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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

34.ª SESSÃO

EM 31 DE JULHO DE 1911

SUMMARIO. - Aberta a sessão e approvada a acta fazem declarações de voto os Srs. Pereira Victorino e João de Freitas.- O Sr. Presidente communica a nomeação da commissão das aguas de Caldellas.- A Camara concede licença ao Sr. Deputado Caroço. - Dá-se conta do expediente e das segundas leituras. - Vem occupar o seu logar de Deputado o Sr. Rodrigues Gaspar. - Nega-se a palavra para um negocio urgente ao Sr. Alvaro de Castro e concede-se ao Sr. Padua Correia, ao qual respondem os Srs. Ministros do Fomento e das Finanças.- O Sr. Botto Machado apresenta um projecto de lei.- Para negocio urgente tem tambem a palavra o Sr. Ramada Curto. Responde o Sr. Ministro das Finanças. - O Sr. Egas Moniz refere-se a assuntos das colonias. Responde o Sr. Ministro da Marinha. - Apresentam requerimentos e notas de interpellação os Srs. Bernardino Roque, Baltasar Teixeira, Francisco Coelho e Rodrigues da Silva.

Na ordem do dia. - Continuação da discussão, na especialidade, do projecto n.° 3 (Constituição). Votam-se os artigos 32.° até 41.°, falando varios oradores.-Antes de se encerrar a sessão falaram os Srs. Libanio Paes, João de Freitas, Affonso Costa e Aresta Branco.

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Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão - Ás 2 horas e 20 minutos da tarde.

Presentes - 170 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Alberto Carlos da Silveira, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo José Durão, Alvaro Rodrigues Gaspar, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Amaro Justiniano de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia. Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro. Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenco Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastiio Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo. João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Joaquim Theophilo Braga, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Barbosa, José Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Tere-nas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilheoa Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocenoio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philomon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Tiionié José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Albino Pimenta de Aguiar, Antonio Candido de Almeida Leitão, Bernardino Luis Machado Guimarães.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Alexandre Augusto do Barros, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alvaro Nunes Ribeiro, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio José de Almeida, Antonio de Paiva Gomes, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Maria Pereira, Domingos Leite Pereira, Eduardo Abreu, Elisio Pinto de Almeida e Castro, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Sousa Fernandes, Jorge Frederico Velez Caroço, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Augusto Simas Machado, José Luis dos Santos Moita, José Maria Cardoso, José Montez, José Pereira da Costa Basto, José Tristão Paes de Figueiredo, Julio do Patrocinio Martins, Leão Magno Azedo, Manuel Alegre, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima, Se-veriano José da Silva, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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Procede-se á chamada.

Presentes 89 Srs. Deputados.

Lê-se a acta.

O Sr. Pereira Victorino: - Peço a palavra sobre a acta.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Pereira Victorino: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que votei contra a eliminação do artigo 22.° do Projecto da Constituição, por entender que, embora noutros termos, a garantia nesse artigo consignada não deverá deixar de exarar-se na Constituição. = Antonio Barroso Pereira Victorino.

Para a acta.

O Sr. João de Freitas: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, porque é nesta altura que a devo pedir, segundo o § unico do artigo 39.° e artigo 31.° do Regimento da Assembleia, para mandar para a mesa uma

Declaração de voto

Declaro que se tivesse estado presente ás sessões da Assembleia Constituinte, de 24 a 29 do corrente, teria votado contra a eliminação da materia dos artigos 3.° e 4.° (capitulo n) do projecto da constituição politica emendada pela Commissão, bem como contra a emenda que foi approvada ao n.° 3.° do artigo 5.° e contra a eliminação dos n.ºs 21.º, 22.° e 23.° do mesmo artigo.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 31 de julho de 1911. = O Deputado, João de Freitas.

Para a acta.

Aproveito a occasião para declarar tambem que faltei a seis sessões consecutivamente. Mandei do Porto um telegramma, justificando essas faltas, mas como não vi nenhuma referencia no Summario das sessões nem do dia 27 nem de 28, peço agora esta declaração, justificando as minhas faltas ás seis sessões anteriores.

Peço que esta minha declaração fique consignada na acta.

O Sr. Presidente: - Ninguem mais pede a palavra sobre a acta, considera-se esta approvada.

Foi seguidamente approvada.

O Sr. Presidente: - Communico á Assembleia, desempenhando-me do encargo que me foi dado na sessão passada para constituir uma commissão destinada a estudar a questão de Caldellas, que nomeei para essa commissão os seguintes Srs. Deputados:

Dr. Francisco Correia de Lemos, Joaquim Pedro Martins, Joaquim de Oliveira, Antonio Granjo, Alfredo de Magalhães, Ezequiel de Campos e Antão de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Vae ler se o expediente.

E lido o seguinte

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio das Finanças, remettendo o mappa do pessoal da Repartição de Fiscalização das Sociedades Anonymas, a requerimento do Sr. Deputado Adriano Mendes de Vasconcellos.

Para a Secretaria.

Do Ministerio da Instrucção Publica e de Bellas Artes de Paris, enviando uma caixa com orçamentos parlamentares.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Sobral Monte Agraço. - Deputado Dias da Silva - Constituintes, Lisboa. - Camara Municipal Sobral reunida sessão ordinaria resolve dar-lhe conhecimento, pedindo para transmittir ás Constituintes seu protesto contra decreto 25 maio não se representando collegio eleitoral exarando na acta formal desapprovação citado decreto attentatorio das regalias municipaes, deprimente vexatorio para bons portugueses que procuram ver traduzidas em boas leis aspirações dos que trabalharam para emancipação da Patria completa autonomia municipios. Salvo devido respeito lembra esta Camara que nem feroz ditador fez semelhante imposição e sujeição. = Presidente Camara, Manuel da Costa.

Para a Secretaria.

Bolama, Dominios. - Ultimo caso averiguado 3 corrente, sendo hoje opinião Correia Mendes declarada extincta epidemia; restabelecidas communicações, continuando medidas prophylacticas indispensaveis longo prazo. Secretario direito passagem Cabo Verde, Guiné, convindo regresso mais rapido. = Governador.

Para a Secretaria.

Porto, 25. - Centro Democratico Valente Perfeito sauda em vós Assembleia pela presença Ministro da Justiça. = Direcção.

Para a Secretaria.

Porto, 28 - S. Bento. - Republicanos Trofa pedem V. Exa. felicite Deputado Joaquim Ribeiro pelo seu projecto reduzindo ordenados 1:800$000 réis esperamos seja approvado Assembleia. = Alfredo Machado = Joaquim Silva = Antonio Ferreira = Valeriano Mondin = Jeremias Silva = Manuel Saa = Antonio Silva = Amandio Azevedo = Victor Duarte = Rodrigo Duarte = João Reis = Adão Oliveira = Carlos Pimenta.

Para a Secretaria.

Lisboa, Boa Vista, 27. - Affazeres particulares inadiaveis me teem inhibido comparecer desde 21 corrente comparecerei sessão segunda feira próxima. = João de Freitas.

Concedido.

Segundas leituras

Proposta apresentada pelo Sr. Victorino Godinho, sobre accumulações de empregos.

Projectos de lei

Senhores. - Toda a nação que tem terra aravel inculta ou apenas desbravada, e que importa pão e exporta parias está profundamente desequilibrada.

A necessidade, urgente mais que nenhuma outra, de produzir no país as substancias e materias primas que de longa data sempre temos importado, deixando o nosso solo inculto; a impossibilidade de equilibrio nas finanças, e de pagamento da divida nacional sem nos aproximarmos d'aquelle equilibrio de producção e consumo; o estado alarmante da nossa emigração, vergonhosa pelo exodo appressado de uma legião de incapazes, com o país em charneca, ou apenas em cultura rudimentar, por grandes

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descampados com as serranias escalvadas por leguas e leguas, a má orientação do nosso ensino e a péssima tendencia da nossa actividade, sempre acorrentada ao logar do orçamento, tem sido exposta largamente no livro, na conferencia, no folheto e nos frustrados projectos de lei de fomento, para que seja necessario trazer para aqui, quer uma erudição facil que a ninguem aproveita, quer um estendal de miserias moraes, economicas e financeiras aterradoras, que só por si, ainda que com cores leves esboçadas, nos fariam hesitar na praticabilidade da salvação nacional, se um conjunto de circunstancias, de que havemos de lançar mão, não nos habilitasse a esperar uma mudança completa da orientação moral e politica na economia e nas finanças portuguesas.

Estranha situação é esta, a minha, de ter sido arrastado pelas circunstancias a contribuir aqui para a resolução dos problemas nacionaes, em campo de actividade de que sempre andei arredado.

Tomei como criterio no delineamento d'este projecto de lei as bases doutrinaes do programma do partido republicano: "Extincção das ultimas formas senhoriaes da propriedade, no sentido de a tornar perfeita, como foros, lau-demios, luctuosas, por uma lei sobre remissão forçada. Arroteamento obrigatorio dos terrenos incultos ou a sua expropriação por utilidade publica. Reforma do regime hypothecario como forma de credito geral territorial" que bem confirmadas encontrei na declaração de principios da conferencia da White House, em maio de 1908, de que dou alguns trechos, na qual estavam os governadores dos estados e territorios norte-americanos sob a presidencia de Roosevelt, para considerar a conservação da riqueza natural, com a assistencia dos membros do gabinete, do Supremo Tribunal de Justiça, dos membros de ambas as Camaras, dos representantes das grandes organizações nacionaes, da Interland Waterways Commission, e, como convidados especiaes, alguns homens notaveis:

"Concordamos que a terra deve ser usufruida de modo que cesse a erosão e o deslavamento do solo; e que se devem beneficiar as regiões arida e semi-arida pela irrigação, os pantanos e alagadiços pela drenagem; que as aguaa devem ser conservadas e usadas de modo que se promova a navegação, se irrigue as regiões aridas e se façam installações hydraulicas para interesse do povo; que as florestas que dão regime aos rios, auxiliam as industrias e promovem a fertilidade e producção do solo, devem ser preservadas e perpetuadas: que os mineraes, que são tão abundantes debaixo do solo, devem ser usados de modo que se prolongue a utilidade d'elles; que a belleza, a salubridade e a habitabilidade do nosso país devem ser preservadas e aumentadas; que as fontes da riqueza nacional existem para o beneficio do povo, e por isso o monopolio não mais deve ser tolerado.

Pedimos com insistencia a continuação e extensão das medidas florestaes adaptadas a garantir a economia e renovação dos nossos recursos de madeira, que estão a diminuir, a prevenção da erosão do solo, a protecção das bacias superiores das torrentes, e a conservação da pureza e navigabilidade dos rios. Reconhecemos que a posse particular das florestas vincula responsabilidades do interesse de todo o povo, e somos a favor da promoção de leis que visem a protecção e a substituição das florestas particulares.

Reconhecemos nas nossas aguas a mais valiosa parte do activo povo dos Estados Unidos, e recommendamos a promulgação de leis para a conservação dos recursos de agua para irrigação, abastecimento, energia e navegação, de modo que as correntes navegaveis e não navegaveis possam passar a completa fiscalização e de todo ser utilizadas para qualquer fim. Especialmente instamos perante o Conselho Federal pela adopção immediata de umas medidas sensatas, activas e gera es acêrca da navegação interior, providenciando o rapido melhoramento dos rios e a conservação das suas bacias, como requerem os usos do commercio e a protecção dos interesses do povo.

Recommendamos a promulgação de leis tendentes a evitar o desperdicio no arranque e na extracção do carvão, óleo, gaz e outros mineraes com o fim da sua judiciosa conservação para o uso do povo".

Da conferencia North American Conservation, com delegados representando os Estados Unidos Norte-Americanos, o México, o Canadá e Newfoundland:

"Concordamos que a conservação da riqueza natural é indispensavel para a prosperidade continuada de cada nação. Concordamos que esta riqueza, que é necessaria para a vida, deve ser considerada como utilidade publica.

Consideramos a criação de muitas e grandes reservas florestaes, e a sua permanencia sob o poder do Governo, absolutamente essenciaes ao bem publico.

Tambem expressamos a nossa crença de que todo o systema de meios de navegação interior deve ser retirado sob a exclusiva posse e administração publica.

Reconhecemos a terra como um recurso fundamental, que tem os materiaes necessarios para o sustento da população, e formando a base da organização social. O aumento da fertilidade do solo é uma necessidade crescente, e a posse da terra pelos homens que vivem d'ella não só promove tal fertilidade, mas é tambem a melhor garantia da existencia de bons cidadãos. No interesse do cultivador fixo á terra com a familia aconselhamos a regulamentação da pastoricia nas terras do dominio publico, a cessão de terras publicas a colonos actuaes em areas cada uma sufficiente para sustentar uma familia, e a sub-divisão dos dominios excessivos de terra agricola ou de pastagens para evitar o monopolio.

A importancia nacional da pastoricia nas terras do dominio publico não irrigaveis e secas demais para a cultura, e o prejuizo publico occasionado por o gado são geralmente conhecidos. Por isso aconselhamos a superintendencia (control) do Governo em taes terras com o fim de restaurar o seu valor, promover a colonização e aumentar a riqueza publica.

Julgamos que os direitos á superficie do terreno e os direitos aos mineraes enterrados devem ser considerados separadamente.

Os adubos mineraes não devem ser monopolizados por interesses particulares, mas devem ser de tal forma administrados pela autoridade publica que se previna o dispêndio e se promova a sua producção em tal quantidade e por tal preço que os tornem facilmente accessiveis de emprego".

São dignos de toda a attenção os trabalhos gigantescos de irrigação que a india, a America do Norte, o Egypto e outros países executaram, e estão a construir. Ha cerca de dois annos a area total irrigada na India, era 16.200:000 hectares; no Eygpto, 2.500:000 hectares; na Itália, 1.900:000 hectares; na Espanha, 1.140:000 hectares; na França, 162:000 hectares; nos Estados Unidos Norte-Americanos cerca de 4.047:000 hectares. Só estes países dão cerca de 260:000 kilometros quadrados de terreno que, se não fosse a irrigação, seriam improductivos.

Muitos outros milhões de hectares irrigados se estendem pela China, Japão, Austrália e America do Sul.

As obras de irrigação para aquelles 260:000 kilometros quadrados custaram cerca de 700:000 contos de réis; e os productos da terra regada avaliam-se em 720:000 contos de réis por anno.

As obras hydraulicas pagam-se num só anno em productos agricolas. Quando muito em dois annos é o que tem acontecido a quasi todas as grandes obras de irrigação. Assim o açude de Assuan, a maior obra de alvenaria do mundo, completo em 1902, capaz de reter 1:065 milhões

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de metros cubicos, agua que dá para alimentar nos usos domésticos por um anno todas as cidades, villas e aldeias da Inglaterra, e onde trabalharam ao mesmo tempo 13:000 pessoas de dia e 13:000 pessoas de noite, mostrou-se tão lucrativo nas primeiras colheitas, que logo se resolveu aumentar-lhe a altura para regar então 3:850 kilometros quadrados.

Eu queria que este projecto de lei tivesse a sobriedade de linhas da Reclamation Law de 1902, e trouxesse para o meu país beneficios semelhantes.

O Governo norte-americano vende as terras do dominio publico de acordo com a Homestead Law, mas apenas 16 a 6õ hectares a cada colono, superficie julgada bastante para sustentar uma familia.

O producto d'esta venda constitue um fundo especial para o estudo, construcção e custeio de obras de irrigação o beneficio das terras aridas e semi-aridas.

São gigantescas e muito uteis as obras feitas e em construcção; e hoje este serviço é tão necessario nos Estados Unidos Norte-Americanos, como o dos correios e telegraphos.

Calcula-se que neste proximo terço de seculo, por cada dez annos, os Estados Unidos Norte-Americanos terão uma superficie irrigada por esta forma igual á que actualmente está em irrigação em todo o West, fornecendo novos predios ruraes, novos lares, para milhões de habitantes, e alimento para toda a nação e para exportar ás mãos largas. Por mais de quatro milhões de kilometros quadrados estende-se a região arida e semi-arida Norte-Americana, de alem do meridiano 98.° ao Pacifico.

Esses terrenos vão sendo conquistados pela irrigação, embora não haja chuva senão para uma pequena parte d'elles, e soffrem uma transformação completa pela agua: "cem espigas de trigo substituem uma erveira agreste, e cem cabeças de gado pastam onde antes um antilope ou dois erravam".

No fim de 1908 havia no Far West cerca de 5.270:000 hectares de terra era irrigações um terço a um quarto da que lá poderá ser irrigada para o futuro. Quando os 182:000 kilometros quadrados forem irrigados, poderão comportar 9.000:000 habitantes, e pela irrigação poder-se-ha dar casa e sustento a 20.000:000 habitantes nos Estados Unidos Norte-Americanos.

O custo dos trinta projectos acabados ou em construcção está avaliado em 119:555 contos de reis; o valor da terra, sem bemfeitarias, depois de irrigada, será de 239:435 contos de réis, dando cerca de 100:000 contos de réis de lucro aos agricultores no aumento de valor; e a producção annual não será inferior a 75:000 contos de réis.

Nos serviços da Reclamation empregam-se 16:000 homens e gastam-se cerca de 1:250 contos de réis por mês. Nos primeiros cinco annos gastou-se mais de 33:000 coutos de réis. Segundo Newel, até 1907 o Reclamation service fez cerca de 600 kilometros de estradas, mil pontes com um comprimento total de 8 kilometros, manufacturou varios artigos, inclusivamente tejolo e cimento (sendo uma d'estas fabricas a da albufeira de Roosevelt, que dava 500 barricas por dia e trouxe 600 contos de réis de economia sobre a proposta mais barata para as 340:000 que se gastaram); fez acampamentos e chegou a alimentar 1:000 a 5:000 homens por anno; enifim executou todos os trabalhos relativos aos projectos de irrigação em sitios onde ninguem ou pouca gente vivia.

E assim se executaram as immensas albufeiras, os compridos tunneis, os grandes açudes, e os extensos canaes necessarios para conquistar a região arida e transformar as areias do deserto em terra de promissão.

Foi, ha poucas semanas, em 18 de março proximo passado, que no Arizona sã inaugurou o Roosevelt dam, o qual vae irrigar 972 kilomettos quadrados de terra arida no valle de Salt River. Custou cerca de 300 contos de réis a estrada para o logar da obra, que estava a 100 kilometros da primeira estação de caminho de ferro, e que teve de ser aberta através do deserto e nas encostas perpendiculares de desfiladeiros. A primeira pedra foi collocada em 20 de setembro de 1906, e o trabalho de alvenaria estava pronto em 5 de fevereiro de 1911, com o despendio de 3:500 contos de réis.

Em 30 de junho de 1909 o fundo agricola tinha attingido 58:582 contos de réis e tinha-se despendido 45:750 contos de réis, irrigando-se 172:000 hectares que faziam 7:970 granjas; mas podendo-se aumentar o terreno para 310:000 hectares e as granjas para 12:188. O presidente Taft pediu ao Congresso autorização para emittir até 30:000 contos de réis para completar as 196 obras, devendo estar todos pagos pelos fundos dos projectos no prazo de dez annos.

A grandeza das obras, os resultados esplendidos colhidos, o desembaraço de peias e a iniciativa Norte-Americana assombram a nossa incuria secular. No entanto nós estamos em óptimas circunstancias de aproveitarmos o nosso Alemtejo, que comparado ao deserto americano, é bem mais simples de valorizar pela agua e será mais productor.

E certo que a irrigação é necessaria quando, não sendo superior a 50 centimetros a chuva annual, ha estiagem no tempo da cultura, de abril a setembro. Se o Alemtejo tem chuva annual que, bem repartida, daria para uma agricultura regular, por outro lado o clima é tão seco no verão que nenhuma outra parte da Europa se lhe compara. Terra de pequena altitude, mal favorecida na orla maritima, apresenta-se com um clima de deserto, como se uma restea do calor e da secura do Sahara por ali andasse no mês de agosto, e com uma primavera e verão tão secos que não se pode fazer uma agricultura intensa e estavel sem um previo systema de irrigação.

Não resta duvida nenhuma que num plano bem esboçado de irrigação pode todo o país riba e alemtejano passar a vasta região de prosperidade, e que um systema de albufeiras e de canaes para irrigação e navegação ha de modificar o aspecto desolador d'esta terça parte continental que mal se poderá dizer terra portuguesa, de tão estranha que ella em aspecto de toda a ordem se nos mostra.

Dentro de poucos annos abre-se o Panamá, e nós carecemos de nos prepararmos para tomarmos o logar na vida mundial que a nossa terra riquissima e vasta no continente e nas colónias nos pode assegurar pelos productos e pela posição. Fomos e somos uma nação de riqueza enorme inexplorada: aproveitemos este impulso de momento para nos penitenciarmos, e encaminharmos a nossa actividade para o trabalho reflectido e util.

