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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO

DA

ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

22.A SESSÃO

EM 17 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Antes da ordem do dia. - Chamada e abertura da sessão. - Leitura da acta e do expediente. - Tem segunda leitura, e não é admittido, o projecto do Sr. Deputado Miguel de Abreu, extinguindo a Universidade de Coimbra. - O Sr. Presidente nomeia a commissão que ha de examinar os documentos a que se refere a proposta do Sr. Deputado Eduardo Abreu, apresentada numa das sessões anteriores. - O Sr. Deputado Lopes da Silva refere-se á carestia do azeite e manda para a mesa um projecto de lei sobre este assunto. - A Assembleia não reconhece a urgencia de tres assuntos que o Sr. Deputado Fernão Botto Machado queria tratar. - Prosegue a discussão do projecto de lei n.º 7. Usam da palavra o Sr. Deputado Alvaro de Castro e o Sr. Deputado França Borges, que apresenta uma moção de ordem. - Resolve-se que haja uma sessão nocturna para a continuação d'este debate. - O Sr. Deputado Achilles Gonçalves refere-se á difficuldade que teem alguns commerciantes em que o Banco de Portugal lhes faça descontos de letras. Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (José Relvas). - O Sr. Deputado Fernão Botto Machado annuncia tres interpellações aos Srs. Ministros da Justiça e do Interior. - Os Srs. Deputados Paiva Gomes, Carvalho Araujo, Casimiro Rodrigues, Baltasar Teixeira, Ezequiel de Campos, Silva Ramos e Herculano Xavier, requerem documentos.

Na ordem do dia. - Prosegue a discussão do projecto de lei n.° 3 (Constituição), usando da palavra os Srs. Deputados Carlos Olavo, Antonio Maria da Silva, Jacinto Nunes, Celestino de Almeida e Julio de Freitas, que manda para a mesa diversas emendas e um additamento - O Sr. Deputado Manuel de Arriaga, manda para a mesa o parecer n.° 9 (ultima redacção) acêrca dos empregados e operarios ferro-viarios e o Sr. Deputado Abilio Barreto requer que, sem prejuizo dos oradores inscritos se julgue o projecto da Constituição sufficientemente discutido na generalidade, o que é approvado. - Antes de se encerrar a sessão o Sr. Deputado José Cordeiro Junior manda para a mesa o officio de um official da Guarda Republicana dispensando a pensão annual estabelecida num projecto apresentado á Assembleia. - O Sr. Deputado Innocencio Camacho, faz varias considerações e esclarece como governador do Banco de Portugal a sua funcção junto d'aquelle estabelecimento de credito. - O Sr. Fiel Stockler trata da transferencia de forças militares no Algarve, responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto) e o Sr. Gastão Rodrigues refere-se á execução do regulamento da contribuição industrial, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Finanças. - O Sr. Deputado Casimiro José Rodrigues, tendo duvidas acêrca da votação da sessão nocturna, é consultada a Camara que ractifica a approvação. - Seguidamente é encerrada a sessão.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão. - Ás 2 horas e 20 minutos da tarde.

Presentes - 162 Srs. Deputados.

São os seguintes Srs.: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Alberto Carlos da Silveira, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alvaro Nunes Ribeiro, Alvaro Xavier de Castro, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio de Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosettet Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de SOUSA da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Pe-res Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Thomé José de barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henriques Godinho e Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre Braga, Anibal de Sousa Dias, Antonio Ribeiro Seixas, Germano Lopes Martins, Joaquim Theophilo Braga, José Maria Cardoso, José Perdigão e Luis Fortunato da Fonseca.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Affonso Augusto da Costa, Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio José de Almeida, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Padua Correia, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Bernardino Luis Machado Guimarães, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Maria Pereira, Carlos Richter, Domingos Leite Pereira, Ernesto Carneiro Franco, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Cruz, Francisco José Pereira, Francisco Xavier Esteves, Henrique José Caldeira Queiroz, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, José Augusto Simas Machado, José Montês, José Pereira da Costa Basto, José Tristão Paes de Figueiredo, Julio do Patrocinio Martins, Leão Magno Azedo, Manuel Alegre, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José de Oliveira, Miguel Augusto Alves Ferreira, Ramiro Guedes, Sebastião de Magalhães Lima, Severiano José da Silva e Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 22 DE 17 DE JULHO DE 1911 3

O Governo estava representado pelo Sr. Ministro do Fomento. Entraram durante a sessão os Srs. Ministros da Guerra, Marinha e Finanças.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Procedeu-se á leitura do expediente:

Officio da Gran Logia Simbolica Regional Catalana-Balear, felicitando a Assembleia Nacional Constituinte pela proclamação da Republica Portuguesa e fazendo ardentes votos pela prosperidade da Nação, que soube constituir-se sobre as excellentes bases em que assenta a augusta instituição maçónica.

O Sr. Presidente: - Creio interpretar os sentimentos da Assembleia, agradecendo á Gran Logia Simbolica Regional Catalana-Balear as suas felicitações pela proclamação da Republica. (Apoiados geraes).

Officio do Sr. Deputado Antonio de Paiva Gomes, communicando que o Sr. Deputado Victor de Macedo Pinto mais uma vez foi obrigado a ausentar se por mau estado da saude de seu velho pae, esperando que lhe sejam relevadas as suas faltas.

O Sr. Presidente: - A Assembleia decerto quer relevar as faltas do Sr. Deputado Macedo Pinto, que teve de se ausentar pelo motivo exposto na communicação que foi lida. (Apoiados geraes).

Officio do Ministerio do Interior, remettendo copia do officio do governador civil do districto de Viseu, no qual declara que os processos de syndicancia ás camaras municipaes dos concelhos de S. Pedro do Sul e Resende se acham affectos aos delegados do procurador da Republica nas respectivas comarcas, para promoverem como for de direito. Responde ao requerimento do Sr. Deputado França Borges.

Para a Secretaria.

Do Ministerio do Interior, communicando, em resposta ao requerimento do Sr. Deputado Alfredo Balduino de Seabra Junior, que por aquella secretaria não pode ser fornecida a relação de automóveis pelo mesmo senhor solicitada, por não ser assunto da sua competencia.

Para a Secretaria.

Da Direcção Geral dos Negocios de Justiça, remettendo copia de documentos relativos ao juiz de direito da comarca de S. Vicente, da Ilha da Madeira, Antonio Maria Seves de Oliveira. Satisfaz em parte ao requerimento do Sr. Deputado Carlos Olavo.

Para a Secretaria.

Do Ministerio da Marinha e Colónias, communicando que os documentos pedidos pelo Sr. Deputado Adriano Mendes de Vasconcellos, relativamente á denuncia feita aos poderes publicos sobre terrenos pertencentes ao Estado e indevidamente na posse de particulares, foram enviados ao governador da provincia de S. Thomé, a fim de que o Ministerio Publico proceda em harmonia com as leis.

Para a Secretaria.

Da Commissão Municipal de Almada, remettendo copia da proposta que na sua sessão de 12 do corrente foi approvada acêrca da questão corticeira.

Para a Secretaria.

Do conselho, fiscal da Caixa Escolar de Penha Longa, congratulando se pela inauguração da Assembleia Nacional Constituinte, a qual sauda.

Para a Secretaria.

Do Sr. Isaac Isidoro da Silva Antunes, prior das Alcobertas, communicando que a sua rejeição da pensão não significa hostilidade á Republica, mas sim o não reconhecimento da chamada lei de separação, porque os cidadãos portugueses que são padres são catholicos; como portugueses não podem alienar a sua liberdade e como catholicos não podem atraiçoar a sua consciencia.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado José Perdigão, justificando as suas faltas ás sessões de 12, 13 e 14 do corrente, por motivo de doença.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Trancoso. - Exmo. Presidente Constituintes, Lisboa. - Camara Municipal concelho Trancoso pede cooperação e auxilio V. Exa. para rapida discussão da urgencia caminho ferro desde Regua a Villa Franca das Naves. - Presidente, Jeronimo de Sousa.

Para a Secretaria.

S. Thomé. - Presidente Assembleia Nacional. - Jornal Voz S. Thomé censura previa applicada Governador, ameaças suppressão, manejos eleitoraes, pede providencias.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - No Diario do Governo de sabbado veio publicado um projecto de lei que o Sr. Deputado Miguel Abreu apresentou.

Vae ser lido na mesa.

Projecto de lei

A Assembleia Nacional Constituinte decreta e promulga a seguinte lei:

Artigo 1.° Fica para sempre extincta a Universidade de Coimbra.

Art. 2.° É autorizado o Governo a regularizar a situação dos actuaes estudantes, professores e empregados da Universidade de Coimbra.

Art. 3.° E constituida uma commissão formada de dois vereadores do municipio de Coimbra, por escolha d'este, dois representantes da associação de classe, por escolha d'esta, dois Deputados do circulo de Coimbra, por escolha d'estes, e mais cinco cidadãos, por escolha d'esta Assembleia, a fim de estudar a maneira pratica e rapida de compensar a cidade de Coimbra dos prejuizos que lhe pode acarretar a extincção da Universidade.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 14 de julho de 1911. = O Deputado, Miguel Abreu.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados, que admittem este projecto de lei, tenham a bondade de se levantar.

Não foi admittido.

O Sr. Presidente: - Tenho a communicar que em virtude de resolução da Assembleia, para o effeito de examinar os papeis a que se refere a proposta do Sr. Deputado Eduardo Abreu, nomeei uma commissão composta dos Srs. Deputados: Germano Martins, Celestino de Almeida, Teixeira de Queiroz, Sebastião Peres Rodrigues e Eduardo Abreu.

(Pausa).

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Vae fazer-se a inscrição para antes da ordem do dia.

Muitos Srs. Deputados pedem et palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes da Silva pediu a palavra para um negocio urgente, que é relativo á carestia do azeite. Os Srs. Deputados que approvam a urgencia queiram levantar-se.

(Pausa).

Está rejeitada.

Algumas vozes: - Não está rejeitada.

O Sr. Presidente: - Lembro aos Srs. Deputados que é conveniente não abusarem dos pedidos de urgencia. A Assembleia tem de occupar-se de assuntos importantissimos que devera merecer-nos a maior attenção e solicitude (Apoiados).

Tambem quero lembrar á Assembleia que não esteja mós a infringir o Regimento que ha pouco organizámos discutimos e approvámos e que nenhum motivo nos aconselha a repellir.

Tenhamos principalmente em mim o bem da Patria (Apoiados).

O Sr. Lopes da Silva: - Requeiro a contraprova.

Procede-se á contraprova e foi concedida a urgencia.

O Sr. Lopes da Silva: - Em novembro do anno passado foi suscitada a questão da carestia do azeite pela Associação dos Vendedores de Viveres a Retalho, que apresentou uma representação ao Governo.

Levantou-se em seguida na imprensa uma campanha constante contra o excessivo preço do azeite e ao Governo chegaram varias representações, pedindo a sua attenção sobre o assunto, entre ellas uma da Associação Commercial de Lisboa, para se proceder a um inquerito sobre a quantidade de azeite existente no país, porque se allegava que em Portugal não havia azeite sufficiente para o consumo, visto ter sido escassa a colheita.

Ora a colheita não foi escassa; o preço do azeite subiu, segundo ouvi a varios lavradores, porque a apanha da azeitona se havia tornado mais dispendiosa.

Mas na minha opinião o que ha nesta questão é a ganancia de certos commerciantes, que querem enriquecer e que açambarcaram o azeite para o venderem em occasião opportuna pelo preço que mais lhes convier.

Pergunto ao Governo se mandou proceder ao inquerito a que alludi, se sabe a quantidade de azeite que existe no país, e se essa quantidade de azeite é sufficiente.

Entendo que a questão se deve resolver de pronto, porque podemos ter azeite estrangeiro posto no país a 200 réis para se vender a 300 réis.

No intuito de acabar com a especulação que se está fazendo, mando para a mesa um projecto de lei autorizando o Governo a permittir a entrada de azeite de oliveira estrangeiro, era quantidade sufficiente para as necessidades do mercado nacional, sem pagamento de direitos, desde a data do respectivo decreto até 15 de outubro do corrente anno.

O Sr. José Cordeiro: - V. Exa. é quem está a encarecer o azeite com as suas palavras.

O Orador: - Felicito-o por essa orientação...

O Sr. José Cordeiro: - Muito obrigado.

O Orador: - Mando a V. Exa., Sr. Presidente, o meu projecto de lei.

O Sr. Presidente: - O projecto de V. Exa. será publicado no Diario do Governo. O Sr. Deputado Fernão Botto Machado pediu a palavra para tratar de negocios urgentes.

Os assuntos indicados por S. Exa., são três: acêrca de estarem presos em Évora nove individuos ha trinta dias; acêrca de estar presa na cadeia da Relação do Porto uma criança, que foi condemnada a um mês de prisão e já ali está ha tres annos; e acêrca de um desastre acontecido hontem na Praça do Campo Pequeno.

Os Srs. Deputados, que approvam a urgencia, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vamos proseguir na discussão do projecto de lei n.° 7.

Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Alvaro de Castro.

O Sr. Alvaro de Castro: - Continuando nas minhas considerações sobre o projecto em discussão, direi que, sendo esta Camara composta de elementos essencialmente republicanos, e todos cheios da mesma fé, é absolutamente desnecessario estar a mostrar o estado do país, querer esclarecê-la sobre as circunstancias actuaes para mostrar a necessidade e a conveniencia da approvação do projecto. Abstenho-me, por isso, de fazer largas considerações.

Quanto á accusação de que este projecto é uma lei de excepção, em algumas palavras mostrarei que assim não é. De tres partes se compõe o projecto: julgamento dos individuos que praticaram os crimes a que se referem os artigos 1.° a 5.° do decreto de 28 de dezembro de 1910 e artigo 48.° do decreto de 20 de abril de 1911; julgamento dos individuos que depois de terem praticado esses crimes foram para o estrangeiro ou no estrangeiro os continuam praticando; tornar livre a entrada em Portugal dos que, não tendo responsabilidades graves por falta do comprehensão da situação em que se encontram, queiram voltar ao país.

Quanto à esta ultima parte, pouco importa que se adopte o prazo indicado no projecto ou outro qualquer; o que é indispensavel é ver se o principio é bom.

Para se chamar a este projecto uma lei de excepção, falou-se na lei de João Franco. Eu teria nojo de pegar nesse decreto para o comparar com o projecto em discussão, mas desde que um Deputado republicano se referiu a elle vejo-me forçado a fazer a Comparação.

No projecto que se discute não se alterou a forma do processo; deixou-se aos tribunaes a livre iniciativa para procederem: condemnar ou absolver.

A disposição do artigo 9.°, que foi a que mais directamente foi impugnada, e que permitte a entrada livre no país áquelles que se sujeitarem ás declarações expressas no § 1.° e dá ao Conselho de Ministros a faculdade de acceitar ou não essa declaração, não estabelece nenhum principio novo, pois materia semelhante se encontra no artigo 62.° do Codigo Penal.

Mas se este principio já se encontra expresso no artigo citado do Codigo Penal, o que se encontra no decreto dictorial de João Franco é cousa muito differente. Nesse decreto o que se dispunha é que, sempre que isso conviesse aos interesses do Estado, os individuos seriam expulsos do reino, e se a elle voltassem seriam mandados ara as provincias ultramarinas. Onde ha aqui termo de comparação?

O unico artigo do projecto que pode levantar reparos é o artigo 3.°, que estabelece que o processo de investigação administrativa ou policial valerá como corpo de delicto, mas para attenuar isso poderão ser reperguntadas e acareadas as testemunhas e proceder-se a quaesquer exames. Mas, ainda mais, a commissão está disposta a

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dar a assistencia desde que comece o juiz criminal a investigar.

Disse-se, com perfeita má fé, que pelo projecto não havia pronuncia. Não é assim; está até bem claro. O projecto do que trata apenas é de abreviar os prazos, mas sem coarctar a defesa.

Um Ministro, já depois de estar esta Assembleia funccionando, demittiu dois empregados, o que legalmente não podia fazer. Para que tal não succeda é que se inseriu no projecto o artigo 24.°, que estabelece, não a pena de demissão, mas a de suspensão emquanto não for julgado.

