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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

27.ª SESSÃO

EM 21 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO.- Antes da ordem do dia. - É lida a acta. O Sr. Dantas Baracho faz algumas considerações, pedindo uma rectificação.- Dá-se conta do expediente. -Teem segunda leitura o projecto do Sr. Antonio Macieira, sobre cunhagem de medalhas especiaes para commemorar actos praticados durante a revolução, e o do Sr. Ministro das Finanças (José Relvas) para um credito de 1:500 contos de réis, sendo ambos enviados ás respectivas commissões.- O Sr. Fernão Botto Machado realiza a sua interpellação ao Sr. Ministro da Marinha acerca das condições em que se encontra a ilha de S. Thomé, Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha. - O Sr. Ministro da Guerra lê o relatorio do Sr. commandante da Escola do Exercito, sobre os factos a que se referira em outra sessão o Sr. Ramada Curto.

Ordem do dia. - Prosegue a discussão do projecto n.° 7 para a instrucção e criação de um tribunal destinado ao julgamento dos crimes contra as instituições. Usam da palavra os Srs. Machado de Serpa, Eusebio Leão, Carlos Amaro, Alberto da Silveira, Helder Ribeiro, Sá Pereira, Sousa da Camara, Egas Moniz, Alvaro de Castro, Teixeira de Queiroz e Alberto Souto dos quaes os dois ultimos mandam para a mesa um additamento e uma substituição. O Sr. Moura Pinto apresenta uma emenda. - O Sr. Germano Martins requer a interrupção da sessão por duas horas, o que é rejeitado; requerendo o Sr. José Francisco Coelho a contagem pela qual se reconhece não haver numero sufficiente na sala. Fica, por isso, com a palavra reservada o Sr. Alvaro Poppe, encerrando em seguida o Sr. Presidente a sessão.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão - Á 2 horas e 35 minutos da tarde.

Presentes - 172 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Amaro Justiniano de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia. Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourcnço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim. José de Sousa Fernandes, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José Barros Mendes do Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Vallo Sá Pereira, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinba, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá Alvaro Xavier de Castro, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Padua Correia, Antonio Pires Pereira Junior, Innocencio Camacho Rodrigues, João Gonçalves, José Maria de Padua, José Mendes Cabeçadas Junior, Leão Magno Azedo, Manuel de Arriaga.

Não compareceram d sessão os Srs.: - Adriano Augusto Pimenta, Affonso Augusto da Costa, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alvaro Nunes Ribeiro, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio França Borges, Antonio José de Almeida, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Pires de Carvalho, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Carlos Richter, Domingos Leite Pereira, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Gastão Rafael Rodrigues, Henrique José dos Santos Cardoso, João José de Freitas, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Theophilo Braga, José Augusto Simas Machado, José Maria Cardoso, José Montez, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Manuel de Brito Camacho, Manuel José Fernandes Costa, Miguel Augusto Alves Ferreira, Philomon da Silveira Duarte de Almeida, Ramiro Guedes, Sebastião de Magalhães Lima, Severiano José da Silva, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 27 DE 21 DE JULHO DE 1911 3

O Sr. Presidente: -Vae proceder-se á chamada.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 117 Srs. Deputados. Declaro, portanto, aberta a sessão.

Vae proceder-se á leitura da acta.

É lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está a acta em discussão. Ninguem pede a palavra?

O Sr. Dantas Baracho: - Peço a palavra sobre a acta.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Dantas Baracho: - Sr. Presidente: na sesão de 19 do corrente, o Sr. Deputado Egns Moniz propôs, com respeito aos trabalhos que se deviam seguir após a approvação na generalidade do projecto da Constituição, que todas as emendas apresentadas sobre o mesmo projecto fossem mandadas imprimir e depois distribuidas por todos os Srs. Deputados, a fim de que a Assembleia as pudesse estudar juntamente com o texto.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? É a acta que está em discussão.

O Orador: - Eu estou falando exactamente sobre a acta.

O Sr. Presidente: - Mas a acta não lavrou esse facto?

O Orador: - Lavrou. Mas os factos são os seguintes:

A acta dá para ordem do dia...

O Sr. Presidente: - Ali, isso é outra cousa.

O Orador: - Pois é sobre esse ponto que estou a falar.

Dia a acta que a ordem do dia para a sessão de hoje será a discussão dos tres primeiros capitulos do projecto da Constituição. É sobre isto que eu faço o meu reparo.

Deliberou, exactamente, a Assembleia, na vespera, que todas as emendas que foram apresentadas sobre o projecto da Constituição, deviam ir para a respectiva Commissão, para serem impressas e distribuidas, a fim de a Assembleia as poder estudar e formar sobre ellas o seu juizo. Succede, porem, que essas emendas ainda não estão impressas, e, por consequencia, salvo o devido respeito que eu tenho por V. Exa., Sr. Presidente...

Isto, pois, não se amolda com a ordem do dia exarada na acta.

Era este o reparo que eu queria fazer á boa paz, porque se eu quero que a Constituição seja muito brevemente aprovada, tambem me é licito esperar que a discussão seja feita serenamente e com ponderação. E, seguramente, deixará de haver ponderação, caso os autores das emendas - e aquelles mesmos que o não são - desconheçam o apuramento a que a Commissão chegou.

Peço, portanto, a rectificação da acta nos termos em que, legalmente, foi deliberado pela Assembleia. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Declaro ao Sr. Deputado Dantas Baracho que será feita a rectificação da acta, conforme as affirmações de S. Exa.

Entretanto, devo explicar á Assembleia que, se disignei para hoje a discussão dos tres primeiros capitulos do projecto da Constituição, foi somente porque hontem, já um pouco tarde, uni dos membros da commissão da Constituição me veio dizer que as emendas já estavam impressas e que podia continuar-se a discussão. Comtudo, não me occorrcu perguntar se ellas já tinham sido distribuidas. Creio que ainda não foram ...

O Sr. Dantas Baracho: - Eu pelo menos ainda não as vi!

O Sr. Presidente: - Mas a que quer V. Exa. chegar?

O Orador: - Eu torno a fazer a minha exposição.

Se eu levantei reparos sobre a acta é pelo seguinte:

Diz a acta: a ordem do dia será a discussão dos tres primeiros capitulos do projecto da Constituição.

Ora, muito bem. Em vista disto é que houve o meu reparo; visto que, na véspera, tinha a Assembleia deliberado que todas as emendas apresentadas - como já disse e repito - no decurso da discussão do projecto da Constituição fossem impressas e immediatamente distribuidas juntamente com o texto do projecto. (Apoiados).

Ora, Sr. Presidente, as emendas não foram nem estão ainda impressas, nem tão pouco, portanto, distribuidas, o que dá em resultado o difficilimo cotejo entre aã emendas aprovadas ou as que a commissão approvou.

O Sr. Presidente:-Nestes termos e por que todos nós desejamos que, junto com a brevidade da discussão, haja a maior ponderação...

O Sr. Dantas Baractto: - É a maior compostura...

O Orador: - ... peço á Assembleia licença para alterar a ordem: ficar o projecto da Constituição para ser discutido na especialidade, quando vierem as emendas e ser então posto immediatamente em discussão; e hoje, se a Assembleia está de acordo, entrar era ordem do dia o projecto de lei sobre os conspiradores.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Feitas estas emendas na acta, creio que não ha mais nenhuma reclamação sobre o seu restante texto e, portanto, julga-se approvada.

Foi approvada,

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o expediente.

É lido o expediente.

O Sr. Presidente: - Eu chamo a attenção da Assembleia para o documento que vae ser lido.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - A Assembleia dispensa as faltas do Sr. Montez?

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Communico á Assembleia que fui procurado por uma grande commissão de vendedores de viveres a, retalho, que me vieram entregar uma representação, pedindo-me para ser lidei á Assembleia e inserida no Diario das Sessões.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Queixam-se elles da carestia do azeite e pedem á Assembleia que active, quanto antes, a discussão e a vota cão do projecto de lei apresentado pelo Sr. Lopes da Silva, com o qual estão de acordo. Se a Assembleia approva, vae ser publicada a representação no Diario das Sessões.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vão sujeitar-se á admissão da Assembleia dois projectos de lei, que já saíram impressos no Diario do Governo de ante-hontem.

Um d'elles é o projecto de lei do Sr. Antonio Macieira sobre a cunhagem de medalhas especiaes para commemorar actos praticados durante a revolução. Os Srs. Deputados que admittem este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi discutido e enviado á respectiva, commissão.

O Sr. Presidente: - O outro projecto que vae ser submettido á admissão da Assembleia do projecto apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças sobre o credito de 1:500 coutos de róis. Os Srs. Deputados que admittem este projecto de lei, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviado á respectiva commissão.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se nos trabalhos de antes da ordem do dia. Para antes da ordem do dia está marcada a interpellação do Sr. Fernão Botto Machado ao Sr. Ministro da Marinha.

Tem a palavra o Sr. Botto Machado.

O Sr. Fernão Botto Machado: - Sr. Presidente: enviei para a mesa a minha nota de interpellação ao Sr. Ministro da Marinha, não só porque a provincia de S. Thomé e Principe ainda nesta hora não tem o seu representante nesta Camara e d'ali se me dirigem, como V. Exa. sabe, para eu aqui lhes defender os seus direitos, mas porque ali se bateram os republicanos como valentes para me fazerem seu Deputado ás Cortes ainda no tempo da monarchia, e justo será que eu, mostrando-me reconhecido, diga á Camara as deploraveis condições em que se encontra aquella formosa e fertilissima ilha.

Entendo, alem d'isso, Sr. Presidente, que, tendo se como axiomatico que o futuro de Portugal está no mar e na Africa, se impõe á Republica não continuar a votar ao ostracismo e ao maia condemnavel abandono aquella perola exuberante de riquezas naturaes, como fizeram sempre os governos da monarchia, só cuidando em lhe sugar as receitas, sem lhe fomentarem o progresso e o desenvolvimento, e sem attenderem ás péssimas condições da sua existencia social.

Sei muito bera que os espiritos estão ali neste momento muito excitados e d'isso dão testemunho os telegrammas que tenho recebido e de que tenho dado conhecimento á Camara.

Mas protestei a mim mesmo fazer na Constituinte, não uma obra de ruido, mas uma obra de utilidade, de justiça e de sinceridade, e por isso passarei de alto sobre a miseria moral que tantas vezes é a politica, para me occupar, de preferencia, de assuntos mais progressivos, mais generos e mais humanos, se bem que não posso deixar de registar neste momento que foi realmente desacertada a nomeação do actual governador.

Entrando, emfim, no assunto, observo que emquanto que a provincia de Angola dá sempre deficits aunuaes de centenas de contos de réis, Cabo Verde dá sempre deficits consideraveis, e a india dá saldos positivos insignificantes, S. Thomé, não só envia todos os annos para a metropole 8, 9, 10 e mesmo 11 mil contos em generos, o que corresponde a enviá-los em ouro, mas todos os annos envia ao cofre central do Thesouro na metropole 400, 500, 700 e até 900 contos de réis de saldos positivos. E comtudo, emquanto que aquellas provincias teem sido tratadas com carinho e attendidas em tudo quanto reclamam, a de S. Thornó foi sempre coasiderada pelos governos da monarchia com os olhos de uma péssima madrasta estrabica.

Sabe o Sr. Ministro da Marinha as deploraveis condições em que a monarchia deixou a ilha de S. Thomé?

Creio que não sabe.

Mais: affirmo que não sabe, pois que, se soubesse, faço a S. Exa. a justiça de acreditar, não consentiria que a Republica continuasse a deixar permanecer a ilha num estado tão profundamente vergonhoso.

E porque S. Exa. não sabe, vou dizer-lh'o, evitando carregar as tintas do triste quadro, visto que elle é por si mesmo desolador.

Começarei pelos tribunaes de justiça, que são sempre os que dão mais a nota da boa ou má administração de uni povo.

Os tribunaes de justiça, Sr. Presidente, que em toda a parte teem de viver ainda de exterioridades, e tanto é assim que os juizes ingleses, ao subirem para as suas tribunas, ainda agora são obrigados a pôr na cabeça a sua tradicional peruca, estão em S. Thomé installados num velho pardieiro ignóbil, que ao mesmo tempo serve tambem de armazem de cacau e deposito do peixe de Mossamedes, como se o fiel da balança que pesa o peixe e o cacau fosse precisamente o mesmo que tem de servir para regular a imparcial e honrada administração da justiça.

Não é tudo.

A conservatoria do registo predial, repartição de tão graves responsabilidades que é a depositaria dos livros de registos de toda a riquissima propriedade immobiliaria da ilha de S. Thomé, está installada numa ignominiosa cubata de madeira, como se as suas salas fossem destinadas a recreio de indigenas que nas noites de chuva ali fossem dançar os seus batuques.

Exposta a todos os riscos, um sinistro de incêndio será de damnos inconcebiveis e irreparaveis.

As escolas, poucas e incompletas, porque as devia haver ali profissionaes, de artes e officios, e não as ha, são verdadeiros chavascaes e matadouros de crianças, e, bem longe de serem attrahentes, seductoras, onde as crianças se sintam melhor do que era suas casas, falta-lhes tudo, desde a mobilia e utensilios recoramendados pela pedagogia moderna, até a cubagem, ao ar e á luz, porque os edificios em que se acham installadas são pardieiros ignobis, indignos do fim a que os destinaram.

As outras repartições publicas são autênticos chavascaes, onde a burocracia, já mal vista, porque representa a compressão autoritaria e legal, e tantas vezes tem de exercer funcções coercivas, sente diminuido o seu prestigio, por ter de funccionar dentro de antros que de todo a degradam.

O estado sanitario de S. Thomé não pode ser mais deploravel.

As doenças endemicas e epidemicas fizeram ali o seu ninho, e a tuberculose tambem já estendeu os seus tenta-los sinistros até S. Thomé e Principe, não produzindo um maior numero de victimas só porque os habitos de limpeza e hygiene dos seus habitantes os tornam de algum modo imunes.

Mas o péssimo estado sanitario de S. Thomé não pode, em verdade, ser outro.

Mesmo em frente da fortaleza, ha um pantano.

Mais alem, em frente da residencia do vigario pro-capitular, ha outro.

Ha pantanos perigosissimos, por toda a parte.

Na cidade, não ha canalizações, não ha esgotos, não ha Iluminação digna d'esse nome, não ha jardins, não ha uma venida, não ha sequer uma rua correctamente alinhada, não ha nada, que attcste o progresso defuma cidade rica.

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Em S. Thomé, tudo é primitivo.

S. Thomé é uma cidade que exporta riquezas para a metropole, mas tudo ali é estacionario.

S. Thomé é a mesma cidade improgressiva de ha trinta ou quarenta annos, e, se nalguma cousa progrediu, deve-o á iniciativa particular, e não á dos governos.

A viação publica é um horror. Não ha estradas para os sitios mais importantes e commerciaes, não ha sequer carreteiras, e, nos tempos chuvosos, o transito torna-se completamente impossivel.

Para cumulo de desdita, levou se a direcção do caminho de ferro para a villa da Trindade, o que já deu em resultado ter um pobre commerciante, para receber uma conta de 1$200 réis, de gastar 1$500 réis em despesas de viagem, sellos de recibo, etc.

E, comtudo, o derramamento de impostos é ali exagerado e por vezes arbitrario, pelo menos sem que obedeça a qualquer base proporcional ou scientifica.

Resulta d'ahi que, emquanto um cidadão da metropole paga 8$320 réis de impostos, o cidadão de S. Thomé paga 37$200 réis.

Ha, porem, outras desproporções igualmente irritantes. Ao mesmo tempo que o café de Cabo Verde paga 2 réis por kilo, o café de S. Thomé paga 16 réis. Emquanto que os generos não especificados pagam 10 réis em Loanda, pagam 13 réis em S. Thomé.

