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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

31.ª SESSÃO

26 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Lida a acta, apresentam declarações de voto os Srs. Pereira Victorino, Pedro Martins e Matos Cid, sendo a acta approvada. - Dá-se conta do expediente, sendo concedida licença para se ausentarem aos Srs. Florido Toscano e Domingos Leite Pereira, e tendo segunda leitura o projecto de lei relativo a S. Thomé. - O Sr. Miranda do Valle occupa-se, em negocio urgente, dos casos de doença suspeita em Lisboa, apresentando uma proposta. O discurso d'este Sr. Deputado é interrompido pela manifestação com que a Camara e as galerias saudam o Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa) á sua entrada na sala. - Em negocio urgente, trata o Sr. João Gonçalves de assuntos relativos á Penitenciaria. Tambem em negocio urgente, o Sr. Joaquim Ribeiro apresenta e justifica um projecto de lei sobre os ordenados dos funccionarios publicos. O Sr. Nunes da Mata occupa-se, ainda em negocio urgente, da eleição do Sr. Deputado por Moçambique. - O Sr. José de Castro elucida o Sr. Deputado que anteriormente falara. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 14 (credito extraordinario de 1.500 contos de reis). Apresenta e justifica as suas emendas o Sr. Pedro Martins. Faiam os Srs. Barros Queiroz e Sebastião Baracho. O Sr. Egas Moniz requer, e é approvado, que a discussão continue. - O Sr. Presidente do Conselho (Theophilo Braga) propõe e é approvado por unanimidade um voto de congratulação por se encontrar presente o Sr. Ministro da Justiça. - Responde ao Sr. Baracho o Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto).- Usa da palavra o Sr. Goulart de Medeiros. Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (José Relvas). Fala o Sr. Baracho. O projecto é approvado. - Enviam requerimentos para a mesa os Srs. Ramada Curto, Balduino de Seabra, Peres Rodrigues e Baltasar Teixeira; notas de interpellacão os Srs. Padua Correia, França Borges e Manuel Alegre; e o Sr. Nunes da Mata apresenta pareceres.

Ordem do dia: - (Continuação da discussão do projecto de lei n.º 3. Constituição) é approvado sem discussão o n.° 7.°, do artigo 5.° Entra em discussão o n.º 8.° O Sr. Presidente (Bramcamp Freire) declara que será considerada na altura devida uma proposta de emenda do Sr. Antonio Macieira. - O Sr. Nunes da Matta apresenta uma questão previa e emendas aos n.ºs 8.° e 9.º O Sr. Antonio Ferreira da Fonseca propõe a eliminação do numero em discussão. Os Srs. Silva Barreto e Eduardo de Almeida, apresentam propostas de emendas. O Sr. GastSo Rodrigues approva a eliminação proposta. É approvada a proposta de eliminação do referido numero. Entra em discussão o n.° 9.º Apresentam propostas de emendas os Srs. Peres Rodrigues e Germano Martins, sendo o n.° 9.º approvado com a proposta enviada pelo Sr. Aresta Branco. Entra era discussão o n.° 10.° Apresentam propostas de emendas os Srs. Antonio Macieira, Nunes da Mata, Barbosa de Magalhães, Evavisto de Carvalho, Pires de Campos, Eusebio Leão, João de Menezes, Jacinto Nunes, Julio Martins, Joaquim Joaé de Oliveira, Goulart de Medeiros e Alexandre de Barros. É approvado o n.° 10.° sem prejuizo das emendas approvadas. Entra em discussão o n.° 11.º O Sr. Egas Moniz propõe, e é approvado, que a doutrina d'este numero seja dividida em duas partes. Apresentam propostas de emendas os Srs. Ladislau Piçarra e Matos Cid. O Sr. Silva Barreto propõe um additamento. Usa da palavra, justificando o additamento que apresenta, o Sr. Casimiro Rodrigues de Sá. Em nome da commissão, apresenta uma substituição o Sr. José Barbosa. Propõem emendas os Srs. Nunes da Mata e Santos Moita. O Sr. Sousa Juniçr fala e apresenta uma substituição. A requerimento do Sr. Aresta Branco considera-se discutida a primeira parte do n.° 11.° É approvada a primeira parte da emenda do Sr. José Barbosa. Entra em discussão a segunda parte da doutrina do numero em discussão. Propõem emendas os Srs. Peres Rodrigues e Manuel Bravo. É approvada a segunda parte do n.° 11, com a emenda do Sr. Matos Cid. Entra em discussão o n.° 12.° Os Srs Eusebio Leão e Antonio Macieira propõem a eliminação do numero referido. A requerimento do Sr. Barbosa de Magalhães discute-se a proposta do Sr. Macieira. - O Sr. José Barbosa faz uma declaração. - O Sr. Egas Moniz recorda uma prescrição do Regimento. - Apresentam: o Sr. Faustino da Fonseca uma emenda, e os Srs. Jacinto Nunes, Eduardo de Almeida e, Adriano Mendes de Vasconcellos, substituições. - Foi approvada a questão previa proposta pelo Sr. Eusebio Leão, ficando prejudicadas todas as outras propostas. - Falam antes de se encerrar a sessão, os Srs. Sousa da Camara, sobre os vencimentos) do pessoal menor dos lyceus, e Ribeiro de Carvalho, defendendo o governador civil de Leiria.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Ás 2 horas e 20 minutos da tarde, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Na sala achavam-se 181 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Annibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Celorico Gil, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Mariax Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leio, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Francisco Xavier Esteves, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Joaquim Theophilo Braga, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Alfredo Mendes de Magalhães José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araujo, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria Cardoso, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montez, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victor José de Deus Macedo Pinto, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Maria da Silva, Antonio Xavier Correia Barreto, Carlos Richter, Faustino da Fonseca, João Duarte de Menezes, José Bessa de Carvalho, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, Miguel de Abreu, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Tiago Moreira Salles.

Não compareceram a sessão os Srs.: Alvaro Nunes Ribeiro, Alvaro Xavier de Castro, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio José de Almeida, Antonio de Paiva Gomes, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Domingos Leite Pereira, Eduardo Abreu, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Manuel Pereira Coelho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique de Sousa Monteiro, João José de Freitas, José Affonso Palla, José Augusto Simas Machado, José Carlos da Maia, José Maria de Padua, José Tristão Paes de Figueiredo, Leão Magno Azedo, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima.

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SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 114 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vae ler-se a acta.

Lê-se a acta.

O Sr. Pereira Viotorino: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que na votação, feita em globo, da emenda do Exmo. Sr. Sidonio Paes ao n.° 3.° do artigo 5.° do projecto da Constituição, o meu voto apenas quis significar approvação da primeira parte referente ás ordens honorificas e de forma alguma o quis tornar extensivo ás medalhas militares. = O Deputado, Antonio Barroso Pereira Victorino.

O Sr. Pedro Martins: - Envio para a mesa as seguintes

Declarações de voto

I - Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, na altura em que se votou a eliminação do titulo II do projecto n.° 3, epigraphado "De como se adquire, perde e recupera a qualidade de cidadão português", teria votado a sua manutenção, sem compromisso com a doutrina definida nos artigos respectivos.

II - Declaro que, se estivesse presente á mesma sessão, na altura em que se votou a epigraphe do titulo III e o n.° 2.° do artigo 5.°, teria votado que a epigraphe fosse: "Declaração dos direitos", e o n.° 2.° fosse assim redigido: "Todos são iguaes perante a lei".= O Deputado, Pedro Martins.

O Sr. Matos Cid: - Mando tambem para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que votei a materia do n.° 3.° do artigo 5.° do projecto da Constituição nos precisos termos em que o mesmo numero se encontra redigido no mesmo projecto.

A meu ver, a existencia da ordem militar da Torre e Espada, torna-se necessaria desde que na distribuição dos graus da mesma ordem se proceda com verdadeiro criterio, de forma que se evitem casos como aquelles a que se referiram alguns dos dignos Deputados que entraram na discussão parlamentar d'este numero.

Por outro lado, tudo recommenda que os serviços relevantes prestados á Patria sejam devidamente recompensados com a concessão de uma ordem militar que tem entre nós largas tradições e que muitas vezes tem sido concedida a individuos que d'ella se teem tornado merecedores.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 18, José do Valle de Matos Cid.

Para a acta.

Não havendo mais nenhum Sr. Deputado que se inscrevesse sobre a acta, foi esta approvada.

O Sr. Presidente: - Vae dar se conta do expediente.

É lido o expediente.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia.

Lê-se na mesa o pedido de licença do Sr. Deputado Florido Toscano.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que concedem a licença pedida pelo Sr. Florido Toscano, tenham a Bondade de se levantar.

Foi concedida.

Lê-se na mesa outro pedido de licença do Sr. Deputado Domingos Leite Pereira.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que concedem a licença pedida pelo Sr. Domingos Leite Pereira, tenham a bondade de se levantar.

Foi concedida.

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa, e já foi impresso no Diario do Governo, um projecto apresentado pelo Sr. Deputado Fernão Botto Machado, acêrca dos negocios da provincia de S. Thomé.

Os Srs. Deputados que admittem este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviado á commissão.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Miranda do Valle pediu a palavra para um negocio urgente. S. Exa. deseja tratar da hygiene da cidade de Lisboa, a proposito de uns casos de moléstia suspeita que se deram ultimamente no bairro de Alfama.

Os Srs. Deputados que consideram este assunto urgente, tenham a bondade de se levantar.

A Assembleia reconheceu a urgencia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Miranda do Valle.

O Sr. Miranda do Valle: - Sr. Presidente e meus senhores: cumpre-me, em primeiro logar, agradecer reconhecido á Assembleia a delicada attenção de me conceder a palavra para falar sobre este importante assunto, e, retribuindo essa gentileza da Assembleia, farei a diligencia de ser o mais breve e conciso que me for possivel.

Como V. Exas. sabem, pelos jornaes da capital, deram-se recentemente uns casos de moléstia suspeita no bairro de Alfama da cidade de Lisboa. Esses casos parecem ser a repetição de uns outros que se deram ha uns meses atrás.

O assunto não é felizmente da maior gravidade, porquanto esses casos de doença estão perfeitamente localizadas, e creio mesmo que são, até certo ponto, benignos.

Em todo o caso, porem, quer me parecer que a Assembleia não pode deixar de se interessar pelo assunto (apoiadas), porque não só a gravidade d'essa doença pode aumentar, como pode propagar-se por outros bairros da cidade, mas, até, tratando-se de uma cidade como esta, de intenso movimento commercial, é muito para recear numa invasão de qualquer epidemia.

É como se trata da capital da Republica, uma cidade de tão grande população e em constante commercio com os pontoa do país, julgo que esta questão interessa a toda a Nação. (Apoiados).

Não é precisamente ama questão municipal, de interessa local. Não. Comtudo, mesmo que o fosse, mesmo que se tratasse apenas da hygiene especial da cidade e de uma porta de entrada de epidemias que podem propagar-se e todo o país, ainda assim - e apesar de eu ser vereador da Camara Municipal de Lisboa - eu viria tratar aqui, na Assembleia, d'este assunto, porquanto os serviços de salubridade municipal ainda não foram restituidos á Camara Municipal de Lisboa, e acham se, ao contrario, centralizados no Ministerio do Interior.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Por consequencia é ao Parlamento, é á Assembleia Nacional Constituinte, que compete interessar-se por este assunto.

Nesta altura dá entrada na sala o Sr. Affonso Costa, Ministro da Justiça. A Assembleia faz-lhe uma grande manifestação de sympathia, a que as galerias tambem se associam.

Restabelecido o silencio, continua o Sr. Deputado Miranda do Valle com a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente e meus senhores: como é do conhecimento dos membros que compõem esta Assembleia, o germen da doença, que actualmente afflige a cidade de Lisboa, desenvolve-se nos canos de esgoto. E, portanto, para o estado dos esgotos da cidade que devem convergir as attenções dos hygienistas a quem compete melhorar a salubridade da cidade.

Ora a construcção da canalização dos esgotos da cidade de Lisboa é tambem um assunto que está ainda sob a dependencia do Governo central. Assim, pela lei de 12 de abril de 1876, o Governo obriga-se a facultar á Camara os meios precisos para construir a canalização dos esgotos da cidade.

Esta lei nunca foi cumprida. Assim as unicas obras que o Governo fez, na canalização dos esgotos da cidade de, são muito reduzidas e foram mal feitas. Eu descreverei muito rapidamente, mesmo porque me faltam os conhecimentos technicos para o fazer de outra maneira, o que é o actual plano dos esgotos da cidade. Segundo os trabalhos realizados por uma commissão muito importante composta de pessoas competentissimas, a canalização dos esgotos da cidade de Lisboa, alem da rede geral, compor-se-hia de dois grandes collectores, um a meia encosta ida cidade e outro na parte baixa; estes dois collectores ligar-se-hiam no extremo Occidental da cidade, em um unico emissor que seguiria ao longo da margem do Tejo até a ponta de Rana, até lançar os dejectos no mar largo.

Em 1904, creio eu, por occasião de uma crise operaria, o Governo resolveu abrir as obras de construcção dos esgotos, mas fê-lo pouco inteligentemente, porque construiu apenas o collector da cidade baixa, canalizando para elle toda a rede da cidade. De forma que, V. Exa., Sr. Presidente, comprehende bem o que aconteceu - é que o collector, que foi calculado unicamente para receber os esgotos de uma parte da cidade, é insuficiente para canalizar os dejectos de toda a cidade, o que dá logar a que jio inverno, por occasião das grandes chuvadas, esse collector, recebendo grande quantidade de agua, trasborda, e uma parte da cidade baixa, como é o Aterro e as das proximas, ficam inundadas pelo conteudo dos esgotos. Comprehende V. Exa., Sr. Presidente e a Assembleia, quanto isto prejudica, não somente a hygiene, mas até o simples conforto, e que tal estado de cousas não pode manter-se.

É absolutamente indispensavel completar, não como foi primeiramente delineado, o plano dos esgotos da capital; os conhecimentos scientificos sobre este assunto teem avançado muito e estou convencido de que esse plano pôde hoje soffrer varias modificações, mas é urgente que alguma cousa se faça, no sentido de melhorar as condições de hygiene e conforto d'esta cidade.

A Camara Municipal de Lisboa não o pode fazer, porque não tem elementos technicos nem materiaes para esse fim; a extrema centralização a que os governos monarchicos reduziram o municipio de Lisboa não lhe permitte tomar o encargo de obras tão importantes. E tanto assim o conheceu o Governo e as cortes geraes, que promulgaram a lei de 1876. Pergunta-se: convirá pôr em pratica essa lei ou fazer uma outra? Em minha opinião afigura-se-me que mais conviria modificar a lei de 1876, dando ao Governo inteira liberdade para fazer a rede de esgotos como melhor entender, ou dotando a Camara Municipal de Lisboa dos elementos necessarios para ella emprehender semelhante obra. O que se não admitte é que a cidade continue á mercê de uma facil propagação de peste bubonica ou de colera, qualquer d'ellas muito grave, attendendo ao péssimo estado da canalização de esgotos da cidade.

A defesa sanitaria das cidades, mormente para aquellas que são ameaçadas de peste bubonica, depende em grande parte do estado da canalização dos esgotos.

Os canos actuaes, de grande diametro, são verdadeiros ninhos de ratos e são principalmente as pulgas que aquelles animaes albergam o meio de transmissão da peste bubonica. A pulga transmissora da peste é muito abundante nos ratos de Lisboa; por conseguinte um ataque de peste bubonica é bastante perigoso para a cidade.

Os canos de pequeno diametro, que não dão logar a que os ratos os infestem; estão muito indicados para as cidades portos de mar.

Para se resolver qual dos typos de cano conviria adoptar dever-se-hia nomear uma commissão de technicos que estudasse o assunto.

Não faço mais considerações, porque apenas conheço o assunto muito ligeiramente.

Vou, portanto, propor que se nomeie uma commissão em que tomem parte vereadores da Camara Municipal de Lisboa, como representantes da autoridade municipal, engenheiros da Camara Municipal, director geral de saude, professores de chimica, engenharia e hygiene, para rever e modificar o plano de esgotos da cidade e que no orçamento geral do Estado se consigne a verba necessaria para dar começo a estes trabalhos.

