo Diario.

Art. 36.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, Sala das sessões da commissão, em 5 de julho de 1911. = Alberto Carlos da Silveira, Presidente = Thiago Cesar Moreira Salles = Antonio Caetano Macieira Junior = Arthur Augusto da Costa = Alvaro Xavier de Castro, Relator.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Pedi a palavra, por parte da commissão de legislação operaria, para participar a V. Exa. e á Camara que se acha constituida essa commissão, tendo nomeado para seu presidente o Sr. Dr. Antonio Macieira, para relator o Sr. Dr. Estevão de Vasconcellos e a mim para secretario.

O Sr. Antonio Granjo: - Estou convencido de que as intenções dos signatarios da proposta que foi apresentada na sessão de 21 de junho, e dos membros da commissão que elaborou este projecto, são na verdade excelentes. Acredito que se trate de conseguir, de uma forma mais rapida, compativel com os direitos de defesa, o julgamento d'aquelles que conspiram contra a Patria e a Republica. Mas afigura-se-me que a approvação d'este projecto pode trazer serios embaraços á vida politica e administrativa da nação.

Este projecto é na verdade uma lei de excepção.

Em poucas palavras vou analysar este projecto de lei sob o ponto de vista juridico e moral, e depois apresentarei á Camara uma proposta, que me parece deverá ser approvada.

Este projecto não pode ser discutido e votado por uma forma tumultuaria e rapida, tem de ser discutido serena e argumente e votado com perfeita consciencia e absoluta senção.

Lendo-se com attenção, vê-se que este projecto é a negação completa de todos os principios que nós defendemos na opposição, e em que nós, republicanos, justificámos a nossa propaganda contra a monarchia.

O decreto de 10 de outubro de 1£10 aboliu todas as Íeis de excepção e acabou com a prisão preventiva alem dos oito dias, salvo no caso de diligencias requeridas pelo réu. Este projecto consente a prisão preventiva alem dos oito dias, e para isso basta que o Ministerio Publico requeira quaesquer diligencias.

(Leu).

Este projecto alarga o prazo da incommunicabilidade, nega a instrucção contraditoria e trás disposições verdadeiramente cesarianas.

E indispensavel que o Governo diga se este decreto é ou não preciso para defesa da Republica.

É indispensavel, Sr. Presidente, que haja ordem. Eu entendo que a acção do Governo não pode estar á mercê de quem quer que seja.

Ha um Governo, que já não é provisorio, e no qual esta Camara deposita toda a sua confiança. A esse Governo estão entregues todas as questões de ordem publica; a elle compete dizer quaes são os meios que entende necessarios para a defesa da Patria e da Republica. É preciso que o Governo declare se apoia ou não este projecto de lei e se o entende necessario para a defesa nacional.

Quando o Sr. Deputado Alvaro de Castro apresentou a sua proposta na sessão de 21 de junho ultimo, eu lembro-me de que por parte do Governo se levantou o Sr. Fernardino Machado e aqui declarou que por forma alguma podia acceitar uma lei de excepção, ou concorrer para que fosse votada nesta Camara.

Até hoje o Governo não fez nenhuma declaração em contrario. Alem d'isso o Governo declarou pela boca do Sr. Antonio José de Almeida que a ordem publica era facilmente mantida e que a defesa da Republica está per-

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feitamente assegurada. Disse mais o Sr. Dr. Bernardino Machado que entre o Governo Português e o Governo Espanhol tinha havido um entendimento com o fim d'este dispersar os conspiradores da fronteira. Parece-me, pois, a não ser que o Governo tenha mudado de opinião, que não são precisas leis de excepção para a defesa da Patria e da Republica. Não conheço autoridade a ninguem, senão ao Governo, para dizer, na actual conjunctura, quaes são as medidas de que elle precisa.

O Sr. Alvaro de Castro, quando apresentou o seu projecto, declarou que não se tratava de uma lei de excepção, mas sim de uma medida de expediente, com o fim de tornar mais rapio o julgamento dos conspiradores. Eu lembro-me perfeitamente d'isso, mas agora vejo com tristeza que este projecto é uma detestavel lei de excepção.

Os artigos 3.° e 4.° dizem o seguinte:

(Leu).

Approvar estes artigos, Sr. Presidente, é o mesmo que negar a defesa aos accusados. E eu vou dizer á Camara porquê.

Um administrador de concelho prenderá um conspirador e poderá sempre investigar de tal forma que encontre os indicios. Toda a gente comprehende que indicios é sempre facil encontrá-los. E desde que esse processo de investigação é mandado ao delegado do procurador da Republica sem passar pela mão do juiz, é absolutamente certo que todos os presos são fatalmente pronunciados e assim se vê que de uma simples autoridade administrativa se faz uma autoridade judicial.

Ora isto é uma disposição verdadeiramente excepcional, a qual não se encontra em nenhuma legislação do mundo. Não se trata, pois, de uma simples questão de expediente, trata-se de uma lei de excepção e, como tal, não lhe posso dar a minha approvação. Ha aqui disposições que impedem a defesa ao accusado e eu não posso consentir, de forma alguma, que uma tal medida seja approvada sem discussão, ao menos, sem o meu protesto.

Alem d'isso no § 2.° do artigo 9.° preceitua-se o seguinte:

(Leu).

Eu não sei, positivamente, o que isto quer dizer: não sei se a entrada d'esses conspiradores depende do Conselho de Ministros, e então copiou-se o decreto de 28 de fevereiro de 1907, que mandava para o estrangeiro ou para o Ultramar aquelles que conspiravam contra a monarchia, ou se o Conselho de Ministros somente garantia aos conspiradores a sua integridade pessoal, como parece concluir-se da letra do artigo, e então a disposição é simplesmente inutil, se não é ridicula.

E attente-se em que o decreto de 28 de fevereiro só entregava os conspiradores contra a monarchia ao Conselho de Ministros, depois d'elles estarem debaixo de pronuncia...

Se por esta lei que estamos discutindo ha a intervenção do Conselho de Ministros junto do poder judicial para permittir ou não permittir a entrada no país de certos e determinados conspiradores, este projecto é tão ignóbil como o decreto de 28 de janeiro. (Apoiados e não apoiados).

Eu, repito, não sei o que este paragrapho significa.

(Áparte do Sr. Artur Costa).

O Orador: - V. Exa. é da commissão, terá occasião de falar.

O que eu digo é muito claro, muito simples e muito positivo. Ou este projecto, na verdade, não representa cousa alguma, e trata-se de um simples divertimento; ou então é uma reedição do decreto de 28 de fevereiro.

Eu não sei, Sr. Presidente, se o Sr. Alvaro de Castro ou algum dos signatarios d'esta proposta tem qualquer razão de ordem pessoal que justifique a necessidade d'este projecto.

Vozes: - Nos interesses da Republica não ha razões de ordem pessoal.

O Orador: - Eu não me fiz comprehender bem.

Quero dizer o seguinte: Que não sei se o Sr. Alvaro de Castro ou o Sr. Alvaro Poppe teem algum conhecimento, alguma informação pessoal, em virtude da qual possam justificar perante mim proprio, perante a Camara, a apresentação d'este projecto.

Não sei quaes são as circunstancias que justificam a apresentação d'este projecto. O que eu sei é que o Governo garantiu á Camara que a ordem publica está assegurada em todo o país e que o Governo estava entendido com o Governo de Espanha com respeito aos conspiradores. Não sei por que razão o Governo, se tal julga indispensavel, não tem coragem de apresentar á Camara um projecto de lei no mesmo sentido do que se discute.

E isto o que eu queria dizer ao Sr. Alvaro Poppe.

Não conheço nenhuma informação, que faça em mim a convicção profunda da necessidade de approvar este projecto.

(Um Deputado risse).

Não se na V. Exa., que não é a rir que se discutem e votam projectos d'esta ordem.

V. Exas. riem, mas quando se traduzir lá fora este projecto e o mundo se aperceber que o Parlamento Português vota uma lei de excepção, quando tudo grita que no país ha a mais absoluta ordem, e sobre o país cair adversão dos espiritos livres e progressivos, V. Exas. já não terão vontade de rir.

V. Exas. riem se, mas eu creio que estou servindo a Republica e tenho o direito de dizer que tenho feito pela Republica aquillo que tenho podido, com a minha intelligencia, com o meu coração e com o meu braço.

Se nós andamos a apregoar por todos os cantos que o país prospera numa paz octaviana, como é que havemos de approvar esta lei?

Se lá fora, somente alguns individuos, algumas criaturas sem imputação moral, a quem subiram á cabeça uns fumos contra-revolucionarios, arreganham os dentes de niolossos impotentes, para que se ha de votar uma lei de excepção.

Não existe lei igual a este projecto em nenhum país do mundo, nem na Russia.

Tem que se medir a responsabilidade tremenda de decretar medidas que, podendo dar alguma força ao Governo, que aliás a não pede, vão perturbar o país e prejudicar o seu credito.

Os conspiradores podem entrar no país, em vista de disposições d'este projecto, e trazer a Portugal os valores que emigraram.

É indispensavel que isso se faça, com a prudencia necessaria, mas é provavel que este projecto não consiga tal objectivo.

O que é indispensavel, quanto a mim, é elevar o prestigio da Republica dentro e fora do país.

Eu desejaria saber qual a situação real, verdadeira do país, para depois saber quaes as medidas que são indispensaveis.

Creio que sem se conhecer tal situação, legislar para lhe acudir, se acaso é afflictiva, é trabalho vão e esteril.

Primeiro conhecermos o terreno.

E assim que se trabalha com methodo e ordem.

O Governo que diga á Camara qual é essa situação, em sessão publica e secreta - e nós não devemos ter medo de que o caso se trate numa sessão publica.

E se o Governo demonstrar que a situação é tal que urgente se torna a approvação d'este decreto, eu o votarei então...

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SESSÃO N.º 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 7

O Sr. Alvaro de Castro: - Deixa então de ser republicano.

O Orador: - Nato, não deixo de ser republicano. Voto essa medida extrema num momento extremo. Mas não a voto sem primeiro me convencer de que é estrictamente urgente votá-la.

O que eu não comprehendo, é que por um medo excessivo, por uma presunção de medo contra esses conspiradores, cujo numero, cuja influencia, cujo valor ainda ninguem viu, se tomem medidas d'esta natureza.

Eu sou da fronteira, e de lá todos os dias recebo noticias, mesmo de Espanha, em virtude das minhas relações pessoaes e eu ainda me não convenci de que fosse indispensavel uma lei de excepção, do que me convenço é de que, hoje, mais do que nunca, é necessario e é indispensavel que esta Assembleia resolva com ponderação e tino todos os assuntos.

A Republica precisa de se consolidar. E como?

De forma a impormos confiança na Republica, ao país e ao estrangeiro.

Como querem V. Exas. que o país se entregue confiado a nós, se lhe dizemos que precisamos de uma lei de excepção?

Como querem que se imponha ao estrangeiro a convicção de que tudo corre ordeira e pacificamente, se nós com este projecto declaramos que estamos em revolução?

O Sr. José de Abreu: - Isso não é tentativa armada!

O Orador: - E realmente tentativa armada, mas é fora do país.

O Sr. José de Abreu: - Cá dentro tambem ha.

O Orador: - Não me consta que haja dentro do país qualquer symptomna de uma guerra civil. Trata-se apenas de uma incursão armada e não de uma invasão, segundo tenho para ahi lido em alguns jornaes.

Não se trata de uma revolução, e contra essa tentativa de incursão estamos nós perfeitamente defendidos com o nosso exercito, no qual precisamos depositar, e depositamos, a maior confiança.

O que digo ao Sr. Dr. Alvaro de Castro e mais signatarios da proposta, e ao Sr. Ministro da Guerra, que não sei se tambem foi ouvido...

O Sr. Helder Ribeiro: - Peço perdão; nós estamos aqui como Deputados, com. inteira responsabilidade do nosso mandato. Não tivemos, nem temos entendimento algum com o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Alvaro de Castro: - Agora não se discute propriamente a proposta, discute-se o projecto e o projecto não e assinado por quem assina a proposta.

O Orador: - Este projecto nasceu de uma proposta apresentada por V. Exa.

Eu quis que a Camara soubesse que o Sr. Ministro da Guerra não teve intervenção alguma na apresentação da proposta.

Estou discutindo o projecto na generalidade e por isso tenho o direito de discutir assuntos que com a sua origem se prendam. E hei de discuti-lo tambem na especialidade, tão livremente como na generalidade.

A proposta foi interpretada por uma commissão, logo as responsabilidades do projecto pertencem á commissão.

E claro que eu de forma alguma posso negar que V. Exa. tenha o legitimo direito, como Deputado, de apresentar quaesquer propostas nesta Camara sem que para tal tenha a obrigação de se entender com o Governo.

O que é preciso, antes de se approvar este projecto e de perdermos tempo com a sua discussão, é dar a officiaes republicanos os commandos dos regimentos. Se não ha coroneis, ha tenentes-coroneis, se não ha tenentes-coroneis, ha capitães.

O Sr. Helder Ribeiro: - Fazer isso era subverter a hierarchia militar.

O Orador: E então V. Exa., que tem tanto escrupulo em subverter a hierarchia militar, quer que se subverta de animo leve toda a ordem juridica do país?

O que não posso admittir é que á frente dos regimentos estejam ofiiciaes que não sejam republicanos.

Uma voz: - Officiaes que mereçam inteira confiança á Republica.

Seguiu-se uma interrupção que não se percebeu.

Outra voz: - Collocar meia duzia de coroneis na inatividade é fazer uma revolução nos respectivos regimentos e perturbar toda a vida economica do país.

O Sr. José de Abreu: - Quem a perturba são os conspiradores.

O Orador: - O que ha a fazer é tratar de averiguar SB não haverá outros meios de defender a Republica, antes de recorrermos a leis de excepção, e para isso é indispensavel que esta Assembleia conheça os factos, para lhes poder remediar os effeitos com consciencia e com intelligencia, para se ter a fé necessaria na obra do Parlamento e do Governo.

Não sei se, approvado este projecto, se realmente for approvado, a Republica não entrara d'aqui a pouco tempo num regime anarchico, no mau sentido, no sentido figurativo da palavra, em que nos degladiemos uns aos outros, em vez de nos unirmos todos para a defesa da Republica.

Não sei se, approvado este projecto a favor da Republica, amanhã não será approvado um projecto da mesma especie contra um partido. Ha dias o Sr. Eduardo Abreu, falando da tribuna, lembrou o que se deu no seio da Assembleia Nacional e da Convenção. Nas primeiras sessões tudo foram exclamações de trumfo, juramentos de fraternidade e canticos á igualdade humana; um pouco mais tarde guilhotinavam-se uns aos outros.

(Sussurro na sala).

Ora eu já vi nesta Assembleia desenharem-se scenas que me tornam apprehensivo.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado. Isso não se pode admittir. Isso é verdade! Foi ainda ha dois dias!

O Orador: - Ah! Se V. Exas. querem, eu retiro a frase. Os factos valem mais do que as frases.

Não se deve votar de animo leve um projecto d'esta ordem. Com a votação precipitada d'este projecto, parecerá que estamos possuidos de medo.

