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6 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Esta anomalia, que não existe senão nas leis geraes, quer dizer, n'aquellas em que é menos toleravel, não existe nos organismos e classes em que a sã doutrina que defendemos imperou e impera de ha muito tempo.

Por exemplo:

1.° Sendo obrigatorio para os christãos o cumprimento do Decálogo, não se lhes diz: "estaes obrigados a cumprir umas leis, que deveis conhecer", ainda que na realidade desconheceis, mas pelo contrario, "mostram-se-lhes as leis cujo cumprimento é obrigatorio para elles".

Ensinam-se-lhes os mandamentos da lei de Deus, com os primeiros rudimentos de instrucção christã, tanto aos que sabem ler como aos que não sabem: a toda a gente. E emquanto não conhecem estes fundamentos, e outros igualmente essenciaes, não se dão os neophitos por instruidos no essencial da doutrina.

2.° Do mesmo modo aos catholicos ensina-se, alem dos dez mandamentos, os da igreja catholica, e sem lhes ter ensinado estes, a ninguem lembra exigir o seu cumprimento.

3.° A mesma cousa acontece no exercito. As leis penaes do exercito são severas e terminantes; mas para as fazer cumprir e não permittir que a sua ignorancia escuse do seu cumprimento, começa se por "ler ao recruta a parte da Ordenança que directamente o interessa e que está obrigado a cumprir tão depressa entre nas fileiras", e continua-se a sua leitura todos os sabbados, emquanto está no serviço.

Ha aqui perfeita lógica. A lei é severa e não se pode illudir; mas constantemente se está ensinando e recordando os seus preceitos aos que são obrigados a cumpri-la. Da mesma forma, ao cabo, ao sargento e ao official "se lhes exige imprescindivelmente, antes de qualquer outro conhecimento, o das leis penaes que lhes interessam, segundo a sua gerarchia no exercito"; mas seria o maior dos absurdos o exigir responsabilidades pelo "não cumprimento das leis que estivessem obrigados a conhecer", porque se tivessem publicado de uma ou outra forma, "mas que, na realidade, desconheciam", como em geral toda a gente desconhece as leis, que a mesma lei obriga a cumprir, sem que sirva de escusa a ignorancia.

4.° De idêntico modo, na carreira ecclesiastica, alem da parte da doutrina que todo o christão ou catholico deve conhecer, ensinam-se desde o principio, constante e preferentemente, as leis ou canones da igreja, que o ecclesiastico estará um dia obrigado a cumprir.

E escolho os anteriores exemplos do exercito e da igreja, porque estas duas organizações sociaes são as mais perfeitas para seus fins, e dignas de imitação entre as existentes; mas se descermos ás classes e organismos especiaes, encontramo-nos sempre com a mesma pratica de fazer conhecer a cada qual as leis que está obrigado a cumprir, excepto, precisamente, aquellas que são objecto da lei geral.

5.° Ao senador e ao deputado é fornecido, logo que como taes são proclamados, um livro contendo as leis e regulamentos que lhes interessem.

6.° Ao advogado que entra na sua Ordem ou Associação entrega-se-lhe immediatamente um pequeno manual com os estatutos e extractos de leis e regulamentos que pessoalmente lhe interessa conhecer para o exercicio da sua profissão.

7.° A quem entra numa sociedade particular fornece-se-lhe immediatamente o regulamento da mesma.

8.° A quem faz uma operação num Banco diz-se á margem do documento da operação os artigos do regulamento que se referem a esse negocio, ou copiam-se na integra;

9.° Igual precaução se observa nos contratos de inquilinato, e ás vezes nos recibos de aluguer;

10.° O recibo do registo de uma carta contem á margem os artigos da lei que interessam ao que a entrega;

11.° Numa apolice de seguro observam-se as mesmas condições;

12.° A concessão de uma mina faz-se citando os artigos da lei e do regulamento que o concessionario deve conhecer.

E assim em muitos outros casos. Mas declarar obrigatorio o cumprimento de uma lei, que provavelmente, ou melhor seguramente, não é conhecida de quem deve cumpri-la, é o mais original que se ponde, inventar!

Ha certas leis, entre as penaes, que, sem necessidade de instrucção especial, toda a gente conhece e sabe que deve respeitar.

Por exemplo: melhor ou peor, toda a gente sabe o que é matar, ferir, roubar, furtar ou espancar, sob formas diversas, e toda a gente sabe que estas acções estão prohibidas e punidas pela lei.

Mas quantas leis geraes dos Codigos Civil e Penal, que são obrigatorias, chegam ao conhecimento d'aquelles a quem interessam, a tempo e opportunamente?

Todos são filhos. E, todavia, quantos conhecem os deveres e os direitos que incumbem aos filhos com respeito aos pães? A maioridade chega a todos que não morrem prematuramente. E, todavia, quantos conhecem os direitos e deveres que traz consigo a maioridade?

Muitas pessoas se casam. E, comtudo, quantos, dos que contraem matrimonio, conhecem os deveres e os direitos dos cônjuges entre si, as prescrições legaes sobre os bens no matrimonio, e os deveres e os direitos dos pães com respeito aos filhos?

Toda a gente compra e vende; mas quantos dos que compram e vendem conhecem os preceitos legaes sobre as compras e vendas?

Como é possivel que marche, medianamente ao menos, uma sociedade em que, dizendo se civilizada, occorrem taes anomalias?

A este respeito estão mais dentro da lógica as sociedades selvagens, porque, se bem que as suas leis são arbitrarias, rudes, crueis e absurdas, por sua propria simplicidade, e por ser a arbitrariedade e a força bruta a sua propria essencia, toda a gente sabe como proceder. As leis, em tal caso, são poucas e más, mas são do dominio publico.

Objectar-nos-ha que pretendemos que toda a gente seja letrada, e, afinal, nada d'isso pretendemos. De que cada qual conheça ou tenha motivo directo e pessoal para conhecer as leis que lhe interessam, a que conheça todas as leis geraes, a que as conheça por principios, a que tenha talento e illustração para discernir em casos difficeis, duvidosos e complicados, e a que esteja em condições de prever as contingencias das suas acções ante a lei, e de estudar ou redigir um contrato, um regulamento ou entabolar uma reclamação, ou redigir um pleito, ha uma differença enorme. Para chegar ao resultado a que devemos aspirar, poderia adoptar-se como costume, que fizesse parte da educação da infancia, o conhecimento dos deveres e direitos legaes dos menores, e que até o fim da adolescencia se aprendessem os principaes preceitos do direito de familia e dos que passara da menor á maioridade assim como algumas noções do direito de propriedade e do Codigo Penal.

Mas, independentemente d'isto, seria conveniente pôr cada qual, pelo exercicio da lei, em condições de conhecer as disposições que lhe interessam, obrigando cada individuo a munir-se de uma cartilha especial para cada classe ou estado social, e citando-lhe, concretamente, ao entrar numa nova relação de direito, ou ao ser chamado a um tribunal, as leis e artigos d'aquella que está obrigado a conhecer.

Uma ultima observação, para terminar este assunto: para que consignar no Codigo Civil que a ignorancia das leis não escusa ao seu cumprimento, e não consignar isto