O Sr. Presidente: - O Sr. João Gonçalves pediu a palavra para, em negocio urgente, apresentar um projecto de lei sobre delinquentes alienados.

Os Srs. Deputados que approvam a urgencia teem a bondade de se levantar.

A Assembleia approvou.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. João Gonçalves: - Sr. Presidente: as minhas affirmações sobre a loucura da cella, por mim feitas ha mais de 10 annos, são infelizmente um facto. Actualmente o hospital de Rilhafolles não está em condições de receber mais loucos. Por cada um que lhe remette a Penitenciaria, aquelle hospital devolve outro, esteja ou não curado.

Urge acabar com esta monstruosidade, que está obrigando a direcção da Penitenciaria a ter mais de cincoenta loucos sem saber qual o destino a dar-lhes.

Repito, o meu projecto de lei, que vou apresentar á Assembleia, é sufficiente para suavizar esta situação angustiosa.

O Sr. Adriano Pimenta: - Eu desejaria ver já a reforma.

O Orador: - A reforma é um assunto bastante delicado, precisando ser tratado com ponderação, baseando-se sobre a resistencia do criminoso português para o regime da cella, a fim de podermos estabelecer, dentro de um minimo e de um maximo, com certa precisão scientifica, o tempo de isolamento. E o que tento neste momento, fazendo um estudo sobre 2:000 delinquentes.

Podem todos estar certos que, na primeira opportunidade, eu, respeitando as minhas affirmações de sempre, procurarei, á face dos meus relatorios que mandei ao Ministerio da Justiça e de outros que me consta estarem

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era laboração, tratar da reforma de um Codigo Penal e principalmente de um regime penitenciario. (Apoiados).

O que eu procuro aqui é somente melhorar a sorte d'aquelles que, muitas vezes por uma fatalidade, foram lançados no horror da cella sobre o pretexto de uma pretendida regeneração. (Apoiados).

O artigo 114.° do Codigo Penal, no seu § unico, não permitte que aos delinquentes alienados seja contado o tempo de prisão.

A lei de 3 de abril de 1896 procurou modificar esta situação, dando aos directores de penitenciarias a faculdade de propor os periodos moderados que o todo ou parte do tempo jazendo nos manicomios fosse considerado como tempo de prisão soffrida, sem attender aos attestados dos medicos e ao depoimento dos directores.

No intuito de dar esplendor á majestade sobrepunha-se o poder real, e como veio de offender as prorogativas regias não houve a coragem de encarar o problema de frente, como teem assentado os congressos de anthropologia criminal e está resolvido em quasi todos os países. Todo o tempo de manicomio deve ser contado na pena. (Apoiados).

Querermos contar somente os momentos de lucidez para seguirmos o criterio metaphysico é querer o impossivel pela difficuldade da contagem. Mas, conforme digo no relatorio do meu projecto, quasi todos os delinquentes que vão para Rilhafolles teem a lucidez da aspiração da liberdade, não se comprehendendo a contagem exigida pela actual lei de delinquentes alienados.

Mas, acima das exigencias da metaphysica estão a sciencia e os deveres de humanidade. (Apoiados).

A meditação da cella não passa de um sonho de gabinete, de fantasias de livre arbitrio. E os nossos sentimentos de humanidade dizem-nos que fazem bem, que se não fosse a compaixão dos directores nunca sairiam da Penitenciaria.

Se a lei fosse cumprida á risca, o delinquente alienado andaria num vae-vem constante da Penitenciaria para Rilhafolles e d'este hospital para a prisão, só saindo quando as pequenas parcelas de lucidez mental, bem comprovadas, dessem o sommatorio necessario para o tempo de prisão. Isto é, as Penitenciarias porfiam em produzir loucos, em nome da teimosia metaphysica. (Apoiados).

É tempo para honra da Republica e testemunho do nosso adeantamento philosophico e scientifico entrarmos com firmeza na reforma de um regime penitenciario. Esta sua proposta é o primeiro passo d'essa reforma que julgo urgente. (Apoiados).

E se, para os delinquentes alienados, é preciso já estender-se a nossa asa protectora, outro tanto é preciso fazer para aquelles que, por idade ou por incapacidade physica, não possam aprender uma profissão.

O regime cellular tem como base a regeneração pelo trabalho.

Como regenerar, porem, se o individuo não puder aprender uma profissão que lhe permitia evitar a reincidencia no crime? (Muito bem, muito bem).

O delinquente aleijado, deformado, incapaz para o trabalho, tem uma vida vegetativa, sordida, a dentro da cella.

É um horror para os directores das Penitenciarias semelhante quadro, por desejarem dar trabalho a tal gente e não terem meios para o fazer.

Sejamos, pois, humanos e justos na comprehensão dos nossos direitos e deveres, lembrando-nos a que estamos praticando uma enorme monstruosidade, indigna da actual. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Sinto muito, pois muito ainda tinha que dizer sobre tão importante questão. Reservo-me por isso para o fazer noutra opportunidade.

Termino, pois, Sr. Presidente, mandando para a os dois projectos de lei.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Martins Ribeiro pediu a palavra para um assunto urgente. A urgencia refere-se a um projecto de lei que S. Exa. deseja apresentar com referencia aos ordenados dos funccionarios publicos.

Consultada a Assembleia, approvou a urgencia.

O Sr. Martins Ribeiro: - Vou começar por ler o meu projecto.

Leu.

Sr. Presidente: parece-me que nas razões que precedem o meu projecto elle fica plenamente justificado. Não ha duvida nenhuma de que existe entre todos os funccionarios publicos uma enorme desproporção, sobretudo entre aquelles que muito trabalham e pouco ganham e aquelles que nada trabalham e ganham muito.

Vê-se, Sr. Presidente, certas classes de funccionarios occupando logares que devem ao seu esforço e á sua intelligencia serem pessimamente remunerados, ao passo que outros, que occupam logares de mero favor pessoal, serem retribuidos com ordenados enormes e incompativeis com a nossa Republica Democratica.

Eu tenho um exemplo: os professores das escolas superiores e lyceus, a quem se exigem faculdades de intelligencia, muitissimos annos de trabalho insano, para occuparem aquelles logares, que conquistaram com o seu esforço, teem uma retribuição infima ao pé de empregados dos Ministerios, funccionarios superiores, onde foram collocados simplesmente pelo favor do Ministro. (Apoiados).

Sr. Presidente: alem d'isso, dar a esses funccionarios ordenados que permitiam o fausto, quando esse dinheiro que vae para elles vem de um povo soffredor, trabalhador, que paga as suas contribuições, sabemos todos com que sacrificios, é uma flagrante injustiça. Que soffra um desgraçado, que com difficuldades sustenta a sua familia, para que esses funccionarios superiores vivam, não como deve ser, mas com fausto, porque o seu ordenado dá para isso, não é justo.

É a mais importante razão é que 1:000$000 réis que se poupe, um real que seja, devemos attender a isso, porque as nossas circunstancias financeiras são más, e nós precisamos melhorá-las, como temos obrigação de cuidar d'aquillo que é preciso. Nós precisamos da defesa nacional tratada, precisamos de medidas de fomento, da construcção de caminhos de ferro, de desenvolver a nossa agricultura, de desenvolver a instrucção para o povo; portanto, é, mais do que tudo, urgente que a Republica Portuguesa faça, dentro da justiça, a maior economia possivel para que o orçamento se equilibre e possamos progredir, para que haja um bocadinho de moralidade, que é indispensavel.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nunes da Mata pediu a palavra para tres negocios urgentes. O assunto diz respeito á proclamação do Deputado por Moçambique, o primeiro tenente Sr. Victor Hugo de Azevedo Coutinho.

Os Srs. Deputados que consideram este assunto urgente, teem a bondade de se levantar.

Foi considerado urgente.

O Sr. Nunes da Mata: - No dia 18 de junho foi apresentado no Ministerio da Marinha um officio communicando ter sido proclamado Deputado por Moçambique

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o Sr. Victor Hugo de Azevedo Coutinho. Ora hoje estamos a 26 de julho, e ainda não ha parecer da commissão de verificação de poderes. Chamo a attenção da commissão para este facto.

Vou mandar tambem com urgencia para a mesa um projecto de lei.

Vozes: - Não pode ser, não pode ser.

O Sr. Presidente: - O segundo assunto urgente de que o Sr. Nunes da Mata se deseja occupar é relativo a um parecer da commissão de petições sobre uma proposta do Sr. Deputado Macieira.

Os Srs. Deputados que consideram este assunto urgente, teem a bondade de se levantar.

Não foi considerado urgente.

O Sr. Presidente: - O terceiro assunto urgente sobre que deseja falar o mesmo Sr. Deputado refere-se a um projecto de lei para salvaguardar os direitos adquiridos da importante classe dos officiaes pilotos.

Os Srs. Deputados que considerem este assunto urgente, teem a bondade de se levantar.

Não foi considerado urgente.

O Sr. José de Castro: - Em resposta ao Sr. Nunes da Mata, no que respeita á eleição do Sr. Victor Hugo de Azevedo Coutinho, por Moçambique, apenas tenho a declarar que a commissão de verificação de poderes já fez a devida participação para o Ministerio do Interior, nada mais lhe competindo fazer. Essa participação só tem agora que ser publicada no Diario do Governo.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 14.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 14

Senhores Deputados. - A vossa Commissão de Finanças, por unanimidade e sem hesitação, approvou o credito extraordinario de 1.500:000$000 réis, solicitado pelo Governo, e julga ser de urgencia que seja por vós considerado e approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É aberto no Ministerio das Finanças um credito extraordinario da importancia de 1.500:000$000 réis, com a seguinte applicação:

a) A favor do Ministerio da Guerra, a quantia de réis 1.480:000$000 para occorrer, nos annos economicos de 1910-1911 e 1911-1912, ás despesas de defesa nacional motivadas pelo movimento de tropas, convocação de reservas, acquisição de material de guerra, machinas para o fabrico de material de guerra e compra de solipedes:

b) A favor do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, a quantia de 20:000$000 réis para despesas extraordinarias com serviços consulares e outros indispensaveis á defesa nacional, nos annos de 1910-1911 e 1911-1912.

Art. 2.° As despesas a que é destinado este credito serão escrituradas, nos respectivos Ministerios, em livros separados.

Art. 3.° Os Ministros darão conta detalhada, ao Parlamento, da applicação d'estas importancias.

Gabinete das Sessões da Commissão de Finanças, em 20 de julho de 1911.

O Sr. Pedro Martins: - Sr. Presidente: eu voto o projecto em discussão. Embora o credito nelle previsto seja da enorme importancia de 1:500 contos de réis, a indole especial das despesas a que se destina e as causas que as motivaram não permittem que eu hesite na sua approvação. Exige-as a defesa da Patria e da Republica, o que equivale a dizer que as despesas e o credito respectivo são sagrados.

Por isso, eu não farei a menor observação sobre a disparidade que se nota entre a proposta ministerial e o projecto em discussão acêrca da indicação do fim particular do credito, o qual na proposta é para occorrer a despesas com movimento de tropas, e no projecto é para despesas com movimento de tropas, compra de material de guerra e de solipedes.

E como no projecto se estabelece que as despesas, a que o credito é destinado, serão escrituradas em livro separado, e á Assembleia será dada conta detalhada d'ellas, tambem omitto qualquer consideração acêrca da formula vaga da alinea b) do artigo 1.°, segundo a qual o credito de 20 contos de réis aberto a favor do Ministerio dos Estrangeiros é, alem de serviços consulares, para outros indispensaveis a defesa nacional.

Carecem, porem, de emenda algumas phrases do projecto, das quaes umas são certamente erros de revisão e outras talvez enunciação de doutrina, com que não concordo. E, por isso, envio para a mesa quatro propostas de emenda. Na alinea a) do artigo 1.° lê-se 1911 e 1912. Proponho que se leia 1911-1912. 1911 e 1912 são designações de annos civis. Ora, o que o projecto quis dizer foi certamente o anno economico de 1911-1912.

No artigo 2.° lê-se, as despesas a que são destinadas este credito. É erro de revisão certamente. Deve ler-se: as despesas a que é destinado este credito.

No artigo. 3.° lê-se o adjectivo detalhada. Eu não sou purista da lingua, Sr. Presidente, e lamento não o ser, V. Exa., que o é, mais do que eu, sentirá horror pelo termo. Mas sendo a lingua um grande elemento de nacionalização, o primeiro segundo muitos, e havendo na nossa lingua tantos adjectivos que exprimem aquella mesma ideia, entendo que sobretudo nas leis se não devem introduzir sem necessidade, termos de proveniencia estrangeira. Por isso proponho que o termo "detalhado" seja substituido por a minucioso" ou qualquer outro, de mais agrado da assembleia, que seja português. No mesmo artigo 3.° tambem se lê, os Ministros darão. Eu não sei, Sr. Presidente, se a commissão, com esta formula quis significar que só os Ministros da Guerra e dos Estrangeiros, a favor de cujos Ministerios é aberto o credito e o Ministro das Finanças que assina a proposta darão conta á Assembleia. Eu não sei se a commissão, com tal formula quis abranger todos os Ministros, e se, nesta hypothese teve em vista insinuar, que elles serão responsaveis individualmente. Se teve em vista um ou outro fim, discordo da commissão. E o Governo que, conforme a mesma commissão diz no seu breve relatorio, pede o credito: por isso é o Governo que deve responder e d'elle dar contas.

Todos os Ministros devem ser por tal facto responsaveis, e solidariamente, não se podendo admittir que em assunto de tanta importancia e de natureza tão especial, como e este credito, possa haver só responsabilidade para alguns Ministros, ou os Ministros são individualmente responsaveis. Apoiados).

Para que não haja, nem possa haver duvidas, proponho que se leia "o Governo dará".

D'esta maneira, fica-se sabendo que todos os Ministros sEo solidariamente responsaveis pela apresentação das contas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

As propostas foram admittidas e approvadas.

O Sr. Barros Queiroz: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, em nome da commissão de finan-

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ças, que nenhuma duvida tenho em aceitar a emenda do Sr. Pedro Martins, porquanto não altera em nada o projecto da commissão.

S. Exa. fez uma referencia muito justa á grammatica d'este projecto; antes mesmo de S. Exa. já eu tinha notado a falta de concordancia do artigo 2.° e o gallicismo do artigo 3.°, mas já não foi a tempo de evitar a distribuição do projecto.

Como S. Exa. nenhuma observação faz á essencia do assunto que era o credito extraordinario para os Ministerios da Guerra e Estrangeiros, nada tenho a dizer em defesa d'elle, porque estou convencido de que a camara o acceita.

E não podia deixar de acceitar, desde que autorizou o Ministerio da Guerra a chamar ao activo serviço as reservas, como se fez ha dias.

Estas despesas são consequencia lógica do chamamento das reservas porque, para isso, é indispensavel dinheiro, e não só para transporte e alimentação senão tambem para acquisição do material.

S. Exa. fez uma referencia a este respeito, dizendo que a commissão tinha ido alem do que pedira o Ministro.

Não ha duvida; mas a commissão não o fez impensadamente. Desde que a commissão exige que o Ministro venha ao Parlamento dar conta detalhada (ahi venho eu com o gallicismo) da maneira como tenha applicado o dinheiro, elle não pode deixar de determinar em que o haja applicado, porque, ficando como estava no projecto primitivo, 1:480 contos para movimento de tropas, isso não correspondia á verdade, porque esse dinheiro não se destina só a tropas, transportes, alimentação, etc., mas a acquisição do material.

Não quisemos impossibilitar o Governo de fazer o uso que devesse d'este dinheiro.

P Sr. Sebastião Baracho: - Declaro que approvo o parecer da commissão, additado com as emendas apresentadas pelo Sr. Deputado que iniciou o debate. Outro tanto não digo concernentemente á proposta de lei, cuja irregular urdidura é manifesta.