Em harmonia com a minha ordem de ideias, eu entendia que o Governo devia dar, ou em sessão publica ou em sessão secreta, a explicação da verdadeira situação do país. Se o Governo não quer ou não pode, então eu só vejo um caminho, só vejo um modo de a Assembleia se informar devidamente. E o que consta da proposta que vou ler.

(Leu).

Eu creio, eu estou convencido de que amanhã esta Assembleia se ha de arrepender de approvar este projecto, pelo menos sem as emendas necessarias.

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Mas eu não posso negar ao Governo as medidas que elle julgar necessarias para a defesa da Patria e da Republica.

Peço, por isso, ao Governo mais uma vez que declare se na verdade este projecto é indispensavel para a defesa da Patria e da Republica.

Uma voz: - É indispensavel!

O Sr. Alvaro de Castro: - Sr. Presidente, o Deputado Sr. Antonio Granjo atacou o projecto...

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? Tem primeiro que se ler na mesa a proposta. Leu-se na mesa.

Ha duvidas se, foi admittida se rejeitada. Varios Srs. Deputados pedem a contraprova.

O Sr. Antonio Granjo: - Peço a palavra para invocar o Regimento. (Leu).

O Sr. Manuel Bravo: - Não se pode estar a contrariar o Regimento. Não tem que haver contraprova. A proposta tem de ficar em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Presidente: - A proposta de S. Exa. entra em discussão com o projecto.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Quando o Sr. Deputado Antonio Granjo leu a sua proposta, eu pedi immediatamente a palavra em nome do Governo, porque me pareceu que este tinha necessidade de se pronunciar sobre o assunto.

A proposta do Sr. Antonio Granjo é, creio que inconscientemente, uma moção de censura ao Governo, e eu queria dizer á Camara que pensasse bem, antes de se pronunciar sobre se era uma moção de censura ou uma proposta mal redigida, o que na realidade parece que é, por isso que se a primeira parte envolve desconfiança, a segunda, pelo contrario, representa uma prova de confiança no Governo, que este, devo dizer, não solicitou.

Emfim, a proposta de S. Exa. é uma pequena trapalhada redigida á pressa.

O projecto de lei que está em discussão não foi da iniciativa do Governo, e d'ahi concluiu o Sr. Granjo que elle não representava uma necessidade de defesa nacional.

O projecto não representa, com effeito, uma necessidade de defesa nacional, porque, se o representasse, o Governo ter-se-hia antecipado aos Srs. Deputados pedindo essa medida.

Sem por forma alguma discutir o projecto, parece-me que elle não envolve uma necessidade de defesa nacional, nem faz presuppor a existencia de um perigo para a Republica, e antes pelo contrario, se alguma cousa significa, é optimismo em relação ao valor dos conspiradores.

Estou convencido de que o pensamento dos Srs. Deputados que apresentaram a proposta e da commissão que redigiu o projecto, foi o de que, encontrando-se na Galliza conspiradores alliciados, uns por dinheiro, outros por paixão e ainda outros por interesses varios, e havendo tambem um grande numero d'elles que foram alliciados, mas que já estão inteiramente desilludidos e com vontade de voltar a Portugal, a Assembleia generosamente lhes abre uma larga porta por onde regressem ao seu país.

Parece-me que é este o pensamento da commissão. (Apoiados).

De resto, affigura-se-me que só ha leis excepcionaes quando se quer que ellas sejam excepcionaes, e o Sr. Granjo não pode asseverar que na Constituição se não em sim doutrina semelhante á do projecto em debate.

Não quero entrar neste campo, mas sendo o pensamento da commissão, principalmente dar facil ingresso no país áquelles que se comprometteram, devido á sua inferioridade intellectual, não vejo motivo para a indignada impugnação do Sr. Granjo.

O que é necessario é reduzir o prazo de quarenta dias, porque em quarenta dias podem fazer-se quarenta conspirações.

O Sr. Alvaro de Castro:- Sr. Presidente: o Deputado Sr. Granjo atacou violentamente o projecto e as pessoas que o subscreveram. S. Exa., contra a minha espectativa, offendeu-se ainda com os meus sorrisos e por isso os atacou tambem violentamente.

Desculpe-me V. Exa. os meus sorrisos, mas eu imaginava que elles o não incommodariam.

O Sr. Antonio Granjo: - Eu referi-me realmente a esse riso, por que me pareceu que havia nesse riso uma certa nota de escarneo.

O Orador: - S. Exa. disse que os Deputados não deveriam apresentar projectos, principalmente tratando-se da ordem publica, sem primeiro consultarem o Governo.

Parece estranha essa doutrina. Eu tenho o direito, como Deputado, de propor á approvação da Camara, todo e qualquer projecto. (Apoiados).

Eu devo dizer que represento a Nação Portuguesa e não um individuo qualquer e, como tal, posso ter tão perfeito conhecimento do estado politico da Nação, como os Srs. Ministros. (Apoiados).

Eu nunca levarei á approvação dos Ministros, embora os respeite pessoalmente, qualquer proposta que tenha de apresentar á Camara, porque eu sujeito-me a todas as contingencias, á approvação ou rejeição da Camara, unica entidade que entendo tem o direito para isso e á opinião perante a qual me curvo. (Apoiados).

Atacado por V. Exa. juntamente com os collegas que subscreveram a proposta e subscrevem actualmente o projecto, eu tenho de fazer considerações, em parte, de ordem pessoal e, com uma pequena anecdota historica, vou collocar as personagens d'esta scena, cada um no seu logar.

O grande Sampaio da Revolução, que lutou pela liberdade através de mil vicissitudes e escreveu do seu esconderijo o Espectro, mais tarde, depois de ter atacado D. Maria II, sentou-se na cadeira de Ministro, sendo por esse facto atacado severamente.

Depois de successivos ataques, elle abriu a sua carteira e tirando do Espectro, disse:

"Aqui está o bicho! E se eu não posso estar nas cadeiras de Ministro depois de ter escrito este jornal, retirar-me-hei do Ministerio".

Embora as circunstancias actuaes sejam differentes e o bicho seja outro, posso tambem dizer, apesar dos meus principios liberaes e da minha convicção republicana: eu não me pejo de subscrever este projecto. (Apoiados).

Eu tenho já, permitta-me V. Exa. esta immodestia, o meu nome ligado a uma obra liberal, liberalissima e que ainda hoje a democratica França não conseguiu realizar. O meu nome unicamente serviu para o assinar, porque de resto, a commissão é que trabalhou.

Pois eu que subscrevi com toda a minha consciencia todos os principios liberaes que ficaram exarados no Codigo de Justiça Militar, não hesitei em assinar o decreto que S. Exa. a coima de lei excepcional.

Escuso do me referir a todos os outros nomes que subscrevem a proposta, porque elles não necessitam, das minhas palavras para, perante a Camara, estarem bem collocados na avançada como dos mais radicaes do partido republicano.

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Portanto, S. Exa. não tem o direito de atacar os homens que se sacrificam pela Republica.

Ápartes e, sussurro.

Peço desculpa á Camara.

(Agitação na Camara).

Vozes: - Ordem, ordem.

(O Sr. Presidente agita a campainha).

O Sr. Padua Correia: - V. Exa. permitte-me uma pergunta?

(Gesto affirmativo do orador).

Se eu amanhã me dirigir a V. Exa. para contrariar as suas opiniões, V. Exa. offende-se pessoalmente com isso?

O Orador: - Não, senhor, contanto que V. Exa. não diga que o projecto de lei que trago á Camara obedeceu a intuitos pessoaes.

O Sr. Antonio Granjo: - Peço perdão a V. Exa. Eu explico. Quando disse que o projecto tinha de obedecer a meros conhecimentos pessoaes, foi na persuação de que fosse por amizade pessoal ou quaesquer intuitos de amizade que S. Exa. o apresentasse. (Muitos apoiados).

O Orador: - Sr. Presidente, vou agora entrar na apreciação d'este projecto e dizer as razões especiaes que levaram a commissão a redigir a proposta.

Vê-se pelo seu relatorio que a commissão não concordou inteiramente com o que se encontra no projecto.

Na proposta entraram cinco Deputados, pelo que na camara se resolveu que outros fossem encarregados de redigir os decretos e como não tinham a mesma comprehensão sobre os acontecimentos politicos que serviram de base á proposta, resultou que tivemos no seio da commissão de fazer transigencias mutuas para se obter um projecto que pudesse servir de base para a discussão.

E esse parecer que a commissão apresenta á Camara.

Posso dizer a V. Exa. que discordo de muitos principios que aqui se encontram e estou certo de que os meus collegas dirão o mesmo, porque elles tambem transigiram, em parte, com as minhas ideias, mas d'ahi a affirmar-se que este projecto de excepção vae uma grande distancia.

Podemos affirmar que elle é unicamente o complemento das leis que a Republica publicou com respeito á amnistia dos crimes politicos.

Eu entendo que emquanto a constituição não estiver approvada, nós estamos, não no regime revolucionario das ruas, mas num regime revolucionario legal, permittam-me a expressão, e temos portanto de adoptar processos, que não são aquelles que hão de ficar especificados na constituição, mas processos de caracter especial, todos, para nos protegermos contra futuros acontecimentos, não porque nós temamos movimentos perigosos, mas porque assim é necessario, para estabelecermos a serenidade nos espiritos, visto que ainda não existe regularidade na vida economica.

Não são leis excepcionaes, nem podia assim chamar-se uma lei que unicamente regula a investigação.

Os tribunaes excepcionaes estabelecou-os a Republica com os seus decretos de 1910 e 1911 e são tribunaes excepcionaes porque julgam os crimes politicos praticados em todo o territorio português em Lisboa e Porto, mas esses tribunaes teem o estranho defeito de investigar, sendo feita a investigação pelos juizes das comarcas e estes, já por falta de elementos, já por outras circunstancias que não preciso mencionar á Camara, não procedem contra individuos que manifestamente se affirmavam comprehendidos nas leis da Republica contra os crimes politicos. (Apoiados).

Portanto creio absolutamente necessario...

O Sr. Antonio Granjo (interrompendo): - Não são as mesmas autoridades administrativas e policiaes do decreto?...

O Orador: - E preciso começar pelo principio. Nós não podemos começar pelo fim. Evidentemente as autoridades policiaes são as primeiras. São essas autoridades que começam a investigação, mas, depois d'essa investigação, vem para as autoridades especiaes de Lisboa...

O Sr. Antonio Granjo: - Aqui não só diz isso.

O Orador: - No decreto dá-se a faculdade ao Ministro do Interior de chamar ou não. Por este projecto não se dá essa faculdade, mas obriga-se a...

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

O Sr. Presidente: - E chegada a hora da ordem do dia.

Se V. Exa. quer ficar com a palavra reservada para amanhã...

O Sr. Alvaro de Castro: - Como V. Exa. e a Camara determinarem.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que teem papeis a enviar para a mesa teem a bondade de os mandar.

O illustre Deputado Sr. Antonio Macieira pediu a palavra para um negocio urgente, o qual é: uma saudação ao Sr. Ministro do Brasil.

Vozes: - Apoiado, muito bem.

Submettido o assunto á Assembleia foi approvado o negocio vigente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio Macieira.

O Sr. Antonio Macieira: - V. Exa. e a camara sabem, sabe-o o país, que a Republica Portuguesa deve ao Brasil as, maiores, as melhores provas de estima e consideração. E inutil engrandecer essas bailas e admiraveis provas que nos enchem de orgulho e satisfação.

Hoje parte para o Brasil o Ministro Plenipotenciario d'essa grande Nação irmã, e justo é que a Assembleia Nacional Constituinte, que tão grata lhe , vá por uma deputação apresentar-lhe as suas despedidas.

Em duas palavras está justificada a urgencia, visto que o Ministro parte dentro de uma hora.

Tenho ainda a propor á Assembleia a nomeação da deputação para ir apresentar a sua homenagem ao Ministro. Proponho que seja composta dos Srs. Forbes Bessa, Teixeira de Queiroz e Cerqueira Coimbra. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Creio que interpreto o sentimento unanime da Assembleia, julgando approvada a proposta do Sr. Antonio Macieira. (Apoiados geraes). Ha porem, um artigo do regimento para a formação de deputações para o qual chamo a attenção da Assembleia que diz o seguinte:

(Leu).

Parece, portanto, que se deveria acrescentar á lista d'esta proposta o nome do Sr. Vice-Presidente, que é o do Sr. João de Menezes, mas julgo que S. Exa. não está presente.

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Vozes: - Não está, não está.

O Sr. José de Abreu: - Nomeie-se um dos secretarios da mesa.

O Sr. Eusebio Leão: - Isto não é uma grande deputação, não é uma deputação solemne, podem ser nomeados quaesquer Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Visto não estar presente o Sr. Vice-Presidente, Sr. João de Menezes, não se pode cumprir a disposição do regimento, mas, se a Assembleia está de accordo, prescinde-se d'essa disposição e vão a commissão indicada pelo Sr. Antonio Macieira. (Apoiados)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 3 (Constituição)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Goulart de Medeiros.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: a discussão d'este projecto tem sido tão profunda e elucidativa, que talvez a Assembleia estranhe que ainda haja quem queira falar sobre o assunto. Devo por isso explicar que não tenho pruridos de fazer discursos, nem tão pouco apresentar ideias novas, mas somente justificar as bases que mandei para a commissão e de que talvez a Assembleia não tenha conhecimento, bases que differem radicalmente do projecto apresentado, assim como de todos os outros projectos de que tenho conhecimento. Não tive por fim mostrar que era capaz de fazer um projecto da Constituição, mas apresentar somente aquillo que penso e julgo ser doutrina opportuna e pratica, apesar de ser classificado de avançadissimo por alguns dos membros da commissão. Essas bases resumem-se na seguinte moção de ordem, que vou mandar para a mesa:

Proponho que o projecto volte á commissão para nelle serem introduzidas as seguintes modificações:

1.ª Consignação positiva e clara da divisão e sub-divisão do país em grupos autónomos de livre formação com direito a legislação propria em assuntos relativos á região.

2.ª Delegação da Soberania Nacional em dois poderes inteiramente independentes:

a) Legislativo de eleição directa;

b) Judicial de eleição indirecta.

3.ª O corpo legislativo da Nação deve ser formado de duas camaras: a primeira será constituida por Deputados eleitos em toda a Nação, formando um circulo unico e em lista uninominal. A segunda será constituida por Deputados dos grupos autónomos.

4.ª A execução das leis será confiada a simples mandatarios dos corpos legislativos e perante estes responsaveis.

5.ª O Presidente do Congresso formado pelas duas Camaras será o Presidente da Republica. E o representante da Nação em todos os actos solemnes. Representa tambem a Nação nas suas negociações com as outras potencias, tendo para este fim um secretario de Estado das relações exteriores, responsavel perante o Congresso.

6.ª Que nos direitos individuaes sejam apenas consignados os fundamentaes, e que sejam incluidos os, direitos das mulheres. Consignação do direito a indemnização por perdas e damnos.

7.ª Que se inclua a organização de uma direcção encarregada da Administração da Divida Publica e da Fiscalização das despesas do Estado. Esta direcção só deve prestar contas ao poder legislativo.