Evidentemente, impõe-se a reforma da pauta, como do mesmo modo se impõe pôr cobro ao arbitrio fiscal, tanto mais quanto é certo que os recursos levados perante o conselho administrativo ficam, em regra, a dormir ali o somno dos justos,, e os contribuintes, vendo-se executados e penhorados, não teem outro remedio que não seja o de pagarem as contribuições mais injustas.

Mas uma medida, Sr. Presidente, se impõe acima de todas, tomar o Governo da Republica.

E a da construcção de um caes acostavel.

Facilite-se a navegação a S. Thomé, e a florentissima provincia, que é já eminentemente agricola, passará a ser tambem consideravelmente industrial e commercial.

Tratarei agora de um verdadeiro escandalo, para o qual do mesmo modo chamo a attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Sei que em S. Thomé se acabam de elevar, espantosamente, os ordenados, aos escrivães da camara e da administração.

O primeiro que tinha 900$000 réis de ordenado, e emolumentos importantes, foi aumentado em mais 900$000 réis. O segundo, que ganhava 900$000 réis, foi aumentado em outro tanto, ou fosse em outros 900$000 réis.

Ao fiscal da Camara, ao fiel do matadouro e aos amanuenses da administração tambem foi aumentado o ordenado em 4$000, em 15$000 e em 20$000 réis, o que lhes subiu, respectivamente, os ordenados a 100$000, a 75$000 e a 83$000 réis, isto é, a quantias que não os deixem rebentar num mês de fartura.

Mas as alcavalas diminuiram-lh'os.

Ao thesoureiro da camara, talvez, só porque não está na graça dos deuses, foi-lhe reduzida a percentagem de 2 por cento a 1 3/4 por cento.

Lavro o meu protesto, porque se saiu para fora da igualdade republicana, e peço providencias immediatas em nome dos humildes e desprotegidos.

Pelo visto, o regime republicano continua a proceder como o regime extincto.

A monarchia só olhava para os que estavam de cima.

A Republica tem obrigação de olhar, principalmente, para os que estão de baixo, sob pena de atraiçoar a sua missão. O que acaba de passar-se em S. Thomé é perfeitamente escandaloso.

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado que já passaram os dez minutos.

Vozes: - Fale! Fale!

O Sr. Presidente:-Eu desejo que a Camara se pronuncie sobre se o Sr. Deputado Fernão Botto Machado pode continuar, ou não, a usar da palavra. Vou, portanto, consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolve affirmativamente,

O Orador: - Agradeço á Camara a benevolencia que d'esta vez quis ter para comigo, e não abusarei d'essa gentileza.

Vou resumir.

Eu prometti a mim mesmo usar o menos possivel da palavra na Camara, pelo menos emquanto não fosse approvada a Constituição.

Sempre pensei muito mal a respeito do Parlamento. Sei que a propria Inglaterra, que o inventou, não foi ainda apaz de fazer d'elle um instrumento impeccavel. Mas vim para aqui convencido de que nós, os republicanos, que muito trabalhamos e nos sacrificámos pela Republica, faziamos a alma cheia de crença e ideal e seriamos capazes de dignificar o orgão e a funcção. Confesso que sinto queimar as minhas ultimas illusões.

Escusa, porem, de se recear que eu fale aqui. Saberei respeitar o logar em que estou, não esquecerei as attenções que devo aos que me ouvem, e saberei, acima de tudo, respeitar-me a mim mesmo.

Concluindo, vou tomar apenas mais dois minutos á Camara.

Sei que o governador Miranda Guedes deixou 460 contos de réis nos cofres de S. Thomé. Esse importante acto justifica a proposta que vou enviar para a mesa e que é a seguinte:

Proposta

Considerando que a ilha de S. Thomé, sendo essencialmente agricola, tem todas as condições necessarias para e converter num importante centro commercial e industrial, desde que seja dotada com um cães acostavel, e se he desenvolva o serviço de navegação;

Considerando que os seus tribunaes, a sua conservatoria, as suas escolas, e em geral todas as suas repartições publicas estão instaladas em velhos pardieiros improprios, que não só ameaçam sinistros taes como os de incendio, de consequencias e prejuizos irreparaveis, mas são desprestigiadores das funcções que nelles se exercem e uma vergonha para a civilização portuguesa;

Considerando que a provincia de S. Thomé, ao contrario do que succede com outras, que dão deficits, todos os annos envia algumas centenas de contos de réis de saldos positivos ao cofre central do Thesouro publico na metropole, e que, apesar d'isso, foi sempre votada ao mais condemnavel abandono e considerada pelos governos da monarchia como os olhos de uma madrasta estrabica, que limitava as suas attenções ao deploravel pensamento de lhe sugar as receitas, sem lhe fomentar o progresso e a fertilissima riqueza natural;

Considerando que a Republica, fiel ao seu programam, tem em tão alta conta as suas provincias ultramarinas como as da metropole, porque todas ellas são portuguesas e habitadas por portugueses seus cidadãos; A Assembleia Nacional Constituinte resolve:

Artigo 1.° Que o Governo, a contar já do corrente anno, insira, nos orçamentos geraes e annuaes da provincia de S. Thomé e Principe, a verba de 150:000$000 réis, destinada ao saneamento e aformoseamento da cidade de S. Thomé e Principe, ao começo da construcção de um caes acostavel e á construcção de novos edificios para instalação dos seus tribunaes, repartições, escolas e mercados.

Art. 2.° Que existindo actualmente, como de facto existe, uma consideravel somma de numerario no cofre da mesma provincia, d'essa somma se desvie já a de réis

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100:000$000 para só iniciarem immediatamente, precedendo concursos, as obras indicadas no artigo 1.° d'esta proposta:

Requeira a urgencia.

Lisboa e sala da Constituinte, aos 21 de julho de 1911. = O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Termino, Sr. Presidente, por fazer votos para que o governador de S. Thomé saiba inspirar-se era verdadeiros principios democraticos, e que elle, como todos os homens de Governo, se lembrem sempre de que é muito mais facil governar pela doçura e pelo amor do que pelo terror.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes): - Ouvi com toda a attenção as considerações do illustre Deputado, e vou responder-lhe.

Com relação a melhoramentos materiaes para S. Thomé, estão já construidos 14 kilometros, e está em estudo outro ramal. Está tambem projectada a construcção de um hospital.

Com respeito ao saneamento da cidade, devo informar que em 1889 se projectou o aterro do pantano da fortaleza, e que as despesas com o enxugamento do pantano de Santo Antonio foram orçadas em 380:000$000 réis.

O pantano da fortaleza não causa um grande mal, porque é coberto pelo mar, e só no baixa-mar é que podem as suas emanações ser prejudiciaes.

Em relação a estradas, existem 17 kilometros construidos na que vae á Santa Catarina, e ha mais 1:800 metros já feitos na estrada que, vae da estação á fortaleza.

Relativamente á alfandega, tenho fugido ao erro de se adaptarem edificios velhos a installações novas, e por isso resolvi approvar um projecto de uma nova alfandega.

A antiga alfandega, depois de transformada, vae ser adaptada á installação do tribunal.

Não me parece exequivel fazer-se o cães acostavel para a nova alfandega na Bahia de Anna Chaves, porque a meio d'esta bahia o fundo é de oito a nove metros. As condições de fundo da bahia não permittem o pensar-se em fazer o cães acostavel, senão perto da fortaleza, mas ahi ficaria sujeito ás ondulações.

Agora é necessario aproveitar todas as receitas da colonia.

Leio á Camara uma nota das estradas projectadas e dos metros já construidos.

Leu.

Tem havido, parece, um certo desmazelo na construcção e acabamento das estradas, mas prometto obviar a estes inconvenientes.

Para a construcção do hospital já foi elaborado um orçamento.

Com relação á conservatoria, poderá ser installada no edificio da alfandega velha, e esta é uma das primeiras necessidades a attender.

Relativamente aos direitos de exportação dos productos, informo que já se reduziram 50 por cento.

O Sr. Deputado pediu tambem a reducção dos direito de importação sobre os generos não especificados, mas devo dizer que a principal receita da colonia provem d'esses impostos de entrada. A sua receita orça por réis 600:000$000, por isso é imprudente reduzir essa contribuição.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que já passaram os dez minutos.

O Orador: - Então, Sr. Presidente, dou por findas as minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Camara O Deputado Sr. Sá Pereira pediu a palavra para um negocio urgente. O assunto urgente que esse Deputado deseja tratar é o seguinte: o ter o nosso representante em Roma assistido ás exéquias por alma de Leão XIII. Consulto a Camara sobre se considera urgente este assunto.

Consultada a Camara, resolve negativamente.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Sr. Presidente: vou ler á Camara o relatorio feito pelo commandante da Escola de Guerra, relativamente ás accusações que nesta Camara foram feitas aos lentes da referida escola pelo Sr. Deputado Ramada Curto. Este relatorio diz o seguinte:

Leu.

Como a Camara acaba de ver, a acção do commandante d'aquella escola tem sido correcta e harmónica com o meu pensamento, e tem procurado, tanto quanto possivel, melhorar as condições do ensino, até mesmo as condições materiaes e normaes dos alumnos.

Este official merece a minha completa confiança, e o que tem feito, repito, é de perfeita harmonia com o meu pensamento.

Ha, porem, uma parte do relatorio que não nega o pouco respeito que alguns lentes teem pela Republica. É um facto gravissimo que precisa ser averiguado, para serem castigados no caso que tenham delinquido, ou para se evitar a sua repetição, no caso de que esse facto não seja verdadeiro.

Para se proceder a este inquerito eu lembraria a conveniencia de se nomear uma commissão composta por membros d'esta Assembleia, que depois daria parte dos seus trabalhos.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis a enviar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. José de Abreu: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa uma proposta, a fim de que fosse desde já nomeada a commissão que ha de proceder ao inquerito a que o Sr. Ministro da Guerra se referiu.

O Sr. Presidente: - V. Exa. agora já não pode mandar para a mesa a sua proposta, visto termos já passado á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 7 para a instrucção e criação de um tribunal destinado ao julgamento dos crimes contra as Instituições.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. José Machado de Serpa.

O Sr. José Machado de Serpa: - Começa por ler a sua seguinte

Moção

A Assembleia Constituinte, reconhecendo que, a par do respeito pelas garantias individuaes e legaes, muito importa reprimir quaesquer tentativas criminosas contra o regime politico que a Nação livremente escolheu e quer, continua na ordem do dia. - O Deputado, José Machado de Serpa.

Pediu a palavra, quando viu alguns Srs. Deputados insurgir-se contra o projecto, por julgarem que elle representava a criação de um tribunal de excepção.

E dos que entende que a justiça deve ser uma cousa unica, mas comprehende perfeitamente haver circunstancias especiaes, que motivam providencias excepcionaes. Essas circunstancias dão-se agora, e portanto, temos de as attender.

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SESSÃO N.° 27 DE 21 DE JULHO DE 1911 7

A commissão que elaborou o projecto da Constituição não se lembrou de que o Presidente da Republica podia alguma vez ser envolvido num conflicto pessoal ou incorrer em qualquer infracção dos regulamentos policiaes e por isso não estabeleceu immunidades para esses delictos. D'ahi resulta que o primeiro magistrado do país pode ser forçado a sentar-se no banco dos réus como qualquer outro cidadão.

É preciso que na Constituição se prevejam estes casos.

Vozes: - Está fora da materia.

O Orador: - Ainda que o pareça, não é assim, porque as suas considerações vinham a proposito da igualdade perante a lei, mas cingir-se-ha mais propriamente ao projecto.

Disse o Sr. Antonio Granjo que a commissão devia informar-se com o Governo sobre a necessidade do projecto que se discute.

Ora o mandato que os seus eleitores lhe confiaram não lhe diz que para a apresentação de qualquer projecto tenha de ir primeiro pedir autorização ao Governo.

Todos os membros d'esta Assembleia teem o direito de iniciativa do projecto.

Tem-se falado na necessidade ou não necessidade d'este projecto. Elle, orador, entende que é necessario, e tanto que o Sr. Ministro da Guerra viu-se na necessidade de mobilizar o exercito e chamar as reservas.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, para attenuar o effeito d'essas medidas, seguramente, disse que essa mobilização tivera por fim ver o grau de patriotismo do exercito, e que a prova fora excellenle, por isso que, convocadas as reservas, todos acudiram ao chamamento. Isso o convencia, e deve convencer o país, da firmeza da Republica. Mas isso não pode ser.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado): - Pede licença ao orador para lhe observar que o que disse foi que tinha sido uma occasião feliz para avaliar do patriotismo dos reservistas, e agora deve acrescentar que os 1:500:000$000 réis pedidos na proposta do Sr. Ministro das Finanças não são para fazer face ás despesas actuaes, mas para armamento, porque a monarchia nos deixou absolutamente sem nada. São para o material de guerra indispensavel para manter o exercito e a armada á altura da nossa dignidade.

O Orador: - Regista as palavras do Sr. Ministro, e continua nas suas considerações.

Não ha duvida de que á Assembleia cabe o direito de iniciativa dos projectos de lei, mas é tambem fora de duvida que o Governo tem igualmente o direito de declarar se considera ou não opportunos esses projectos. Não é uma imposição, mas é um direito que lhe deve ser reconhecido. Da parte da Assembleia está o concordar ou não com as declarações do Governo.

Ainda ha poucos dias no Parlamento Francês, o imitou acerca da interpellação de um Deputado sobre a razão porque o Governo Francês não reconhecia a Republica Portuguesa, declarando que não achava opportuna a discussão d'essa materia naquella occasião e a Camara conformou-se com isso.

Se a Camara, portanto, tem autoridade para apresentar as propostas que quiser, o Governo, por seu lado, tem tambem autoridade para declarar se a proposta é opportuna ou não.

O projecto não representa desconfiança no Governo e alem de não conter as disposições czarianas que alguem quis ver nelle, importa uma amnistia aos assalariados, aos desgraçados que foram para Espanha attrahidos pela miragem.

Uma voz: - Isso é uma treta!

O Orador: - O português alliciado, arrependido do mau passo que deu, vae ao cônsul declarar que quer regressar a Portugal e por este projecto, cumprindo certas formalidades, é-lhe permittida a entrada no territorio da Republica.

Não acredita elle, orador, na efficacia d'esta disposição; mas é um gesto generoso da Republica abrir as portas aos miseraveis que perjuraram da patria e se mostrem arrependidos.

O Sr. Antonio Granjo: - Mas constitue ou não uma pena o facto do Governo julgar se elles devem ou não entrar no país?

Sussurro.

O Sr. Presidente:-Pede aos Srs. Deputados para tomarem os seus logares.

O Sr. Germano Martins: - O que se quer é uma discussão serena.

O Orador: - S. Exa. gastou quarenta palavras para dizer que a concessão do Governo, para es alliciados entrarem no país, ou a negação a essa entrada, é uma pena imposta pelo Governo. Não é assim, porque a Constituinte é que os amnistia.

Isto é um processo de amnistia.

Esta disposição considera-a racional, visto que é Q Governo quem sabe se é ou não conveniente a entrada d'esses elementos em Portugal.

O Orador: - Mas, vamos ao caso. A Camara quer conceder uma amnistia aos aliciados, mas só aos que a merecerem. (Apoiados). Elles justificam se, e o Governo dá o seu parecer.

O § 2.° tem a vantagem de poder decidir entre assalariados e assalariadores.

Se não houvesse este paragrapho não se sabia quem tinha ido por motu proprio.

O Governo é que tem a indicação no seu livro negro dos militares que abandonaram o país.

Herculano dizia: "Uma camada de erudição em certa altura é peor que não ter erudição".

Mas, disse mais o Sr. Granjo: a policia arvorava-se em juiz. Tambem não é assim, porque no projecto de que se trata é apenas de abreviar o processo.

S. Exa., disse mais, que não ha respeito pela instrucção contraditoria neste projecto.

Eu entendo tambem que se devia applicar a instrucção contraditoria, porque aos conspiradores, mais do que a nenhum outro réu, se devem facilitar todos os meios de defesa e depois applicar-se-lhe o castigo da lei.