Acerca da parte referente a ausentes e homisiados nada se disse e, portanto, eu tambem nada tenho a dizer, mesmo porque o que se encontra no projecto não é mais do que o que está na lei de 1847, adaptada a actualidade, porque estava um pouco antiquada.

Direi agora que o Governo liberalissimo de 1837, o mais liberal que houve em Portugal, publicou, entre outros, um decreto autorizando o Governo a mandar prender sem culpa formada, nos districtos do Alemtejo e do Algarve.

Tem-se dito nesta Assembleia que a Republica está consolidada, mas tambem a França, em 1900, tinha a Republica bem consolidada, e comtudo Waldeck-Rousseau, de acordo com o general André, reconheceu que a França seria dentro de pouco tempo uma monarchia se não se adoptassem todos os meios de defesa. Então o general André disse que era necessario fazer uma perseguição feroz contra todos os officiaes e funccionarios que não se declarassem abertamente pela Republica. O general André propôs a Waldeck-Rousseau o uso das fichas, que, como todos sabem, é o processo da delação. Waldeck-Rousseau hesitou, mas terminou por concordar, e exerceu-se então uma luta formidavel contra a reacção, acabando por triunfar a Republica.

Porque se disse que este projecto é uma lei de excepção, muitos trepidam em apprová-lo, mas os que assim procedem é porque não teem a verdadeira fé republicana. Já Waldeck-Rousseau dizia que uma segurança aftectada é uma defecção que ameaça.

Os que não se sentirem com forças para arcar com esta obra é melhor que se retirem. Eu, votando o projecto, fico com a consciencia de ter cumprido o meu dever.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. França Borges: - Sr. Presidente, leio e envio para a mesa a minha moção:

"A Assembleia Nacional Constituinte, reconhecendo que uma mudança de instituições, imposta pela revolução, reclama necessaria e naturalmente occasionaes medidas de defesa, passa á ordem do dia.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, 14 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio Franca Borges".

Um projecto d'esta natureza está naturalmente indicado para ser discutido mais em especial pelos homens de foro, mas, tratando-se tambem da defesa da Republica, permita-se que possa expor o seu parecer um modesto cidadão que longos annos militou na vida activa do partido, vivendo com o povo de Lisboa, conhecendo as suas aspirações e integrando-as. A minha opinião está infelizmente em desacordo com uma grande parte d'esta Assembleia, talvez com toda ella, mas, como estamos felizmente num Parlamento democratico, todos podemos dizer o que sentimos, para que os que laboram em erro possam ser esclarecidos e para os que estão senhores da verdade possam ensiná-la.

Para julgar este projecto, permitiam que eu recorde ligeiramente as condições excepcionaes em que viveu, durante annos, o povo português.

Nem na tradicional nação da tyrania, nem na autocratica Russia, se exerceram, em épocas de paz, sem motivo nem protesto, actos de despotismo e oppressão como os que praticou em Portugal, nos ultimos annos, a monarchia.

O governo do rei, longe de governar com o povo, não só governava contra elle como o odiava. E assim, em seu nome e por sua ordem, se praticaram actos de violencia e cobardia como os que celebrizaram as datas de 4 de maio, 18 de junho e 5 de abril, em Lisboa, e o 1.° de dezembro, no Porto.

O povo saudava affectuosamente um homem da respeitabilidade do Sr. Dr. Bernardino Machado? Era acutilado.

O povo queria manifestar-se legal e pacificamente contra a ditadura, numa affirmação platonica, dando ante o ditador vivas á Liberdade? A municipal caia sobre elle. O povo de Lisboa manifesta vá-se nas eleições contra todos os partidos monarchicos reunidos? Matavam-se eleitores.

O povo do Porto acclamava os Deputados expulsos do Parlamento? Assassinava-se um operario, porque elle acclamava a Liberdade. (Apoiados).

Esse povo esmagado, esse povo odiado, acompanhando os militares de terra e mar que tomaram a heróica iniciativa de se bater pela Republica, fez a revolução num rasgo epico de valentia e de abnegação: entrou nos quarteis, bateu-se na Rotunda, bateu-se em Alcantara, e envolveu as chamadas tropas fieis numa irresistivel atmosphera de suggestão.

Pois que fez a revolução triunfante? Que fez o povo que tornou victoriosa essa revolução? Cantou hymnos de paz e de amor. Nem uma palavra, nem um gesto de odio (Apoiados), O povo odiado de morte pelos vencidos estendeu-lhes fraternalmente ás mãos.

O povo levou a sua grandeza até offerecer esse inverosimil espectaculo, objecto da estupefacção de todos os estrangeiros que o presencearam; foram maltrapilhos, foram esfomeados que, de arma ao hombro, na hora de panico, guardaram os estabelecimentos bancarios, tantos d'elles de seus inimigos declarados! (Apoiados).

Como se respondeu a esta nobillissima generosidade da revolução?

Como se respondeu a esta evangélica bondade do povo revolucionario?

Com a contra-revolução? Não.

A contra-revolução, não sendo legitima, porque não ha o direito de pensar em resuscitar a monarchia dos adeantamentos, a contra revolução era uma temeridade que, como tal, podia ser perdoada.

Os inimigos irreconciliaveis da Republica não teem pensado, nem pensam numa contra revolução, que, repito, tinha o merito de ser uma temeridade.

Os inimigos irreconciliaveis da Republica teem pensado e pensam, teem desejado e desejam, responder com o crime ao perdão, á generosidade com a atrocidade.

As provas d'esta affirmação são muitas, e eu não quero cansar a attenção da Assembleia com uma documentação larga.

Mas não desisto de apresentar alguns depoimentos frisantes.

O jornal que é orgão do meu illustre collega na imprensa, o Sr. Ministro do Interior, publicou o seguinte, que uma collectividade republicana de Coimbra entendeu dever reproduzir em manifesto:

"De varias narrativas e depoimentos de conspiradores se conclue o seguinte:

Os de Coimbra, por exemplo, confessaram que o plano era o massacre dos militares e paisanos em evidencia na defesa da Republica; a um da Ponte da Barca, ao Dr. Sotto Maior, foi-lhe apanhada uma carta em que se lhe recommenda que não haja contemplações, não deixando com vida "um só d'esses bandidos".

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O fuzilamento, o massacre no fundo das prisões, o povo arcabuzado nas ruas, o despejar das descargas sobre todo aquelle que tenha o ideal de querer a Patria redimida é o plano dos conspiradores sem duvida nenhuma.

És republicano? um tiro nos miolos!

Queres o teu país dignificado e limpo? avance o pelotão dos fuzilamentos..."

O mesmo jornal do Sr. Ministro do Interior dizia em 9 d'este mês:

"Para arredar difficuldades e resolver todos os embaraços os ousados conspiradores só tinham uma solução: matar.

Mortos seriam todos os republicanos que se deixassem cair em garras de monarchicos, assassinados seriam todos os que contribuiram para a queda do regime de latrocinios dos Braganças, e, portanto, para a implantação das instituições republicanas.

Não era, pois, uma contra-revolução que os coiceiros planeavam.

Era uma matança grande, uma matança geral, de que não escaparia quem não fosse magarefe e não collaborasse no exterminio..."

Em Guimarães, das poucas terras onde o franquismo tinha fundas raizes, realizou se ha pouco tempo uma procissão acêrca da qual um jornal local, A Velha Guarda, disse o que passo a ler e que bem merece ser ouvido pelo país inteiro:

"A manifestação não se reduziu a uma mera parada de forças com vivas á immaculada e ao papa. Foi muito alem

Houve pontos e occasiões em que os morras á Republica e a Affonso Costa eram estridentes, furiosos.

Na Rua de Camões os vivas á monarchia, as vociferações odientas contra a Republica e contra o grande português Affonso Costa tocaram as raias do delirio e individuos houve que, do meio da multidão, ao mesmo tempo que gritavam desesperadamente, furiosamente: abaixo a Republica, morra Affonso Costa! erguiam os punhos cerrados contra republicanos que, impassiveis, assistiam a tão deprimente espectaculo.

Havia, incontestavelmente, o proposito inegavel de provocar tumultos que seriam extraordinariamente graves, se, ainda d'esta vez, não houvesse tanta serenidade da parte dos republicanos e autoridades d'este concelho.

Mais ainda. No Brasil publica se uma especie de jornal, orgão dos jesuitas, que, segundo as minhas informações, tem como seu actual redactor o ex-conego Sena Freitas. Esse jornal, que enche dos maiores improperios os representantes e os amigos da Republica Portuguesa, tendo, seguramente, previa informação de que a pseudo contra-revolução havia de surgir um certo dia, annunciou que ella estava effectivamente na rua. E escreveu então o que passo a ler e que tambem me parece um expressivo depoimento:

"Da maxima importancia são as noticias hontem chegadas em telegrammas, a respeito dos acontecimentos em Portugal. Para nós não nos restam duvidas: a contra-revolução está na rua. O chefe do movimento é Aires de Ornellas, o organizador de tudo, sendo executor dos planos o intrépido Paiva Couceiro. Informações que desde muito nos teem chegado habilitam-nos a affirmar que, desde o mês passado, todos os preparativos estavam terminados. Apesar da cuidadosa fiscalização e espionagem dos sordidos e negregados carbonarios, o contrabando de armas tem sido collossal, e muitas dezenas de milhares de carabinas, com a respectiva munição, entraram em Portugal e estavam cuidadosamente distribuidos pelo país, principalmente em todo o norte. A contra-revolução não foi organizada em territorio espanhol, como geralmente se pensa. Lá só estavam realmente os chefes e organizadores, que precisavam de tranquilidade para amadurecerem o plano. Tudo mais foi feito em territorio português, e entre gente que nunca de Portugal saiu. Os batalhões envolvidos neste movimento são muitos e das diversas armas. O impulso decisivo foi dado pelos dragões de Chaves, aos quaes por diversas vezes nos temos referido. Foram elles que, alliados ao povo, tomaram a villa com o respectivo quartel de infantaria, a serem veridicas as noticias desencontradas que nos chegam. O movimento conta com elementos importantissimos e, queremos crer, sairá vencedor. Não temos, porem, duvidas em acreditar que haverá muitissimo sangue derramado. Se a victoria couber ás armas reaes, será immediatamente proclamada como nova capital do reino a cidade do Porto, seguindo-se um governo militar, que durará pelo tempo necessario, para correcção exemplar dos criminosos (!!!). É muito provavel que nessa vindicta, tenha parte muito saliente o infante D. Affonso, tio do rei D. Manuel. Esperemos, porem, com calma, o desenrolar d s acontecimentos que, estamos certos, virão mais uma vez provar que:

- Deus, quando tarda, vem no caminho".

Que quer isto dizer, Sr. Presidente? Quer dizer que ha o perigo de uma contra-revolução, que a Republica tem a sua vida ameaçada? Não, Sr. Presidente. Para que a monarchia dos adeantamentos se restaurasse em Portugal, seria necessario primeiro que todo o povo português fosse massacrado. O que quer dizer, Sr. Presidente, é que alguns dos vencidos, tão misericordiosamente tratados pelos vencedores, se affirmam como criminosos da peor especie (Apoiados), e que vivem a sonhar preoccupada e permanentemente em massacres e em matanças, levando a a sua inconcebivel torpeza ao ponto de comprarem estrangeiros para os acompanharem nas suas tenebrosas tentativas.

Eu pergunto, Sr. Presidente, se existindo, averiguadamente, tal especie de gente, a Republica não deve tomar, é claro que occasional e accidentalmente, especiaes providencias de defesa. (Apoiados). Entendo que sim, Sr. Presidente; e entendo que o projecto não corresponde inteiramente á momentanea necessidade que reclama a existencia de uma tal especie de degenerados. Eis porque, Sr. Presidente, eu voto o projecto, mas acho pouco. Penso que a Republica, que foi grande em ser boa e em ser generosa, tem que ser hoje absolutamente implacavel contra aquelles que querem responder ao perdão com o crime. Entendo que só deve haver benevolencia para os vencidos que souberam collocar-se no seu logar. (Apoiados).

Não quero que, em quaesquer circunstancias, a Republica leve a sua defesa aos extremos a que foi a monarchia. Já aqui se falou, ainda hoje, no decreto de 31 de janeiro de 1908. Que differença, Sr. Presidente! Pelo decreto de 31 de janeiro a monarchia não mandava julgar os adversarios pelo jury, nem sequer pelos juizes communs. Os juizes eram juizes policiaes, tres esbirrros por ella escolhidos. Eu quero como está no projecto e como está nos decretos do Governo Provisorio, que seja o jury que julgue. Esta garantia basta para provar que a Republica quer, para todos, justiça independente, justiça imparcial, justiça serena, justiça do povo. (Apoiados).

Mas eu queria que não houvesse, como ha, juizes reconhecida e confessadamente monarchicos e, portanto, suspeitos para julgarem inimigos da Republica. Eu queria que, em todos os concelhos da país, a Republica tivesse funccionarios de absoluta confiança, por mais obscuros, por mais modestos que elles fossem. Eu queria que se tomassem providencias para que se não repetisse o que tanta vez tem succedido: teem sido mandados em paz como innocentes, muitos individuos que depois, averiguadamente, se reconhece que eram de facto conspiradores. O triste

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caso do ex-conde de Penella que, depois de restituido á liberdade, foi conspirar para Espanha, não é unico. Sabem, em razão dos cargos officiaes que occupam, alguns membros d'esta Assembleia que muitos dos que hoje estão em Espanha foram a seu tempo indicados como conspiradores, não chegando a ser presos, e que outros foram presos mas mandados em paz. Para estes e outros males eu queria remedio, com uma repressão humana e prudente, mas seria e activa. Quem, Sr. Presidente, um remedio quanto possivel radical para um mal que, sem poder estrangular nos, nos incommoda; queria que, ao menos, o medo contivesse uma escoria que envergonha a sociedade portuguesa, já que a não teem detido nem podem deter a vergonha e a gratidão pela generosidade dos vencedores.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Observarei á Assembleia que faltam apenas dez minutos para se entrar na ordem do dia e que sobre o projecto estão ainda inscritos alguns Srs. Deputados.

O Sr. Eusebio Leão: - Julgo que este projecto é da maior importancia e que deve ser discutido quanto antes. Eu pediria a V. Exa. que marcasse uma sessão nocturna especial.

O Sr. Alvaro de Castro: - Este projecto já tem requerida a urgencia; parece-me que deve ser discutido a seguir.

O Sr. Eusebio Leão: - V. Exa. sempre marca uma sessão nocturna?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor, vou marcá-la no final da sessão.

O Sr. Achilles Gonçalves: - Peço ao Sr. Ministro das Finanças a sua intervenção sobre a forma por vezes irregular com que o Banco de Portugal procede ao dês conto do papel que lhe é apresentado pelos commerciantes.

Por vezes, não usa o conselho de administração d'esse Banco do criterio de igualdade e justiça para aquelles commerciantes que, pelo seu bom nome, pela sua cotação na praça e pelas razões que devem orientar um banco na distribuição do credito pelos seus clientes, merecem o indiscutivel auxilio financeiro d'esse Banco.

Isto colloca os que teem iniciativa, condições de trabalho, honestidade e outras qualidades, que são a alma do progresso commercial, na situação amargurada de não poderem expandir a sua actividade, porque receiam a hostilidade do Banco.

O facto é extremamente grave, porque a expansão commercial de que um país carece absolutamente para fomentar a sua riqueza, assenta principalmente no credito, e portanto esse credito deve ser equitativamente distribuido, sem favoritismos nem compadrios que podem desmoralizar e entorpecer o desenvolvimento do commercio, com grave prejuizo para a economia nacional.

Peço, pois, a intervenção do Sr. Ministro das Finanças neste assunto.

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - S Exa. e todos aquelles que se occupam d'estes assuntos não ignoram que é muito especial a situação das nossas finanças.

Eu entendo que não devemos nem podemos entrar num caminho de aventuras.