8.ª Consignação da responsabilidade criminal perante os tribunaes ordinarios dos membros dos corpos executivos.

9.ª Julgamento em tribunal misto dos membros dos dois poderes legislativo e judicial.

10.ª Que nas disposições transitorias se consigne a abertura dos trabalhos dos novos corpos legislativos era 31 de janeiro de 1912, continuando a Assembleia Constituinte a funccionar como corpo legislativo até 30 do mesmo mês.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 13 de julho de 1911. = O Deputado, Manuel Goulart de Medeiros.

Sr. Presidente: as bases desenvolvem um pouco mais o assunto que eu apresento nesta moção de ordem; no emtanto ella de alguma forma as resume e dá uma ideia aproximada do que pretendo.

Escuso de dizer que discordo completamente do projectos presentado pela commissão, e discordo porque é desharmonico, confuso, e não tem a elevação e concisão que devem caracterizar documentos d'essa ordem.

E não admira que assim seja, porque todos os membros da commissão tinham ideias differentes, segundo confessaram, e como em assuntos d'esta natureza não se podem tirar medias; devia necessariamente resultar uma grande confusão, uma lamentavel mistura de principios contraditorios.

Seria melhor que S. Exas. tivessem tido a coragem de apresentar as suas ideias e de assinarem vencidos.

E claro que, começando eu a defender as minhas bases, atacarei naturalmente o projecto da commissão.

Disse alguem que as leis eram precisas unicamente por os homens não serem todos igualmente intelligentes, igualmente instruidos e igualmente bons. Pois bem, eu direi que as Constituições são precisas por os governantes não serem todos igualmente intelligentes, igualmente instruidos e igualmente bons. As Constituições são as leis dos governantes, somente isto e mais nada. Nós fazemos as Constituições para nos garantirmos contra os abusos e desmandos do poder.

Nas Constituições consignamos os poderes dos governantes, e portanto ellas devem ser feitas com todo o cuidado, devemos nellas definir precisamente as attribuições dos differentes poderes para que não possam succeder no futuro casos lamentaveis e que em geral se desculpam por não estarem previstos.

Toda a Camara está de acordo (porque é um principio fundamental), que a soberania reside somente na Nação. Vou tratar esta questãr um pouco mathematicamente, isto é com o rigor lógico usado naquella sciencia, porque tendo sido professor de instrucção secundaria, adquiri o habito e costume de tratar os assuntos, pondo-os ao meu espirito como theoremas e fazendo depois a demonstração.

Bem sei que não é isto o que mais seduz; o que produz mais effeito numa assembleia é um discurso brilhante, mas eu infelizmente não sou orador e tenho por isso de recorrer a este processo pouco attrahente.

Começo pela questão da soberania nacional que reside indiscutivelmente na Nação.

Se as leis pudessem ser feitas directamente pelo povo, teriamos a democracia pura que defendeu nesta tribuna o Sr. João de Menezes.

A difficuldade está na realização d'essa democracia directa.

Não existe ella senão em quatro cantões da Suissa e mesmo num d'elles, em Appenrel, não se realiza completamente, porque a Assembleia, tendo um grande numero de assistentes e não podendo estabelecer discussão, simplesmente approva ou rejeita o que lhe é apresentado.

A soberania directa é impraticavel porque as assembleias, que se teriam de constituir, seriam excessivamente numerosas e não poderiam funccionar com regularidade. A democracia pura só deve pois adoptar se em principio e applicar-se em casos especiaes.

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Ha quem diga que o povo não tem a preparação precisa para fazer as suas leis.

Quando se trata de juntas de parochia e de outras corporações de limitadas attribuições, não se pode deixar de reconhecer a competencia do povo para tratar directamente dos assuntos que lhe dizem respeito.

Não reconhecer este criterio como verdadeiro, é fazer o jogo dos grandes, dos poderosos, que sempre o praticaram, para poderem fazer o que entenderem ao sabor das suas conveniencias.

Comprehende se que por falta de instrucção o povo não esteja habilitado a legislar bem, quando se trate de assuntos elevados, de assuntos technicos, mas o que se lhes exige em geral numa democracia pura não é de tão grande importancia. Não serão assuntos realmente susceptiveis de serem resolvidos pelo povo os relativos á administração de uma junta de parochia?

Mas, Sr. Presidente, eu não adopto a democracia pura pela razão que vou apresentar.

Hoje é um principio economico assente a vantagem da divisão do trabalho. O que succederia se toda a gente de uma localidade se congregasse para fazer leis para a sua patria? Que perturbação na vida nacional, que prejuizo para a riqueza publica com a cessação do trabalho!

Temos, pois, que acceitar fatalmente a democracia representativa e ella existe até sem referendum na propria Suissa, nos dois cantões de Friburgo e Vaiais.

Nos outros cantões ha a democracia representativa com referendum obrigatorio nuns, voluntario noutros.

Principiam aqui a surgir as dificuldades para a verdadeira solução do problema, porque as opiniões são muito diversas com relação á qualidade dos representantes e maneira de fazer a sua escolha.

Na representação até agora praticada diz-se que não estão as forças vivas da Nação, aquellas que mais contribuem para o seu desenvolvimento e que em geral só apparecem como representantes do povo individuos incapazes de fazer leis boas.

Isto não é bem assim. Esta questão dos interesses de classes é um pouco pretenciosa, é uma das manifestações da indisciplina dos espiritos bem intencionados, que sinceramente desejam melhorar o injusto e desgraçado estado das sociedades, especialmente sob o ponto de vista economico, mas que ainda não encontraram uma formula pratica para o conseguir.

Realmente ninguem pode contestar que o interesse dos operarios não é o mesmo que o dos industriaes, dos professores ou dos homens de sciencia, embora todos tenham alguns interesses communs como cidadãos do mesmo país. Mas é preciso ter uma certa prudencia na maneira de resolver este assunto. A humanidade sacrificou-se tanto até hoje para destruir as antigas castas sociaes que é necessario ter a maxima prudencia em não criar outras.

Os professores das Universidades e escolas superiores querem ter representação no Parlamento? Eu respeito immenso e venero até a sciencia. Pergunto, porem, porque é que um medico ou cirurgião distinctissimo numa qualquer especialidade, um engenheiro, um mathematico profundo num certo ramo da sciencia, emfim qualquer notavel ornamento de uma Universidade tem, só pelo facto de pertencer a uma corporação scientifica, mais competencia que eu ou outro cidadão para resolver as questões sociaes ou para legislar?!

Então somente pelo facto de serem sumundades em assuntos scientificos teem mais competencia do que os outros cidadãos para resolverem os problemas sociológicos sem que a isso se tenham especialmente dedicado? E absurdo e inadmissivel.

Comprehende-se bem, sim, que devam ser mais ou me nos representados todos os interesses sociaes.

Parece-me que foi V. Exa., Sr. Presidente do Governo, quem, em resposta ao Sr. Dr. Alfredo de Magalhães disse, nesta casa, que os governantes deviam constituir um corpo de sabios ou de homens especializados no serviço da governação publica e que pelo seus conhecimentos e pela sua pratica estavam assim melhor habilitados do que quaesquer outros individuos para estarem á frente dos povos e guia-los nos seus destinos.

Isso deveria ser assim, Sr. Dr. Theophilo Braga, se a sciencia social não estivesse atrasadissima como está, - e V. Exa. sabe-o melhor do que eu porque foi meu mestre - que na sociologia poucas leis teem o caracter rigorosamente scientifico, e que esta sciencia está ainda, segundo criterio philosophico de V. Exa., no estado metaphysico politica, que é baseada na sciencia social, não passa por isso de um grosseiro empirismo, permitta-se-me o termo.

Esta é a verdade. Mas ha mais. Esse empirismo pode ser exercido por homens honestos e pode não o ser. V. Exas. sabem que em todas as actividades, em todas as especulações humanas, em que não ha rigor scientifico, se encontra um vasto campo para o charlatanismo.

É o que tem acontecido infelizmente com a politica!

Queixam-se do parlamentarismo não ter dado bons resultados. Mas isso não me espanta porque a politica não e pode considerar ainda como uma sciencia rigorosa e tem sido por esse motivo uma rendosa occupação para os especuladores sem escrupulos.

Tambem se encontram muitos curandeiros e a medicina está incomparavelmente mais adeantada. Em todos os campos em que não existe o rigor scientifico, o charlatão permitte-se insolentemente discutir com o homem honesto que procura a verdade.

Portanto, se nós não podemos recorrer a um grupo de homens devidamente habilitados pelos seus estudos, visto que esses estudos a pouco ou nada conduzem porque são ainda objecto de discussões em que se tiram as conclusões mais oppostas, que havemos de fazer, pois?

Procuraremos obter com a representação a mais genuina possivel pela escolha de homens que nos pareçam os mais honestos, os mais honrados e os mais capazes e aptos para poderem desempenhar a sua missão.

Propus que a primeira Camara fosse constituida por Deputados eleitos em lista uninominal num circulo unico formado por toda a Nação.

Esta solução, que não é minha e creio mesmo que a ideia fundamsntal nem é do distincto general Pimenta de Castro, segundo me informou o Sr. Jacinto Nunes, que tem muito conhecimento d'estes assuntos, mas que foi desenvolvida e apresentado com brilhante lucidez pelo referido official, dá garantia sufficiente para todos os partidos terem representação no Parlamento.

Ora, por esta forma, nós temos tambem uma maneira muito simples para algumas classes se fazerem representar. Se essas classes forem tão importantes que cheguem a ter o numero minimo de eleitores precisos para dar um Deputado, poderão ter tambem representação.

E afigura-se-me que melhor seria ainda que as differentes classes que teem interesses communs constituissem agrupamentos para disputarem a eleição.

Na primeira Camara pode por este modo realizar-se, de alguma forma, o pensamento da representação das forças vivas da Nação, que já por varias vezes tenho visto affirmar como absolutamente precisa para corrigir os defeitos do parlamentarismo.

Esta Camara representaria assim a Nação, as classes e todos os partidos, as maiorias e as minorias. Este systema é incontestavelmente superior á representação, que se diz proporcional, adoptada na ultima.

Estudemos agora a constituição da segunda Camara. No meu projecto esta Camara representa os agrupamentos autónomos. Toda a gente que me conhece sabe que eu sou fanatico pelo federalismo. Começámos em Lisboa a nossa politica republicana, franca e desassombrada, defendendo o federalismo. O primeiro centro com o nome

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republicano sem disfarces que se fundou em Lisboa sustentava a doutrina federalista.

Succedeu-me com a politica o que me succedeu com as crenças philosophicas. Cada vez se robusteceram mais as minhas primitivas opiniões, ao contrario do que tem succedido a muito boa gente que, com o decorrer dos annos, se modificaram as suas ideias.

Cada vez mais me convenço de que é o positivismo ou determinismo o verdadeiro criterio philosophico, e o federalismo a verdadeira doutrina politica e o unico processo a adoptar para corrigir os males do nosso país, que está cheio de vicios e de corrupções politicas.

Ora a segunda Camara poderia representar ou os districtos ou os municipios. Eu dava completa liberdade para a formação dos agrupamentos. Queria que esses agrupamentos se formassem espontaneamente, isto é, que fossem convidadas as parochias, os municipios e os districtos a congregarem-se como melhor quisessem ou entendessem.

Era uma obra perfeitamente natural e não artificial, o que é de grande vantagem, porque toda a obra artificial e ephemera.

Já V. Exas. vêem que nem estas resoluções, a adoptarem-se, seriam precipitadas, nem iriam lançar o país na desordem. Eram as mais logicas e mais naturaes. Poderá dar-se conflicto entre as duas Camaras, evidentemente, mas esse conflicto que eu procurei resolver tentando primeiramente harmonizar as duas Camaras reunidas em congresso teria como supremo juiz o povo, pelo supremo recurso á Nação. E o referendum.

Mas não é natural que á precipitação de uma Camara na confecção de uma lei correspondesse a irreflexão da outra, approvando-a, ou que em caso de discordancia não prevalecessem o bom senso e a justiça.

Quando, porem, nenhuma das Camaras quisesse ceder da sua opinião, havia então o supremo recurso para a primeira e legitima soberania, a Nação.

Parece me que não ha no meu projecto os perigos de que é accusado. Dizem que é muito avançado, impraticavel e irrealizavel. Ora, ao contrario, eu julgo-o não só realizavel mas até opportuno.

O projecto da commissão diz que a Nação se forma de certas provincias que menciona. Se é uma simples exposição geographica, realmente faz pena que ao menos não tivesse sido feita em harmonia com a sciencia.

Se é porem uma concepção, um esboço de regionalismo, como disse o Sr. João de Menezes, que é partidario da descentralização, eu queria então que a commissão fosse mais longe, que tivesse a coragem de fazer o que fiz no meu projecto.

O Sr. José Barbosa: - V. Exa. não se lembra de que todos os membros da commissão explicaram como o projecto foi feito, que não podiam ir alem do curto espaço de tempo que lhe concederam para propor umas bases para discussão?

O Orador: - Eu, com a apresentação do meu projecto, que será imperfeitissimo, não tive a pretensão de obter a sua approvação, nem tenho agora a pretensão de convencer a Camara da verdade das minhas doutrinas; o que quis foi deixar consignada a minha opinião, para que no futuro todas as enormes responsabilidades deste momento historico se pudessem apurar.

Alguem disse aqui que todos nós deviamos contribuir para esta obra, que era, por assim dizer, os alicerces do grandioso edificio que será a Legislação da Republica, e eu, humilde obreiro, sem pretensão a grande architecto, quis tambem contribuir para a sua construcção.

Os pedreiros livres da Hade Media fizeram cathedraes magestosas, como a de Strasburgo, construiram edificios notaveis, jóias architectonicas, como a Batalha, ligaram a ellas os seus nomes, mas não forum com certeza os unicos que trabalharam, tiveram humildes obreiros obscuros collaboradores a auxiliá-los, e eu que sou tambem um humilde obreiro da grande obra da Republica, quero deixar consignada a minha humilde opinião a respeito da lei fundamental, e essa minha opinião não é gratuita, nem precipitada, mas representa alguma reflexão e algum estudo.

O regionalismo levou um golpe profundo, formidavel, quando os réis começaram a dispensar o seu auxilio na luta contra o feudalismo e levou-o ainda maior quando os jesuitas começaram a dominar e a educar em Portugal. Se por um lado, portanto, OB réis para consolidarem o absolutismo, iam abatendo a independencia local, por outro lado os jesuitas iam destruindo o espirito de região para melhor dominarem, porque só lhes convem uma sociedade absolutamente uniforme. Mas ainda assim não o destruiram de todo, e a prova está nas rivalidades que ainda hoje se manifestam de freguesia para freguesia, de municipio para municipio. Quem não se lembra da luta ridicula entre Braga e Guimarães, unicamente porque Guimarães não queria ficar sujeito a Braga!