Este projecto de lei, moldado na legislação Norte-Americana, coaduna-se com as ideias mais justas dos homens de sciencia que pugnam pela conservação dos recursos ua-turaes, e tem por fim especial promover a occupacão e a utilização da terra inculta no nosso país, principalmente do Alemtejo, a repartição do nosso povo de acordo com a riqueza do solo, o desvio da actividade do funccionalismo para a terra, a criação de uma geração nova, activa e despida de preconceitos; o que tudo contribuo poderosamente para o nosso equilibrio economico e financeiro, e para o nosso melhoramento moral e politico. (Em 30 de junho de 1909, havia reservas nacionaes Norte-Americanas numa area de 131.000:000 hectares, de que 1.500:000 em parques nacionaes e 78.600:000 em florestas administradas no interesse do povo. A receita d'estas aumentou de 25:500 contos de réis em 1902, para mais de 1:000 contos de réis em 1906).

Não resolve o nosso problema agrario a grande cultura como a dos dominios da Bonanza ou do Sr. José Maria dos Santos; tristeza nos faz imaginarmos como seria vida desorganizadora e suppliciante a do trabalhador rural,

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desapegado da familia e da terra em que devia estar enraizado, na planicie alemtejana a guiar as machinas agricolas de uma cultura extensa e industrializada.

Bem peor que a actual, tão cruciante era alguns meses no sudario de amarguras dos ceifeiros... Mais valia então continuarmos exclusivamente na emigração alarmante que temos.

O ideal é fixar nos lotes de familia uma parte da gente que haveria de emigrar. Julgo o problema viavel.

Parto da hypothese de que o Governo vae mandar uns engenheiros competentes, práticos, trabalhadores, não peaveis com minucias de cálculos e desenhos, nem inquinados do bacilo burocratico, fazer o plano geral, e logo depois o primeiro projecto de irrigação, quiçá ligado á navegação interior, e que logo abre concurso para a empreitada de construcção.

Nós não podemos ir agora moldar de um jacto em boa educação technica (miserando ensino da engenharia portuguesa...) essa pleiade de homens de que tanto carecemos para remoçar a nossa actividade: mas não será difficil escolher meia duzia de engenheiros com amor ao trabalho e a esta empresa.

Não faltarão concorrentes como empreiteiros, nem haverá dificuldades de obter trabalhadores adextrados. A imprensa, o regime de economia do Governo mostrará a terra como fonte de regeneração nacional.

Gente de capital? Os que vêem de África e do Brasil com alguns recursos e desejosos de trabalhar; os lavradores do Minho e da Beira que mandarão os filhos para aqui em vez de os desterrar para o Brasil, como tanto acontece.

Que seja a 30$000 réis o hectare o valor da terra. Cada lote de 50 hectares custará 1:500^000 réia. Com este valor terá credito para correçar a exploração agricola, tanto mais que nem nós precisamos das grandes machinas, caras, e que reclamam um tirocinio de manejo que o povo ainda não tem, nem carecemos de culturas muito especializadas.

Começaremos pelo prado em grande escala e pela criação de gado, bem depressa aperfeiçoavel com os padrões das granjas do Estado, pela cultura do trigo e do milho, de collocacão segura no país, como a carne e a lã.

Foi assim que se procedeu na conquista do f ar West: das colheitas americanas nos terrenos irrigados sobresaem as forragens e o gado; depois os cereaes, os productos horticolas, e por fim os frutos.

A irrigação do trigo tem sido relativamente pouco empregada nos grandes países productores, porque outras culturas mais rendosas pela agua se lhe avantajam. Mas o nosso déficit cerealifero enthusiasma á cultura aperfeiçoada e irrigada, e á utilização das machinas auxiliares de semear, ceifar e debulhar, hoje tão perfeitas e ao alcance do pequeno lavrador.

Duas palavras agora acêrca do lado financeiro do problema: os Estados Unidos da America do Norte começaram com o credito de 2.500:000$000 réis annuaes, contando gastar em dez annos 30:000 contos de réis, será mais trabalho legislativo que os parcos dez artigos da Reclamation Law; logo no primeiro anno empregaram 200 engenheiros, novos e velhos.

Este projecto de lei propõe 600 contos de réis annuaes por economias orçamentaes: as obras principaes da hydraulica agricola e de navegação que interessara ao país com urgencia podem custar 6 a 8 mil contos de réis. Não carecemos de annuidade maior.

Não podia ter havido com aquelle desenvolvimento que demos á viação, nem sempre bem feita, e quasi sempre cara, e com toda a obra publica desastradamente encaminhada das ultimas decadas da monarohia, grande melhoria economica do país.

O primeiro passo é este da hydraulica agricola, acompanhado da viação respectiva, porque devemos saber que tensos em quasi metade do país uma região excepcional, e que é justamente essa região que, podendo ser a nossa maior riqueza, nos traz o grande embaraço de não ser cultivavel sem agua, e não poder supportar sem penurias e emigração a escassa gente que vive dos seus campos ou dos seus productos mal industrializados.

Deixando entre nós á simples iniciativa particular o desenvolvimento da agricultura e da outra industria, não podemos esperar uma modificação rapidamente sensivel do atraso vergonhoso em que vivemos, porque o problema é complicado de factores que só o Estado pode resolver e desembaraçar.

As medidas que proponho, se parecem muito avançadas, não estão fora, julgo, das attribuições que o Estado deve tomar no interesse geral economico, industrial e moral.

Precisamos de criar uma geração nova de caracter verdadeiro e afincada no trabalho productivo o util para a nação. Havemos de recrutar como sempre nos trabalhadores da terra essa camada de gente de vontade - o que nos tem faltado - e precisamos para isso de proporcionar os elementos para que se dê a selecção dos fortes e dos de iniciativa na torrente da emigração e do uibanismo, e elles dentro do país comecem a regeneração economica. De pouco servirá, para esta solução urgente a tomar, começarmos agora, tarde e mal, a fazer uma campanha pela educação e illustração papagueada e letrada; menos nos aproveita de momento encaminharmos para as colonias as nossas attenções exclusivas e a nossa gente; desillusões amargas tambem nos havia de trazer tentarmos um grande desenvolvimento industrial, ou até somente equilibrarmos umas industrias com outras que fossemos introduzir, ainda que ao mesmo tempo desassombrássemos ou resolvêssemos o problema do trabalho, que tão alarmante se nos mostra, e tivéssemos ensejo, que não temos, de trazer uma educação industrial, perfeita em pouco tempo, ao nosso operario fabril. Tudo isso é necessario fazer-se. Mas agora temos de resolver num salto, muito depressa, o atraso de juizo que temos posto nos orçamentos com uns grossos numores de deficit, nós temos de entrar em um lustro a saldar a conta do nosso movimento commercial; e para isto é demorado em demasia qualquer d'estes expedientes, porque, antes de o obtermos estariamos arruinados em toda a linha.

Só a terra poderá salvar-nos: e havemos de ir tornar conta d'ella tal qual estamos, sem o povo educado e instruido nos melhores processos de a explorar. Mas a nossa gente estima tanto a terra - ha tantos Thomés da Herdade por esse país alem - e tambem ha tanta penuria nuns e um horizonte tão carregado para o futuro das familias de outros que hoje ainda possuem capitães, é tão sombrio o campo economico do país, que, não haja duvida, saibamos nós pôr depressa e bem o problema da irrigação em pratica, e um regime de parcellamento e de convite para a terra, que este mesmo povo bronco e rude que com a foice roçadoura e o forcado, ou a morder cartuchos e a carregar zagalotes, tantas vezes deu provas de heroismo e de amor á vida, saberá tambem amanhã ir tomar saude, educar a vontade, illustrar o espirito e salvar a nação a guiar a charrua e a guardar o gado no campo enorme de paz, de trabalho ao ar livre, de cantos e alegrias, onde hoje ha o deserto... para que nós povo faminto, tuberculoso e decadente, comecemos a ter o alimento indispensavel á conquista do nosso logar entre os povos. E podemos ser mais felizes do que elles, porque temos muita mais riqueza do que nenhum outro: de raça criadora que por aguas afora nunca d'antes navegadas "ia, é esforço lindo! do misterio obscuro para o mundo arrancar mais mundo, outro mar" de terra fertil que só falta regar e lavrar, de thesouros mineraes que devemos arrecadar com usura para mais tarde, quando formos cultos.

"Volta-vos á grei Serneae, colhei..."

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Artigo 1.° O producto da venda dos terrenos incultos do dominio nacional, conforme este decreto, a verba de 500:000$000 réis annuaes, obtidos por economias nas despesas orçamentaes de menos effeito productivo, mais réis 100:000$000 annuaes, ou a verba que se possa retirar sem differença do orçamento provincial de S. Thomé e Principe, são postos de lado como fundo especial do Thesouro Publico - fundo agricola - para serem empregados no estudo, construcção e conservação de trabalhos de irrigação, drenagem, arborização, e eventualmente de installações hydro-electricas tendentes ao fabrico de adubos chimicos ou á exploração da energia na agricultura e nas outras industrias, bem como a quaesquer medidas de utilização dos terrenos incultos.

Art. 2.° Consideram-se incultos os terrenos que não produzem rendimento util para seus donos, e ainda os de pousio em que as sementeiras se façam com intervallos superiores a dez annos.

§ 1.° Nas charnecas ou terrenos de mato, exploradas para adubos, pastagens ou combustivel, ter-se-ha em conta a area effectivarnente explorada com referencia ao numero de cabeças de gado, ao volume dos matos e lenhas cortados e ao do carvão fabricado e, feita ao total da area a deducção da parte necessaria á exploração existente, o resto será declarado inculto.

§ 2.° A existencia de arvores dispersas que não constituam montado ou mata regular e tratada não obsta a que os terrenos sejam declarados incultos.

§3.° Não se consideram, porem, incultos os terrenos de mato, abertos ou tapados, cujo producto seja vendido por seus proprietarios em periodos não superiores a cinco annos.

Art. 3.° O Ministro do Fomento mandará fazer com toda a brevidade a planta cadastral das terras alemtejanas, que será acompanhada por uma memoria parcelar, enviando-se d'aquella uma copia para cada concelho, e d'esta dando-se publicidade por trinta dias no Diario do Governo, findos os quaes, não havendo reclamações em contrario, os terrenos a que esses documentos se referirem serão declarados incultos para a applicação d'esta lei.

§ unico. As estações agrarias registarão as culturas que se forem fazendo e as modificações cadastraes.

Art. 4.° Qualquer individuo maior, ou collectividade, pode requerer na estação agraria correspondente aos terrenos incultos pertencentes a particulares o arrendamento por utilidade publica, por tempo não inferior a cinco annos, nem superior a dez, de um loto não inferior a 10 hectares, nem superior a 50, se os proprietarios dos terrenos se recusarem a arrendar ou a fazer parcerias de exploração agricola naquelles terrenos em condições toleraveis.

§ 1.° Dentro do prazo de vinte dias, ouvido o proprietario, será remettido pela estacão agraria ao Governo o requerimento com as indicações de prazo de arrendamento e da renda annual, louvada na memoria parcelar.

§ 2.° Perante a informação supra o Governo decretará o arrendamento por utilidade publica, dentro do prazo de trinta dias, durante o qual o proprietario pode evitar o arrendamento, depositando na repartição respectiva do concelho metade das rendas correspondentes ao pedido de arrendamento.

§ 3.° Expirando metade do prazo, e não tendo o proprietario arroteado os terrenos, a importancia da caução reverterá a beneficio do fundo agricola, e os lotes em questão passam ao dominio nacional.

Art. 5.° Os terrenos que não forem cultivados pelos seus proprietarios durante o prazo de cinco annos a contar da data era que tiverem sido declarados incultos serão declarados vagos e incorporados no dominio nacional.

§ unico. Nas propriedades de area superior a 500 hectares o proprietario poderá conservar inculta durante o prazo maximo de dez annos até metade da area total, quando tiver reduzido a cultura no prazo de cinco a outra metade.

Art. 6.° Os terrenos incultos do dominio nacional e aquelles que pelo cumprimento d'esta lei a elle forem passando, que não sejam susceptiveis de irrigação dentro do prazo de dois annos depois de declarados incultos, serão parcelados em lotes que não podem ter menos de 10 nem mais de 130 hectares, de acordo com um plano de exploração agricola para serem vendidos.

§ unico. Teem preferencia na compra dos lotes os rendeiros ou lavradores que mostrem possuir capitães bastantes para a exploração da terra, contanto que não tenham em qualquer parte do país mais de 50 hectares de terra cultivavel, não florestal.

Art. 7.° O preço é fixado por hectare no projecto de cultura; o pagamento é em dez annuidades, satisfeitas ellas passa o predio ao systema Torrens. Mas tambem pode o pagamento ser feito por uma só vez, e então o predio passa logo ao systema Torrens.

§ unico. Deixando de pagar tres annuidades, perde todo o direito ao terreno e ás annuidades pagas para o fundo agricola, e aquelle deve ser logo vendido a novo colono.

Art. 8.° Cada lote deve ter um oitavo em cultura no fim do segundo anno, e um quarto do terceiro por deante, o dono do lote só é dispensado de residir no seu terreno, quando não tiver nelle, ou nas immediações, agua para os usos domésticos; mas neste caso terá de manter em cultura, a partir do quinto anno, metade do terreno, sob pena de a outra metade regressar ao dominio nacional.

Art. 9.° O Ministro do Fomento fica desde já autorizado a mandar estudar por pessoal competente, destacado dos serviços hydraulicos, florestaes e meteorologicos, sem prejuizo, sendo possivel, dos serviços d'estes quadros, ou em commissão especial, um plano geral de irrigação, drenagem e arborização riba e alemtejanas, comprehendendo os açudes, reservatorios, albufeiras, canaes, poços artesianos, viveiros e matas, para que no começo de cada sessão legislativa o Ministro do Fomento possa informar, em face dos projectos orçamentados, da quantidade, qualidade e situação das terras que podem ser irrigadas, drenadas ou arborizadas, e de todos os factores relativos á praticabilidade de cada obra, qual projecto, ou secção de projecto, deve ser estudado definitivamente, ou passar a construcção, de acordo com este decreto; e tambem possa relatar o custo dos trabalhos em execução e dos que terminaram.

Art. 10.° Quando o Ministro do Fomento tive decidido como praticavel um projecto, abrir-se-ha concurso publico para a construcção, em secções convenientes como partes de um todo, comtanto que haja fundo agricola bastante, e por isso dar-se-ha noticia publica das terras particulares e do dominio nacional que podem ser beneficiadas pelo projecto a concurso, em planta geral topographica a curvas de nivel, com o systema de irrigação e viação a estabelecer, as parcelas do dominio nacional retalhadas em lotes, representando cada um o terreno com que uma familia poderá viver regularmente nas terras em questão depois de irrigadas, acompanhada de uma memoria parcelar indicando as confrontações dos terrenos, o regime da propriedade, os nomes dos proprietarios o localização administrativa, e de uma memoria agricola, concisa e nitida sobre a natureza do solo, arborização actual, culturas a fazer com êxito certo e recursos de irrigação do projecto, e tambem indicar-se-ha o encargo por hectare sobre as ditas terras e sobre as do dominio particular que possam tambem ser irrigadas ou drenadas, e o numero de annuidades, não superior a dez, em que taes encargos devem ser pagos, e a época em que deve começar a cobrança.

Estes encargos devem ser determinados com o fim de reverter ao fundo agricola o custo orçamentado da construcção do projecto, para se executarem, logo que for

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possivel, novos projectos. Nos trabalhos será o dia de oito horas uteis, e dar-se-ha preferencia maxima aos trabalhadores nacionaes.

§ 1.° No projecto indicar-se-hão todos os terrenos incultos. Decorrido o prazo de trinta dias a contar da publicação d'elle, não havendo reclamação em contrario, ficam declarados incultos para os fins expressos nesta lei.

§ 2.° Teem preferencia na compra de lotes os operarios ou trabalhadores das obras executadas por este decreto, e de entre estes os que tenham familia normalmente constituida, desde que provem que teeni dinheiro para pagar o lote por uma só vez.

Art. 11.° Os tarrenos incultos do dominio nacional não podem ser vendidos a um individuo ou familia em lotes superiores a 50 hectares, nem inferiores a 10; nem a individuos que já tenham mais de 50 hectares irrigaveis. O pagamento é em dez prestações annuaes na recebedoria do concelho, findas as quaes o predio passa ao systema Torrens; mas o pagamento tambem pode ser por uma só vez, passando logo ao systema Torrens.

Art. 12.° Cada proprietario adventicio-colono deverá ter em cultura, pelo menos, a quarta parte do seu terreno quando tiver pago metade das suas annuidades do projecto, para lhe ser garantido no registo predial, sem qualquer dispendio, o direito dos beneficios das obras. Nenhum proprietario local terá direito a beneficios por mais de 50 hectares, e nenhum direito a agua será concedido áquelle que não seja um residente actual de boa fé da sua terra ou das immediações; e nenhum direito ao beneficios do projecto lhe é garantido sem ter pago todas as annuidades.

§ 1.° Deixando de fazer tres pagamentos annuaes, perde todo o direito ao terreno e ás annuidades pagas, e áquelle deve ser logo outra vez vendido.

§ 2.° Os donos de terrenos incultos accessiveis ao projecto de irrigação ou drenagem serão obrigados a pôr em cultura ou em colonização a quarta parte d'esses terrenos dentro de metade do prazo do completo pagamento das annuidades do projecto, mas nunca fixando a cada individuo ou familia constituida menos de cinco hectares para cultivar, nem mais de cincoenta, sob pena de o Estado, por medida de interesse nacional, proceder immediatamente á expropriação d'essa quarta parte, e á sua colonização, recebendo então do Estado o dono do terreno a importancia em que elle for avaliado, sem attenção aos beneficios do projecto. E serão obrigados a cultivar ou colonizar metade do terreno irrigavel no prazo do completo pagamento das annuidades, sob pena da expropriação immediata por utilidade publica.

A colonização só poderá ter por base a renda ou a parceria, para o proprietario, e a venda para o dominio nacional. O colono tem de ser um residente bona fide do seu terreno ou das suas immediações.

§ 3.° Na elaboração de cada projecto reservar-se-ha as parcelas que forem convenientes para o estabelecimento de granjas, viveiros e matas nacionaes, cujos terrenos serão expropriados por utilidade publica.

Art. 13.° Os terrenos do dominio nacional não podem ser vendidos a estrangeiros. O preço por hectare é fixado por categoria de terreno, de acordo com o preço medio actual da região, sem attender á valorização possivel pela agua e pela viação.

Art. 14.° Não é permittida a divisão da propriedade, seja por que motivo for, em parcelas menores de cinco hectares. Não se pode cultivar vinha por mais de um vigésimo do terreno adquirido ao dominio publico.

Art. 15.° São isentos de impostos geraes directos os terrenos incultos dados por arrendamento ou parceria e todos os terrenos que eram do dominio nacional durante os primeiros cinco annos. Os registos e recibos correspondentes ás transacções das terras do dominio nacional e dos arrendamentos e parcerias são isentos de contribuições. Os colonos teem direito a plantas e sementes gratuitas dos viveiros das granjas e das matas nacionaes e a todos os beneficios d'estas instituições. As concessões são apenas agricolas.

Art. 16.° Para os effeitos da acquisição dos direitos de propriedade necessarios para a construcção dos projectos considera-se applicavel a lei de expropriação por utilidade publica. Nos terrenos do dominio nacional ou que d'elle provieram a expropriação faz-se por processo summario logo a seguir á approvação dos projectos e sem qualquer indemnização, excepto quando tome construcções.

Art. 17.° Na applicação d'este decreto attender-se-ha aos direitos adquiridos do uso de agua, tomando como base o beneficio actual, na sua medida e no limite do seu direito.

Art. 18.° O Ministro do Fomento empregará o fundo agricola na operação e conservação das albufeiras e das obras de irrigação, e quando julgar conveniente em credito agricola aos colonos.

§ unico. Quando todas as annuidades da maior parte dos proprietarios estiverem pagas, a operação e custeio do systema de irrigação passará aos donos das terras, medeante uma forma de organização conveniente. Mas a posse, direcção e operação dos reservatorios e os trabalhos necessarios para a sua protecção e laboração ficam a cargo do Governo até que se legisle em contrario.

Art. 19.° O Ministro do Fomento pode empregar tambem o fundo agricola para a construcção de obras de irrigação, drenagem ou arborização noutros pontos do país, quando as circunstancias a isso aconselharem, e é autorizado a fazer os regulamentos que forem necessarios e proprios para a execução rapida e larga d'esta lei.

Art. 20.° O Ministro do Fomento mandará fazer pelo fundo agricola as estradas, caminhos e obras hydraulicas necessarias para a execução dos projectos e para a serventia da região interessada, e dará attenção especial á viação que ligue estes centros agricolas com o país.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 26 de julho de 1911. = Ezequiel de Campos, deputado pelo circulo n.° 13, Santo Tirso.

Foi admittido e enviado á commissão de agricultura.

A Assembleia Nacional Constituinte, no intuito de harmonizar os interesses geraes da navegação com os interesses dos individuos que possuiam algumas derrotas no alto mar e respectivos diarios de navegação, antes da publicação do decreto de 10 de março do presente anno, o qual regulou os termos em que devem ser passadas as cartas de official piloto e de capitão da marinha mercante, e bem assim a carta de machinista da mesma marinha mercante, entendendo que este assunto é de toda a urgencia e não pode esperar pela promulgação de um decreto que abranja de um modo geral este e outros assuntos referentes á marinha mercante, faz saber que em nome da Republica se decreta, para valer como lei, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Aos individuos que, á data da publicação do decreto de 10 de março do presente anno, tiverem logrado approvação em qualquer dos exames do curso de pilotagem, é permittido embarcar na situação provisoria de ofiicial-piloto, logo que obtenham approvação no exame do 2.° anno do respectivo curso e apresentem derrotas coin trezentos e sessenta e cinco diarios de navegação no alto mar, pelo menos, com os cálculos exigidos pelo regulamento de 15 de setembro de 1888 e pelo despacho ministerial de 14 de novembro de 1908.

