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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

36.ª SESSÃO

EM 2 DE AGOSTO DE 1911.

SUMMARIO.- Antes da ordem do dia. - Chamada e abertura da sessão. - Leitura e approvação da acta da sessão anterior. - Dá-se conta do expediente.- O Sr. Presidente (Braamcamp Freire) faz uma communicação sobre uma representação dos trabalhadores da alfandega.- O Sr. Lopes da Silva requer uma lista dos Srs. Deputados ausentes com licença.- O Sr. Presidente cônsul ta a Camara sobre a nomeação de uma deputação da Assembleia que assista á entrega das credenciaes do Sr. Ministro dos Estados Unidos da America. - Usa da palavra o Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa). - O Sr. Brandão de Vasconcellos invoca o Regimento. - Usa da palavra o Sr. Ministro das Finanças (José Relvas).- São consideradas urgentes as propostas apresentadas por este Sr. Ministro e pelo da Justiça.- O Sr. Presidente communica ter recebido uma representação de uma cominissão delegada de muitos populares que se acham junto do edificio das Cortes, e igualmente refere que a Associação Integridade Republicana apresenta a candidatara do Sr. João Bonança para Presidente da Republica.- Usa da palavra, em negocio urgente, o Sr. Sá Pereira, que apresenta uma proposta sobre o direito á greve. O Sr. Antonio Macieira requer, e é approvada, a generalização do debate. O Sr. Estevam de Vasconcellos apresenta uma moção. - Fala o Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa). - O Sr. Manuel Bravo apresenta uma moção.- Usam da palavra os Srs. Antonio Macieira, João de Menezes, Julio Martins, Antonio Granjo, Manuel José da Silva que apresenta uma declaração de voto, Alfredo Ladeira, Estevam de Vasconcellos e Ministro do Fomento (Brito Camacho).- Usa da palavra o Sr. José de Castro, propondo, e sendo approvado, que a Camara se faça representar na solemnidade promovida pela Junta Liberal. - Apresentam requerimentos os Srs. Joaquim José de Oliveira, Pires de Campos, Franca Borges, Eduardo Abreu e Padua Correia; notas de interpellação, os Srs. Gastão Rodrigues, Alfredo Ladeira, João de Freitas, Miguel Abreu, João Brandão e Lopes da Silva; e o Sr. Nunes da Mata envia uma declaração de voto.

Ordem do dia. - (Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, Constituição). É approvado o artigo 6.° Entra em discussão a epigraphe do capitulo IV. - O Sr. Presidente do Conselho (Theophilo Braga) apresenta e justifica uma proposta.- Usa da palavra, justificando a moção que apresenta, o Sr. Manuel de Arriaga.- O Sr. Pedro Martins propõe uma emenda, que é approvada, assim como parte da emenda do Sr. Theophilo Braga. - Entra em discussão o artigo 7.° - O Sr. Theophilo Braga propõe uma emenda - Usa da palavra o Sr. Alexandre de Barros. - Propõe diversas emendas o Sr. Nunes da Mata.- O Sr. Pedro Martins apresenta tuna substituição, que é approvada - Entra em discussão o artigo 8.° - Propõem emendas os Srs. Sidonio Paes, Nunes da Mata, Pedro Martins, cuja emenda é approvada, Theophilo Braga, Severiano da Silva e Goulart de Medeiros.- Entra em discussão a epigraphe da secção I do capitulo IV. - Propõem emendas os Srs. Theophilo Braga e Pedro Martins, sendo a epigraphe approvada. - Entra em discussão o artigo 9.° - Apresentam substituições e emendas os Srs. Theophilo Braga, Ladislau Piçarra, Sebastião Baracho e Alfredo Ladeira.- Responde ao Sr. Ministro do Fomento o Sr. Lopes da Silva. - O Sr. França Borges dirige duas perguntas ao Governo. Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida). - Usa da palavra o Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho).

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura - Ás 2 horas e 20 minutos da tarde.

Presentes á chamada - 167 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo José Durão, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Xavier Esteves, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Miranda do Valle, José Montez, José Nunes da Mata, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José do Valle Matos Cid, Leão Magno Azedo, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Philemoh da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Salles, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henrique Godinho.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alvaro Xavier de Castro, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Rodrigues da Fonseca, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio José de Almeida, Antonio Ribeiro Seixas, Augusto Almeida Monjardino, Bernardino Luis Machado Guimarães, Joaquim Theophilo Braga, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Tristão Paes de Figueiredo, Julio do Patrocinio Martins, Manuel de Arriaga, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Thomé José de Barroe Queiroz, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Não compareceram á sessão os Srs.: Alberto Souto, Alexandre Braga, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alvaro Nunes Ribeiro, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Maria da Silva, Antonio Xavier Correia Barreto, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Elisio Pinto de Almeida e Castro, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Fernão Botto Machado, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Teixeira de Queiroz, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José dos Santos Cardoso, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Jorge Frederico Vellez Caroço, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Augusto Simas Machado, José Maria Cardoso, José Maria de Padua, José Perdigão, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 3

É lida e approvada a acta da sessão anterior.