E o que significa a luta entre as diversas ilhas do archipelago açoreano? Aqui está em frente de mim o Sr. ex-governador civil de Ponta Delgada que sabe que foi João Franco, e isto é espantoso, que foi João Franco quem concedeu a autonomia administrativa a S. Miguel, uma cousa que essas ilhas evidentemente desejavam e que considerou como uma das suas mais bellas conquistas politicas dando ao Ministro as mais altas provas de gratidão. Pois bem, esse homem que representou o absolutismo, o centralismo, por especulação certamente, porque eu nunca acreditei na sua sinceridade, foi o primeiro a conceder uma autonomia. Concedeu-se primeiro a S. Miguel, depois á Terceira, depois ao Funchal, e só não a acceitou o meu districto, porque é tão pobre que com ella talvez ainda ficasse prejudicado nas condições em que lhe era offerecida. Já vêem V. Exas., portanto, que existe no país o espirito autonomista, e até o espirito intransigentemente regionalista.

A proposito d'isto eu vou contar a V. Exas. um facto interessante. Ha alguns tempos, obedecendo á inania centralista de fazer leis iguaes para todo o país, o Governo progressista, creio eu, decretou uma organização administrativa, e, em virtude d'ella, impôs á pequenina ilha do Corvo as seguintes condições. Se quisessem ter um concelho ha viam de pagar todos os encargos respectivos, renda da casa para repartição de fazenda, e todas as mais despesas. A pobre ilha do Corvo, a principio hesitou, mas o governador civil de então, foi especialmente a essa ilha, num navio então commandado pelo Sr. Ministro da Marinha, que tenho pena não esteja presente para confirmar o que estou dizendo, a fim de consultar a sua população sobre se queria ou não o concelho.

Fez se uma assembleia popular, e imagine a Camara como eu no meio do povo estava ancioso para ouvir os resultados da consulta as manifestações de apreço ou desprezo pela sua independencia que aquella gente ia apresentar. De cima de um balcão um empregado explicou com clareza e até com grande desenvolvimento o assunto para que tinha sido convocada a reunião, e perguntou finalmente se queriam que fosse criado o concelho ou se queriam continuar a pertencer ao das Lagens das Flores.

Houve uma grande hesitação, uma especie de consulta intima, porquanto reinava um profundo silencio. Todos perguntaram decerto a si proprios se valeria a pena o grande sacrificio pecuniario para adquirirem a sua independencia. Eu estava numa anciedade extraordinaria para saber o que se resolveria, mas o silencio continuava. De repente, uma voz disse: "Queremos a nossa independencia, queremos um concelho nosso", e logo, sem intervallo quasi, sem hesitação, toda aquella gente gritou o mesmo e vibrando de enthusiasmo, todos reclamaram o concelho, estando dispostos aos maiores sacrificios para que elle fosse criado.

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Digna do se notar o esta resolução, porque aquella ilha não tinha um unico melhoramento feito pela Nação portuguesa. Mas, acabo a historia porque é interessante.

O governador civil, querendo de certo modo mostrar a sua sympathia por essa prova de intelligencia e sacriticio pela independencia local, resolveu manifestar o seu generoso desejo de corresponder a esse sacrificio, e o mesmo empregado, de cima do balcão, dirigiu a seguinte pergunta á assembleia: "Que querem os senhores da Nação portuguesa?" Novo silencio, mas d'esta vez já se trocaram impressões e todos, una você responderam: "Queremos primeiramente uma bandeira portuguesa".

Aqui teem V. Exas. o supremo desejo d'aquella gente! "Nós temos de içar a bandeira quando passa algum navio, a bandeira que temos está velha e não temos quem borde outra".

Esta população, que vivia isolada do resto do mundo, desprezada da metropole, na sua primeira vontade, no seu primeiro desejo, manifestara uma alta comprehensão de patriotismo, um amor profundo pela sua nacionalidade, a qual nunca lhe fizera um simples melhoramento. O Principe de Mónaco, ao descrever as suas impressões de viagens e referindo-se aquella gente, disse que a unica personagem inutil que lá encontrou foi um guarda fiscal. Isto era d'antes, hoje encontra-se a ilha cheia de funccionarios publicos.

A lição resultante d'este facto é grande. Ella tem grande opportunidade no momento presente, porquanto se anda a apregoar e a defender a ideia de mandar missões de propaganda republicana ao norte do país. O que nós precisamos principalmente é educar o povo e apresentar-lhes factos de boa administração. Com o povo não se deve proceder como alguns pães fazem, andando com os filhos sempre pela mão. Assim nunca se fazem homens energicos e decididos. Com a mania centralista nunca caminharemos, nunca faremos cidadãos cônscios dos seus deveres.

Agora, Sr. Presidente, referir-me hei á parte do projecto que diz respeito á execução das leis. Não ha duvida que a unica concepção realmente perfeita é a da separação completa dos tres poderes. Theoricamente não se pode comprehender. melhor. Neste ponto concordo completamente com o Sr. José Barbosa. O exemplo das republicas americanas, em que ha completa separação dos poderes com as suas claras e evidentes responsabilidades, deveria seduzir-nos.

Mas notemos bem, frizemos este ponto, ali a separação dos poderes é completa. Cada um tem os seus deveres e as suas responsabilidades. Sejamos lógicos, rigorosamente lógicos, como num assunto mathematico.

O Sr. Jacinto Nunes: - A mathematica ás vezes tambem falha.

O Orador: - Nas constituições americanas o poder executivo dimana directamente da vontade nacional.

Alguem estranhará que eu, admirando esta forma de Governo, fosse fazer o poder executivo simples mandatario do legislativo.

E que os meios termos nestas questões são terriveis e são terriveis por causa das responsabilidades. Quando ha absoluta separação de poderes, o povo vê perfeitamente quem anda mal, no caso contrario não se podem distinguir as responsabilidades. Foi isso o que se fez durante toda a vigencia da monarchia constitucional. O Governo queixava-se de que as leis eram imperfeitas, e tanto assim que não ha uma unica lei d'esse tempo que não tenha um decreto, portaria ou circular a modificá-la. Estão aqui officiaes do exercito que sabem perfeitamente que ha um regulamento de Fazenda militar, do qual só estão vigor poucos artigos; todos os mais foram modificados por decretos, portarias e circulares.

(Risos).

Sr. Presidente, o que é preciso é que nós entremos num caminho de honestidade, porque ella é o principal dever do partido republicano, custe o que custar. (Apoiados). A primeira qualidade de uma nação é mostrar que é sinceramente proba e honesta nas suas leis e nos seus costumes. (Apoiados). E preciso que nós todos nos limpemos da lepra jesuitica, que ficou nos nossos costumes e habitos, porque nós expulsámos os frades, mas ficámos com as suas manhas.

Entendo, pois, que os meios termos nestes casos são sempre maus, o poder executivo ou tem as suas responsabilidades bem claras, bem nitidas e dimana directamente da vontade popular, como succede na America do Norte, ou é um simples mandatario, do poder legislativo. Neste caso é como a direcção de uma sociedade em que nós, assembleia geral, resolvemos e ella tem de cumprir. Porque fiz desapparecer o poder executivo com o poder independente? Porque as condições da sociedade portuguesa são inteiramente differentes da sociedade americana, porque aquella sociedade é constituida por populações novas, formadas de elementos heterogeneos, vindos de toda a parte, algumas até foragidas dos seus povos de origem. Ahi o poder executivo precisava de ter o pulso firme e foi isso que principalmente influiu no espirito dos legisladores, quando fizeram a Constituição americana.

A Assembleia sabe perfeitamente que na America do Norte, a população estava, (e está ainda hoje, em grande parte) condensada em cidades o que essas cidades, estando a distancias enormes, eram formadas de colónias de milhares de individuos de differentes nacionalidades.

Sabe tambem que havia territorios povoados de milhares de indios em constante rebelião.

Era então necessario que os governadores tivessem o poder e a força precisa, para os conter sem dependencia do legislativo. Nada d'isso succede em Portugal.

Aqui não ha condições nenhumas de paridade com aquelles países, mas pelo contrario ha este perigo enormissimo, esta qualidade commum a todos nós moridionaes de nos apaixonarmos pelos grandes homens de nos lançarmos cegamente no caminho que elles nos indicam e seguirmos sem discernimento as doutrinas pregam e que muitas vezes conduzem á tyrannia e á nossa propria expoliação!

Não foi uma maioria, como disse o Sr. José Barbosa e o Sr. Alexandre Braga contestou, que se precipitou nos braços d'esse aventureiro de João Franco, mas somente uma pequena parte da população portuguesa.

Mas ainda assim foi uma parte importante da Nação, notavel mesmo pela sua illustração e posição social, que se deixou dominar pelos seus discursos que eram fascinadores, segundo se dizia, porque nunca o ouvi.

Elle quasi precipitou a Nação na guerra civil e na ruina, e apesar d'isso tanta gente o acompanhou cegamente nessa aventura.

Não é de admirar se attentarmos nesta nossa qualidade de exaltados e irreflectidos que nos leva a deixar-nos seduzir pelo prestigio da palavra dos grandes homens.

Mas é preciso evitar a repetição de factos semelhantes.

É esta uma das razões por que, admirando o systema presidencialista ou antes da absoluta separação dos poderes, não o acceito para Portugal.

Não o acceito, e digo-o desassorabradamente, porque tenho receio dos grandes homens e tanto mais não adoptando a descentralização caracteristica das constituições americanas.

O Sr. José Barbosa (Interrompendo): - Eu tambem advogo esse redime, mas não o propus, porque entendo que elle é impraticavel. Eu não disse que a maioria tinha acompanhado essa aventura, disse que tinha sido uma grande parte.

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O Orador: - Seja como for, tinha sido a maioria, ou um pequeno numero, o que não podemos negar é que essa aventura teve importancia, e foi realizada unicamente pelo prestigio de um supposto grande homem.

Foi uma nevrose social que causou essa aventura e todos sabem o que isso é, todos sabem quantos factos de delirio de loucura social se tem dado.

Aqui teem V. Exas. porque, em vez de adoptar a separação completa dos poderes, fiz fazer do poder executivo um simples mandatario do legislativo. Entre dois males escolhi o menor.

Mas vou agora tratar de uma questão que tem sido discutidissima, e até confundida com o presidencialismo, e que é a representação da Nação.

A representação nacional no estado actual da mentalidade mundial não pode deixar de ser feita por um homem proeminente.

Afigura-se á maior parte da humanidade que é impossivel existir uma nação independente sem um chefe ou pelo menos um homem que a represente. Por toda a parte assim se pensa.

O chefe é uma especie de bandeira que representa a nação.

Esse homem, o Chefe do Estado, deve pois ser uma entidade tão superior pelas suas qualidades que todos se honrem respeitando o e apresentando-o como o chefe da sua nacionalidade, mas não deve dispor do poder.

Comprehende-se que nos Estados do Norte da America onde pela Constituição o presidente é um dos poderes do Estado elle seja tambem o Chefe da Nação, porque satisfaz pelo menos a uma das condições necessarias, a de ser um vulto que representa uma grande parte da opinião publica.

Com uma differente organização dos poderes não pode ser assim.

Sendo o executivo simples mandatario do legislativo, eu não ia confiar a representação da Nação a uma entidade que é naturalmente instavel e que está sujeita a vir ao Parlamento onde tem de dar contas dos seus actos.

Achei porem uma solução que me parece acoeitavel.

Tenho pena que a commissão não tivesse feito relatorio onde explicasse as razões por que não acceitou alguns dos alvitres apresentados.

Esse representante da Nação deve ser o homem que figure a Patria portuguesa para todos os nacionaes e estrangeiros; o homem que apparentemente congrega todos os cidadãos, que reune todos os interesses, que consagra todas as opiniões, sem distincção de partidos e ideias.

Ora, eu escolhi para esse cargo o Presidente do Congresso, mas uma especie de Presidente honorario. Só presidia ás sessões solemnes. Era sempre substituido todas as vezes que houvesse discussão pelo vice-presidente.

Mas aqui surgia uma difficuldade.

Portugal tem effectivamente relações continuas e delicadissimas com as primeiras nações europeias por causa da importancia das suas colonias.

E certo que as relações commerciaes até agora tem sido pequenas, mas vão desenvolver-se decerto pela renovação e realização de tratados de commercio. Escuso de alongar-me sobre este ponto, porque tudo isto está no espirito da Assembleia.

Portugal está, pois, pela situação das suas colónias, que são limitrofes de colonias dos países mais importantes da Europa, numa situação internacional das mais meticulosas. E confiar a um Executivo instavel, dependente do Parlamento, as relações exteriores, era, talvez, de alguma forma, não se attender á necessaria continuidade das relações de negociações encetadas, e por isso pensei em confiar tambem ao Presidente da Republica uma parte do executivo, nas relações exteriores, criando uma Secretaria de Estado que era dependente do Parlamento a quem tinha de dar contas.

Agora vou entrar no campo mais espinhoso, naquelle que, com certeza, a solução que proponho por parecer demasiado innovadora, levanta mais irritações.

O poder judicial do meu projecto, é de eleição. Toda a gente habituada aos processos eleitoraes da monarchia fica naturalmente receiosa da adopção d'este principio. Mas não ha motivos para isso porque a eleição é indirecta.

E digamos a verdade. Qual será preferivel: que um juiz seja nomeado pelo executivo, e fique, portanto uma creatura dependente dos Ministros, ou seja absolutamente independente, porque a sua eleição resulta da confiança que inspiram as suas qualidades?

Porque é preciso acrescentar: no projecto ha condições de elegibilidade; não se pode escolher qualquer individuo, mas sim o que satisfizer a um certo numero de condições: em primeiro logar ter exercido durante um certo periodo a advocacia; em segundo logar, ter exercido o logar de juiz em classes inferiores.

Havia, portanto, alem do mais, a garantia das condições de elegibilidade; e estou convencido de que todo o cidadão, pesando os enormes poderes que se confere aos juizes, teria o maximo cuidado de fazer uma boa escolha.

Todo aquelle que já tem pleiteado nos tribunaes, que tem tido em risco sob a ameaça de uma sentença a sua liberdade ou a sua propriedade, comprehende bem o principio de que essas autoridades devem ser justas, independentes e respeitadas. Haveria com certeza mais cuidado na escolha dos juizes, do que ha na de Deputados ou outras entidades politicas, a que se não tem ligado importancia alguma, e que durante muito tempo ainda não serão escolhidos com rigoroso criterio. Não ha motivo para receios a eleição dos juizes.

Eu não quero entrar em um assunto que é muito delicado. Mas se fosse preciso citar factos concretos, apresentaria a V. Exas. provas bastante numerosas de que o actual systema não é o que dá melhores garantias da imparcialidade e rigor dos tribunaes. Basta apontar um facto.

Quantos juizes até hoje foram julgados e condemnados em Portugal por falta de cumprimento dos seus deveres? E quantos teem tido accusados?

A classe é pequena, eu bem o sei; mas não é crivei tanta innocencia! E um assunto muitissimo delicado, e não quero por forma alguma que se pense que tenho a menor reserva ou a intenção de ferir uma classe que deve ser respeitadissima no interesse de todos os cidadãos.

Fazer eleger os juizes dentro da sua classe e por individuos da mesma classe, transformando a por esse modo numa casta, não se pode admittir, especialmente pelas razões que apontei.

E preciso evitar que surjam novas castas quando as antigas tanto custaram a destruir.

Não concordo tambem com essa longa enumeração dos direitos individuaes estabelecidos no projecto em discussão.