Assina-a apenas o Sr. Ministro das Finanças, quando, demais, a deviam firmar os Srs. Ministros da Guerra e dos Negocios Estrangeiros, que nella teem inequivocas responsabilidades. O parecer da commissão assim lh'o faz saber, exigindo-lh'as no artigo 3.º com que remata.

Posto isto, afigura-se-me que se não estivesse esquecido, por parte dos poderes publicos, e sabio conceito, de que mais vale prevenir do que remediar, não teria chegado o momento de se exigir agora do contribuinte o pagamento de 1.500:000$000 réis, que a tanto avulta a dolorosa, consoante a technica francesa, e que ha a satisfazer nesta occasião. (Apoiados).

Desde que se proclamou a Republica, eu preconizo a indispensabilidade de manter, á testa das unidades militares, officiaes de inteira confiança. Para tornar effectivo este rudimentar preceito, collocar-se-hiam tenentes coroneis, quando e onde não houvessem coroneis idóneos. Na mesma ordem de principies, recorrer-se-hia a majores e a capitães, quando outras patentes mais graduadas não dispusessem dos imprescindiveis requisitos de segurança, para o exercicio dos commandos dos corpos. (Apoiados).

A questão do sossego publico exigia que assim se procedesse; e não só ella:-tambem a acclamação dos processos democraticos, constantes dos regulamentos e de outras reformas levadas a effeito, demanda idênticas cautelas. (Apoiados).

Por seu turno, na administração civil a complacencia não tem sido menor. Sob o pretexto de se fazer politica de attracção, teem-se praticado actos de inilludivel abdicação, para lhe não chamar de accentuada exautoração. (Apoiados).

Apregoar a vida nova e procurar effectivá-la com entidades e processos velhos, dá o resultado que se está

vendo e cuja repercussão tem chegado já a esta Assembleia, por varias vezes, e pela maneira expressiva que todos nós conhecemos. (Apoiados). Se militar e civilmente tivesse havido outra orientação, mais harmónica com os preceitos democraticos e integrada com a sensatez e as lições da historia, os conspiradores e quejandos, por muito assalariados que estivessem, não perturbariam, consoante teem perturbado, a vida normal da Nação. (Apoiados).

Os factos que acabo de adduziré necessario que tenham termo, a fim de que cesse tambem a situação irregular subsistente, que, repito, em tão avultada somma importa, conforme consta do projecto em debate. A depuração tem de se fazer, e o mais breve possivel, para que, na engrenagem administrativa, as peças em movimento sejam garantidas e estejam identificadas com o regime vigorante. (Apoiados).

Sou o primeiro a reconhecer a boa vontade e patriotismo do Governo. A generosidade, porem, official não pode attingir o extremo de dispensar que se pratique o salubre preceito que citei, no começo das minhas considerações, isto é, mais vale prevenir do que remediar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Faltando um minuto para se entrar na ordem do dia, consulto a Assembleia sobre se deseja que este projecto continue em discussão.

O Sr. Egas Moniz: - V. Exa. diz-me se ha mais alguem inscrito?

O Sr. Presidente: - Ha apenas um Sr. Deputado inscrito, o Sr. Goulart de Medeiros.

O Sr. Egas Moniz: - Se ha só um 3r. Deputado inscrito, talvez fosse melhor acabar com a discussão.

Consultada, a Assembleia resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Sr. Presidente: tenho a honra de propor á Assembleia um voto de congratulação por já se encontrar entre nós, o Sr. Affonso Costa, que constitue uma luz que nos faltava no campo da discussão juridica.

Decerto que a presença de S. Exa., na Assembleia, não é só um prazer moral para todos, é tambem ama segurança para que a discussão da Constituição seja levada ao fim, com toda a luz de intelligencia de que S. Exa. é dotado. (Muitos apoiados).

O Sr. Presidente: - É com a mais viva satisfação que submetto á Assembleia o voto proposto pelo Sr. Presidente do Conselho, tanto mais que era já minha intenção propô-lo, quando se passasse á ordem do dia.

Consultada, a Camara approvou-o unanimemente.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Cheguei tarde á Camara, porque tive de dar largo despacho no meu Ministerio, e assim apenas pode ouvir o final do discurso do Sr. Deputado Baracho. Das poucas palavras, porem, que ouvi, pareceu me ouvir censura, da parte de S. Exa., relativamente ao meu procedimento ou á minha generosidade, e talvez, á minha fraqueza.

Não foi nem uma cousa, nem outra.

Quando o povo se lembrou de eleger-me para a pasta da Guerra, encontrei-me com funccionarios militares, cuja orientação politica não conhecia. Mas o que posso affirmar é que tive o cuidado, logo no primeiro dia da minha gerencia, de ordenar que todos os officiaes prestassem a devida homenagem e dessem a sua palavra de honra em como serviriam com fidelidade as novas instituições.

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E devo dizer que nem um só, dos milhares de officiaes que compõem o nosso exercito, deixou de prestar essa homenagem. O proprio Couceiro apresentou, por escrito, a sua adhesão ás instituições republicanas, mas declarou pedir a sua demissão, por não gostar das cores verde e vermelha da bandeira portuguesa; e, particularmente, disse que desde que a Nação adoptasse as cores constitucionaes, elle serviria a sua patria como leal soldado.

O passado d'este individuo levou-me a acreditar na sua sinceridade. Não podia duvidar da lealdade d'esse homem que tinha prestado serviços ao seu país.

Depois, houve individuos que trahiram o seu juramento; e eu, armado com os poderes que o país conferira ao Governo Provisorio, propus em Conselho de Ministros, e foi approvado por unanimidade, a demissão d'esses officiaes.

O facto de ter á frente de commandos officiaes que foram monarchicos, e tê-los conservado em commissões, prova apenas que confio e acredito na honradez de caracter d'esses individuos; e, até hoje, não tenho tido motivos para me arrepender.

A prova é que ainda hoje me honro com a collaboração do Sr. Baracho.

S. Exa. veio da monarchia; não era republicano e, hoje, está servindo lealmente as instituições.

Mas a honra dos officiaes portugueses não pode ter sido attingida pelo facto de haver alguns que não respeitaram a propria palavra. (Muitos apoiados).

Quanto ao credito que se pede, de 1.500:000$000 réis, devo dizer que essa verba não é toda para gastar com o chamamento de reservas, e, sim, apenas uma pequena parte. A Assembleia verá quanto se gasta com esse chamamento. O resto é para comprar uma pequenissima parte do muito que nos falta de material de guerra.

Não é agora occasião de fazer o relato da minha gerencia como Ministro da Guerra. Devo entretanto dizer que deixo assegurado o fabrico das armas portáteis no país; e esse fabrico não é á custa dos 1.500:000$000 réis. As machinas e a installação do edificio devem ficar em 250:000$000 réis. Essa verba, porem, sae do orçamento do anno economico de 1910-1911, e não d'este projecto.

Deixo tambem assegurado o fabrico de baterias metallicas para a artilharia. De modo que o meu successor achará facilitada a acquisição de material de guerra, tendo só que comprar uma ou outra peça de montanha.

Deixo tambem assegurado o fabrico de um novo equipamento, de tela, já usado em Inglaterra, que custa uma terça parte do outro e tem a mesma duração d'aquelle.

Procurei, portanto, dentro dos limitados recursos do orçamento, dotar o país com os meios de fabricar aquillo que no país se possa realmente fabricar.

Ampliaram-se os meios de trabalho das fabricas, com o fim de poder fazer peças até o calibre de 15 centimetros.

Tenho tambem o prazer de informar a Assembleia que os cartuchos para espingardas nos ficam hoje a 20 réis, emquanto os importados do estrangeiro sustam 35 réis. Fabricam-se 9 milhões e a fabrica tem capacidade para produzir 30 milhões, trabalhando dia e noite, e quando se montarem as machinas encommendadas, esse fabrico poderá elevar-se a 45 milhões.

Está assegurado o fabrico das munições em Portugal, de modo que fica no país o dinheiro que teriamos de mandar para o estrangeiro para adquirir esse material.

Dos 1.500:000$000 réis, repito, só uma pequena parte se destina a pagar as despesas de chamamento de reservas, etapes, prets e utensilios para alojar essas praças.

A quantia importante é para comprar um pouco do muito que nos falta em material de guerra.

S. Exa. não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: eu não discuto o projecto sob o ponto de vista da sua conveniencia ou opportunidade. Parte do principio que o Sr. Ministro da Guerra achou necessario gastar esta importancia e que ella é realmente indispensavel para a defesa da Nação contra os inimigos internos e externos. Em occasião mais propria apreciarei a conveniencia das medidas adoptadas pelo Ministerio da Guerra.

Discuto o projecto apenas sob o ponto de vista financeiro, pedindo ao Sr. Ministro da Fazenda que me dê uma explicação.

Como se sabe está sendo elaborado o orçamento do Estado.

Deve ser presente a esta Camara e podem nelle ser incluidas como despesas extraordinarias as que constam do projecto.

O Governo entendeu, de certo, e bem, que na lei de meios ultimamente approvada não existe a necessaria autorização para realizar as despesas propostas e por isso resolveu apresentar o projecto.

Mas é conveniente accentuar de onde se espera provir as receitas para acudir a estas novas despesas.

É certo que tenho evitado falar no Parlamento na questão financeira, porque o credito do país é uma cousa gravissima e muito delicada; a monarchia caiu principalmente por uma questão financeira, por uma questão de honestidade. Nós tinhamos os nossos ideaes, mas eramos uma pequena minoria, e a monarchia deu-nos muita força com a sua falta de honestidade.

O Sr. Dr. Manuel de Arriaga disse, e disse muito bem, que o Governo tinha feito uma lei de meios á antiga portuguesa.

Criam-se despesas, mas onde estão as receitas para satisfazer essas despesas?

Quando a Inglaterra se viu obrigada a fazer despesas extraordinarias com a guerra bóer teve de apresentar no Parlamento um projecto para lançamento de novos impostos, a fim de cobrir essa despesa. Ora eu entendo que é necessario ter a coragem de, quando se apresenta um projecto que aumenta a despesa, apresentar logo outro para aumento de receita.

Poderá equilibrar-se o orçamento do Estado com as inclusas da despesa d'este projecto, ou vae-se fazer o mesmo que no tempo da monarchia: recorrer á divida fluctuante?

Ha realmente recursos para occorrer ao aggravamento de despesas? Ha, estimo muito saber isso, e só peço ao Sr. Ministro da Fazenda que traga á assembleia o orçamento do Estado sem déficit.

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Sr. Presidente: o Sr. Medeiros collocou muitissimo bem, por uma forma clara, deante da Camara, o motivo por que eu fiz o credito extraordinario de 1.500:000$000 réis.

Se não se inclui no orçamento a verba de 1.500:000$000 réis, é porque o Governo, que tinha approvado previamente o projecto em discussão e tinha dado o seu assentimento á apresentação d'elle na Camara, queria uma situação nitida.

Pela minha parte, espero que essa verba não seja incluida na divida fluctuante.

Para que eu possa ter uma opinião definitiva, necessito porem dos orçamentos de todos os Ministerios.

Precisamente hoje trouxe eu para a Camara os orçamentos parciaes dos Ministerios das Finanças, Justiça e Estrangeiros, e tencionava já pedir autorização para os enviar immediatamente á commissão de finanças. Ha nestes um aumento sobre a receita dos orçamentos anteriores de cerca de 4.000:000$000 réis.

Aqui tem V. Exa. desde já criadas as verbas extraordinarias em relação aos correspondentes orçamentos anteriores, para fazer face ao deficit.

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Mas emquanto não tiver, repito, o orçamento geral do Estado, não posso, é claro, dizer se ha ou não déficit.

O que posso affirmar por agora é que, durante os nove meses da nossa administração, tem sido minha preoccupação constante conseguir que venha equilibrado o orçamento a apresentar ás primeiras Camaras da Republica.

Os meus maiores esforços teem sido empregados nesse sentido, inclusivamente junto da commissão de finanças.

Como administrador das finanças do Estado tenho o dever de reduzir as despesas do mesmo Estado para conseguir o equilibrio entre a receita e a despesa. Penso mesmo que isso se me impõe como um alto dever de patriota. (Apoiados).

O déficit foi uma vergonha para a monarchia. Seria uma grande vergonha para a Republica. (Apoiados). É necessario extingui-lo.

Tenho sido atacado na imprensa por ter feito aumento nos vencimentos dos funccionarios publicos.

Fizeram-se de facto alguns aumentos, mas entre os principios sempre advogados pelo partido republicano, estava o de se reduzir o pessoal ao numero apenas necessario e pagar-lhe convenientemente.

Foi o que se fez, e sem aggravamento, é claro, para as finanças do Estado.

Obedecendo ainda ao mesmo principio de moralidade, tratei de pagar melhor aos pequenos funccionarios até aqui remunerados apenas com 200$000 e 300$000 réis annuaes, ao passo que havia quem recebesse isso e mais por mês e sem nada fazer. Eram os chamados tubarões. Acabei com essa situação immoral, mas não houve aggravamento de despesa para o Estado. E tanto que o Ministerio das Finanças apresenta no seu orçamento uma reducção de cerca de 600:000$000 réis nas suas despesas, em consequencia da reforma effectuada.

Era isto o que tinha a responder a S. Exa. o Sr. Deputado Goulart de Medeiros.

Antes de concluir, peço á Camara que me permitta enviar os orçamentos parciaes a que já me referi, para a commissão de finanças, porque depois da Constituição, o que mais nos deve interessar é o orçamento. (Apoiados).

S. Exa. não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Sebastião Baracho: - São indubitavelmente legitimas as aspirações do Sr. José Relvas, respeitantes á extincção do déficit orçamental. Mas já o celebre barão de Louis affirmava que só a boa politica produz as boas finanças. Para se chegar a este desideratum, indispensavel é que se ponham em pratica as recommendações que anteriormente fiz, e que em cousa alguma podiam melindrar o Sr. Ministro da Guerra.

A esta minha norma de correcção entendeu o Sr. Ministro dever agrupar-me com officiaes cuja deslealdade reconheceu, e ainda com uma entidade a quem investiu no commando de uma divisão, e de quem por dignidade propria eu não profiro o nome. Está-me isso vedado por factos occorridos de retubante notoriedade, e até por uma acta que teve publicidade pela imprensa e reproducção nos Annaes da extincta camara dos pares.

Os factos aduzidos pelo Sr. Ministro, longe de o desculparem, condemnam-o em absoluto. Após as numerosas desillusões de que fez a narrativa, continuar a collocar a sua confiança em quem a não deve, nem pode merecer, excede todos os limites da ingenuidade e da imprevidencia.

Quanto á sua affirmativa de que eu vim da monarchia, conduz-me naturalmente a perguntar: De onde veiu V. Exa.

É incontestavel que me separei do partido regenerador em outubro de 1901. Desde então mantive-me isolado de todos os partidos, atacando, na minha situação de autonomo, os desmandos e os crimes da monarchia, até á sua subversão.

Foi em virtude d'esse batalhar sem tréguas, á luz do dia, que eu tive a honra de receber em 1905 uma mensagem contendo vinte e quatro mil assinaturas, motivada pelas minhas campanhas a favor dos opprimidos e contra o despotismo e a tirania dos dominantes. (Apoiados).

A entrega foi-me feita modestamente, porque eu assim o solicitei dos manifestantes. Nunca me seduziram os ido-los, nem tão pouco os idolatras. Está aqui, nesta Assembleia, um meu prezado amigo, que poderia certificar, se fosse preciso, o que acabo de assegurar. E emquanto eu procedia pelo modo que fica narrado, que fazia o Sr. Ministro para derruir a monarchia?

É contrariado, bastante contrariado, que tenho de me occupar da minha modesta individualidade. Sendo, porem, chamado, como sou, a terreno pelo Sr. Ministro da Guerra, tenho de me desafrontar consoante me cumpre, e nesse norteamento vou proseguir na minha ordem de considerações.

A alludida homenagem, que me foi prestada, irritara os poderes publicos, que procuravam vexar-me, mandando-me vigiar pela policia. Contra este desacato reagi energicamente, por maneira que elle findou, sendo-me dadas as devidas satisfações pelos Ministros de então.