Alterou-se um pouco fundamentalmente a forma de processo. Não se applica a disposição reguladora da instrucção contraditoria, e devia applicar-se.

Se elle, orador, fizesse parte da commissão, teria pugnado por ella.

A commissão quis evitar as delongas no julgamento, mas não evita essas delongas. ha muitos escaninhos nestas intrigas juridicas...

Devem conceder-se aos conspiradores todos os direitos de defesa.

Não quer fatigar a Camara, que lhe tem dado immerecidas provas de attenção, mas não quer deixar de fazer ainda alguns reparos.

Leu.

Por um dos artigos do projecto parece que os membros do Poder Judicial podem ser demittidos das suas funcções pelo poder executivo.

O Orador: - Embora o orador não admitta classes, não pode deixar de empregar o termo, ha a classe da ma-

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

gistratura. Ouviu dizer que ha juizes que fazem o jogo contra a Republica, que ha na magistratura elementos um pouco conservadores. Ora o ser-se conservador, não quer dizer que se seja improgressivo. A ideia é esta: ha magistrados que não querem reconhecer as cousas como ellas são.

Não deve haver suspeitas sobre a magistratura, sobre uma classe que no antigo regime andou sempre acima das paixões.

Vozes: - Quasi sempre.

O juiz não tem muitas vezes elementos de prova bastantes para julgar e d'ahi o parecer que as suas decisões são injustas.

O Sr. Eusebio Leão sabe perfeitamente que é só por provas que se condemna.

O Sr. Eusebio Leão: - Não accusa pessoalmente nenhum juiz, nem o poder judicial...

O Orador: - O poder judicial applica as leis com independencia. Quanto á somneca dos juizes, ao seu desleixo, hão de permittir que lhes diga uma cousa: duvido um pouco que isto seja verdadeiro, porque na pasta da Justiça está um homem ponderado, que não consente que um juiz não cumpra o seu dever.

Francamente, não viu que o Sr. Artur Costa procurasse castigar os juizes do antigo regime. Elles eram a arma de que os caciques se temiam. A politica estava entregue nas mãos de quatro ou cinco caciques, e a magistratura judicial cumpria o preceito da Constituição.

O Sr. Eduardo Abreu desejava que os empregados publicos não pudessem ter mais que 2:000$000 réis.

Ora a nossa magistratura judicial é a mais mal paga de toda a Europa.

Approva na sua generalidade a amnistia, que é a generosidade da alma portuguesa.

Approva o artigo 2.° e o 9.°

Outras disposições do projecto, como já disse, não as approva, para que se não diga que tememos os conspiradores.

Parece-lhe que a Camara, modificando o projecto em harmonia com as considerações apresentadas, cumpre um dever.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as natas tachygraphicas).

O Sr. Moura Pinto: - Mando para a mesa a seguinte

Emenda ao projecto n.° 7

A bem da justa e humana defesa dos réus, e considerando que nas administrações de concelho nem sempre um acertado criterio juridico preside aos actos de investigação, proponho que o artigo 3.° do projecto em discussão seja redigido com as seguintes emendas:

Artigo 3.º O processo de investigação administrativa será apenas auxiliar ao corpo de delicto, que dera confirmar-se e completar-se em juizo onde deverão ser reperguntadas e acareadas as testemunhas o, bera assim proceder-se a quaesquer exames.

Sala das Sessões, em 21 de julho de 1911. = O Deputado, Alberto de Moura Pinto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Eusebio Leão.

O Sr. Eusebio Leão: - Mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Assembleia Nacional Constituinte, entendendo que a Republica deve ser defendida com decisão e firmeza, continua na ordem do dia. = O Deputado, Eusebio Leão.

Sr. Presidente: no dia em que foi apresentada a proposta que deu origem a este projecto de lei, tive a honra de dizer aqui que, se julgava desnecessarias leis de excepção, desejava comtudo que a Republica fosse defendida com toda a firmeza.

A tal respeito, creio ter razões para não mudar de ideias.

Não posso entrar na discussão de todas as particularidades do projecto, pois que isso involve uma technica especial, seja-me permittida a expressão, para apreciação da qual me reconheço incompetente; mas, quanto á sua generalidade, devo consignar bem claramente que entendo que elle deve ser approvado, pois entendo tambem que a Republica precisa ser melhor defendida .do que o está sendo actualmente.

O Sr. Machado Serpa veio fazer a defesa da magistratura, mas essa defesa foi desnecessaria porque ninguem a atacou...

O Sr. Machado Serpa: - A proposito d'este projecto, ainda não; mas já o foi em relação a outro.

O Orador: - O que eu disse aqui foi que entendo que é indispensavel dotar a Republica com uma lei melhor do que aquella que existe.

A actual lei que se applica aos conspiradores, posso affirmá-lo á Camara, é não só insuiticiente, mas traz desprestigio para a Republica. Esta lei nunca foi bera comprehendida, e, portanto, nunca foi bem executada. Dá-se o seguinte facto extraordinario: dos differentes pontos do país mandam as autoridades administrativas accusados para o Governo Civil de Lisboa; d'ali transitam para o Ministerio do Interior; voltam de novo para o Governo Civil de Lisboa e d'ahi são remettidos ao logar de origem. Ora este processo só traz incommodo para os accusados, que poderão ser ou não criminosos, sem vantagem nem para elles nem para a defesa da Republica.

Eu desejaria, inspirando-me na proposta do Sr. João de Menezes, que se concentrasse a investigação criminal em Lisboa e Porto, a fim de que fossem sempre as mesmas pessoas a colher os mesmos elementos, para com mais justeza se instruírem processos da mesma natureza; assim haveria menos incommodo para os accusados e, repito, mais prestigio e segurança para a Republica.

Ora, meus senhores, o que é incontestavel é que a Republica tem inimigos com os quaes devemos contar. Ternos inimigos internos e inimigos externos. Não pode haver duvidas de que ha um elemento reaccionario forte que conspira. Seria desconhecer as leis da psychologia dos povos, seria desconhecer todos os movimentos revolucionarios que se teem feito rio mundo, o suppor que, consecutivamente á Revolução, a reacção não procuraria organizar-se para nos guerrear. E não resta duvida de que essa serie de movimentos que se teem dado pelo país inteiro, com o fim do o desassossegar, obedece ao plano jesuitico, aliás liem claramente manifestado, não só nessas cartas de Paiva Couceiro, mas ainda em todos os jornaes jesuiticos do mundo inteiro. Não ha duvida nenhuma de que nós temos mesmo entre o elemento official pessoas que trabalham quanto possivel a favor do regime decaído. Eu tenho noticias de lodo o país relativamente ao estado do espirito publico e sei que ha, até uma ou outra autoridade administrativa que não directa mas indirectamente prejudica a Republica, pela complacencia, isto é, pela brandura com. que tratam os accusados.

Mas ha tambem a magistratura judicial que eu não ataquei nem ataco, mas que põe na rua pessoas que evidentemente conspiram; e vou prová-lo a V. Exas..

Houve umas pessoas accusadas de conspirar. Foram mandadas para o poder judicial. Os elementos colhidos eram bastantes para nós termos a certeza de que eram criminosas. Essas pessoas foram mandadas porá o poder

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judicial, e parte d'ellas foram postas em liberdade. O magistrado que as pus em liberdade é um juiz distinctissimo que merece a nossa confiança.

Então eu e o Sr. commandante da policia, verdadeiramente admirados do facto, resolvemos ir pessoalmente perguntar a esse digno magistrado quaes eram as considerações ou os motivos pelos quaes tinha posto em liberdade aquelles homens. Respondeu-nos de forma a chegarmos á convicção de que na actual lei não ha meios sufficientes para nos defendermos efficazmente dos que nos queiram guerrear.

Perguntei-lhe em seguida:

"Mas está V. Exa. convencido de que realmente estes homens são criminosos?"

E elle sem hesitar respondeu:

"Sem duvida nenhuma são criminosos".

Ora aqui está o facto: apura-se que foram postas em liberdades pessoas, não obstante os proprios magistrados os julgarem criminosos, mas tinham sido postos em liberdade em virtude da insuficiencia da lei. Nestas condições a Camara não pode deixar de reconhecer a necessidade de fazer alguma cousa para remediar este inconveniente.

Os inimigos da Republica são internos e externos.

Temos uma grande reacção jesuitica, congreganista, que faz uma campanha diffamatoria nos jornaes de todo o mundo culto. Eu chamo a attenção da camara para este ponto. Esta reacção tem um grande poder; não só pelo seu dinheiro, mas pela suggestão e influencia que exerce em certas pessoas e meios.

É preciso, portanto, defender a Republica.

Temos dois processos. O primeiro é pela defesa directa que assenta na lei e na força; o outro é pela administração honesta e honrada (Apoiados) é pela propaganda, pela instrucção publica largamente diffundida no país.

Mas, principalmente, precisamos de uma administração bem honesta para termos e merecermos confiança e consideração dentro e fora do país.

Como temos inimigos de fora, é necessario ter todo o cuidado com elles, e por isso sem perda de tempo devemos tratar da defesa de mar e terra.

Sem exercito e sem armada não podemos ser um valor.

Eu poderia agora, nesta ordem de ideias, fazer algumas considerações relativamente á nossa politica externa, mas o momento não é opportuno.

Em todo o caso devo accentuar a necessidade de urgentemente se tratar da reorganização do exercito e armada, a quem a Republica tanto deve.

Sr. Presidente, julgo indispensavel que este projecto seja approvado no seu pensamento fundamental. Acho comtudo que é muito brando, entendendo que deve ser modificado em algumas das suas disposições.

Quando entrar na especialidade, eu tomarei a palavra e proporei algumas emendas.

Eu posso garantir que, lá fora, temos duas ordens de criaturas: uma de conscientes, que são portugueses degenerados que estão ao serviço da legião de jesuitas; outra de desgraçados que foram lá para fora enganados e que anceiam por voltar ao seu país.

Para estes desejo toda a benevolencia.

Terminando, peço desculpa á Camara do tempo que lhe tomei, mas tenho muito boa vontade de bem servir a Republica.

A Assembleia rogo que approve este ou outro projecto analogo contanto que se defenda bem a Republica e se acabe com o vexame para os accusados, e para a Republica tambem, de andarem de um lado para o outro, sem vantagem alguma para quem quer que seja.

Como a conspirata obedece a um plano, havendo focos em varios pontos do país, no norte, centro e sul, acho de toda a vantagem que essa investigação se concentre em Lisboa porque, assim, temos mais probabilidades de apanhar as partes desse todo e, portanto, a de defendermos a Republica.

Insto, pois, por que se concentre a investigação criminal, julgamento dos accusados, e se facilite o regresso ao país a esses desgraçados que inconscientemente se deixaram arrastar pelas promessas e manejos dos agentes directos e conscientes dos jesuitas.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Carlos Amaro.

O Sr. Carlos Amaro: - Sr. Presidente, mando para a mesa a seguinte moção de ordem:

A Assembleia Nacional Constituinte:

Considerando que o projecto em discussão não corresponde inteiramente á necessidade de providencias immediatas para a defesa da Patria e da Republica resolve:

1.° Que o artigo 9.° soffra as seguintes substituições:

Art. 9.° É concedido o prazo de dez dias para se apresentarem ás autoridades portuguesas, declarando que reconhecem a Republica Portuguesa e que se obrigam sob palavra de honra a não praticarem qualquer tentativa ou acto criminoso, os portugueses que achando-se em territorio estrangeiro não tivessem praticado actos de alheamento, mas simplesmente tenham sido alliciados ou assalariados para o commettimento dos crimes referidos nos artigos 1.° e 2.° d'esta lei.

2.° Que ao mesmo artigo 9.º seja additado o seguinte paragrapho:

Esta concessão não abrange os portugueses que, por sua illustração ou posição social, se presume terem plena responsabilidade pelos actos que praticarem e bem assim os portugueses que ao tempo eram officiaes, sargentos ou aspirantes de marinha e do exercito, praças em effectivo serviço e cabos ou guardas de policia tambem em effectividade.

3.° Acrescentar ao § 1.º do artigo 9.° em seguida á palavra declarante as palavras que saiba escrever.

E assim passa á ordem do dia.

Lisboa, 21 de julho de 1911. - O Deputado, Carlos Amaro de Miranda e Silva.

Sr. Presidente: se acaso em minha consciencia eu estivesse convencido de que os conspiradores eram simplesmente inimigos das instituições republicanas, e que, bons portugueses, só por erro de intelligencia trabalhavam para a nossa derrota, mas conservando através de tudo e sempre, o sagrado amor da sua terra, se assim fosse, Sr. Presidente, eu reprovaria em absoluto este decreto, que desejaria então ver substituido por um outro de ampla e generosa amnistia.

Mas, Sr. Presidente, os conspirantes monarchicos ao serviço de um rei indigno e traidor são miseraveis incapazes de sentir amor da Patria, serventuarios de jesuitas e estrangeiros, aventureiros sinistros que attentam contra a independencia da Nação, e que nos podem causar horror e tristeza, mas jamais piedade que não merecem. (Apoiados).

E deveras me admiro, Sr. Presidente, de que haja quem nesta casa se entregue ao luxo de discutir se o decreto em discussão é ou não uma lei de excepção, e que em habilidades theologicas se perca um tempo precioso, no receio de que, approvando-o, pareçamos reaccionarios compromettendo as nossas tradicçoes liberaes.

Não, Sr. Presidente, reacção e sectarismo é o que eu

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estou vendo pelos jornaes do meu país em que, de quando era quando, surge a noticia de que fulano ou sicrano foram presos por dizer mal da Republica, como se a Republica não fosse sufficientemente grande nas suas intenções e honesta nos seus actos, para alguma cousa recear da livre discussão. Perigosos processos estes, que se não forem reprimidos, darão dentro em breve logar ás mais baixas perseguições, á devassa das consciencias, ao medo affrontoso, á demagogia emfim, que é a mais vil de todas as tyranias. (Apoiados).

Reacção e sectarismo, Sr. Presidente, é o que um illustre Deputado veio dizer a esta casa, quando num excessivo receio da hydra monarchica, nos contou que um grupo de professores de um lyceu de Lisboa reprovara a proposta de um collega que pretendia que enviassem uma saudação ás Constituintes.

E eu entendo, Sr. Presidente, que muito bem fizeram esses professores porque desejaram terminar com o misero processo de pagar pé, hontem a réis, hoje á Republica, servilismos com que é necessario acabar para honra de nós todos, e ainda porque se entre professores houvesse algum ou alguns que fossem monarchicos, essa mensagem collectiva os iria forçar a uma declaração porventura incommoda ou, calando-se, a uma cobardia infamante.

E, escusado é dizer, Sr. Presidente, que na referencia que faço ao meu collega nesta Camara, não vae a menor offensa pessoal; faço inteira justiça ás suas boas intenções, e nem me julgo obrigado a superfluas declarações de respeito e consideração áquelles que eu não posso offender aqui dentro, sem offender de facto o povo português que nos escolheu a todos como delegados da sua inviolavel só berania.

Mas direi ainda, Sr. Presidente, que espirito de reacção e sectarismo foi o que animou alguns membros d'esta Camara a tratar os estudantes de Coimbra com um tão furioso criterio de justiça, que um dado momento me pareceu esta sala um circo romano onde alguns homens com cabellos no coração, votavam dedo a baixo um formidavel castigo para rapazes cujo nobre e alevantado crime é a sua exaggerada irreverencia ante os restos de jesuitismo que ainda vive e se agita em Portugal; é a loucura de gente moça, bella e sagrada loucura cuja defesa foi tomada um dia por Anatole France quando ante os estudantes franceses, lhes pediu que sobretudo, oh! sobretudo, não tivessem juizo, nem tivessem prudencia, a mais fina de todas as virtudes..