Lê-se o expediente.

O Sr. Pedro Martins: - Mando para a mesa a seguinte:

Declarações de voto

Declaro que, se estivesse presente á sessão de 31 de julho, na altura em que foi approvada a proposta de emenda do Sr. Deputado Antonio Macieira ao n.° 32.° do artigo 5.° do projecto n.° 3, não a teria approvado. = Pedro Martins.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do Ministerio do Fomento, enviando copia dos documentos requeridos pelo Sr. Deputado Fernão Botto Machado sobre a Frutuaria de Castello de Paiva.

Para a Secretaria.

2.° Do Ministerio do Fomento, remettendo copia do relatorio da syndicancia feita á escola industrial Fradesso da Silveira, da cidade de Portalegre, satisfazendo ao pedido do Sr. Deputado Baltasar de Almeida Teixeira.

Para a Secretaria.

3.° Do Ministerio do Interior, enviando copia da representação sobre aumento de vencimento da Associação de Classe do Pessoal dos Hospitaes Civis Portugueses, requerida pelo Sr. Deputado José Alfredo Mendes de Magalhães.

Para a Secretaria.

4.° Dos trabalhadores adventicios da alfandega de Lisboa, pedindo que seja publicada no Diario da Camara a representação que apresentaram ultimamente e que lhes sejam dadas as oito horas de trabalho.

Para a Secretaria.

Do Conselho Executivo da Assembleia Popular de Vigilancia Social, a proposito da moção apresentada em 24 de julho ultimo, declarando ser digna de ponderar.

Para a Secretaria.

Do Ministerio das Finanças. - Communicando que são hoje remettidas as publicações estatisticas de commercio e navegação, emigração, consumo e real de agua, contribuições directas, Boletim Cummircial e Maritimo, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a Secretaria.

Do Ministerio dos Estrangeiros. - Communicando que no dia 3 do corrente, no Palacio de Belem, á 1 hora da tarde, se realiza a audiencia solemne do Sr. V. Morgan, Ministro dos Estados Unidos da America, convidando a Presidencia a ali comparecer e juntamente os Srs. Deputados que se quiserem aggregar.

Para a Secretaria.

Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Senhores Deputado. - Carecendo de aproveitar alguns dias do corrente mês para tratamento de minha saude, e ainda utilizar outros na regularização dos meus serviços particulares, venho pedir a V. Exa. a subida fineza de se dignar consultar a Camara sobre se me concede até trinta dias de licença para começar a gozar no proximo dia 7, á semelhança do que teem permittido a alguns outros collegas.

Saude e Fraternidade.

Sala das Sessões, em 1 de agosto de 1911. = Antonio Alberto Charula Pessanha.

Foi concedida a licença pedida.

Telegrammas

Coimbra. - Peço favor V. Exa. obter-me mais oito dias licença da Assembleia, motivo doença pessoa minha familia. = Fernandes Costa.

Foi concedida a licença pedida.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.- Antonio Granjo, Deputado por Chaves, pede a V. Exa. se digne propor á Assembleia Nacional Constituinte que lhe conceda trinta dias de licença para tratar da saude. = O Deputado, Antonio Granjo.

Foi concedida a licença pedida.

Coimbra.- Commissão Municipal Republicana de Coimbra tendo conhecimento de que todos os conspiradores presos vão ser pronunciados com fiança e de que alguns d'elles, estudantes, estão a fazer actos e interpretando o sentir do partido republicano com respeito a taes factos, pede-se adoptem medidas tendentes a evitar acontecimentos gravissimos. = A Commissão.

Para a Secretaria.

Precisando tratar da minha saude, peço á Assembleia Nacional Constituinte a concessão de oito dias de licença.

Lisboa, em 1 de agosto de 1911. -O Deputado, Antonio Aresta Branco.

Foi concedida a licença pedida.

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa um officio dos trabalhadores adventicios da Alfandega, no qual pedem para que a sua representação seja impressa no Diario do Governo.

Este desejo não pode ser satisfeito, porquanto essa representação está entregue á respectiva, Commissão.