As condições da circulação fiduciaria de modo nenhum satisfazem as necessidades do commercio, da industria e da agricultura, que tem, como é geralmente sabido, um desenvolvimento progressivo em Portugal, e, se nós não tomarmos providencias extraordinarias, ver-nos-hemos seriamente embaraçados.

Deseja S. Exa. que o Ministro das Finanças intervenha junto da Direcção do Banco de Portugal, a fim de que sejam regulados assuntos que se relacionam com o mesmo Banco.

Já por diversas vezes tenho sido solicitado nesse sentido e devo dizer a S. Exa. que sempre me tenho esquivado para não estabelecer precedentes que julgo perigosos. Não me desinteresso dos descontos, que representam papel de primacial importancia para o commercio e para a industria, mas procuro não intervir nelles por uma forma directa. Não posso de forma alguma patrocinar reclamações de firmas commerciaes.

O alargamento da circulação fiduciaria impõe-se porque se reconhece a deficiencia das notas para o avultado numero e importancia de transacções, que corresponde ao nosso desenvolvimento economico.

Mas esta questão é muito delicada e nunca eu daria o meu voto a um aumento a que não correspondessem novas reservas. Mal se comprehenderia que nós procurássemos o nivelamento do valor da moeda e procedêssemos de forma tal que contribuissemos para a desvalorização da nota e consequente agravamento dos cambios. A questão é muito delicada nas relações que ella tem, quer com o Estado, quer com o Banco. Declaro que convem proceder com muita prudencia em relação a certos organismos, porque podemos com isso affectar o proprio credito do país.

Não serei eu, que pouca demora tenho neste logar, chamado a resolver este assunto, mas o meu successor decerto se occupará d'elle com todo o cuidado e attenção que na realidade merece.

O Sr. Innocencio Camacho, que já pediu a palavra, dará a S. Exa. outras explicações que julgar necessarias e convenientes.

O Sr. Presidente: - Vae passar se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa, podem enviá-los.

O Sr. Fernão Botto Machado: - Mando para a mesa as seguintes

Notas de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre o facto de estarem presos, ha um mês, na cadeia civil de Évora, nove individuos reconhecidamente republicanos, só pelo facto de se terem manifestado contra a prisão de um outro que foi preso por estar no passeio ou jardim em condições de toilette não autorizadas pelo regulamento.

Lisboa, 17 de julho de 1911. = O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Desejo interpellar o Sr. Ministro da Justiça sobre o facto de estar presa na cadeia da Relação do Porto uma criança de nome Joaquim Antonio Pereira, que foi condemnada a trinta dias de prisão e ali está esquecida ha mais de tres annos.

Lisboa, em 17 de julho de 1911 - O Deputado Fernão Botto Machado.

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre o grave desastre occorrido no dia 16 do corrente na Praça do Campo Pequeno, como consequencia de uma pega, e de que resultou para o pegador Paulo Gaiolas partir um braço e receber varias contusões graves.

Lisboa, em 17 de julho de 1911. = O Deputado, Fernão Botto Machado.

Mandaram-se expedir.

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Antonio de Paiva Gomes: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Colónias, me sejam fornecidos exemplares dos orçamentos da provincia de Moçambique e do districto autonomo de Timor, relativos aos annos economicos de 1905-1906, 1906-1907, 1907-1908, 1908-1909, 1909-1910 e 1910-1911, a fim de os poder compulsar.

Sala das Sessões, em 17 de julho de 1911. = Antonio de Paiva Gomes.

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, sejam usados os seus bons officios, a fim de que me possam ser fornecidas todas as disposições de lei e regulamentares em vigencia, referentes ao serviço de saude em Madagáscar, na Indo-China francesa, nas colónias hollandesas da Oceania e no Congo-Belga.

Sala das Sessões, em 17 de julho de 1911. = Antonio de Paiva Gomes.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Carvalho Araujo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro me seja concedida licença para compulsar o processo instaurado ao segundo tenente da armada Manuel Alberto Soares e quaesquer outros documentos que digam respeito ao mesmo assunto.

Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de julho de 1911. = O Deputado, José Botelho de Carvalho Araujo.

Mandou se expedir.

O Sr. Casimiro Rodrigues de Sá: - Envio para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que por todos os Ministerios e primeiro pelo da Justiça me seja fornecida uma nota completa das substituições que, desde 5 de outubro de 1910, tem havido na burocracia e que nella se declare o motivo das vagas e a legalidade do seu preenchimento.

Requeiro mais conste d'essa relação a habilitação de cada funccionario novo e se foram providos por concurso documental e de provas publicas os logares que por concurso se conquistam.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Requeiro que pelo Ministerio do Interior seja dada ordem para, com a maxima brevidade, me ser enviada copia do requerimento em que Antonio Ferreira Soares, professor do Lyceu de Vianna do Castello, pediu a exoneração do seu logar e bem assim requeiro me seja fornecido documento que declare o fundamento de tal exoneração.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Requeiro que pelas estações competentes me seja fornecida com a maior brevidade uma relação numerica completa dos automóveis pertencentes ao Estado e á extincta casa real, de onde conste com toda a clareza qual o serviço que esses vehiculos teem prestado desde o dia 5 de outubro de 1910 até a presente data e de onde conste tambem a importancia monetaria que, em chauffers, gazolina e reparações, o thesouro publico ha despendido mensalmente com os mesmos vehiculos. Desejo que sejam dados com toda a precisão os nomes das pessoas ao serviço e ás ordens das quaes, durante o periodo supracitado, os automóveis teem andado.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de 1 julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Requeiro por todos os Ministerios relações dos funccionarios publicos que accumulam empregos.

Essas relações devem conter os nomes dos funccionarios e indicações especificadas dos logares que occupam e das terras em que os exercem, e não deve omittir-se a profissão dos funccionarios que teem logares cujos accessos dependem de promoção, escala e antiguidade, e cuja conquista depende de habilitações especiaes, mas que cumulativamente desempenham outros cargos.

Quanto possivel, devem apontar-se tambem os logares que em companhias exercem os mesmos funccionarios publicos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimentos

Requeiro, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada uma copia do relatorio apresentado pela commissão nomeada por portaria de 2 de novembro de 1910 para apresentar um plano geral de reorganização dos estudes portugueses.

Lisboa, em 17 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 40, Baltasar Teixeira.

Requeiro, que pelo Ministerio do Fomento, me seja enviada copia do relatorio da syndicancia ha pouco feita á Escola Industrial Fradesso da Silveira, da cidade de Portalegre.

Lisboa, em 17 de julho de 1911. = Baltasar Teixeira, Deputado pelo circulo n.° 40.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Ezequiel de Campos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que por todos os Ministerios me sejam enviados com urgencia os elementos estatisticos dos ultimos tres annos que estejam publicados, especialmente: movimento das alfandegas, movimento maritimo, orçamentos da metropole e colónias, Junta do Credito Publico, Caixa Geral de Depositos Boletim da Direcção Geral da Agricultura, lista dos navios da marinha portuguesa, relatorios sobre Moçambique, de Freire de Andrade. = O Deputado, Ezequiel de Campos.

Mandou-se expedir.

O Sr. José da Silva Ramos: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro com a maior urgencia copia dos seguintes documentos:

1.° Consulta da Procuradoria Geral da Coroa de 8 de fevereiro de 1906;

2.° 3.ª parte da consulta do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas de 19 de junho de 1908;

3.° Consulta da Procuradoria Geral da Coroa de 9 de setembro de 1908;

4.º Copia da escritura do contrato celebrado entre a Camara de Amares e o Visconde de Semelhe em 17 de agosto de 1910;

5.° Parecer da Procuradoria Geral da Republica de 3 junho de 1911;

6.° Syndicancia feita pelo juiz de instancia criminal em 1909, Lisboa;

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7.° Syndicancia feita pela administração de Amares em maio de 1911;

8.° Syndicancia feita pelo juiz e delegado de Amares em maio de 1911.

Todos estes documentos se referem á venda das aguas thermaes de Caldellas ao Visconde de Semelhe e aos incidentes a que esta venda tem dado resultado.

Sala das Sessões, em 17 de julho de 1911. = José da Silva Ramos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Herculano Xavier: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me sejam dados com urgencia:

Pelo Ministerio da Justiça:

Copia do relatorio da syndicancia feita ao conservador do registo predial da comarca de Benavente, José Maria Henriques da Silva.

Pelo Ministerio das Finanças:

Nota da data era que tomou posse da recebedoria de Alcoutim o recebedor Antonio Martins Vidigal Salgado, transferido da recebedoria de Benavente, em fevereiro ultimo.

Nota das licenças que lhe teem sido concedidas a contar da data da transferencia. - Anselmo Xavier, Deputado pelo circulo n.° 31.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

(Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, Constituição Politica)

O Sr. Carlos Olavo: - Sr. Presidente: começo por mandar para a mesa a minha

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte, considerando que o que convem ás condições actuaes do povo português é uma Republica Parlamentar que represente mesmo uma sequencia logica na evolução do seu direito, devendo sobre esta base essencial ser modificado o projecto em discussão, continua na ordem do dia. = O Deputado, Carlos Olavo.

Senhores Deputados, eu comprehendo muito bem a necessidade que ha de abreviar a discussão da Constituição, e ao mesmo tempo comprehendo tambem que a Camara nesta altura do debate se encontra profundamente fatigada e ansiando por que esse debate termine, mas ha uma necessidade muito maior que é a de precisar certos pontos que ainda não estão bem esclarecidos para que nós todos possamos sair d'esta discussão perfeitamente orientados e sabendo o que vamos fazer.

Obedecendo a estas circunstancias, eu vou ser o mais rapido e conciso possivel nas minhas considerações, não deixando, no entanto, de apresentar os principios que considero justos e os argumentos que julgo uteis para a discussão d'este projecto.

Srs. Deputados, todos os oradores que se teem occupado d'este debate, todos, excepto os membros da commisssão, se teem manifestado contra o projecto que se discute, e eu tenho constatado com uma certa alegria, que o que corresponde aos principies, ás opiniões e aos desejos de grande parte d'esta Camara, é uma Constituição parlamentar, que é a que eu entendo que satisfaz mais completamente ás condições actuaes do nosso meio e que mantem, mais que nenhuma outra, em toda a plenitude da sua força e da sua pureza a legitima soberania popular.

É a transição natural, sem sobresaltos, sem perigos, sem reações, entre o nosso direito constitucional historico e o direito constitucional que surge na sua nova forma republicana, harmonizando-se portanto, com a cultura, com o feitio, com a educação civica e com a tradição juridica da sociedade portuguesa.

Protestou o Sr. José Barbosa contra a invocação feita por alguns oradores das nossas tradições juridicas, allegando que o que existia na tradição do nosso direito é o despotismo monarchico.

Não, sr. José Barbosa, o principio fundamental da nossa legislação constitucional, assinalado principalmente nas constituições de 1822 e 1838, é o principio da soberania popular. Nessas constituições, que duas revoluções liberaes implantaram, o rei não tinha senão o veto suspensivo relativamente ás resoluções do parlamento, que desta forma possuia o poder de uma verdadeira força soberana.

O Sr. José Barbosa: - Foi na vigencia d'essas duas leis que...

O Orador: - Se V. Exa. tiver paciencia vae ver a que conclusão eu chego.

A carta constitucional foi, de facto, a sophismação distes principios. Foi a conciliação apparente entre as exigencias liberaes da época e o despotismo teimoso dos réis, dividindo a soberania entre o rei e o povo, a qual, de facto, reside somente no rei expressa no veto absoluto, na faculdade da dissolução do Parlamento, no direito da constituição das assembleias que dominavam por completo a representação popular da primeira Camara.

Mas ainda assim, e embora seja uma ficção, lá está consignado na carta constitucional e, portanto, com existencia juridica, o principio da soberania popular.

O direito, Sr. José Barbosa, aprendi eu no estudo dos assuntos que se prendem com a minha cultura especial, e que dizem respeito á minha profissão, não é uma criação de philosophos ou de ideólogos mas uma resultante das condições, dos costumes, das necessidades, das aspirações dominantes no meio social. Diz Dareste, o autor das Constituições Modernas, que o que fez com que a França desse ao mundo o lamentavel espectaculo de uma constante instabilidade constitucional durante quasi um seculo foi o rompimento brusco e violento com todas as tradições. E de facto desde 1791 a 1875 existiram em França nada menos de nove constituições das quaes duas apenas vigoraram dezoito annos.

Ora, Srs. Deputados, o que é indispensavel, pois, é que a transformação juridica representada pela Constituição que vae sair d'esta Assembleia, seja, sim, uma fase nova mas tambem uma sequencia lógica na evolução do nosso direito.

É por isso que eu digo que a forma presidencial que o presente projecto de Constituição implica é perfeitamente inviavel entre nós. Com os poderes, com as funcções que ao Presidente são attribuidos, este tornar-se-ha a breve trecho num senhor absoluto, num verdadeiro tyranno, nomeando os Ministros, mantendo os Ministros e demittindo os Ministros, sem dar a menor satisfação ao Parlamento, sem ligar a minima importancia á opinião, e sendo elle, afinal, a verdadeira entidade soberana e discricionaria.

Comprehende-se e justifica-se as Republicas Presidenciaes nos Estados americanos, porque essa forma presidencial é nem mais nem menos do que a transformação evolutiva e natural da forma politica e administrativa que, nesses Estados, sempre existiu.

Os antigos governadores, investidos nos poderes que lhes vinham da metropole, passaram a ser os Presidentes investidos, depois da independencia, nos poderes derivados e attribuidos pela propria nação.

E essa evolução observa-se tão rigorosamente que, nos Estados Unidos da America, as Constituições dos Estados

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da União, não são mais do que o desenvolvimento das cartas coloniaes, que nas colonias americanas sempre existiram a partir do seculo XVII.

E depois já aqui foi dito e repetido sufficientemente que o systema presidencialista só se ajusta democraticamente a uma Republica Federativa com um Governo autonomo em cada Estado onde se esbatem os amplos poderes que nas mãos presidenciaes estão concentrados.

O Sr. José Barbosa (interrompendo): - V. Exa. concede-me uma pequenina interrupção?

Cada um dos Estados da União americana tem um regime presidencialista e entretanto não são federalistas.

O Orador: - Isso não contradiz essencialmente em nada o que eu tenha affirmado: as condições juridicas do meio americano criaram um direito constitucional que se não pode parecer com o nosso, onde todas as razões e todas as circunstancias estão a aconselhar uma constituição parlamentar.

O Sr. José Barbosa: - Isso é outra coisa!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente e meus senhores: outra parte realmente importante d'este projecto é aquella em que se dispõe que o Governo não virá ás Camaras.

Um Deputado: - Sr. Presidente: peço a palavra para um requerimento.

O Orador: - Eu já percebi que a maior parte dos membros d'esta Assembleia se não conformam com essa disposição. E ainda bem.

Todos perceberam que o intuito d'essa disposição era abafar e extinguir a palavra dos partidos. E no emtanto, eu entendia que o primeiro Parlamento da Republica Portuguesa, esta Assembleia Nacional Constituinte, tinha indeclinavel dever de pregar homenagem a essa palavra que, como ainda ha dias o affirmou com a sua eloquencia incomparavel o Sr. Alexandre Braga, levada pelos nossos propagandistas, pelos nossos tribuinaes, pelos nossos combatentes a todos os cantos do país, semeou nos espiritos a ideia republicana e communicou aos corações dos patriotas a fé e decisão revolucionarias.

Srs. Deputados, o principal argumento com que eu tenho visto fazer a justificação d'esta disposição que determina que o Governo não virá ás Camaras, é a formação dos partidos a que se tem chamado clientelas, e que, dominados pela ambição e ansia do poder, hão de determinar uma constante instabilidade ministerial.

Se não estivesse já demonstrado perfeitamente, por maneira cabal e evidente o patriotismo d'esta Assembleia, a sua perfeita noção das conveniencias e dos interesses da Republica, que tinha a dizer aos membros da Commissão que os partidos são necessarios e essenciaes mesmo ao progresso politico e social de todos os regimes.