§ unico. A carta de official-piloto, regulando definitivamente a situação dos interessados, só lhes será passada, depois de apresentarem sessenta diarios, preenchidos em navegação no alto mar, feita depois da approvação no segundo e ultimo exame do curso de pilotagem, nos termos precisos do decreto de 10 de março do presente anno.

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Art. 2.° Aos individuos que, á data da publicação do decreto de 10 de março do presente armo, não tiverem logrado approvacão em algum dos exames do curso de pilotagem, é permittido embarcar na situação provisoria de official-piloto, logo que obtenham approvação no exame do 2.° anno do respectivo curso e apresentem derrotas com trezentos e sessenta e cinco diarios de navegação no alto mar, pelo menos, com os cálculos exigidos pelo regulamento de 15 de setembro de 1888 e pelo despacho ministerial de 14 de novembro de 1908.

§ unico. A carta de official-piloto, regulando definitivamente a situação dos interessados, só lhes será passada, depois de apresentarem cento e vinte diarios, preenchidos em navegação no alto mar feita depois da approvação no segundo e ultimo exame do curso de pilotagem, nos termos precisos do decreto de 10 de março do presente anno.

Art. 3.° Se os individuos, a que se referem os dois artigos anteriores, não possuirem derrotas com trezentos e sessenta e cinco diarios de navegação, pelo menos, na data em que lograrem approvacão no exame do 2.° anno do curso, só lhes será passada a autorização temporaria para andarem embarcados na situação provisoria de official-piloto, depois de completarem os referidos trezentos e sessenta e cinco diarios de navegação.

§ unico. Os diarios de navegação, preenchidos depois da approvacão do segundo e ultimo exame do curso, serão respectivamente incluidos na contagem dos sessenta diarios a que se refere o artigo 1.°, e igualmente na contagem dos cento e vinte diarios a que se refere o artigo 2.°

Art. 4.° Os diarios de navegação, que forem preenchidos depois da approvação do segundo e ultimo exame do curso de pilotagem, devem apresentar os calculos exigidos pelo decreto de 10 de março do presente anno.

Art. 5.° Os diarios de navegação a vapor do curso de machinistas mercantes, os quaes forem preenchidos antes ou depois da approvação do ultimo dos exames dos respectivos cursos, devem ser reconhecidos pelas empresas de navegação e armadores, ou pelos seus representantes, nos devidos termos do decreto de 10 de março do presente anno.

§ unico. O reconhecimento dos diarios de navegação e de machinas é dispensado nos diarios concluidos em data anterior a 10 de março do presente anno, quando os interessados provem que não pode ser satisfeito.

Art. 6.° Fica abolida a legislação em contrario.

Sala das Sessões, em 27 de julho de 1911. = José Nunes da Mata.

Foi admittido e enviado á commissão de marinha.

Tendo sido publicado no mês de junho proximo preterito um decreto que regula e estabelece a nova hora que deve vigorar em Portugal e colónias no proximo anno de 1912, e tendo tambem sido publicado pelo Governo o opusculo que ensina o modo de contar a nova hora e a data do mês, e sendo de toda a conveniencia que o publico seja, com antecedencia, elucidado sobre este assunto, proponho o seguinte projecto de lei:

A Assembleia Nacional Constituinte decreta:

Artigo 1.° Para elucidação do publico e dos estabelecimentos publicos e particulares com relação ao emprego da nova hora e conhecimento dos fusos horarios, que devem regular a partir de 1 de janeiro de 1912, se determina que o opusculo intitulado a Nova hora e os fusos horarios seja largamente distribuido:

1.° Escolas superiores, secundarias e primarias;

2.° Repartições e estabelecimentos publicos de qualquer categoria;

3.° Camaras municipaes;

4.° Governos civis e administrações de concelho;

5.° Consulados portugueses;

6.° Associações de classe do país;

7.° Membros da commissão que elaborou o projecto de lei e o opusculo.

Art. 2.° Os opusculos que crescerem, depois de feita a distribuição indicada no artigo anterior, serão postos á venda nas livrarias do país ao preço de 50 réis.

Art. 3.° Na Escola Naval serão ministrados todos os dias, com excepção dos sabbados e domingos, das onze doze horas, os esclarecimentos e explicações referentes ao assunto, a quem desejar ser melhor esclarecido.

Art. 4.° Fica abolida a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de julho de 1911. = José Nunes da Mata.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação.

Artigo 1.° Nenhum individuo, por quaesquer titulos de nomeação ou por quaesquer serviços publicos, poderá perceber do Estado, conjuntamente, um soldo e um ordenado, nem mais de um soldo ou de um ordenado.

§ unico. Entende-se por ordenado ou ordenado de categoria a parte do vencimento que serve de base ao calculo da pensão de aposentação.

Art. 2.° E permittida, porem, a accumulação, no mesmo individuo, de um soldo ou de um ordenado com uma ou mais gratificações, quando, nos termos da presente lei, se possa realizar a accumulação de funcções.

§ unico. Entende-se por gratificação quer a parte do vencimento, que, concedida a titulo de exercicio, não constitue direito á aposentação, quer a remuneração eventual de funcções ou serviços transitorios.

Art. 3.° São prohibidas as accumulações:

1.° De serviços ou funcções cujo desempenho tenha de realizar-se ás mesmas horas;

2.° De dois cargos remunerados de secretaria nos ministerios e repartições ou estabelecimentos dependentes do Estado ou pelo Estado subsidiados;

3.° De funcções e remunerações, embora transitoriamente, da magistratura judicial e administrativa, com as funcções e remunerações de quaesquer outros cargos publicos ou particulares.

§ unico. Exceptuam-se da prohibição do n.° 3.° d'este artigo:

a) As commissões de organização judicial, de coodernação de legislação e em geral todas as que, por sua natureza, se referirem ás funcções, regulamentos e disciplina da magistratura judicial e administrativa;

b) As gratificações pelo exercicio do magisterio official e os vencimentos dos presidentes dos tribunaes de honra.

Art. 4.° São permittidas as accumulações:

1.° Das funcções do magisterio com as de qualquer cargo militar, civil ou da magistratura, sempre que essas funcções se exerçam em horas diversas das determinadas para o exercicio do cargo;

2.° Do exercicio do cargo militar, civil ou da magistratura com o de qualquer logar de nomeação do Estado, mas não remunerado pelo Estado, desde que o desempenho do logar não prejudique o do serviço publico.

Art. 5.° O desempenho dos cargos que derem direito ao abono do soldo ou ordenado é sempre obrigatorio, não podendo realizar-se o exercicio de quaesquer accumulações permittidas nesta lei, nem o respectivo abono de gratificações, quando por qualquer motivo cesse o desempenho do cargo.

Art. 6.° A todo o individuo que desempenhar diversas funcções de serviço publico, será abonado, por inteiro, o maior dos seus vencimentos, e cada uma das outras remunerações será considerada como gratificação e abonada na razão de 50 por cento do que perceberia se não houvesse accumulação.

§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição os vencimentos dos membros dos tribunaes de honra, os quaes serão abonados por inteiro.

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Art. 7.° Todo o professor de escola civil de qualquer grau de ensino official, e seja qual for o Ministerio de que dependam o estabelecimento ou estabelecimentos onde exerça o magisterio, só poderá perceber por inteiro o vencimento de categoria quando não perceba outro d'essa natureza por funcções estranhas ao magisterio.

Desempenhando outro Jogar fora do magisterio ou exercendo o magisterio em mais de um estabelecem até de ensino, só o maior vencimento lhe será abonado como de categoria e por inteiro; todos os mais, lhe serão abonados na razão de 50 por cento do que lhe caberia se não accumulasse.

Art. 8.° A nenhum individuo em serviço activo será permettido perceber do Estado, por accumulação de quaesquer remunerações, quantia superior a 3:000$000 réis por anno.

Art. 9.° Nenhum funccionario, civil ou militar, aposentado na situação de reserva ou reformado, poderá sob qualquer pretexto perceber do Estado ou das corporações administrativas vencimentos que, sommados á respectiva pensão de aposentação, reserva ou reforma, produzam quantia superior á que perceberia se estivesse em effectivo serviço das funcções pelas quaes obteve a mesma pensão, e em caso algum mais de 2:000$000 réis annuaes.

Art. 10.° Nas folhas de vencimento do pessoal deverão indicar se em cada mês, em relação a cada funccionario, as importancias das demais remunerações que percebeu no mês anterior, sob qualquer pretexto ou designação, ficando todos os funccionarios obrigados a prestar a competente declaração, desde já, por escrito, nas repartições onde se processam as folhas, e sempre que a declaração de agora soffra alteração, sob pena de suspensão de vencimentos e processo disciplinar.

Art. 11.° As ajudas de custo, despesas de representação e remunerações por trabalhos extraordinarios não são levadas em conta para as disposições da presente lei, uma vez que, quanto ás ultimas, não excedam metade do ordenado ou não abranjam mais de dez meses no anno economico.

Art. 12.° Os funccionarios em exercicio de logares civis, com residencia fornecida pelo Estado, deixarão de perceber os vencimentos descritos como gratificações de exercicio dos logares que lhes derem direito a residencia.

Os que tiverem direito a compensações para moradia, residencia ou aposentadoria, perderão igualmente as gratificações de exercicios.

§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição os professores de instrucção primaria e os funccionarios cujo serviço, por sua natureza, exigir permanencia na repartição ou estabelecimento em que é prestado.

Art. 13.° O militar que exercer funcções que impliquem a suspensão do abono de soldo, nunca poderá perceber, como ordenado, o soldo da sua patente, e sempre perceberá, como ordenado de categoria, o que competir ao logar que estiver desempenhando.

Art. 14.° Todo o servidor do Estado, civil ou militar, que acceitar commissão remunerada do Estado que o afaste das suas funcções, perderá o direito ao seu ordenado ou soldo emquanto exercer a commissão; não perderá, porem, o direito á contagem de tempo para a aposentação ou reforma.

Art. 15.° As funcções de Presidente da Republica, Ministros de Estado, membros do Parlamento, magistrados judiciaes, membros dos tribunaes administrativos, directores geraes, chefes de repartições das Secretarias de Estado e empregados do Ministerio das Finanças, são incompativeis com as de gerentes, directores, administradores e membros de conselhos fiscaes de companhias ou empresas que tenham contratos com o Estado, gosem de favores ou concessões do Estado ou dependam, no seu commercio ou na sua industria, da fiscalização do Estado.

Art. 16.° Ficam revogadas as disposições em contrario.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 25 de julho de 1911. = O Deputado por Lisboa, José Barbosa.

Foi admittido e enviado á commissão de accumulações.

Srs. Deputados.- Só é uma Republica digna d'este nome aquella que, correspondendo ás ideias e aos fins que pretendem attingir-se e realizar-se na nossa época, for uma Republica eminentemente democratica, igualitaria e social.

Se tirarmos á Republica o Socialismo-diziam já em 1848 alguns revolucionarios franceses - a Republica ficará o que foram todas as Republicas do passado: - burguesa, individual, feudal, tendente ao despotismo, numa palavra, Republica insocial!

Nesta laboriosa e fecunda aurora do seculo XX, a Revolução está acima da Republica.

As questões economicas, de libertação, de resgate, de emancipação e de salvação do proletariado, occupam o primeiro plano nas locubrações dos parlamentares e estadistas que verdadeiramente o são.

A evolução opera-se nos phenomenos soeiaes, como se opera no mundo physico; e, pretender entravá-la, ou illudi-la com meros paliativos, é enganar a propria consciencia, e praticar um crime de lesa-humanidade, contra todos os que, trabalhando, pensam, sentem, soffrem e amam, ou seja um ideal de belleza, ou seja um ideal de justiça, de bem-estar, de harmonia e de felicidade commum.

Accessivel como está a sciencia, e espalhada como anda já a philosophia das concepções sociaes mais perfeitas, os que trabalham, mesmo a grande maioria, embora de um modo evidentemente rudimentar, já hoje sabem que o burguesismo devorou o feudalismo tradicional, exactamente como o socialismo ha de devorar o capitalismo.

Já hoje sabem, pelo menos, que o escravo antigo, sendo uma propriedade do seu dono, interessado em o valorizar e o preparar para a producção, e para a reproducção da especie, que devia dar-lhe novos escravos, tinha, da parte do seu senhor, na doença, no desastre, na paralysação do trabalho, e mesmo na invalidez, habitação, pão, cuidados, e assistencia certos, que o escravo moderno não tem, da parte d'aquelles que só por um euphemismo cheio de benevolencia se chamam chefes ou patrões.

Se o escravo antigo era considerado uma cousa, o escravo moderno é considerado um semovente, que, todavia, mercê da lei da concorrencia, da offerta e da procura, tem de se alugar por preço inferior ao de uma cavalgadura, e sem que com elle se tenham os cuidados que se tem com esse irracional.

E, se não, vejamos:

Ha uma crise, ou uma paralysação de trabalho?

Passe fome!

Adoece?

Vá para o hospital!

Fica sem braços, ou sem pernas?

Vá esmolar!

Envelheceu?

Mendigue, ou, se lhe for possivel, entre num asylo!

É mulher, á qual, por trabalho igual, se pagou um terço do salario?

E simples: - prostitua-se!

Os escravos antigos eram mais felizes. As suas ambições, pelo proprio estado da sua mentalidade, eram mais restrictas. Se não sabiam ler, tambem os seus senhores muitas vezes o não sabiam. Se não tinham exigencias espirituaes, tambem os seus senhores as não tinham. Se não tinham boa mesa, luz electrica, trem, automóveis, grandes gozos e commodidados, tambem os dos seus senhores eram bem limitados.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 11

O contraste é agora mais vivo e mais affontoso.

Ante a lei da concorrencia, ou um conflicto do capital com o trabalho, só tem probabilidades de arranjar occupação o que se alugar mais barato, ou o que mais prontamente attraiçoar o elo de solidariedade que deve manter com os seus camaradas, - uma nova forma de corrupção de caracter.

Mas tem liberdade! - dizem os politicos de officio. Sim, tem liberdade, mas a liberdade que fez cessar o azorrague para o substituir pela lei de bronze do salariato e pela lei infernal da offerta e da procura.

A liberdade de morrer de fome, a liberdade que deixou milhões de bocas sem pão, muitos milhares de desgraçados sem abrigo e milhares de familias na nudez e na miseria mais revoltantes, mesmo na hora em que os armazens abarrotam de manufacturas e de generos alimenticios.

A liberdade! Mas a liberdade não mata a fome, não veste os descamisados, não calça os pieds-nus, não dá abrigo aos sem casa, nem sequer mata a sede aos sequiosos... de justiça. Mas a liberdade, como dizia "Tules Simon, "é a igualdade de direitos", e como escreveu Louis Blanc, "não é somente um direito, mas tambem um dever"... a certeza de que ha jantar para hoje e almoço para amanhã.

A liberdade! Mas que se importa o proletario de estoirar de liberdade, se tem o estômago a rebentar de fome?!

Srs. Deputados: Eu não trago para aqui palavras subversivas, habituado, como ando, a não as dizer nem mesmo áquelles para quem o trabalho é ainda hoje, não uma funcção social elevada, digna, desejada, suave e apetecida, mas, nessas galés modernas que são as fabricas, as officinas e os ateliers, a degradante condemnação do preceito biblico - "amassarás o pão com o suor do teu rosto", - a escravidão antiga aperfeiçoada pelo dinheiro e pela mecanica, uma vida de dores, de miseria e de agonias, sem remedio, sem linitivo e sem fim.

Eu tenho dito. lá fora, aos desgraçados, que se a sociedade capitalista se não formou de um jacto, tambem a elles lhes é impossivel transformá-la de assalto, numa revolução rapida, ou por meio de uma catastrophe sangrenta, mas por uma evolução logica, pela acção e pela vontade, conjugadas, dos homens, dos phenomenos sociaes e dos acontecimentos.

Eu tenho dito, lá fora, que toda a obra do progresso humano, quer nos dominios da natureza, quer nos dominios do espirito, quer ainda nos dominios da emancipação politica ou social, se tem realizado, não por meio de saltos bruscos, que são tão impossiveis na natureza, como no dominio das concepções da philosophia social, mas por etapes infelizmente lentas, embora successivas, sujeitas como estão tambem a leis quasi immutaveis e imprescritiveis.

Eu conheço bem a linguagem revolucionaria, sei que o feudalismo capitalista é muito mais feroz e repugnante do que o feudalismo tradicional, porque é mais despotico e mais hypocrita, mas não a empregarei aqui, perante homens que d'isso estão tão profundamente convencidos como eu mesmo, nem a emprego lá fora estimulando os famintos a uma revolução que lhes seria fatal.

Vós sabeis bem que as desigualdades e iniquidades sociaes se aggravaram e tornaram mais afrontosas, pelas leis do salario e da offerta e procura, pela concentração da propriedade, do capital, dos instrumentos de producção, pelo monopolio, emfim, de todos os thesouros e riquezas sociaes, na mão de uma minoria ventruda e bem jantada.

Vós sabeis que essas desigualdades converteram o homem em lobo do homem, - homo homini hipus.

Vós sabeis muito bem que, no conflicto do trabalho com o capital, succede o que naturalmente não pode deixar de succeder, isto é, que os mais fracos - os proletarios - são devorados pelos mais fortes - os patrões; - que os pobres e desherdados são fatalmente esmagados pelos ricos e poderosos, e que, por isso mesmo, a luta entre os homens se tornou mais cruel que entre os irracionaes, sendo assim impossivel metter uma paz, profunda e duradoura, entre pobres e ricos, fracos e fortes, escravos e senhores, fartos e famintos, exploradores e explorados.

Vós sabeis igualmente que se criaram duas classes entre as quaes a luta é actualmente titanica e quasi irreductivel, porque de um lado estão os que gozam, integral, o lauto banquete da vida, tendo tudo quanto precisam e até o superfluo, e esses, em regra, são os ociosos, os inuteis, os parasitas, ou, pelo menos, os que, pouco ou nada produzem, e, do outro, estão os que tudo produzindo, só ganham, não o necessario para as suas funcções de existencia e de reproducção da especie, mas apenas o necessario para irem morrendo lentamente de fome, de desespero e de desesperança.

Vós sabeis que de um lado estão os gozadores, os que se divertem, folgam e riem, e do outro estão os que choram eternamente, a debaterem-se no soffrimento, no infortunio, e na miseria, nas vascas de uma agonia sem linitivo, sem conforto e sem termo.

De um lado estão os que viajam, fazem boas digestões, e percorrem toda a gamma dos prazeres, e dg outro estão os que, agonizando no seu tragico desespero, só no suicidio, ou na morte natural, encontram o fim da noite eterna do seu cativeiro e da sua desgraça sem outro remedio.

E depois, reparae nisto, Srs. Deputados: Quem anda descalço? São precisamente os sapateiros, - os filhos d'aquelles que consomem a vida a fazer sapatos! Quaes os que não teem um fato? Os filhos dos alfaiates! As que não teem vestidos? As costureiras, que passam a vida a fazer toihttes caras! Os que não teem abrigo, ou sequer uma pedra para encostarem a cabeça em febre? Os filhos dos pedreiros, que levam a vida a construir palacios sumptuosos! Os que não teem pão? Os filhos dos padeiros!...

Mas serão ao menos, felizes os ricos? Uma tão infame organização social, fará, sequer, a felicidade dos poderosos?

É ver. O rei D. Manuel teve de fugir ante as granadas dos revolucionarios. O actual Ministro das Finanças, que é proprietario rico, vive aterrado com a ideia das cheias e dos temporaes. O sabio Presidente do Conselho viu-se amarello com o crack do Credito Predial. O capitalista tem cauchemars por causa das incertezas na segurança dos seus capitães. O jurista teme a bancarrota dos governos. O industrial apavora-se com as crises da abundancia manufactureira. O armazenista não dorme, a pensar nos fornecidos que abrem fallencia, ou nos stocks immensos em retem. O commerciante aterra-se com os fiados e com o receio de não poder pagar as letras dentro dos prazos. O banqueiro vive em sobresaltos constantes. O padre a Deus que mate quem o farte. O advogado que Deus desavenha quem o mantenha. O proletario... ah! esse, coitado, soffre a proposito de tudo, e a proposito de nada. Para esse basta um capricho, um mau humor, ou uma vingança mesquinha e sem pés nem cabeça.

Estupida organização social que não faz a felecidade de ninguem, e produz um continuo mal estar e a infelicidade de todos, - até dos ricos!

Como se tudo aquillo fora pouco a pesar sobre a desgraça infinita e sem remissão dos proletarios, ainda por

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cima se mete, entre elle e o productor, toda uma immensa engrenagem de energias e actividades parasitarias, dispensaveis, caras, e inuteis, caracterizadas e reunidas nessa figura de cigano, falsificador e envenenador de generos, que é tantas vezes o commerciante.