O Sr. Lopes da Silva: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sobre os pedidos de licença?

O Sr. Lopes da Silva: - Sim, senhor. Sobre esse assunto.

Peço a V. Exa. para que me seja enviada uma nota dos Srs. Deputados que estão com licença desde o principio do funccionamento da Assembleia até o presente.

O Sr. Presidente: - O pedido de V. Exa. será: oportunamente satisfeito.

Segundas leituras

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia.

Vae proceder-se á segunda leitura do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Ramada Curto, referente á sonegação de bens á Fazenda Nacional e já publicado no Diario do Governo.

Consulto a Assembleia sobre a admissão d'este projecto.

Foi admittido e enviado a commissão de finanças.

Projecto de lei

Do Sr. Deputado Padua Correia propondo a extincção pura e simples dos tribunaes de honra.

A publicar no "Diario do Governo".

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Proposta

Considerando as conclusões do parecer da commissão de petições, sobre a exposição dos 35 revolucionarios civis que á Assembleia Nacional Constituinte se dirigiram, parecer pela mesma Assembleia approvado, em sessão de 13 do corrente;

Considerando que a Assembleia reconheceu a urgencia de dar collocação a esses 35 revolucionarios, reconhecendo o Governo que os empregasse nas repartições quando e pela forma que possivel fora;

Mas attendendo a que a lei de meios pode impedir, por suas disposições restrictivas, que o Governo torne effectivos os bons e patrioticos desejos da Assembleia;

Attendendo a que as condições pessoaes dos peticionarios são extremamente precarias;

Attendendo a que, sem resoluções concretas e immediatas, o voto anterior da Assembleia resultaria um platonismo que não estava nas nossas intenções;

Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte recommende novamente ao Governo a urgencia dos referidos cidadãos serem collocados como consta da lista annexa) em empregos do Estado, podendo dispensar-se para esse effeito as disposições regulamentares, relativas á investidura nos logares que lhes possam aproveitar, e ainda dos aqui não incluidos que o Governo reconhecer terem igualdade de direitos.

Assembleia Nacional Constituinte, em 1 de agosto de 1911. = Padua Correia.

A Secretaria para segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Tenho a communicar á Assembleia que está sobre a mesa um officio do Sr. Ministro dos Estrangeiros.

Leu-se o officio.

Não sei se é esta exactamente a maneira mais constitucional de receber as credenciaes de um ministro estrangeiro. Mas admittindo que é assim, proponho á Assembleia que se nomeie uma deputação para acompanhar o Governo neste acto, e que essa deputação seja composta da mesa e de todos os Srs. Deputados que quiserem aggregar-se a ella.

Se a Assembleia está de acordo...

Apoiados geraes.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, considero approvada a minha proposta. Vae encerrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Peço a palavra, por parte do Governo, para apresentação de uma proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sr. Presidente: temos a honra de submetter á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta -de lei.

Era duas palavras vou justificar esta proposta de lei.

Como a Assembleia sabe, pelo decreto com força de lei de 20 de abril relativo á separação do Estado das igrejas, estabeleceram-se como direitos adquiridos as pensões ecclesiasticas aos ministros da religião catholica que, em certo prazo, as requeressem.

Os trabalhos das commissões de pensões ecclesiasticas districtaes e da commissão nacional de pensões ecclesiasticas, não puderam, infelizmente estar concluidos a tempo de se começar a fazer o pagamento d'essas pensões desde o mês de julho, que era o primeiro mês da execução da lei da separação do Estado das igrejas.

Parece-me, pois, absolutamente indispensavel, visto que para muitos padres a pensão representa a unica pensão alimentar, pedir á Assembleia algumas providencias dentro do criterio da lei da separação, a fim de se autorizar o Governo a ir adeantando aos parochos as pensões a que teem direito, fixando-se um limite para evitar abusos. Assim, quando o ministro da religião tem ordenado certo, como acontece com os parochos das ilhas e a alguns do continente, o limite que se paga é esse ordenado.

É certo que ha empregados ecclesiasticos que percebem uma remuneração tão baixa que, certamente, a commissão respectiva virá a conceder-lhes mais do que até aqui teem percebido, isto é, desde ha muitos annos.

Comtudo pareceu-me mais regular e mais defensivo dos interesses do Thesouro e dos direitos do Estado que não possa ser recebida senão a dotação que está indicada para a ordem ecclesiastica nesta situação provisoria.

Uma providencia que necessita de uma explicação é o paragrapho ultimo.

Eu recebi recentemente do cabido da Sé de Lisboa um curioso documento, relativo a este assunto.