Foi a commissão, nos direitos individuaes, de uma prodigalidade enorme. Introduziram-se direitos que não são fundamentaes. Numa Constituição só deve vir o que é absolutamente inevitavel e incontestavel. As leis secundarias é que teem de se adaptar ás variadas necessidades a que a evolução dos povos conduz e que se vão successivamente manifestando.

A lei fundamental deve permanecer immutavel durante um periodo longo e por isso conter somente os direitos essenciaes e indiscutiveis.

Agora vou decerto fazer sorrir aquelles que suppõem que eu sou um homem de ideias avançadissimas, e que julgo de opportuna realização todas as utopias.

No projecto he um artigo que fala dos direitos das mulheres, e no que se diz que esses direitos só serão concedidos quando ellas estiverem habilitadas.

O Sr. José Barbosa: - Por não se chegar a accordo na commissão sobre esse assunto é que o artigo foi transcrito integralmente.

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O Orador: - Pois este artigo parece de uma lei da monarchia constitucional.

As leis da monarchia reconheciam muitas vezes certos direitos, mas a sua redacção era de tal maneira feita que na pratica esses direitos nunca eram respeitados. Eram leis jesuiticas propositadamente feitas para que nunca lhes fosse dada inteira execução. Eram peores que as leis do absolutismo, porque ao menos este era sincero na sua brutalidade.

Da maneira como o artigo está redigido vê-se que mio houve a coragem necessaria para reconhecer positivamente os justos direitos das mulheres, ou para negá-los; só se darão e ninguem sabe quando, com a clausula expressa de que estejam habilitadas a fazer uso d'esses direitos. A verdade é que ha já hoje mulheres muito mais illustradas que os homens. Nas bases que apresentei consignaram-se claramente esses direitos.

A mulher é uma educadora e não ha seguramente missão mais nobre, mais digna de que educar cidadãos, fazendo-os fortes, moraes e dignos, preparando-os emfim para o cumprimento dos seus deveres civicos.

Nas escolas, nós todos o sabemos, instruem-se cidadãos mas não se educam, a educação faz-se realmente na familia. O professor orienta apenas o discipulo, lecciona-o sobre moral, o que não basta, porque naquellas idades a doutrina, como se diz vulgarmente, entra por um ouvido e sae pelo t outro; quem forma o caracter das crianças é a familia. E pois preciso que positivamente se declarem os direitos das mulheres, visto que realmente ellas já teem o mais importante de todos, preparar o caracter dos cidadãos. Onde ha direitos ha deveres e concedendo-lhes direitos exigimos o cumprimento rigoroso dos seus deveres.

Passarei agora Sr. Presidente, a tratar de um outro assunto que reputo de grande importancia.

E o que diz respeito á questão financeira. No projecto que apresentei estabelece-se a organização de uma direcção completamente independente do poder executivo, para tratar da divida publica e ao mesmo tempo fiscalizar as despesas do Estado. Parecerá estranha esta organização e dir-se-ha mesmo que ella representa uma desconfiança com relação á honestidade do poder executivo, mas não é bem assim.

Eu sei que ha um argumento de certo valor contra esta organização, que nós já não estamos em monarchia e que portanto não temos o direito de duvidar da intelligencia e caracter dos Ministros da Republica; não é para os homens de um certo partido politico, que se vae fazer esta lei, é para os governantes do país. Já disse quando comecei aqui a falar, que os governantes podem não ser todos igualmente intelligentes e igualmente illustrados. Devemos tambem partir do principio, que elles poderão não ser todos igualmente bons e honestos.

Não pense alguem que, propondo esta organização financeira eu já desconfio da honestidade com que o executivo ha de gerir as finanças publicas. Não desconfio de ninguem, mas entendo que devemos ter o cuidado de consignar aqui os principios de uma sensata e prudente fiscalização, mas principios de bronze, como disse o Sr. Manuel de Arriaga, que não possam ser torcidos, nem modificados. Haja na lei somente principios perfeitamente justos, mas tambem clara e categoricamente consignados.

Para isso não devemos pôr de mais, nem pôr de menos, mas justamente o preciso.

A direcção que entendo dever ser criada não entrego simplesmente a administração da divida publica, mas tambem a fiscalização das despesas do Estado. V. Exas. sabem o que são as repartições encarregadas actualmente de fiscalizar as despesas do Estado. Sei que não me tenho tornado sympathico a alguns dos meus collegas nestas questões financeiras. (Vozes: - Não apoiados).

Parece que se tem estranhado os pulos que dou na cadeira quando se trata de questões de dinheiro nesta Assembleia. O Sr. Presidente, eu não sou como o Judas da lenda enrista, que punha acima das doutrinas do mestre o dinheiro da sociedade.

Bem sei que ha cousas neste mundo que não ha dinheiro que as pague. A honra de cada um vale mais do que o dinheiro. Mas sem dinheiro não se vive e hoje, mais do que nunca, nesta época de claro utilitarismo, em que as lutas internacionaes são principalmente sustentadas com o fim de abrir mercados ás industrias. A administração financeira tem actualmente importancia primordial na vida de uma nação.

O Sr. Jacinto Nunes (interrompendo o orador): - V. Exa. dá-me licença?

Fui convidado para substituir o Sr. Presidente. Se estivéssemos numa junta preparatoria, sabia que era o mais velho que devia occupar esse logar.

Ha Presidente e dois Vice-Presidentes, mas nenhum d'elles está presente e o Regimento não fala em artigo nenhum em quem os ha de substituir.

O caso é omisso.

Se a Assembleia entende que tenho, como mais velho, autoridade para me sentar naquelle logar, eu vou já, como de resto, tenho ido.

O Orador: - Eu vou terminar, porque sei que já me estou tornando aborrecido.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - Eu estava falando da questão financeira. Toda a gente sabe a importancia que tem esta questão para uma nação; mas para nós ella é mais importante ainda, porque temos de fazer tudo de novo no nosso país, infelizmente.

É necessario que eu esteja a dizer que quasi não temos escolas precisas.

Um inspector de instrucção primaria de Coimbra fez em tempos um relatorio em que mostrava que eram necessarios 20:000 contos de réis só para se manterem todas as escolas precisas na sua circunscrição.

Não só não temos escolas primarias, mas tambem as escolas superiores, os institutos de ensino secundario não teem o material preciso; o exercito tem carencia de material de guerra, a defesa de Lisboa precisa ser completada; a nossa marinha, toda a gente sabe o estado em que se encontra; emfim, isto é um país que parece que se criou agora, em que se tem de fazer tudo de novo, e, portanto, a questão financeira é papa nós tão importante como a questão politica, senão o é mais. (Apoiados).

Alem d'isso, temos no nosso programma compromissos graves, justos, que não foram uma promessa feita unicamente para attrahirmos as classes operarias para nosso lado, porque o partido republicano era honesto, e incapaz portanto de lisonjeai as aspirações dos proletarios só com o fim de conseguir que elles acompanhassem e auxiliassem na obra da destruição da monarchia. Isso faria um partido monarchico. (Apoiados).

Se nós honestamente promettemos sempre que haviamos de ir pouco a pouco realizando as chamadas revindicações sociaes, temos obrigação de nos prepararmos para o fazer, e isso custa muito dinheiro.

Em Franca só agora é que se pôde começar a cumprir essa promettida lei da reforma operaria.

O Sr. Faustino da Fonseca: - É porque lá manda a burguesia.

O Orador: - Não é só porque manda a burguesia, foram difficuldades economicas que obstaram a que se chegasse mais cedo; essa obra custa muito dinheiro.

Aqui teem V. Exas. porque eu pus no meu projecto a

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questão financeira, que parece secundaria e impropria de figurar na lei fundamental. Foi para que o executivo ficasse acima de todas as suspeitas, e nos pudéssemos tambem precaver contra as aventuras de algum tresloucado e, permittam-me que empregue este termo e não outro, porque eu parto do principio de que todo o partido republicano é honesto, e que só por desvario poderia apparecer algum Ministro que mo gerisse bem e honradamente as finanças do Governo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Nunes da Mata: - Por parte da commissão de petições, mando para a mesa tres pareceres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Eduardo de Almeida.

O Sr. Eduardo de Almeida: - Sr. Presidente: cumpro a obrigação regimental de ler a minha moção de ordem.

É a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional, em harmonia com o decreto por ella enthusiasticamente votado na sessão de 19 de julho, affirma o desejo de que a Constituição Portuguesa seja a de uma Republica Democratica, estabelecendo normas insofismaveis de garantia individual, adoptando as medidas necessarias para que os diversos orgãos do Estado possam efficazmente desempenhar as suas funcções proprias, e definindo os deveres fundamentaes dos cidadãos chamados a cooperar consciente, activa e dedicadamente na obra do progresso e do desenvolvimento social, e continua na ordem do dia.

Lisboa, Sala das Sessões, em 13 de julho de 1911. = O Deputado, Eduardo de Almeida.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: eu comprehendo que a Camara estranhe, não a mim como representante da Nação, mas a mim individualmente, encarado por insufficiencia de qualquer especie, que tome nesta altura do debate a palavra, mas a verdade é que eu, quando ante-hontem li os placaras annunciando que a Assembleia Nacional se pronunciara já sobre a Constituição, quando hontem vi um illustre Deputado, que aliás sei que estava inscrito para usar da palavra, propor que se julgasse a materia discutida, senti que descia sobre o meu coração uma amarga sombra de tristeza, não porque o assunto não esteja larga e sufficientemente discutido já, mas sim porque entendia necessario, e d'ahi vinha a minha tristeza, que sem nos lançarmos em utopias impossiveis, alguma cousa de mais avançado, de mais ideal e de mais altruista se devia affirmar desde já, no principio da Republica Portuguesa.

Desejava que outro e não eu, que não sou por temperamento inclinado a grandes arrebatamentos, viesse a esta Assembleia declarar que uma Constituição republicana não pode limitar-se a um composto de meras organizações e distribuição de poderes, mas tem de condensar os principios que mostrem o país disposto a caminhar na democracia.

Não posso eu fazê-lo, porque não tenho já muitas das illusões que na mocidade alimentaram o meu espirito, mas ardentemente desejava que a mocidade aqui trouxesse um pouco d'aquella irreverencia que tanto contribue, quando não é meramente anarchica, para fazer evolucionar e gravar as ideias generosas.

Vi tratar o assunto d'esta tribuna com a eloquencia mais profunda e a sciencia juridica mais completa, e todavia não se passou ainda de um campo caracteristicamente metaphysico por que se transportava o erro, que tantas vezes tenho notado nos tratadistas de direito politico, ao considerarem certos principios como dogmaticos, como fixos e immutaveis, collocando assim as doutrinas em manifesta contradição com os factos.

O regime parlamentar não é intangivel, não é um regime sagrado que não possa soffrer alterações, pois neste momento nelle se está operando uma evolução profunda era que nós vamos collaborar, introduzindo-lhes varias reformas.

Ato na presidencialista America do Norte, ha pouco, numa das ultimas sessões do Congresso, se fez uma importante transformação era favor do Parlamento.

E como?

Da seguinte fórma: por effeito d'esse largo espirito presidencialista, que domina toda a Constituição americana, os Deputados estavam de facto e não hypotheticamente curvados á influencia do poder executivo; o Presidente do Congresso tinha o direito de recusar, sem qualquer limite ou responsabilidade, quando queria ou lhe convinha, a palavra ao Deputado que a pedisse sobre este ou aquelle assunto.

O tremendo absurdo foi agora discutido no Parlamento, e felizmente derrubado e com elle outras attribuições presidencialistas que não consentiam aos membros do Parlamento a sua liberdade de acção.

Falou-se na decadencia do Parlamento, que o nosso regime parlamentar não tinha tradições, que fora importado da Inglaterra.

Isto não é verdade.

O regime parlamentar não está em decadencia: transforma-se sob um simples impulso real de democracia.

Quando, recentemente, na Allemanha, a voz do privilegio quis dominar a vontade parlamentar, os representantes do povo affirmaram de uma maneira efficaz a sua força, erguendo alto o pendão da sua revolta; e essa força é a da justiça contra a oppressão, a da verdade contra a tyrannia.

Foi-se á velha Inglaterra buscar um conflicto para mostrar que até ali, onde o Parlamento, como se diz nascera, estava passando attribulações; mas esse conflicto que é na realidade senão a revolta dos representantes da Nação contra uma aristocracia privilegiada para que ella não possa annullar as leis que o povo quer e defende?

A França entrou, não ha muito, num verdadeiro regime parlamentar, que não teve durante quarenta annos de Republica imperialista, e foi o Parlamento que deu á Russia um pouco da luz da liberdade e que integrou a Turquia no movimento civilizador.

Eu sei que no projecto (e aproveito a occasião para endereçar as minhas felicitações á illustre commissão) se quis evitar o perigo da ficção parlamentar, que tantos annos se divertiu entre nós.

Mas ficção parlamentar não é regime parlamentar.

A commissão lembrou-se de que essa ficção nos criara uma tyrannia dupla - a do Executivo sempre numa folgada ditadura, e a do Legislativo com a obediencia das maiorias e a esterilidade das lutas. Lembrou se de como a ficção parlamentar consagrou mediocres e elevou inhabeis.

Mas não se lembrou de que estava negando a propria acção do partido republicano, que veio ao Parlamento soltar o grito da revolta e que no Parlamento despedaçou, a golpes de genio e audacia, a monarchia. Aqui combateu ousado contra as violencias, que se tornaram cada vez mais ameaçadoras, contra a dissolução de costumes, que dia a dia se aggravava de uma maneira flagrantissima. Sempre que a indignidade se evidenciava mais, ou logo que o despotismo pretendia crescer, a voz dos grandes tribunos rugia ameaçadora e amesquinhava, espisinhava e fazia tremer como réus os que estavam agarrados ao mais alto poderio.

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Julga-se tambem, mas julga-se erradamente, que o regime parlamentar foi trazido de Inglaterra.

E um engano, uma das taes confusões metaphysicas.

De Inglaterra veio uma determinada fornia de parlamentarismo, mas o principio já existia e vive na alma nacional portuguesa e na nossa historia politica.

Para honra nossa, podemos dizer que o absolutismo foi entre nós quasi sempre moderado. E a razão, podemos affirmá-lo envaidecidamente, está no facto da nossa historia não ser apenas feita pelo ostentoso luxo dos réis, mas ser uma historia do povo.

A sua intervenção era directa, constante, heróica nos destinos da patria; é a elle que se deve a nossa independencia, as nossas maiores conquistas, e elle que se lança nessas estranhas aventuras maritimas já tão gloriosamente cantadas; e um povo que assim procura a prosperidade da sua patria, e assim se manifesta cônscio do que lhe cumpre nos momentos dolorosos, não podia nem saberia abdicar dos seus direitos. E não abdicou por que os defendeu sempre nos foraes, nas Cortes, nos municipios que constituem - só a metaphysica o nega - verdadeiras, legitimas tradições parlamentares.

Mas, Sr. Presidente, quererei eu com isto dizer que se adopte para o meu país o regime parlamentar, tal como em compêndios se define e tal como o comprehendem muitos dos illustres Deputados?

Porque é aqui que a confusão começa.