Uma voz: - Está fora da ordem.

O Orador: - Talvez: mas era preciso que uma voz, e bom foi que fosse a minha, a mais humilde, dentro d'esta casa se erguesse rebatendo insinuações que iriam encher de amargura almas a formar e dignas de respeito, e que levariam aos carceres onde se encontram, presos alguns representantes da melhor juventude portuguesa, o golpe feroz de uma tremenda injustiça, fazendo feridas que nalguns corações não cicatrizam nunca.

Vou concluir esperando que a Camara approve as restricções que fiz á excessiva amnistia do decreto que estamos discutindo, na certeza que não foi um reaccionario que as fez, mas alguem que entende que seria um crime elesa Patria abrir de par em par as portas a vilissimos traidores, que outra cousa não são áquelles que no estrangeiro, com dinheiro de estrangeiros, e com soldados estrangeiros, pretendem invadir a terra portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Teixeira de Queiroz.

O Sr. Teixeira de Queiroz: - Em obediencia ao Regimento, mando para a mesa a seguinte

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte, tendo confiança que a tranquillidade publica continue inalteravel, e que a paz nos espiritos seja em breve restabelecida, passa á ordem do dia. - O Deputado do circulo n.º 38, Francisco Teixeira de Queiroz.

Em breves palavras justifico a minha moção e direi o motivo por que sou chamado a este debate.

Quando se apresentou pela primeira vez o projecto de lei que deu origem ao projecto apresentado pelo Sr. Deputado Alvaro de Castro tive occasião de dizer algumas palavras em seu desabono.

Agora, tenho de dizer a razão em virtude da qual este ine satisfaz em parte.

Este projecto, visto que as circunstancias o tornam necessario, parece-me digno da attenção e estudo da Camara, porque estabelece um processo rapido para julgamento de um crime que é notorio e publico, crime bem conhecido, porque tem offendido os interesses da Nação Portuguesa e da Republica; este projecto, digo, contendo em ai penas para castigar esse crime, incluo igualmente disposições especiaes a favor dos delinquentes que teem de ser julgados: por exemplo, admitte o julgamento pelo jury, o que é uma garantia para todos.

Podem dizer que o julgamento fazendo-se em Lisboa e Porto a população d'estas duas cidades, em especial a de Lisboa, sendo essencialmente republicana, poderá ser animada de qualquer sentimento hostil contra os culpados.

Não o creio, nem foi esse motivo que levou os autores do projecto a concentrarem nas duas capitães do norte e do sul o julgamento, mas antes conveniencias de processo.

Em Lisboa e Porto os jurys são mais esclarecidos, crimes d'esta natureza exigem para julgamento certa illustração e estou convencido, que pela parte dos jurados haverá talvez rigor, mas haverá tambem imparcialidade.

Ha ainda outra disposição que acho muito justa e humanitaria, é aquella que chama ao redil as ovelhas que andam transviadas.

Como sempre, ha neste momento, portugueses que não estão em Portugal, e sabe-se que parte d'elles residem no estrangeiro, tendo-se voluntariamente homiziado, para de fora attentarem contra o país; sabe-se que é na fronteira espanhola, principalmente do lado norte, que estão esses individuos preparados para entrar no país em ar de guerra, com o fim de fazer verter o sangue dos seus irmãos.

Isto é um crime revoltante.

A Republica não fez nada que justifique uma aggressão d'esta natureza.

Por isso entendo que o projecto merece a nossa attenção e até a nossa approvação, para ver se se modifica este estado de cousas, o que é indispensavel para o país.

Mas ha mais, e é este o segundo motivo por que pedia palavra.

Ha neste momento portugueses fora de Portugal que não estão precisamente nas condições dos anteriores e o projecto em discussão não attende clara e explicitamente á situação d'esses nossos compatriotas.

São os que por outros motivos differentes dos conspirantes se encontram a esta hora no estrangeiro.

Divido em tres classes os portugueses ora fora de Portugal.

A primeira cujos nomes são bem conhecidos, é formada pelos que estão organizando uma leva de gente armada para entrar no país e aqui provocar uma guerra civil; outros, por estes alliciados por meios capciosos, vivem de um engano que os levou a expatriarem-se, são individuos levados por peita e suborno e hoje se acham separados da

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Nação Portuguesa e que a ella desejarão voltar arrependidos.

Ha, porem, uma terceira classe de portugueses fora de Portugal, que não se podem considerar conspirantes, nem como aliciadores, nem como aliciados. Em todas as épocas do anno, e no verão especialmente, saem d'aqui compatriotas nossos que vão, uns por divertimento, outros por negocios, ao estrangeiro. Ha mesmo alguns que ali teem residencia por motivos diversos. É gente pacata, commodista e que pode ter receio de ser incommodada logo que entre em vigor esta lei.

É para que elles tenham confiança e para que voltem nas condições usuaes que eu peço que na lei se lhe ponham todas as garantias de que não serão incommodados quando regressarem. Alguns d'elles são pessoas de dinheiro e todos sabem como os ricos são receosos e commodistas.

Para este ponto chamo a attenção da Assembleia Nacional Constituinte.

Entendo que o projecto de lei em discussão deve ser sufficientemente explicito, para que todos percebam que é só contra aquelles que provadamente conspiram contra a Nação e contra a Republica, que elle é formulado e, quando convertido em lei, será applicado. Por isso tenho a honra de mandar para a mesa um additamento ao artigo 9.° do projecto, que é um paragrapho 4.° a acrescentar aos tres já tem e que só mim a dar satisfação a esta necessidade de tornar a lei mais clara e explicita.

A illustre commissão aproveitará do meu additamento só a ideia e redigi-lo-ha como melhor entender, ou mesmo d'elle pode prescindir aclarando a lei por forma a não haver confusões.

O que eu desejo é que os portugueses que estão no estrangeiro, inclusivamente os nossos compatriotas do Brasil, não soffram o menor incommodo quando regressem á mãe patria, e que não possam por forma nenhuma ser confundidos com os chefes da conspiração e seus assalariados. Por isso proponho que ao artigo 9.° se acrescente um paragrapho que é do teor seguinte:

Additamento ao projecto n.° 7

Artigo 9.° ...

§ 4.° Todos os individuos de nacionalidade portuguesa, no estrangeiro á data da publicação d'esta lei, e que não tenham estado nos ultimos tres meses em qualquer das localidades da fronteira espanhola podem entrar livremente no país, contanto que tragam um certificado do cônsul ou vice-consul da terra onde residiram sós ou com familia, em que se diga o motivo da sua repatriação.

A falta de certificado será substituida por justificação perante o juiz da comarca ou districto criminal de Lisboa ou Porto, na residencia habitual. = O Deputado pelo circulo n.° 38, Francisco Teixeira de Queiroz.

Peço desculpa de apresentar este additamento na discussão da generalidade, mas é para não ter occasião de tomar de novo a palavra neste assunto.

Com o meu additamento, como se vê do seu teor, quero dizer que os individuos que neste momento se encontram fora de Portugal por uma questão fortuita, e que não tenham tido relações directas com os conspiradores, poderão reintrar no país nas condições ordinarias, e para se evitar que os que se encontram na fronteira da Galliza possam dar entrada em Portugal simulando outra origem de partida com engano. Por isso lhes pede o attestado do cônsul, que seguramente é garantia completa e sufficiente para a sua livre entrada no país. Basta o certificado, e essa gente terá todas as facilidades que ordinariamente e em geral são em taes casos concedidas.

Sr. Presidente, esta lei é uma lei de circunstancia, e nunca uma lei de excepção, é uma lei necessaria, por isso que com ella a Republica deverá entrar numa vida de normalidade absolutamente indispensavel para a sua segurança e consolidação.

Esta lei, quando a tranquilidade em Portugal estiver completamente assegurada, deixará de entrar em vigor, ella ficará emquanto for necessaria á defesa da Republica e da patria. Mas, como lei de circunstancia, nós não devemos esquecer-nos dos que delinquiram, como tambem não podemos levar na rede alguns individuos que nas suas penalidades não incorreram e que somente saíram do país em virtude da sua vida, do seu commercio, da sua saude, ou simplesmente por receio, o que não constitue um crime, e que por isso não podem, não devem ser punidos,

Com estas palavras dou por terminado o que sobre o projecto tenho a dizer.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alberto da Silveira.

O Sr. Alberto da Silveira (por parte da commissão): - Vae ser breve, porquanto, na verdade, pouco se tem falado contra o projecto, e elle, orador, não poderá senão acrescentar alguns esclarecimentos, fazendo um pouco de historia da actualidade.

Assim, deve lembrar que, feita a Republica, não appareceram conspiradores, mas, sim, o eterno jesuita.

Depois de uma época de paz, é que se começou a sentir que se conspirava. Accusou-se o elemento monarchico, mas este estava tranquillo; até que, num bello dia, encontrou-se o capado intellectual e moral, o jesuita.

Ora, contra esse terrivel mal é que são precisas medidas excepcionaes; é elle que está na fronteira.

Se não fosse o bom senso, o patriotismo enorme do povo republicano de Lisboa, a Republica não se teria proclamado, e se passassem mais cinco annos sem a fazer, nada se conseguiria, porque a familia portuguesa estaria completamente nas garras do jesuita.

É espantoso o que elle, orador, tem visto, pensado e sentido da acção malévola d'essa gente, que devia ser escorraçada do mundo, por uma vez.

Como disse, procurou-se estabelecer o panico. A fuga de Lisboa foi tão importante que, quem está habituado a percorrer as das da cidade, sente a falta de gente.

Depois d'isso, outras tentativas coincidiram, como por exemplo, a insubordinação nos quarteis, que a tempo foi suffocada. Outros pequenos factos, insignificantes em si, mas tão insistentemente repetidos, indicavam um plano; só mais tarde, porem, é que se comprehendeu de onde vinha o golpe.

Para terminar, dirá que a existencia d'uma conspirata é uma verdade interna e externa. Parece que ha quem não acredite em tal, mas ainda ha dias foram aprehendidos em Espanha, 400 toneladas de armamento, entre o qual peças de artilharia.

(O discurso do Sr. Deputado será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Mariano Martins (por parte da commissão de finanças): - Mando para a mesa o parecer da commissão de finanças sobre a proposta de lei relativa á proposta de lei sobro o credito extraordinario de réis 1.500:000$000.

Foi á commissão.

O Sr. Eusebio Leão: - Sr. Presidente, V. Exa. con3ede-me a palavra apenas para uma explicação?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Eusebio Leão: - Apenas como informação, sobre o que disse o Sr. Teixeira de Queiroz, cumpre-me informar que no Governo Civil se recebeu, era tempo, nota de que ia haver uma insubordinação em varios quarteis.

Corri ao Ministerio da Guerra a informar-me e a resposta que obtive foi que o rancho das praças era melhor do que até agora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Helder Ribeiro.

O Sr. Helder Ribeiro: - Em harmonia com os preceitos regimentaes, começo por ler a minha

Moção

A Camara, reconhecendo que o projecto em discussão, convenientemente modificado, contribuirá para assegurar a tranquillidade e sossego indispensaveis na Republica, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, 21 de julho de 1911. = Helder Ribeiro., Deputado pelo circulo n.° 28.

Tendo sido um dos Deputados que assinei a proposta apresentada pelo meu illustre collega e amigo Sr. Dr. Alvaro de Castro não podia concordar com o projecto apresentado pela commissão, porque sentia que elle se afastava muito das intensões que tinham ditado a nossa pró posta e tanto assim que, quando um Sr. Deputado, aqui nesta Camara, ao marcar-se a sessão em que devia começar a sua discussão disse, isso está morto, eu pensei que elle traduzia nas suas palavras a minha opinião e a opinião dos sinatarios da proposta.

Mas não, o projecto estava morto na opinião d'esse meu illustre collega porque elle representava tudo quanto havia de mais ferozmente reaccionario e perseguidor.

Ora, meus senhores, nada me parece mais generoso do que o que se contem nos diversos artigos d'este projecto.

Elle traduz bem ainda o espirito generoso que a Republica tem procurado manter sempre em todos os seus actos.

Por isso eu não posso de forma alguma ter receio de que a opinião d'esse Sr. Deputado tivesse conseguido convencer a maioria da camara para o rejeitar.

É preciso que na occasião da votação todos se lembrem de que, rejeitá-lo, é mostrar, não que a Republica é generoso, mas que leva a sua generosidade até á fraqueza. E todos sabem que da fraquesa para a cobardia o intervallo a transpor é bem pequeno.

É preciso que, o espirito de generosidade não vá alem da que é justo. É necessario que não se leve mais longe a politica largamente espalhada por todo o país, contra a qual não me revolto mas simplesmente condemno os exageros e fraquesas: a politica de attracção.

As considerações que teem sido feitas nesta casa a respeito do projecto em discussão podem dividir-se em duas ordens: primeira, sobre a necessidade da defesa da Republica; segunda, sobre se este projecto offende ou não os principios republicanos.

Sobre o ponto de vista da defesa da Republica, parece-me haver na Assembleia uma ligeira confusão.

O projecto em discussão não tende a defender a Republica, mas sim a assegurar o sossego e tranquilidade no seio d'ella.

É preciso que fique bem assente que os Deputados que assinaram a proposta que deu origem a este projecto, mio o fizeram como parecia deprehender-se das palavras de um illustre Deputado, sentindo sobre si apontados os trabucos dos conspiradores. Não, porque quando for necessario defender a Republica, não é com projectos nem com balas de papel que o havemos de fazer; a defesa da Republica compete ao exercito e á armada, que estão vigilantes, e a todos os portugueses que tiverem caracter, e que forem suficientemente portugueses para saberem, morrer pela sua Patria.

O que é preciso é assegurar o sossego e a tranquilidade dentro da Republica (Apoiados), e para tal é absolutamente necessario este projecto.

Os que o combatem fazem-me lembrar os garotos que de noite pelas estradas vão assobiando e cantando para afastar o temor da negridão.

Não é preciso processos especiaes, clamam, querendo convencer-se de que não ha conspiradores, nem conspiratas, e que não é preciso proceder contra elles. E lutar contra a realidade, pois em todas as terras ha sempre imbecis, mentecaptos, individuos sem caracter, prontos a entrarem em conluios; e as conspiratas tanto nos apparecem ao norte, como ao sul, e logo aproveitadas por almas timoratas - que as ha sempre para tal- e de má fé, perversas, umas e outras profundamente estupidas, que vêem para fora avolumar essas conspiratas, criando uma atmosfera de desassossego e intranquillidade; e quem se ressente com isso, são todas as fontes de actividade, o commercio, a industria e a agricultura (Apoiados}; e ellas o estão sentindo bem, não é porque a Republica tenha a temer dos seus inimigos, mas o que é preciso fazer é destruir essa atmosfera prejudicial, e para isso basta simplesmente um acto de energia.

Depois, atacou-se profundamente o projecto porque representa uma lei de excepção.

Mas, meus senhores, se aqui ha alguma excepção, é, exactamente a de afastar aquelle que é preso, que é incriminado numa determinada comarca, da acção do juiz d'essa comarca.

É necessario que todos nós saibamos que as conspirações descobertas no Minho, na Beira, no Algarve são todas ramos do mesmo corpo, todas ellas subordinadas á uma cabeça unica e, portanto, é necessario significar, fazer com que aquelles que dirijam os trabalhos do investigação estejam perfeitamente integrados nessa organização de largas malhas e extendida a quasi todo o país embora ella seja completamente impotente para poder destruir a Republica

Vozes: - Muito bem.

Para tal, outro facto ainda concorre. E neste ponto eu permitto-me discordar das palavras proferidas ha pouco pelo meu illustre collega o Sr. Machado Serpa, por quem tenho a mais alta consideração, pelas suas qualidades de homem e de magistrado.

Porem se muitos magistrados merecem igualmente elevado conceito, outros encontram-se em péssimas circunstancias para exercerem a sua acção com a elevação que a justiça o requer.