A existencia dos partidos é necessaria e conveniente para a preparação e selecção das capacidades governativas, as suas lutas e os seus cuidados são esclarecimento indispensavel para que a opinião publica se possa pronunciar por aquelle partido que melhores principios exarar no seu programma e melhores homens tiver nas suas fileiras, sendo ao mesmo tempo um elemento precioso de propaganda e de educação politica. E assim que se corrigem os defeitos do Parlamento: fazendo partidos fortes, inspirados em principios democraticos e interesses legitimos, promovendo a selecção dos melhores, interessando as massas populares no movimento da politica e na marcha da administração.

A França é a terra dos partidos e o Parlamento o theatro das suas pugnas formidaveis.

Em nenhuma parte se observa e obedece ás indicações do Parlamento como em França.

Os Ministerios nascem do Parlamento, manteem-se pelo apoio do Parlamento e caem quando o Parlamento lhes retira a confiança. E apesar das paixões, das ambições, dos odios, das lutas de principios e de interesses que agitam e tumultuam no Parlamento francês, em poucos do mundo se tem feito a obra social, politica e economica que, para honra e prosperidade da sua patria, do Parlamento francês tem saido no periodo que vem da 1870 até aos nossos dias.

É lei, por exemplo, um livro de um funccionario francês intitulado Trinta Annos de Republica, onde essa obra formidavel e fecunda vem estatisticamente esplanada.

E ainda ha bem pouco tempo o socialista francês e antigo Deputado Geraes, mostrou numa magnifica conferencia que fez na Sociedade de Geographia, o que representara para a França a acção reformadora e do livre pensamento da Republica, expondo as razões por que essa Republica merece o apoio de todos os socialistas reformistas. E toda essa obra que se enaltece e recita como exemplo, saiu do agitado e por vezes tumultuario Parlamento francês.

Tratarei agora, Sr. Presidente, de um outro ponto, para o qual chamo a attenção da Assembleia, e que reputo de grande importancia. Refere se ao principio da dissolução. Eu sou absolutamente contrario ao principio da dissolução, e por uma razão fundamental: é absurdo conceder ao Presidente eleito pelo Parlamento o direito de dissolver o Parlamento que é a origem autentica e unica de todos os seus poderes E para nós ha outras razões importantes.

Eu quero o Presidente, mas com os seus poderes e faculdades perfeitamente determinados na constituição e de modo que não attinjam a soberania popular que tem a sua representação mais completa e mais directa na Camara dos Deputados.

E depois ainda se não verificou praticamente a necessidade da dissolução. Em França desde que se implantou a Republica uma unica vez se dissolveu a Camara dos Deputados, mas esse facto representou uma violencia tal e de tal forma contra a vontade nacional que o marechal Mac-Mahon se condemnou politicamente para todo o sempre no momento em que o praticou.

Em Inglaterra, succedeu tambem ha pouco tempo ter-se dissolvido, em virtude do conflicto aberto entre a Camara dos lords e o poder executivo, a camara dos communs, e essa dissolução de modo nenhum resolveu o assunto porque as eleições que em seguida se realizaram deram aos partidos a mesma representação que elles tinham na Camara anterior.

Affirma-se aqui que Waldeck-Rousseau dissera que o direito de dissolução era a confirmação do direito de soberania, mas elle nunca recorreu a esse direito, e poucos estadistas teem encontrado pela sua frente o Parlamento que elle encontrou, onde se faziam verdadeiros e ferozes assaltos ao Governo da sua presidencia, a ponto de elle um dia ter declarado depois de uma d'essas memoraveis tempestades parlamentares, que tinha tido a impressão de que se encontra numa jaula de feras.

E no entanto Waldeck Rossseau governou com essa Camara até o fim do seu mandato e foi-se embora quando muito bem quis, quando julgou terminada a sua alta e patriotica missão de salvação da Republica.

Mas vejamos quaes são as diversas formas de fazer a dissolução. São varias. Temos por exemplo, a dissolução á francesa, isto é, o direito de dissolução com o voto conforme do Senado. De maneira que, havendo um conflicto levantado entre a Camara dos Deputudos e o poder executivo, já se sabe que o Presidente tem de pedir os votos ao Senado para dissolver a Camara dos Deputados. Mas quando o conflicto se der entre o poder executivo e o Senado? Como

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se ha de resolver o conflicto gê não ha o direito de dissolver essa Assembleia? E não se diga que, pelo caracter conservador do Senado, não é possivel que surjam d'esses conflictos com o poder executivo, visto que agora mesmo, na Inglaterra, está pendente um conflicto irredutivel entre a Camara dos Lords e o Governo, que ha de terminar manifestamente ou pela queda do Governo liberal de Loyd George ou pela eliminação do veto que o mesmo é que ferir nos seus fundamentos a alta assembleia aristocratica e tradiccional da Inglaterra.

Isto quer dizer que se não ha necessidade de consignar na Constituição o direito de dissolução para o Senado, tambem não ha, ipso facto, a necessidade de consignar o direito de dissolução para a Camara dos Deputados.

A outra forma preconizada pelo sr. Egas Moniz é uma ampliação da dissolução como está estabelecida na lei constitucional francesa. Só se poderá dissolver o parlamento se o Senado e a Camara reunidos consentirem pelo seu voto com a dissolução. Isto é irrealizavel. Levantado o conflicto entre o poder executivo e o parlamento é absurdo esperar que seja o parlamento que vá votar a sua propria dissolução, porque o mesmo é que abandonar a sua posição no conflicto e fazer a confissão publica de que não tinha razão. Um Deputado da direita perguntou ao Sr. Egas Moniz o que se faria, quando porventura, o parlamento não acordasse na dissolução e S. Exa. respondeu: Não creio que tal aconteça, porque tal não fará um Parlamento que tiver a noção exacta dos seus deveres patrioticos e republicanos.

Nestas circunstancias, consultar o parlamento é uma ficção e o mais lógico é dissolvê-lo sem pedir consulta a ninguem.

A outra forma de dissolução, com a qual me conformo plenamente, é o referendum popular.

Quando houver um conflicto entre o poder executivo e o parlamento, faz-se a consulta ao povo. Se a resposta do povo autorizar a dissolução isto equivale a retirar aos seus representantes o mandato que lhes tinha confiado; se não autorizar fica o parlamento confirmado nos seus poderes, saindo d'essa prova com a força nova que lhes vem do voto popular.

Ha ainda outro ponto que quero considerar tambem e que é o caso das duas Camaras. O Sr. Barbosa de Magalhães declarou aqui, nesta tribuna, que era absolutamente contrario ás duas Camaras. No emtanto, as circunstancias dizem que as duas Camaras são absolutamente indispensaveis, e, sobretudo nas circunstancias em que nos encontramos. Nós surgimos ainda ha pouco para a actividade da vida politica e parlamentar, cheios de Ímpetos, é verdade, mas tambem cheios de inexperiencia, e havemos de ter uma camara somente? Não, é indispensavel que uma segunda Camara, constituida por homens mais velhos, mais experimentados, mais ponderados, corrija a inexperiencia e tempere o ardor da Camara dos Deputados.

A segunda camara é necessaria para obrigar a primeira camara a estudar, discutir e reflectir sobre os assuntos e leis que lhe são submetidos, de maneira que quando uma lei sae da Camara dos Deputados com destino á segunda já se sabe que foi sujeita a um completo exame e a um largo e reflectido debate.

Depois, isto tem sido assim entendido e aceite por todas as democracias modernas, mesmo as mais avançadas, como a Suissa, em que existem e funccionam duas camaras. É necessario que nós não tenhamos a pretensão de noa pormos na frente dessas nações que, por uma longa acção de regimes moralizadores e livres, tem os seus cidadãos numa outra condição de civismo, de educação e de pratica até do regime democratico, em que não estão os cidadãos portugueses, que ainda ha pouco tempo saíram das trevas d'um regime desmoralizador, que só servia para os deprimir moral e intellectualmente.

São estes tres feitos que eu quis discutir e accentuar á Assembleia; são estas as minhas considerações, que tive de restringir, reduzindo os apontamentos que tinha tirado e o estudo que tinha feito, porque entendo que é absolutamente necessario abreviar o mais possivel a discussão da Constituição, e cingirem-se os oradores precisamente aos pontos sobre os quaes tenham duvidas. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Abilio Barreto: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, visto o projecto da Constituição estar já sufficienternente elucidado sob o ponto de vista da sua generalidade, se passe sem prejuizo dos oradores inscritos a estudá-lo e discuti-lo na especialidade.

Sala das Sessões da Constituinte, em 7 de julho de 1911. = Abilio Barreto, Deputado pelo circulo n.° 41.

Formulando este requerimento, Sr. Presidente, eu não desejo, por forma alguma, abafar a discussão, mas tão somente fazer com que os oradores passem a falar sobre a especialidade; talvez assim se leve menos tempo a discutir o projecto.

Posto á votoção, foi approvado.

O Sr. Antonio Maria da Silva: - Sr. Presidente, cabendo-me a palavra nesta altura da discussão em que a Assembleia Constituinte se encontra muito fatigada, provando-o á saciedade o requerimento que acabo de ouvir ler e approvar, serei breve nas minhas considerações, procurando não me afastar da generalidade e só me referir a pontos ainda não versados, principalmente aquelles em que ha lacunas a preencher ou contradições flagrantes a evidenciar; isto sem o mais leve desprimor para a commissão que produziu um trabalho honesto.

De resto, a exiguidade do tempo, a complexidade do assunto e a difficuldade de alcançar uma plataforma de entendimento justificam á saciedade os senões do projecto.

Vou entrar, pois, na discussão da generalidade affirmando desde já que, em meu parecer, ella deve incidir sobre a forma geral de organizar o Estado, determinando-lhe os poderes politicos e fixando a estes attribuições e limites, e sobre as bases geraes a fixar em materia de direitos individuaes e para acquisição da qualidade de cidadão.

Sr. Presidente, em obediencia ao Regimento, vou ler a minha moção de ordem na qual synthetizei as minhas opiniões e esclareci o meu voto, relativamente a principios fundamentaes da Constituição.

Moção de ordem

Considerando que o projecto em discussão é omisso quanto á forma do Estado, e que só explicitamente se refere á forma do Governo, isto ó, o que menos importa á Sociedade Internacional;

Considerando que a determinação do territorio é fundamental, por isso que este é um dos elementos caracteristicos do Estado, e não se tendo adoptado uma terminologia precisa para designar as differentes porções do mesmo territorio;

Considerando que o principio de legitimidade da representação é igualmente fundamental em direito politico, e achando-se contraditoriamente estabelecidas as bases que definem as condições d'essa mesma representação;

Considerando que o criterio adoptado no projecto para adquirir a qualidade do cidadão, no ponto de vista especial da naturalização, é erróneo, conduzindo a interpretações absurdas pela forma por que ahi se acha formulado,

Considerando que é conveniente estabelecer por uma forma inilludivel, que em circunstancia alguma são permittidas as associações de caracter religioso, e me bastando

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prohibir simplesmente a formação de qualquer sociedade filiada na companhia de Jesus ou quaesquer congregações ou ordens monásticas, termos estes com significado restricto em direito ecclesiastico;

Considerando que é na discussão sobre a generalidade que se deve tratar a questão do methodo a seguir na exposição e distribuição dos differentes preceitos que constituem o projecto de lei, a Assembleia Nacional Constituinte, resolve:

a) Consignar o principio de que o Estado Portugal é unitario e adopta a forma do Governo republicano definida na Constituição;

b) Adoptar uma terminologia tanto quanto possivel uniforme e usando a palavra provinda para designar a divisão territorial, mais geral;

c) Que, a adoptar-se o systema bicamaral, se estabeleçam as expressões de Camara dos Deputados e Senado, devendo em qualquer hypothese a origem da eleição ser sempre a mesma, isto é, de modo a assegurar que o representante é sempre delegado da Nação e que a duração do mandato deve ser a mesma para os membros das duas Camaras;

d) Que é necessario especificar as obrigações para com o país de origem a que o naturalizado continua sujeito e accentuar que o português naturalizado estrangeiro que desejar recuperar a sua primitiva nacionalidade só o poderá fazer depois de estabelecer novamente residencia effectiva em territorio português, durante o prazo de ... depois de praticadas as formalidades legaes;

e) Que devem ser prohibidas todas as associações de caracter religioso;

f) Finalmente, que a respectiva commissão envio para a mesa uma nota da forma por que entende deverem ser distribuidas as differentes materias do projecto e continuar na ordem do dia.

Sala das Sessões, em 17 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio Maria da Silva.

Sr. Presidente, ao projecto em discussão falta-lhe methodo.

Natural era que, depois de se determinar os elementos caracteristicos de um Estado e entre elles o seu territorio, se procurasse saber quem é que pode ser considerado como cidadão desse mesmo Estado. Mas não.

A parte que se refere ao modo de adquirir, perder e recuperar a qualidade de cidadão português segue-se no projecto á funcção judicial, isto é, vem depois dos poderes politicos.

O Sr. José Barbosa: - Sobre a ordem já declaramos que acceitavamos o que foi aqui proposto pelo Sr. Macieira.

O Orador: - Registo, tanto mais que a commissão devia saber que se interpreta melhor a lei, desde que se lhe distribuam as materias convenientemente, desde que ellas sejam tituladas e capituladas devidamente.

Muitas vezes se comprebende o espirito da lei pela propria distribuição, e Be ella é mal feita, induz a erros. É uma questão essencial. Não foi o prurido de inscrever mais um considerando na minha moção ou formular mais um voto que me levou a tratar este assunto.

Proseguindo, desejo accentuar que se o prejecto precisamente estabelece a forma do Governo, isto é, a forma de se exercer o poder politico, é omisso no que diz respeito á forma externa - a do Estado.

Relativamente á forma do Estado, devo dizer que, se se tem posto em execução uma organização administrativa que favorecesse a autonomia local, podiamos já pôr em pratica o principio federativo, consignado no programma do partido republicano; mas não estando ainda assegurada essa autonomia, entendo que, por ora, o Estado
tem de ser unitario. De resto, como a Constituição tem de ser revista no fim de dez annos, se então estiver definitivamente estabelecida essa autonomia, não poderá haver duvida em votar se para fornia do Estado a Republica Federativa.

Relativamente ao territorio, a commissão usou de terminologia varia, adoptando a divisão provincial, a de Estado e a de archipelago, embora se não fique sabendo como classificar Timor.

Em um caso, o do Estado da India, especificam-se as dependencias do mesmo Estado, e em outro, o da provincia de Moçambique, limitam-se a uma indicação vaga, não se tendo feito sequer menção de S. João Baptista de de Ajuda, considerada como feitoria em um grande numero de autores.

Sr. Presidente: julgo que é necessario um escrupuloso rigor na exposição d'esta materia relativa ao territorio, parecendo-me até melhor, para evitar quaesquer equivocos, inserir no projecto em discussão uma doutrina equivalente á que está no projecto do advogado Sr. Cunha e Costa.

Pelo que respeita á theoria da representação, a que se refere uma das alineas da minha moção de ordem, é um assunto que se estuda e resolve na parte geral do direito politico e, por isso, é uma questão para se tratar dentro da generalidade.

Acerca d'ella, tenho a dizer que o artigo 6.°, proemio, distribue o poder legislativo por dois orgãos, que se denominam respectivamente Conselho Nacional e Conselho dos Municipios.

Ora o § 1.° ao mesmo artigo diz terminantemente que os membros do Congresso são representante da Nação e não dos circulos ou municipalidades que os elegem.

Por outro lado, o artigo 7.° estabelece que os membros do Congresso Nacional se denominem Deputados do Povo e os do Conselho dos Municipios, Deputados dos Municipios. Resulta assim uma contradição flagrante entre este artigo e o antecedente, pois esta differença de terminologia tem de corresponder juridicamente a uma differenciação de ideias. Se são Deputados dos Municipios, não se pode comprehender que sejam Deputados da Nação.

O Sr. José Barbosa: - S. Exa. quer o Senado; ora os senadores são sempre representantes da Nação. E esta a opinião de todos os constitucionalistas.