O regime parlamentar, como o presidencial, soffrem de um mal profundo.

Um e outro estabelecem erradamente em theoria e mais erradamente ainda na pratica a divisão e independencia dos poderes. Se o regime parlamentar, que saiu mais de um conceito de harmonia que de independencia, escravizava ao Parlamento os outros poderes, dando a todos um caracter tumultuario, o regime presidencialista, nascido de uma divisão mecanica, subjugava á ditadura ampla do executivo todas as energias sociaes. Chegava-se ao chãos partindo da harmonia, ao despotismo querendo estabelecer-se a independencia.

E, não obstante, continua-se teimando que no regime parlamentar não tem o poder executivo a necessaria independencia.

Mas onde está a independencia dos poderes, em qualquer regime?

Aos diversos orgãos do Estado não é necessario dar independencia, mas sim as condições de vida indispensaveis para que elles possam desempenhar cabal e satisfatoriamente a funcção que lhe compete.

A independencia dos poderes é, portanto, uma coisa puramente metaphysica.

Se não ha independencia no individuo, como pode ella existir nas differentes funcções do Estado?

A noção de independencia, que tanto tem entretido os publicistas, é nociva porque estabelece uma absurda separação de vida, de rigido alheamento de funcções, onde a vida é una e a cooperação fundamental. O que se quer dizer é que é preciso garantir as relações entre os poderes de forma que não estejam sempre a invadir attribuições e a perturbarem-se reciprocamente.

Metaphysica tambem é accentuadamente anti-democratica esta palavra - poderes. Então numa Republica ha poderes com privilegios?

O Sr. José Barbosa: - Não são poderes do Estado, são orgãos da soberania popular.

O Orador: - Órgãos desempenham poderes. Já vê V. Exa. a que distancia estamos d'esses poderes.

No seu desagrado ao parlamentarismo a Commissão lembrou-se, e com razão, de uma parte restricta da nossa vida nacional em que o parlamentarismo decaiu.

E certo esse decaimento, mas fez-se, e até então, ouve muitas vezes a voz da justiça soltada por pessoas que eram systematicamente postas de parte.

Não se lembrou, porem, de que se, no nosso feitio, estão um pouco estas inclinações palavrosas, ha uma cousa peor no temperamento português: e o impulso violento.

A verdade é que, embora sejamos inclinados aos debates parlamentares, a ditadura não deixa de estar incrustrada por tal forma no nosso feitio que até o actual Governo - e peço desculpa aos teus illustres membros de me referir á sua obra, mas faço-o como elemento para a minha argumentação - que até o actual Governo, dizia eu, continua, em parte, em ditadura, não obstante estar aberta a Assembleia Constituinte.

Digo isto porque varias vezes vejo publicados...

O Sr. José Barbosa: - Esta Assembleia autorizou-o...

O Orador: - Manteve-lhe a confiança, mas não lhe conferiu poderes legislativos nem podia conferir-lh'os. No entanto são cousas minimas, pois os decretos publicados pelo Governo referem-se a assuntos de pouca importancia.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: se é certo, em virtude de semelhantes hesitações, que o projecto de Constituição apresentado a esta Camara é imperfeito, a verdade é que (e digo o exactamente pelo alto apreço em que tenho a Assembleia Nacional) a nossa Constituição ha de ser a final imperfeita. E felizmente, porque um codigo ideal, em que se reunisse o que ha de mais avançado em concepções politicas e fosse tocado pela maior belleza dos devaneios altruistas, seria inexoravelmente rovogado pela dynamica social e cairia esfarrapado em amargas privações. Com isto, porem, não quero dizer que não ache justa e que não seja proficua a dedicação por um dia em que a humanidade conheça ventura sempre maior que a passada e em que, se possivel, a tristeza appareça tão raras vezes que apenas viva a dor sequiosa de a não podermos sentir mais.

O que é fundamental na constituição?

E que se attenda a leis positivas.

Desculpe-me o illustre Deputado que me precedeu que eu diga que a sciencia sociologica existe, embora não tão adiantada como outras, como por exemplo a sciencia mathematica. Tem a sciencia sociológica leis de indiscutivel positividade que se devem adaptar á vida politica portuguesa.

Eu disse, logo depois de proclamada á Republica, e repito agora nesta Assembleia, que a Republica feita pela revolução heróica de 5 de outubro, libertando-nos da escravatura politica e do rebaixamento moral em que vivia-mos, não conseguira, porem, transformar de repente, como uma mutação de magica, o povo português.

O povo é o mesmo. Esse povo que mostrou a sua dedicação extraordinaria pela causa da Patria, manifestando qualidades viris, abnegação exemplar, heroismos tocantes e que ainda agora está provando o seu valor e a sua coragem na defesa da integridade da Republica, é o mesmo povo de hontem. E assim como havemos de pagar durante muito tempo dinheiros que outros gastaram, havemos de igualmente sentir, duramente e longamente, os funestos resultados do jesuitismo que abafava o espirito e a consciencia como estufa adequada á sua vegetação perigosa e occulta e havemos de soffrer com a irradiação infecta da pustula que a monarchia abriu na alma portuguesa.

Sr. Presidente: uma Constituição republicana deve obedecer á lei positiva do progresso, inscrevendo os principies essenciaes da democracia, mas não pode furtar-se ás leis positivas da solidariedade e continuidade humanas e adaptando-os ás condições de vida da sociedade portuguesa. Eu quero, portanto, que cada orgão do Estado desempenhe as suas funcções, tendo as condições de vida

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que são indispensaveis para que o seu funccionamento produza resultados efficazes. Quero que o orgão executivo não tenha a possibilidade de perturbar o orgão legislativo; mas quero ao mesmo tempo que o orgão legislativo não embarace a cada momento a acção propria do executivo.

Como se pede resolver a difficuldade?

Para mim, e tenho por meu lado a autoridade incontestavel de alguns espiritos philosophicos, as funcções do executivo tem de estar em harmonia, em qualquer dos seus aspectos, com as funcções do legislativo. Qual a funcção propria do executivo? É executar as leis, fiscalizar os serviços publicos e sobretudo pertence-lhe a administração.

Toda a gente comprehende que elle não pode fiscalizar o cumprimento das leis, não pode executá-las, sem a cooperação directa do Parlamento, cuja funcção propria é decretar leis e que tem indiscutivel competencia para fiscalizar tambem os serviços publicos, incluindo precisamente a acção executiva.

Quis-se tirar ao executivo a faculdade de vir aqui (e eu, se um dia fosse homem de Governo, havia de sentir-me rebaixado se não pudesse defender os meus actos), dizendo-se que nós vinhamos arrastar os Ministros a pugnas estereis, arrancando-lhes e tirando-lhes a sua liberdade de acção. Mas onde é então que se fazem os Ministros senão combatendo nesta arena, subindo a esta tribuna para agitarem as suas ideias, leal e desassombradamente; não é pelos seus programmas que elles conquistam o poder? Vão então recrutá-los na clientella dos Presidentes da Republica, com absoluto desprezo de todos nós, que claramente definimos principios e lutamos sacrificando-nos?

Fala-se da tempestade parlamentar; mas quem se arreceia d'ella? Não é preciso ser tribuno para a supportar; basta que se tenha por seu lado a razão, basta que saiba defender a justiça. (Apoiados).

As tempestades parlamentares limpam muitas vezes a atmosphera politica.

Mas, Sr. Presidente, o conveniente para o exercicio efficaz da funcçao executiva, não está em arrancar ou não os Gabinetes á acção parlamentar, está em separar estas duas cousas, que tanto se confundiram na theoria e na pratica por um vicio funesto, mas commodo de metaphysica, em separar, repito, a politica da administração.

Eu quero Ministros politicos, mas da politica que luta pelo ideal.

Eu sei que temos deante de nós o triste exemplo dos politicos passados, talvez por isso se me afigura indispensavel (e porque o julgo assim vou apresentar uma proposta) que a administração seja confiada a pessoas technicas, permanentes, responsaveis e independentes da politica. (Apoiados).

D'essa confusão vem o grande mal; a França, que tantas vezes tem servido de exemplo contra o regime parlamentar, ia definhando sob a influencia do imperialismo, porque cada estadista julgava encarnar em si a alma errante de Napoleão. Mas, felizmente, passados quarenta annos de illusoria republica, a França, e digo-o para honra dos seus estadistas modernos, vae entrando num regime democratico parlamentarista, e por isso sente já essa indiscutivel necessidade do separar a funcção politica da administração.

Que fizemos para evitar o perigo? Nada. Pois bem: eu direi ao Sr. José Barbosa e aos outros membros da commissão que um dos nossos maiores males, a causa da nossa mais profunda decadencia, está nessa inclinação portuguesa, para não empregar outro termo, de esmolar empregos.

Ahi é que eu quero que se introduzam reformas radicaes. A evolução do regime parlamentar, evolução democratica, está nessa medida da mais profunda moralidade e do mais vasto alcance.

Não se comprehende que numa democracia prosiga o espectaculo indecoroso de serem chamadas a exercer determinados logares, pessoas que para elles não dispunham da necessaria competencia, que para elles não tinham habilitações profissionaes, mas apenas titulos politicos. Não ha direitos politicos para occupar logares para que se é reconhecidamente incompetente.

Eu quero que nas differentes classes do funccionalismo entrem pessoas que saibam desempenhar conscienciosamente as suas obrigações. Termine-se com a empregadagem subserviente, com a conquista de logares pela intriga e pelo favoritismo.

É sobre este ponto que eu sou irreverente e defendo um saneamento completo, radical, insofismavel.

Quero que por varios ramos de administração publica haja moralidade e não apenas ansia de subir depressa; que os differentes funccionarios possuam os devidos requisitos para o cabal desempenho da missão que haja de lhes ser confiada; quero que elles possam expressar livremente a sua opinião, sujeitos ás leis e não á tutela de quem quer como superior, exceptuando os assuntos referentes á defesa nacional ou que se prendam com negociaçães diplomaticas; quero que se lhes garanta o direito de dizerem liberrimamente o que pensam, especialmente dos serviços em que tornam parte.

Eu vi que o artigo 67.° do projecto dizia que os empregados publicos são responsaveis pelos abusos que praticarem no exercicio das suas funcções, mas não é bastante.

É preciso que se consignem a esses funccionarios as garantias que a elles pertencem e sobretudo se definam os deveres que teem de cumprir.

Infelizmente em Portugal são raros os que estudam, e só quem estuda sabe quantos sacrificios tem de fazer, porque o tempo que assim gasta é perdido e roubado áquelle que se emprega na busca dos meios que são precisos para a sustentação.

E por isso que são tão raros e desprotegidos os exemplos de dedicação pela sciencia, mas é demais garantir assim, contra as mais torpes explorações da intriguice politica, os que ao trabalho somente se dedicam. Alem de justo é honesto, porque nós temos a dolorosa prova do baixo estado a que pode chegar a administração publica entregue a simples politicos.

E se tanto falo no assunto não é porque se tente commetter este abuso durante a vigencia da Republica; mas torna-se indispensavel estabelecer como principio que os logares publicos não são degraus para se trepar a eminencias da politica.

Passo agora a outro assunto, que é áquelle que diz respeito ao referendum. Não apresento o referendum politico, por agora inadaptavel aos nossos costumes; mas defendo o referendum administrativo em cada freguesia do continente, e o referendum municipal em Lisboa e Porto.

Não nos fiquemos em illusões de meros sonhadores, mas não estejamos tambem só a lançar poeira nos olhos das multidões.

Permitta-me o Sr. José Barbosa que eu me dirija a V. Exa., levantando uma frase infeliz que pronunciou ha pouco, quando discursava o illustre Deputado que me precedeu. Disse o Sr. José Barbosa que os republicanos no nosso país eram e seriam durante mais tres annos a minoria. Engana-se V. Exa.

Eu sou de uma provincia onde mais imperou a influencia jesuitica e a tradição monarchica, e posso dizer que o povo não professa odio ou má vontade contra a Republica.

Da ultima vez que tive occasião de vir a Lisboa, creio que em fevereiro, entrevistado por um redactor do Seculo, declarei-lhe que o povo do norte não seria republicano, mas não era monarchico; apenas indifferente.

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O Sr. José Barbosa: - Se era indifferente, não era republicano.

O Orador: - Mas tambem não era monarchico. Os republicanos teem de ha muito uma maioria - a dos conscientes e dos patriotas.

Apesar de toda a pressão da influencia do jesuitismo, não ha affectos pela monarchia, nem podia havê-los, porque quem trabalha não gosta de ser roubado.

E certo que o povo é na maioria analfabeto e ignorante (e eu não sei se a ignorancia não é peor que o analfabetismo) e não pode consequentemente apreciar determinados assuntos, porque não tem conhecimentos que o habilitem a resolvê-los.

Mas esse homem que não tem, repito, os conhecimentos geraes para ponderar as graves questões politicas que se levantam, sabe bem todavia o que importa fazer na sua aldeia; sabe fiscalizar bem como o seu dinheiro é e deve ser gasto, e tem a competencia precisa para escolher as pessoas que, pela sua honestidade, deve collocar á frente dos negocios.

Sabe tambem dizer que não a um cacique (durante certo tempo ainda alguns existirão), quando esse cacique pretenda alguma cousa que possa aggravar os interesses dos seus filhos.

Estou zelando bem as condições de vida da sociedade portuguesa quando peço o referendum administrativo nas aldeias.

Dê-se ao nosso povo essa escola magnifica. O nosso lavrador de trinta a quarenta annos não está em idade de ir aprender agora o que em novo se lhe deveria ensinar; mas está a tempo de frequentar a escola do referendum, que é uma excellente escola de educação politica.

Por ella ha de ver que a Republica é um facto que até elle vae a perguntar-lhe o que pensa dos negocios da sua aldeia e habilitá-lo a intervir directamente nos negocios do Estado.

Apresento concretizadamente a respectiva proposta e deixo ao cuidado da commissão o redigi-la definitivamente como entender.

A minha proposta é a seguinte:

(Leu).

Nesta proposta ha uma obra de justiça para o povo de Lisboa e Porto.

Tem-se falado (não quero melindrar ninguem) em dedicações pela Republica, mas precisamos não esquecer essa grande dedicação do povo das duas cidades que acabo de indicar, que tanto soffreu e tanto lutou pela implantação do novo regime que estamos gozando, e que deu toda a força aos seus representantes para aqui no Parlamento poderem guerrear a monarchia até ser expulsa das consciencias.

A monarchia foi derrubada e expulsa pelo povo nos comicios, pela sua abenegação, pela sua fé e pela força de dignidade e de energia que dava aos seus parlamentares.

Faça-se essa obra de justiça!

Não é enganar o povo, isto não é lançar poeira nem captar sympathias: é reconhecer-lhe um direito.

Já que falei em direitos, vou referir-me ao capitulo da Constituição que é especial a este ponto.

A garantia dos direitos está em geral bem firmada.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixem-me falar-lhes com toda a franqueza.

Não foi por falta de direitos que a monarchia caiu e que a Republica pode um dia atravessar perigos e horas de inquietação. Perigos e inquietação nasceram e podem vir da falta de cumprimento dos deveres.