Devemos decerto attribuir tal ás tristes condições materiaes e moraes em que a grande parte da magistratura judicial se encontra por esse país fora, e que urgentemente se torna melhorar, para que a justiça dentro da Republica seja integra e pura.

A situação em que se encontrarão muitos juizes nas suas comarcas para julgarem estes processos de conspiratas será idêntica a um facto que eu contarei á Camara, passado commigo e uma autoridade administrativa da provincia.

Eu fui a uma terra, onde por acaso tinha desabrochado uma conspirata; eu soube ter o Sr. administrador, homem dedicado e trabalhando fortemente pela Republica, perdido noites e dias para levar á prisão os inculpados, e sabem V. Exas., depois de tanto esforço esse homem agarrou-se a mim, e pediu me encarecidamente para que fosse junto do governador civil do districto e lhe dissesse - faça sair estes homens immediatamente da prisão onde estão, para a da sede do districto, para a de Lisboa, isto

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porque o administrador do concelho sentia sobre si tão fortes pressões dos republicanos - na referida terra antes da revolução nenhum existia - que temia não poder resistir a essas pressões e ver-se forçado a libertar os presos.

Apreciada a questão sob estes dois pontos de vista, não quero deixar de apreciar o artigo 9.º do projecto, que não me satisfaz.

É preciso não esquecer que todos os passageiros vindos de portos onde haja doenças suspeitas e contagiosas, são submettidos a quarentena ou a fiscalização sanitaria até se reconhecer, se nelles existe ou não o virus, que poderá levar a morte aos seus semelhantes. Ora é preciso não esquecer que os homens que venham de alem fronteiras, nos termos do artigo 9.°, apesar de todas as suas boas intenções, vêem de região onde existe o peor dos males, onde esvurma o odio negro contra a Republica; vêem da região onde se trabalha para voltar a estabelecer em Portugal a immoralidade e o roubo; é necessario, portanto, que, entrados no país, durante certo tempo se exerça sobre elles a indispensavel vigilancia da autoridade. É necessario, igualmente, que áquelles que se esqueçam da generosidade que a Republica teve para com elles se applique duramente a lei da reincidencia.

Antes ainda de abordar a questão dos principios desejo referir-me a uma falta que encontro neste projecto.

Eu entendo que se deve consignar no projecto a faculdade do Governo poder demittintado o funccionario, civil e militar, que, por inquerito ou syndicaneia se prove ter prevaricado, porque se só o puder fazer quando existam provas juridicas, a maior parte dos conspiradores ficarão impunes.

E assim quantos temos visto serem soltos, para no dia seguinte transporem a fronteira e irem reforçar o bando de conspiradores que para alem se acoita.

E o que é peor, e bem mais nefasto, é o irem-se rindo das autoridades e da justiça da Republica, e não esqueçamos que ao ridiculo é difficil o poder resistir-se. A todos os meus collegas que teem atacado o projecto, sobre o ponto de vista dos principios eu lembrarei, respeitando em todos a sua critica já demonstrada, lembrarei, repito, o que se passou com Waldeck Rousseau, já numa das ultimas sessões citado, quando a França se encontrou de facto em riscos de ver subvertida a ordem interna pelos manejos da reacção jesuitica.

Esse incidente demarca bem o que pode em França o espirito republicano.

Waldeck Rousseau impôs a demissão do ministro da guerra, general Grallifet, no momento em que o exercito se encontrava dominado pela questão Dreyfus, perturbado pela influencia enorme da seita negra, chamou o general André e convidou-o a aceitar a pasta da guerra, mediante varias condições, estabelecidas de mutuo acordo, condições que em nada se podem comparar com o presente projecto, que tanto receio causou á Camara.

Eu estou convencido que quando AValdeck perguntou ao general André de que meios se serviria para debelar a crise por que passava o exercito francês, se o general André, abrindo a sua valise, lhe apresentasse um projecto como este, que o grande ministro francês immediatamente lhe dispensaria a sua cooperação.

Mas, não. O general André apresentou-lhe o systema das fiches, que foi aceite e que salvou posteriormente o exercito da Republica Francesa do abysmo para que velozmente caminhava. Mas, o general André não estaca desprevenido; como as fiches lhe não dessem e resultado que elle esperava, tinha ainda um outro plano, formulado ainda de acordo com o grande republicano que era Waldeck Rousseau - e chamo a attençao da Camara para elle - e era nem mais nem menos do que a suspensão das promoções no exercito, e da propriedade das graduações, isto por um prazo tão breve quanto preciso para depurar o exercito.

Oxalá com a nossa generosidade nunca a tal tenhamos de recorrer.

Waldeck Rousseau, comtudo, apesar de um republicano de tão alta envergadura e autoridade, não teve duvida em apertar nas suas as mãos de um homem, d'ahi em diante seu collaborador, e com cujas principios e processos estava de acordo e com elle toda a França republicana.

Note-se que em França, não havia a receiar de alem fronteiras as incursões que, contra nós, presentemente pretende effectuar essa horda de famintos e desclassificados. E a França republicana não se queixou de guerra aos seus principies democraticos.

Acerca d'este assunto o general André, republicano de caracter firme e de energia de aço, publicou um livro sobre os seus cinco annos de ministerio, livro que é deveras interessante e de leitura sempre proveitosa, fruto de longa experiencia, accentuando que a luta contra a reacão tem de ser constante e sem tréguas, diz o seguinte:

Leu.

Por aqui se vê claramente que, os principios republicanos confiados ao criterio, saber e autoridade de republicanos como Rousseau e André, não soffreram o mais pequeno golpe, como entre nós tambem não o soffrem com a approvação d'este projecto.

Meus senhores. A todos que teem invocado á sua fé republicana para combater o projecto tenho tambem a dizer que, na fé republicana fui criado; e que me eduquei e formei o meu caracter dentro dos principios sãos da Republica.

E de tal educação, resultou para mim a convicção de que, o primeiro dos deveres é a de empregarmos todo o esforço e energia para criarmos, na nossa terra, um meio tranquillo e sereno onde possa florecer fecunda e exuberantemente essa ideia, que foi a visão ultima dos que pela Republica morreram combatendo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Sá Pereira.

O Sr. Sá Pereira: -Sr. Presidente, de harmonia com as prescrições regimentaes, mando para a mesa a seguinte:

Moção de ordem

A Camara reconhecendo que se torna preciso assegurar a defesa da Republica, continua na ordem do dia. = O Deputado, Sá Pereira.

Sr. Presidente, concordo em absoluto com a proposta, e assim o declarei, do Sr. Alvaro de Castro, para que se convertesse no projecto que está em discussão. Disse-o então e desejaria que ella fosse mais longe, pois que entendo que devam ser punidos, não só áquelles que no estrangeiro conspiram contra a Republica, mas ainda os que, durante o regime monarchico, prejudicaram a sua realização.

O Sr. João de Menezes nessa occasião interrompeu-me dizendo que essa responsabilidade seria liquidada logo que a commissão apresentasse o seu relatorio.

O Sr. João de Menezes: - O relatorio está pronta, e quando V. Exa. quiser pode compulsá-lo, assim como qualquer outro Sr. Deputado e ainda os particulares, visto como a commissão não faz segredo dos seus trabalhos.

O Orador: - Agradeço a V. Exas. as suas explicações e acceito o offerecimento da commissão.

Eu entendo, Sr. Presidente, que o projecto deve ser votado, embora haja de ser emendado, no sentido de o tornar mais energico.

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Todos nós sabemos o que está succedendo com as nossas branduras e com as nossas generosidades.

Durante mais de quinze anhos a monarchia não fez outra cousa que não fosse commetter crimes de toda a ordem, e porque esses delictos se commetteram, o povo e o exercito, revoltados, viram-se na necessidade de liquidar o regime, e a revolução saiu triunfante.

O povo foi generoso, não praticou nenhum acto de violencia. A seguir ao povo, que foi de uma benevolencia como não ha memoria, succedeu-lhe o Governo, que foi tolerante para com todos os criminosos.

O Governo teve tanta generosidade que continua a, deixar nos seus logares funccionarios publicos, que de antemão sabiamos que não podiam acceitar de bom grado as novas instituições, visto com estas não podiam continuar a consentir, como as anteriores instituições, em que os funccionarios publicos continuassem, na sua grande maioria, em vez de servirem a Nação, a servirem-se a si proprios, e ainda os amigos e respectivos afilhados.

Sr. Presidente: para que a Nação progrida e possamos dar bem conta da nossa missão, mester se faz que todos saibamos desempenhar com honra e brio as nossas obrigações.

Uma voz: - Muito bem.

O Orador: - Os funccionarios publicos podem ser, particularmente, aquillo que quiserem, como cidadãos que são, mas não teem o direito de vir prejudicar a Republica, andando a diffamá-la.

Sr. Presidente: e agora devo francamente declarar a proposito do que disse ha pouco o Sr. Machado de Serpa - a quem não tenho a honra de conhecer- que nem todos os juizes teem cumprido o seu dever.

A prova d'isso mostrá-la-hei na próxima segunda feira, em que levantarei nesta camara uma questão sobre juizes que não teem applicado a justiça, como ella deve ser feita.

Faço estas considerações somente para demonstrar que o projecto não é tão mau como querem fazê-lo. E terminarei affirmando que deve ser votado, mas alterado, para que d'elie dimane a tranquillidade, que tão necessaria se torna para o nosso bem estar e fortuna publica.

Ou aquelles que são contra a Republica se submettem, ou não.

Se não se submettem são considerados como inimigos da Patria, e como taes devem ser punidos; o que é preciso, o que se torna urgentemente indispensavel é que a Republica seja - Republica.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Carlos Olavo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja prorogada a sessão até ser discutido e votado na generalidade o projecto que está em ordem do dia. = O Deputado, Carlos Olavo.

Lido na mesa é approvado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Sousa da Camara.

O Sr. Sousa da Camara: - Mando para a mesa a minha

Moção de ordem

A Assembleia Nacional Constituinte ponderando que o projecto de lei n.° 7, em debate, representa na verdade uma medida excepcional e que, por isso mesmo, deve ser largamente discutido, continua na ordem do dia.

Lisboa, 19 de julho de 1911. = 0 Deputado, M. Sousa da Camara.

Tencionava não falar acerca do projecto em discussão, visto que me falta a competencia profissional 5 todavia, em virtude de uma affirmativa que ouvi, de que o projecto seria votado por todos os bons republicanos, pedi a palavra; e fi-lo, porque, embora possa laborar em erro, estou convencido de que tenho trabalhado por ser uni bom republicano, apesar do meu nome se conservar obscuro.

Sou republicano desde os tempos em que frequentei os bancos da escola, muito antes, portanto, de 5 de outubro.

Por isso, quando vi que se proferia essa frase, representando uma imposição, na realidade anti-democratica, visto pretender indicar uma orientação, pedi a palavra, para me insurgir contra tal affirmativa.

Poderia citar á camara que, não obstante o meu nome se manter com vantagem obscuro, sustentei sempre grandes luctas e até com prejuizo proprio.

Deixando, porem, este assunto e passando a outro de maior importancia, direi que tenho assistido como simples espectador a toda a discussão, verificando até agora que ainda não foi refutada a argumentação do illustre Deputado Sr. Antonio Granjo.

O unico argumento que aqui se apresentou com algum peso foi o relativo a Waldeck Rousseaux. Mas Sr. Presidente, não se explicaram as condições excepcionaes em que se encontrava o exercito da França, nas mãos absolutamente do jesuitismo. Ali imperava, como disse, o reaccionarismo...

Uma voz: - E aqui?

O Orador: - Emquanto que em Portugal aquelle dispunha apenas da força que lhe davam os governantes do regime monarchico.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - E a prova temo-la nós no acto da expulsão das congregações, que se fez a contento dos povos do sul do país.

Uma voz: - Ha muito reaccionario em Portugal.

O Orador: - Existe, é facto, mas do Douro para cima, do Douro para baixo, não.

Vozes: - Ora, ora.

Trocam-se apartes.

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Eu tive occasião de, numa povoação sertaneja do Alemtejo, em seguida a uma festa religiosa, falar da expulsão das congregações religiosas e da lei da separação das igrejas do Estado, e, devo confessá-lo, taes factos agradaram em geral ao povo que os applaudiu com enthusiasmo.

Uma voz: - Isso foi troça.

O Orador: - Agradeço penhoradissimo a amabilidade mais uma vez muito obrigado.

Torno, portanto, a affirmar que o reaccionario do Douro para baixo, em regra, não existe.

Uma voz: - Isso é uma barbaridade.

Uma voz: - Isso só de troça.

Trocam-se apartes.

Grande sussurro.

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O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador:-Não resta duvida que se trata de uma lei de excepção, ainda que generosa, e a prova está na argumentação d'aquelles que a defendem: citaram-se até a este proposito as leis de 1837, em que se deportavam militares e civis sem culpa formada.

Parece-me loucura usar de generosidade para com os conspiradores que se venderam pelo vil preço de 500 a 1$000 réis, pegando em armas contra a sua Patria. (Apoiados).

Porventura estes homens merecem a confiança necessaria para lhes estendermos os braços, perdoando-os do maior dos crimes? A Republica, a meu ver, já tem sido generosa de mais (Apoiados) e não pode nem deve continuar a sê-lo. (Apoiados).

Ora ainda bem que estamos todos de acordo.

Este projecto, Sr. Presidente, representa para mim, como para muitos, uma lei de excepção; o artigo 9.° mostra-o bem.

O Sr. Alfredo de Magalhães: - Assim houvesse republicanos como ha reaccionarios nesta terra.

Uma voz: - V. Exa. quer-se dizer o unico republicano d'esta terra?

Vozes: - Ordem, ordem.

Trocam-se apartes.

Grande sussurro.

O Orador: - O que posso affirmar é que até agora ainda não se manifestou um unico argumento de valor contra as objecções apresentadas pelo Sr. Antonio Granjo.

A respeito ainda de reaccionarismo direi, Sr. Presidente, que tenho trabalhado ha muitos annos quando era apoiado pelos Governos contra elle; sei bem portanto onde tem importancia no país, e reconheço que do Douro para baixo figurou sempre era pequena escala.

Uma voz: - Então já reconhece que é em pequena escala.

O Orador: - Foi sempre o que affirmei.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Egas Moniz.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: não vou ser longo, falando numa sessão prorogada. Eu que sou mais ou menos conhecedor da Assembleia, não pretendo fazer largas considerações. Vou encurtá-las, porque neste momento pretendo mais do que fazer um discurso, ou de que apresentar razoes que convençam a Assembleia, que parece já estar bem esclarecida vou fazer uma declaração de voto. Eu voto contra o projecto, por duas razões; a primeira, porque vae de encontro áquillo que eu julgo serem os bons principios de justiça, e a segunda, é tão importante como a primeira, porque o julgo absolutamente inutil para a defesa das instituições republicanas.

Uma voz: - Como já foi demonstrado.

O Orador: - É em virtude d'estas considerações que mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Camara convencida de que o projecto de lei em discussão é contrario aos bons principios da justiça e é inutil como arma de defesa da Republica, continua na ordem do dia.

Sala das sessões, 21 de julho de 1911. = Egas Moniz.

Sr. Presidente: tem-se aqui discutido se, sim ou não, é este projecto uma lei de excepção. Não vou fazer uma dissertação sobre o assunto, nem apresentar neste momento as razões que foram aqui adduzidas e discutidas e que foram até em alguns pontos, pode bem dizer-se, contraditorias. Não é isso que venho aqui tratar; tão difficil é a definição d'este assunto, que em tratadistas de nomeada se não encontram referencias especiaes a estas leis de excepção.

Eu tenho, porem, desde que trato do assunto, de acceitar uma definição.

Podia, é certo, acceitar uma das definições apresentadas pelos illustres Deputados que me antecederam e que muito considero, mas quero singrar por caminho mais seguro, e por isso opto pela definição que o Governo me deu neste caso.

