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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Governo Provisorio da Republica Portuguesa, quaesquer que tenham sido os seus erros, demonstrou, não obstante, em alguns meses apenas de exercicio do poder, o seu respeito por aquella verdade fundamental da democracia. E, no terreno das liberdades, realizou, devemos reconhecê-lo, uma obra verdadeiramente collossal.

O conceito da democracia, é, com effeito, tão alto, tão vasto, e tão generoso, que de modo nenhum pode confundir-se com o simples affecto, tantas vezes fementido, da burocracia burguesa para com os que trabalham.

A legislação relativa ás condições do trabalho na industria, no commercio e na agricultura, occupa, em todos os povos civilizados, um logar de cada vez maior.

As leis que se lhe referem versam, em geral, sobre os seguintes pontos: liberdade, procura e contrato do trabalho, empreitadas, regulamentação dos ateliers ou officinas, trabalho nocturno e subterraneo, descanso semanal e dias feriados, duração, hygiene e segurança, inspecção e condições do trabalho. E, nos diversos países, as leis sobre esses assuntos, são, em regra, especiaes, exceptuando-se a Allemanha, a Austria e a Hungria, que, como veremos no decorrer da justificação de motivos d'este projecto, teem a sua legislação de trabalho coodificada.

Mesmo nos países ainda regidos por instituições monarchicas, fundadas, como é sabido, no mytho funesto da soberania do direito divino, as questões da indigencia e do proletariado occupam o primeiro plano.

O problema do trabalho prima talvez hoje a todos em importancia politica e social.

Agora mesmo, fins de maio, está o Parlamento allemão, discutindo o seguro dos trabalhadores, e o da Gran-Bretanha o seguro nacional obrigatorio contra a invalidez e o desemprego.

Honra lhes seja, como Parlamentos que, do mesmo passo, sabem corresponder a grandes necessidades e reclamações do proletariado, e a ideias libertadoras e generosas da sua e nossa época.

Os Deputados ás primeiras Constituintes da Republica Portuguesa não são, julgo eu, menos generosos e altruistas, nem menos amigos do povo que entre nós fez a gloriosa Revolução de 4 de outubro, do que os ingleses, os allemães, os norte-americanos ou os australianos.

E se a corrente emancipadora do proletariado é de caracter universal, a Republica Portuguesa decerto vae seguir os exemplos que de longe lhe dão, não já as democracias mais avançadas, mas os dois imperios mais cultos e poderosos da Europa: a Inglaterra e a Allemanha.

Para inicio da missão que, em favor do proletariado português, me proponho sustentar aqui, ouso apresentar-vos desde já, um projecto de lei, modesto, mas justo, uma vez que tem por fim ampliar a todos os proletarios o dia normal de 8 horas de trabalho.

Anima-me a isso a explosão de apoiados, que, de todos os lados d'esta Camara, cobriram os discursos dos oradores, na memoravel sessão de 23 de junho.

Anima-me, principalmente, a ideia de que sois homens do vosso tempo, e contrahistes com o proletariado, na propaganda, compromissos que evidentemente estaes anciosos de satisfazer.

Este projecto tem, não o nego, um caracter francamente socialista, e d'isso me ufano, uma vez que não confundo o socialismo parlamentar, reformista ou scientifico, com o socialismo communista ou libertario, aspiração bella e generosa, mas sem realização possivel com a psyenologia e a mentalidade da nossa epoca.

Aquelle, a ninguem assusta hoje, visto que muito mais interessa á sociedade o bem-estar das classes productoras, que são o maior numero, do que o de uma minoria insignificante de ricos ou milionarios. O mesmo não pode já dizer-se do segundo, em qualquer das suas tres modalidades principaes: negação universal (nibilismo), communismo, e extremo individualismo.

Ninguem ignora, que a primeira d'essas modalidades parte da hypothese de serem maus todos os governos, e por isso a todos pretende destruir pela violencia (Bakou-nine); que a segunda só admitte uma fiscalização publica, provisoriamente exercida por conselhos locaes (Godwin, 1793); e que a terceira, considerando a intervenção do Estado um mal, a pretende reduzir ao minimo (Herbert Spencer).

Para que nenhum cidadão da Republica Portuguesa ignore os motivos ponderosos, e de flagrante justiça, que inspiram o presente projecto, permitti que eu vos exponha, em resumida synthese:

1.° A evolução contemporanea do socialismo scientifico;

2.° Alguns dos antecedentes legislativos do presente projecto em diversos países do globo;

3.° Os mesmos antecedentes legislativos no que se refere á legislação do trabalho em Portugal.

Evolução contemporanea do socialismo

O socialismo, politicamente considerado, tem por fim não só a maior producção, mas uma distribuição mais equitativa da riqueza, mediante a acção directa do Estado.

Oppõe-se, por consequencia, á politica do laisser-faire, da menor concorrencia, ou da interferencia official.

A ideia fundamental do socialismo cifra-se em converter, em beneficio geral da sociedade, o que dentro da actual organização social constituo proveito particular de alguns privilegiados. Onde as industrias são exploradas por poucos, ha proteccionismo, e não socialismo.

O communismo tem o mesmo escopo do socialismo, com o qual a linguagem vulgar o confunde; mas, em rigor, um communista não carece de ser socialista, nem um socialista carece de ser communista, e, tanto é assim, que os socialistas do principio do seculo XX raramente reclamam que toda a riqueza seja possuida em commum, reclamando apenas que as grandes oificinas, os instrumentos de trabalho, as materias primas, e os meios de producção em larga escala, sejam possuidos pelo Estado ou pelas municipalidades, de alto pensamento de socializarem por via d'aquelle as industrias, de caracter geral, e de realizarem nestas ultimas o que se uma a municipalização das industrias de caracter local.

O socialismo, generoso na sua essencia, e consequente nas suas aspirações, nasceu da contemplação da miseria e do soffrimento dos proletarias, criadores e productores de toda a riqueza social, e deserto por isso mesmo a sua acção é dia a dia mais importante, e as suas doutrinas de mais em mais vão avassalando os espiritos e dominando os corações.

Marx e Lassalle, impressionados contra leitura de Hegel, convenceram-se de que o mundo mental, moral e economico, tal como o mundo physico, está do mesmo modo sujeito ás leis da evolução historica, uma especie de dizima periodica que, ante o progresso indefinido, não paragens na vida da humanidade.

Na opinião d'aquelles dois mestres do socialismo, o progresso resultará da luta das diversas classes sociaes, mesma forma que da época do canibalismo guerreiro resultara o feudalismo, que por sua vez cedera o logar burguezia. A batalha actual acha-se travada entre os capitalistas e os de fazer desherdados. Os pobres, desapossados de tudo, trabalham salario. Os lucros dos inventos, que nada teem hoje de individuaes, visto que representam uma somma de conhecimentos e acquisições scientificas de muitos dos chamados benemeritos da humanidade, do mesmo modo que,