Nos raros momentos em que na opposição pude fazer alguma propaganda, á custa de sacrificios pesados, eu falei sempre ao povo em deveres e não em direitos.

E fiz assim porque estou intimamente convencido de que é pela dedicação, pelo sacrificio, e pelo cumprimento exacto dos deveres que os homens podem caminhar um pouco na senda do progresso.

Lembro-me do que disse um grande philosopho: "E preciso dar sem restricções, e a todos, o direito de cumprirem fielmente o seu dever".

A liberdade de pensamento não permitte nenhuma pressão; liberdade de consciencia é condição da vida humana, mas que os cidadãos livres tenham sempre a noção positiva de que é pelos seus deveres que cooperam na obra nacional e em favor dá humanidade.

O illustre Deputado que me precedeu, referiu-se a outro ponto, em que tencionava igualmente falar e que, não obstante, por se me tornar agradavel, quero ainda chamar a mim para terminar o meu discurso.

Refiro-me aos direitos das mulheres.

Tenho visto perseguidas com as calurnnias mais injustas pobres mulheres do campo, que teem dado á Patria o mais sublimado exemplo da sua dedicação. Ainda ha pouco ellas deram uma prova de santa resignação no soffrimento, vendo partir, sem queixumes, os filhos para a fronteira. Não se diga que é atrasada uma mulher que tem tão bellas tradições, não se diga que é reaccionaria, porque é falso; é mãe exemplar, é esposa carinhosa, é irmã modelo. A mulher portuguesa tornou viva a linda palavra - saudade.

Não peço se lhe dê já inteira capacidade politica (e a capacidade politica pode tornar-se illusoria para a mulher), mas quero-a com capacidade civil que a liberte da escravidão infamante em que a teem mantido os seus exploradores.

Eu lembro-me perfeitamente de que Gounard, num livro sobre a mulher na industria, diz que a mulher portuguesa está no nosso país numa situação superior á de muitas nações mais democraticas, porque o nosso Codigo Civil lhe confere certas garantias na administração dos bens que evitam e a livram, em parte, do perigo de serem exploradas pelos maridos, pelos pães ou pelos irmãos, mas entende que essas disposições não são bastantes a arredar-lhes na verdade e por completo esse enorme e vergonhoso mal.

Confiramos-lhes, pois, as garantias civis a que tem direito e assim teremos radicado na alma popular a ideia de que a Republica Portuguesa é uma effectiva democracia, que não está disposta a lançar-se apenas nas lutas estereis dos interesses particulares.

Disse ha pouco, Sr. Presidente, que tencionava apresentar uma proposta sobre os funccionarios publicos. Essa proposta é a seguinte.

(Leu).

Trata-se de uma lei que, democraticamente, assegura a competencia e a liberdade dos funccionarios publicos e os torna responsaveis pelas faltas que commetterem.

Essa lei é absolutamente indispensavel, se quisermos sanear a administração. A não se legislar qualquer cousa neste sentido, continuaremos a viver na anarchia.

O funccionario tem o direito de expor as suas opiniões, mas o que não pode é perturbar a vida do Estado com lutas ou manifestações de sentimentos que sejam antipatrioticos.

Definam-se, pois, bem os seus direitos e os seus deveres.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: a hora vae muito adeantada, e eu não posso, tomando agora a palavra, concluir as minhas considerações até o final da sessão, e attendendo ainda a que varios Srs. Deputados pediram a palavra para antes d'ella se encerrar, julgo melhor que essa palavra me seja concedida amanhã, por que não desejo de forma alguma levar para casa a palavra reservada.

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O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta enviada

Julgo que ha na Assembleia outros assuntos a tratar. Peço, pois, a V. Exa. à fineza de consentir que eu inicie o meu discurso na próxima sessão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Vae ler-se um parecer da commissão de petições. Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Parecer da commissão de petições

Senhores Deputados. - A vossa commissão de petições examinou, com o cuidado devido, a proposta do Sr. Deputado José Affonso Palla, tendente a ser nomeada uma commissão de cinco membros, que indica, para estudar a forma de se recompensarem os cidadãos que prestaram serviços á Republica nos dias da Revolução e antes d'ella, devendo ser aproveitados os trabalhos d'essa commissão como subsidios para se fazer a historia da Republica Portuguesa.

A vossa commissão de petições, Srs. Deputados, é de parecer que seja nomeada a referida commissão, constituida pelos Srs. Deputados nella designados, e para os fins que constam da mesma proposta.

Lisboa, Sala das Sessões, 11 de julho de 1911. = José Nunes da Mata = Anselmo Augusto da Costa Xavier = Eduardo Abreu = José Bessa de Carvalho = Germano Martins = Francisco Teixeira de Queiroz = Narciso Alves da Cunha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Peres Rodrigues.

O Sr. Peres Rodrigues: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que á commissão que, segundo a proposta do Deputado Sr. José Affonso Palla, for nomeada "para estudar a forma de recompensar os que prestaram serviços á Republica" sejam aggregados os Srs. Joaquim Ribeiro e Inacio de Magalhães Barros:

Que a essa commissão se incumba a revisão de todos os diplomas promulgados pelo Governo Provisorio sobre recompensas aos que contribuiram para a implantação da Republica, sem prejuizo possivel das promoções já realizadas;

Que lhe seja igualmente commettido o apreciar o fundamento de quaesquer reclamações que sobre o assunto recompensas tenham sido apresentadas ao Governo ou á Assembleia Nacional;

Que a mesma commissão traga a esta Assembleia, no mais curto prazo possivel, o seu parecer, precedido de relatorio circunstanciado do trabalho que se lhe incumbe.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 11 de julho de 1911 = Sebastião Peres Rodrigues.

Eu justifico o meu additamento com as razoes que vou expor.

E uma questão de simples conveniencia, é uma questão de recompensas, que terão de ser apreciadas no seu conjunto ou separadamente por uma commissão que tem de rever os decretos promulgados pelo Governo Provisorio.

Parece-me que é uma duplicação de serviços desnecessaria: portanto o mais conveniente, visto que se trata de uma questão passada a liquidar, é nomear uma commissão mais numerosa porque o trabalho não é pequeno. Essa commissão apresentará depois o seu trabalho de um modo completo e definitivo.

Esta é a rasão em que fundamento o meu additamento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta enviada para a mesa.

Leu-se na mesa.

Isto é uma proposta de additamento; os Srs. Deputados que a admittem á discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão com o parecer.

O Sr. Emidio Mendes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se considerem em separado as promoções concedidas pelo Governo aos officiaes de terra e mar e que façam parte de um parecer especial. = O Deputado, Emidio Mendes.

É para considerar em separado as promoções feitas pelo Governo aos officiaes de terra e mar, para que sejam desde já confirmados pela Assembleia Constituinte.

(S. Exa. não reviu).

Consultada a Camara, foi admittida ficando em discussão com o parecer.

O Sr. Presidente: - Como ninguem mais pede a palavra vae votar-se.

Estas propostas são consideradas como um additamento; portanto vou pôr primeiro para votação o parecer e depois as emendas.

Os Srs. Deputados que approvam este parecer, tenham a bondade de se levantar.

O Sr. França Borges: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Agora é já tarde; está já em votação.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. França Borges: - Diz o parecer lido na mesa que a commissão tem de avaliar os serviços dos que prestaram serviços á Republica antes e depois da Revolução. Em taes termos não o approvo.

Os serviços á causa da Republica abrangem um largo periodo, vão longe, envolvem vivos e mortos. Nenhuma commissão podia realizar esse difficil trabalho de historia num periodo de meses.

Seriam necessarios longos annos de permanente trabalho para que elle se pudesse praticar. Só o votaria se o trabalho da commissão se restringisse aos serviços leitos na Revolução de 5 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se o parecer da commissão.

(Posto á votação foi rejeitado).

O Sr. Presidente: - Rejeitado o projecto, não tenho que submetter á votação as emendas.

Peço a attenção da Camara. Vae ler-se uma proposta do Sr. Eduardo Abreu, que está sobre a mesa ha muito tempo.

Leu-se na meta u e a seguinte

Proposta

Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte eleja uma commissão de cinco Deputados, encarregados da grave missão de inquirir por todos os Ministerios da existencia de quaesquer documentos encontrados nos paços reaes,

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acêrca de pretendidos actos de traição á Patria. A commissão procederá a um inventario de todos os documentos encontrados, sendo todos numerados e rubricados por ella e pelo respectivo Ministro, declarando este que nenhum outro documento conhece e possue.

Todos os documentos serão guardados em cofre da confiança da commissão e este lacrado com auto de encerramento, tambem assinado pelo Presidente da Assembleia Nacional.

A commissão, com a possivel urgencia, apresentará ao mesmo Presidente o seu parecer, sobre o que viu, e a importancia ou opportunidade da publicação.

Na Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de julho de 1911. = Eduardo Abreu.

O Sr. Eduardo Abreu: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Eduardo Abreu: - Pedi a palavra para dar um esclarecimento á Assembleia e ao Governo.

Não é meu intuito, com essa proposta, criar difficuldades ao Governo; mas esclarecer um ponto que é importantissimo.

Em todos os países da Europa, em todos os da America culta, em toda a parte, se considerava como assunto gravissimo, o facto de se dizer que se encontraram nos paços reaes, habitados pelos monarchas depostos, e pessoas de sua familia, documentos dos quaes se infere que houve traição á Patria.

Uma de duas:

Ou esses documentos são de caracter particular, ou pertencem á Nação representada aqui pela Assembleia Nacional Constituinte.

Tem o Sr. Ministro das Finanças na sua mão documentos que provem que houve traição á Patria?

Repito, a quem pertencem esses documentos?

Igual pergunta podia eu dirigir ao Sr. Ministro da Guerra e ao Sr. Ministro do Fomento.

Parece-me que não ha inconveniente em que a Assembleia tome conhecimento do conteudo d'esses documentos e devidamente os compulse.

Se aqui estivesse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, eu invocaria o testemunho de S. Exa. para o facto que vou indicar.

Tambem eu fiz parte de uma commissão de syndicancia ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros, em que trabalhei afanosamente durante dois meses. Não me contentei só em averiguar as graves responsabilidades que pesassem sobre tres Ministros da monarchia, como tambem exigi que se publicassem os documentos a tal respeito, porque não vi nisso o minimo inconveniente, e antes vantagem.

O Governo pode vir dar conta á Assembleia do que tiver encontrado acêrca d'esses documentos e esta decidirá se convem ou não torná-los publicos, sendo certo que alguns não devem ser publicados.

A minha proposta não é attinente ao fim de ver publicados todos esses documentos. A commissão que tiver de os examinar, e que merece a confiança da Camara, é que terá de se pronunciar a tal respeito.

Essa commissão, pois, que averigue, que, estude e delibere por fim o que tiver por mais conveniente.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para invocar o Regimento.

Vou ler a disposição que me suscitou duvidas, quanto á rejeição da proposta do Sr. Palla.

(Leu).

Vejo agora como se está procedendo em relação á proposta do Sr. Eduardo Abreu.

O que me parece é que nós não podemos estar a discutir e a votar um parecer immediatamente á sua apresentação.

Entre a apresentação de um parecer e a sua apreciação e votação, deve mediar algum espaço de tempo; quer dizer, um parecer apresentado numa sessão pode ser discutido na sessão seguinte.

Vou ler o artigo 78.° que diz o seguinte.

(Leu).

Parece-me, pois, que este artigo não foi cumprido e tem de ser observado.

Não podemos discutir e votar uma cousa, sem sabermos propriamente do que se trata.

Invoco o Regimento e peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre o assunto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - V. Exa. dizime se a proposta do Sr. Deputado Eduardo de Abreu já tem parecer da commissão?

O Sr. Presidente: - Não tem.

O Orador: - Pedi a palavra simplesmente para dizer á Camara que o Governo tomou posse de tudo quanto se encontrou nos paços reaes, e calculando que entre os papeis alguns haveria da maior importancia, tratou de os guardar com toda a segurança.

Alguns d'esses papeis foram examinados em Conselho de Ministros, e creio que não será muito difficil á Assembleia acreditar que se o Governo da Republica tivesse encontrado nesses papeis motivo para immediatamente proceder fosse contra quem fosse, elle teria procedido.

De duas uma.

Ou effectivamente esses papeis não continham qualquer materia que obrigasse o Governo da Republica, e em nome dos interesses da Republica e do país, a adoptar providencias, ou então o Governo ponderou que não seria, porventura, aquella a melhor occasião para o fazer.

Mas, Sr. Presidente, é manifesto que esses papeis não são do Governo. E manifesto que elles são da Nação. (Apoiados).

E manifesto que o Governo simplesmente tem a responsabilidade da sua guarda, mas não pode ter o exclusivo do seu conhecimento.

Quer isto dizer que a proposta do Sr. Eduardo Abreu em nada contraria o pensamento do Governo, nem prejudica os interesses da Republica e da Nação.

Esta discrição que se impôs ao Governo a respeito dos papeis encontrados nos paços reaes, todos nós temos a certeza de que se pode impor tambem á commissão que for nomeada, para dizer só aquillo que os interesses nacionaes indiquem que se diga de momento.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Respondendo ao Sr. Barbosa de Magalhães, devo dizer que me fundamentei no § unico do artigo 78.°, que diz:

(Leu).

E simplesmente para a eleição da commissão; para nada mais.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Isso é discutir o que o Sr. Palla propôs e a commissão disse.

Estamos a discutir e a votar, sem termos tido tempo para estudarmos o assunto sobro que nos pronunciamos.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - V. Exa. comprehende que da minha parte não ha empenho de abreviar esta discussão; se assim, procedi foi por me parecer que era uma cousa

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

de que a Camara podia tomar immediato conhecimento, mas não tenho duvida em cumprir o Regimento.

Uma voz: - Em que ficamos, depois d'esta votação?

O Sr. Presidente: - Eu explico. O Sr. Peres Rodrigues apresentou uma substituição e declarou que vae sobre ella apresentar uma proposta; esta proposta de S. Exa. vem naturalmente substituir a que foi rejeitada.

Quanto á proposta do Sr. Eduardo Abreu, se a Camara tambem deseja que seja impressa e distribuida, e sobre ella passem as quarenta e oito horas do Regimento, não tenho duvida em consultar a Camara.

O Sr. França Borges: - Peço dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Eduardo Abreu.

O Sr. Germano Martins: - O artigo 62.° do Regimento diz que não pode ser discutida proposta alguma sem a sua publicação ter sido feita no Diario do Governo. Portanto não pode haver dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: - O artigo 62.° refere-se a propostas e projectos de lei. Isto não é uma proposta de lei, é uma simples proposta.

O Sr. Eduardo Abreu: - A minha proposta foi publicada no Diario das Constituintes.

O Sr. França Borges: - Se a proposta do Sr. Eduardo Abreu tem de ir a alguma commissão, eu requeiro dispensa do Regimento para entrar desde já em discussão.

O Sr. Presidente: - Ella está na ordem do dia. Os Srs. Deputados que approvarem a proposta do Sr. Eduardo Abreu queiram levantar-se.

Está approvada a proposta do Sr. Eduardo Abreu.

Depois de approvada esta proposta, convido os Srs. Deputados a fazerem as suas lista, de cinco nomes para a eleição da commissão.