O Orador: - Está apenas levantando reparos á terminologia, porquanto bem sabe que todos são representantes da Nação.

A aggravar aquella contradição vêem as disposições do artigo 8.°, 2.ª parte, e do artigo 17.°, que marcam prazos differentes para a duração do mandato dos representantes dos dois Conselhos, o que affecta essencialmente a natureza do systema representativo.

Com effeito, a origem da eleição deve ser a mesma, isto é, deve ser o mesmo o eleitorado, embora para a segunda Camara constitua simplesmente o eleitorado primario. Ora, da differença de prazos estabelecidos resulta que, ao passo que os representantes do Conselho Nacional, traduzem a orientação politica da occasião, os outros do Conselho dos Municipios podem representar uma corrente antiquada e opposta, não obstante a renovação parcial ahi admittida.

Alem d'isso, sendo o prazo corrente da duração de uma vereação o de quatro annos e admittindo-se para os Deputados dos Municipios um mandato pelo prazo de seis annos, pode succeder que uma vereação se veja obrigada a aceitar como representantes aquelles que foram escolhidos por uma vereação anterior, de indole politica e tendencias inteiramente oppostas.

De resto, não se comprehende, não ha razão nenhuma, nem principio de direito, nem bom principio democratico

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que leve a estabelecer o principio da renovação do mandato em proveito exclusivo de uma Camara.

Fia tambem um outro ponto a que me quero referir, que é a disposição do § unico do artigo 52.°, onde se diz: "A naturalizado não subtrae o naturalizado ás obrigações por elle anteriormente contraídas no país de origem".

Isto quer dizer que o cidadão pode continuar ligado a esse país de origem por aquelles vinculos, como seja o serviço militar, por exemplo, que em direito politico constitue precisamente os deveres do cidadão.

O Sr. José Barbosa (interrompendo): - É preciso attender ás convenções internacionaes que temos. Ao fazer a Constituição tivemos de as respeitar.

O Orador: - Se era preciso attender ás convenções, fizesse-se expressamente essa resalva no referido paragrapho.

V. Exa. devia comprehender que a Constituição tinha que ser discutida em todos os seus pontos e que portanto se faria referencia a esse tambem.

Mas ha outra incorrecção nesta materia.

Como pode um cidadão que perde a sua qualidade de português readquiri-la?

Responde o artigo 53.° no seu § 1.° que basta regressar a territorio português com animo de domiciliar-se neste e fazendo a competente declaração perante a municipalidade respectiva.

Mas succede que hoje em Portugal qualquer cidadão nem sequer pode mudar de domicilio dentro do país, sem estabelecer a residencia effectiva dentro do logar para onde quer mudar e sem prevenir a autoridade, não lhe bastando a intenção. Nota-se assim esta singularidade: o criterio para mudar de domicilio dentro do país é mais rigoroso do que o criterio fixado para adquirir a qualidade de nacional! O criterio benevolente do citado artigo 53.° permittiria negociar com a nacionalidade.

Tambem incidentemente me quero referir ao artigo 10.° que diz na sua segunda parte referindo-se aos membros do Congresso:

"O seu voto é livre e independente de quaesquer insinuações ou instrucções".

E deprimente pôr aqui esta clausula, visto ser uma questão de consciencia; é uma d'estas regras que escapam á sancção do direito, tem apenas a sancção da consciencia do individuo, pertence ao dominio da moral.

É pela sancção que as normas juridicas se distinguem das regras moraes.

O Sr. José Barbosa -(interrompendo): - E ipsis verbis o que está na legislação suissa.

O Orador: - Mas V. Exa. quer transcrever tudo o que está estabelecido na legislação suissa?

Acresce mesmo que o facto d'essa disposição estar consignada na Constituição Suissa não me obriga a acceitá-la porque não lhe tira o caracter deprimente que reveste.

Diz tambem a Constituição num outro ponto de caracter geral (n.° 50.° do artigo 54.°) que a lei não tem effeito retroactivo.

O Sr. José Barbosa: - Ha certos casos.

O Orador: - Então era bom incluir isso. Não se podem admittir lacunas d'estas numa Constituição. O principio não é o mesmo em materia civil e criminal, porquanto nesta lei tem effeito retroactivo quando tem por fim a eliminação do delicto ou a diminuição da pena.

Não cansarei mais a attenção da Camara, desde que a sua maneira de ver está consignada na moção de ordem, mas não quero concluir sem louvar a commissão, por haver consignado no seu projecto o direito á assistencia publica. Soube assim reconhecer os dedicados esforços dos que trabalharam pela implantação da Republica.

E no dia em que numa Constituição Portuguesa se consigne abertamente sem entraves, o direito ao trabalho, completando assim o direito á assistencia, então a Republica assentará numa base verdadeiramente democratica, dando plena satisfação a esse povo tão generoso e tão nobre, que os reaccionarios trataram tão desprezivelmente de canalha, e que é no fundo o heroe autentico de todas as revoluções e foi o heroe primacial no 5 de outubro.

Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio Granjo.

Vozes: - Não está na sala.

O Sr. Presidente: - Vou então conceder a palavra ao Sr. Jacinto Nunes.

Vozes: - Para a tribuna, para a tribunal.

O Sr. Jacinto Nunes: - Começa por ler a seguinte

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte:

Reconhecendo que no projecto em discussão se não deu ás instituições locaes a importancia que ellas merecem, pois que apenas nas disposições geraes, artigo 61.°, se fazem umas promessas, por sinal, muito suspeitas, á "administração local";

E julgando indispensavel collocar as mesmas instituições num logar condigno e rodeá-las de serias garantias constitucionaes:

Resolve inserir em seguida ao artigo 51.° do projecto o seguinte:

Das instituições locaes

Artigo 52.° A organização e attribuições dos corpos administrativos serão reguladas por lei especial, e assentarão, entre outras, nas bases seguintes:

1.ª Extincção da tutela exercida pelo poder central ou seus agentes;

2.ª Restabelecimento das juntas geraes de districto:

3.ª Divisão dos poderes municipaes e districtaes em deliberativo e executivo;

4.ª Referendum exercido pelas camaras municipaes sobre determinadas deliberações das juntas geraes de districto;

5.ª Intervenção de determinado numero de maiores contribuintes com voto deliberativo em todas as deliberações camararias e parochiaes de caracter financeiro;

6.ª Autonomia financeira dos municipios;

7.ª Centralização de todos os encargos, correspondentes a serviços de caracter geral, ou desempenhados por agentes do Estado;

8.ª Representação das minorias nas camaras municipaes pela lista eleitoral incompleta, ou outro processo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte. - O Deputado pelo circulo n.° 44, J. Jacinto Nunes.

O Sr. José Barbosa: - Nas suas linhas geraes, a commissão acceita essa moção.

O Orador: - Pelo que respeita á tutela, acha-a absolutamente incompativel com a autonomia, quer das camaras municipaes, quer das juntas geraes. Todos os dias se prega a maxima descentralização. Ora, desde que a Camara está convencida de que é indispensavel proclamar

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essa maxima descentralização e autonomia completa para as localidades, essa tutela tem de ser supprimida.

Proclamando-se essa suppressão, regressa-se á tradição do antigo regime, tornando-se os municipios inteiramente livres.

Quanto ás juntas geraes, obedecem ellas, completamente, ao programma d'elle, orador. Dividam-se os poderes municipaes e districtaes, ficando, porem, as juntas sujeitas ao referendo exercido pelas camaras municipaes.

Assim, por exemplo, uma junta resolve levantar um emprestimo, que absorve uma grande percentagem da sua receita; resolve fazer uma expropriação e a acquisição de um immobiliario, resolve construir um lyceu, deliberação essa, que pode custar muito dinheiro, mas que pode aproveitar a uma parte insignificante, ou somente a sede do districto. Desde, que essas deliberações fiquem dependentes, para a sua validade, da sancção da maioria das camaras municipaes, poder-se-ha concluir que essas deliberações são justas e proveitaveis, se não para todo o districto, pelo menos para a maior parte d'elle.

Quanto á autonomia dos municipios, entende o orador que deve ficar consignada na Constituição e autonomia financeira das camara.

Lendo attentamente o projecto viu que á commissão esqueceu um ponto capitalissimo: o eleitorado.

Na Constituição devem estar consignadas as condições d'esse eleitorado, para se saber em que condições devem ser passados os mandatos eleitoraes; quaes as inegibilidades e quaes as incompatibilidades. A proposito, perguntará se o artigo 65.° estabelece ou não, surrateiramente, as incompatibilidades entre as funcções de Deputados e as de empregados do Estado, mesmo as do poder judicial.

Posto isto, dirá que ficou surprehendido ao ouvir dizer que o projecto era presidencialista, porquanto o artigo 26.° diz que o Poder Executivo é uma delegação pura e simples do Poder Legislativo; e o artigo 37.° diz que "o Presidente pode ser destituido pelos dois Conselhos reuniu, em congresso, mediante resolução fundamentada e approvada pela maioria de- dois terços dos seus membros, o que claramente consigna a destituição, ou em virtude de condemnação por crime de responsabilidade".

Ora, um regime que põe o Presidente á mercê do Poder Legislativo, sujeitão-o a desempenhar uma funcção subalterna. Por outro lado, é tambem um poder, que pode ser destituido pelo outro, que lhe delegou as attribuições.

Não ha duvida, por consequencia, de que o regime é parlamentar.

Outra questão que elle, orador, viu levantar-se na Assembleia, é sobre se ha de haver uma ou duas Camaras.

Igualmente essa questão o surprehendeu, porquanto é sabido que não se encontra no mundo uma unica Republica sem as duas Camaras.

Qual deve ser a origem da segunda Camara? Relativamente á primeira, não ha duvida alguma de que é suffragio directo. Deverá, porem, ser tambem esse suffragio directo a origem da segunda ? Na opinião do orador é isso um disparate, porque vem a ser uma e a mesma cousa.

Em parte alguma se encontra o Senado com a mesma origem que a Camara dos Deputados.

O Senado desempenha duas funcções de ordem muito diversa das funcções da Camara dos Deputados: a pri meira é a revisão das deliberações da Camara dos Deputados, a segunda, que para o orador é capital, é garantir as franquias locaes. D'aqui vem a razão de que devem ser os organismos locaes que devem eleger o Senado,

A sua moção confatitue na verdade uma emenda ao artigo 61.°

(O discurso será publicado na integra guando o orador devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Celestino de Almeida: - Sr. Presidente: se a Camara me dá licença, visto estar aberto o precedente, falo do meu logar.

Passarei a ler a minha moção de ordem, que é a seguinte:

Moção de ordem

A Camara, manifestando a sua sympathia por uma Republica parlamentar democratica, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, em 17 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 38, Celestina de Almeida.

Sr. Presidente: se hoje uso da palavra é porque me havia inscrito ha bastantes dias para falar na ordem do dia. Então algumas novidades teria a apresentar á Camara ; hoje, felizmente para mim e para a Camara, poucas ou nenhumas se me offerecem e se algumas tenho a manifestar em poucas palavras o farei.

Serei breve, comtanto que essa brevidade não prejudique a manifestação do meu pensamento. Usarei um estylo telegraphico.

Na minha moção de ordem disse que fazia votos para que a Camara se orientasse no sentido de que a Constituição fosse a de uma Republica parlamentar democratica.

É essa a minha orientação.

São orgãos da soberania nacional democratica, numa Republica democratica - os poderes legislativo, executivo e judicial.

O legislativo é exercido por duas Camaras: a dos Deputados e o Senado.

A Camara dos Deputados, entendo eu que deve ser eleita pelo suffragio directo universal; direi mais: deve ser eleita na proporção de um por cada 50:000 habitantes, tanto do continente como dos archipelagos e provincias ultramarinas, desde que se não attenda a que somos um país colonial, e não se admitta a existencia de um concelho representativo das colónias funccionando um pouco ao lado do Parlamento.

Quanto á segunda Camara, o Senado, parece-me que deve ser eleita por suffragio indirecto especial, e que nelle devem estar representados, por um lado, os diversos organismos administrativos, e pelo outro, os diversos Agregados sociaes.

Pelo que diz respeito á duração do mandato tambem me parece que deve ser de tres annos para os Deputados, e de seis para os Senadores.

E, Sr. Presidente, um regime parlamentar democratico, não pode deixar de ser exercido pelo Presidente da Republica e pelo Ministerio. (Apoiados).

Ora agora permitta-me a Camara que eu expenda uma opinião que ainda não vi apresentada em todo este debate.

Parece-me que alem de um Presidente da Republica, devemos ter tambem um Vice-Presidente, igualmente eleito pelas duas Camaras.

Pode dar-se a circunstancia de morte do Chefe do Estado, de ida para o estrangeiro, de qualquer outra circunstancia que torne indispensavel e necessaria a sua substituição.

Em tempos normaes essa substituição poderá ser facil; mas eu peço á Camara, que medite e reflicta nos graves inconvenientes, que poderão resultar, se essa substituição tiver de dar-se em circunstancias anormaes.

Porque, Sr. Presidente, é possivel, que em muitas d'essas occasioes não haja a necessaria tranquillidade de espirito, e a ponderação bastante para tomar a grave deliberação da escolha de um Vice-Presidente.

Pode esse facto, repito, ter consequencias graves; e até pode arrastar prejuizos para os interesses de um país, principalmente como o nosso, em que tantas vezes o impulso e a precipitação se manifestam em demasia.

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São estas as observações que peço licença para fazer á Assembleia. Alem de que os actos do Presidente teem sempre de ser referendados pelos Ministros.

Demais, Sr. Presidente, quer-me parecer que o Presidente de uma Republica parlamentar democratica, que está bem longe de ser a Republica de França, tantas vezes aqui invocada, não pode ser por forma alguma irresponsavel, não pode ter o direito do veto, nem o da dissolução. - A Camara, porem, a Constituinte, pode determinar muito excepcionalmente que haja dissolução.

Sr. Presidente, apesar de eu não ser conservador, sou todavia uma criatura que não deseja que as ideias avançadas caminhem tão rapidamente, que tragam prejuizo para o país; e é por isso que lembro a V. Exa., e á douta Assembleia, o que se passa era Inglaterra, essa grande Inglaterra que todos nós muito bem conhecemos.

Neste país sempre que ha mudança ministerial completa os novos Ministros apresentam o seu programma politico, em que de antemão accordaram e sujeitam-se á eleição. Reeleitos, a Camara é então dissolvida. Faz-se por consequencia a eleição não em volta de um homem, mas era face de um programma politico, que esse homem apresenta. Isto é o que se faz em Inglaterra.

Se, no nosso país, houvesse educação politica bastante, eu, Sr. Presidente e meus senhores, não teria duvida em acceitar a inserção na Constituição de uma disposição parecida. Era idênticas situações, o Senado poderia resolver por uma maioria de dois terços se havia motivos para dissolução.

Não ha duvida, Sr. Presidente, que como muito bem disseram já aqui outros Srs. Deputados, é preciso reconhecer que, se por um lado a dissolução hoje é uma cousa que representa uma affronta do poder legislativo, por outro lado é tambem uma consulta ao país.

É um acto muito perigoso, bem o sei; mas ha maneira de se realizar sem maiores consequencias; e, se me tivesse cabido a palavra mais cedo, mais alguma cousa diria sobre o assunto.

Ha pouco falei em crises Ministeriaes geraes e vou dizer a razão porquê.

Julgo eu, e a Camara o decidirá, que devemos estabelecer o principio da responsabilidade Ministerial individual. (Apoiados):

As crises ministeriaes geraes não poderão dar-se senão quando a orientação politica de todos os Ministros seja differente, emquanto que as individuaes resultara do Ministro não proceder em conformidade com o parecer da Camara.

E por consequencia estas crises só podem dar-se após as interpellações feitas, contrarias á politica do Ministro.

Este facto concorre, parece-me, para a maneira de fazer a dissolução de uma Camara, a que ha pouco me referi, porque o grande inconveniente para todos os Parlamentos, quer sejam monarchicos, quer sejam republicanos aristocraticos, quer, ainda, republicanos democraticos, está na instabilidade dos Ministerios, devida á intriga que se move para subir ao poder, ou então para os que nelle estão se desembaraçarem de companheiros que lhes não convem trazendo para junto de si aquelles que lhes agradam.