Como se sabe, o patriarcha de Lisboa e alguns outros ministros da religião do patriarchado recusaram expressamente as pensões, e os que as não recusaram disseram um pouco altaneiramente que não queriam essas pensões pela forma por que o Estado lh'as dava. Todavia, a partir do mês de julho, começaram a apparecer na Secretaria do meu Ministerio folhas de vencimentos, pedindo autorização para serem pagas essas pensões. Assim é que até hoje recebi do Patriarcha de Lisboa uma folha dos seguintes vencimentos:

O Sr. Ministro lê um documento onde se acham fixadas as verbas a despender com diversos membros do clero e com ordenados aos empregados dos templos.

Está claro que o Ministerio da Justiça não podia dar seguimento a estas folhas porque, tendo sido estabelecido, como regime de transição entre nós e a igreja catholica, que os padres tinham direito a uma pensão ecclesiastica, evidentemente que não podia ser pago a nenhum d'elles senão aquillo a que as commissões reconheciam que elles tinham direito. (Apoiados).

O officio que acompanha a nota do Cabido é symptomatico d'esta tentativa de fazer da questão o truc de palavra, sendo redigido de uma maneira verdadeiramente ecclesiastica, com varios distinguo, de modo que elles ficassem bem com o que pode chamar-se o seu escrupulo em receber do Estado aquillo que eram os seus ordenados. Mas o Governo não quer, e certamente a Assembleia tambem não quer entrar em semelhante caminho. (Apoiados).

Dizem elles que não gostaram do nome de pensão, por ser essa palavra affrontosa. Não ha, porem, nenhum outro significado a dar á palavra, assim como não ha nenhuma especie de melindre em chamar pensão ao resultante de um direito que elles consideram adquirido.

Conseguiram, depois de uma longa campanha, que se publicasse a lei de 1890, que estabeleceu a aposentação, e a lei da separação o que faz é, ainda que os respectivos cofres não tenham dinheiro, adeantar as pensões.

O que se fez foi aposentar immediatamente todos os padres, porque a Republica não quer condemnar ninguem á fome. A todos, mesmo aos que eram simples encommendados ou propostos, concedeu se a aposentação.

Porque teem então escrupulo em receber as pensões, quando o Estado em vez de lhes dar pensões mequinhas,

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os collocou numa situação muito melhor do que aquella em que ficaram os padres em França pela lei da separação da igreja do Estado?

Sr. Presidente: em verdade, se se cumprissem as leis que estavam em vigor no regime monarchico, a igreja era a verdadeira escrava do Estado português. Mas nós quisemos essa escravidão e dissemos-lhe que, como não teriamos mais relações com a igreja catholica, a qual seguirá a sua derrota como entender, não queriamos por esse facto condemnar ninguem á fome, apesar de sermos um país arruinado. E apesar de tudo vamos dar-lhes, áquelles mesmo que tenham sido apenas encommendados, as pensões a que teem direito.

Pois isto considera-se vexatorio? Considera se uma esmola?

E emquanto tiveram esperanças, bem illusorias, bem faltas de senso, bem cheias de imbecilidade, de que a Republica Portuguesa ia acabar nas mãos dos conspiradores, então pretenderam dificultar a marcha da Republica!

Alguns padres, todavia, requereram; outros aproveitam-se d'este e de outros meios para conspirarem e lançarem a perturbação na boa marcha da Republica. A estes, é claro, a sua impertinencia não será tolerada. Os bispos, dizendo se interpretes da vontade sobrenatural, aconselharam aos parochos, sob a sua directa dependencia, ou quasi lhes impuseram a não acceitação das pensões, chegando a ameaçar com a da suspensão de todas as ordens e prerogativas os que as acceitassem.

Essas ordens dadas pelos bispos, á face da lei não tinham valor; mas um homem intelligente, conhecedor da disciplina ecclesiastica, sabe perfeitamente que todo esse valor não vae alem do que pode ter uma ordem vinda de qualquer autoridade civil.

Todavia, parece que essa instigação dos bispos fez effeito, porque, na verdade, houve muitos padres que foram levados a não pedir a pensão e alguns que renunciaram a ella. Por isso é que esta lei comprehende a possibilidade de se annullarem essas renuncias, ou de se formularem novos requerimentos, concedendo um prazo para elles até o dia 15 de agosto.

A questão é assim posta com clareza e precisão, e este prazo não poderá ser prorogado, porquanto uma nova transferencia seria um desdouro para a Republica.