Os commerciantes seriam intermediarios dispensaveis, a dentro de uma organização social que, ao contrario de ser estupida e iniqua, fosse sensata, bem equilibrada e humana.

Nesse campo largo da economia dos povos, observam se es phenomenos mais disparatados e brutaes.

Os commerciantes pesam, como chumbo... candente, na economia dos desgraçados; e emquanto estes vão pagando caros, como diamantes da Golconda, os alimentos que os envenenam, aquelles vão fazendo fortunas colossaes, com que edificam palacios principescos, e se dão habitos fidalgos de quadrilheiros aposentados.

Os pobres dos consumidores carregam não só com o luxo dos estabelecimentos, dos alugueres caros, dos armazens vastos, dos agentes, dos caixeiros viajantes, de praça, e de balcão, mas, ainda por cima, com os preços dos annuncios, dos reclames, das taboletas ricas, dos fretes e transportes dispensaveis, de toda uma aluvião de gastos e actividades parasitarias.

Resulta d'ahi que o pobre proletario tem de pagar quanto compra pelo dobro do preço que lhe custaria dentro de uma organização social em que os intermediarios, por inuteis, fossem garrotados.

Resulta d'ahi que o Governo da Republica applicou os 500:000$000 réis da lista civil á reducção no imposto do consumo, que essas centenas de contos, em vez do melhorarem as condições de existencia das classes pobres, ficaram nas mãos dos intermediarios commerciantes, e que as classes pobres jamais tiveram de comprar os generos de primeira necessidade por preços tão excessivamente fabulosos como os que lhes custam actualmente.

Que mereciam esses cavalheiros de industria?

Uma solução bem simples e bem merecida: que o Governo abrisse quatro grandes armazens nos quatro bairros d a cidade, e que elle mesmo fosse o intermediario entre os productores e os consumidores, reservando os lucros das suas operações, que deviam ser enormes, embora com enormissimas vantagens publicas, para fazer face ás despesas que naturalmente lhe resultariam da adopção d'este projecto de lei.

Mas, desculpae-me, Srs. Deputados. A medida era boa, mas, d'esta vez, confesso, estou sonhando...

Prometti não trazer para aqui palavras subversivas, e eu, em verdade, não julgo que o sejam as que vou reproduzir do grande estadista inglês Gladstone:

"Um dos lados mais tristes do presente estado social é que o aumento constante das riquezas das classes elevadas e a accumulação do capital sejam acompanhadas de uma diminuição na potencia consumidora do povo, e de uma maior somma de privações e soffrimentos entre as classes pobres".

Foi talvez por assim o pensar tambem que o meu collega solicitador Lloyd George, Ministro da Fazenda de Inglaterra, ali iniciou a revolução social e economica de que vós, Srs. Deputados, decerto tendes perfeito conhecimento, e entre cujas medidas se encontra precisamente o seguro obrigatorio para os operarios,

Receita, entre nós?

Foi precisamente essa a objecção que se oppôs a Lloyd George, sendo de notar que coincidiu exactamente com o momento em que a famosa Albion procurava dotar-se com mais alguns vasos de guerra... para a paz.

Lloyd George, porem, não se sentiu embaraçado. E sabeis onde foi buscar receitas? Onde as havia. Aos ricos, derramando-lhes um imposto proporcional e progressivo.

Talqualmente, Srs. Deputados, o que vós mesmo poderieis fazer. Poderieis fazer muito mais, seguindo o exemplo do que teem feito, quasi sempre, os governos, revolucionarios ou saidos das revoluções. Esses Governos - di-lo a Historia - quasi sempre lançaram impostos obrigatorios sobre os ricos.

A Constituinte tem ainda poderes mais amplos do que o Governo provisorio. Representa a Nação, porque saiu d'ella, e representa o proprio Governo, que é agora principalmente seu.

Custe o que custar, doa quem doer, é indispensavel assegurar o direito á existencia a todos os cidadãos, direito primordial e fundamental, porque é o direito á vida, o unico verdadeiramente natural e imprescritivel da condição humana.

O imposto forçado e com fins tão humanos sobre as grandes fortunas de 4.000:000$000, de 8.000:000$000, de 10.000:000$000 e de 14.000:000$000 réis, taes como as que existem em Portugal, perfeitamente escandalosas num país quasi minusculo na metropole, não seria uma expropriação, não seria um abuso, não era de modo nenhum uma iniquidade e bem ao contrario, uma vez que a expressão economica e financeira do imposto resulta naturalmente da lei biológica da cooperação, na vida social, dos agregados individuaes que possuem, é precisamente onde essa cooperação está, inerte e indifferente, que muito logicamente se deve ir buscar. Ter milhares de contos é ter uma inutilidade pessoal e social, e é um crime e uma affronta a todos os que não teem pão.

O limite maximo das fortunas em 300 contos seria uma medida justa, porque com essa somma, já fabulosa, não havia familia, assim rica, que não podesse viver "á grande", num país onde a enorme maioria vive sem ter um real de seu.

Notae, porem, Senhores Deputados, que eu não proponho o limite das fortunas. O que eu quero dizer, afinal, é que é uma tremenda iniquidade ter eu, que vivo do meu trabalho honesto, de pagar mais de 200$000 réis de contribuições, emquanto o Sr. José Maria dos Santos, por exemplo, que é muitas vezes milionario, e vive do trabalho dos outros, paga apenas 2:000$000 réis.

E o caso do ministro inglês Lloyd George, ao exclamar no seu discurso de New-Castle:

"Eu digo a todos os lords, a todos os grandes proprietarios monopolizadores do territorio inglês: - Ha muito tempo que vós tendes escapado ás contribuições que os mais cidadãos pagam. Pois chegou agora a vossa vez, e haveis de pagar!"

Eu só peço isto mesmo.

Por toda a parte, no parlamento allemão como no inglês, no francês como no italiano, as questões de soccorro, de assistencia a doentes, estropiados e incuraveis, de pensões civis a viuvas e orfãos, de socialização ou municipalização dos serviços publicos, de immunidade ou isenção de certos bens de raiz, indispensaveis para a subsistencia da familia (homestead), etc., etc., estão actualmente na ordem do dia.

A razão por que a monarchia portuguesa caiu, estrondosa e vergonhosamente, foi porque, com infame egoismo, tratou de si, sem cuidar dos interesses e bem-estar das classes productoras.

Á garantia de existencia dos seus inditosos subditos, preferiu a garantia, para si propria, e sobrepticiamente, de adeantamentos, faustos, festas e regalos, num delirio de grandesas verdadeiramente escandaloso.

Ai! da Republica, decerto incapaz de seguir tal orientação, se, ao menos, falhando á sua missão historica e ás promessas da sua propaganda, embaraçar as consequencias inevitaveis da sua propria proclamação.

Verdade, Justiça e Solidariedade, tal é a verdadeira

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divisa dos estadistas e parlamentares democraticos dos Estados modernos.

Os homens enkistados ás ideias mortas de um passado sombrio, e que não volta, sustentam que é impossivel garantir o pão a todos e a cada um.

E deploravelmente certo que o mundo está, ainda cheio d'essas corujas do egoismo. Foi sempre esse o grito principal e favorito de todos os reaccionarios e apóstolos do obscurantismo e da miseria do povo, os quaes, nas transformações sociaes, só teem podido ser desalojados pelas revoluções gloriosas ou pelas imposições colericas e triumfantes das praças publicas.

Sim, é impossivel!

Mas impossivel só para que os milionarios durmam tranquillos sobre os seus cofres fortes, atulhados de valores á custa de milhões de familias de proletarios, que ou morrem de fome á porta dos seus palacios em festa ou morrem de miseria nas trapeiras e alfurjas sem ar, sem sol, sem hygiene, sem cubagem, sem agua e sem luz, ou, pelo suicidio, cortam o fio de uma vida que é um supplicio infernal escapado á visão tragica do Dante.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade são palavras ocas e vazias de sentido, uma divisa vã e sarcasticamente irónica para os que morrem sem soccorro, sem abrigo e sem pão.

Igualdade! Suprema irrisão! Tão iniqua e tão escarninha, que vae até alem da morte, uma vez que uns vão para as valas communs dos cemiterios - os chamados campos santos da igualdade! - embrulhados numa serapilheira, porque estoiraram de fome ou com os pulmões desfeitos pela tuberculose, emquanto os outros vão, em urnas marchetadas a oiro, para tumulos tão sumptuosos que são a affronta de toda a humanidade que soffre, e porque rebentaram de indigestões e de fartura.

Igualdade! Mas á igualdade de direitos, e á igualdade de deveres, deve corresponder a igualdade dos meios, e a igualdade das condições, sem o que o melhor que a Republica tem a fazer é riscar essa palavra da sua divisa, para que não continue a ser um escarneo para os desgraçados, e uma affronta a toda a consciencia humana.

Honroso será, evidentemente, para a Republica Portuguesa ter uma Constituição sabia e democratica. Mas o que verdadeiramente immortalizará esta Assembleia Nacional Constituinte, o que fará com que sobre fila chovam as bênçãos de todos os que trabalham e não possuem, e os applausos de todos os povos cultos do globo, será a grandeza de garantir, com efficacia e verdade, a existencia de todos quantos collaboram ou collaboraram na accumulação do colossal reservatorio das riquezas sociaes.

Senhores Deputados! Seguro obrigatorio do proletariado e organização do Estado em bases firmes, estaveis, e seguras, são noções indissoluvelmente ligadas, e imprescindiveis, para a historia e para a gloria da Patria Portuguesa.

A organização do Estado e a consolidação da Republica, que tanto prometteu, e da qual tanto se esperava, seriam inconcebiveis com o seguro facultativo.

O Estado não pode concorrer com as sociedades particulares, nem disputar-lhes a clientela, sem comprometter a sua dignidade moral.

E o Estado deve ter uma moral, embora se fosse ás escolas supprimir a moral religiosa, sem que immediatamente se substituisse por outra, laica, civica, positivista, racional, ou solidarista, que era a melhor, e dentro da qual cabiam todas as concepções religiosas, politicas ou philosophicas.

O que resultaria d'aquella concorrencia? Resultaria, pela certa, que o Estado só obteria para si os maus seguros.

Taes são, Srs. Deputados, as razões por que o presente projecto, seguindo as ideias de ha muito dominantes em varios países, se funda na obrigatoriedade do seguro. E como organizar essa forma de seguro?

É o que vae ver-se do projecto que segue, vasado nos moldes mais autorizados da legislação europeia sobre o assunto.

E receita para essa despesa? - perguntareis vós mais uma voz.

Pois bem, Srs. Deputados, sem insistir nas indicações que já fiz, e que decerto vos parecerão demasiadamente violentas, promettei-me a approvação de projectos de lei mais suaves, em que eu procurarei criar essa receita, e ella apparecerá para o seguro obrigatorio dos trabalhadores e para muito mais.

E, de qualquer modo, que aquelles que começaram por pedir subsidios para todos nós, e, logo em seguida, recompensas para outros, se não dêem á precipitação de estranhar que uma voz se levante, aqui tambem, para pedir alguma cousa para o povo trabalhador... e faminto.

Como esse tem sido esquecido, até já mesmo não será sem tempo a apresentação do seguinte projecto de lei:

CAPITULO I

O seguro obrigatorio. A Caixa de Solidariedade Social

Artigo 1.º Para obviar, tanto quanto possivel aos males resultantes da incapacidade de trabalho, total ou parcial, produzido por accidentes, doença, desemprego ou velhice, é instituido o seguro obrigatorio para todos os trabalhadores de um e outro sexo.

Art. 2.° O serviço financeiro d'esta instituição terá, em cada districio, uma organização independente, sob a immediata inspecção do Estado. A sua direcção será confiada a um conselho, cuja composição e attribuições dependerão de regulamento especial.

Art. 3.º Competirá á Caixa Geral de Depositos centralizar superiormente todos os serviços do seguro obrigatorio, numa repartição que se denominará Caixa Nacional do Seguro Obrigatorio dos Trabalhadores.

§ unico. O seguro será contra os accidentes no trabalho, a doença, o desemprego, a velhice ou a senectude.

CAPITULO II

Das quotas

Art. 4.º A quota de cada segurado será fixada por uma tabella feita pelo Conselho Districtal, em presença da media dos salarios, e segundo a natureza das industrias da região e dos respectivos riscos do trabalho. Essa tabella será sujeita á approvação do Estado.

Art. 5.º A quota será paga pela forma seguinte: 40 por cento pelo Estado, 50 por cento pelo patrão e 10 por cento pelo segurado.

§ unico. O patrão fica autorizado a reter estes 10 por cento, que depositará com os 50 por cento que ficam a seu cargo.

Art. 6.º Os que trabalham aos dias serão obrigados a segurar-se a si proprios e a pagar, com regularidade e de antemão, uma quota que será opportunamente fixada.

Art. 7.º Os patrões são obrigados a pagar, com antecedencia e mensalmente, as quotas devidas pelas pessoas que estiverem ao sou serviço.

Art. 8.º As quotas em divida cobrar-se-hão executivamente, como as contribuições geraes do Estado.

§ unico. Em caso de quebra gozarão da natureza dos creditos privilegiados.

CAPITULO III

Dos accidentes

Art. 9.º O segurado, ferido em qualquer accidente, receberá uma somma que lhe será paga, o mais tardar, vinte dias depois do mesmo accidente, e durante todo o tempo de incapacidade para o trabalho.

§ unico. Essa somma será calculada pela media do seu salario diario.

Art. 10.º Quando do accidente resultar incapacidade absoluta, essa somma será de 60 por cento, e, quando a

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incapacidade for relativa, será a somma correspondente a 50 por cento do salario annual.

Art. 11.° No caso de morte por accidente, alem da indemnização anterior, o Conselho de Administração pagará, ou á familia do segurado, ou directamente ao credor, a quantia de 10$000 réis para as despesas do funeral, e, alem d'isso:

20 por cento ao cônjuge sobrevivo, até morrer ou casar de novo;

10 por cento a cada um dos filhos, até aos quatorze annos completos;

20 por cento a cada um dos mesmos filhos, no caso de serem orfãos de pae e mãe;

20 por cento aos ascendentes do fallecido, emquanto vivos ou permanecerem na indigencia, se vier a verificar-se que o primeiro era o amparo d'estes ultimos.

§ 1.° As pensões pagas não poderão, em caso algum, exceder 60 por cento do salario annual do segurado.

§ 2.° A reducção, tendo de fazer se, será proporcional a cada interessado.

Art. 12.° Os segurados, victimas de accidentes, tratado o gratuitamente nos hospitaes, só terão direito a metade da indemnização durante o tempo em que lá permanecerem.

Art. 13.° As pensões não poderão exceder a cifra (... x ...), nem ser inferiores á cifra (... y ...) - maximo e minimo a fixar como percentagem do salario quotidiano.

Art. 14.° As pensões serão todas pagas mensalmente, não podem cessar sob qualquer pretexto, e são absolutamente isentas de arresto ou penhora, mesmo a titulo de pagamento de encargos fiscaes.

Art. 15.° A inspecção do Estado exercer-se-ha por meio de inspectores geraes e pelo Ministerio das Finanças, ao qual se enviarão semestralmente:

1. Um relatorio sobre as operações do Conselho Dis-trictal;

2.° Outro relatorio sobre os accidentes occorridos, com a indicação das sommas pagas.

Art. 16.° Toda a declaração falsa, por parte de qualquer patrão, será punida com multa de 50$000 a 300$000 réis, e a toda a demora de declaração, por parte do mesmo patrão corresponderá a multa de 205000 até 200$000 réis.

Art. 17.° O Governo publicará o regulamento indispensavel á execução d'esta lei.

Art. 18.° Fica revogada toda a legislação applicavel em contrario.

Lisboa, e sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 28 de julho de 1911. = O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação operaria.

Nas principaes cidades do mundo existem edificios grandiosos onde as diversas associações de classe se reunem para tratar dos seus interesses.

Nestes edificios ha salas para grandes reuniões, bibliotecas, gabinetes de trabalho para differentes comraissões, archivos, etc.

Em Lisboa as associaçees de classe, que representam um dos mais importantes factores da vida nacional, não possuem um edificio que reuna as condições que para tal fim se exigem e não possivel fazer uma construcção que satisfaça, por isso que importaria em quantia muito elevada e aquellas associações não teem elementos para dispor de tal verba.

Tendo o Estado um edificio que pode, sem grande dispêndio, acomodar-se ao fim apontado, acho de toda a justiça e conveniencia que seja applicado áquelle mesmo fim.

Um edificio grandioso, que não foi concluido para tempço catholico, mas que attingiu um grande desenvolvidamente, faltando-lhe apenas os acabamentos, pode com grande vantagem ser apropriado a Palacio do Trabalho. Refiro-me á incompleta igreja de Santa Engracia.

Em 16 de janeiro de 1630 commetteu-se um desacato no Convento de Santa Clara, em Lisboa, e a infanta D. Maria, filha de D. Manuel, obteve, por esse motivo, do papa Pio V a creação de uma freguesia com o orago de Santa Engracia, devendo a respectiva igreja ser construida no sitio onde se havia praticado o crime.

As obras do novo templo principiaram breve e a construcção attingiu um grande desenvolvimento como se pode verificar.

Este edificio é de um estilo original, grandioso e de ricas cantarias, tendo as paredes interiores guarnecidas de bellos marmores de varias cores.

Esta sumptuosa construcção de uma grandeza e magnificincia notaveis tem sido quasi que abandonada, havendo servido para deposito de carvão e ferros velhos, para officina de enxergas para o exercito e actualmente tem dentro dos seus muros uma officina de formas para calçado destinado ás praças do exercito!...

Isto é um crime de lesa-arte, por isso que não se respeitou a arte que presidiu áquella bella construcção, nem se utilizaram decentemente as centenas de contos de ruis que a piedade enrista d'aquella época ali consumiu.

Lisboa que tão pobre é de edificios monumentaes tem desprezado áquelle que, sendo grandioso, está construido num local do onde se disfruta um dos panoramas mais bellos da nossa formosa capital e do vasto e majestoso Tejo.

E pois em nome do bom senso que apresento á consideração da Assembleia Nacional Constituinte o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É destinado a Palacio do Trabalho o edificio da incompleta igreja de Santa Engracia, situado no Campo de Santa Clara, 1.° bairro da cidade de Lisboa.

Art. 2.° O Governo mandará pôr nas condições convenientes o mencionado edificio para nelle se installarem as associações de classe legalmente reconhecidas, com sede em Lisboa.

Art. 3.º Uma commissão do quatro membros nomeados pelas mesmas associações e de um architecto nomeado pela Direcção Geral das Obras Publicas receberá o edificio e suas dependencias, ficando como administradora do Palacio de Trabalho.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte. em 28 de julho de 1911. - Francisco de Salles Ramos da Conta, Deputado pelo circulo n.° 39.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação operaria.

Artigo 1.º É mantida a disposição legal que permitte aos funccionarios publicos o pagamento dos respectivos direitos de mercê em quarenta e oito prestações mensaes.

Art. 2.º Qualquer funccionario simplesmente será obrigado a pagar ao Estado o numero de prestações correspondente ao numero de meses em que exerceu o seu cargo.

Art. 3.º Para o effeito do pagamento de direitos de mercê, qualquer parcella de mês considera-se como um mês completo.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 28 de julho de 1911. = O Deputado, Rodrigo Fontinha.

Foi admittido e enviado á commissão de finanças.

Senhores Deputados da Assembleia Constituinte. - No intuito de suavizar, a dentro dos limites da justiça, a

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situação horrorosa em que se encontram os delinquentes alienados, tenho a honra de submetter á apreciação da Assembleia Constituinte o presente projecto de lei. É tempo, para honra dos nossos sentimentos altruistas e como testemunho do nosso adeantamento scientifico, de acabarmos com anachronismos ou prejuizos metaphysicos do nosso Codigo Penal.

A lei de 3 de abril de 3896, na intenção de melhorar a sorte d'aquelles grandes desgraçados, estabeleceu no § unico do seu artigo 23.° que o director da cadeia, depois de consultar os medicos quando entender que todo ou parte do tempo em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, envie proposta fundamentada ao Ministerio da Justiça, para ser submettida á apreciação do poder moderador. Com tal doutrina a situação do criminoso alienado ficara dependente do favoritismo ou do capricho do poder real; os medicos poderiam attestar que todo ou parte do tempo fosse levado em conta, mas ao seu depoimento sobrepunha-se a infallibilidade do rei. Ante as affirmações da sciencia falavam mais alto as prerogativas regias. Com tal doutrina, o que se visou foi cercar de mais esplendor o poder da coroa, e, ao mesmo tempo, ,para evitar os odios do clericalismo, manter os principios metaphysicos do Codigo Penal e principalmente o § unico do seu artigo 114.° Não houve a coragem de encarar o problema de frente, e não só não o quiseram resolver como tambem depressa se esqueceram os legisladores do que decretaram. As disposições da reforma ficaram sem applicação; nunca os delinquentes alienados foram beneficiados pela lei de 3 de abril, embora a referendasse o ex-director da Penitenciaria de Lisboa, Antonio de Azevedo Castello Branco.