Se estas minhas considerações são acceitaveis ou não a douta Assembleia o dirá, porque tem de se pronunciar nesse sentido sobre a minha moção.

Relativamente ao poder judicial entendo, Sr. Presidente, que a melhor maneira de o tornar tanto quanto possivel independente dos outros poderes, seria estabelecer que os juizes do Supremo Tribunal de Justiça, ou qualquer outro nome que lhe queiram dar, fossem eleitos por juizes e advogados. Era necessario organizar esse tribunal não só com magistrados, mas tambem com advogados que tomassem parte na administração d'essa justiça. Porque, Sr. Presidente, advogados ha, que teem muitas vezes, tanta honorabilidade e merito para fazerem parte do Supremo Tribunal, como os juizes. A este respeito não, ha a menor duvida.

É, pois, importante, me parece, que desde já façam parte da mais alta estancia judicial não só juizes mas advogados.

No tocante ás responsabilidades do Ministerio e do Presidente da Republica ellas devem ser grandes. Entendo eu, que o julgamento dos crimes praticados pelo Presidente da Republica, ou pelos Ministros, deve ser feito por um tribunal composto de membros do Supremo Tribunal de Justiça e de Senadores, em numero igual e escolhidos por eleição de lista incompleta; porque, Sr. Presidente, a verdade é que sendo a Camara dos Deputados que formula a accusação, não me parece justo que os seus membros sejam juizes neste tribunal especial.

Temos de nos subordinar aos principios e á lógica, e attender áquillo que for mais viavel. Eu defendo sinceramente a Republica parlamentar democratica; mas V. Exas. comprehendem que o que devemos tratar de ver se fazemos é uma Constituição adaptavel ao nosso país, e á situação que. estamos atravessando, tanto mais que a Constituição será revista de dez em dez annos, a fim de ser modificada. É claro que estamos discutindo um documento da mais alta importancia; todavia, elle não tem um caracter definitivo. Nutro a bem fundada esperança de que, quando d'aqui a dez annos se fizer a primeira revisão da Constituição, ella será inteiramente modificada. E porque não, se nós d'aqui até lá tivermos transformado o nosso país e estabelecido uma larguissima descentralização administrativa, que se me afigura indispensavel?

Por agora a unica cousa que acho viavel é uma Republica parlamentar democratica.

Vou referir me agora ao referendum e, por conseguinte, á maneira de se criar essa larguissima descentralização administrativa.

Eu entendo que o referendum é de toda a conveniencia para as questões locaes e concelhias. A este respeito estou em desacordo com algumas opiniões manifestadas na Assembleia por diversos oradores que me precederam.

Eu entendo que é preciso andar com muito tino em todas estas questões. A não ser assim, em poucos meses ver-nos-hemos seriamente embaraçados. A mim me quer parecer até que a criação do referendum entre nós, seria perigosa nestes annos mais próximos.

Sob o ponto de vista da ordem politica e social republicana, entendo que o referendum é complementar para casos concedidos a actos districtaes e municipaes; mas não para as leis e para os actos do Governo, emquanto o povo se não habituar a comprehendê-lo completamente.

Mas desde o momento que lhe ensinem que as attribuições, são transformar os impostos directos ou indirectos, que em tudo que se referir a imposto terão de ser consultados, é natural que nestas circunstancias sejam um pouco conservadores, e por isso quero crer, que as corporações, os districtos passarão a ser bem administrados, resultando d'ahi senão vantagens para todos, pelo menos para essas corporações.

E minha opinião que, para se criar esta descentralização, para se criar uma base segura se deve fazer isto, não por medidas discricionarias legisladas no Parlamento, mas preparando as populações; habituando-as a interessarem se pela sua administração local; criando-se syndicatos com poderes mais largos para os districtos e mais restrictos para os municipios, com poderes para se occuparem das differentes obras regionaes.

Esta seria, a meu ver, a maneira mais pratica e mais acceitavel de se ir criando, por meio d'estas corporações, o que chamarei syndicatos, porque já alguma cousa se tem feito com elles, dando mais amplitude aos seus poderes, até podermos, pouco a pouco, chegar ás antigas provincias, que estão quasi mortas, dando toda a autonomia á administração local.

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Não sei se ainda alguma outra consideração teria a fazer, mas não desejo cansar por mais tempo a attenção da Camara, a qual me desculpará pelo tempo que lhe tenho tomado.

Tenho dito, Sr. Presidente. (Apoiados).

(O orador não reviu o seu discurso}.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Manuel de Arriaga:- Pedi a palavra por parte da commissão de redacção para mandar para a mesa o parecer n.° 9 (ultima redacção), que trata da amnistia de empregados e operarios ferro-viarios.

O Sr. João José de Freitas: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Em obediencia ao Regimento passo a ler a minha moção de ordem, que mando para a mesa.

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte reconhece a necessidade da existencia de duas Camaras Legislativas, a que convem conservar os nomes tradicionaes e consagrados de Camara dos Deputados e Senado, mas entende que esta segunda Camara deve ser igualmente formada de representantes da Nação, metade eleitos pelas corporações administrativas provinciaes ou districtaes e pelas municipaes, e a metade restante escolhida por eleição indirecta pelos representantes dos interesses permanentes e collectivos das grandes funcções da vida social.

Proclama a instituição do Governo Parlamentar como a unica conforme ás tradições, habitos e Índole da quasi totalidade das nações europeias, e por tanto da Nação Portuguesa.

Consigna que o projecto em discussão, negando ao Chefe do Estado o direito de veto, embora limitado, como é proprio de uma Republica Democratica, e o direito de dissolução da Camara dos Deputados mediante o parecer favoravel do Senado, e ainda conferindo ao Congresso, no artigo 37.°, o direito de destituição do Presidente da Republica, fora dos casos de crimes de responsabilidade definidos no artigo 44.° enfraquece demasiadamente o Poder Executivo em favor do Legislativo.

Affirma a necessidade de refundir o projecto em harmonia com os principios enunciados, e continua na ordem do dia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 17 de julho de 1911. = O Deputado, João de Freitas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados. Tomando a palavra nesta altura da discussão, em que a Assembleia está já fatigada, eu não tenho a pretensão, como ninguem a pode ter, de apresentar ideias ou principios novos. Em materia de direito politico e constitucional já não ha principios nem formulas originaes; o que ha é principios e formulas antigas, que é preciso combinar e adaptar convenientemente a circunstancias novas e sempre variaveis.

O trabalho da commissão, na parte relativa á organização dos poderes do Estado, teve o merito incontestavel de pôr de parte preoccupações de um radicalismo irreflectido e de doutrinarismo intransigentes, tendentes á criação de uma unica Camara e a dispensar o Presidente da Republica como magistrado privativo; e, alem d'isso, o projecto mostra ainda que a commissão teve bem a nitida comprehensão das necessidades reaes da nossa organização politica, no momento historico que estamos atravessando, realizando no seu projecto estas tres condições fundamentaes e imprescindiveis:

1.ª A dualidade do poder legislativo, que ficará sendo exercido por duas assembleias soberanas;

2.ª A criação da Presidencia da Republica como uma magistratura privativa, symbolo e representação suprema da soberania nacional;

3.ª A eleição d'esse Presidente pelas duas Assembleias Legislativas, reunidas em Congresso.

É escusado estar, nesta altura do debate, a expor as razões e argumentos que, na verdade, são decisivos e irrefutaveis, invocados pelos tratadistas de direito politico e constitucional, em favor da existencia de duas Camaras.

Basta attentar em que todas as nações do mundo em que existe a liberdade popular, garantida pelo regime representativo, teem a dualidade das Camaras; na America todas as nações independentes, com excepção apenas de dois Estados Balkanicos.

A historia, que é a grande mestra da vida para todos os povos, dá-nos, entre outros, um exemplo eloquente, para mostrar quanto é perigosa a existencia de uma Camara unica: a segunda Republica Francesa de 1848 a 1851, na qual uma Assembleia unica, era frente do poder executivo e em conflicto permanente com elle, acabou por ser esmagada por um golpe de Estado, sendo estrangulada a Republica e restaurado o cesarismo bonapartista com o segundo imperio.

Uma voz: - E se tivesse havido duas Camaras?

O Orador: - Se tivesse havido duas Camaras era provavel que esse conflicto se não tivesse dado, ou pelo menos que não tivesse attingido um grau tão elevado de acuidade.

É o que com certeza não teria acontecido, se houvesse duas Camaras e se a eleição do Presidente lhes fosse conferida, seria a eleição de Luis Bonaparte para a Presidencia da Republica, pois nunca ellas o teriam eleito.

Tem-se dito que a soberania nacional não se divide, e que a representação nacional tambem não deve dividir-se, pelo que deve existir uma só Camara.

Effectivamente, a soberania nacional não se divide; mas o que é certo é que a funcção legislativa pode e deve ser exercida por dois orgãos distinctos.

A commissão propôs que o poder legislativo seja constituido por duas secções, que se denominarão respectivamente Conselho Nacional e Conselho dos Municipios.

Acho realmente favoravel o pensamento da commissão querendo que os municipios sejam representados na segunda Camara, porque effectivamente o municipio tem sido, desde a dominação romana, e através de todas as vicissitudes da nossa vida historica, um dos elementos primordiaes do nosso organismo administrativo e politico.

Mas, a commissão parece ter esquecido que, sob a influencia da centralização asfixiante que se começou a exercer, principalmente desde o começo do seculo XVI e, salvo um ou outro periodo de curta duração, como foi o que decorreu de 1878 até 1886, com a vigencia do Codigo Administrativo de Antonio Rodrigues Sampaio, esmoreceu e quasi se dissipou na grande maioria dos municipios ruraes, o espirito de independencia e de iniciativa local, extinguindo as energias que fizeram a força e a gloria dos velhos municipios portugueses, até ao começo do seculo xvi.

E de recear que os municipios ruraes, dominados pelo caciquismo monarchico, que adheriu á Republica na sua quasi totalidade, mas que tem ainda os velhos processos arreigados no espirito e espreita a occasião, que antevê próxima, de poder dominar ainda as administrações locaes, venham a cair nas mãos d'esses elementos, convertidos, apparentem ente, á Republica, mas conservando todos os velhos processos e vicios da deposta monarchia, e possam vir trazer aqui representantes que não sejam o que realmente deveriam ser, não constituam aquillo que deveriam constituir - um Senado republicano.

Entendo, todavia, que os municipios devem ser, effectivamente, uma das divisões territoriaes destinadas a figurar na representação da segunda Camara, mas discordo tambem da ideia apresentada pelo illustre Deputado Sr. Dantas Baracho, que substitue aos Conselhos do Mu-

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nicipio os Conselhos de Provincia, á imitação dos Estados Provinciaes da antiga Republica Hollandesa.

A provincia, como unidade administrativa, ha muito que deixou de existir entre nós; apenas tem realidade actualmente como unidade geographica e ethnographica, havendo effectivamente differenciações accentuadas de provincia para provincia, mas conservando todas ellas uma Homogeneidade muito maior, e que não pode de modo algum comparar-se ás differenciações profundas que se observam entre as diversas regiões provinciaes da Espanha, ou entre os cantões da Suissa Allemã, Francesa e Italiana.

A provincia portuguesa forma hoje, em seu conjunto, um todo sufficientemente homogeneo, para não poder assentar exclusivamente sobre ella a divisão territorial, para o effeito da eleição dos representantes da segunda Camara.

Pode empregar-se como uma das bases, não dando á palavra provincia um significado de circunscrição administrativa, porque, de mais a mais, seria hoje impossivel, ou pelo menos extremamente difficil, restabelecer as antigas provincias administrativas, visto que as capitães de districtos que houvessem de ser sacrificadas erguer-se-hiam em nome dos seus interesses lesados e levantariam invenciveis obstaculos a tal restabelecimento.

A adopção d'esta medida teria sido possivel em 1867, quando o Governo da fusão tentou reduzir os districtos administrativos, mas hoje, decorridos perto de oitenta annos sobre a divisão administrativa do país em districto, estabelecida em 1835, difficil ou quasi impossivel se torna restaurar a provincia como unidade administrativa e extinguir o districto, porque isso seria, repito, diminuir a importancia das capitães da maior parte dos nossos districtos administrativos e ellas levantariam a essa reforma obstaculos de tal ordem que necessario seria desistir de a levar a cabo.

Pode acceitar-se a provincia para o effeito da divisão do país em regiões, a fim de elegerem um numero determinado de representantes da segunda Camara, e assim, segundo uma das emendas ao projecto que vou ter a honra de mandar para a mesa, proponho que o Senado seja constituido por 72 membros, sendo metade, ou sejam 36, eleitos pelas corporações administrativas, sejam districtaes ou provinciaes, e pelas vereações municipaes.

Elegendo cada provincia ou cada grupo dos districtos que constituem uma provincia, tres Senadores, teremos assim 24 no continente; com dois por cada archipelago dos Açores e Madeira, temos 28; com um por cada uma das provincias ultramarinas, teremos 36. Os restantes serão eleitos, por eleição indirecta, pelos representantes dos diversos aggregados sociaes, que devem ser os seguintes: 1.° os collegios e corporações scientificas, representando o ensino superior, secundario, primario, especial e technico e de arte nacional; 2.° as corporações das classes que exercem profissões e artes liberaes; 3.° as associações commerciaes, ou camaras de commercio; 4.° as corporações industriaes; 5.° as associações agricolas; 6.° as associações operarias, devidamente organizadas, que já existem no país em grande numero. Cada uma d'estas associações elegeria delegados, que por sua vez elegeriam os representantes das suas respectivas classes, no total de 36 Senadores.

Seria determinado, e por uma lei especial, o numero de representantes de cada uma das classes e regulado o modo por que as eleições se deveriam fazer, quer a eleição pelas corporações administrativas e districtaes, quer a dos delegados das diversas classes.

Entendo que um Senado assim constituido deveria ser o baluarte mais solido e inexpugnavel da Republica Portuguesa.

Passo a fazer a leitura da minha proposta da emenda ao artigo 7.° do projecto.

(Leu).

A commissão, no seu projecto, mudou os nomes ás duas Camaras: uma chamou-lhe Conselho Nacional e outra Conselho dos Municipios.

É uma imitação da Constituição suissa, o nome dado ao Conselho Nacional.

Mas não ha razão para lhes mudar os nomes.

Podia dizer-se que Senado era uma instituição de soberania monarchica, mas não é assim. A segunda Camara tem o nome de Senado na Republica Francesa, assim como em todas as Republicas americanas, e, na sua origem historica, o Senado dos nossos dias deriva do antigo Senado romano, que ao lado dos comicios populares, foi a instituição mais forte e mais gloriosa da antiga Republica Romana.

Com respeito á organização do poder executivo, o projecto da commissão nem adoptou o systema presidencialista norte americano e brazileiro, nem o systema do Governo parlamentar, mas sim um systema misto, sui generis, que participa da natureza d'aquelles dois.

É presidencialista, em parte, porque sendo o Governo, ou antes o Ministerio, estranho ao Parlamento e não podendo nunca comparecer nas sessões do Congresso (artigos 40.° e 41.°), não precisa, para viver, da confiança das maiorias parlamentares e não é solidariamente responsavel perante o Congresso, mas só carece da confiança do Presidente e só são responsaveis individualmente os Ministros para com elle e uns e outros responsaveis perante o Congresso, nos casos dos crimes de responsabilidade definidos no artigo 41.°.

Neste ponto, portanto, realizou parcialmente o projecto o principio da separação dos poderes, que serve de base ao systema presidencialista, pois tambem não reconhece o direito da dissolução; mas participa igualmente do systema parlamentar, na forma da eleição do Presidente da Republica, que é eleito pelo Congresso, o qual tambem tem competencia para o destituir, segundo o artigo 37.°

Ora não me parece que o principio americanista ou presidencialista do Ministerio estranho ao Parlamento possa ter applicação em Portugal, nas circunstancias actuaes.