Ha um decreto, que é o de 10 de outubro de 1910, em que o Governo, cumprindo o programma do partido republicano, riscou da legislação portuguesa as leis de excepção.

Vêem ali enumeradas, e d'essa enumeração resultam as caracteristicas que hão de definir o que se denomina leis de excepção, tal como o Governo entende devem ser consideradas. No decreto citam-se leis, como por exemplo, a abominavel lei de 13 de fevereiro de 1891. Nessa lei não havia um juizo especial, o que havia era, depois da condemnação, a entrega ao poder executivo dos condemnados por essa lei de tão triste e terrivel memoria.

As outras leis, umas apresentam juizo especial como, por exemplo, para os crimes de moeda falsa, outras não o tinham, mas offendiam direitos individuaes consignados em todas as Constituições do mundo, e que neste momento tambem estão consignados em terra portuguesa, embora não tenha ainda Constituição.

Todas essas leis são consideradas como leis de excepção.

As caracteristicas que as definem são as acima apontadas. Basta que uma d'ellas se encontre no actual projecto, a offensa dos direitos individuaes, coarctando a defesa dos arguidos, por exemplo, para dever ser considerada, segundo o criterio do Governo, lei de excepção.

Por este projecto pretende fazer-se uma lei que commette esse e outros attentados que são caracteristicos de excepção como demonstrarei.

Trata-se de uma lei para reprimir os assalariados e aquelles que tentam contra a Patria Portuguesa, conspirando no estrangeiro.

Antes de tudo uma questão previa:

Pergunto eu: quem devia trazer esta lei ao Parlamento?

Devia ser o poder legislativo?

Nunca.

Devia ser o poder executivo.

Vozes: - Porquê?

O Orador: - Porque o Governo conhece melhor do que o poder legislativo, e é o unico poder que tem competencia neste assunto, o que se está passando na fronteira.

Cruzam-se apartes de diversos Srs. Deputados.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Então não bastam as opiniões do Sr. governador civil e o Sr. commandante da policia.

Outras interrupções.

O Orador: - Eu deixo fazer todos os ápartes, mas com

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

a condição de não me collocarem na situação de só me falarem e eu ficar reduzido a fazer simples apartes.

Digo eu, Sr. Presidente, que uma lei d'esta gravidade, exactamente por ser de excepção devia ser aqui trazida pelo poder executivo.

Porquê?

Porque o poder executivo conhece, a respeito do grave assunto dos conspiradores, cousas que de certo nós não conhecemos, e que elle mesmo não deve reproduzir.

O meu illustre amigo o Sr. Dr. Barbosa de Magalhães diz, que temos as afirmações dos Srs. governador civil e commandante da policia, autoridades competentes no assunto pelo conhecimento que, por certo, d'elle tem.

A isto devo dizer que, aqui, na Camara, aquelles dois senhores são simplesmente Deputados como nós e, portanto, só como Deputados devemos entender que elles falem nesta Assembleia.

Nem um, nem outro teem representação official.

Mas supponhamos que assim não seja.

Já quero que os Srs. governador civil e o commandante da policia aqui viessem falar na sua qualidade de autoridades.

Nestas condições, pergunto:

Porque razão é que só agora depois de estarmos ha tantos dias a discutir este projecto, nos vem elucidar sobre elle dois funccionarios publicos: o governador civil e o commandante da policia?

Porque é que só nesta altura do debate isto se faz, e não veio aqui falar o Sr. governador civil quando se apresentou o projecto?

O Sr. Eusebio Leão: - Eu pedi a palavra, mas ainda não me chegou a vez de usar d'ella o que não admira, pois, como V. Exa. sabe, este assunto tem sido discutido a conta-gotas.

O Orador: - Isso foi apenas uma derivante da questão para mim fundamental, e se assim a apreciei é pela muita consideração, que os dois illustres funccionarios me merecem.

O Governo devia, no meu modo de ver, apresentar este projecto e dizer-nos se elle é absolutamente necessario para defesa das Instituições e da Patria, que está ainda acima das Instituições.

O Governo devia dizer-nos, se este projecto é ou não inteiramente indispensavel á consolidação da Republica, e o que nos acaba de dizer o Sr. Deputado Eusebio Leão affigura-se-me inteiramente diverso d'aquillo que se pode inferir do silencio do Governo.

O Sr. Eusebio Leão: - Essa palavra, inteiramente, é que é de mais.

O Orador: - Mas absolutamente indispensavel para eu e outros Deputados votarem o projecto em discussão.

É inteiramente indispensavel, repito, que o Governo nos declare da maneira mais peremptoria, que a sua aprovação se impõe para a estabilidade da Patria e segurança da Republica.

É necessario que o Governo diga, que se trata de uma lei de salvação publica, e só neste caso restricto é que eu a poderei votar.

É liquidada esta questão previa abordemos o assunto mais de perto.

Eu vou, Sr. Presidente, dizer as razoes que me levam a ter esta lei, na conta de lei de excepção. Mas antes seja-me licito assegurar que é meu desejo sustentar os principios de justiça, que sempre advoguei; e, para ser coherente com o meu passado, e com a attitude que assumi nesta mesma casa do Parlamento, nas lutas em que tomei parte ao lado dos que defendiam a implantação do regime republicano. Lembro-me dos esforços por mim

empregados, em favor das liberdades publicas e não os renegarei hoje. Não tenho razão para me arrepender das campanhas em que me empenhei; e, d'esta maneira, a Camara comprehende bem que eu não posso approvar leis que encerrem disposições atribiliarias, e que são de encontro aos bons principios de justiça, taes como os considerava outrora e continuo a considerar neste momento.

Não me esqueço do que fiz, não me passa da memoria o muito que lidei em prol dos bons principios.

Sabem todos muito bem, que tanto os Deputados republicanos, como os que compunham a ala esquerda da monarchia, aqui defenderam com vehemencia a necessidade de abolir todas as leis de excepção; ou aquellas que, por qualquer forma, tiverem essa caracteristica.

Todos nós tinhamos a mesma noção acerca das leis de excepção, e creio que era essa noção de subordinação do Governo actual quando publicou o decreto de 10 de outubro de 1910, diploma que honra o mesmo Governo e a Republica Portuguesa.

O artigo 2.° d'essa lei, foi de certo escrito pelo Sr. Afonso Costa, que então geria a pasta da Justiça, e ninguem de certo se atreve a contestar a competencia de S. Exa. em assuntos juridicos. Ahi se preceitua que aquelles individuos que, por acaso, estivessem presos ás leis de excepção, por quaesquer delictos especiaes nellas comprehendidos, deviam ser julgados pelos tribnnaes ordinarios, e sem outra forma de processo, que não fosse a usual.

Por aqui se vê que o Governo não se inclinara a medidas de excepção, que tão energicamente combatera nos seus tempos de propaganda republicana.

E eu folgo de ver, que nesta minha orientação me acompanha o Sr. Dr. Afonso Costa, jurisconsulto distincto.

Nestes termos, repito, eu peço ao Governo que diga, se julga ou não indispensavel esta medida de excepção.

O Sr. Artur Costa: - É necessaria, mas não é indispensavel.

O Orador: - Eu não faço questão de palavras, e d'esta maneira eu substituo o vocábulo "indispensavel" pelo vocábulo "necessaria". Mas o que se torna necessario é que essa declaração precisa venha.

O Sr. Aresta Branco: - Fiz hontem essa mesma pergunta e ninguem me respondeu.

O Orador:-Em poucas palavras quero eu dizer os motivos por que julgo esta lei um pouco fora das boas normas e da boa justiça.

Admitte um juizo excepcional. Não ha duvida que o Governo fica com attribuições do poder judicial.

A proposito do § 2.° do artigo 9.° e em resposta ao argumento adduzido aqui, com muita intelligencia, pelo Sr. Granjo, disse-se que o poder executivo não julga os assalariados que queiram ou não vir para o país.

Ora eu pergunto sinceramente o que significa isto:

(Leu).

Isto é, o assalariado faz a sua declaração no consulado ; essa declaração vem para o Ministerio que se reune depois para apreciá-la.

Por certo que o Governo não se contentará só com ella, e pedirá informações especiaes (Apoiados), porque de contrario, permitta-se-me a frase, seria menos intelligente esta disposição.

O Governo pede informações, averigua, instrue-se. Se eu não receasse offender os ouvidos dos meus contradictores, illustres jurisconsultos que muito considero, diria mesmo que formavam um processo. Depois decide. Ou dá ao assalariado a protecção precisa para vir para o país, isto é, dá-lhe a liberdade, ou então não lhe protege a vinda e obriga-o ao exilio forçado.

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SESSÃO N.° 27 DE 21 DE JULHO DE 1911 17

Pergunto agora á luz da razão, se alguem que examina uma causa, que pede sobre ella informações, que a instrue, que a examina; que em seguida dá sobre ella o seu veredictum, dando a liberdade ao arguido ou forçando-o ao exilio, julga ou não julga?

O Sr. Aresta Branco: - Dá uma sentença, o que ainda é mais do que julgar.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Não é um julgamento.

O Orador: - Sim, não ha a toga do magistrado, nem o Ministerio Publico, nem o apparato da Boa Hora, nem o advogado de defesa. Não ha o scenario, nem os comparsas de scena, mas ha, fundamentalmente, um julgamento gravissimo, porque a decisão sobre a liberdade do individuo ha de ser dada em ultima instancia pelo Governo, que vem a decidir da sorte do cidadão sem que nessa decisão intervenha o poder judicial.

Podem - permitta-se-me o termo que não é offensivo - sophismar este argumento, tão claro, tão nitido, que uma criança o comprehende, embora illustres jurisconsultos o não queiram acceitar.

Será um argumento que servirá apenas para os que pensem fora da escravidão das formulas judiciaes, mas ninguem que imparcialmente o aprecie, livre d'esses preconceitos, deixará de concluir que o § 9.° contem uma disposição que constitue um julgamento.

E mesmo no campo juridico ninguem me mostrou o contrario á face das caracteristicas que definem o julgamento.

Vozes: - Esse artigo é de amnistia.

O Orador: - E outro assunto. E nem sequer se trata de amnistia. Não ha amnistia com restricções.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Neste caso são necessarias.

O Orador: - Então chamem-lhe outra cousa, o não amnistia.

O Sr. Antonio Macieira: - O projecto não o diz que seja.

O Orador: - Diz, sim, senhor. Di-lo o relatorio da maneira mais categorica e o relatorio faz parte integrante do projecto.

Leu.

A amnistia faz-se para crimes e de uma maneira geral. Não admitte condições.

Diversos apartes.

Mas vejamos quaes são essas condições.

A amnistia é para os assalariados que façam as suas declarações no consulado. Essas declarações vêem ao Ministerio e este é que decide, em ultima instancia e sem recurso, quaes os individuos que hão de ser amnistiados e quaes os que hão de continuar no exilio a expiar a sua culpa.

Agitação. Diversos apartes.

E com certeza que o Ministerio não o ha de fazer sem motivos nem razões.

Ora, Sr. Presidente, isto não é uma condição é uma restricção, que ditou a propria ideia de amnistia,

E concedida a amnistia aos assalariados, mas só depois de serem apreciados e julgados pelo Governo. Não visa o crime, respeita a um certo e restricto grupo de arguidos do mesmo crime.

Agitação e muitos apartes.

Afinal S. Exas. não me deixam falar e eu não posso apresentar os meus argumentos. Não digo já por mim, mas por aquelles que por acaso me queiram ouvir, peço a V. Exas. que consintam o seguimento da minha argumentação.

Não sou jurisconsulto, mas, por isso mesmo, e porque me preso de estudar bem as questões, não defenderia esta doutrina sem me apoiar em alguma autoridade incontestavel perante os meus collegas criminalistas.

Procurei alguem, que tivesse opinião autorizada e competencia consagrada, dentro e fora do país sobre esta especialidade. E assim é que a opinião de Adolph Prins e de Garrand que certamente V. Exas. conhecem, militam nesta orientação. No sen Precis de Droit Criminei diz Garrand que amnistia com condições não é amnistia.

E acrescenta:

"É contrario á essencia da amnistia que seja concedida sob certas condições ou com certas restricções". 1

Não é questão de palavras, mas são aifirmações de principios.

Mas deixemos este assunto e passemos á apreciação de outro não menos importante.

Neste projecto ha, a meu ver, grandes ataques ás garantias individuaes, o que só, por si, mesmo que se pusesse de parte o argumento do § 2.° do artigo 9." bastaria para definir esta lei como de excepção.

Coacta-se a defesa. Ninguem tem a menor duvida sobre o assunto. Basta descer ao exame dos artigos do projecto.

O decreto de 14 de outubro de 1910, decreto que tambem honra os homens que se sentam naquellas cadeiras, contem um artigo, e 7.°, em que se affirma que os arguidos teem sempre, o direito de juntar documentos, indicar testemunhas, e requerer exames directos e as mais deligencias necessarias para a averiguação da verdade.

E o que faz o projecto? Revoga o disposto neste artigo. Nega ao arguido o direito de requerer exames e mais diligencias, de juntar documentos antes da pronuncia porque só os permitte juntos á contestação, etc.!

E isto admissivel?

E isto defesa para um arguido no momento em que as paixões politicas podem trazer á prisão e ás violencias de um julgamento tumultuario homens innocentes?

Eu pergunto, se me dão licença, se todos estes direitos consignados no artigo 7.° do decreto de 14 de outubro de 1910, representam ou não uma obra levantada e digna da Republica Portuguesa a favor dos direitos e garantias individuaes?

Interrupção do Sr. Dr. Alexandre Braga que se não ouviu.

Sendo prejudicados todos estes direitos de defesa, rasgadas todas as garantias individuaes que a Republica Portuguesa já tinha consignado, e conseguido isto o que resta á defesa dos arguidos que podem ser innocentes e indefesos cidadãos?

O Sr. Germano Martins: - Nessa parte sou da sua opinião.

1 Obr. cit. pag. 358, n.° 258,

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Orador: - Pergunto, Sr. Presidente, se esta disposição do artigo 7.° pode ser acceite tal como está?

Não são palavras, nem são argumentos habilidosos que venho trazer aqui; costumo falar de boa fé e só adduzo razões que me deram o convencimento da verdade; mas não me importa que estejam contra mim, quando estou de acordo com os meus principios. Não venho com o proposito de prejudicar a marcha da discussão, nem venho pronunciar palavras para ser apoiado: trago o que sei, com honestidade e sinceridade, para esclarecer a discussão. Nada mais.

O Sr. Alexandre Braga: - V. Exa. acceita a doutrina do decreto de 10 de outubro de 1910?

O orador faz um gasto afirmativo.

Isto mata a questão. Não preciso de mais nada.

O Orador: - Tudo que V. Exa. queira. Se a Camara me permittir, eu provarei que isto não mata a questão e V. Exa., que é um homem muitissimo illustrado, e um parlamentar distinctissimo, ha de convencer-se com as razões que lhe exporei.

Sei onde S. Exa. visa, mas não posso agora afastar-me da linha de raciocinios que quero seguir.

O artigo 7.° do projecto, que é a negação do artigo 7.° da lei de 10 de outubro, tal como está redigido, representa para mim, uma offensa directa aos direitos individuaes, tira a defesa aos arguidos.

É, a meu ver, uma contradição flagrante da Republica com a Republica, do Governo com o Governo.

O Sr. Artur Costa: - Eu direi a V. Exa. que o Sr. Ministro da Justiça assistiu a uma das sessões da commissão.

O Orador: - Estimo saber que o Sr. Ministro da Justiça assistiu a uma das sessões da commissão. Mas S. Exa. deu já a entender (sessão de 21 de junho) que não considerava o projecto de absoluta necessidade.

O Sr. Ministro do Interior tambem deu a entender, na mesma sessão, que não considerava o projecto de absoluta necessidade.