Porque succedeu isto? Seria pela difficuldade na applicação da lei? Talvez. É difficil, senão impossivel, precisar todos os momentos em que o alienado tem a lucidez de que está privado da sua liberdade, como manda o relatorio do decreto de 10 de janeiro de 1890.

Mas, se nisto está a difficuldade, porque não cortá-la de vez, contando o tempo passado nos manicomios como tampo de prisão de pena soffrida? Em quasi todos os países civilizados, teem sido já acceites as resoluções dos congressos de anthropologia criminal sobre tão importante problema penal, e, como se sabe, essas resoluções teem sido favoraveis á contagem para o cumprimento da pena do tempo passado nos manicomios.

E não se comprehendia, na verdade, porque semelhante principio não fosse acceite.

Se ao febricitante, no decurso do seu delirio, não se desconta o tempo em que lhe faltou a lucidez, porque se abre a excepção para os delinquentes alienados? Não é tambem verdade que a loucura é muitas vezes a confirmação de que o crime foi praticado por quem possuia um cerebro doente, defeituoso, soffrendo com frequencia de obinubilações do entendimento, ou soffrendo lesões ainda imprecisas não diagnosticaveis, na occasião do acto delinquente e que só, mais tarde, nas prisões se evidenciaram? Porque pedir, pois, responsabilidades a quem já era um irresponsavel?

Dirão os metaphysicos que é preciso collocar o criminoso a sós com o seu proprio crime, de modo a recordá-lo a todos os instantes, para que o remorso o domine e se resolva á pratica de acções que o dignifiquem.

Tudo isso, porem, não passa de puras fantasias de gabinete, de divagações sobre o livre arbitrio, desmentidos a todo o momento pelos factos. A meditação será deliciosa para quem a abrace de motu-proprio: o asceta nella encontrará o melhor meio de satisfazer a sua imaginação doentia e, por isso, deseja, ama, procura com embriaguez a solidão. Se, porem, dissermos ao preso que medite, que concentre a sua intelligencia sobre o seu crime, o resultado será o mesmo que pretender engaiolar o pensamento humano dentro das formulas e dos processos que tivermos construido. No delinquente, a recordação do crime ou causa dor, angustia, e, neste caso, elle evita recordá-lo, ou não provoca nenhuma reacção, mantendo-se o preso indifferente, impassivel, ante a sua obra criminosa. Mas, o emparedamento cellular, convidando o condemnado á meditação da sua falta, não só, pois, não consegue o seu objectivo, como vicia, perverte o intelligenciado delinquente.

As penitenciarias, como estão organizadas são grandes escolas de hypocrisia e dissimulação, em que o delinquente, no proposito de agradar, cuidadosamente trata de occultar a perversidade dos seus sentimentos. Como o affirma Prins, o notavel inspector das prisões belgas - o peor criminoso é o menor penitenciario.

O remorso não é nas penitenciarias que se apodera do individuo; logo após a descarga nervosa que se traduzira no acto criminoso, o delinquente, se não tem os seus sentimentos profundamente pervertidos, sente-se tomado de desgosto, e, quando a sua falta é grave, do horror e do arrependimento. Entrado o individuo no campo da consciencia, a magua, a tristeza, o horror do seu crime dominam-no immediatamente e continuam minando a sua existencia durante a pronuncia e o julgamento. A penitenciaria será o termo d'este longo calvario de dor e de remorso nunca ella constituirá, porem, o inicio do arrependimento provocado pelo emparedamento, pela meditação do regime cellular.

Quando o preso cae esgotado, já sem esperanças de liberdade, no ergástulo, dá mais a impressão de um individuo desamparado, desalentado, sequioso de carinho, de protecção, que a de uma creatura ainda rebelde, em luta com a recordação da sua desgraça. Elle, o criminoso, ao sentir-se no sepulchro da sua cella, a que aspira com anciã é ao esquecimento de tudo quanto possa commovê-lo, e, por isso, pede, supplica ferverosamente o trabalho. Á meditação que se pretende com o isolamento cellular é, pois, uma aspiração de sonhadores, denunciadora de um espirito religioso, fanatico e inquisitorial, é inutil nos seus fins, visto que, antes, o remorso já embebera a alma do condemnado, e a sua persistencia só denuncia o proposito deshumano de atormentar, de alquebrar por completo o coração dolorido d'aquelles que, por fatalidade da sua organização ou de um conflicto social que os empolgou, foram lançados ao silencio sepulchral e lugubre das penitenciarias. Só o trabalho de cooperação, a educação e o convivio social deixarão os sentimentos revelarem-se, permitti-mo descobrir qualidades nocivas, facilitar a integração de motivos inhibitorios, tendentes a dar ao individuo energias poderosas que o adaptem á vida social. Mas, quando a metaphysica persista na teimosia de dar ao delinquente um futuro angustioso de trevas e de loucura, por considerar necessaria a tal lucidez de que fala a actual lei sobre delinquentes alienados, eu objectarei que nos loucos, toados de delirio de perseguição, e que constituem a quasi totalidade da população alienada das penitenciarias, existe a referida lucidez. Todos elles teem consciencia da pena que estão soffrendo e bem assim da privação da sua liberdade. Outro tanto succede aos outros delirantes que supplicam o seu regresso á Penitenciaria, por saberem que o tempo passado nos manicomios não é contado.

Mas supponhamos, por um instante, que todas estas minhas afirmações são contestaveis. Que succederá? Assistirmos a essa scena horrivel de todos os dias, vendo os penitenciarios num vae-vem continuo de Rilhafolles para a penitenciaria, e d'esta para aquelle hospital, durante largos annos, só acabando esta tortura quando o tempo passado na cella chegue para completar o tempo da sua pena. Quer dizer, quando o individuo deixa a cella, soffreu tal descalabro na sua cerebração que ficou inutilizado para a vida movimentada, de luta, da sociedade livre. Estará apto para um asylo ao acabar a pena, mas não para ser um cidadão prestavel.

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

As poucas condições de resistencia cerebral exhauriram-se na cella, e se muitos chegam a conquistar a liberdade é porque os directores das penitenciarias, por compaixão, os vão tolerando na prisão, emquanto não commettem desatinos que comprometiam a segurança do regime cellular. Quantas e quantas vezes, ou porque Rilhafolles não pode receber mais loucos ou porque a sua permanencia na penitenciaria não parece ser perigosa, os vão amparando, distrahindo-os em trabalho ao ar livre e dispensando-lhes carinhos e favores especiaes.

Se não fora isto, haveria penitenciario que nunca voltaria á liberdade, pois, emquanto em Rilhafolles o delirio geralmente cae com facilidade, na penitenciaria irrompe pouco depois do preso estar internado. A adopção, pois, do criterio de lucidez, para a contagem do tempo de pena, teria como resultante, ou negar ao homem delinquente a esperança de um dia conquistar a sua liberdade, ou concedê-la quando já não esteja em condições de ser util a si e á sociedade.

Não podem ser estes os fins da Republica Portuguesa, que nasceu para a emancipação e regeneração de todos os portugueses.

Se o condemnado, ao fim do seu tratamento no manicomio, está em condições, sem prejuizo para si e para a sociedade, de gozar a liberdade, porque negá-la, se com o seu tempo de hospital perfaz o da sua pena, e se para o delinquente alienado a recordação do seu passado, é mais horrivel que a do simples presidiario! O desgraçado que caiu no rnanicomio ficou com a recordação affrontosa da prisão e com a lembrança horrorosa do seu convivio com loucos.

Sejamos, pois, humanos e justos, e com a Republica abramos uma nova era de humanidade e de justiça para aquelles que tantas e tantas vezes commetteram é crime por culpa de nós todos, por culpa da propria sociedade, que a todas as horas prepara novos crimes e não sabe preveni-los.

Senhores Deputados. - Attendendo ás razões que acabo de apresentar neste relatorio tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Todo o tempo passado pelos delinquentes alienados nos manicomios é contado na duração da pena.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, em 20 de julho de 1911. = O Deputado, João Gonçalves.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação.

Senhores Deputados da Assembleia Constituinte. - As condições de idade e de capacidade de trabalho, estabelecidas pelo decreto de 21 de abril de 1903, para os que forem submettidos ao regime celluiar, urge serem modificadas em nome dos mais rudimentares principios de humanidade e de justiça.

A disposição legislativa, que estende até os setenta annos a idade de admissão ao regime penitenciario, não se justifica e é deshumana. Em tal idade a incapacidade para aprender é bem manifesta: não só vae faltando o ouvido e a vista, o que inhibe o individuo da frequencia escolar, como a aptidão para o aprendizado de uma profissão é raro existir.

D'estes factos resulta que a existencia do delinquente na cella é uma vida toda vegetativa, nada tem que lhe desanuvie e enleve o espirito. Como qualquer fera enjaulauda, assim elle vae passando enclausurado largos annos da sua existencia, embrutecendo-se e animalizando-se cada vez mais, á falta de emoções e de excitações que mantenham a energia, o vigor cerebral.

Os delinquentes em idade tão adeantada constituem um pesadelo, um tormento para os directores das Penitenciarias, pela grande difficuldade em encontrar ou descobrir serviços que elles possam prestar.

Quando os trabalhos do campo o permittem por lá andam, passando o tempo entregues a occupações que só se justificam pela necessidade de lhes fazer esquecer as agruras da sua situação. Os condemnados já entrados na velhice deviam ser internados em asylos especiaes, onde houvesse largos tratos de terreno que lhes favorecesse a distracção e lhes permittisse uma certa liberdade.

O campo destinado á cultura, na Penitenciaria, tem uma area muito pequena, e de ahi não poderem ser satisfeitos os pedidos, que todos os dias chovem, de transferencias para os trabalhos agricolas, feitos por loucos, tuberculosos, aleijados e velhos, ansiosos de ar livre e de distrahir o espirito do horror da solidão da cella.

E se esta impossibilidade de dar trabalho agricola surge neste momento, em que faltam ainda 170 delinquentes para a lotação da Penitenciaria de Lisboa, o que não succederá quando este numero estiver preenchido?

Voltar-se-ha ao tempo antigo, em que os presos jaziam nas cellas, abandonados numa inactividade e ociosidade desoladoras, revoltantes.

Mas se os presos em idade avançada não são susceptiveis de se educarem pela escola, pelas conferencias, pelo ensino de uma profissão, para que a teimosia cruel em mandá-los submetter ao regime penitenciario?

Estorvam o ensino aos que podem utilizá-lo e pejam as alas e os campos, quando outros, susceptiveis de regeneração, bem precisam, de vez em quando, de outros trabalhos leves ou de vida ao ar livre, como correctivo aos prejuizos da cella.

Todo o homem com mais de sessenta e cinco annos está inapto para o trabalho, para a aprendizagem, e como a sua estada na Penitenciaria oscilla numa media de cinco annos, devia estabelecer-se que a idade de admissão não pudesse exceder a dos sessenta annos.

Emquanto não forem construidas prisões ou asylos especiaes para velhos, todos os que tenham mais de sessenta annos sofreriam a sua pena nas cadeias correccionaes.

Quanto ao limite minimo de idade tambem não ha disposição bem clara na nossa legislação: algumas vezes os tribunaes mandam submetter ao regime cellular delinquentes com menos de dezoito annos. Na idade que vae dos vinte aos trinta, cheia de sonhos e de aspirações, o individuo difficilmente supporta o regime cellular, e a prova é que a percentagem da loucura neste periodo costuma ser muito superior aos outros periodos decennaes. Isto que indica a necessidade de reduzir, e muito, o tempo de isolamento e de estabelece-lo consoante as idades e os individuos, diz-nos tambem que deve haver especial protecção para a menor idade.

Antes dos dezoito annos ninguem devia ser condemnado ao regime penitenciario de isolamento absoluto, e, conforme a sciencia o prescrevesse, assim o tempo de isolamento seria delimitado. Este tempo resultaria de um largo estudo estatistico da resistencia dos individuos e das idades para o isolamento cellular.

O que succede com a idade, succede tambem com a capacidade para o trabalho.

Todo aquelle que, por defeito physico, não possa aprender uma profissão, não deve ser submettido ao regime penitenciario. A nossa legislação estabelece que, desde que o preso possa desempenhar qualquer trabalho, deve ser submettido ao isolamento cellular.

Isto, porem, dá origem a faltas condemnaveis; de quando em quando, em nome da lei, enviam-se criaturas aleijadas, incapazes de exercer uma profissão, porque os julgam aptos para certo trabalhos auxiliares.

A lei de 27 de abril de 1903, artigo 6.°, chega a defender a inactividade e a ociosidade, admittindo a impossibilidade de dar trabalho ao delinquente.

Mas semelhante doutrina não só é deshumana como contra os proprios principios sobre que assenta o regime penal penitenciario.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 17

Quantos e quantos presos passam os meses a reclamar que se lhes dê occupação e teem de ser mantidos numa inactividade desesperadora, quando todo o systema penitenciario tem por base a regeneração pelo trabalho!

E a verdade é que a nossa legislação penitenciaria acceita tambem este principio, como se conclue do proprio Regulamento da Penitenciaria de Lisboa (artigo 6.°) e do artigo 24.° da lei de 10 de julho de 1867, que serviram de base á nossa instituição penitenciaria. Porque não estabeleceu então, de vez, que o preso que não esteja apto para aprender uma profissão não seja submettido ao systema penal penitenciario?

Para que encerrar nas cellas individuos aleijados e inaptos para uma profissão, se, não tendo aptidões para a possuir, não podem entrar numa vida de regeneração quando postos em liberdade?

Não se justificando, pois, o regime cellular, quando elle não possa integrar nos individuos novos habitos sociaes, quando não possam educá-los pelo trabalho, entendo que em harmonia com a razão e com os fins dos estabelecimentos penitenciarios, não deve ser admittida a entrada a quem não esteja em condições de acceitar o aprendizado de uma profissão.

E, por isto, emquanto não estabelecermos, segundo as idades, o maximo e o minimo de tempo para o regime cellular, bom será, como affirmação dos nossos sentimentos de justiça e de humanidade, assentar como indispensavel aquella condição de aptidão profissional para a admissão ao regime penitenciario.

Artigo 1.° Todo o condemnado que tiver no acto do crime menos de dezoito annos ou mais de sessenta annos, ou que possua defeito physico que o inhabilite para aprender uma profissão, não poderá ser submettido ao regime cellular.

Art. 2.° A verificação das condições a que se refere o artigo anterior faz-se antes do julgamento, quanto á idade pela respectiva certidão, e quanto á deformidade physica, por um exame de tres medicos, ordenado pelo juiz ou requerido pelo Ministerio Publico ou pelo réu.

Art. 3.° Os directores da Penitenciaria poderão, sempre que o entendam conveniente, exigir novo exame, que será feito por um dos medicos da Penitenciaria, por um outro nomeado pelo respectivo procurador da Relação e por um terceiro escolhido pelo juiz da comarca onde se deu o julgamento.

Art. 4.° O resultado d'este exame será valido para todos os effeitos.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões, em 26 de julho de 1911. = O Deputado, João Gonçalves.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia para os documentos que se vão ler.

Leu-se na mesa um telegramma do Sr. João de Freitas.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que relevam as faltas dadas pelo Sr. Deputado João de Freitas, tenham a bondade de se levantar.

A Assembleia approvou.

Leu-se um pedido de ausencia do Sr. Jorge Frederico Vellez Caroço.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia sobre se autoriza o Sr. Deputado Jorge Frederico Vellez Caroço a ausentar-se de Lisboa.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se ás Primeiras leituras?

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa, para ser admittido ou rejeitado, um projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado. Ezequiel de Campos, sobre terrenos incultos e que já foi, em obediencia ao Regimento, publicado no Diario do Governo.

Consultada a Assembleia, foi admittido e enviado á Commissão.

O Sr. Presidente: - Outro projecto nas mesmas condições do Sr. Deputado Nunes da Mata sobre cursos de pilotagem.

Foi admittido.

Outro do mesmo Sr. Deputado, sobre o estabelecimento da nova hora e futuros horarios.

Foi admittido.

Outro do Sr. José Barbosa, sobre accumulações de empregos publicos.

Foi admittido.

Outro do Sr. Fernão Botto Machado, sobre seguro obrigatorio dos trabalhadores.

Foi admittido.

Outro do Sr. Ramos da Costa sobre o palacio do trabalho.

Foi admittido.

Outro do Sr. Rodrigo Fontinha, sobre direitos de mercê dos empregados publico.

Foi admittido.

Outro do Sr. João Gonçalves, sobre delinquentes alienados.

Foi admittido.

Outro do mesmo Sr. Deputado, sobre idade e capacidade profissional para os delinquentes condemnados a prisão cellular.

Foi admittido.

O Sr. Presidente: - Encontra-se nos corredores da Assembleia o sr. Deputado Alfredo Rodrigues Gaspar, eleito por Timor.

Convido V. Exa. vir occupar o seu logar.

Pausa.

Entra na sala e toma assento aquelle Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

Varios Srs. Deputados pedem a palavra.

O sr. Alvaro de Castro: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Padua Correia: - Peço a palavra para um negocio urgente.

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alvaro de Castro pediu a palavra para um negocio urgente. S. Exa. deseja tratar da adjudicação do Theatro de S. Carlos.

Consultada a Assembleia não foi reconhecida a urgencia.

O Sr. Thomaz Cabreira (para apresentação de um projecto): - Sr. Presidente: mando para a mesa um projecto de lei.

Será publicado no Diario do Governo.

O Sr. Fernão Botto Machado (para apresentação de um projecto): - Sr. Presidente: mando para a mesa um projecto de lei.

Será publicado no Diario do Governo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Padua Correia pediu a palavra para um negocio urgente. S, Exa. pretende occupar-se da situação dos revolucionarios civis acêrca dos quaes já a Assembleia votou um parecer da Commissão de Finanças.

Consultada a Assembleia, reconheceu a urgencia.

O Sr. Padua Correia: - Numa das sessões passadas, a commissão de petições apresentou um parecer, que foi votado por toda a Assembleia, relativo á exposição feita por trinta e cinco revolucionarios civis, na qual pediam para serem collocados, conforme as suas posições, em varias Repartições do Estado.

A commissão examinou todos os documentos apresentados pelos peticionarios, para ver se os serviços allegados por esses homens eram, ou não, exactos; e concluiu por reconhecer a urgencia de se dar collocação a esses trinta e cinco revolucionarios, recommendando isso urgentemente ao Governo.

Essa conclusão do parecer era muito vaga e platónica, por isso que, deixando ao Governo a collocaçao d'esses homens, elles poderiam ser collocados, quer num prazo muito restricto, quer num prazo muito longo.

Nessa occasião, instando elle, orador, para que algum membro do Governo se pronunciasse, por isso que o parecer da commissão concluia por uma invocação ao Governo, o Sr. Ministro das Finanças respondeu que, em virtude do artigo 5.° da lei de meios, não podia dar collocação a esses homens.

Ora, esse grupo de revolucionarios tinha fome, estavam no ultimo extremo de todas as provisões, e elle, orador, foi com elles, de calvario em calvario, junto dos Ministros, para ver se era possivel dar-lhes collocação, sem que a lei de meios fosse offendida, nem o orçamento aggravado.

Deve declarar que encontrou boa vontade da parte dos Ministros a quem se dirigiu, mas essa boa vontade em boa vontade ficou.

Esses os revolucionarios já por varias vezes, quer nas arcadas dos Ministerios, quer nos proprios Ministerios, se teem dirigido aos Deputados, solicitando uma esmola. Ordinariamente chama se a isto uma subscrição; a palavra, porem, para reproduzir bem a verdade dos factos, é, realmente, uma esmola.

Pela leitura do artigo 5.° da lei de meios vê-se que ha entrave a novas nomeações. Deve-se, porem, attender a que esses homens prestaram serviço á Republica. Não pedem elles logares de directores geraes nem vencimentos de 10$000 réis diarios. Contentam-se com muito pouco, e entre elles encontram-se guarda-livros, caixeiros, cobradores, operarios, e, até, um tachygrapho. Mas todos se conformam em ser empregados no Arsenal ou em qualquer obra dependente dos Ministerios.

Se a assembleia julgar que o pedido d'esses homens não deve ter acceitação, mantenha-se, por completo, o parecer da commissão de petições, mas se, pelo contrario, julgar que esses homens, que trabalharam pela Republica, da Republica merecem - não uma recompensa, por que o termo pode ter outra explicação - mas serem collocados em logar em que, pelas suas aptidões, se esforcem pela Republica, como no tempo em que faziam todos os sacrificios - então não se deve protelar a discussão do artigo da Constituição, em que se attende áquelles que prestaram serviço á Patria.

Desejava, portanto, o orador, visto ver presentes os Srs. Ministros da Justiça e das Finanças, que S. Exas. novamente se pronunciassem, deixando ao alto criterio dos membros do Governo, ao seu coração e aos seus sentimentos, o resolver uma questão d'esta ordem, que não admitte delongas.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente: é apenas para dar alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado Padua Correia e á Assembleia, sobre o assunto de que S. Exa. se occupou, que tomei a palavra. Alem dos trinta e cinco revolucionarios civis, para os quaes S. Exa. pediu a protecção do Estado, ha muitos trabalhadores que todos os dias, instantemente, pedem trabalho e aos quaes não tem sido possivel satisfazer.