Não é só o ser contrario aos nossos habitos e tradicções parlamentares e á indole dos parlamentos europeus, que reclamam a presença do Governo e exigem que os Ministerios vivam da confiança e apoio das maiorias parlamentares.

Ha outras razões ainda: os que querem o Ministerio estranho, fazem-no sobretudo para evitar a influencia dominadora e absorvente do poder executivo sobre o poder legislativo; mas essa influencia, maior ou menor, é inevitavel, porque se exerce e não pode evitar que se exerça fora das sessões e por intermedio das commissões parlamentares, isto é, encapotadamente, e melhor será exercer essa influencia de uma maneira clara e franca, dentro do proprio Parlamento.

Alem d'isso, é preciso attender á indole e ao temperamento particular dos homens de Estado em Portugal, que lhes não consentirá serem atacados dentro do Parlamento, sem estarem aqui para responderem aos ataques que lhes forem dirigidos.

Vou ainda referir-me a outro assunto.

Vejo que o projecto, negando ao Presidente da Republica o direito do veto, embora limitado, como não pode deixar de ser numa Republica democratica, negando-lhe o direito de dissolução da Camara dos Deputados nos termos em que o admitte a lei constitucional francesa, e ainda concedendo ao poder legislativo o direito de destituição do Presidente, nas amplas condições do artigo 37.°, empreguem demasiadamente o poder executivo e deve portanto ser emendado.

Em primeiro logar, com respeito ao direito do veto, direi que elle existe na Constituição da grande Republica norte-Americana.

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE.

Ahi os presidentes usam frequentemente do direito de veto.

O Presidente Grant negou em 1874 a sua sancção a um projecto de lei tendente a privar os Indios do seu territorio. Até 1880, diversos presidentes negaram sancção a 132 bills approvadoa pelo Congresso.

O Presidente Cleveland oppôs o veto a 301 projectos de lei, votados pelo poder legislativo.

Não quero dizer que em Portugal seja conveniente usar com frequencia do direito de veto: é uma arma perigosa, que não deve ser empregada pelo Presidente da Republica, senão em circunstancias muito excepcionaes.

O direito do veto pode, porem, e deve ser exercido, quando fortes correntes da opinião publica forem contrarias a um projecto de lei approvado pelo Parlamento, e quando dentro das Camaras numerosas minorias parlamentares se tiverem mostrado adversas ao mesmo projecto.

O Presidente da Republica deve ter então o direito de poder recusar a sancção ou promulgação, isto é, o direito de oppor o seu veto ao projecto de lei que lhe for apresentado, devendo em tal caso pedir em mensagem fundamentada uma nova deliberação do Congresso; se este, em segunda deliberação, novamente votar a mesma lei por maioria de dois terços dos seus membros, considerar-se-ha ella promulgada e terá desde logo força executoria, ficando dispensada a promulgação pelo Presidente; e não se podendo alcançar esses dois terços, ou no caso de estar já encerrada a sessão parlamentar, no momento da recusa da promulgação o projecto ficará espaçado para a sessão legislativa do anno immediato, e se nessa sessão elle, for novamente approvado, qualquer que seja a maioria obtida, então não será necessario que haja a maioria de dois terços, e o projecto será obrigatoriamente promulgado pelo Presidente, dentro do prazo de cinco dias desde que lhe tenha sido novamente apresentado.

O veto, nos casos em que pode ser admittido, constitue como que a substituição do referendum, porque o referendum, que vem a ser no fundo o veto do povo, mas que por emquanto é impraticavel em Portugal.

Na Suissa acontece por vezes que o referendum popular se manifesta em sentido contrario á maioria das duas Assembleias Federaes.

Em Portugal, eu admittiria o veto da Nação, ou seja o referendum, se o nosso povo não estivesse no lastimoso atraso de educação civica em que se encontra e se não houvesse ainda presentemente a monstruosa percentagem de 70 e tantos por cento de analfabetos.

Nos Estados Unidos, em muitos casos, o povo tem-se mostrado reconhecida ao Presidente pelo exercicio do seu direito de veto.

É provavel que em Portugal não seja necessario usar d'elle, e tanto melhor se assim acontecer; mas entendo que elle deve ficar consignado na Constituição, fazendo votos por que a sensatez e patriotismo de Congresso façam d'esta prerogativa uma arma inutil, de que o Presidente da Republica nunca careça de lançar mão.

Sobre este ponto, mando para a mesa a seguinte emenda para ser inserida entre os artigos 22.° e 28.° (Leu).

Outra emenda que proponho é relativa ao direito de dissolução, questão que aqui tem sido muito discutida. Eu acceito a dissolução e proponho-a mesmo, nos mesmo termos da lei constitucional francesa de 187&, mas não a acceito nos termos em que a propôs o Sr. Egas Moniz, isto é, pelo voto das duas Camaras, porque d'essa forma quasi nunca as duas Assembleias dariam voto favoravel á sua propria dissolução, e, sendo assim, tornar se hia mai grave e até verdadeiramente irreductivel o conflicto com o chefe do poder executivo.

Vou dizer quasi as circunstancias em que entendo que a dissolução pode ser necessaria e, portanto, as condições constitucionaes em que deve ser concedido ao chefe do poder executivo o direito de usar d'ella.

Quando, por exemplo, na Camara dos Deputados os grupos partidarios estão de tal modo fraccionados, estão faltos de cohesSo, faltos de disciplina, quando não se pode constituir maioria estavel para apoiar qualquer Governo, quando funcciona tumultuariamente, ou faz obstruccionismo systematico, quando recusa obstinadamente votar as leis annuaes, do orçamento e da fixação das forças de terra e mar, e quando ao mesmo tempo se mostre inilludivelmente que o Parlamento está em intimo desacordo com a Nação, então o Presidente poderá dirigir se ao Senado, consultando-o sobre a necessidade e opportunidade de dissolver a Camara dos Deputados, e terá de se conformar com o voto do Senado.

Pode dizer-se que o direito de dissolução que existe na lei constitucional francesa não se tem exercido e que só uma vez, em 1877, o marechal Mac Mahon usou d'esse direito.

É certo que assim tem sido, e que mesmo d'essa vez o Presidente Mac-Mahon usou de tal prerogativa bem indevidamente, porque o fez apoiado no voto favoravel da maioria do Senado, a esse tempo ainda monarchica, e com o fim unico de arrancar legalmente das urnas uma maioria conservadora e monarchica que lhe permittisse restaurar a monarchia.

Mas, algumas vezes se teem sustentado campanhas na mprensa tendentes a defender a necessidade e opportunidade de o Presidente dissolver a Camara dos Deputados,
ainda agora, bem recentemente, quando da formação do ministerio Caillaux, se defendeu intensamente essa solução como a unica forma de resolver a questão da reforma eleitoral, baseada na representação proporcional.

O direito da dissolução deve ser estabelecido na nossa Constituição nos mesmos termos em que o admitte a lei constitucional francesa, isto e, só poderá ser dissolvida a Camara dos Deputados mediante o parecer favoravel do Senado. Não reconhecer o direito da dissolução é tornar impossivel, em certos casos, a vida do poder executivo e expor o país aos perigos dos golpes de Estado ou das guerras civis, como tantas vezes aconteceu nas republicas espano americanas.

Quando surgir um conflicto irreductivel entre a Camara dos Deputados e o poder executivo, quando esta Camara tornar impossivel a vida de dois ou mais Ministerios, que tenham por si a maioria das correntes da opinião publica, como resolver difficuldades e de que maneira sair d'essa situação? Negar em taes circunstancias o direito da dissolução da Camara dos Deputados é, ou reduzir o poder executivo á impotencia, ou incitá-lo a um golpe de Estado, de que pode resultar uma guerra civil.

Uma constituição politica deve prevenir estes casos extremos e evitá-los, fornecendo meio legal para isso. Esse meio só pode ser a dissolução.

O direito da dissolução tem sido usado, por vezes, com applauso da opinião publica, tendo os governos maioria parlamentar. Aconteceu isso sob o reinado de Jorge IV em Inglaterra, em que o rei, estando em desacordo com Lord Melbourtie, lhe retirou a sua confiança, chamando ao poder Lord Wellington e Roberts Peei; e algumas vezes na Bélgica, sob os reinados de Leopoldo I e Leopoldo II; Leopoldo I, modelo dos réis constitucionaes retirou a sua confiança a um Governo que tinha maioria parlamentar, e concedeu a dissolução ao novo Ministerio que lhe snccedeu, por estar em desacordo com o Governo que estava no poder, em virtude de agitação provocada pela questão dos conventos; e Leopoldo II procedeu da mesma forma por duas vezes differentes, 1874 e em 1884.

O direito de dissolver as Camaras electivas pode ser, portanto, uma necessidade instante, tanto numa Republica parlamentar como numa monarchia constitucional.

Perguntar-me-hão porque é que esse direito se ha de

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exercer somente sob a Camara dos Deputados e não tambem sob o Senado. Mas, se a dissolução pudesse abranger as duas Camaras, qual deveria ser a entidade competente para dar parecer sobre esse acto de tanta gravidade? A quem deveria o Presidente da Republica consultar a tal respeito? As duas Camaras, como pretende o Sr. Deputado Egas Monis? Isso seria inutil, porque as duas Camaras nunca dariam esse parecer; favoravel seria reconhecer a incapacidade das duas Assembleias, para continuarem a exercer a sua acção legislativa. Poderia o Presidente exercer por si só esse direito sem consulta favoravel de alguma alta corporação ou collectividade constitucional? Isso tambem não, e de modo algum, pois seria uma prerogrativa arbitraria e representaria o exercicio do poder pessoal.

Esta palavra dissolução está profundamente desacreditada em Portugal, porque se usou e abusou escandalosamente d'essa prerogativa regia, especialmente nos ultimos reinados. No reinado de D. Carlos, não houve senão duas Camaras que concluiram o termo constitucional do seu mandato. Foram dissolvidas todas as outras, porque o Con selho de Estado era constituido pelos chefes dos partidos de rotação e pelos marechaes d'esses partidos, creaturas de uma submissão servil aos respectivos chefes de quem dependiam, e é claro que os membros que seguiam a facção politica do chefe do Conselho do Governo concediam sempre a dissolução pedida por elle, e votavam contra ella os que eram da facção opposta; e houve até uma vez, em 1905, em que, contra o parecer do Conselho de Estado, o rei concedeu a dissolução ao chefe do Governo progressista, trazendo já assinado, para a reunião do Conselho, segundo se disse, o respectivo decreto. É claro que não podemos de forma alguma permittir, na Constituição Republicana, e na nossa normalidade constitucional, que se possa abusar escandalosamente d'ella, como se abusou no tempo da monarchia; deve ser estabelecida e regulada de maneira rigorosa, de modo a coarctar todo o arbitrio do Chefe de Estado; mas, se circunstancias excepcionaes e extraordinarias surgirem em que seja necessario usar de tal prerogativa, necessario será que a lei fundamental a consigne para esses casos excepcionaes, extraordinarios, em que effectivamente seja indispensavel lançar mão d'esse meio, sob pena de tornar impossivel a estabilidade de qualquer Ministerio ou de obrigar o Chefe de Estado a dar um golpe de Estado e correr o risco de desencadear uma guerra civil. (Apoiados).

Sobre esta. questão, envio para a mesa um additamento que diz o seguinte: (Leu).

O projecto de Constituição, no artigo 33.°, diz que o Presidente da Republica é eleito por quatro annos e não pode ser reeleito durante o quatriennio immediato.

Sobre este ponto, estou tambem em desacordo com a Commissão e talvez com a quasi totalidade da Assembleia Constituinte. Embora preste o meu culto ao principio da não reeleição successiva, que reconheço ser profundamente democratico, entendo que não ha necessidade, nem mesmo conveniencia alguma em consignar expressamente este principio na Constituição da Republica. Se o periodo ou duração do mandato presidencial fosse de sete annos, como é segundo a Lei Constitucional francesa, eu seria de opinião que não pudesse ser permittida a reeleição successiva; mas, sendo apenas de quatro annos a duração d'esse mandato, entendo que não ha inconveniente algum em se permittir a reeleição sob as condições que vou expor.

Segundo a Constituição Norte-Americana, é permittida a reeleição successiva do Presidente da Republica e naquella grande confederação dos Estados Unidos muitos presidentes teem sido reeleitos successivamente. Foram reeleitos Monroe, Lincoln, Mac Kinley, Cleveland, alem de varios outros.

O principio de não reeleição successiva foi importado da Constituição da Republica Brasileira, cuja duração do mandado presidencial é tambem de quatro annos.

Ora sendo apenas os quatro annos, tambem segundo o projecto em discussão, não vejo que entre nós possa haver os perigos- que se apresentam á reeleição dos presidentes.

Diz se geralmente que os presidentes, dominando os funccionarios e estando em circunstancias que lhes permittem corromper o corpo eleitoral, podem criar no país uma forte e irresistivel corrente ficticia em favor da sua reeleição. Este argumento só pode ter algum valor nas republicas em que a eleição do Presidente é feita, ou por suffragio popular directo á maneira do Brasil, ou pela forma indirecta estabelecida nos Estados Unidos; mas não tem peso nem valor algum quando a eleição for feita pelas duas Assembleias Legislativas, segundo a forma francesa e segundo o projecto que se discute para Portugal.

Entendo que se não deve tolher o direito de o poder legislativo reeleger o Presidente da Republica para os quatro annos seguintes ao quadriennio em que acabou de servir, porque pode haver circunstancias em que convenha ao país assegurar o espirito de continuidade no exercicio do poder executivo.

Se durante os quatro annos do primeiro mandato, o Presidente tiver dado provas de dedicação á causa publica e de grande capacidade no exercicio do seu alto cargo, porque razão se ha de privar o Parlamento do direito de o reeleger para o quadriennio immediato?

Mas este direito do Parlamento só poderá ser exercido quando o Presidente reunir uma corrente tão poderosa, tão consideravel de membros do congresso, que não possa levantar-se a menor celeuma e que não haja uma numerosa minoria hostil á sua reeleição.

O perigo, tambem apontado, de o Presidente reeleito poder aumentar os seus meios de acção para se fazer nomear vitaliciamente ou se apoderar do throno por um golpe de Estado, não pode existir com o systema da eleição pelas duas Camaras. As Camaras nunca teriam eleito Luis Bonaparte Presidente da segunda Republica Francesa. Repito tambem, como já foi dito por outros oradores, a faculdade concedida á segunda Camara de approvar ou rejeitar a nomeação dos juizes do Supremo Tribunal de Justiça.

Deve-se pôr termo ao favoritismo que tem existido na collocação dos magistrados da primeira e segunda instancias e Supremo Tribunal, mas o Senado não deve ficar com o direito de intervir em taes nomeações. E preciso coarctar quanto possivel o arbitrio Ministerial na nomeação de juizes e garantias efficazes devem ser estabelecidas a tal respeito na lei a fazer sobre organização judiciaria.

Mas ao Senado não pode competir tal assunto, pois dar-lhe essa competencia será subordinar o poder judicial ao legislativo e fazer intervir uma assembleia politica na administração superior de justiça.

Uma instituição contra a qual aqui se tem falado, é sobre a instituição do Alto Tribunal da Republica, estabelecido pelo artigo 51.° do projecto.

E esta uma das disposições, pela qual só merece louvores a commissão do projecto. Entendo que esta instituição é de uma grande utilidade e de um grande alcance moral e politico, porque reconheço que todos os individuos, quaesquer que sejam as suas categorias, devem ser iguaes perante a justiça e os tribunaes.