As cartas trocadas, acêrca da materia sujeita, foram inseridas em o Mundo de 27 de dezembro de 1905. Mais tarde, na sessão da Camara dos Pares de 10 de outubro de 1906, a questão foi por mim trazida ao debate, a proposito de chamar á autoria o Presidente do Conselho e Ministro do reino da época pelos actos arbitrarios commettidos para com os Srs. Dr. Affonso Costa e Dr. Antonio José de Almeida, aos quaes um rotativo governador civil quis tornar responsaveis, por quaesquer occorrencias publicas, que pudessem ser desagradaveis aos corifeus da. monarchia.

Versando então causticamente o assunto, expressava-me eu com a intenção, que é bem transparente:

"Quem é que deu semelhante ordem áquella autoridade? Em que local? Foi na praça publica? Foi nalguma repartição do Estado? Foi em algum theatro, depois de jantar?

A quanto descemos, Sr. Presidente. Nem na Hotentotia se chegaria, por ventura, a tal extremo. Mas, infelizmente, esta é a fruta do tempo. Da Bastilha da Estrellar onde se alberga um pseudo magistrado que trocou a toga de juiz pela encadernação de esbirro, saem infamias d'este e ainda de mais avultado jaez. Eu fui alvo de um d'essea. ataques indignos, que repelli energica e ruidosamente, como me cumpria, e que repelirei sempre que novas tentativas se produzam. As cartas que a tal respeito publiquei na imprensa, e que me deram completa separação, ainda talvez aqui as traga, para serem inscritas nos Annaes.

Ao autor do repugnante feito não pedi contas pessoaes, porque para isso não tem imputação essa infecta entidade, que procurou ferir-me, espionando-me: - nem elle nem o seu mandante ou inspirador, que se equivalem em todo e ponto.

Sobre elle, e seu mandante, limito-me a cuspir de aqui o meu mais profundo desprezo.

Nada mais merecem.

E assim me desafrontava eu, pela forma como fica expresso, do Todo Poderoso, que tudo mandava na vigencias, do engrandecimento do poder real.

Era com este vigor contundente que eu zurzia a monarchia.

Que fazia então o Sr. Ministro da Guerra para a contrariar e aluir?

Vozes: - Ordem, ordem.

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O Orador: - Fui atacado, tenho que me defender.

O Sr. Presidente: - Já se defendeu suficientemente.

O Orador: - V. Exa. não é juiz da minha dignidade. Se me retirar a palavra deixarei de falar; mas, nem por isso, me esquivarei a repellir as aggressivas insinuações de que fui alvo, por parte do Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Presidente: - Tenho a convicção de que o Sr. Ministro da Guerra não teve intenção de melindrar V. Exa.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - E não tive. Disse que V. Exa. tinha vindo da monarchia e é verdade. Tambem está aqui o Sr. Bernardino Machado que veio da monarchra.

O Orador: - E V. Exa. de onde veio?

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Perdão. Eu não vim da monarchia. (Apoiados).

O Orador: - Só eu então é que vim... Sussurro.

O Orador: - Muito bem. Fui eu que vim de lá...

Mas então de onde veio V. Exa.?

E certo que, por motivos, em diversas occasiões por mim expressados, nunca entrei em conspirações; mas sempre aberta e claramente, com contrariedades de ordem varia, patenteei os meus sentimentos liberaes e democraticos, investindo pertinazmente contra as violencias, arbitrariedades e a autocracia do deposto regime.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Ordem! Ordem! Pois onde estou eu a não ser na ordem, desde que estou correspondendo devidamente ao ataque que me foi dirigido, e que nem mesmo provoquei?

O Sr. Peres Rodrigues: - Queremos discutir a Constituição.

O Orador: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Assembleia sobre se permitte que eu lhe tome mais algum tempo, muito pouco, na explanação da minha defesa.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador:-Na sessão de 10 de outubro a que me referi, nessa mesma sessão prognosticava eu que brevemente o presidente do conselho da época, usaria da dictadura; e accrescentava: Em tal caso,, emigre quem puder. E concluia as minhas considerações nestes precisos termos:

"Sinto profundamente que continuem vigorando as leis de excepção, que rebaixam e humilham.

É-me essencialmente doloroso reconhecer que, com putridos elementos destes, de que é symbolo expressivo o Falstaff avariado da Bastilha, não se pode fazer politica sã e administração adequada.

E é por isto tudo que eu, mais uma vez, prevejo para breve a liquidação, com a fallencia do existente, que será completa e, quiçá, fraudulenta".

Era assim, Sr. Presidente, que, na vigencia da monarchia, eu falava, de cabeça erguida e com voz clara e sonora. E de que é esta a crença, entre a grande maioria do partido republicano, attesta-o a noticia inserta no Mundo de 14 de outubro de 1910, a qual, sob a epigrafe de bem mercida Homenagem, é assim concebida:

"Ha tres dias foi resolvido em conselho, que um dos Ministros procurasse o nosso querido amigo Sr. Dantas Baracho, e o cumprimentasse em nome do Governo. Teve-se, por este acto, em vista pôr em relevo o trabalho seguido - á custa das maiores agruras - d'aquelle homem publico, nos ultimos annos, combatendo infatigavelmente o regime deposto e pugnando, com não menos esforço e pertinacia, pelas liberdades publicas e pelos mais genuinos principios democraticos.

No desempenho d'essa missão, o Sr. Ministro da Justiça, dilecto amigo do Sr. Baracho, procurou-o hontem em sua casa, ás 11 horas da manhã, e desnecessario seria dizer que a conferencia realizada foi o mais cordial possivel".

O Sr. Peres Rodrigues: - Todos nós reconhecemos em V. Exa. um homem de caracter, mas o que não pode é tirar agora tempo á Camara!

O Orador: - Outras muitas citações poderia produzir em abono da minha limpida e coherente situação. Não quero, porem, tomar mais tempo á Assembleia, a quem agradeço ter consentido em que eu plenamente justificasse o meu procedimento, em todo o ponto harmónico, tanto na constancia, como após a deposição da monarchia.

Então, como agora, achava-me identificado com a autonomia politica, que não é, seguramente, apanagio de ambiciosos, nem de acomodaticios; agora, como então, falo com o aprumo e nitidez inherentes ao homem de honra que me prezo de ser.

Vozes: - Muito bem.

Foi approvado o projecto, tanto na generalidade como na especialidade, com as emendas propostas pelo Sr. Pedro Martins.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Ramada Curto: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Pela 5.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Publica, nota de todas as importancias, a qualquer titulo, recebidas pelo capitão de infantaria João Alfredo de Faria, desde 30 de setembro de 1904, data da sua nomeação para o logar de inspector geral dos impostos até hoje.

Nota de todas as quantias descontadas, ou por qualquer forma pagas pelo mesmo Faria, na qualidade de inspector geral dos impostos, para o cofre de previdencia a que se refere o artigo 26.° do decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901.

Nota das importancias de direitos de mercê, emolumentos e sêllo, liquidado, ao mesmo pelo seu logar de inspector geral dos impostos, e por quaesquer honras e distincções que lhe tenham sido concedidas, e copia de todos os documentos existentes no respectivo processo de liquidação, que possam esclarecer o assunto.

Copia de todas as queixas ou quaesquer articulados apresentados ao Ministro das Finanças contra o ex-inspector geral dos impostos, o mesmo João Faria, e qual o seguimento e resultado que tiveram. = O Deputado, Amilcar Ramada Curto.

Requeiro que pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos me seja fornecida nota de todos os processos ins-

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SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 11

taurados e julgados e dos mandados archivar posteriormente a 5 de outubro de 1910, quer do pessoal pertencente á extincta Direcção Geral das Contribuições Directas ou da Inspecção Geral dos Impostos. = O Deputado, Amilcar Mamada Curto.

O Sr. Padua Correia:-Envio para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre a situação do pessoal hospitalar de enfermagem de Lisboa, assim como sobre o conflicto entre a associação de classe do mesmo pessoal e o Sr. enfermeiro-mor interino.

Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de julho de 191.1. = Padua Correia.

Para a Secretaria.

O Sr. Manuel Alegre: - Apresento a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre a nomeação do professor Manuel da Maia Romão para inspector primario de Villa Pouca de Aguiar. = O Deputado, Manuel Alegre.

Mandou-se expedir.

O Sr. França Borges: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha e Colónias acêrca da situação do Alto Commissario da Republica na provincia de Moçambique.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de julho de 1911.= O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

O Sr. Balduino de Seabra: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que me seja fornecida com urgencia uma nota da despesa feita desde 5 de outubro, dos automóveis do Estado ou que passaram á sua posse.

Desejo que nessa nota sejam discriminadas as despesas feitas com: reparações, borrachas, gazolina, oleos, accessorios, garage e chauffeurs; bem como se os fornecimentos são feitos por concurso.

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911.= O Deputado pelo circulo n.° 10, Alfredo Balduino de Seabra Junior.

Para a Secretaria.

O Sr. Peres Rodrigues: -Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelos Ministerios da Guerra e da Marinha, me sejam fornecidas relações completas dos agraciados com differentes graus da Ordem da Torre e Espada, com pensão, mencionando-se para cada caso a importancia da pensão e a data em que principiou o abono respectivo.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 26 de julho de 1911.= Peres Rodrigues, Deputado pelo circulo n.° 9.

Mandou-se expedir.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Finanças, me seja enviada uma nota dos vencimentos que são abonados ao escrivão de fazenda da Lourinhã, em commissão no concelho das Caldas da Rainha, Lázaro Correia.

Em 26 de julho de 1911. = Baltasar de Almeida Teixeira, Deputado pelo circulo n.° 40.

Mandou-se expedir.

O Sr. Nunes da Mata: - Apresento os seguintes

Pareceres

Da commissão de petições, dando parecer favoravel ás petições dos revolucionarios civis Bernardino Francisco dos Santos e Viriato Nunes dos Santos, para o effeito de serem admittidos nos serviços do Estado.

Para a Secretaria. Para ser impresso no "Diario da Assembleia Nacional Constituinte".

Da mesma commissão, declarando não poder ser attendida a representação que lhe foi presente, assinada pelos cidadãos Macedo de Bragança, Julio Martins Pires e Carlos Gonçalves, por não estar a mesma representação devidamente documentada e comprovada, e na qual se pedem pensões de sangue para os que ficaram mutilados durante a Revolução.

Para a Secretaria.

Para ser impresso no "Diario da Assembleia Nacional Constituinte".

ORDEM DO DIA

(Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, Constituição Politica)

Foi lido e approvado sem discussão o n.° 7.° do artigo 5.º

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa uma proposta do Sr. Antonio Macieira, que será considerada na devida altura.

É a seguinte:

Proposta relativa ao artigo 5.°

Artigo 5.° ...

N.° 5.° Proponho que entre as palavras t Estado" e "reconhecei" se intercalem as seguintes: "não subvenciona religião alguma"; e que no fim do mesmo numero se acrescentem as palavras "e a lei".

N.° 6.° Proponho que se eliminem as palavras "Dentro do territorio da Republica Portuguesa".

N.° 10.° Proponho a seguinte redacção para a parte final do n.° 10.° "desde que não offendam a ordem publica, os bons costumes e a lei".

N.° 12.° Proponho que se elimine o n.° 12.° do artigo 5.°

N.° 13.° Proponho que o n.° 13.° do artigo 5.° seja substituido pelo seguinte: "A Companhia de Jesus, as sociedades nella filiadas e os seus membros ou socios, bem como quaesquer outras congregações religiosas e ordens monásticas e os seus membros não serão admittidos no territorio da Republica".

Artigo 5.° N.° 17.° Proponho a seguinte redacção para o n.° 17.° do artigo 5.°:

"N.° 17.° O domicilio do cidadão é inviolavel.

§ 1.° De noite e sem conhecimento do cidadão só se poderá entrar em casa d'este a reclamação feita de dentro ou para acudir a victimas de crimes ou desastres.

§ 2.° De dia só nos seguintes casos:

1.° Para a prisão dos réus em flagrante delicto por crimes em que não cabe fiança, os representantes de autoridade, bem como qualquer pessoa do povo, podem entrar de dia, tanto na casa onde o crime se está commettendo,

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

como naquella em que o perseguido se acolheu, independentemente de qualquer formalidade;

2.° Para a prisão dos arguidos de crimes que não admittem fiança, precedendo ordem escrita da autoridade competente ;

3.° Para a realização de buscas e apprehensões, quando o crime for de natureza que verosimilmente pareça que a prova d'elle se poderá obter por papeis ou outros objectos existentes em casa do presumido delinquente ou de outra pessoa e observadas as formalidades da lei".

Artigo 5.°, n.° 18.° - Proponho que o n.° 18.° do artigo 5.° seja substituido pelo seguinte:

N.° 18.° "Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, a não ser nos seguintes casos:

Alta traição, falsificação de moeda, notas de Bancos nacionaes, e de titulos da divida publica portuguesa, homicidio voluntario, quando seja qualificado crime, furto domestico, roubo, quebra fraudulenta, abuso de confiança e fogo postou".

Artigo 5.°, n.° 19.° -Proponho que o n.° 19.,° do artigo 5.° seja substituido pelo seguinte:

N.° J9.° oCom culpa formada ou sem ella ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado, estando já preso, se prestar fiança ou abonação idóneas, nos casos e termos em que a lei as admittir".

Artigo 5.°, n.° 21.°, §§ 1.° e 2.° -Proponho que se eliminem o n.° 21.° e seus paragraphos do artigo 5.°

Artigo 5.°, n.° 22.° -Proponho que o n.° 22.° do artigo 5.° passe para depois d'aquelle que tem agora o n.° 23.°, com a seguinte redacção: "A incommunicabilidade dos detidos só pode ser ordenada antes da pronuncia e não poderá exceder o prazo de oito dias; todavia os detidos serão autorizados a communicar durante uma hora, pelo menos, em cada dia, com seus pães, filhos, mulher, marido e irmãos e sempre em presença de autoridade.

§ unico. O detido poderá sempre communicar com o seu advogado constituido ou officioso dentro das horas "regulamentares".

Artigo 5.°, n.° 23.° - Proponho que do n.° 23.° de artigo 5.° se eliminem as palavras "o mais tardar".

Artigo 5.°, n.° 27.° - Proponho que se elimine o n.° 27.° do artigo 5.°, passando a segunda parte para o capitulo o Poder Judicial.

Artigo 5.°, n.° 31.°-Proponho que o n.° 31.° do artigo 5.° e seu § 1.° sejam substituidos pelo seguinte: "artigo 31.° - É admittida a revisão dos processos criminaes findos nos termos da lei".

Proponho que ao n.° 31.° do artigo 5.° se acrescente o seguinte: "§ 2.° Todo o cidadão tem direito a ser indemnizado pela parte acousadora, e, não a havendo, pelo Estado quando em processo de revisão se provar que foi condemnado injustamente, sendo o quantitativo de indemnização fixado pelo tribunal de revisão".

Artigo 5.°, n.° 32.° - Proponho que o n.° 32.° do artigo 5.° seja substituido pelo seguinte: N.° 32.° "É garantido o direito de propriedade, salvas as limitações estabelecidas na lei".

Artigo 5.°, n.° 33.° -Proponho que a 2.a parte do n.° 33.° do artigo 5.° fique constituido em § unico d'esse n.° 33.°

Artigo 5.°, n.° 37.° -Proponho que no n.° 37.° do artigo 5.° se substitua a palavra "em" pela palavra "na".

Artigo 5.°, n.° 37.° - Proponho que a 2.a parte do n.° 37.° fique constituida em § unico d'esse numero.

Artigo 5.°, n.° 42.°- Proponho que as 2.ª e 3.ª partes do n.° 42.° do artigo 5.° fiquem constituindo os §§ 1.° e 2.° do mesmo n.° 42.°

Artigo 5.°, n.° 43.° - Proponho que o n.° 43.° do artigo 5.° seja substituido pelo seguinte: N.° 43.° "O serviço militar é pessoal e obrigatorio.