Já hoje todo o padre está convencido, de certo, de que pode, sem ser suspenso pelos bispos, requerer a pensão a que tem direito, porque isto lhe está garantido pelo proprio Estado, como já hoje está convencido de que não poderá ser embaraçado legitimamente pelos seus superiores no exercicio do seu ministerio. Esta garantia já lhes foi confirmada pelo Ministro interino da Justiça, Sr. Dr. Bernardino Machado, em 30 de junho.

Os bispos saíram a terreno dizendo que não havia padre nenhum, em circunstancia alguma, que pudesse deixar de cumprir os deveres do seu ministerio, e que por isso não podiam sujeitar-se a receber a pensão. Mas a questão está posta com clareza e lealdade. Desde hoje até o dia 15 de agosto, quem não tiver um espirito acanhado, quem for homem de bem e cidadão português honesto, sabe que, sem pedir esmola, mas exercendo um direito que a lei lhe garante pelo decreto da separação da igreja do Estado, pode pedir de cabeça levantada, a pensão que o Estado lho confere, como una direito que lhe assiste.

Os que o não fizerem, porem, não podem considerar-se nem como abandonados pelo Estado, nem condemnados por este á fome, nem por elle arremessados a uma luta religiosa, nem poderão ter a desculpa de que é a fome, a miseria, que os lança numa guerra contra o Estado.

A resistencia que esses queiram fazer, a perturbação que queiram fomentar, o Estado reprimi-la-ha, reduzindo-os á obediencia. (Apoiados).

Nós não podemos lastimar senão que nos tivessem deixado o Thesouro Publico em condições de não podermos

beneficiar mais os desgraçados, áquelles que os maus padres abandonaram com um espirito antichristão e que o Estado não pode abandonar tambem. (Apoiados).

Apresentando esta proposta, Sr. Presidente, o Governo pede que para ella sejam dispensadas as formalidades regimentaes. Não pode demorar o seu parecer a commissão de finanças porque se trata dos que precisam receber mensalmente essas pensões, que mais tarde poderão ser ainda bastante acrescentadas.

A Republica não sacrifica quem quer que seja!

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Brandão de Vasconcellos: - Invoco o artigo 72.° do Regimento. Não tome o Sr. Ministro da Justiça esta invocação como um desprimor para com S. Exa. O que eu desejo é apenas mostrar que tinha razão quando,, ao discutir-se este artigo, votei contra a inserção d'elle no Regimento.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia, qualquer Deputado e qualquer Ministro podem apresentar as considerações de interesse publico, que entenderem necessarias, para justificar qualquer projecto, principalmente como este, que nem relatorio tem.

No proprio Regimento, no artigo 32.°, n.° 6.°, ha a autorização para apresentação de projectos de lei nessas condições.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): Antes da ordem do dia, não tomando tempo á ordem do dia, pode o Deputado apresentar as considerações que julgar convenientes. Proceda V. Exa. conforme a sua consciencia.

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Vou enviar para a mesa uma proposta de lei que está ligada ao decreto de 17 de outubro de 1910. Esse decreto contem as seguintes disposições:

Leu.

As suas razões fundamentaes e justificação legal estão claramente affirmadas no diploma que acabo de ler.

Trata-se da lei de 29 de julho de 1887, que é ainda a* lei vigente, sendo a que regula as funcções do Banco, e que lhe concedeu a faculdade de emittir notas de ouro e prata, conforme a lei de 1854.

Estabelece-se pelo decreto de outubro de 1910 uma relação constante entre a reserva em prata e as notas representativas da mesma prata em circulação, mantendo-se, automaticamente essa relação.

Quando foi proclamada a Republica as condições eram tão apertadas que basta recordar o projecto do ultimo Ministro da monarchia o Sr. Anselmo de Andrade, que pensava em appellar para as autorizações parlamentares que criaram o credito agricola, destinando ás necessidades urgentes da circulação e do desconto de 3:000 contos de réis dos 5:000 contos de réis votados pelo Parlamento.

É que então, como agora, estavam em presença dai campanha de compra de cereaes, a esse tempo aggravadas as difficuldades pelo retrahimento de uma quantidade consideravel de notas em mãos economicas e receosas.

Esse facto, que ainda não está corrigido, constitue uma das razões justificativas do decreto de outubro e da presente proposta que proroga as suas. autorizações.

No artigo 2.° do decreto de 1910 fixa-se uma disposição para a qual chamo a attenção da Camara. Alem dos 72:000 contos de réis, ouro, o excesso de circulação total de notas torna-se gratuito na conta do supprimento do Governo.

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Assim, com esta providencia, não ha aggravamento de encargos para o Governo.