Reconhecer e declarar que o Chefe do Estado, os Ministros, Deputados e Senadores são iguaes aos outros cidadãos nas suas responsabilidades perante os tribunaes communs, entregando o julgamento dos crimes por aquelles praticados ao mais alto tribunal do foro commum - o Supremo Tribunal de Justiça - é dignificar o exalçar o poder judicial, nivelando perante elle todos os cidadãos,

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O artigo 51.° do projecto concede ao Supremo Tribunal de Justiça o direito de julgar previamente e sem recurso os crimes de responsabilidade do Presidente da Republica, dos Ministros, Deputados e seus co-reus, instituindo ao mesmo tempo uma especie de jury especial, constituido pelos representantes da Nação, Senadores e Deputados que, com o mesmo Alto Tribunal, funccionarão para conhecerem e julgarem, em materia de facto, as responsabilidades que impendem sobre o Presidente da Republica e Ministros de Estado, pelos crimes previstos no artigo 44.°

E por assim dizer um tribunal misto, mas commum, embora especial, em que os Senadores e Deputados não serão mais do que simples jurados, mas com competencia especial para julgarem dos crimes commettidos por essas entidades, ouvido o poder judicial, representado pelos juizes do Supremo Tribunal de Justiça, para a applicação da lei.

Sr. Presidente, eu vou terminar as minhas considerações, porque não desejo prolongar um debute sobre o qual a Assembleia já está perfeitamente esclarecida.

Possivel é que os minhas ideias tenham parecido a alguns membros d'esta Assembleia excessivamente conservadoras; mas devo dizer a V. Exa. e á Assembleia que apenas procurei inspirar-me nos exemplos colhidos na historia dos países republicanos ou nas monarchias verdadeiramente constitucionaes e no exame das circunstancias peculiares em que se encontra o nosso país no actual momento historico.

Num país como o nosso, sujeito durante largos annos á influencia da reacção clerical, com uma instrucção popular e uma educação civica atrasadas, e em que as camadas populares, sobretudo nos campos, estão ainda em muitas regiões dominadas pela reacção monarchico-clerical, não podemos por emquanto implantar formulas de direito politico e constitucional que podem ser de uma grande belleza theorica, mas que estão fatalmente destinadas a fracassar perante a resistencia declarada ou passiva d'essas camadas da população.

Sejamos patriotas, sejamos bons republicanos, mas sejamos práticos, fazendo uma Constituição republicana que seja a expressão exacta das necessidades do nosso tempo e da nossa situação politica.

Termino mandando para a mesa as seguintes

Propostas

Emenda ao artigo 7.° do projecto da Constituição

Artigo 7.° A Camara dos Deputados é eleita por suffragio directo. O Senado é formado de setenta e dois membros, sendo metade eleitos pelos membros effectivos das corporações administrativas provinciaes ou dos districtos correspondentes a cada provincia do continente da Republica e a cada archipelago das ilhas adjacentes, bem como pelos vereadores em exercicio á data da eleição, tanto no continente e ilhas adjacentes como nas provincias ultramarinas, e a metade restante eleita por eleição indirecta, pelos representantes dos interesses permanentes e collectivos das grandes funcções da vida social, corporações scientificas, profissões e artes liberaes, associações commerciaes ou camaras do commercio, associações industriaes, associações agricolas e associações operarias.

§ 1.° Os membros da Camara dos Deputados denominam-se Deputados da Nação e os do Senado Senadores. Os primeiros não podem ser eleitos contando menos de vinte e cinco annos de idade e os segundos menos de trinta e cinco.

§ 2.° Cada provincia do continente ou o districto ou districtos que formarem cada provincia elegerão no continente europeu tres Senadores. Cada um dos archipelagos das ilhas adjacentes dois e cada provincia ultramarina um.

Os seis aggregados sociaes acima enunciados serão somente os do continente europeu e ilhas adjacentes e elegerão os restantes trinta e seis Senadores.

§ 3.° Uma lei especial regulará os termos e forma da eleição das duas Camaras Legislativas. = João de Freitas.

Artigo addicional a inserir entre o artigo 22.° e o actual artigo 23.° do projecto

Artigo 23.° O Presidente da Republica, como chefe do poder executivo, promulgará a lei dentro do prazo de quinze dias, a contar da data em que lhe haja, sido apresentado. O seu silencio, até o ultimo dia do referido prazo, equivale á promulgação da lei.

§ 1.° Dentro, porem, do mesmo prazo poderá o Presidente da Republica, em mensagem fundamentada, recusar a promulgação da lei e pedir que esta seja submettida a nova deliberação do Congresso, que não poderá ser recusada.

§ 2.° Se em segunda deliberação o projecto de lei for novamente approvado por dois terços dos votos por cada uma das duas Camaras, considera-se promulgada e será dada logo força de lei vigente.

§ 3.° Se, porem, não obtiver em segunda deliberação dois terços dos votos das duas Camaras, ou se o facto da recusa da promulgação occorrer, achando-se já encerrado o Congresso, ficará o projecto de lei adiado até a sessão legislativa do anno seguinte, e, se nesta sessão for mais uma vez approvado por qualquer numero de votos de maioria, o Presidente da Republica não poderá recusar a sua promulgação, que deverá ter logar dentro de cinco dias, a contar da data da segunda apresentação do mesmo projecto. = O Deputado, João de Freitas.

Emenda ao artigo 33.° do projecto

Artigo 33.° O Presidente é eleito por quatro annos e poderá ser reeleito para o quadriennio immediato, se as duas Camaras, reunidas em Congresso e cm sessão preparatoria especial até véspera do 60.° dia a que se refere o artigo 29.°, se tiverem por dois terços dos votos dos seus membros mostrado favoraveis á reeleição.

§ 1.° Nenhum Presidente poderá ser reeleito successivamente mais de uma vez.

§ 2.° No caso de não reeleição, o Presidente deixa o exercicio das suas funcções no mesmo dia em que expira n seu mandato, assumindo-as logo que tiver sido eleito. = O Deputado, João de Freitas.

Additamento

Numero addicional a inserir no artigo 38.° do projecto, entre o n.° 5 ° o actual n.° 6.°

N.° 6.° Dissolver a Camara dos Deputados mediante parecer favoravel do Senado, quando essa medida for imposta pela necessidade de restabelecer a harmonia entre os poderes legislativo e executivo e não haver outro meio de consegui-lo. = O Deputado, João de Freitas.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Como falta apenas um quarto de hora para a sessão se encerrar e varios Srs. Deputados estão inscritos para antes de se encerrar a sessão, vou conceder a palavra ao primeiro dos oradores inscritos.

Tem a palavra o Sr. Cordeiro Junior.

O Sr. Cordeiro Junior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa o documento que em seguida vou ler, e que me foi enviado já ha alguns dias, não o tendo feito ainda por me não haver chegado a palavra.

É um officio; diz o seguinte.

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SESSÃO N.° 22 DE 17 DE JULHO DE 1911 21

"Cidadão José Cordeiro Junior.- Tendo visto nos jornaes de hontem que nas Constituintes foi apresentado um projecto de lei pelo Exmo. Sr. Innocencio Camacho, para que fossem contemplados com a pensão animal de 300$000 réis todos os sargentos que foram promovidos a officiaes no movimento revolucionario de 5 de outubro, peço a V. Exa. para em meu nome declarar peremptoriamente á Exa. ma Camara, sem desprimor para ninguem, que não acceito tal pensão, por achar em primeiro logar que, no momento actual em que o país atravessa uma crise financeira tão aguda, não deverei concorrer para o aggravamento d'essa crise recebendo pensões, e, em segundo logar, porque, tendo tomado parte nos movimentos revolucionarios de 28 de janeiro, de que V. Exa. é fiel testemunha e no dia 5 de outubro, todos os meus insignificantes serviços prestados, quer num quer noutro movimento, em beneficio da nossa tão querida Patria, já foram largamente recompensados pela honrosa promoção ao posto de tenente que me foi conferida por decreto de 22 de outubro do anno proximo passado.

Saude e Fraternidade.

Lisboa, 14 de julho de 1911. = Artur Celestino Sangreman Henriques, tenente da Guarda Nacional Republica, ex-sargento ajudante de artilharia n.° 1".

Vozes: - Muito bem, apoiado.

O Orador: - Requeiro a V. Exa. que este documento seja junto ao projecto enviado para a mesa pelo Sr. Innocencio Camacho, conforme já se procedeu com um outro documento, de igual natureza do Sr. Sá Cardoso.

Assim se resolveu.

O Sr. Innocencio Camacho Rodrigues: - Sr. Presidente: Pedi a palavra, não só como Deputado pelo circulo 42, mas tambem, e sobretudo por ser governador do Banco de Portugal. Eu, Sr. Presidente, não deveria ficar silencioso em vista das referencias feitas, nesta assembleia, áquelle estabelecimento de credito. Julgo por isso do meu dever dar algumas explicações.

O Banco, que só de Portugal tem o nome, é, como todos sabem, um Banco particular, de accionistas, que fez um contrato com o Estado. Ora é em virtude d'esse contrato que o Estado tem lá um representante, o qual, juntamente com o secretario geral do Banco, exercem simplesmente vigilancia sobre o cumprimento do contrato. As suas funcções estão absolutamente definidas nos estatutos. Eu, Sr. Presidente, sou apenas um fiscal do cumprimento d'esse contrato; entretanto, não posso deixar de conhecer um certo numero circunstancias que se dão com o Banco de Portugal.

Um dos males, é que, apesar da circulação estar hoje em cerca de 80.000:000$000 réis, na praça não andam mais de 10.000:000$000 réis, estando os restantes 70.000:000$000 réis arrecadados no pé de meia. Existe ha muito tempo um grande retrahimento, uma enorme desconfiança, a que de alguma maneira é preciso pôr cobro, com medidas de fomento, para evitar o mal a que hoje se alludiu.

Como no Banco de Portugal o dinheiro é pouco, segue-se o processo de limitar o credito a determinadas firmas, autorizando-se apenas o desconto, por exemplo, de 20:000$000 réis. Assim, um individuo que precisa de um desconto, como não tem credito para mais de 20:000$000 réis, quando o vae pedir ouve dizer que lhe não acceitam a letra por haver ultrapassado já o seu credito.

Os directores, como pertencem ao commercio e conhecem a praça, estão no caso de apreciar a situação das firmas.

Ás vezes esses individuos vêem ter commigo para eu interceder junto dos directores, a fim de lhes autorizarem o desconto. Se conheço que são firmas garantidas dou a minha informação nesse sentido, mas não posso fazer mais nada como governador. Teem chegado muitas vezes a dizer-me que, o não lhe descontarem, uma letra dará occasião á sua fallencia; mas eu Sr. Presidente, embora isso me pese, a unica cousa que posso fazer é dizer aos directores que esses individuos me inspiram toda a confiança pessoal, tendo-os na conta de homens de bem.

Ha firmas que teem um certo credito, mas alem d'esse credito o Banco não lhe quer dar mais, e uma das razões que allega para isso é o não possuir disponibilidades sufficientes.

Recusam-se muitas vezes descontos a firmas altamente cotadas, a que muitos não duvidariam particularmente emprestar, porque o Banco, repito, tem effectivamente poucas disponibilidades.

O que é preciso é evitar o retrahimento dos capitães, e isso estou eu persuadido que se conseguirá desde que haja sossego.

Tenho dito. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. João Fiel Stockler: - Uso da palavra, nesta altura da sessão, simplesmente para pedir ao Sr. Ministro da Guerra que, sendo possivel, me informe acerca dos motivos da annunciada transferencia de forças militares do Algarve.

Tenho recebido varios telegrammas de diversas entidades da capital do Algarve, que me dizem achar-se a cidade sobresaltada por este facto.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - O motivo d'essa transferencia de forças obedece, simplesmente, ao facto de estar a pôr-se em execução a nova organização do exercito.

É a nova fixação de forças militares no Algarve, deriva e está de harmonia com os preceitos d'essa mesma reorganização.

Mas ao fazer-se aqui, entre nós, a revisão da recente organização, porque ella será apreciada, discutida e votada no Parlamento, poder-se-ha então alterar a sede das forças militares, dando-se, por esta forma, satisfação ás reclamações das varias terras do Algarve.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Gastão Rodrigues: - Pedi a palavra para um assunto de importancia e a camara terá occasião de reconhecer como ha leis que podem provocar ataques á propriedade economica do cidadão.

Vou referir-me ao regulamento das execuções fiscaes, feito pelos Srs. João Franco e Hintze Ribeiro. São restos da dictadura franquista. (Apoiados}. Muitas queixas teem sido feitas pelos contribuintes sobre a maneira como se cumpre o artigo 139.° do regulamento da contribuição industrial e que é attentatorio dos direitos dos cidadãos.

A execução d'este artigo dá ensejo a grandes injustiças, porquanto obriga os individuos que tomam conta dos estabelecimentos industriaes a responsabilizarem se pelas collectas não pagas dos seus antecessores.

O regulamento a que alludo que é da exclusiva responsabilidade do regime monarchico, tem de ser suspenso, para evitar injustiças como esta: ao dono de uma casa de adello, no fim de quatro annos de tomar conta da loja, appareceu-lhe um aviso das execuções fiscaes para pagar uma decima relaxada, na importancia de 70$000 réis, que era da responsabilidade do dono anterior, que tinha morrido havia quatro annos.

Ora, Sr. Presidente, para evitar estes inconvenientes

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

é que eu elaborei um projecto de lei que, depois de ler, vou ter a honra de mandar para a mesa.

Proposta

A Camara delibera: que sejam suspensas todas as execuções fiscaes a que se refere o artigo 139.° do regulamento da contribuição industrial de 1896, até a votação e approvação do projecto de lei a apresentar á Camara e que regulará a materia. = O Deputado, Gastão Rodrigues.

Com isto termino as minhas considerações, fazendo votos para que a Camara apoie esta proposta

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Sr. Presidente: a lei que regula o assunto a que se referiu o Sr. Deputado, não é uma lei da minha responsabilidade, como S. Exa. muito bem disse.

E desde já declaro a V. Exa. e á Camara que tenho a maior sympathia pela proposta que o Sr. Deputado acaba de mandar para a mesa, estando certo que ella calará no animo da Assembleia. (Apoiados).

Como S. Exa. muito bem accentuou, o regulamento das execuções fiscaes não pertence á responsabilidade do actual Governo. E, porque eu o considero violento, é que publiquei uma medida que, favorecendo os contribuintes, produziu ao mesmo tempo benéficos resultados para o Estado.

Por essa medida as contribuições em atraso, que tinham rendido 12.000$000 réis apenas, renderam no mês seguinte 24:000$000 réis e no outro 60:000$000 réis.

Ha, Sr. Presidente, muitos contribuintes que não pagam porque não podem, e nessas condições proporcionar-lhes a maneira de satisfazer as contribuições em atraso é favorecê-los, e ao mesmo tempo beneficiar o Estado, que, sem isso, não as receberia. (Apoiados).

Em 5 de outubro de 1910, o Estado era credor de cerca de 13.000:000$000 réis de decima em atraso; pois hoje está averiguado que d'essa importancia 4.000:000$000 a 5.000:000$000 réis são cobraveis, e em absolutas condições de segurança para o Estado, pois estão caucionadas por differentes firmas.

Acceito a proposta do Sr. Gastão Rodrigues, apenas com a restricção de que o Estado, facilitando o pagamento das decimas, fique devidamente assegurado da sua cobrança. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem!

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora. Amanhã ha sessão, á hora regimental, duas horas da tarde. Antes da ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 10, relativo á extincção da Secretaria da Camara dos Pares, e a interpellação do Sr. Deputado Alvaro de Castro, dirigida ao Sr. Ministro da Marinha.

Na ordem do dia, continua a discussão do projecto de lei n.° 3, Constituição.

As nove horas da noite haverá outra sessão para continuação da discussão do projecto de lei n.° 7, crimes contra a Republica.

O Sr. Casimiro José Rodrigues: -Sr. Presidente, peço licença para observar que o Regimento não permitte que haja mais de uma sessão por dia. e que a Assembleia não resolveu que houvesse sessão nocturna amanhã.

O Sr. Presidente: - Devo declarar ao Sr. Deputado que a Assembleia assentiu ao pedido do Sr. Deputado Eusebio Leão.

O Sr. Casimiro José Rodrigues: - A Camara, permitta-me V. Exa. que lh'o diga, não se manifestou nem contra nem a favor do pedido do Sr. Eusebio Leão.

O Sr. Presidente: - Para evitar duvidas, vou consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos da tarde.

Os REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) = Alberto Pimentel.

(Na ordem do dia) = Albano da Cunha.

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