§ unico. A todo o funccionario ou operario do Estado chamado ao serviço do exercito ou da armada é garantido o seu logar".

Artigo 5.°, n.° 47.° - Proponho que se elimine o n.°47.° do artigo 5.°

Artigo 6.° - Proponho que se elimine o artigo 6.° = O Deputado, Antonio Macieira.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 8.° Leu-se.

O Sr. Nunes da Mata: -Apresento as seguintes

Proposta Questão previa

Proponho que a redacção da lei constitucional seja sempre referida ao tempo presente indicativo e não alternadamente ao presente e ao futuro, conforme está proposto no projecto.

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911. = José Nunes da Mata.

Emendas aos n.ºs 8.° e 9.°

8.° O culto de qualquer religião, tanto particular ou domestica, como collectivo, é absolutamente livre e independente de restricções legaes.

§ unico. É permittido exercer este culto em casas proprias com ou sem apparencia exterior de templo, e segundo condições determinadas por lei especial.

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911.= José Nunes da Mata.

Não foram admittidas.

O Sr. Ferreira da Fonseca: - Tinha hontem pedido a palavra para propor a eliminação da artigo 6.° e hoje pedi-a para propor a eliminação do artigo 8.°

Desde que a Assembleia Constituinte approvou os n.ºs 4.° e 5.°, nos quaes se garante a liberdade de consciencia e de crenças e se garante o exercicio de culto dentro do limite da ordem, evidentemente o n.° 8.° é uma redundancia.

Mando portanto para a mesa esta

Proposta

Proponho a eliminação do n.° 8.° do artigo 5.°= O Deputado, Antonio Fonseca.

O Sr. Presidente:-Lembro aos Srs. Deputados que tiverem emendas a mandar para a mesa a conveniencia de as terem já redigidas na occasião em que lhes for dada a palavra.

Leu-se a proposta. Foi admittida.

O Sr. Silva Barreto: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta de emenda

Proponho se elimine do n.° 8.° do artigo 5.° as palavras "particular ou". = 0 Deputado pelo circulo n.° 29, Antonio Maria da Silva Barreto.

V. Exa. sabe que o espirito reaccionario se mantem no nosso país e parece-me que esta palavra "particular" é de molde a que elle continue a exercer a sua acção nefasta. Conheço uma grande parte do país, quasi todo, e nelle, com aquella palavra pode dar-se guarida e legalidade aos elementos reaccionarios, formando uma especie de congregação de que difficilmente a Republica se poderá ver livre.

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Conheço sobretudo a provincia do Minho, onde ha brasileiros que teem o prazer especial de mandar construir capellas e, V. Exa. sabe bem que nós temos dentro do país um grande numero de elementos de congregações religiosas portuguesas que não foram expulsas, e que em minha opinião deviam ter sido, como foram as dos jesuitas; esses elementos teem aqui uma optima porta aberta para poderem continuar a associar-se, portanto, desapparecendo a palavra "particular", fica limitado ao culto domestico propriamente dito, como a propria palavra o está a dizer, á familia, e nestas condições não vejo perigo para a Republica, porque todos sabem que pessoas estranhas não fazem parte do culto domestico.

A proposta não foi admittida.

O Sr. Eduardo de Almeida: - Mando para a mesa a seguinte

Emenda

Proponho que o n.° 8.° do artigo 5.° fique assim redigido: "culto particular de qualquer religião é livre e independente de restricções legaes".=O Deputado, Eduardo de Almeida.

Cortava a palavra "absolutamente" porque não se pode considerar o culto domestico absolutamente livre e independente.

Eu sei que no estado actual do país não ha necessidade de cortar já a palavra, mas ninguem nos diz que amanhã, por uma evolução a que estão sujeitas as religiões, o Estado não seja obrigado a intervir em praticas de culto que sejam contra a moral, contra os costumes e até contra os principios fundamentalmente humanos e essenciaes á evolução e ao progresso.

Achava esta palavra "absolutamente" descabida e ficava garantido o culto domestico. Cortar esta palavra não quer dizer que a Assembleia não reconheça que o culto domestico é livre, o que não quer dizer que é absolutamente livre.

Lida a emenda, não foi admittida.

O Sr. Gastão Rodrigues: - O artigo 5.° diz que o Estado reconhece a igualdade politica e civil de todos os cultos.

Ora, se é absolutamente livre e independente de restricções legaes, parece á primeira vista, que nas casas particulares se pode fazer o culto.

Eu sou pela eliminação pó artigo.

Foi approvada a proposta do Sr. Antonio Ferreira da Fonseca para a eliminação do n.º 8.°

O Sr. Aresta Branco: - Eliminando o n.° 8.º nada tenho a dizer, porque para propor a eliminação tinha pedido a palavra.

O Sr. Presidente: -Vae ler-se, para entrar em discussão o n.° 9.°

(Leu-se).

O Sr. Peres Rodrigues: - Julgo desnecessaria a materia contida no n.° 8.°, já votado, no n.° 9.° e no n.° 10.°, pois está já consignada na lei da separação da igreja do Estado. Envio portanto a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 9.° fique assim redigido: Os cemiterios e os fornos crematorios, quando venham a estabelecer-se, etc., segue o resto do artigo. = Sr. Peres Rodrigues.

Não foi admittida.

O Sr. Aresta Branco: - Apresento a seguinte

Proposta

Proponho ao n.° 9.° a eliminação da palavra "tambem". = Aresta Branco.

Foi admittida.

O Sr. Germano Martins: - Neste n.° 9 ha uma garantia individual que me parecia necessario conservar.

Antigamente, pela carta constitucional, certas religiões não podiam ter templos que tomassem a forma externa de templos; de maneira que este artigo 9.°, dizendo que "os edificios destinados a culto deverão sempre tomar a forma externa de templos", estabelece uma garantia em beneficio de todas e quaesquer religiões, que me parece necessario conservar.

Foi approvado o n.° 9.º, com a proposta do Sr. Aresta Branco.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 10.°

O Sr. Antonio Macieira: - Se a Assembleia não approva a eliminação d'este numero, entendo que ao menos se lhe deve introduzir a emenda que já mandei para a mesa.

Lida a emenda, não foi admittida.

O Sr. Alexandre de Barros: - Mando para a mesa uma emenda ao n.° 10.°, que passo a ler, e estou seguro de que ella será considerada e votada.

Trata-se de uma restricção aos direitos administrativos, á propriedade parochial, e só porventura por omissão, a commissão deixaria de redigir pelo modo que vou indicar:

Proposta

Emenda ao n.° 10.°

"10.° Os cemiterios terão caracter secular e serão administrados pela autoridade municipal ou parochial, que proverá ao enterro decente dos pobres ou abandonados ... = O Deputado, Alexandre de Barros.

Não foi admittida.

A camara cornprehende perfeitamente que, quaesquer que sejam os direitos administrativos que venham a estatuir-se, elles não podem retirar, de maneira nenhuma, ás parochias, não só uma garantia de caracter administrativo, mas ainda uma propriedade que é incontestadamente sua.

Alem d'esta mando outra a consignar, como do dominio Constitucional em Portugal, um principio que se acha consignado em varios diplomas constitucionaes de outros países, ainda não incluido no nosso.

Essa emenda é a seguinte:

Leu.

Ouvi dizer uma cousa á Camara que parece estar entendido que isto não é doutrina constitucional. Pode sê-lo desde que se consignasse aqui, pois que o é em outros povos.

Sussurro.

O Orador: - Eu proponho, porem, e a Camara acceite ou rejeite sem impedir as minhas explicações.

Não podemos legislar para Lisboa e não sei, rigorosamente, aquillo que nós encontramos no norte do país e nas pequenas localidades...

Rumores.

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O Orador: - ... e nas pequenas localidades ha necessidade constante de estar a recorrer á caridade publica para se fazerem enterros a indigentes. É absolutamente indispensavel que acabemos com essa vergonha e com essa miseria.

Mando para a mesa a minha proposta de emenda e a Assembleia, repetirei, as approvará ou rejeitará.

O Sr. Eusebio Leão: - Mando para a mesa a seguinte

Emenda

Proponho a eliminação das palavras: "e serão administrados pela autoridade municipal". = O Deputado, Eusebio Leão.

Com esta redacção que proponho creio que fica tudo harmonizado.

Foi admitida.

O Sr. João de Menezes: - Apresento a seguinte proposta de

Emenda

Proponho que á palavra "cemiterios" se acrescente "publicos". = João de Menezes.

Foi admittida.

O Sr. Jacinto Nunes: - Propõe e justifica a seguinte alteração:

Emenda ao n.° 10 (do artigo 5.°):

"Os cemiterios publicos terão caracter secular, e serão administrados pelas camaras municipaes nas sedes dos concelhos, e pelas juntas de parochia nas sedes das freguesias ruraes, ficando livre a todos os cultos religiosos, a pratica dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral publica, os principios do direito publico português e a lei". = O Deputado, J. Jacinto Nunes.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. A restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Lopes da Silva: - Invoco o § 1.° do artigo 51.° do Regimento.

Foi admittida a proposta do Sr. Jacinto Nunes.

O Sr. Nunes da Mata: - Apresento a seguinte

Emenda ao n.º 10.°

10.° Os cemiterios estão a cargo do municipio ou parochia e teem caracter secular, mas dentro d'estes são admissiveis symbolos exteriores e a pratica de ritos, comtanto que não offendam a morai publica, os principios de direito publico português e a lei.

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911. =O Deputado, José Nunes da Mata.

Não foi admittida.

O Sr. Julio Martins: - Não concordo com as palavras que se encontram neste numero do artigo - Autoridade Municipal.

Entendo que deve ficar redigida pela forma como apresento na proposta que vou mandar para a mesa. É a seguinte

Proposta

Proponho que no n.° 10.° do artigo 5.° se acrescente á palavra "cemiterios" a palavra "publicos" e se substituam as palavras "autoridade municipal" por "corpos administrativos que alei determinar". = Julio Martins.

Foi admittida.

O Sr. Joaquim José de Oliveira: - Apresento uma proposta de emenda que constitue o conjunto de varias propostas já apresentadas.

Como entendo que se deve discutir a Constituição o mais depressa possivel não farei quaesquer considerações para justificar a seguinte:

Proposta

Proponho que o n.° 10.° do artigo 5.° fique assim redigido: "Os cemiterios publicos terão caracter secular, ficando livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral publica, os bons costumes e os principios de direito publico português e a lei".

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911. = O Deputado, Joaquim José de Oliveira.

Foi admittida.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Sr. Presidente: concordo com a redacção d'este numero 10.°, mas entendo dever dizer á Camara que me parece que a materia d'este numero não é de ordem constitucional e sim de ordem administrativa.

É certo que se deve conceder liberdade religiosa com respeito aos cemiterios, mas esta liberdade é uma consequencia dos principios fundamentaes que estão já inscritos no n.° 5.° d'este mesmo artigo, e no n.° 9.°

Repito, concordo com a materia, mas entendo que ella é de ordem administrativa e não constitucional, e que a discussão que sobre ella tem havido tem sido extemporanea.

Calculo, pelas indicações que tenho, que a proposta que mando para a mesa sobre este numero do artigo 5.° será rejeitada, mas cumpro o meu dever chamando a attenção da Camara para o assunto. É a seguinte a minha

Proposta

Proponho que se elimine o n.° 10.° do artigo 5.° em discussão.

Lisboa, em 26 de julho de 1911. = O Deputado, Barbosa de Magalhães.

Não foi admittida.

O Sr. Evaristo de Carvalho: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma emenda com relação a este numero do artigo 5.°

Leu.

Neste numero diz-se que a administração dos cemiterios pertence á autoridade municipal, quando é certo que essa administração pertence tanto ás Camaras Municipaes como ás Juntas de Parochia.

Em conformidade com a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Egas Moniz, para que sejam eliminadas as palavras

Leu.

Tambem me parece que este numero não está bem redigido: tem erros de grammatica, assim diz-se:

Leu.

Envio a minha

Emenda

Entre as palavras "ficando" e "livre" deverá intercalar-se a palavra "nelles".

Substituir a palavra "offendam" por "offenda".-O Deputado, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho.

Não foi admittida.

O Sr. Pires de Campos: - Duas palavras apenas para não demorar a discussão.

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Proponho que este numero fique assim redigido: a cemiterios e fornos crematorios que venham a ser estabelecidos".

Em poucas palavras justifico esta emenda.

V. Exa. sabe que no estrangeiro existem os fornos crematorios, cuja applicação se tem desenvolvido extraordinariamente.

Estão nesta sala alguns especialistas que poderão confirmar o alcance da minha proposta, quanto á applicação d'elles para as pessoas fallecidas de certas doenças epidemicas.

Leu-se na mesa a proposta e foi rejeitada a admissão.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no n.° 10.° do artigo õ.° se acrescente á palavra "cemiterios" a palavra "publicos", e se substituam as palavras "autoridade municipal", por "pelos corpos administrativos que a lei determinar".= G. de Medeiros.

O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vão ler-se para se votarem as emendas apresentadas a este numero pelos Srs. Deputados.

Foram approvadas as emendas apresentadas pelos Srs. Eusébio Leão e João de Menezes.

Foram rejeitadas as dos Srs. Jacinto Nunes e Joaquim José de Oliveira.

Ficaram prejudicadas as restantes.

Foi approvado o n.° 10.°, sem prejuizo das emendas approvadas.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão o n.° 11.º

Leu-se.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Mando para a mesa a seguinte proposta, reservando-me para, em occasião opportuna, dizer o que penso sobre o problema mais vital para o país, o problema da instrucção.

Proposta

Proponho que, em substituição dos n.ºs 11.° e 12.° do artigo 5.°, do capitulo 3.°, seja consignado o seguinte:

"11.° O Estado assegurará a todos os cidadãos, sem distincção de sexo, uma educação integral,.de molde a desenvolver-lhes racionalmente e scientificamente todas as faculdades: physicas, intellectuaes, moraes e artisticas.

12.° O ensino primario será obrigatorio e gratuito, e d'elle ficará banida toda a doutrina religiosa".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de julho de 1911. = O Deputado, Ladislau Piçarra.

Foi admittida.

O Sr. Egas Moniz: - Sinto muito estar em pleno desacordo com o orador que me antecedeu, não pelo que respeita á doutrina d'este numero do artigo, porque com isso supponho que toda a Camara concorda, mas pelo que respeita á forma como deve vir consignado na Constituição.

Eu entendo que, a materia contida neste n.° 11.° constitue dois assuntos diversos e que são dois dos mais bellos principios que se introduzem numa Constituição.

São dois principios a que é necessario dar honras de numeros inteiramente diversos.

Nessa conformidade mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 11.° do artigo 5.° seja dividido em dois:

"11.° O ensino ministrado nos estabelecimentos publicos,, será laico.

11.° - AO ensino primario será obrigatorio e gratuito".= Egas Moniz.

Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que se faça d'isto uma questão previa a fim de se dividir este n.° 11.° em dois, ficando assim: 1.° o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos será laico; 2.° o ensino primario será obrigatorio e gratuito.

Consultada a Assembleia, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Em virtude da resolução da Camara está em discussão a primeira parte do n.° 11.°:, o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos será laico, como a Camara approvou a questão previa, abrirei, se assim o entender, uma inscrição especial.

Vozes: - É melhor, é melhor. A Camara upprovou uma inscrição especial. O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição. Leu-se na mesa os nomes dos oradores inscritos.

O Sr. Silva Barreto: - Se eu fizesse jogo de palavras preferia ensino neutro, em vez de ensino laico.

V. Exa. e a Camara sabem muito bem que se adoptarmos nas escolas primarias o ensino laico, e da mesma forma nos estabelecimentos secundarios, cria-se o sectarismo. Não se deve ensinar ás crianças nem ensino religioso, nem politico, monarchico, republicano, socialista ou anarchista, porque ellas, quando no exercicio das suas funcções sociaes de amanhã, quando homens, terão o direito de orientar-se como muito bem entenderem e quiserem, conforme a sua consciencia ou saber.

