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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

A inserção, por extenso, no Diario das Sessões das Camaras, dos numerosos pareceres idênticos das commissões de verificação de poderes, por exemplo, com todas as assinaturas, concluindo pela validade das eleições, e logo approvados, era inteiramente inutil.

Bastaria ficarem archivados os autographos, e fazer menção d'estes, na acta, dizendo apenas o Diario da Câmara: "Idem, em relação ao circulo de tal..."

Tratando-se de economias, questão fundamental em um regime democratico, é bom começar por abolir as despesas com impressões absolutamente desnecessarias.

Os serviços apopleticos da Imprensa Nacional custaram no tempo da monarchia uma fortuna enormissima.

Cumpre pois á Republica, para corresponder ao seu programma, ir atalhando aquelle mal com discreta prudencia.

Não havia sequer tempo para ler a Folha Official com todos os seus recheios e supplementos. E só quem dispunha de uma grande casa e fortissimas estantes podia arrumar semelhante palheirão.

Melhor fora haver junto dos tribunaes, como no Supremo Tribunal de Justiça, compilações especiaes dos seus respectivos accordãos, pelo menos nunca se repetindo na integra, mas só por extracto, arestos ou considerandos idênticos.

Acaso o Jornal Official da Republica Francesa publica os accordãos do Tribunal de Cassação, os dos Tribunaes de 2.° instancia, ou as decisões administrativas ou financeiras?

Os extractos das sessões das Camaras legislativas, assim como o Appendice e as interminaveis listas de foros, censos e pensões, poderiam supprimir-se sem inconveniente.

O mesmo pode dizer-se de uma infinidade de estatutos, escrituras e regulamentos de sociedades anonyinas, de significação e teor idênticos.

Não ha motivo algum que justifique a necessidade de os annuncios do Diario do Governo, de importancia e necessidades transitorias, serem encadernados e conservados perpetuamente. A inserirem-se na Folha Offical, como fonte de receita, é evidente que devem ter uma paginação separada, para que o infeliz assinante os possa excluir quando tenha de mandar fazer as encadernações.

A mesma paginação, inteiramente separada, e tambem em formato in-4.°, devia ter a parte do mesmo Diario que insere as leis, decretos e portarias, que formam, por bem dizer, a sua parte substantiva e mais importante.

A Collecção de Legislação, publicada officialmente, alem de custar muito caro, apparece sempre tarde e a más horas. O Diario do Governo deve para todos os effeitos suppri-la, e com vantagem, por se achar, como é justo, perfeitamente em dia.

A legomania não contribuiu pouco para infelicitar Portugal, que não era menos respeitado e feliz quando se legislava e imprimia com mais sóbria moderação.

Para se ver bem o que tem sido o Diario do Governo, tomemos, ao acaso, um anno - por exemplo, e de 1894.

Tem 3:536 paginas a tres columnas, isto é, 10:608 columnas. Cada columna tem Om,09 de largura e 0,m40 de alto. A composição typographica dava, pois, para uma pequena estrada, d'aquella largura, com a extensão de quatro kilometros.

Cada columna tem 106 linhas, e, por consequencia, só aquelle anno, mais de um milhão de linhas, visto que são 1.124:448.

Essas linhas, estendidas umas em seguida ás outras, occupariam uma extensão de 101 kilometros, ou sejam 20 leguas.

Cada linha tem 48 lettras, em media, e, portanto, o Diario do Governo teve, em 1894, cerca de 54 milhões de lettras, ou cerca de 10 milhões por cada habitante de Portugal, o que não é nada mau para um país de analfabetos, se tomarmos á letra a frase de Junqueiro, quando escreveu que ha mais luz nas vinte e cinco letras do alfabeto do que em todas as constelações do firmamento, mas o que foi péssimo para nós, dado que a maioria dos nossos legisladores mal sabia ler e escrever o alfabeto da democracia.

Quanto ao tempo preciso para ler um tal volume, calculando um minimo de 5 minutos por columna, seriam precisas 884 horas (!), não entrando n'este calculo nem os Appendices, nem os Diarios das Sessões dos pares e deputados, nem os documentos distribuidos no Parlamento, nem o volume da respectiva legislação. Numa palavra, era absolutamente impossivel, a qualquer cidadão português, ler, sequer, com reflexão, o que os governos monarchicos tão dispendiosa quão inutilmente publicavam.

Foi por este processo de esbanjamentos e inepcias systematizados, que Portugal tantas vezes se abeirou da bancarrota, levando a emigração á ameaça de o converter de todo num deserto inculto. E emquanto a Folha official for o que era - um padrão de desperdicios - nunca Portugal será um país bem administrado, porque os esbanjamentos da Imprensa Nacional eram dos que, bradando aos céus, pediam chuva... dynamitica.

Ha ainda a considerar outros lados da questão.

O Jornal official da Republica Francesa custa 7$200 por anno, 3$600 por semestre, 1$800 por trimestre e 20 réis por numero. Pouco mais ou menos o que custam Lê Journal, Le Matin e outros diarios franceses.

Pois bem. O Diario do Governo custa 18$000 réis por por anno e 10$000 réis por semestre!

Isto é simplesmente abominavel e repugnante, principalmente quando os codigos gritam, como o nosso Codigo Civil no seu artigo 9.°, que "ninguem pode eximir-se de cumprir as obrigações impostas por lei, com o pretexto de ignorancia d'esta, ou com o do seu desuso".

Se o cidadão português quando delinque, contravem ou transgride por ignorancia da lei, não pode defender-se com o argumento de que ignorava a lei, lógico e justo seria que o instrumento de publicidade das leis fosse accessivel á bolsa de todos os cidadãos, e andasse na mão de cada um, para poder regular os seus actos e evitar delictos, transgressões e contravenções.

O cidadão português não pode pagar 18.^000 réis pelo jornal onde só publica o que elle tem obrigação de saber.

De resto, não se comprehende que jornaes como O Seculo, Diario de Noticias, Mundo e A Republica, pertencendo a empresas particulares, e por vezes com muitas paginas, custem 10 réis por numero e 3$600 réis por anno, emquanto que a folha official do governo custa, cm certos dias, 100 vezes mais, e por anno o quintuplo!

Não se comprehende agora, se bem que se comprehendesse á maravilha no tempo da extincta monarchia.

É que para os estadistas e legisladores da monarchia, como para os commerciantes e companhias deshonestos e fraudulentos, "o segredo é a alma do negocio", tal qual a luz da Republica é incompativel com as trevas dos morcegos do clericalismo e do reaccionarismo.

Temos uma edição dos Lusiadas, que nos custou 300 réis, e as obras completas de Shakspeare, por exemplo, custam, em certas edições, 240 réis na Inglaterra. Ora a verdade é que nenhum dos volumes do Diario do Governo pode considerar-se uma obra prima do espirito humano - antes pelo contrario! - para que custe aquelle preço excessivo e disparatado.

Uma vez que os cidadãos teem obrigação de conhecer as leis e obedecer-lhes, o dever dos governos é fazer-lh'as conhecer, não só por meio de uma publicação accessivel a todas as bolsas, mas até, gratuitamente, por meio de editaes. Já assim se procedia nas republicas da Grecia, e, se isso não é possivel entre nós, mais de 2:000 annos depois,