Emquanto não for possivel o aumento da circulação fiduciaria com o correspondente aumento das reservas em ouro, a forma mais clara, e sem subterfugios, de resolver as difficuldades de insufficiencia do meio circulante é, na opinião do Governo, aquella que venho submetter ao estudo e resolução da Camara.

Não venho exaggerar difficuldades, nem dar-lhes qualquer significação alarmante, que não tem.

Outras e de diversa natureza passaram, e basta que eu as supportasse no silencio que se impõe e é dever de quem occupa estes logares. Mas passaram sem que o país soffresse, e antes avigorando-se em alguns d'esses lances o credito da Nação.

Em virtude d'estas razões, que terei occasião de desenvolver mais largamente na defesa do meu projecto quando for discutido, mando para a mesa a seguinte proposta de lei:

Leu.

Peço licença para chamar a attenção de V. Exas. para a tranquilidade com que acabo de expor á camara este assunto, apesar da agitação que cerca neste momento o Parlamento.

Todos os membros do Governo teem a consciencia de haverem cumprido integralmente os seus deveres e de terem dado principio ao cumprimento do programma do partido republicano, que é hoje o Estado republicano.

Mas não o poderiamos ter executado completamente; isso era absolutamente impossivel, e é preciso não perder de vista as condições de excepcionaes difficuldades, que teem cercado o Governo nos dez meses decorridos desde a revolução.

Não será com manifestações, como essa que eu acabo de presencear, que serão resolvidos os problemas economicos do país.

Por uma feliz coincidencia, trago hoje para submetter á decisão da Assembleia Nacional alguns projectos de real protecção, e que mais uma vez confirmarão as intenções do Governo.

Não é, repito, nem com disturbios que perturbam, nem com injurias, que nos não podem attingir...

Uma voz: - A culpa é do Governo.

O Orador: - Está V. Exa. completamente enganado. O Governo não tem culpa alguma. Os culpados estão noutra parte, e grande é a sua responsabilidade. Estas manifestações são uma verdadeira vergonha para quem as faz e para quem as promove. (Muitos e repetidos apoiados).

A nossa consciencia e a dos homens que oocupam os logares de membros do Governo está tranquilla, e se assim não fosse todos saberiamos cumprir o dever que impende sobre os Ministros quando lhes falta o apoio da opinião publica. (Apoiados).

Referindo-me agora á iniciativa do Sr. Deputado Gastão Rodrigues, e, prestando toda a homenagem ás intenções de S. Exa., venho desempenhar-me do compromisso tomado de trazer á Camara uma proposta de lei para facilitar o pagamento de dividas á Fazenda Nacional até 31 de dezembro de 1909.

Leu.

Nesta proposta concilia-se com os interesses e garantias para o Estado o pagamento facil para os contribuintes, que terão prazo superior a tres annos para solver as suas dividas.

Com esta proposta continua o criterio que inspirou a regularização das relações do Douro com a Fazenda, e o decreto de 19 de novembro de 1910 em que pela primeira vez foi fixado pelo Governo da Republica o pagamento das dividas do Estado com todas as garantias.

Os outros projectos, que envio para a mesa, referem-se aos fiscaes de 1.ª e 2.ª classe e ao pessoal menor das secretarias de Estado.

Leu.

A Camara terá occasião de os apreciar nos seus intuitos e na protecção efficaz que elles realizam.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Communico á Assembleia ter recebido uma representação de parte de uma numerosa commissão de populares que se acha junto ao edificio das Cortes.

Ha nessa representação allegações referentes ao que se passou na sessão de 24 de julho proximo passado, dizendo-se que eu não dera conta á Camara de um officio que nesse dia me fora entregue, quando é certo que do Summario da sessão d'esse dia consta a nota d'esse officio.

Se ainda não está publicado na integra, é porque o Diario das Sessões não está ainda impresso senão até 20 de junho.

Não teem, portanto, fundamento de especie alguma as asseverações da commissão, reclamando contra o silencio da Assembleia. (Apoiados).

O officio será publicado no dia em que se publicar o Diario d'essa sessão.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sr. Presidente: peço a urgencia do projecto que tive a honra de mandar para a mesa, a fim de ir hoje para a commissão de finanças.

Foi concedida.

O Sr. Ministro das Finanças (José Relvas): - Requeiro igualmente que se consulte a Camara sobre se concede urgencia para as propostas que mandei para a mesa.

Foi concedida.

O Sr. Presidente: - Fui tambem procurado hoje, por uma commissão da agremiação politica Integridade Republicana.