E esta a ideia que eu tiro das suas declarações taes como vêem no Summario, se bem que o Summario não reproduza por vezes com fidelidade tudo o que nós dizemos.

Como o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros se acha presente, poderá rectificar, se é ou não exacto aquillo que o Summario lhe attribue.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado): - Eu entendo que é preciso desarmar os conspiradores; e acho conveniente que os processos relativos a este assunto sejam julgados em Lisboa e Porto.

É esta uma opinião minha, individual, e que eu apresento como Deputado da Nação.

Entendo, repito, que os processos referentes aos conspiradores devem ser julgados em Lisboa e Porto e não nas outras comarcas do país, parecendo-me que é este o pensamento da commissão.

O Orador: - Agradeço as explicações que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros acaba de me dar, em nome do Sr. Deputado Dr. Bernardino Machado.

Nem S. Exa. podia expressar-se de outra forma, visto que não teve occasião de consultar os seus collegas.

S. Exa. falou em seu proprio nome e não em nome do Governo.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bernardino Machado): - O Governo entende que, sem que ás circunstancies do país estejam aggravadas, é necessario que este projecto se converta em lei, sob a responsabilidade da Assembleia, isto é, sob a responsabilidade de nós todos.

O Orador: - É preciso que não continuemos neste jogo de palavras.

O que eu desejava é que o Governo declarasse se julga ou não indispensavel a approvação do projecto em discussão, ou que da parte do Governo partisse uma declaração mais precisa e semelhante á que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros apresentou individualmente.

É preciso que o Governo diga claramente se as condições do país reclamam ou não a adopção d'esta medida de excepção.

Cruzam-se simultaneamente muitos apartes em varios pontos da sala, sendo por isso impossivel reproduzi-las.

Se ire deixassem falar sessegadamente, eu exporia as minhas razões e os meus argumentos com sequencia e com lógica.

Se me deixassem falar sossegadamente, repito, veriam que o meu proposito não é atacar o Governo, como poderia parecer á primeira vista.

Eu não venho com o proposito de o ferir, e basta dizê-lo d'esta maneira clara e precisa para que todos os que me conhecem façam a justiça de acreditar na sinceridade d'estas minhas declarações.

Entendo que o Governo e a Assembleia Nacional Constituinte devem conjugar a sua acção e identificar-se nella para bem da nacionalidade portuguesa. (Apoiados).

Quereria que o Governo se entendesse com as commissões sobre todos os projectos, visto que tem o apoio de toda a Camara para occupar os seus logares.

E, se faço estas considerações, é porque eu viso a fim mais alto.

A questão não está resolvida. Ficou no pé em que a tomei. Siga cada um o seu destino e o seu caminho. Eu ficarei na defesa do que julgo ser os bons principios.

Disse que neste projecto eram coarctadas as garantias da defesa, e, portanto, as garantias individuaes; e assim, ainda que o projecto passe na generalidade, em hypothese alguma poderá deixar de ser emendado na especialidade, modificando-se o seu artigo 7.°

Interrupções.

Sr. Presidente: V. Exa. continuará a verificar, como tem visto, a proposito de todas as discussões em que tenho entrado, que eu emprego poucas palavras e procuro sempre substitui-las por argumentos.

Se alguma vez me vir em contradição com esta doutrina, chame-me á ordem. E eu acatarei, como me compete, a advertencia de V. Exa..

Por isso peço licença para proseguir.

Approvar o artigo 7.° será, repito, pôr a Republica em contradição com a propria Republica.

Mas ha mais: Entendo alem d'isso que o artigo 23.°, do qual ainda ninguem aqui falou, não pode deixar tambem de ser modificado, porque por igual ataca as liberdades individuaes, visto tirar aos accusados todos os meios de defesa que as leis liberaes devem consignar.

Nesse artigo impõe-se a restricção no numero de testemunhas, nas testemunhas de fora da comarca, que só poderão ser interrogadas no dia do julgamento, no addiamento da audiencia que só pode fazer-se uma vez e num prazo de oito dias, etc.

Leu.

Pergunto: Em que condições ficam os réus quando só tenham testemunhas de fora da comarca que não possam ser ouvidas no dia do julgamento por doença por exemplo, devido ás condições expostas neste artigo?

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Chamo para este ponto a attenção da commissão.

Eu queria ser breve, mas tenho sido mais longo do que desejaria á custa dos apartes dos meus collegas e não da sequencia minha argumentação.

Quero, porem, ainda dizer que o artigo 26.° é de todos o que menos me repugna.

A concentração dos processos era Lisboa e Porto é defensavel desde que ao arguido seja dada toda a liberdade na defesa.

Todavia ha argumentos a favor e argumentos contra, bastante valiosos.

Sabem V. Exas. que tirar um arguido do foro a que pertence, da comarca em que praticou o crime, dá em resultado muitas vezes, condemnar innocentes.

No entanto ha aqui uma corrente determinada a favor d'este artigo 26.°

Não terei duvida em o deixar passar sem o meu protesto, mas votarei contra.

Um ponto tambem ha aqui no projecto que, muito embora já tivesse sido versado pelos meus collegas, não pode deixar de merecer os meus reparos.

Refiro-me á formação do corpo de delicto pelas autoridades administrativas.

A que vexames, a que insultos, não dará origem uma tal disposição?

Pessoa bastante autorizada e que nós todos muito consideramos pelo seu caracter, o Sr. Eusebio Leão, já aqui nos disse que ainda hoje se não pode depositar absoluta confiança em todas as autoridades administrativas.

Quando assim é, pergunto.

O Sr. Eusebio Leão: - Não por faltarem aos seus deveres ou prevaricarem, mas sim por serem extremamente benévolas e brandas.

Vozes: - É differente.

O Orador: - Peço desculpa.

Tinha então comprehendido mal.

Fica feita a correcção, lealmente, como é proprio dos dois Deputados que intervieram na explicação.

Mas eu pergunto ainda assim se não será muito grave esta disposição a que me venho referindo desde que podem ser presos individuos sem haver prazo marcado para a sua entrega ao poder judicial?

Pode ou não pode dar-se, nestas condições, uma coisa parecida com aquillo que nós condemnámos, e muito bem, em tempos idos?

Por esta lei ficará na mão do administrador do concelho a liberdade dos cidadãos sem ter prazo marcado para os entregar ao poder judicial.

V. Exa. verá, Sr. Presidente, que amanhã, applicado este decreto, o abuso ha de dar-se. Não tenho duvidas a esse respeito.

É indispensavel que se diga que o administrador de concelho não pode ter o preso debaixo das suas mãos alem de um determinado prazo.

É indispensavel que se exare isso na lei.

Aparte do Sr. Artur Costa, que se não ouviu.

O Orador: - Mas eu revolto-me contra ambas as leis. Ha muitas leis da Republica que merecem a minha censura. Não quer isto dizer que eu ataque o Governo da Republica; mas o que é certo é que emquanto aqui estiver hei de falar de acordo com aquillo que penso, e não deixarei passar nenhum d'esses decretos de que discordo sem lhes manifestar o meu agrado ou o meu desagrado.

A proposito d'esta arbitrariedade, eu direi o seguinte: Todos nós conhecemos a vida da provincia e sabemos que ali não se degladiam ideias, mas se atacam homens. Amanhã um administrador de concelho pode chegar ás ultimas violencias contra um cidadão injustamente encarcerado e talvez injustamente condemnado.

Eu queria que a Republica triunfasse pela liberdade e pela ordem, sem que se esquecesse, é claro, de que tem de defender-se pelas armas a si e ao país.

Eu entendo que a condemnação de um justo pode trazer talvez mais conspiradores do que aquelles que hão de vir a entrar para a cadeia em virtude d'esta lei que esta mós discutindo.

Isto mostra que esta lei não é só inutil, pode tambem ser prejudicial, e em vez de attingir o fim de defesa da Republica, pode, por certo, concorrer para a sua não consolidação.

Attentem bem neste problema; olhem um pouco para fora de Lisboa, porque nem só Lisboa é o país, olhem para os odios que se acendem nas provincias, de parte a parte, attentem nas vinganças que ali se exercem, sejam quaes forem as autoridades administrativas, boas ou más, propositadamente mettidas no processo, ou ingenuamente caidas numa cilada, e verão que amanhã alguns justos terão de transitar de cadeia em cadeia até á sua condemnação final. E reparem que as injustiças, sobretudo essas que se palpam de perto, são por vezes bera peores nas consequencias do que as repressões mais justas.

Sr. Presidente, estou fatigado e a Camara ainda o deve estar mais ouvindo estas minhas despretenciosas palavras, mas eu quero referir-me agora, e por ultimo, a um outro assunto, embora ponha de parte alguns que não são menos interessantes e que teria abordado se não fosse o adeantado da hora: é o que respeita á nossa situação perante o estrangeiro.

Nós não devemos acantonar a nossa vida politica a dentro das fronteiras, que nos marcam as cartas geographi-cas.

Devemos proceder de forma a merecer a confiança de todos os países pela defesa dos principios liberaes. E esta a melhor forma de defender as nossas instituições a dentro e fora das fronteiras.

E este projecto, Sr. Presidente, é um ataque aos direi tos individuaes, aos principios de proprio poder judicial.

O Sr. Antonio Macieira: - Ataca o poder judicial?

O Orador: - Sim senhor, ataca o poder judicial, por que alem do que já expus, lá diz o artigo 34.°, que os juizes que mostrarem negligencia serão suspensos.

A esse proposito um dos illustres oradores que mais teem defendido o projecto, disse que seriam condemnados em tribunaes especiaes.

Sr. Presidente, porque se não ha de proceder igualmente, e em todos os processos, para com todos os outros juizes que teem de julgar, e tão somente se determina para esta lei.

O Sr. Jacinto Nunes: - Apoiado, apoiado. Isso assim é um horror!

O Orador: - Diz o artigo 34.° Eu leio a V. Exa.

Leu.

Estes juizes são condemnados em tres meses de suspensão, e até podem ser transferidos. Isto apenas por negligencia, por uma falta por doença que não se justificou, uma coisa sem importancia. Pergunto eu, este projecto não affronta a magistratura portuguesa?

Porque não pomos então, repito, em projectos similares, leis iguaes a esta?

Para que se vae lançar um labéu sobre a magistratura portuguesa?

É necessario não acceitar este artigo. (Apoiados).

Foi bom o aparte do Sr. Dr. Antonio Macieira, que provocou esta explicação; tanto mais que tendo eu aqui, na primeira vez que falei sobre a Constituição, referin-

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

do-me ao Supremo Tribunal de Justiça, tive uma calorosa manifestação da Assembleia, quando defendi que, o Supremo Tribunal não fosse eleito pelo Senado. É preciso que se mantenha a independencia do poder judicial.

Eu quero um poder judicial completamente independente.

Aparte do Sr. Artur Costa, que se não ouvia.

S. Exa. o Sr. Artur Costa disse-me outro dia que não tinha confiança nos juizes de Lisboa.

Interrupção do Sr. Artur Costa, que não se ouviu.

Eu vou já dizer a V. Exa., tenho aqui escritas as palavras que V. Exa. pronunciou. Leu.

O Sr. Artur Costa: -Pode não estar. Veja o que está succedendo em Coimbra com o juiz...

O Orador: - Está V. Exa. a dar-me razão. Não devemos aqui atacar a magistratura por essa forma.

Nós não podemos estar aqui todos os dias a levantar suspeições contra magistrados que fazem parte de um poder independente. Não podemos fazer accusações vagas. Podem-se fazer accusações concretas, mas junto dos poderes competentes. E se ha individuos que delinquiram, levem-nos aos tribunaes.

O Sr. Artur Costa: - Eu não accusei ninguem, li aqui apenas um jornal em que se faziam certas accusações, o que é muito differente.

O Orador: -V. Exa. fica sabendo que eu nunca adultero as palavras de ninguem.

O Sr. Artur Costa: -Eu sei que V. Exa. não adultera de proposito as minhas palavras, sei que está de boa fé, mas podia ter comprehendido mal o que eu disse.

Uma voz: - Mais uma questão pessoal!

O Orador: - Eu nunca adultero as palavras de ninguem, e digo a V. Exa., Sr. Presidente, que questões pessoaes, quando as tiver, resolvo as fora da Camara. Por esse motivo não interromperei a discussão. Quando vir que algum Deputado me fere naquillo que julgo na minha vida mais nobre e alevantado, eu, que durante toda a minha vida parlamentar nunca pronunciei, em qualquer altura da discussão, frase que pudesse ferir fosse quem fosse, que nunca pronunciei palavra que não medisse bem, tendo tido sempre a maxima cortesia, saberei desforçar-me, mas a Camara não será ouvida nem terá no assunto interferencia.

Eu entendo que nas frases do Sr. Artur Costa não ha a menor intenção de offensa; e, se me referi a ellas é porque poderia alguma d'essas frases ser julgada de menos cortesia para commigo, a fora d'esta casa.

Vou concluir por onde desejava terminar as minhas considerações, e de onde fui desviado pelos apartes.

Depois de ser votado este projecto de lei pode-se dizer lá fora que, sem necessidade absoluta se votou nas Constituintes uma lei de excepção. Podem dizer que tambem contribui para. isso. São principios que tenho defendido toda a minha vida.

Vivi mais na defesa de principios do que de pessoas.

Eu pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, como será que o estrangeiro que nos segue de perto - não tenham illusões aquelles que pensam segundo as suas ambições - pensará d'este projecto que elle não comprehende e que não se harmoniza nem pode harmonizar-se com as declarações ministradas a todos os diplomatas estrangeiros pelo Sr. Ministro do Exterior? Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador é muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alvaro de Castro.

O Sr. Alvaro de Castro: - Diz que o Sr. Egas Moniz atacou o projecto dizendo que era contrario á justiça e absolutamente inutil para a defesa do país.

S. Exa., porem, não produziu argumentos que provassem essas duas affirmações.

Não ha leis de excepção da maneira como as comprehende o Sr. Egas Moniz.

Depois de examinar o decreto de 13 de fevereiro e a lei sobre fabricantes de moeda falsa, S. Exa. concluiu que o projecto em discussão viria a ser uma lei de excepção. Para fazer valer a conclusão a que chegou, disse que o Sr. Ministro da Justiça, Sr. Affonso Costa, não assinaria este projecto.

Illude-se o Sr. Egas Moniz porque, se no projecto existe o principio de que os processos sejam julgados em Lisboa e Porto, começando a investigação nas administrações das comarcas, encontram-se iguaes principios em decretos assinados pelo Sr. Affonso Costa.

Os argumentos apresentados são absolutamente sem valor, e S. Exa. unicamente pretendeu impulsionar a Assembleia, apresentando lhe um nome digno de todo o respeito, por que é de um grande cidadão.

Depois, S. Exa. referiu-se ao que disse o Sr. Bernardino Machado, não como Ministro interino da Justiça, mas na qualidade de Deputado, attribuindo-lhe a declaração categorica de que julgava dispensavel votar esse projecto.

O que seria um acto anti-politico, seria que o Governo viesse affirmar, perante a Assembleia, que era absolutamente necessario o decreto. O Governo nunca podia tomar a iniciativa de um decreto d'esta natureza.

Diz-se que o artigo 9.° é uma amnistia. A commissão não se importa com a classificação.

O cidadão que não quiser aproveitar-se d'esta garantia sujeita-se ao julgamento dos tribunaes communs.

Os ataques feitos ao projecto não se justificam, e a maior parte d'elles tinham mais cabimento na discussão da especialidade.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Padua Correia (Para um requerimento): - Requeiro que seja lida na mesa a lista dos Srs. Deputados inscritos.

O Sr. Presidente:

Lê-se.

Vae ler-se a lista.

O Sr. Padua Correia (Para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se, em vista do numero grande de Deputados inscritos, não seria melhor que esta discussão continuasse na sessão seguinte.

Uma voz: - Requeiro a contagem.

Vozes: - Não ha numero.