Não quero cansar a Camara, pois estas questões não são para aqui.

Eu entendo que a religião deve ser ministrada pela familia. Conforme está aqui, podem os estabelecimentos de ensino particular ministrar o ensino religioso como quiserem; ora isto está em contradição com as medidas tomadas pelo Governo Provisorio.

A unica maneira de não atacar a consciencia de ninguem, é que de religião se occupe a familia, se assim quiser. Cada um que ensine a doutrina em familia como muito bem quiser. Por isso mando para a mesa o seguinte

Âdditamento

Proponho o seguinte additamento ao n.° 11.° do artigo 5.° e particulares sob fiscalização do Estado e a palavra taico por neutro. = O Deputado pelo circulo 29, Antonio Maria da Silva Barreto.

Foi admittida.

O Sr. Matos Cid: - Sr. Presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta que se me afigura em termos de ser devidamente apreciada.

Proposta

"Artigo 5.°, n.° 11.° - O ensino primario elementar será obrigatorio e gratuito". = O Deputado pelo circulo 18, José do Valle de Matos Cid.

Foi admittida.

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Casimiro de Sá: - Entende que os membros d'esta Assembleia devem representar a Nação no seu sentir, nas suas ideias e no seu credo. Não podem, portanto, votar quaesquer propostas que contrariem o sentir e pensar da Nação. De contrario, a lei deixaria de ser a expressão da vontade nacional.

Ao votar as leis deve attender-se á psychologia do povo, ás suas opiniões e ás suas crenças.

Entende que o ensino deve ser neutral sem, comtudo, deixar de se ministrar na escola elementar o ensino religioso aos alumnos cujos pães queiram que se lhe ministre esse ensino.

Vozes: - Não pode ser. Ordem, ordem.

Sussurro.

O Sr. José Maria Pereira: - A oração que está produzindo o Sr. Casimiro de Sá interessa a Assembleia.

O Orador: - Defende um direito que se não pode negar a ninguem: o de ministrar aos filhos o ensino religioso.

Desafia todos os pedagogistas a que afiirmem que fora da religião podem encontrar o fundamento da moral.

A grande crise de Portugal tem sido moral, tem sido de falta de honestidade na administração publica.

Manda para a mesa o seguinte

Additamento

Proponho que ao n.° 11.° do artigo 5.° se faça o seguinte additamento: "e nelle será ministrada rudimentar educação religiosa aos alumnos cujos pães a requeiram. Ensino laico quer dizer ensino neutro e não ensino atheu ou irreligioso, e todos os professores teem obrigação rigorosa de manter nas escolas a mais absoluta neutralidade em materia de religião.

§ unico. Nas escolas de todos os graus de ensino publico haverá cadeiras de moral.

Sala das Sessões, em 25 de julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Foi admittido.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Egas Moniz: - Peço a contra-prova.

O Sr. Presidente: - Requer a contra-prova?

Vozes: -Não é preciso.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra o Sr. José Barbosa.

O Sr. José Barbosa: - Pedi a palavra para mandar para a mesa, por parte da commissão, duas substituições, que são do teor seguinte

Substituições

Ao 11.° substituam-se:

N.° ... O ensino ministrado nos estabelecimentos publicos e particulares fiscalizados pelo Estado será neutro em materia religiosa.

N.° ... O ensino primario elementar será obrigatorio e gratuito.

Pela commissão = José Barbosa = João de Menezes.

O Sr. Nunes da Mata: - Em primeiro logar tenho a dizer, em resposta ao orador que me precedeu, que em tempo algum a religião serviu de apanagio ás virtudes civicas.

Socrates, o homem mais virtuoso da tempos antigos e um dos philosohos mais sinceros e profundos que tem havido através das differentes épocas, da historia da humanidade, se porventura aparentemente mostrou respeitar a mythologia da Grecia, é permittido admittir que no seu intimo devia ter o mais absoluto desprezo ou, ao menos indifferença por essa mesma mythologia.

Mesmo sob o ponto de vista da justiça e equidade, é de toda a evidencia que nas escolas não deve ser adoptado o ensino religioso, isto porque nas escolas ha filhos de pães que podem ser religiosos e filhos de outros pães que sejam livres pensadores.

Assim, ensinando-se religião, consigna-se uma situação de desigualdade que não se admitte.

O A B C, as contas e a leitura são conhecimentos que aprendem os catholicos e não catholicos, e por isso quando o professor ensina uns alumnos, todos os outros aprendem; mas com a religião não se dá o mesmo facto, quando na escola houver filhos de livres pensadores, pois quando o professor ensinar religião aos catholicos, os livres pensadores nada aproveitam com esse ensino.

O que eu desejo é que este assunto revista um aspecto de justiça e de igualdade.

Com relação á divisão do artigo 10.° em os numeros 11.° e 12.°, cumpre-me dizer que a primeira votação da Assembleia devia referir-se á admissão da proposta do Sr. Egas Moniz, e que esta proposta devia ser submettida portanto á discussão da Assembleia. Por isso muito me admirei de ver a referida proposta, ser apresentada como approvada, sem ser submettida á discussão, conforme disse.

Eu entendo que não ha necessidade d'essa substituição, desde que a proposta apresentada pela eommissão, embora não esteja muito clara e explicita, entretanto era de facil modificação e de modo a em um unico artigo dizer o que é conveniente e essencial.

Assim por exemplo, a emenda que tenho a honra de apresentar e que é do teor seguinte: "O ensino primario é obrigatorio e gratuito, e tanto este, como o ministrado em outros estabelecimentos publicos, é laico".

Esta proposta é acceitavel, e dispensa a divisão do numero 11.° em dois numeros. Esta divisão do numero 11,° em dois numeros, alem de ser dispensavel, dá logar a que haja no mesmo artigo numeros muitissimo pequenos ao lado de outros excessivamente grandes, o que é desharmonico, deselegante e no caso sujeito dispensavel.

Tenho dito.

Posta a proposta á votação para a admissão, foi esta rejeitada.

O Sr. Santos Moita: - Pedi a palavra para dizer que concordo com a proposta do Sr. Egas Moniz.

Não se imagine que eu tenho a pretensão de ser um radicalista, mas julgo conveniente a seguinte

Emenda

Proponho que, na Constituição e antes de affirmarmos a laicização do ensino, fique consignado que o ensino primario elementar é obrigatorio e gratuito. = O Deputado, José Luis dos Santos Moita.

Não foi admittida.

O Sr. Sousa Junior: - Pretendo apresentar uma substituição ao n.° 11.° tanto na primeira parte como na segunda.

O Sr. Egas Moniz mandou para a mesa uma proposta, que a Camara admittiu e com a qual concordo plenamente quanto á divisão da materia do n.° 11.° em duas partes. Falou depois sobre o assunto com bastante calor o Sr. Padre Casimiro de Sá, que se permitte affirmar

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SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 17

(V. Exa. não encontre offensa na minha frase), que a moral não existe senão nas religiões.

Ora eu tenho a declarar a, S. Exa. que considero a sua affirmação hoje, á face da sciencia, como uma verdadeira heresia. (Apoiados).

S. Exa. falou como sacerdote, e até certo ponto, deixe-me fazer-lhe essa justiça, S. Exa. foi coherente com as ideias que professa; pois eu, se como medico quisesse falar, poderia dizer a V. Exa. que nós outros, os medicos, temos criado varios preceitos moraes muito mais sublimes que os de todas as religiões nascidas da fé, da crença, no sobrenatural. (Apoiados).

Se S. Exa. quisesse dar-se ao trabalho de ler as melhores obras dos medicos que teem tratado d'este assunto, veria que a lista dos seus nomes é extensa; eu poderia citar muitos, mas só lembro um por ser o de um sabio que conquistou fama universal, sendo por isso o seu nome muito conhecido de toda a gente que tem alguma leitura. É Metchnikoff.

Basta ler o livro d'este homem sobre a natureza humana, e sobre a philosophia optimista para ver que a medicina conseguiu lançar as bases de uma moral. E devo acrescentar, não conheço nada mais bello.

Eu repudio a affirmação de que fora das religiões não possa existir uma moral; ha outras moraes que nós sabemos quaes são, são as que se fundam no respeito mutuo de todos e, nomeadamente, na adoração, na idolatria que devemos ter por uma qualidade fundamental que é o trabalho. Todas as moraes que se fundarem na regeneração pelo trabalho honesto, são moraes que podem estar absolutamente fora das religiões e são moraes que nós todos devemos respeitar. (Apoiados).

Mas ha um outro ponto, e esse ainda me impressionou mais que o primeiro. S. Exa., admittindo que não havia moral senão na religião, parece-me querer dar-nos a entender que as moraes religiosas tinham resolvido os conflictos da humanidade.

Ora isso é falso; nós bem sabemos que as pugnas mais sangrentas, aquellas que mais devastaram a humanidade e mais a degradaram, foram as religiosas. (Muitos apoiados).

É certo que eu poderia abster-me de dizer o que estou dizendo se, a proposito de um simples numero da Constituição, não fosse trazida para aqui uma questão que tem muita occasião de ser levantada, mas, visto que S. Exa. ã pôs, eu não quis deixar de apresentar estas ideias que tenho muita honra de defender e sustentar.

Nestas condições vou passar ao que queria apresentar no principio e que era pouco; era a substituição da primeira parte que dizia ao ensino ministrado nos estabelecimentos publicos...

Leu.

Pelo seguinte:

Leu.

Pequeno sussurro.

Peço licença para justificar esta emenda em poucas palavras.

Não vejo bem como V. Exas. manifestam estranheza e desapprovação perante estas ideias que de mais a mais já estão consagradas em qualquer proposta da nossa legislação revolucionaria. Não podemos, sem definir o que seja, no nosso meio, laicismo, dizer somente que o ensino será laico.

O que quer dizer ensino laico, leigo?

Quer dizer que nelle se não faz catechese, proselitismo, parece-me.

Eis justamente o que nós devemos desejar que fique estabelecido e, assim, pretendo eu que se diga: "Em nenhum estabelecimento publico, etc.

Lê a substituição.

Accentuo "estabelecimentos publicos", porque não podemos querer que, nos seminarios, acabe o estudo da religião.

É claro que até aqui só me referi quanto a estabelecimentos publicos, ao ensino superior, onde é incontestavel as doutrinas religiosas precisara de ser versadas em muitas cadeiras, a archeologia, a glottologia, a geographia, etc., etc.

Mas justamente o serão num ponto de vista meramente philosophico ou seja, em ultima analyse, com o fim de esclarecer a historia da terra e a historia da humanidade.

Quanto aos seminarios, não pode haver duvida que, reconhecido o direito de cada um professar a religião que quiser e de praticar o culto, está implicitamente reconhecida a necessidade de sacerdotes. Assim sendo, forçoso é não consignar na Constituição qualquer principio que prohiba o ensino religioso, nos seminarios para o preparo dos ministros dos cultos.

De outra forma os ministros de culto virão do estrangeiro, o que será um grande mal, ou, sendo portugueses, ao estrangeiro terão de ir para se diplomarem, mal ainda muito para sentir.

Quanto ao ensino primario pretendo que seja leigo, obrigatorio e gratuito.

Entendo que deve substituir-se a palavra laico, que é francesa, pela palavra leigo.

O vocabulo laico foi criado em França para simplificar o ensino livre de doutrinas religiosas. Depois esse termo foi desvirtuado pelo catholicismo, que o apoda de sectario. Pretende-se que a palavra seja substituida pelo termo "neutro". Não transijo com semelhante desejo; pelo contrario, cuido que muito significativo seria manter o termo leigo, ao qual a Republica Portuguesa conservará a sua pureza primitiva, provando que o ensino leigo é de facto neutro em materia religiosa. (Apoiados).

Alem d'isso, não acho bem que, no tocante ainda ao ensino primario, se consigne somente que deve ser obrigatorio e gratuito, como pretende o Sr. Egas Moniz. Para evitar todas as confusões, e em materia de religião ellas são muito de recear entre nós, bem desejo que a Constituição diga: "O ensino primario é leigo, obrigatorio e gratuito", conforme o exprimo nesta substituição.

Leu.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Aresta Branco: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que se dê por discutida a materia do artigo 5.° constante da 1.ª parte do n.° 11.° = 0 Deputado, Aresta Branco.

Foi approvado.

Foi approvada a primeira parte da emenda apresentada pelo Sr. José Barbosa e rejeitada a primeira parte do n.° 11.°, assim como todas as outras emendas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a segunda parte do n.° 11.° do artigo 5.°

O Sr. Feres Rodrigues: - Apresento a seguinte

Proposta

Proponho que o segundo periodo do n.° 11.° seja assim redigido:

"O ensino primario elementar será gratuito e obrigatorio para os individuos de ambos os sexos". = Peres Rodrigues.

Prejudicada.

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Manuel Bravo: - Apresento o seguinte additamento:

Proponho o seguinte additamento ao n.° 11.°-A do artigo 5.°: "e o Estado promoverá, por meio de cantinas e outros meios proprios, a assistencia escolar".

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911. = Manuel Bravo.

Não foi admittida.

Foi approvada a segunda parte do n.° 11.° com a emenda apresentada pelo Sr. Matos Cid.

As restantes emendas ficaram prejudicadas,

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 12.º

O sr. Eusebio Leão: - Julgo desnecessario o n.° 12.° e entendo que deve ser eliminado. Apresento por isso a seguinte

Proposta

A Assembleia, assegurando a ambos os sexos as mesmas garantias, pelo que diz respeito á instrucção, julga desnecessario o n.° 12.°, e passa immediatamente á discussão do n.° 13.°

Sala das Sessões, em 20 de julho de 1911. = O Deputado, Eusebio Leão.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio Macieira, que é quem figura em primeiro logar na lista da inscrição.

O Sr. Antonio Macieira: - Creio que não pode haver a mais pequena duvida acêrca da altura em que eu pedi a palavra, porque a verdade é que a solicitei quando o Sr. Secretario terminou a leitura do assunto em discussão.

Por acaso, o Sr. Secretario tinha nesse momento os seus olhos postos nos meus... (Risos) o que afinal foi consolador, porque... me faculta a maneira de assegurar com uma boa testemunha a verdade do que affirmei quanto á inscrição.

Sr. Presidente: diz o n.° 12.° do artigo 5.° que a Republica "assegurará a educação progressiva da mulher de maneira a permittir-lhe o exercicio da capacidade politica e civil".

O que quer isto dizer, Sr. Presidente? Que significação constitucional teem estas palavras? O que vale isto como promessa? O que significa como aspiração politica? A que vem, numa constituição a inserção d'esse simples desejo que, aliás, constitue, fundamental e essencialmente, uma obrigação que o Estado tem em relação a todos os cidadãos?

Não sou anti-feminista.

A Assembleia, pela maneira como se pronuncia, parece que está commigo... ou será inteiramente anti-feminista? Mas exactamente porque entendo que a mulher deve ter na sociedade um logar de destaque, proprio da acção que exerce, sobretudo hoje que as sociedades giram em volta do grande factor economico para o qual as mulheres muito concorrem, exactamente porque assim penso, é que me parece que na Constituição se não deve estabelecer um principio, em relação á mulher, que pode ser arguido de representar uma mystificação.

A Republica demonstrou á mulher portuguesa que bem deseja garantir-lhe na sociedade o logar que justamente lhe pertence; a Republica já garantiu á mulher o direito

de livre publicação dos seus escritos e o exercicio de outras funcções publicas; a Republica já eliminou o direito anachronico da obediencia da mulher ao marido; concedeu-se por direito de successão o logar que competia aos irmãos e transversaes do marido, garantiu-lhe o direito de alimentos e soccorros a pagar pelo seductor de quem, sendo honesta, houve posteridade; estabeleceu o divorcio; deu emfim a Republica á mulher portuguesa provas cabaes de que a respeita e considera, conferindo-lhe direitos que ella não mais perderá entre nós. (Apoiados).

Ha de conceder-lhe ainda outros como o de livre disposição do seu salario e dos bens que adquire pelo seu trabalho, o de testemunha nos actos de estado civil, o de vogal no conselho de familia.