Essa commissão apresenta como candidato a Presidente da Republica o Sr. João Bonança.

Neste documento que me entregou, e que foi distribuido pelos Srs. Deputados, vem impresso o programma do candidato.

A commissão pede, em nome da sua agremiação, que eu solicite da Assembleia autorização para que o programma seja impresso no Diario do Governo.

Vozes: - Não pode ser.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam a inserção do programma no Diario do Governo, tem a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Assembleia. O Sr. Deputado Sá Pereira pediu a palavra para um negocio urgente. O negocio urgente diz respeito a uma proposta sobre greves.

Consultada a Assembleia, foi considerado urgente.

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SESSÃO N.° 3G DE 2 DE AGOSTO DE 1911 7

O Sr. Sá Pereira: - Pedi a palavra para apresentar uma proposta, cujo intuito é resolver, de uma maneira em que a Camara fique bem collocada, os conflictos que ultimamente se teem levantado, a proposito d'este caso. Mando para a mesa a proposta, que é a seguinte.

Leu.

Estou absolutamente certo, depois das afirmações que fez o Sr. Ministro da Justiça, e da attitude de uma parte da Assembleia que ella não terá duvida em declarar que acceita o direito á greve dos operarios portugueses, dando-lhes assim categoricas e manifestas explicações.

A questão tem sido mal encaminhada, levantou certos attrictos que é preciso que desappareçam. E preciso convencer os operarios de que a Assembleia não tem má vontade contra elles, e que o Governo e a Camara podem contar com a dedicação e boa vontade dos operarios. Nós não estamos aqui para levantar conflicios; em todos deve haver a melhor boa vontade para os evitar. Estou profundamente certo que o Governo republicano tem a melhor boa vontade para com as classes trabalhadoras, nem de outra forma eu lhe poderia continuar a offerecer a minha solidariedade politica, e estou certo que a Assembleia vae declarar que os operarios portugueses teem direito a não trabalhar quando não queiram.

E claro que aos industriaes tem tambem que ficar garantido o direito de só darem trabalho quando quiserem.

Eu appello para a boa vontade de todos, e estou absolutamente convencido de que no dia em que se consignar esse principio, todos nós voltaremos á tranquillidade nos nossos lares. O que é preciso é que se não repitam casos como os que se deram hontem, que não se levantem conflictos lá fora, e que haja a maior confiança no Governo.

O Governo da Republica é o Governo do povo, e eu quero que o Governo esteja ao lado do novo, como quero que o povo esteja ao lado do Governo. É preciso que estejamos unidos para dar conta do nosso mandato.

É preciso que não se quebre essa união que nos salvou, e que ha de manter a nossa dignidade. Essa união é a solidariedade de todos aquelles que pelo trabalho vivem honradamente. Estou certo de que a Assembleia fazendo justiça ás minhas intenções, vai declarar que não tem má vontade contra os operarios e que lhe reconhece o direito á greve.

Requeiro da urgencia para a minha proposta.

O Sr. João de Menezes: - Peço a palavra sobre a proposta.

O Sr. Presidente: - A Camara não resolveu abrir inscrição sobre essa proposta.

O Sr. Antonio Macieira: - Requeiro a generalização do debate.

Foi approvado.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Mando parada mesa a seguinte

Moção

A Camara, reconhecendo o direito á greve já legislado pela Republica Portuguesa, passa a ordem do dia. = Estevam de Vasconcellos.

Lida na mesa, é admittida.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sr. Presidente: pedi a palavra, por parte do Governo porque o Sr. Deputado Sá Pereira disse, e com razão que estava certo de que o Governo não recusaria, pela sua parte, reconhecer plena e completamente o direito

greve, quer os interessados sejam operarios, que, sejam patrões, quer se trate, ainda, do lock-out. De resto, o Governo já reconhecera esse direito com um dos seus decretos.

O Governo mantem os seus principios, não era preciso dissê-lo. O Governo é inteiramente pelo direito á greve, tendo-se declarado que o direito do trabalho era livre, livre é tambem a suspensão do trabalho.

Sei que o Regimento não permitte que voltemos á discussão da parte da Constituição que já está legislada pela Republica; mas o Governo folga em dizer que ninguem pode duvidar das suas intenções. E se ha alguem que queira dizer que houve o proposito de tirar ao operario alguma regalia, que se levante para que se faça o debate cara a cara.

Como Deputado, tenho o prazer de dizer aos meus collegas que ninguem é mais amigo das classes trabalhadoras do que eu, porque, como homem de sciencia, modesto mas cuidadoso, ou como politico, nunca deixei de estar ao lado d'ellas.