E devo dizer á Assembleia que nos arsenaes, tanto da marinha como do exercito, estão trabalhando muitos d'elles pagos pelo Ministerio do Fomento, devido a não ter onde os collocar e menos trabalho util a realizar ali, mas taes são os desejos do Governo em garantir trabalho aos que d'elle necessitam, que não hesitou em commetter esta infracção, de que certamente a Assembleia o relevará.

Aqui está porque recorri a mandar para os arsenaes da marinha e do exercito alguns operarios, que não podia acommodar no Ministerio do Fomento, porque tinham uma especialização de trabalhos que lá não eram aproveitados, pagando-lhes, porem, pelo Ministerio do Fomento.

Já vê a Assembleia até que ponto o Governo tem empregado diligencia e mostrado boa vontade em collocar os operarios desempregados, mas não tem sido possivel accommodar todos, e o que posso affirmar ao Sr. Deputado Padua Correia é que neste momento, em que ainda muitos trabalhadores reclamam a sua entrada nas obras do Estado, tem-se conservado todo o pessoal que existia, a cujo pedido foi necessario acceder, mas que não é já preciso e que representa, pelo contrario, um estorvo á boa ordem dos trabalhos e á disciplina que é necessario manter.

Os chefes de serviço teem reclamado para que retire os operarios que lá estão, por serem dispensaveis e constituirem uma immoralidade para os que de direito lá estão, cujo trabalho é util.

A Assembleia tem o direito de dispor d'esses operarios no sentido de recompensar os serviços que elles prestaram para a implantação da Republica, mas era conveniente que eu desse estes esclarecimentos, para que a Assembleia mais conscientemente possa resolver no sentido de remunerar os serviços...

O Sr. Padua Correia: - Remunerar, não...

O Orador: - Remunerar foi o termo que V. Exa. empregou, e muito bem, porque é a maneira honesta e acceitavel de galardoar esses revolucionarios que foram collocados nas obras do Estado, em excesso, mas que nós não temos despedido para não aggravar a sua situação e lá continuam trabalhando por conta do Ministerio do Fomento, unicamente para terem de comer, porque o seu trabalho não representa qualquer especie de utilidade.

S. Exa. não reviu.

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O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Sr. Presidente: V. Exa. recorda-se de que, quando o Sr. Eduardo Abreu apresentou uma emenda á lei dos duodecimos, eu declarei que, collocada a questão no terreno em que S. Exa. a apresentou ao Parlamento, eu não podia senão acceitá-la no mesmo terreno, não fazendo nenhuma nomeação sem previa autorização do Parlamento.

Devo declarar com a maior franqueza que se me demorasse mais algum tempo neste logar, não acceitava essa emenda, mas como o Governo se retira muito brevemente, o novo Ministro dará a interpretação que entender á referida proposta, porque em rigor não lia disposição legal que previna o caso a que se referiu o Sr. Deputado Padua Correia.

É verdade que esses homens estão necessitados de collocação (Apoiados). Teem elles mostrado a sua dedicação ao Estado, e porque merecem protecção, o Governo não pode deixar de applaudir as ideias de S. Exa. e para se ver até que ponto as nossas palavras representam uma larga aspiração do auxilio, eu, Sr. Presidente, chamo a attenção de S. Exa. para o artigo 2.° do decreto que formou os serviços externos.

Leu.

V. Exa. comprehende que não sou eu que deva saltar por cima de uma lei, cuja iniciativa mais directamente me pertence; mas a Assembleia é que pode, se assim o entender, por proposta do Sr. Dr. Padua Correia, dispensar transitoriamente a execução d'esse artigo.

Estando no uso da palavra, Sr. Presidente, aproveito a occasião para me referir a um assunto versado aqui pelo Sr. Dr. José de Abreu.

Trata-se das accusações ao recebedor de Oliveira do Hospital.

Não ha no Ministerio das Finanças, que eu saiba, processo algum a respeito d'esse funccionario, existem realmente referencias a factos de tal natureza, que não ha homem na minha situação e com as minhas responsabilidades que possa e deva pronunciar-se sem perfeito conhecimento de um assunto e de uma accusação tão grave.

Pelo Ministerio das Finanças apenas houve a transferencia d'esse empregado, por conveniencia de serviço, e mais tarde foi demittido por não ter ido occupar o logar.

E isto que, embora não fosse interpellado. julgo de meu dever dizer á Camara, para a esclarecer sobre o assunto e ficar assim esclarecida a situação.

Aproveito tambem o ensejo para me referir a um outro assunto, de que os Srs. Deputados já terão conhecimento.

No jornal A Capital foi ha dias publicado um artigo sob o titulo Monopolio de aguçar em Lisboa, em que se insinuava que eu dera ou- estava disposto a dar a minha protecção a esse monopolio. Devo dizer que, quando entrei para o Ministerio das Finanças, deparei com essa questão na seguinte situação:

Em 1909 algumas das companhias importadoras de açucar, solicitaram do Governo um regime de favor para uma parte de importação autorizada, de 6:000 toneladas. Esse regime foi estabelecido para 2:000 e as 4:000 restantes ficaram sob o regime legal.

Varias circunstancias se deram depois, verificando eu que não podia continuar tal situação, a bem dos interesses do Estado e das empresas açucareiras da costa oriental da Africa.

Nessa situação, para facilitar a resolução do caso que, de resto, já estava affecto ao Tribunal Administrativo, entendi que podia intervir, e então solicitei dos interessados uma conferencia, conseguindo que as companhias se entendessem, distribuindo, conforme um dos cálculos estabelecidos, o bónus legal sobre as 5:000 toneladas.

Depois de realizada essa entente, as companhias importadoras que eram seis em 1909, vindo depois mais duas e podendo ter apparecido outras, porque o que se applicava era o rateio na proporção, as companhias ligaram-se

e fizeram um gremio, que é simplesmente representado pela firma Hornung & Ca., que liquida por procuração de todos os interessados a importancia do bonus.

O Estado continua a registar a importação do açucar, feita por cada uma das entidades interessadas.

Já V. Exas. vêem que não ha especie alguma de monopolio. O bónus pertence legalmente ás companhias existentes e áquellas que venham a constituir-se e que sejam importadoras, e com o rateio para todas até ao limite maximo das 6:000 toneladas. Como V. Exas. sabem, o regime legal dá esse beneficio a 6:000 toneladas para a costa oriental e a 6:000 toneladas para a costa occidental de Africa.

As fabricas de refinação permanecem na situação anterior sem que o gremio tenha sobre o preço do açucar acção diversa d'aquella que lhe pudesse dar a instituição do regime de protecção para as 12:000 toneladas das duas costas.

Tenho uma informação official que resume completamente as explicações que acabo de fazer, e que esclarece bem todas as fases por que tem passado esta questão.

Leu.

Devo ainda acrescentar que a intervenção do Governo para restabelecer o regime legal em nada affectou os interesses do Estado, cujas obrigações estavam bem definidas, e que de modo algum foram excedidas.

O Sr. Presidente: - O Deputado Sr. Padua Correia pediu para responder em algumas palavras aos Srs. Ministros.

Se a Camara consente, dou a palavra ao Sr. Deputado.

Vozes: - Fale. fale.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Padua Correia: - Neste momento ia redigir a moção para apresentar á Assembleia, moção que o Sr. Ministro me aconselhou que apresentasse.

Tinha um projecto de lei que julgo inconveniente, e bastará uma moção.

É a seguinte: A Assembleia reconhece que os revolucionarios, etc., confia em que o Governo no mais breve espaço possivel decidirá, etc.

Eu redigirei isto d'uma maneira completa e depois V. Exa. hoje ou amanhã sujeitará a moção á apreciação da Assembleia, como entender.

O Sr. Presidente: - É melhor V. Exa. redigir a moção e mandá-la para a mesa, para que os Srs. Deputados tenham conhecimento d'ella, e amanha se lerá.

O Sr. Moraes Rosa pediu a palavra para um negocio urgente. O negocio urgente é sobre a acquisição de material de guerra para as colónias. Consulto a camara sob se devo conceder a palavra a esse Sr. Deputado.

Não foi considerado urgente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Carvalho de Araujo pediu tambem a palavra para um negocio urgente, sobre os conspiradores de Cintra. Consulto igualmente a Camara.

Não foi considerado urgente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ramada Curto tambem pediu a palavra para um negocio urgente. Tratar da revisão de sentenças que, a fazer-se, dará aos cofres publicos alguns cenetenares de contos de réis. Consulto a Camara.

Foi considerado urgente.

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Ramada Curto: - Ha um ditado latino que diz que de minimis non curat paretor.

Ha cousas que teem um aspecto de pouca importancia, que não saltam tanto á vista, mas que no entretanto encerram cousas formidaveis, de que seria util cuidar.

É natural que os que estão encarregados de tratar de gravissimas questões não tenham tempo para dedicar a sua attenção a assuntos pequeninos. Elle, orador, porem, vae tratar de um assunto, que pode passar despercebido a muitos, mas que é importante, pois trata-se, nada mais nada menos, do que da entrada de alguns centenares de contos de réis nos cofres publicos.

A questão é a seguinte:

Ha uma lei, de 12 de dezembro de 1844, que dispôs no seu artigo 18.° que aquelle que, para defraudar a Fazenda Nacional, com dolo ou má fé, sonegar bens em inventario judicial ou particular, perderá para a mesma Fazenda metade da parte que lhe couber nos bens que sonegar, e se nelles não tiver parte soffrerá multa igual a metade dos valores dos bens sonegados.

Mais tarde, em julho de 1860, ficou o Governo autorizado a varias cousas, e, entre ellas, a regulamentar a lei de 12 de dezembro 'de 1844. Essa lei nada diz a respeito de bens sonegados, de maneira que ficou inteiramente de pé o artigo 18.° da lei de 1844. Appareceu, depois, um regulamento, de 30 de junho de 1870, que foi substituido pelo curiosissimo regulamento de 23 de dezembro de 1899, publicado estando no poder o Ministerio progressista e sendo Ministro da Fazenda Manuel Affonso de Espregueira.

Nesse regulamento, no artigo 100.°, vinha a mesma disposição da lei de 1844, mas com uma alinea, que é perfeitamente unica em todas as manigancias regulamentares da monarchia e em todas as leis portuguesas.

Diz-se nessa alinea que a pena não poderá nunca ser superior a 200$000 réis.

Essa disposição reputa-a o orador, uma espregueirice autentica.

Um individuo tinha defraudado o Estado, sonegando bens numa herança na importancia de 200:000$000 réis. Pelo artigo 18.° da lei de 1844, tinha de entrar nos cofres do Estado com metade, ou seja 100:000$000 reis; mas Espregueira arranjava maneira de não poder pagar mais de 200$000 réis.

Mais tarde, pelo Ministerio das Finanças, foi publicado um decreto, de novembro de 1910, revogando o artigo 100.° do decreto de 1899.

Evitou-se, assim, que de futuro o Estado fosse prejudicado, mas as sentenças já dadas ao abrigo da lei Espregueira representam um prejuizo importante que é preciso remediar. Só tres casos conhece, elle, orador, que dão para o Estado um prejuizo de cerca de 850:000$000 réis.

Vae mandar para a mesa um projecto que, crê, merecerá a approvação da Assembleia, mas ser-lhe-hia agradavel ouvir primeiro sobre o assunto a opinião do Sr. Ministro das Finanças.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Devo dizer a V. Exa. que só talvez dois meses depois de entrar para o Ministerio tive conhecimento da portaria surda a que S. Exa. se referiu.

Pensei immediatamente que a situação criada pela portaria de 1899, era inadmissivel porquanto alterava completamente a disposição da lei e todos nós sabemos que não ha regulamento nenhum que possa alterar as disposições fundamentaes de uma lei. Pensei desde logo em redigir uma portaria, extinguindo a de 1899, mas declaro que tive as mais justificadas hesitações para lhe dar effeito retroactivo.

A alguem que me falou no assunto e me fez conhecer a existencia d'esta portaria, eu disse que seria conveniente adiar a resolução final d'esta questão, porque me parecia que não era assunto em que um homem só devesse intervir.

Nada houve perdido porque a Camara fica conhecendo agora o assunto, com a apresentação do projecto do Sr. Ramada Curto. É chamada agora a Camara a tratar do assunto, e a resolver em ultima instancia.

Sente-se perfeitamente á vontade para tratar d'esta questão, e para applaudir as intenções do Sr. Ramada Curto e a forma como redigiu a sua proposta de lei.

Os direitos do Estado são absolutamente indestructiveis.

A Camara se pronunciará como tiver por mais conveniente e julgar mais justo, principalmente no que se refere á doutrina exposta no artigo 4.° d'este projecto.

Pela minha parte desde já declaro que dou o meu completo apoio a esse artigo, coherente com a forma como procedi quando tive de tratar esta questão sob minha responsabilidade.

Sobre os restantes nada tenho a dizer porque não vêem senão sanccionar o que eu fiz logo que tive conhecimento da portaria.

Tenho dito.

O Sr. Egas Moniz: - Desejo chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha para o caso das eleições do Ultramar.

Desde que se entende que as colónias devem ter representantes proprios aqui, nesta Assembleia, julgo que essas eleições se devem concluir de maneira a que os eleitos aqui compareçam.

Succede que algumas colónias já teem eleitos os seus representantes ; outras ainda os não elegeram.

É para este facto que chamo a attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Numa das colonias - na Guiné - a eleição ainda não se fez, estando só marcada, parece-me, para o fim do mês que vem!

Peço, pois, a S. Exa. que apresse as eleições nas colónias, porquanto convem a todos que as colonias tenham aqui os seus representantes, a bem da Constituinte e da seriedade d'esta Camara.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes): - Sr. Presidente: concordo absolutamente com o exposto pelo Sr. Egas Moniz, mas o facto de não estarem hoje nesta Assembleia todos os representantes das colonias é consequencia de se ter posto logo em execução na metropole o decreto de 14 de março ultimo, com um periodo de revisão do recenseamento muito reduzido, por haver todo o empenho em convocar rapidamente as Constituintes.

O Governo já sabia que só muito mais tarde os Deputados pelas colonias podiam vir á Assembleia.

Devo dizer mais a V. Exa. e á Assembleia que o decreto de 14 de março saiu, com respeito ás colónias, muito incorrecto. Teve de fazer-se uma remodelação em 5 de abril, quer dizer, só depois de publicada a lei eleitoral. Para a Guiné foi em 17 de maio, devido á epidemia da febre amarella que ali grassava. Nestas circunstancias, não admira que seja a Guiné que mais tarde venha a ter representação no Parlamento.

Felizmente recebi hoje um telegramraa do governador da Guiné no qual se diz que o ultimo caso averiguado de febre amarella tinha sido no dia 8 d'este mês. A opinião do medico, que mandei para ali para dirigir os trabalhos de prophylaxia, é de que se pode considerar extincta a epidemia, mas que é necessario continuar os trabalhos de prevenção ainda por muito tempo.

Eram estas as explicações que tinha a dar ao illustre Deputado.

S. Exa. não reviu.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 21

O Sr. Presidente: - Faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia, portanto, não ha tempo para se realizarem as outras interpellações annunciadas. Ficam para antes da ordem do dia da sessão de amanhã.

Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Bernardino Roque: - Apresento a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha sobre a pesca da baleia no sul de Angola.

Sala das Sessões, 31 de julho de 1911. - Antonio Bernardino Roque.

Mandou-se expedir.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio dos Finanças, me seja fornecido um exemplar do Orçamento Geral do Estado e dos tabellas das despesas por Ministerios relativas ao anno economico de 1909-1910.

Em 31 de julho de 191l. = Baltasar Teixeira.

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me seja enviada uma nota com as classificações dos candidatos a pharmaceuticos do exercito no concurso effectuado em 1899, e com as nomeações effectuadas em 1899, 1900 e 1902 e em que se basearam. - Baltasar de Almeida Teixeira.

Mandaram-se expedir.

O Sr. José Francisco Coelho: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, por todos os Ministerios, me seja enviada com urgencia, nota das quantias que, como adeantamentos receberam varios particulares até o dia o de outubro de 1910 e os nomes d'estes.

Sala das Sessões, em 31 de outubro de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 13. = José Francisco Coelho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Rodrigues da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada, com urgencia, copia da syndicancia effectuada aos actos do professor primario da escola do sexo masculino da freguesia de Affife, concelho de Vianna do Castello, e de outros documentos ou despachos que se refiram á dita syndicancia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 31 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 1, M. Rodrigues da Silva.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto de lei n.° 3 (Constituição)

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 32.° do artigo 5.°

Leu-se.

O Sr. Matos Cid: - Sr. Presidente: pedi a palavra, não para pedir a eliminação do n.° 32.° do artigo 5.°, mas apenas para mandar para a mesa uma proposta respeitante á maneira como este numero está redigido.

A proposta é a seguinte:

Proposta

Artigo 5.°, n.° 32.º

"E garantido, em toda a sua plenitude, o direito de propriedade.

A expropriação por necessidade, conveniencia de utilidade publica, bem como a expropriação por utilidade, conveniencia ou necessidade particular, é garantida nos termos da lei em vigor, mediante o pagamento da respectiva indemnização".

Lisboa, em 31 de julho de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 18, José do Valle de Matos Cid.

Foi admittida.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: a disposição que se discute trata do direito de propriedade e é necessario considerar-se que nessa materia ha hoje necessidade de introduzir disposições novas.

Os Governos dos países cultos teem hoje necessidade de tributar as grandes fortunas, e no projecto da Constituição nenhuma disposição consta que estabeleça qualquer principio a esse respeito.

Não sei se o meu additamento caberá bem no projecto, em todo o caso mando-o para a mesa e a commissão a modificará como entender.

Leu-se na mesa. E a seguinte:

Proposta

"A successão das fortunas, quer inoveis, quer immoveis, serão garantidas, por morte do possuidor, aos legitimos herdeiros com a expressa condição de que, para applicações de utilidade publica, o Estado cobrará, sob a forma de imposto, uma percentagem progressiva, nos termos que. a lei especial determinar, salvo as heranças inferiores a 1:000$000 réis". = Manuel José da Silva.

Foi admittida.

O Sr. Antonio Maria da Silva: - Pedi a palavra para mandar pura a mesa uma emenda ao n.° 32.° para resalvar os direitos do Estado referentes ás minas e referentes ás aguas minero-medicinaes.

É a seguinte:

Proposta de emenda

"N.° 32.° E garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude, salvo as restricções consignadas nas leis de minas e de aguas minero-medicinaes e nas de expropriação por necessidade, conveniencia ou utilidade publica ou particular, mas ainda nestes casos o proprietario será devidamente indemnizado".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio Maria da Silva.

Foi admittida.

O Sr. Fortunato da Fonseca: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de substituição com o fim de facilitar quanto possivel o regime da propriedade na Alemtejo.

A minha proposta é feita sem qualquer intuito doutrinario.

É simplesmente uma medida de caracter concreto.

Desde que o Estado no campo politico se considera representante da soberania nacional, deve considerar-se neste

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

campo, senhorio directo e organizar a divisão e distribuição da propriedade agricola da mesma forma que organiza a nossa defesa, a circulação fiduciaria, etc.

Esta disposição é considerada por todos os economistas como cura do mal de que a agricultura padece.

Proposta

"Art. 32.° O Estado é o senhorio directo do país.

§ 1.° Quando pelo direito de opção o Governo tiver adquirido qualquer predio rustico, formará por divisão ou aggregacão typos de propriedade regional e evitará, por leis regulamentares, a alteração d'essa propriedade.

§ 2.° As propriedades assim formadas reunir-se-hão em syndicatos.

§ 3.° O Governo não poderá intervir na administração d'essas propriedades.

§ 4.° Serão cedidos aos municipios, pelo preço de acquisição, os predios necessarios aos serviços de municipalização. = Luis Fortunato da Fonseca.

Foi admittida.

O Sr. Antonio Macieira: - Sr. Presidente: o conceito juridico moderno da propriedade é bem differente d'aquelle que tradiccionalmente nos vem do direito romano.

Todo o valor constituo uma parte da fortuna social que o individuo não pode annullar.

Não mais o individuo pode deitar a sua fortuna ao Tejo só porque é sua; não mais o individuo pode incendiar o seu predio só porque é seu.

A sociedade não pode permittir-lhe esse acto de loucura.

E não o permittindo fá-lo em beneficio da propria sociedade, e em beneficio do individuo.

O jus utendi et abutendi já não tem razão de ser em face do moderno conceito da propriedade.

O n.° 32.° está pois mal redigido.

Ressente-se do antigo conceito restringindo a limitação direito de propriedade apenas aos casos de expropriação por conveniencia, necessidade ou utilidade publica, e todavia varias são as limitações do direito de propriedade.

O direito dos descobridores dos jazigos mineiros, a obrigatoriedade da remissão de foros, etc., são outras tantas limitações.

O actual projecto da Constituição eliminou o numero que no projecto primitivo se referia em especial ás minas.

A commissão attendeu ás considerações que eu fiz sobre esse assunto quando tratei da generalidade da Constituição.

Mas ao redigir o n.° 33.° não se lembrou a commissão da eliminação que fazia do numero respeitante ás minas, o qual contrariava em absoluto a legislação mineira de 1892.