Para os primeiro não careceu o Governo de ter em vista a esperança affirmada no artigo que combate; para conceder os segundos tambem d'ella não carece a Republica.

Nós o que devemos é estabelecer principios basilares de vida politica do país e não fazer promessas vagas que constituem simples expedientes de occasião.

Portanto, Sr. Presidente, proponho a eliminação do artigo 12.°

Leu-se na mesa a proposta e foi admittida.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Apresento o seguinte requerimento:

Requeiro que a discussão e votação recaia em primeiro logar sobre a proposta do Sr. Deputado Antonio Macieira.

Lisboa, em 29 de julho de 1911. = O Deputado, Barbosa de Magalhaes.

Foi approvado.

Entrou em discussão a proposta do Sr. Macieira.

O Sr. José Barbosa: - Pedi a palavra para me referir á proposta do Sr. Deputado Antonio Macieira.

Tenho a declarar a V. Exa. que a commissão, sem a menor intenção de praticar qualquer mystificação a respeito d'este ou de qualquer numero do projecto, mas não podendo chegar a acordo nesta materia, resolveu adoptar esta redacção, que é da lavra do Sr. Theophilo Braga e conservá-la inalterada por ser de S. Exa.; mas a Camara resolverá como melhor entender.

O Sr. Egas Moniz: - Lembro á Assembleia o disposto no artigo 107.° do Regimento pelo qual deve ser discutida a proposta do Sr. Macieira juntamente com o n.°12.° do artigo 5.° do projecto.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - O meu requerimento foi approvado e S. Exa. é que requereu que a minha proposta fosse votada?

O Orador: -Eu posso votar que se encerre uma discussão, porque estou no meu pleno direito, o que não posso votar é aquillo que é expresso por uma disposição do Regimento não se poder fazer.

V. Exa. requereu que a discussão termine, eu estou no pleno uso do meu direito em não a votar.

O que não posso admittir é que se salte por cima do Regimento, e faço-o sem censura para ninguem.

O requerimento era para que se desse por terminada a discussão sobre este numero, quando em virtude do artigo 107.° do Regimento se garante a palavra a todos os oradores inscritos.

O Sr. Presidente: - O que a Camara votou e approvou foi a discussão e votação em primeiro logar da proposta do Sr. Deputado Antonio Macieira.

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SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 19

A Camara, como V. Exa. sabe, pode dispensar o Regimento, ainda que eu entenda, que, neste caso, seja desnecessario.

O Sr. Faustino da Fonseca: - Lembra que, quando no tempo da monarchia, se fez a propaganda que deu em resultado a proclamação da Republica, os propagandistas encontraram sempre ao seu lado as mulheres.

A Republica, hoje victoriosa, não deve negar á mulher o direito de voto.

Apresenta a seguinte

Emenda

Art. 12.° É reconhecida a capacidade politica e civil ás mulheres, com emprego ou profissão liberal. = Faustino da Fonseca.

Não foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Jacinto Nunes: - Eu estava inscrito antes do Sr. Faustino da Fonseca.

Uma voz: - Foi o segundo.

Vozes: - Apoiado, apoiado.

Vozes: - Ordem, ordem. Grande sussurro.

O Sr. Presidente: -Peço ordem.

O Sr. Jacinto Nunes: - Não posso falar com a serenidade que julgo indispensavel numa discussão d'esta ordem.

Tendo-se adoptado um processo de escamotear a palavra ...

Vozes: - Não pode ser, não pode ser.

Vozes: - Ordem, ordem. Grande sussurro.

O Orador: - O que está no n.° 12.° do artigo 5.° representa uma verdadeira mystificação.

É necessario collocar a mulher, no que respeita aos direitos civis e politicos, igual ao homem.

A maioria dos Srs. Deputados são advogados ou, pelo menos, bachareis em direito, e por isso não desconhecem a desigualdade em que se encontra a mulher, perante o Codigo Civil, em relação ao homem.

A viuva que passa a segundas nupcias não pode dispor dos bens immobiliarios. Mas o viuvo que passa a segundas nupcias pode.

A mulher viuva, quando casa, não pode dispor senão de metade dos seus bens. O homem dispõe de todos os mobiliarios e immobiliarios quando casa.

Portanto, protesto contra esta desigualdade da mulher em face do Codigo Civil.

A mulher pode ser professora, tanto no ensino primario, como superior, medica, engenheira, commerciante, industrial, agricultora, e, comtudo, não pode votar.

É preciso que a mulher tenha os mesmos direitos que o homem.

Mando para a mesa a seguinte

Substituição do n.° 12.°

A Republica assegurará, em diplomas especiaes, a igualdade da mulher e do homem perante a lei civil e politica. = O Deputado pelo circulo n.° 44, J. Jacinto Nunes.

Foi admittida.

Vozes: - Deu a hora, deu a hora.

O Sr. Presidente: - Para ordem do dia estão marcadas tres horas. A discussão sobre a ordem do dia começou ás 4 horas e 10 minutos, logo tem que terminar ás 7 horas e 10 minutos.

O Sr. Eduardo de Almeida: - Sr. Presidente: tinha pedido primeiro a palavra quando terminou a leitura do n.°. 12.° do projecto da Constituição, e voltei a pedi-la, após as considerações feitas pelo Sr. Antonio Macieira.

S. Exa. propunha a eliminação d'este numero.

Os dois Srs. Deputados que me antecederam apresentaram substituições ao referido numero.

O Sr. Antonio Macieira diz que este artigo é desnecessario numa Constituição, por isso que o Governo da Republica já tem procurado garantir á mulher portuguesa o uso e exercicio da capacidade civil.

Repito, o Sr. Macieira propunha a eliminação pura e simples d'este numero do projecto da Constituição, por isso que, affirmava S. Exa., o Governo da Republica tenha já procedido de forma a garantir á mulher o exercicio da capacidade civil; principio que está no coração de todos os republicanos.

Sr. Presidente, não me parece que se possa facilmente eliminar um tão alto principio de uma Constituição.

Não será porventura constitucional a declaração de que á mulher é reconhecida capacidade civil e politica? Porquê?

Terão as outras disposiçõos constitucionaes mais alcance philosophico ou juridico?

Eu entendo, e claramente defendo, que, attenta a condição da mulher antes da proclamação da Republica, é um dever inscrever na Constituição que ella está a final emancipada.

Todavia, Sr. Presidente, este numero, como está redigido, é perfeitamente metaphysico.

Bom será que a Constituição da Republica não se limite a uma promessa, mas desde já declare que a mulher portuguesa tem, em virtude da sua capacidade civil, os mesmos direitos e deveres que o homem.

Não queremos todos que a mãe portuguesa eduque os seus filhos e lhes ensine o amor que devem consagrar aos principios republicanos? Se queremos, como negar-lhe a libertação de necessaria para que ella propria veja nitidamente o sentimento democratico?

Eu não quero cansar a Camara e por isso mando para a mesa a minha proposta que é concedida nos seguintes termos:

Substituição

Proponho que o n.° 12.° do artigo 3.° fique assim redigido:

É reconhecida á mulher capacidade civil, que será regulada em leis proprias; será tambem, desde já, iniciada no exercicio da capacidade politica. = O Deputado, Eduardo de Almeida.

Foi lida na mesa e admittida.

O Sr. Affonso Ferreira: - Desisto da palavra, porque estou de acordo com a proposta do Sr. Jacinto Nunes.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Desisto igualmente da palavra.

O Sr. Adriano Mendes de Vasconcellos: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a seguinte substituição ao n.° 12.° do titulo II:

"12.° A Republica reconhece a igualdade dos direitos civis e politicos do homem e da mulher; os seus deveres

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

são definidos e limitados pelas condições naturaes dos dois sexos". = O Deputado, Adriano Mendes de Vaaconcellos.

Não foi admittida.

Esgotada a inscrição, foi approvada a questão previa proposta pelo Sr. Eusebio Leão, ficando prejudicadas todas as outras propostas.

O Sr. Silva Ramos: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Como faltam apenas vinte minutos para a conclusão dos nossos trabalhos, vou dar a palavra áquelles oradores que a pediram para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Sousa da Camara: - Tenho realmente pena que não esteja presente o Sr. Ministro do Interior, pois desejaria chamar a attenção de S. Exa. para a desigualdade dos vencimentos do pessoal menor nos lyceus, que recebem vencimentos differentes, e o que é mais extraordinario é que empregados que vieram de outros ramos de serviço estão recebendo quantia superior áquella que recebem os que já lá estavam.

Alguns ha, que já lá estavam, apenas recebem 144$000 réis annuaes, e os que entraram agora recebem 180$000 réis.

Acontece que no artigo 4.° do decreto de 22 de março de 1911, regulando os vencimentos d'estes funccionarios, diz o seguinte:

Leu.

Por esta disposição elles continuam a receber os 144$000 réis, mas, estou convencido que a interpretação do artigo não pode ser esta manter os vencimentos áquelles funccionarios que porventura ganhem menos de 180$000 réis.

Continuando a ler.

A meu ver, isto representaria uma injustiça flagrante, porque empregados que fazem serviço perfeitamente idêntico, teem direito a vencimentos iguaes.

Era para este assunto que eu desejava chamar a attenção do Sr. Ministro do Interior. Mas, como S. Exa. não está presente, peço a qualquer dos Srs. Ministros a fineza de lhe transmittir as minhas considerações.

O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Sr. Presidente: conheço bem as responsabilidades que me cabem dentro d'esta casa. Sei que não é aqui que se dirimem questões pessoaes, sei que não é neste logar que devemos tratar questiunculas de politica partidaria ou de politica locai... Mas não posso deixar de lavrar o meu protesto mais vehemente, o meu protesto mais caloroso, contra as accusações levianas e impensadas, feitas aqui, em pleno Parlamento, a um homem que tudo sacrificou á causa da Revolução e da Republica: desde os seus interesses materiaes á sua tranquillidade e á tranquillidade dos seus.

Refiro-me ao actual governador civil do districto de Leiria, o cidadão Inacio Verissimo de Azevedo, homem de caracter austero, de inabalavel e ardente fé republicana.

Diz-se que esse honestissimo funccionario tem feito politica de perseguição contra republicanos para favorecer monarchicos. Pois, bem: eu desejo que me apontem um nome, um só que seja. Qual o republicano que já foi perseguido? Qual o monarchico que já foi beneficiado?

Citem-me um nome, e eu calar-me-hei!

O Sr. Affonso Ferreira: - Quando se realizar a interpellação que annunciei ao Sr. Ministro do Interior sobre esse assunto, V. Exa. verá então os factos.

O Orador: - Eu desejava muito que V. Exa. me apontasse desde já um nome...

Uma voz: - O caso do administrador do concelho de Obidos.

O Orador: - Tambem foi perseguido?

Uma voz: - Demittido sem ser ouvido.

O Orador: - Eu garanto sob minha palavra de honra...

O Sr. Victorino Godinho: - A palavra de honra não é argumento, e é um pessimo precedente trazido para a Camara. (Apoiados).

O Orador: - Sei muito bem que não é argumento. Escuso da observação de V. Exas., porque, quando fui eleito para esta Assembleia, já tinha, bem nitida e perfeita, a comprehensão dos meus direitos e dos meus deveres, como Deputado da Nação. Eu quis apenas frisar bem que esse funccionario tem a minha solidariedade, não só como Deputado, mas como simples cidadão tambem.

Mas, pergunto eu: os logares de administradores de concelho são logares vitalicios ou são cargos de confiança? São cargos de confiança. E tanto assim que quasi todos os dias o Diario do Governo traz demissões idênticas, sem que isso, de qualquer modo, levante protestos.

Será porque o Sr. administrador de Obidos seja uma criatura excepcional, destinada a exercer esse cargo durante toda a vida?

Não pode ser; o governador civil está no seu direito de propor que um d'esses funccionarios, que não é de sua confiança, seja substituido por outro, que o seja...

Os Srs. Moraes Rosa e Luis Rosette: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Pires de Campos: - Os administradores de concelho são autoridades de confiança da Republica.

O Orador: - Da Republica e dos governadores civis.

E para se ver bem que se não trata de qualquer acto de perseguição ao Sr. administrador de Óbidos, com o fito de collocar qualquer outro no seu logar, basta dizer que o governador civil até desistiu de indicar quem o deve substituir. Deixa isso á escolha do Governo, deixa isso á escolha do Ministro do Interior...

Aqui está em que se cifram as perseguições do Sr. Governador Civil de Leiria!

Contra este funccionario appareceu aqui um protesto impresso, e firmado por uns vinte ou trinta cidadãos, que parecia encarnarem em si a defesa de todos os republicanos historicos... Pois, Sr. Presidente, d'esses indignados protestantes, apenas cinco ou seis eram republicanos antes de 5 de outubro. Todos os outros eram monarchicos ferrenhos, antigos regedores, antigos caciques, progressistas, franquistas, regeneradores, etc.

Posso-os citar, um a um...

O Sr. Pires de Campos: - Tambem V. Exa. escreveu artigos monarchicos na Mala da Europa, atacando o partido republicano.

O Sr. Moraes Rosa: - É falso! É falso! Posso provar o contrario.

O Orador: - Esse ataque pessoal é improprio d'esta Camara e nada adeanta sobre a questão que se debate. Mas protesto, energicamente, contra semelhante insinuação...

Mais ainda: emprazo o Sr. Deputado Pires de Campos a que apresente um só d'esses artigos, emprazo-o terminantemente a que prove o que diz...

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SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 21

O meu passado de republicano e de revolucionario é bem conhecido, felizmente, e até V. Exa. mesmo, o elogiou já, publicamente, diversas vezes. Pode provar-se.

O Sr. Affonso Ferreira: - V. Exa. já não é republicano, porque declarou o partido republicano dissolvido...

O Orador: - Na verdade, esse argumento é de peso! Parece que, se amanhã se dissolver o antigo partido republicano, deixa de haver republicanos em Portugal.. . E os republicanos, que queiram formar outros partidos, não estão no seu direito de o fazer?

Deixam, por isso, de ser republicanos?

E V. Exa. quem os expulsa da Republica?

Ora, pelo amor de Deus...

Mas, deixemos divagações inuteis. Voltemos ao caso do administrador de Óbidos.

Condemna-se o governador civil, porque elle propôs a demissão do administrador, sendo este um velho republicano aureolado de todas as virtudes democraticas, um republicano sempre intransigente, não direi apenas rigorosamente historico, mas até pre-historico... Emfim, um verdadeiro poço de virtudes republicanas!

O Sr. Affonso Ferreira: - Isso mesmo. Apoiado.

O Orador: - Pois vamos lá contar-lhe mais uma virtude...

V. Exa., Sr. Presidente, lembra-se ainda bem da famosa questão dos tabacos, que tão profundamente agitou o país, do norte a sul, em um movimento de nojo e de repulsão.

Lembra-se tambem da escandalosa manigancia dos sobrescritos, urdida pelo Sr. José Luciano de Castro, contra o qual se levantou então toda a imprensa portuguesa, com excepção da progressista. Lembra-se do que foi toda essa sujissima questão, que trouxe até para o partido republicano diversos cidadãos que não quiseram supportar mais os escandalos de uma monarchia que se afogava em lama...

Pois o falado administrador do concelho de Óbidos, agora aqui em discussão, era, a esse tempo, vereador da Camara Municipal d'aquelle concelho.

E sabe V. Exa. qual foi a sua attitude?

Em uma das sessões da camara lavrou um protesto contra a imprensa que combatia o Sr. José Luciano!

Tenho aqui a copia da acta, para quem a quiser ver...

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado que já deu a hora.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Reservarei outras revelações importantes para occasião opportuna. Por hoje, tenho dito.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Peço a algum dos Srs. Ministros aqui presentes o favor de transmittir ao seu collega do Interior, a fim de que S. Exa. dê as suas ordens no sentido de me serem enviados com urgencia os documentos que requeri relativos ao administrador do concelho de Alcochete.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, á hora regimental, sendo a ordem dos trabalhos:

Antes da ordem do dia:

Interpellação do Sr. Costa Basto ao Sr. Ministro da Justiça.