Uma voz: - A Assembleia votou a prorogação da sessão até se votar o projecto na generalidade.

O Sr. Presidente: - A discussão tem de continuar visto estar prorogada a sessão.

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SESSÃO N.° 27 DE 21 DE JULHO DE 1911 21

O Sr. Padua Correia: - Peço a V. Exa. que submetta á votação da Camara o meu requerimento.

O Sr. Presidente: - Ha numero. Vou pôr á votação o requerimento do Sr. Padua Cerreia.

Consultada a Camara é rejeitado o requerimento do Sr. Padua Correia.

O Sr. Alberto Souto: - Sr. Presidente: desejo tomar pouco tempo á Camara. Estas palavras na minha boca não serão um tropo, nem uma frase feita, nem rhetorica; quero apenas apresentar algumas substituições ao projecto, e esse facto não deriva de lhe não ser favoravel, porque eu approvo-o.

Parece que ha nas minhas palavras uma contradição, mas não existe; o que quero dizer apenas é que tenho todo o desejo de que a discussão se apresse, e que um projecto que satisfaz as aspirações da Camara, a opinião republicana e as necessidades do país seja votado o mais depressa possivel, sem perda de tempo.

Assim, eu, apesar de approvar o projecto, e de o ter até particularmente aqui defendido algumas vezes, julgo ter apprehendido as opiniões de muitos Srs. Deputados.

Essas opiniões resumem-se em combater as disposições benévolas do projecto contra os conspiradores e ao mesmo tempo em hostilizar as disposições que se diz são contra os principios por que nós temos lutado sempre.

Não julgo que este projecto affronte esses principios, nem seja uma lei de excepção, porque não altera a competencia do foro e do julgador, e eu considero leis de excepção os projectos que alteram a competencia do foro e do julgador; ao mesmo tempo não o julgo uma lei draconiana, e, pelo contrario, julgo-o da maior benevolencia, a continuação d'essa generosidade em que tanto se tem falado, que nós tanto temos para os adversarios, e que receio, a continuar, constitua um serio perigo para a defesa da Republica. (Apoiados).

Eu voto o projecto, mas ao mesmo tempo que apprehendi essas opiniões contra elle, apresento algumas emendas que julgo senão interpretá-las, porque não tenho essa pretensão, pelo menos estabelecerão talvez uma plataforma em que todos os defensores do projecto e os contrarios nella se entendam.

Todos nós pretendemos uma cousa: é que a Republica se defenda, e torne effectiva a responsabilidade criminal contra os conspiradores dentro do país e fora das fronteiras, e contra todos aquelles que pretendam alterar a ordem da Republica. (Apoiados).

Em vista d'isso, e em cumprimento do Regimento, mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Camara, reconhecendo a necessidade de tornar effectiva a responsabilidade criminal sobre os conspiradores contra a Republica, continua na ordem do dia. = O Deputado, Alberto Souto.

Muitas razões e argumentos, repito, teem sido aqui adduzidos a favor e contra o projecto; pode-se dizer que tudo a seu respeito está dito.

Por agora limito me a mandar para a mesa umas emendas, reservando, para quando se discutir a especialidade, mais largas considerações...

O Sr. Presidente: - V. Exa. não pode nesta occasião apresentar emenda.

O Orador: - Perdão, não é uniu substituição de artigo por artigo; é uma substituição geral que eu desejo que a commissão analyse, e que devo discutir-se juntamente com o projecto.

O Sr. Presidente: - Pode V. Exa. mandar para a mesa a sua substituição.

O Orador: - É a seguinte

Substituição dos crimes contra a Republica em geral

Artigo 1.° As autoridades administrativas e policiaes investigarão com especial cuidado, e de preferencia a quaesquer outros, os crimes contra a segurança do Estado e da Republica que chegarem ao seu conhecimento, dentro das suas circunscrições, podendo sempre serem secundadas ou substituidas pelas autoridades policiaes de Lisboa e Porto, nessas investigações, á sua requisição, quando não disponham de meios bastantes para a descoberta e investigação d'esses crimes ou quando superiormente for ordenado.

Art. 2.° Quando as autoridades administrativas ou policiaes ordenem o realizem uma prisão que mantenham por mais de vinte e quatro horas deverão participá-la ao Juizo de Investigação Criminal respectivo, juntando o relatorio ou processo da sua investigação e das razões que a determinaram, dentro de tres dias, contados do dia da prisão do arguido.

Dentro de oito dias, contados do dia da prisão, o Juizo de Investigação Criminal ordenará a liberdade do detido, archivando o relatorio administrativo ou policial e restante processo, se não houver motivo bastante para procedimento, fará a pronuncia ou ordenará, com a continuação da prisão, as medidas e diligencias que julgar necessarias ao apuramento da verdade e instrucção do processo.

Art. 3.° As autoridades administrativas e policiaes poderão ter presos e incommunicaveis os arguidos d'estes crimes apenas durante oito dias.

Art. 4.° É concedida ao Juizo de Investigação Criminal, sem dependencia da proposta do governador civil do districto, em cuja area o delicto for commettido, a faculdade que, pelo artigo 2.° do decreto de 15 de fevereiro de 1910, pertencia ao Ministro do Interior.

Art. 5.° O Juizo de Investigação Criminal procederá á formação do corpo de delicto d'estes crimes, com todas as demais attribuições do artigo 6.° do decreto de 15 de outubro de 1910, podendo para esse fim reclamar ao Governo o magistrado judicial competente, em quem poderá delegar todas as attribuições que lhe são conferidas pelo artigo 4.° d'este decreto.

Art. 6.° O processo seguirá depois os tramites legaes, segundo a legislarão vigente.

Art. 7.° O Poder Executivo não poderá intervir, nem directa nem indirectamente, no processo entregue á investigação criminal e sequente, e apenas pode communicar áquelle Juizo quaesquer factos de que tenha conhecimento no decorrer do processo, concernentes ao esclarecimento da verdade.

Art. 8.° São reduzidos a metade, na 1.ª Instancia, os prazos marcados nas leis em vigor, posteriormente á pronuncia.

Art. 11.º Emquanto se não legislar sobre o estatuto dos funccionarios do Estado, quando o arguido seja funccionario publico de qualquer ordem ou categoria e se depois das diligencias a que o Juizo de Instrucção Criminal proceder se verificar que não ha razão juridica para a pronuncia, o mesmo juiz communicará em relatorio ao Conselho de Ministros se adquiriu a convicção moral de que o arguido é inimigo das instituições ou inspira desconfiança á Republica.

O Conselho de Ministros decidirá então suspender seita vencimentos ou demittir do seu logar o arguido dando conhecimento do facto á representação nacional de quem fica dependente a execução da resolução governativa.

Art. 12.° O funccionario publico de qualquer ordem ou categoria fica suspenso das suas funcções o vencimentos

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

desde o despacho de pronuncia por crimes contra a Republica. No caso de condemnação fica ipso facto demittido e incapaz de exercer qualquer cargo da Republica e dos corpos administrativos.

No caso de absolvição será restituido ás suas funcções recebendo todos os seus vencimentos desde a suspensão.

Art. 13.° Os juizes e tribunaes farão proseguir estes processos com a maior brevidade devendo este serviço preferir a qualquer outro.

14.° Ficam revogadas as disposições em contrario da legislação em vigor.

Sala das Sessões, em 21 de julho de 1911. - O Deputado, Alberto Souto.

Dos crimes de alta traição

Artigo 1.° Aos réus de alta traição é concedido o prazo de trinta dias contados sobre a publicação d'este decreto para se apresentarem ás autoridades da Republica, sujeitando-se ás penalidades que lhes possam ser impostas pela legislação em vigor nesta data.

Art. 2.° Comtudo áquelles que, tendo-se apresentado ás autoridades da Republica durante esse prazo, forem julgados nos tribunaes competentes apenas assalariados ou meros cumplices com attenuantes, é desde já a sua pena reduzida a simples prisão correccional.

Art. 3.° Decorridos trinta dias sobre a publicação d'este decreto, os que não se apresentarem nos termos do artigo 1.° ficam sujeitos ás disposições d'este decreto.

Art. 4.° Aos réus de alta traição que, no prazo de quinze dias sobre a publicação da sentença condemnatoria se não apresentarem a cumpri-la, nem declararem perante qualquer autoridade consular que reconhecem a Republica ou que desistem de toda a tentativa de rebellião contra ella, comprovando-o, serão applicadas as disposições seguintes:

Art. 5.° São declarados nullos e sem effeito quaesquer contratos de alienação de bens feitos posteriormente á publicação d'esta lei de todos os que se acharem pronunciados como réus de alta traição.

§ unico. Esses contratos ficarão validos para todos os effeitos logo que seja pronunciada sentença absolutoria.

Art. 6.° Sobre a parte disponivel dos bens dos ausentes condemnados como réus de alta traição á face da legislação em vigor, incidirá uma contribuição denominada de Salvação Publica, bastante para pagar as despesas extraordinarias de vigilancia e defesa das fronteiras, que terão contabilidade especial.

Art. 7.° Essa contribuição recairá sobre a parte disponivel dos bens de todos os condemnados pelo crime de alta traição, proporcionalmente aos bens de cada um.

Art. 8.° Aos réus de alta traição são applicaveis as disposições estabelecidas no decreto sobre os crimes contra a Republica em geral.

Art. 9.° Ficam revogadas as disposições em contrario da legislação em vigor.

Sala das Sessões, em 21 de julho de 1911. = O Deputado, Alberto Souto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José Francisco Coelho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se proceda á contagem. - José Francisco Coelho.

O Sr. Presidente: - Vae satisfazer-se o desejo do Sr. Deputado.

Procede-se á contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Estão na sala 75 Srs. Deputados, numero exactamente sufficiente para a Assembleia poder funccionar.

O Sr. Germano Martins: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a Assembleia sobre se deseja que a sessão se interrompa por duas horas. = Germano Martins.

Consultada a Camara, foi rejeitado.

O Sr. Alvaro Poppe: - De acordo com o preceituado no Regimento começo por apresentar á Assembleia Nacional Constituinte a minha

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte, reconhecendo que a proposta que originou o projecto de lei em discussão, não hontem materia que em jurisprudencia possa ser tida como ei de excepção, e que o projecto depois de convenientemente emendado deve ser approvado, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, em 21 de julho de 1911.= O Deputado, Alvaro Poppe.

Uma voz: - Não ha numero.

O Orador: - A Camara está muito fatigada, por isso parecia-me melhor ficar com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. não quer continuar no uso da palavra, tenho de a conceder a outro Sr. Deputado.

O Sr. José Francisco Coelho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se proceda novamente á contagem. = José Francisco Coelho.

O Sr. Presidente:-Devo observar que o Sr. Deputado não pode neste momento requerer a contagem; só se lhe for permittido pelo Sr. Alvaro Poppe.

O Orador: - Da melhor vontade.

Procede-se á contagem.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados. Não ha portanto numero para a Assembleia poder funccionar.

A próxima sessão é na segunda feira 24, á hora regimental.

Antes da ordem do dia deve realizar-se a interpellação do Sr. Deputado Sá Pereira ao Sr. Ministro da Justiça; na ordem do dia a discussão na especialidade do projecto de lei n.° 3 (Constituição).

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e trinta minutos da tarde.

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SESSÃO N.° 27 DE 21 DE JULHO DE 1911 23

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Pede-me o Sr. Deputado José Montês que justifique as faltas dadas, e que rogue á Assembleia que lhe releve as que ainda terá que dar, por motivo de doença que o tem prostrado na cama.

Lisboa, 21 de julho de 1911. - Baltasar de Almeida Teixeira.

Concedido.

Para a Secretaria.

Representações

Da Liga da Defesa dos Direitos do Homem, pedindo que sejam concedidas pensões de sangue aos mutilados e viuvas dos que tomaram parte na Revolução, cujos nomes e moradas indica.

Para a commissão de petições.

Do pessoal adventicio da Alfandega, representado pela respectiva Associação de Classe, pedindo melhoria das suas condições economicas.

Para a commissão de finanças.

Da Associação de Classe dos Vendedores de Viveres a Retalho, pedindo que seja decretada a importação de azeite estrangeiro, livre do respectivo direito,

Para publicar no "Diario das Sessões".

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.- Ao manifestar-se a crise que de ha meses a todos preoccupa, sobre a escassez da producção do azeite; ao accentuar-se o elevado preço por que este genero se tem apresentado no mercado; por todas as formas tem esta Associação procurado o seu barateamento, desde o mês de novembro proximo passado.

A inexequibilidade de todos os seus esforços tem sido um facto, quer a sua causa (a crise) seja real ou ficticia. Todavia observa esta Associação que no mercado não se tem feito sentir a sua escassez, pois que os açambarcadores nem sequer se queixam da sua falta, havendo indubitavelmente nas regiões proprias da sua producção, grandes stocks de azeite ainda armazenados.

Sabe-se que o commercio de retalho está comprando o azeite em Lisboa a 400, 410 e 420 réis o kilogramma e que os mesmos retalhistas o estão vendendo ao publico consumidor por 380 e 400 réis, preço immensamente elevado para as classes menos remediadas, sendo completamente inaccessivel á classe desvalida.

Este facto mostra exuberantemente que a classe representada por esta Associação está exercendo, desinteressadamente, uma acção benéfica em favor do consumidor,
aproveitando commercialmente apenas ao grande açambarcador, apesar de uma grande parte do publico estar persuadida de que o retalhista vende caro por querer ganhar muito.

Constatando-se que os preços acima citados apenas dão ao retalhista o lucro de 5 por cento, não se pode em boa justiça permittir que os açambarcadores estejam livremente, á sombra de um regime democratico, reduzindo o povo á fome, encarecendo-lhe um genero de primeira necessidade, para elles se locupletarem, á custa da miseria publica, com lucros fabulosos.

Vem hoje esta Associação junto de V. Exas. instar nas suas reclamações sobre este assunto, pois certamente os dignos Deputados de que se compõe a Constituinte terão, de certo, estudado o assunto e por isso reconhecerão ser impossivel a continuação de um verdadeiro patrocinio.

Deplora esta Associação que as suas justas reclamações não hajam sido attendidas, quando representaram junto do Governo Provisorio da Republica Portuguesa, tanto mais que sempre as fundamentou de modo a não poderem, com razão, ser contestadas.

Decorridos oito meses, vieram os factos demonstrar e pôr mais em evidencia as razões com que sustentavamos serem os açambarcadores a causa da elevação do preço do azeite, annullando assim, em seu proveito exclusivo, o beneficio que deveria resultar para o povo da abolição do imposto de consumo sobre o genero era questão.

E porque esta Associação está convencida que a unica solução para o caso será a importação do azeite estrangeiro, livre de direitos, vem esta collectividade, por intermedio dos seus corpos gerentes, reclamar perante a Constituinte que seja decretada tal providencia, ainda que seja em quantidade sufficiente, que assegure as necessidades de momento, pois ha a certeza de que, decretada tal medida, o proprio açambarcador do azeite nacional será o primeiro a trazê-lo ao mercado por preços equitativos.

Os clamores do povo é que não podem continuar, urge pois que o Governo da Republica providencie de modo a cessarem essas justificadas queixas do publico consumidor e tambem do vendedor retalhista, victimas dos açambarcadores ou detentores de um producto que precisa ser barateado, e por isso posto o seu preço ao alcance das classes proletarias.

Assim, confiam os signatarios na rapida solução que o assunto requer, esperando que os dignos representantes da Nação votem a importação do azeite estrangeiro, livre do respectivo direito. Saude e Fraternidade.

Lisboa, 21 de julho de 1911. = 0s Corpos Gerentes, Antonio Marques Nogueira = Antonio Ferreira da Silva = Augusto Nunes de Azevedo = Francisco Correia de Matos = Lourenço Loureiro.

OS REDACTORES:

(Antes da ordem do dia) - Alberto Bramão.

(Na ordem do dia) = Albano da Cunha.

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