É necessario obviar a esse e a outros inconvenientes.

Affirme-se nitidamente o direito de propriedade, mas salvem se as limitações já existentes d'esse direito, visto que todas não podem inserir se na Constituição.

Não se affirme a plenitude do direito de propriedade porque não ha direitos absolutos.

É essa a proposta que envia para a mesa.

Lida na mesa a proposta do Sr. Deputado Antonio Macieira, foi admittida.

O Sr. Rodrigues de Azevedo: - Attendendo a que não se podem fazer monopolios com a saude publica, eu proponho a seguinte

Proposta

Proponho que o direito de expropriação no que diz respeito a aguaes minero-medicinaes seja baseado unicamente na utilidade publica. = O Deputado, João Carlos Rodrigues de Azevedo.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Chamo a attençã da Camara. Não havendo mais nenhum Sr. Deputado inscrito vae proceder-se ás votações.

Foram lidas na mesa e postas á votação as propostas dos Srs. Rodrigues de Azevedo, Manuel José da Silva, Antonio Maria da Silva e Fortunato da Fonseca, sendo rejeitadas e o n.° 32.°

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do Sr. Antonio Macieira.

É approvada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a substituição apresentada pelo Sr. Cid.

O Sr. Mattos Cid: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se consente que eu retire a minha emenda visto concordar com a substituição mandada para a mesa pelo Sr. Antonio Macieira.

A Camara approva que seja retirada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, o n.° 33.° do artigo 5.°

O Sr. Tiago Salles: - Sr. Presidente: o artigo em discussão tem palavras a mais e constitue uma redondancia absolutamente inutil. Assim, é garantido o livre exercicio de qualquer genero de trabalho de cultura industrial ou commercial. Ora desde que é garantido o livre exercicio de qualquer genero de trabalho, evidentemente que nesta pbrase se inclue a agricultura, a industria e o commercio. Mas ha mais, o exercicio não pode ser tão livre como pode parecer, porquanto ha contratos em vigor que embaraçam esse livre exercicio. Por exemplo: eu amanhã queria montar a exploração da viação por electricidade, não o poderia fazer, pois que existe um contrato entre o Estado e a companhia dos electricos.

Nestas condições mando para a mesa a seguinte

Proposta de emenda

"N.° 33.° E garantido o livre exercicio de qualquer genero de trabalho, observadas as disposições legaes e os contratos em vigor". = O Deputado, Tiago Cesar Moreira Salles.

Foi admittida.

O Sr. João Brandão: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a primeira parte do n.° 33.° do artigo 5.° do projecto da Constituição fique redigida do seguinte modo:

"N.° 33.° E garantido o livre exercicio de qualquer genero de trabalho, cultura, industria ou commercio, observadas as leis e regulamentos de policia e hygiene e de harmonia com as exigencias da economia nacional". - O Deputado, João Machado Brandão.

Foi admittida.

Esta emenda baseia-se no facto de amanhã se poder querer estabelecer, por exemplo, a restricção da cultura da vinha ou do fabrico do álcool industrial, e por este artigo tal medida não pode ser decretada.

O Sr. Manuel José da Silva: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Art. 5.°

"33.° ... excepto no que respeitar a industrias que tenham sido e possam ser transformadas em régie muni-

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cipal ou nacional, se as respectivas leis especiaes assim o determinarem". = Manuel José da Silva.

Foi admittida.

O Sr. Adriano Pimenta: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 33.° seja assim redigido:

"Art. 33.° O trabalho é livre e só o Congresso da Republica poderá limitá lo quando nisso haja reconhecida utilidade publica". = Adriano Pimenta, Deputado pelo Porto.

Foi admitida.

A liberdade de trabalho pode amanhã ser modificada e natural é que o seja, em virtude da lei da descentralização administrativa, e porque entendo que, quando se pretender estabelecer qualquer exclusivo de trabalho ou exploração commercial ou industrial, este exclusivo nunca possa ser concedido senão mediante uma lei especial.

O Sr. Antonio Macieira: - Desejava que a segunda parte d'este numero fosse encorporada num paragrapho unico. Isto e apenas uma questão de methodo e pretendia que entre as palavras publica e poderia se intercallassem estas:

Leu.

Neste sentido mando para a mesa a minha emenda.

Proposta

Proponho a eliminação do, agora, § 2.° do n.° 33.°; Á. Macieira.

O Sr. Theophilo Braga: - Não lhe é desagradavel ver os direitos civis introduzidos na Constituição, embora a alguns isso possa parecer descabido; mas o que entende é que se deve completar a ideia addicionando a este numero o n.° 48.° do mesmo artigo.

Nesse sentido manda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao n.° 33 se lhe ajuste como paragrapho o n.° 48.° = O Deputado, Theophilo Braga.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Artur Costa: - Mando para a mesa a emenda seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 33.° fique assim redigido: "É livre o exercicio de qualquer genero de trabalho, observadas as leis e regulamentos e bem assim os contratos celebrados em forma legal. Todavia o Estado e as corporações administrativas poderão conceder o exclusivo de qualquer exploração commercial ou industrial quando seja reconhecida conveniencia ou utilidade publica, com a approvação do Congresso da Republica". = O Deputado, Artur Costa.

Foi admittida.

Entendo que não deve tirar-se aos municipios nem mesmo ás juntas de parochia, a liberdade de poderem conceder o exclusivo de exploração de certa industria. Não pode o Congresso tomar a iniciativa d'essa concessão.

Em aldeias bem afastadas da capital do país existem hoje melhoramentos importantes em virtude de concessões administrativas.

Citarei, para exemplo, o concelho de Figueira de Castello Rodrigo, que tem luz electrica em virtude de uma concessão administrativa.

O mesmo succede noutros pontos. Até na freguesia de Escalhão vae haver luz electrica, por virtude de uma concessão feita pela junta de parochia.

É preciso que as corporações administrativas, fiquem com poderes para fazer essas concessões, subordinadas, é claro, ao Codigo da Republica.

Foi lida na mesa e admittida a emenda apresentada pelo Sr. Artur Casta.

O Sr. Pedro Martins: - Apresento tambem duas propostas a este numero. São as seguintes:

1.° Periodo

"E garantido o livre exercicio de todo o genero de trabalho, industria e commercio, salvas as reslricções da lei por utilidade publica". = Pedro Martins.

2.° Periodo

"Só o Congresso da Republica e os corpos administrativos, e nos casos de reconhecida utilidade publica, poderão conceder o exclusivo de qualquer exploração commercial ou industrial". = Pedro Martins.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado inscrito vae passar-se ás votações.

Posto á votação o n.° 33.Q foi rejeitado, assim como as propostas dos Sr s. Tiago Salles, Adriano Pimenta, Artur Costa e Manuel José da Silva.

Foi approvada a proposta do Sr. Pedro Martins á primeira parte do numero e a do Sr. Theophilo Braga. As restantes ficaram prejudicadas.

O Sr. Presidente: - Como a Camara approvou que o n.° 33.° ficasse incluido no n.° 48.°, constituindo um paragrapho, fica este em discussão.

Leu-se na mesa.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: não se pode estar a votar um assunto que ainda não foi discutido.

O Sr. Presidente: - Eu propus á Camara, e foi em virtude d'isso que o n.° 48 passou a ser paragrapho do n.° 33.°, está portanto em discussão o n.° 48.

O Sr. Sebastião Baracho: - Chamo a attenção da Assembleia para o facto de que a redacção do n.° 48.° do artigo 5.°, é differente da que se encontra no projecto primitivo da commissão. Eu não concordo nem com uma nem com outra, e por isso mando para a mesa a seguinte emenda:

"E a todos garantido, nos termos da lei e regulamentos especiaes, o direito de cessarem collectiva e pacificamente o trabalho".

Entendo que o direito de greve deve ficar consignado no codigo fundamental da Republica, e poder ser exercido por todos os trabalhadores.

O Sr. João Ricardo: - Sr. Presidente: eu pedia a V. Exa. que elucidasse a Camara sobre qual é a redacção do artigo 33.° Não sei se as camaras municipaes ficam ou não com as faculdades que o projecto lhes dá.

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O Sr. Presidente: - O que se votou foi a substituição mandada para a mesa pelo Sr. Dr. Pedro Martins. Aqui na mesa pareceu que essa substituição abrangia todo o n.° 33.°, mas na realidade não abrange.

Abrange só o § 1.° do n.° 33.°

Tem que haver um segundo projecto de substituição e é este projecto de substituição que vae ler-se.

Leu-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Como foi substituido o § 1.° d'este artigo, ponho á votação agora, separadamente, o § 2.°, a que ha só uma proposta de substituição.

Como ninguem pede a palavra vae votar-se.

Foi approvado.

Está agora em discussão o n.° 48.°: como paragrapho ao n.° 33.°

O Sr. Antonio Macieira: - V. Exa. obsequeia-me muito dando-me uma explicação, antes de eu usar da palavra.

Eu entrei na sala no momento em que a Camara se pronunciava não sei se sobre uma votação.

Foi votada alguma cousa?

O Sr. Presidente: - Foi votada e approvada pela Camara uma proposta do Sr. Teophilo Braga, em virtude da qual o n.° 48.° passa a ser paragrapho do n.° 33.°

O Sr. Antonio Macieira: - Sem prejuizo da discussão?

Vozes: - Está claro.

O Sr. Presidente: - Em virtude d'essa resolução é que pus agora á discussão o n.° 48.°

O Sr. Antonio Macieira: - Sr. Presidente: o n.° 48.° não satisfaz como está redigido.

Eu sou pelo direito da greve, mas, da mesma sorte que se permitte que o assalariado use do direito da greve, entendo tambem que o patrão tem igual direito de usar do que se chama lock-out.

Pela forma que o artigo está redigido parece-me que se quer só referir a patrões e, se este artigo passar, como este direito fica considerado constitucional, parece-me de toda a conveniencia substituir a palavra directores pela palavra empresas, mas sem deixar de affirmar que este é apenas sobre o direito de greve.

Acho ser a unica maneira possivel do operario fazer valer os seus direitos sobre os patrões e os patrões sobre os operarios.

Entendo, porem, que este artigo não é constitucional (Apoiados) O que deve ser eliminado. (Apoiados).

Eu sei, Sr. Presidente, que hoje é constitucional tudo quanto se colloque numa Constituição. Antigamente não.

Hoje ficamos muito admirados quando consultamos as outras Constituições e vemos nellas cousas que nunca imaginámos que fossem constitucionaes.

E tambem me parece que, desde que a Republica, em diplomas especiaes, proclamou o direito á greve e não pode haver opinião que volte para trás, porque a Republica não se fez para fazer obra de carangueijo, mas sim obra proveitosa, a verdade é, com sinceridade o digo, que não comprehendo a necessidade de se inserir na Constituição o direito á greve.

Não quero ser de opinião menos regular, mas entendo que o assalariado tem o direito do greve como o patrão, e portanto proponho a eliminação do n.° 48.° d'este artigo

O Sr. Pedro Martins: - É simplesmente para expor ideias semelhantes áquellas que apresentou o Sr. Deputado Antonio Macieira.

O Sr. Jacinto Nunes: - Vou ler uma emenda que mando para a mesa.

Leu.

Sr. Presidente e meus Senhores: não se diga que não ha trabalho, porque não estamos no interior da Africa.

Trabalha quem quer e deixa de trabalhar quem não quer trabalhar; portanto acho que o n.° 48.° está prejudicado pelo n.° 33.° do artigo 5.°

Tenho dito.

Leu-se na mesa a proposta.

Proponho que seja eliminado o n.° 48.° do artigo 5.°, por inteiramente desnecessario. = O Deputado pelo circulo n.° 44, J. Jacinto Nunes.

Foi adimittida.

O Sr. Angelo Vaz: - Concordo inteiramente com as considerações feitas pelo Sr. Deputado Antonio Macieira.

Entendo que o direito da greve é um direito fundamental nas sociedades modernas, que aliás deve manter-se nesta Constituição.

É a natural consequencia da liberdade de trabalho, e eu que a reconheço entendo que os direitos devem ser reconhecidos tanto ao proletariado como ao patronato, e sou tambem de opinião que se adopte outra designação, porque estas palavras directores de industrias se refere com destricção ao patronato.

Voto pela manutenção na Constituição d'este § 48.°, porque o acho indispensavel.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: pedi a palavra para affirmar que estou de acordo com o n.° 48.° do artigo 5.°, ao contrario dos oradores que me precederam, porque entendo que esta doutrina deve figurar na Constituição, porque representa uma conquista do operariado.

Tenho dito.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Sr. Presidente, concordo tambem com a emenda proposta pelo Sr. Deputado Antonio Macieira porque não posso votar, de maneira nenhuma, que na Constituição não seja consignado o direito á greve.

Eu quero que isto fique consignado no Diario das Sessões, porque, entendo, tambem, que, os funccionarios do Estado, devem ter o mesmo direito de reunião e petição.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que em vez de se dizer no n.° 48.° do artigo 33.°: "É garantido aos directores...", se diga: "É garantido ás empresas", etc. = Ladislau Piçarra.

Foi admittida.

O Sr. Affonso Costa: - Diz que não representando o n.° 48 um direito que pertença a todos os cidadãos, mas somente a duas classes, operarios e patrões, não pode evidentemente ser considerado como materia constitucional.

A Constituição tem de ser um diploma equilibrado; não pode ser demagógica nem reaccionaria, conservadora nem radical. Nella portanto só deve figurar o que for verdadeiramente constitucional, e em materia de direitos, o que aproveite a todos e não somente a determinadas classes.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 25

O direito á greve está já estabelecido na nossa legislação e nada ha que d'ella o possa arrancar. É uma conquista do operariado que jamais desapparecerá. Querer, porem, inseri-la na Constituição, é que lhe não parece bem.

O não ficar esse principio consignado na Constituição não pode ser considerado por ninguem de boa fé como uma falta de consideração pelas classes interessadas, pois que não se lhe nega o direito á greve, o que se reconhece é que elle não tem cabimento no nosso codigo politico.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: eu não tencionava falar durante a discussão na especialidade d'este projecto e tinha resolvido limitar-me a approvar ou rejeitar o que entendesse.

Effectivamente, Sr. Presidente, toda a obra deve ser homogenea.

Quem faz uma construcção, é que a deve completar.

Quem faz o esqueleto, deve tambem fazer o enchimento, o reboco, a pintura, põe-lhe o seu nome, para ter toda a gloria, mas tambem todas as responsabilidades.

Não pretendo por forma alguma melindrar a Camara criticando as suas resoluções, mas sim accentuar bem, que, discordando das bases da Constituição, se explicava muito naturalmente o meu proposito de abster-me de discutir assuntos secundarios.

Tem-se seguido na discussão uma orientação muito... timida.

Na Constituição que se discute estão até disposições retrogradas, como as relativas á prisão sem culpa formada.

Ao passo que se tem consignado principios não fundamentaes tem-se deixado de o fazer com outros de extraordinaria importancia.

Lamento, que desappareça da Constituição o direito á greve, que é um principio indiscutivel em todos os países civilizados. Apesar da minha resolução não posso, nesta altura, ficar calado.

O meu espirito não me permitte deixar passar sem protesto uma tal eliminação.

Eu sou tambem de opinião, que numa Constituição só se devem consignar principios fundamentaes, (Apoiados do Sr. Ministro da Justiça), mas tem-se approvado já muitos artigos, que não são fuudamentaes, e por isso é inadmissivel, que agora se deixe de consignar este.

Isso é de uma grande imprudencia. (Agitação na Assembleia, não apoiados, apoiados).

O Orador: - Digo isto, Sr. Affonso Costa, e digo-o bem alto, é uma imprudencia. (Não apoiados, apoiados).

O Sr. Affonso Costa: - Não se trata de retirar direito nenhum, mas de o collocar no seu logar.

O Orador: - Foi uma das primeiras medidas do Governo Provisorio decretar esse bom principio, por consequencia, se agora o não consignamos aqui, parecerá, que a nossa opinião, que a opinião da Assembleia é contraria a elle.

Vozes: - Não apoiado.

Interrupção do Sr. Deputado Antonio Macieira, que se não ouviu.

Apartes.

O Orador: - O Sr. Affonso Costa disse que é hoje um principio indiscutivel o direito á greve.

Pois se é indiscutivel porque não se pode incluir na Constituição?

O Sr. Affonso Costa: - Como é o direito á vida. E onde está o direito á vida na Constituição?

O Orador: - Eu tenho uma opinião muito differente de quasi todos com respeito a greves, devo dizê-lo aqui, mas neste momento entendo que é indispensavel consigná-lo como principio fundamental.

As greves tem um limite.

O direito á greve deve ser apenas um direito economico, um dos episodios da luta entre o capital e o trabalho; a que o Estado deve ser indifferente.

A greve nunca deve ser politica ou revolucionaria mas uma simples abstenção de trabalho.

O proprio artigo 48.° diz: "collectiva e pacificamente" e por isso eu não posso deixar de o approvar. São já tantos os direitos do capital, que se devem aqui tambem claramente consignar os direitos do trabalho.

O Sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscrito. Vae ler-se a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Deputado Antonio Macieira.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam esta emenda tem a bondade de se levantar.

Está rejeitada.

Uma voz: - Requeiro a contraprova.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam esta emenda tem a bondade de se levantar.

Está approvada.

Vozes: - Não está approvada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o n.° 34.°

Leu-se.

O Sr. Padua Correia: - V. Exa. diz-me se esse numero foi rejeitado ou approvado?

Vozes: - Votação nominal.

O Sr. Presidente: - Foi approvado.

Sussurro.

O Sr. Aresta Branco: - Quem pode garantir que foi approvado?

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Padua Correia: - Requeiro votação nominal.

Vozes: - Já está approvado.

O Sr. Presidente faz-se substituir pelo Sr. vice-presidente.

O Sr. Presidente: - Convido os Srs. Deputados a occuparem os seus logares. Está em discussão o n.° 34 do artigo 5.°

Vozes: - Não pode ser, votação nominal.

Vozes: - Está votado.

Vozes: - Ordem, ordem.

Página 26

26 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara.

A votação foi feita por levantados e sentados; fez-se a contagem e verificou-se que approvaram a eliminação 68 deputados e rejeitaram 66, portanto está approvado.

Vozes: - Não pode ser.

Vozes: - Já está votado.

O Sr. Presidente: - Todos os requerimentos que V. Exas. fizeram para contraprovar a votação nominal foram feitos depois de já feita a votação, e, por consequencia, não podem ser tomados em consideração.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 34.°

O Sr. Ribeiro Seixas: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que o n.° 34.° do artigo 5.° do projecto em discussão fique assim redigido:

"34.° Os inventos industriaes e as descobertas scientificas pertencerão aos respectivos autores, aos quaes a lei garantirá um privilegio temporario ou indemnizará do prejuizo soffrido, quando ao interesse publico convenha a sua vulgarização".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, A. Ribeiro Seixas.

Foi admittida.

O Sr. Germano Martins: - Desde que foi considerado que o n.° 32, é garantia do direito de propriedade em toda a sua plenitude, seguindo-se as limitações estabelecidas, desde que o ponto de materia d'este artigo, foi ré solvido no n.° 32, eu proponho a eliminação d'este numero, e, neste sentido, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação dos n.ºs 34.°, 35.° e 36.° do artigo 5.° = Germano Martins.

Foi admittida.

O Sr. Pedro Martins: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta em tudo identica á que acaba de ser enviada pelo Sr. Germano Martins.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Eu desejaria que fosse eliminado o artigo 34.°, mas, na impossibilidade de o poder ler, eu mando para a mesa o seguinte:

Proponho a seguinte substituição no n.° 34.°:

"Os inventos constituem propriedade dos seus autores, respectivos herdeiros ou representantes, aos quaes poderá ser concedido, como a lei determinar, o gozo exclusivo por tempo illimitado; mas se ao interesse publico assim convier serão os inventos expropriados, indemnizando-se os respectivos proprietarios". - O Deputado, Brito Camacho.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscrito vae proceder se á votação.

Vae ler-se a eliminação proposta pelo Sr. Germano Martins.

É lida sendo approvada.

Todas as outras propostas foram rejeitadas.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão, o n.° 35.°

Leu-se.

O Sr. Pedro Martins: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação do n.° 35.º = Pedro Martins.

Foi admittida.

O Sr. Tiago Salles: - Desejo tambem que se elimine o artigo 35.°

O Sr. Brito Camacho: - Tambem desejaria a eliminação d'este numero: caso não seja eliminado, proponho a seguinte substituição:

Proposta

Proponho que seja assim substituido o n.° 35.°:

"A propriedade das marcas de fabrica e de commercio, dos nomes industriaes, commerciaes, das recompensas obtidas por industriaes, commerciantes e agricultores e dos desenhos e modelos de fabrica, será estabelecida e garantida como a lei determinar". = O Deputado, Brito Camacho.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscrito, vae proceder-se á votação da proposta de eliminação do Sr. Pedro Martins.

Foi approvada.

Posta á votação a substituição do Sr. Brito Camacho, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 36.°

Leu-se.

O Sr. Germano Martins: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação d'este numero. Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, Germano Martins.

Foi admittida.