Idem do Sr. Egas Moniz ao Sr. Ministro da Marinha.

Idem do Sr. Rodrigues de Azevedo ao Sr. Ministro do Fomento.

Idem do Sr. Manuel José da Silva ao Sr. Ministro do Interior.

Na ordem do dia prosegue a discussão na especialidade do projecto de lei n.° 3 (Constituição).

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Para os effeitos do artigo 38.° do Regimento se publicam os seguintes pareceres:

N.° 46

Srs. Deputados.- A vossa conamissão de petições examinou, com interesse e cuidado, a petição de Bernardino Francisco dos Santos, revolucionario civil, dirigida por elle á Assembleia Nacional Constituinte em 14 do corrente, na qual pede para ser incluido na lista dos 35 revolucionarios civis que pediram para serem collocados, conforme as suas aptidões, nos estabelecimentos e repartições do Estado.

O peticionario juntou tres documentos para comprovar o que allegou.

O 1.° documento é da junta de Parochia da Encarnação; o 2.° é da Commissão Parochial Republicana da mesma freguesia; e o 3.° é passado pelo tenente da Guarda Republicana o Sr. Matias dos Santos.

Pelos primeiros mostra-se que o peticionario é republicano antigo, e que fez sacrificio pela causa da Republica; e pelo ultimo, que se juntou na noite de 4 para 5 de outubro de 1910 ás forças commandadas por aquelle official, as quaes tomaram posição nas terras de Eduardo VII, onde o mesmo peticionario "se bateu denodadamente".

Nestes termos, a vossa commissão é de parecer e reconhece a urgencia de se dar collocação ao referido revolucionario civil Bernardino Francisco dos Santos, e recommenda-o ao Governo para o empregar, segundo a sua aptidão nas repartições ou serviços do Estado, quando e pela forma que seja possivel.

A mesma commissão dá igual parecer a proposito da petição do revolucionario civil Viriato Nunes da Silva, gravador, pela qual se mostra que elle prestou serviços de vedeta á revolução, desde a manhã do dia 4 de outubro de 1910, tendo sido ferido.

Sala das Sessões, em 25 de julho de 1911. -José Nunes da Mata = Anselmo Augusto da Costa Xavier = Francisco Teixeira de Queiroz = Germano Martins.

N.° 47

Srs. Deputados.- A vossa commissão de petições foi presente uma representação assinada pelos cidadãos Ma cedo de Bragança, Julio Martins Pires e Carlos Gonçalves, na qual se apresentam como delegados da Liga de Defesa dos Direitos do Homem, e na qual imploram, como procuradores dos cidadãos que nella mencionam e que elles dizem que foram estropiados e mutilidos pela metralha dos defensores da monarchia nos dias 4 e 5 de outubro de 1910, e como procuradores das viuvas dos que morreram, para que lhes sejam concedidas pensões de sangue. Allegam que a Republica, recompensando muitos cidadãos que não foram attingidos pelas balas, esqueceu os que foram attingidos por estas, ficando estropiados e mutilados e bem assim esqueceu as familias dos que morreram na revolução.

A vossa commissão de petições:

Considerando que a Republica é uma forma de governo racional, equitativa e justa, entende que todos os cidadãos

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que se sacrificaram pela revolução, ficando estropiados e mutilados, e igualmente as familias dos que morreram, teem direito a uma pensão em harmonia com as condições do erario publico, que não são boas;

Mas considerando que a representação apresentada a esta commissão não está devidamente comprovada com documentos anteriores e a que a Assembleia Constituinte não pode nem deve terminar o seu mandato sem elaborar um documentado catalogo ou relação de todos os que durante a revolução por esta trabalharam ou por causa d'ella foram sacrificados, o qual catalogo ficará, ao mesmo tempo, sendo um documento historico de subido valor;

Por isso é de parecer:

Que não pode ser attendida a representação, pelo motivo de não estar devidamente documentada e comprovada, e tambem em razão de não estar ainda elaborado um catalogo geral, que fosse mandado fazer e fosse approvado por esta Assembleia, em que viessem os nomes de todos os que tomaram parte activa na revolução; os nomes dos que por sua causa soffreram ferimentos, ficando inválidos; e bem assim os nomes das familias dos que morreram por causa da mesma revolução.

Sala das Sess5es, em 25 de julho de 1911. = Narciso Alves da Cunha = Anselmo Augusto da Costa Xavier = Francisco Teixeira de Queiroz = Germano Martins = José Nunes da Mata.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 31 DE 26 DE JULHO DE 1911 23

Discurso proferido pejo Sr. Deputado Casimiro da Sá, que devia ler-se a pag. 16 da sessão n,° 31 de 26 de julho de 1911

O Sr. Casimiro de Sá: - Sr. Presidente: nós não somos Deputados de nós mesmos, não somos aqui representantes das nossas ideias pessoaes, ou do nosso sentir individual; somos, antes de tudo, Deputados da Nação e, aqui, devemos representar a Nação no seu sentir, nas suas ideias e no seu querer. Do contrario, a lei deixaria de ser a expressão da vontade nacional, por que nós deixariamos de ser os seus representantes e o seu reflexo.

O Estado não é uma entidade distincta da collectividade em que elle exerce as suas attribuições, não é uma cousa independente da nacionalidade em que elle está; o Estado não é aquillo que se diz, no sentido material; não é apenas a representação official de um país, no seu Governo, nas suas Camaras, no seu funccionalismo: o Estado é toda a collectividade, todo o povo de um país, toda a Nação na plenitude absoluta dos seus cidadãos.

Portanto, se nós os que representamos o poder na legislação, no executivo, ou noutra forma de exercicio do poder, legislássemos em nome do Estado contra o pode da Nação, teriamos o Estado contra o Estado; mas teriamos os organismos funccionaes do Estado em guerra com a Nação.

Ao votarem-se as leis, deve attender-se á psychologia do povo, ás suas opiniões e ás suas crenças; quero dizer, ás suas exigencias, ás suas condições sociaes, aos seus soberanos direitos.

O cidadão é materia prima do Estado; o cidadão tinha existencia livre, a que andavam ligados direitos naturaes, antes de ser parte do Estado; o cidadão é o elemento essencial do Estado e a sua unica razão de ser, como todos sabem e affirmam; portanto o Estado não pode estorquir ao cidadão os direitos que este tinha antes de entrar na colectividade politica.

Por isso, dentro do Estado, o cidadão, segundo eu entendo e me parece ligitimo, está sempre na plenitude das attribuições, como homem, como individuo, como cidadão do proprio Estado.

Se assim não fosse, o Estado em vez de um bem seria evidentemente um mal, e o homem encontraria n'elle uma existencia incomparavelmente peor do que aquella que gozava no isolamento da sua vida individual, familiar ou de tribu.

Assim, eu entendo, Sr. Presidente, que nós não devemos fazer leis de caracter obrigatorio sem attendermos ás condições especiaes do país, á psychologia do povo, ás suas opiniões e crenças; sem levarmos em linha de conta, ás vezes, até os seus innocentes preconceitos.

O ensino chamado laicol deve ser neutral, mas real e verdadeiramente neutral, porque, não o sendo, pode tornar-se em irreligioso e atheu, o que o mesmo seria que attentorio dos direitos de consciencia e do pensamento.

Nós devemos manter o ensino absolutamente neutro, pelo menos; e não vejo que haja inconveniencia ou que constitua acto menos liberal o permittir-se nas escolas primarias a ministração do rudimentar ensino religioso aos alumnos cujos pães requeiram que esse ensino lhes seja dado. Neste direito facultativo julgo ver o maximo respeito pela liberdade de cada um.

Vozes: - Não pode ser. Não apoiado. Sussurros.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - A opinião d'aquelle Sr. Deputado deve ser respeitada.

O Sr. Eusebio Leão: - Cada um deve poder immittir livremente a sua opinião.

Muitos apoiados.

O Sr. João Ricardo: -Eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que mantenha a ordem.

Vozes: - Ordem, ordem,

O Sr. Presidente: - Peço ordem. Os Srs. Deputados devem occupar os seus logares.

O Sr. Alberto da Silveira: - É preciso que a camara dê mostras da sua tolerancia. (Apoiados).

O Orador: - (da tribuna). Era quasi escusada a minha vinda á tribuna, por quanto estava a dar por findas as minhas considerações. Eu estava exercendo um direito que ninguem me pode coarctar. (Apoiados)

Dizia eu, Sr. Presidente, que era necessario que se desse na lei a faculdade de o professor primario poder ministrar ensino religioso aos alumnos cujos pães reclamassem ou pedissem que lhes fosse dedo. (Não apoiado), Não apoiado, não é razão. Aquelles que falarem apresentem razões convincentes, que sejam suficientes para destruirem as minhas.

Todos os cidadãos são iguaes perante a lei, todos concorrem, na medida dos seus haveres, para que o Estado se mantenha, e portanto todos teem direito de exigir que o Estado concorra para o cumprimento das suas necessidades moraes e materiaes.

Como todos os serviços do Estado, nenhum dos quaes é gratuito, embora o pareça, os da instrucção publica, incluindo o primario, não são gratuitos; é o povo que os paga, posto os tributos destinados a esse effeito dêem muitas voltas e procurem desvairados caminhos antes de chegarem ao seu natural destino. Isto é que é e constitue a rigorosa exactidão dos factos.

Eu affirmo que os cidadãos teem mais direito a exigir que aos seus filhos ou pupilos se ministre ensino religioso do que nós o temos para a todos negarmos em absoluto esse direito, que eu, em verdade, somente defendo sob o ponto de vista de direito facultativo.

D'esta forma, julgo eu, mantenho-me dentro da esfera dos bons principios liberaes e não hostilizo, por um acto de absoluta prohibição, o que reputo com teimosa reincidencia claros direitos do cidadão.

Se o individuo é livre fora do Estado, entrando no Estado, na associação politica regular, que é por sua natureza o baluarte das defesas individuaes e das liberdades publicas; no Estado que deve constituir a fortaleza augusta, dentro da qual todos os cidadãos procuram armas seguras para resistir a todas os assaltos ao direito; sendo assim, repito, o cidadão, livre fora do Estado, no Estado ia de continuar a ser livre; mais livre mesmo, pois, que o Estado tem de ser a garantia da sua liberdade!

Ora se nessa fortaleza o cidadão vae encontrar pressões que o esmaguem, e o esmagam naquillo que elle tem de mais intimo, naquillo que elle mais estremece e

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ama; naquillo que unicamente adora e preza; nas suas crenças, nas tendencias irrepremiveis da sua consciencia e do seu coração, na acção desembaraçada da sua liberdade e na expansão plena dos seus sentimentos ligitimos, eu confesso que não comprehendo o Estado nem as suas leis.

Abominavel o Estado e maldita a lei que em vez de defender afogam a liberdade humana!

Pelo menos o ensino nas escolas deve ser neutro, absolutamente neutro, e como, tal bem assegurado, porque o chamado ensino laico, cá e lá fora, tem sido transformado em educação atheia ou, pelo menos, irreligiosa.

O ensino deve ser neutro. (Apoiados), Eu defendo esse principio de pedagogia, não em these, mas simplesmente na hypothese, está claro; mas fique ao menos nitidamente estabelecido este principio, que já é alguma coisa.

A opinião que sustenta a pratica do ensino religioso nas escolas não é tão contraria á grande parte dos pedagogistas, como a muitos parecerá. Mas constituo decerto uma heresia pedagógica.

Lendo as obras dos grandes pedagógicos, na parte que agora se debate, vê-se que, geralmente, elles se occupam do problema religioso, que é o grande problema de todos os seculos. E escusado esquecer este problema, pois hão de debater-se com elle as gerações futuras até o tini das idades, com vontade ou sem ella.

Mas, deixando esta questão, que julgo poder defender com bom direito, aqui e em toda a parte, e que dentro da assembleia defendo principalmente, porque eu sei de muitos professores primarios que se queixam que as escolas teem sido menos frequentadas desde que foi prohibido o ensino religioso. Desta forma, vamos concorrer para a diminuição da instrucção popular, se cegamente obedecermos a opiniões preconcebidas.

Estatua-se a obrigatoriedade do ensino primario e, a não poder ser de outra maneira, decrete-se a educação religiosa em bases verdadeiramente neutras, mas mais ainda, e sobretudo, nas diversas escolas secundarias e de ensino superior, criem-se cadeiras de moral universal, e não digo christã, porque então desappareceria a neutralidade; mas ministre-se o ensino da moral, que nesta ha principios que todos podem e devem seguir e respeitar.

É verdade que empinando-se moral, quasi pode dizer-se que é a moral christã que se ensina, pois, devido a tradições de seculos e mesmo a influencias de hereditariedade, o espirito publico está largamente impregnado d aã ideias da moral do christianismo, em parte sem o saber e até sem o querer talvez.

Uma voz: - A moral não depende da religião.

O Orador: - Eu desafio quem quer que seja a que me prove que já algum pensador teve a fortuna de encontrar fora das religiões as origens historicas da moral ou o fundamento da moral; e tambem que em pedagogia já se descobriu fora das religiões alguma coisa que substitua a moral na educação.

Do que nós precisamos é de que o cidadão tenha a virtude, ao menos no sentido a que a ella se refere Montesquieu no Espirito das leis.

Do que ha urgente necessidade é de que o espirito português tenha caracter, seriedade, honestidade e honradez, pois que estas qualidades é que lhe teem faltado.

A nossa pavorosa e grande crise é de caracteres, é uma grandissima crise moral.

A falta de honestidade, principalmente na administração publica, foi o cancro temivel e maldito que devorou o vigor e a seiva de um povo inegavelmente fadado para bem afortunados destinos.

O nosso maior deficit ha sido de boa moralidade. Ora a moralidade adquire-se tambem pela educação. É tão necessario ter na vida uma conducta honrada como a acquisieão da sciencia.

O estudo da moral tem, pois, logar proprio ao lado do estudo das sciencias e das lettras; e não é inutil nem excessivo que o seu aprendizado acompanhe o aprendizado da instrucção em todos os seus graus.

Uma voz: - A moral ensina-se pelo exemplo.

O Orador: - O exemplo nas escolas não se pode ensinar de maneira a preparar para todas as situações da vida; demais para se poder dar bons exemplos é indispensavel primeiro aprender uma boa moral.

É necessario, portanto, que ao menos estes principios superiores da moral universal, que aproveitam a todos, independentemente das religiões e de escolas scientificas, e que todos podem indistinctanaente acceitar, entrem nas almas de todos.

Cada qual sabe defender direitos e condemnar a sua violação sobretudo se se trata de si: todos, repito, sabem defender e proclamar direitos, e isto é deveras importante.

Isto, porem, não basta; é preciso tambem conhecer o dever, respeitá-lo, obedecer-lhe e cumpri-lo conscienciosamente.

Em preceitos racionaes, expostos num ensinamento bem orientado, se imprime profundamente nos espiritos o sentimento do dever e de par com elle o sentimento da honradez, da dignidade, do pundonor e do brio.

A esta grandiosa aspiração, que constitua a base unica do nosso resurgimento nacional, somente chegaremos pelo caminho da mais rigida moralidade.

Sobre a necessidade da formação moral das sociedades creio que não ha divergencias possiveis.

Por essa razão, e de harmonia com as considerações feitas no decorrer do meu insignificantissimo discurso, proveniente de motivos occasionaes que o momento me suggeriu e impôs, eu mando para a mesa o meu additamento ao n.° 11 do artigo 5.° do projecto em discussão, que é o seguinte:

Additamento

Proponho que ao n.° 11 do artigo 5.° se faça o seguinte additamento: "e nelle será ministrada rudimentar educação religiosa aos alumnos cujos pães a requeiram. Ensino laico quer dizer ensino neutro e não ensino atheu ou irreligioso, e todos os professores teem obrigação de manter nas escolas a mais absoluta neutralidade em materia de religião.

§ unico. Nas escolas de todos os graus de ensino publico haverá escolas de moral.

Sala das sessões, 25 de julho de 1911. = Casimira Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

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