O Sr. Eduardo Abreu: - Sr. Presidente: os nossos illustres collegas Srs. França Borges e Amado disseram que declinavam em raim os poderes para fazer a nomeação d'essa commissão, e eu declino em V. Exa. essa missão para fazer a nomeação dos cinco membros que hão de compor a commissão. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Eu agradeço a confiança com que me honram, mas devo lembrar que isso é um pouco parecido com os processos antigos.

Acho que a Camara não deve deixar de exercer o seu direito de eleger.

O Sr. Alvaro de Castro: - Invoco o artigo 84.° do Regimento.

O Sr. Presidente: - Ha tambem sobre a mesa um outro parecer da commissão de petições, que vae ser lido e entra em discussão, se a Camara está de acordo.

É o seguinte:

Parecer da commissão de petições

Srs. Deputados. - A vossa commissão de petições examinou, com o interesse e solicitude que ella disperta, a petição de trinta e cinco revolucionarios civis, dirigida á Assembleia Nacional Constituinte era 28 de junho passado, e na qual elles pedem para serem collocados, conforme as suas aptidões, nos varios estabelecimentos e Repartições do Estado.

O pedido é tão honesto e justo que por si se recommenda, pois não se trata de pensões, recompensas ou galardões, que tambem teem o seu logar, mas de pedir trabalho.

Esta commissão examinou os documentos juntos com a petição, e alem d'isto colheu informações particulares para melhormente se habilitar a dar o seu parecer.

E, tendo em vista que os peticionarios prestaram serviços, alguns relevantes, á causa da implantação da Republica; que, ordeiramente se teem apresentado solicitando trabalho; que é um principio altruista, moralizador e humanitario contribuir e concorrer para que cada um exercite a sua actividade em trabalho util, quer ao individuo, quer á colleetividade; e, finalmente, que os peticionarios ha nove meses que estão desempregados; esta commissão é de parecer e reconhece a urgencia de se dar collocação aos trinta e cinco revolucionarios civis, e recommenda instantemente, ao Governo, que os empregue nas repartições e serviços do Estado, quando e pela forma que seja possivel. = José Nunes da Mata = Anselmo Augusto da Costa Xavier = Francisco Teixeira de Queiroz = Germano Martins = Eduardo Abreu = Narciso Alves da Cunha, relator = José Bessa de Carvalho.

Foi lido e posto em discussão o parecer da commissão de petições.

O Sr. Padua Cerreia: - Pedia a V. Exa. o obsequio de mandar ler as conclusões do parecer, que não foram ouvidas.

O Sr. Presidente: - Creio que não ha nada mais singelo.

O Sr. Padua Correia: - Eu desejava, visto que o parecer acaba por uma indicação ao Governo, que algum membro d'este se manifestasse sobre o assunto.

Acho que se trata aqui de um voto platónico, d'aqui a vinte meses ou a vinte annos podem os mesmos homens estar nas mesmas circunstancias em que hoje se encontram.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Sr. Presidente: devo declarar a V. Exa. e á Camara que, independentemente da votação da proposta de lei agora em discussão, tenho procurado collocar, dentro dos limites do orçamento do Estado, todos os individuos necessitados de collocação, attendendo de preferencia os republicanos, e tenciono continuar a proceder assim, de acordo com o que neste momento fica combinado, para satisfazer a Assembleia Nacional Constituinte, porquanto isto está em desacordo com o artigo 5.° da lei dos duodecimos que ha dias aqui foi votada.

Emquanto estiver nesta cadeira de Ministro não quero ultrapassar os limites da lei, porque entendo que não devo nem posso fazê-lo, em obediencia ao artigo 5.° da referida proposta.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Como ninguem mais pede a palavra sobre o parecer da commissão de petições, vae votar-se.

O Sr. Manuel Bravo: - Esse projecto está prejudicado, porque a Camara, votando o artigo 5.°, não pode agora votar o projecto.

O Sr. Secretario (Baltasar Teixeira): - O parecer conclue por dizer: "quando e pela forma que for possivel...".

Posto á votação, foi approvado.

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SESSÃO N.° 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 23

O Sr. Barros Queiroz: - É para mandar para a mesa o parecer da commissão de finanças sobre o projecto de lei n.° 8, que se refere á proposta da mesa sobre o pessoal da camara dos Pares.

Ficou sobre a mesa.

O Sr. Presidente: - Ha sobre a mesa um parecer a respeito das greves dos ferro-viarios.

Consulto a Camara se deseja occupar-se d'este parecer.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Requeiro a urgencia da discussão d'este parecer.

Posto á votação este requerimento, foi approvado.

Vozes: - E urgente, é urgente.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

Parecer da commissão de petições

Senhores Deputados: A vossa commissão de petições estudou attentamente e com o cuidado devido as petições dirigidas a Assembleia Nacional Constituinte pela "União Ferro-Viaria", pela Associação de Classe do Pessoal dos Caminhos de Ferro Portugueses e pela Associação dos Empregados de Caminhos de Ferro Portugueses, datadas de 26 de junho d'este anno.

Referem-se aquellas petições a um incidente da greve dos ferro-viarios, incidente que teve logar na linha do sul e sueste na qual foram levantados por elles alguns trechos da mesma linha em duas ou tres estações.

D'este facto resultou serem presos alguns ferro-viarios, suspensos de exercicio outros e pronunciados ainda outros. Estão todos sem serem julgados.

A vossa commissão de petições, considerando que o levantamento da linha pelos ferro-viarios, apesar da attenuante allegada de que estes não tiveram intenção criminosa, de sacrificar vidas, ó, coratudo, um acto altamente censuravel, porque essas vidas podiam ter sido sacrificadas, embora contra vontade dos autores do levantamento e os prejuizos eram sempre certos para o Estado.

Considerando que a prisão, pronuncia o suspensão são, já em si e pela anciedade e incerteza em que esses ferro-viarios teem estado, uma advertencia sufficiente a que convem pôr termo, num alto intuito humanitario e de pacificação;

Considerando que aquellas tres corporções pedem:

1.° Que seja decretada, no mais breve prazo de tempo, uma amnistia para todos os delictos que tiveram origem na greve ferro-viario;

2.° Que todos os ferro-viarios suspensos, dependentes do Estado, sejam reintegrados nas suas anteriores categorias; e

3.° Que lhes sejam reembolsados os ordenados que, por tal motivo, teem deixado de receber, esta commissão é de parecer:

1.° Que seja decretada quanto antes a amnistia reclamada pelos ferro-viarios.

2.° Que todos os ferro-viarios suspersos, dependentes do Estado, sejam reintegrados nas suas anteriores categorias.

3.° Que os ferro-viarios não sejam reembolsados dos ordenados que deixaram de receber, por isso que o facto das suas prisões, suspensões ou pronuncias, obedeceu ao alto principio da manutenção da ordem publica na Republica, e ainda porque tal reembolso representaria a condemnação do Estado, quando elle, pelos seus orgãos, tratou de assegurar essa mesma ordem publica.

Lisboa, sala das sessões da commissão, 13 de julho de 1911. = José Nunes da Matia = Anselmo Augusto da Costa Xavier = Francisco Teixeira de Queiroz = José Bessa de Carvalho = Eduardo Abreu = Narciso Alces da Cunha = Germano Martins.

Não havendo nenhum Sr. Deputado que se inscrevesse, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se um officio do juiz da 1.ª vara do Tribunal do Commercio em que pede para ir depor como testemunha o Sr. capitão de mar e guerra Antonio Azevedo Machado Santos.

Foi concedida a autorização pedida.

O Sr. Machado Santos: - Já lá fui dez vezes.

O Sr. Presidente: - Dou conta á Camara que na mesa se recebeu um telegramma dos habitantes do concelho de Oeiras, protestando que não é exacto que naquelle concelho se jogue.

O Sr. Ministro da Guerra (Xavier Barreto): - Vou ler á Camara a resposta que o commandante de infantaria n.° 2 deu acêrca de uma informação pedida pelo Sr. Manuel Bravo, sobre o caso que se deu com os reservistas.

Essa informação é a seguinte:

Serviço da Republica - Regimento de infantaria n.°2 - Secretaria - N.° 1:653. -Lisboa, 7 de julho de 1911. - Ao Sr. Chefe do Estado Maior da 1.ª divisão militar, Lisboa. - Do commandante do regimento de infantaria n.° 2. - Em satisfação ao que me é exigido em nota confidencial n.° 195, de hontem, que V. Exa. se dignou dirigir-me, cumpre-me informar, para conhecimento de S. Exa. o general commandante da divisão, o seguinte:

Achando-me ainda no meu gabinete quando antes de hontem foram pedidas 250 praças, reservistas e praças do segundo anno, para embarcar para o norte, ás oito horas e tres quartos da tarde na estação de Santa Apolonia, dei as ordens precisas para que esta determinação fosse cumprida, conservando me no quartel até a saida das praças, sete horas e quarenta minutos.

Tendo já sido feitos os respectivos toques, desci á parada onde já se achavam as praças formadas por companhias, perguntando aos sargentos se faltava alguem, sendo-me respondido faltarem oito soldados, que pouco a pouco se foram apresentando, recommendando a todos que não se esquecessem de alguma cousa. Ordenada a força em duas fileiras constituindo dois pelotões, pediu-me o commandante da força, capitão Sarmento, licença para marchar e obtida esta deu a voz de marcha. Logo que se iniciou o movimento, irromperam de quasi todas as praças vivas, ouvindo-se "Viva a Republica" - "Viva o nosso commandante" - "Viva a Patria" - "Viva o commandante do Regimento de Infantaria n.° 2".

Aos poucos que me podiam ouvir, pois a vozearia era ensurdecedora, quando desfilaram pela minha frente, disse-lhes: "Quando chegarem á rua não façam esta gritaria, para não julgarem que são soldados insubordinados". A meio da força ia um soldado com uma bandeira com as cores nacionaes, enfiada num pau de vassoura, e não me parecendo o facto correcto, tirei-lh'o da mão sem que elle fizesse a menor resistencia, dizendo apenas: "Ah! não pode ser?" Repetindo eu o que já tinha dito, que não fizessem gritaria na rua para todos reconhecerem que eram soldados subordinados.

Este meu procedimento foi determinado pelo desejo que a força marchasse ao seu destino em boa ordem e compostura para assim se evidenciar a boa disciplina, base fundamental dos exercitos. Acceite porem por esse Quartel General o protesto que o povo de Lisboa faz pelos seus representantes, signatarios do documento que devolve, e exigida a minha informação sobre tal documento, julgo correcto e prudente pedir a minha exoneração do

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24 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

commando, o que faço no requerimento que junto envio. = Ferreira da Silva Junior, coronel de infantaria n.° 2.

Está conforme. - Quartel general da 1.ª Divisão, 9 de julho de 1911. = O Chefe de Estado Maior, João Pereira Bastos, Major.

Devo dizer que este commandante cumpre rigorosamente as determinações dos regulamentos militares.

Não é possivel consentir-se que nacionaes e estrangeiros tenham a impressão de que o nosso exercito é composto de indisciplinados.

O commandante quis apenas que as praças que não tivessem a correcção e a compostura que é necessario ter, entrassem na ordem. Por isso não posso deixar de applaudir, e muito, o procedimento d'aquelle commandante.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Padua Correia: - Sr. Presidente, o projecto já foi votado?

(Resposta affirmativa do Sr. Presidente).

Mas eu tinha pedido a palavra!

O Regimento dá ao Deputado o direito de pedir a palavra sobre o modo de propor, e isso só depois de V. Exa. ter apresentado á Assembleia o projecto ou proposta para ser votado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Na mesa não se ouviu o Sr. Deputado pedir a palavra.

O Sr. Padua Correia: - Neste caso retiro as minhas observações.

O Sr. França Borges: - Eu queria requerer que se votasse esse projecto artigo por artigo, mas como tem havido alguma confusão na sala, V. Exa. não me ouviu, de certo.

E bom que se discriminem responsabilidades.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Só V. Exa. tivesse sido ouvido na mesa, quando pediu a palavra para um requerimento, eu tinha-o attendido immediatamente.

Mas V. Exa. manda a sua declaração de voto para a mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes de. se encerrar a sessão, o Sr. Manuel Bravo.

O Sr. Manuel Bravo: - Pedi a palavra para me congratular com o resultado da syndicancia feita pelo Sr. Ministro da Guerra aos actos do commandante de infantaria n.° 2.

Tendo sido eu que deixei pendente a questão, não por espirito de desacatar a firmeza do nosso exercito, de lhe melindrar, por preconceito politico, as figuras do seu commando, mas, sim, por uma urgente o justiceira intervenção no sentido de satisfazer as exigencias da opinião publica, excitada pelas informações da imprensa, tendo sido eu que deixei pendente a questão, Sr. Presidente, foi com grande satisfação que eu ouvi a leitura do relatorio de syndicancia que o Sr. Ministro da Guerra ordenou sobre o incidente.

Aproveito a oecasião de estar no uso da palavra, Sr. Presidente, para repellir qualquer insinuação que a meu respeito e pela minha attitude, nesta Camara, alguem possa fazer.

Não falo á galeria, Sr. Presidente, nem á d'esta casa nem á que fora d'ella todos conhecemos. Oriento os meus actos por um criterio proprio, sendo-me indifferente que elle tenha muitos ou poucos a apprová-lo e a segui-lo.

Levantei aqui a questão do caso do commandante de infantaria n.° 2, porque entendi que, nesta occasião, em que a opinião publica estava alvoraçada pelos boatos e noticias da imprensa, era necessario dar uma satisfação a essa mesma opinião, pedindo explicações da attitude que se attribuiu a S. Exa. o commandante de infantaria n.° 2.

Não accusei, Sr. Presidente, o Sr. commandante de ter praticado qualquer acto menos correcto, pedi ao Sr. Ministro da Guerra que interviesse no sentido de explicar esse caso.

O Sr. Ministro apresentou hoje o resultado d'essa investigação e eu, conhecendo-o, só tenho motivo para me congratular, repito, porque o meu desejo como patriota e republicano, é que o exercito português seja forte, energico e valoroso pela disciplina, pelo seu patriotismo e pelo amor á Republica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alvaro de Castro.

O Sr. Alvaro de Castro: - Desisto da palavra visto não estar presente o Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Teixeira de Queiroz: - Ha pouco esta Assembleia nomeou uma deputação de que eu fiz parte para ir cumprimentar na sua despedida o Sr. Costa Motta, que foi, durante algum tempo, representante do Brasil neste país.

Fomos recebidos amavelmente por S. Exa. Significámos-lhe em sinceras palavras, quanto a Assembleia Nacional Constituinte se prezava com a amizade da Nação Brasileira, e quanto presava tambem o distincto cavalheiro que aqui a representou pelo modo como sempre se associou a todas as nossas alegrias e festas republicanas.

Disse S. Exa. que levava gratissimas recordações de Portugal e que faria saber ao Governo e á Nação Brasileira o voto de congratulação que lhe fizemos sentir, assim como a amabilidade que tivemos para com elle na despedida.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão á hora regimental.

A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 noras e 15 minutos da tarde.

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Bramão.

(Na ordem do dia) = Sergio de Castro.

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