O Sr. Casimiro de Sá: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o segundo periodo do n.° 36.° do artigo 5.° seja assim redigido:

"Os herdeiros dos autores gozarão d'esse direito em toda a sua amplitude". - O Deputado, Rodrigues de Sá.

Foi lida e não foi admittida.

O Sr. Antonio Maria da Silva: - Se este numero não for á degola, proponho a emenda seguinte:

Proposta

"N.° 36.° Aos autores nacionaes de obras literarias e artisticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-las

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 27

pela imprensa ou por qualquer outro processo technico; e aos autores estrangeiros é garantido igual direito nos termos expressos nas respectivas convenções.

§ unico. Os herdeiros dos autores gozarão do mesmo direito pelo tempo que for determinado em lei especial".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio Maria da Silva.

Lida na mesa, não foi admittida.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Se uso da palavra é para declarar que approvo a eliminação de todos os artigos que não envolvam materia estrictamente constitucional.

Foi simplesmente por pensar assim que eu ha pouco não approvei, tornando me solidario com o voto da Camara, que ficasse garantido na Constituição o direito á greve.

Faço esta declaração para que a ninguem seja licito suppor que a Camara discorda do direito á greve.

O Sr. Presidente: - Como não está mais ninguem inscrito, vae ler-se, para se votar, a proposta de eliminação do Sr. Germano Martins.

Foi approvada.

As outras propostas foram rejeitadas.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 37.°

Leu-se.

O Sr. Pereira Victorino: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta Proponho que ao n.° 37.° se junte:

"Todas as autoridades e funccionarios, sob pena de demissão, suspenderão immediatamente os termos de qualquer processo de cobrança de contribuições do Estado, a cujo pagamento nenhum cidadão poderá ser obrigado, desde que o poder judicial, se o Congresso não estiver reunido, declare nos termos do artigo 53.°, o poder executivo fora da esfera de attribuições que nesta Constituição lhe são prescritas.

A cobrança, coerciva ou voluntaria, só proseguirá depois que o Congresso se manifeste sobre a causa da suspensão". = Antonio Barroso Pereira Victorino.

Esta minha proposta tem por fim evitar, como estão vendo, que o poder executivo se declare ou se colloque em ditadura.

Foi rejeitada a admissão da proposta do Sr. Pereira Victorino.

O Sr. Antonio Macieira: - No n.° 37.° diz-se que "ninguem é obrigado a pagar contribuições que não tenham sido votadas pelo Congresso ou pelas corporações administrativas legalmente autorizadas a lançá-las e cuja cobrança não se faça pela forma prescrita na lei".

Evidentemente estamos a legislar para o futuro; este numero não quer referir-se a qualquer legislação anterior.

As disposições transitorias ha de conte-las a Constituição, no seu final, para regular os casos transitorios. Isto é apenas uma explicação do meu voto para quando for posto á votação este numero.

Mas entendo que a segunda parte d'este numero que começa na palavra "todo" e acaba na palavra "concessão", é inteiramente inutil.

Mando, por isso, uma emenda, propondo a eliminação d'estas palavras: "todo o funccionario publico, etc., até o final na palavra concessão".

A Constituição não estabelece penas, estabelece principios.

Isto está, ha muito tempo, no espirito da Assembleia.

Proposta

Proponho:

Eliminar a segunda parte do n.° 37.° que começa pela palavra "todo" e acaba na palavra "concessão". - O Deputado, Antonio Macieira.

O Sr. José Barbosa: - Pedi a palavra para declarar que a commissão acceita a proposta do Sr. Antonio Macieira e está de acordo com a doutrina apresentada por S. Exa.

O Sr. Pedro Martins: - Mando para á mesa uma proposta concebida nos seguintes termos:

Proponho que o termo "Congresso" seja substituido por este: "Poder legislativo". = Pedro Martins.

Foi admittida.

Postas a votação foram approvadas as emendas apresentadas pelo Sr. Antonio Macieira e pelo Sr. Pedro Martins.

Foi approvada a primeira parte do n.° 37.° e eliminada a segunda, em harmonia com a proposta do Sr. Antonio Macieira.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 38.°

Leu-se.

O Sr. Alberto Charula Pessanha: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 38.° seja additado pela fornia que segue: "tornando-a extensiva a materias de liberdade de imprensa".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, Alberto Charula.

Foi admittida.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a disposição do n.° 38.° do artigo 5.° seja transferida para a secção 3.ª do titulo 4.° - "Do poder judicial" - sendo então estudada e discutida.

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = O Deputado, Barbosa, de Magalhães.

Foi admittida.

V. Exa. vê que não trata de garantias de direitos individuaes, mas sim da forma do poder judicial. E, portanto, para essa secção 3.ª d'esse numero que tem de ser transferida.

Parece-me que isto não levantará duvidas da parte da Assembleia, mas, se esta entender que neste artigo 5.° a disposição deve ficar, devo declarar á Camara que approvo não só o additamento do Sr. Charula, mas desejava que se determinasse, expressamente, em que casos intervirá o jury porque, como está, o mesmo é dizer não.

Eu desejaria, pelo menos por agora, emquanto a Constituição não é revista, que o jury ficasse facultativo, como está, fosse obrigatorio para os processos criminaes...

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28 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Affonso Costa: - Parece-me que a proposta do Sr. Barbosa de Magalhães, com a qual concordo, constitue uma questão previa. A Camara decidirá.

Relativamente á emenda do Sr. Deputado Alberto Charula devo dizer que, pela sua redacção, pode deprehender-se que ainda não havia jury para delictos de imprensa.

Interrupção do Sr. Alberto Charula.

O Orador: - Hoje por delicto de imprensa não se pode ser julgado senão pelo jury.

Sou de opinião que esta garantia seja mantida na Constituição.

O Sr. João José de Freitas: - Entendo que, constituindo este numero uma garantia individual, o seu logar proprio é aqui.

Relativamente á emenda do Sr. Alberto Charula, devo dizer que igualmente entendo que deve ficar consignado como materia constitucional, que o jury terá tambem representação no julgamento dos crimes de liberdade de imprensa.

O Sr. Joaquim Pedro Martins: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 38.° seja inserto no titulo, ou sem "poder judicial". = Pedro Martins.

Foi admittida.

O Sr. José Maria Pereira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que em harmonia com § 1.° do artigo 109.° do Regimento, a proposta do Sr. Deputado Barbosa de Magalhães seja considerada questão previa. - O Deputado, José Maria Pereira.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento. Leu-se e foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 39.° do artigo 5.°

Leu-se.

O Sr. Casimiro de Sá: - Declara que votou que ficasse na Constituição consignado o direito á greve, assim como em outra sessão votou contra a eliminação dos n.ºs 22.° e 23.°, porque entende que devem consignar-se no codigo fundamentai todos os direitos e garantias dos cidadãos.

Com respeito ao n.° 39.° que está em discussão, entende que o sigillo da correspondencia deve ser respeitado, sem exclusão da correspondencia telegraphica. Nesta parte, tem-se abusado.

Manda para a mesa o seguinte additamento:

Additamento

Proponho que ao n.° 39.° do artigo 5.° se addite o seguinte, para ser inserido immediatamente á palavra inviolavel.

"E os despachos telegraphicos somente poderão ser retidos no caso em que o seguimento d'elles ponha a segurança do Estado em perigo, ou quando envolva attentado insofismavel ao bem e á ordem publica: em hypothese alguma, porem, será permittido mutilá-los e depois expedi-los".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Foi admittido.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Bernardino Roque: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

N.° 39.° do artigo 5.° do projecto de lei n.° 3:

Proponho que seja assim redigido: "O sigillo da correspondencia é inviolavel. Todo aquelle que infringir este preceito cairá sob a alçada da lei".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = Antonio Bernardino Roque.

Foi admittida.

O Sr. Antonio Macieira: - Desisto da palavra.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - O artigo em discussão está redigido da seguinte forma:

Proposta

Proponho que o n.° 39.° fique redigido da seguinte forma:

"N.° 39.° O sigillo da correspondencia é inviolavel".

Sala das Sessões, em 31 de julho de 1911. = Estevam de Vasconcellos.

Eu entendo que constitue materia constitucional e não pode ser resolvido por uma simples lei. Mando a minha proposta para a mesa.

Leu-se na mesa e foi admittida.

O Sr. Bernardino Roque: - Concordo com a proposta do Sr. Vasconcellos, e peço licença para retirar a minha.

A Camara concedeu licença.

O Sr. Antonio Maria da Silva: - Sr. Presidente: concordo com a proposta do Sr. Vasconcellos, mas a segunda parte á uma materia para só ser regulamentada pela lei juridica.

Obrigou-me a pedir a palavra o nosso collega Casimiro de Sá. Eu tinha a dizer a S. Exa. que não se pode alterar esta parte do artigo 7.° da Convenção, por que isso respeita á parte internacional, e o país que assim fizesse ficava retirado da Convenção; e passavamos outra vez ao tempo da mala-posta.

Quer V. Exa. queira, quer não queira, tem de manter-se esta disposição.

Nada mais tenho a dizer e concordo com a proposta.

O Sr. Artur Costa: - Desisto da palavra. Concordo com a proposta do Sr. Vasconcellos.

O Sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscrito vae votar-se.

A proposta do Sr. Vasconcellos não é uma proposta de eliminação é uma proposta de substituição.

Vae votar-se o n.° 39.° como está no projecto.

O Sr. João de Freitas: - Peço a palavra para propor que se faça a votação em separado.

O Sr. Presidente: - O que está á votação é o n.° 39.º do projecto.

Posto á votação o n.° 39.° foi rejeitado.

Foi igualmente rejeitada a proposta do Sr. Casimiro de Sá.

Foi approvada a proposta do Sr. Estevam de Vasconcellos.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 29

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 40.°

Leu-se.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: diz aqui: "é garantida a assistencia a todas as crianças".

Acho pouco. Que quer isto dizer? É como se dissesse: o ensino é obrigatorio, mas não ha quem o ministre.

Não está nada organizado, nada fica consignado.

Eu queria que se organizasse o mais breve possivel a assistencia infantil.

Proposta

Proponho que seja consignado o seguinte: "É garantida a assistencia a todas as crianças". - Ladislau Piçarra.

Não foi admittida.

O Sr. Artur Costa: - Por entender desnecessario que a Constituição diga que o Estado tem obrigação de garantir a assistencia publica, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a suppressão do n.° 40.° do artigo 5.° = O Deputado, Artur Costa.

Não foi admittida.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Entendo que este numero deve ficar redigido tal como está.

O Sr. Bissaia Barreto: - Acho indispensavel que este artigo fique consignado na Constituição.

Não temos o serviço da assistencia organizado como deve ser, mas entendo que deve ficar, para o Estado encontrar aqui um estimulo, a fim de empregar toda a sua energia para, não só criar a assistencia publica ás crianças, mas de uma maneira geral.

O Sr. Presidente: - Como não está mais ninguem inscrito e tendo sido rejeitadas todas as emendas apresentadas, vou pôr á votação o numero tal como está redigido.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o n.° 41.°

Leu-se.

O Sr. Angelo Vaz: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 41.° do artigo 5.° fique assim redigido:

"Todo o cidadão poderá apresentar, por escrito, ao poder legislativo, ao poder executivo e ao poder judicial, reclamações, queixas ou petições, e expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente autoridade a effectiva responsabilidade dos infractores". = Angelo Vaz.

Foi admittida.

O Sr. João de Freitas: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Todo o cidadão poderá apresentar, por escrito, aos poderes legislativo e executivo, reclamações, queixas ou petições, etc.". (O resto do numero como está no projecto). = O Deputado, João de Freitas.

Foi admittida.

O Sr. Adriano Pimenta: - É necessario evitar-se a repetição de abusos de que todos, certamente, ainda se lembram.

Sempre que uma autoridade abusava do seu poder era uma necessidade, antes de se proceder contra ella, pedir autorização ao Governo. Portanto, como substituição ao n.° 41.°, em discussão, apresento a seguinte

Proposta Proponho a seguinte substituição do n.° 41.°:

"N.° 41.° É garantido o direito de reclamação e petição aos poderes legislativo e executivo, bem como a de exposição de qualquer infracção de Constituição e leis.

§ unico. É assegurado o direito de proceder judicialmente contra os funccionarios responsaveis de qualquer infracção das leis sem necessidade de autorização previa para o respectivo processo". - Adriano Pimenta, Deputado pelo Porto.

Foi admittida.

O Sr. Presidente: - Como faltam apenas dez minutos para se encerrar a sessão, consulto a Camara sobre se entende que deva ser prorogada a sessão até se votar este numero.

Consultada a Assembleia, resolveu affirmativamente.

O Sr. Pedro Martins: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta Proponho que o n.° 41.° seja assim redigido:

"Todo o cidadão poderá apresentar aos poderes do Estado reclamações, queixas e petições, expor qualquer infracção da Constituição, e, sem necessidade de previa autorização, requerer perante a autoridade competente a effectiva responsabilidade dos infractores". = Pedro Martins.

Foi admittida.

O Sr. Sidonio Paes: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 41.° fique assim redigido:

"E garantido o direito de petição". = Sidonio Paes.

Foi admittida.

Este artigo tem de soffrer uma redacção inteiramente nova.

Leu-se na mesa e foi admittida.

O Sr. João de Freitas: - Uso novamente da palavra para dizer que, em contrario da emenda apresentada pelo Sr. Deputado Antonio Macieira, julgo indispensaveis estas palavras: "por escrito".

As reclamações deverão ser sempre apresentadas por escrito.

É muito velho o aphorismo: as palavras...

As petições deverão sempre ser feitas por escrito, a fim de que ninguem possa dizer que não foram apresentadas em termos viaveis.

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30 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Quanto á emenda apresentada pelo Sr. Angelo Vaz, julgo-a insufficiente.

E indispensavel consignar o direito de apresentar por escrito queixas e petições.

Só o direito de petição, é insufficiente, não basta.

Leu-se na mesa a emenda e foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se o n.° 41.° em discussão e depois as substituições que foram mandadas para a mesa.

Leu-se na mesa o n.° 41.° e, posto á votação, foi rejeitado assim como as substituições apresentadas pelos Srs. Angelo Vaz e Adriano Pimenta.

Foi approvada a substituição apresentada pelo Sr. Pedro Martins.

A proposta do Sr. Sidonio Paes ficou prejudicada.

O Sr. Presidente: - Faltam minutos para dar a hora, vou encerrar a sessão.

O Sr. Aresta Branco: - Mas eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão!

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. quer usar d'ella durante o minuto que falta para encerrar a sessão, concedo-lh'a?

Resposta affirmativa do Sr. Deputado.

O Sr. Aresta Branco: - Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão por causa da votação do n.° 48.° porque desejo dar umas explicações.

Eu quero ser coherente commigo mesmo e com os principios que sempre tenho defendido.

Ha pouco disse V. Exa. que não me podia garantir que a votação sobre este numero tivesse sido por maioria de votos, mas com isto não quis offender V. Exa.

O que queria dizer era simplesmente que, pela confusão que havia na Camara, seria impossivel fazer-se a contagem a rigor e que houvera precipitação.

Se na Constituição se garante o direito de exercicio de qualquer genero de trabalho, não comprehendo porque se não ha de garantir o direito a não trabalhar.

Isto é uma conquista do proletariado, conquista honesta e justa. Se esta conquista foi atirada á rua, se uma das primeiras garantias que o Governo concedeu era injusto ficar aqui, nenhuma, absolutamente nenhuma...

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Mais do que a garantia da greve o Governo concedeu ao operario e nem por isso na Constituição se faz menção d'essas regalias.

S. Exa. pede que se inscreva o direito da greve.

Nós não podemos estar a aconselhar um estado de guerra, que resulta de circunstancias e de factos.

O Orador: - Então se isto não é materia constitucio nal para que vem aqui?

O Sr. Ministro da Justiça é de todas as pessoas que estão nesta Camara, talvez o unico que ainda não tenha exposto a sua vida á frente das multidões numa occasião de greve, como eu já expus para solucionar algumas que julguei insensatas.

Eu provoquei uma acção em todo o Alemtejo e Algarve para que fosse exterminada, como foi, a greve que ali se ia desenvolvendo.

Pois essa greve não durou uma hora, e não foi preciso o regulamento do Sr. Ministro do Fomento para a solucionar.

Esse regulamento foi sanccionado com uma pena que se chama...

Eu sou contra as greves, mas para que ninguem dissesse que nós recuamos, desejaria que o principio ficasse estabelecido na Constituição.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Isso só podia dizê-lo quem estivesse de má fé, porque não pode infringir-se principio nenhum constitucional.

O Orador: - Ninguem é capaz de garantir que amanhã, depois de fazermos sacrificios de vida e de saude, não estando aqui este principio...

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Pondero á Assembleia, que não se consignou na Constituição o direito á greve, porquanto constitue elle um direito geral a todos os cidadãos.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se levantar a sessão.

A proxima sessão é amanhã 1 de agosto ás 2 horas da tarde sendo a ordem dos trabalhos a seguinte:

Antes da ordem do dia: discussão sobre a crise que afflige o operariado da construcção da região das pedreiras de Cintra;

Interpellação do Sr. Sá Pereira ao Sr. Ministro da Marinha;

Idem do Sr. Ezequiel de Campos ao Sr. Ministro da Marinha;

Idem do Sr. Manuel Bravo ao Sr. Ministro da Justiça.

Na ordem do dia: continuação da discussão do projecto n.° 3, Constituição.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e vinte minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Declarações de voto

Desejamos que fique consignado na acta d'esta sessão o nosso voto contra a eliminação do artigo 48.° do projecto de Constituição.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, em 31 de julho de 1911. = Os Deputados, Miguel Augusto Alves Ferreira = João Brandão.

Declaro que votei pela eliminação do numero 48.° do artigo 5.° por não o considerar constitucional, embora acceite o remedio do appello á greve ahi consignado.

O Deputado = Germano Martins.

Para a acta.

Declaro que votei contra a emenda proposta pelo Sr. Dr. Macieira ao n.° 32.° do artigo 5.°, por equivaler á annullação pura e simples da garantia conferida pelo projecto ao direito de propriedade.

O Deputado, pelo circulo n.° 44. = J. Jacinto Nunes.

Para a Secretaria.

Representações

1.ª Da Liga Agraria do Norte, pedindo que não venham a ser introduzidos no país óleos que nada teem de commum com o azeite de oliveira e que só este seja importado e na quantidade necessaria para o consumo até a colheita.

Á commissão de agricultura.

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SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 31

2.ª Do Centro Democratico Guilherme Braga, de Gaia, enviando uma moção, manifestando o seu protesto contra o jogo, reclamando que as leis que o interditam sejam rigorosamente cumpridas.

Á commissão de legislação.

3.ª Da Camara Municipal de Bragança contra o decreto de 25 de maio ultimo, que instituiu as Juntas dos Partidos Municipaes.

Á commissão de legislação.

O REDACTOR = João Saraiva.

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APPENDICE A SESSÃO N.° 34 DE 31 DE JULHO DE 1911 33

Discurso proferido pelo Sr. Presidente do Governo (Theophilo Braga), que devia ler-se a pag. 23 da sessão n.° 34 de 31 de julho de 1911

O Sr. Presidente do Governo (Theophilo Braga): - Neste artigo 5.° comprehendem-se os direitos civis do cidadão português, essencialmente garantidos pela Constituição ou codigo politico para esse fim estatuido. Trata-se no seu n.° 33.°, sob o aspecto mais geral, de garantir a liberdade de trabalho. É isto objecto do direito civil, nas suas formas concretas; mas o espirito do direito moderno não separa o objecto dos direitos individuaes, da garantia politica que os faz subsistir.

O direito civil existiu antes do direito politico. Foi assim que o direito publico saiu do direito privado ou civil, por uma evolução normal.

Hoje estamos na inversa; a Revolução assentou as bases politicas dos direitos do homem.

Hoje os direitos privados ou civis são garantidos pelo direito publico. Não me conformo, por consequencia, com ver actos civis concreta e taxativamente incluidos no codigo politico. Actualmente todos os actos civis dependem da garantia dos direitos politicos.

Ora a liberdade de trabalho, na sua concepção geral, é um direito supremo individual que só o direito politico pode dar-nos; os monopolios e privilegios são a violação d'esse principio.

Podemos ter todos os direitos civis para exercer a nossa actividade, mas se não houver direito politico que nos dê garantia d'isso, é tudo phantasmagoria.

Este n,° 33.° tem o defeito de estar restricto.

Leu:

"qualquer genero de trabalho, cultura, industria ou commercio..."

Pedi a palavra para completar este numero.

Como temos garantida a liberdade para o trabalho, tambem queremos liberdade para cessar o trabalho, tal. como se estatue no n.° 48.°, destacadamente.

São reciprocos.

Isto é principio novo. E principio negativo, mas por isso que é negativo, tambem tem a sua existencia, que carece de regulamentação administrativa.

Proponho, pois, que a este n.° 33.° seja addicionado, como paragrapho, o n.° 48.° que garante a cessação do trabalho, collectiva e pacificamente.

Assim fica completo, embora já exista a lei das greves, de caracter exclusivamente administrativo.

Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao n.° 33.° se lhe ajunte como paragrapho o n.° 48.° = O Deputado, Theophilo Braga.

Foi lida no mesa e admittida.

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