Tenho-o escrito nos meus livros, e nunca as minhas affirmações foram desmentidas por nenhum acto da minha

Lida publica ou particular.

Isto não é uma defesa, é simplesmente para que cada um colloque as cousas no seu logar; e não se faça, dentro da Assembleia Constituinte, que deve ser solidaria, qualquer opinião em contrario, porque todos devem ser amigos do operario. (Apoiados).

Estou seguro de que, numa Assembleia que vem lançai-as bases de uma Republica, seria uma verdadeira insensatez que houvesse alguem que, em pleno seculo XX, quizesse oppor-se a esse direito.

O povo soffre; o povo tem miseria e o Governo seria o ultimo dos miseraveis, se se aproveitasse essa miseria e não tratasse de melhorá-la. Tem de o fazer, porem, sem precipitações.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Manuel Bravo: - Apresento a seguinte

Moção de ordem

A Camara, exprimindo o seu sentimento de satisfação por ser reconhecido unanimemente o direito á greve, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. - Manuel Bravo.

O Sr. Antonio Macieira: - Mando para a mesa a seguinte

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte, considerando que é legitimo o direito á greve, continua na ordem do dia. = O Deputado, J. Macieira.

Sr. Presidente: eu pedi a generalização do debate, e fi-lo não por circunstancias de ordem psychologica que possam ligar-se com factos estranhos, inteiramente estranhos, singularmente estranhos que ainda ha pouco observei muito mais perto do que desejava, mas porque em minha consciencia, de homem que sempre fez a diligencia por ser justo, de homem que tambem se preza de ver as questões com um pouco de intelligencia, imaginei que, assim fazendo, praticava um acto de bondade e de justiça, e, praticamos um acto de homenagem aos verdadeiros principios e direitos do operariado.

Eu, Sr. Presidente, não sustento o direito á greve desde o dia de hontem, não o sustento desde ha tres ou quatro meses, não o sustento desde que a implantação da Republica se fez; eu, na minha obscuridade de fraco combatente, mas combatente honesto, sincero e dedicado pelos ideaes democraticos e pelos ideaes liberaes, sustentei o

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

direito á greve ainda muito tempo antes d'essa monarchia ter sido justamente derruida.

E sustentei o direito á greve, não apenas nos cavacos intimos dos cafés ou palratorios de amigos, mas sustenteio o á luz do dia, em conferencias, emfim, perante o publico pela forma mais ostensiva, mais evidente, para que não pudesse alguma vez, em caso algum suppor-se que eu, por qualquer forma, era contrario ao direito da greve.

Quando tomei a palavra nesta casa para propor a eliminação do preceito que considerava anti-constitucional do direito á greve, fi-lo porque, aqui neste logar, ao discutir-se o estatuto fundamental da Nação Portuguesa, que é a base de toda a vida politica da Nação, todos nós, Deputados constituintes, devemos olhar as questões alheias a todo o partidarismo, a todo o sectarismo, para olhar apenas aos interesses da Nação, na factura d'essa base constitucional do país.

Quando eu propus essa eliminação, proposta que foi acompanhada pela palavra eloquente, intelligente e amiga do operariado, do Sr. Ministro da Justiça, proposta que foi acompanhada da palavras não menos eloquente de outros illustres Deputados, proposta que teve a consagração da Camara; quando eu fiz essa proposta, repito, declarei de modo mais formal, de maneira mais peremptoria, que jamais poderia dizer-se, que ao votar o preceito que continha o direito á greve eu era contrario a esse direito. Appello para V. Exa., appello para a camara para que declarem todos se eu não disse pela forma mais concreta ...

Sr. Jacinto Nunes: - Não precisa dar satisfações a ninguem.

O Orador: -Quero dar satisfações á minha consciencia.

Estando nesta casa do Parlamento é á Camara que dou satisfações e a mim proprio.

E á Camara que dou satisfações e a mim proprio do que eu então disse claramente, repeti e repito ainda hoje.

Requeri ha pouco a generalização do debate, coherente com as minhas ideias e modo de ver, e tomei a palavra para affirmar mais uma vez, o que para mim é, desde muito, um direito intimamente legitimo.

Disse então, Sr. Presidente, que o direito á greve era legitimo, mas tanto para o operario, como para o patrão, e, pacificamente, dentro da lei, não magoando os proprios patrões, porque as reivindicações não se adiquirem á força; tão pouco se adquirem pelo insulto ou pela injuria e sobretudo não se adquirem pela injuria, pela calumnia ou pela diffamação dirigida contra um Deputado da Nação.

Sr. Presidente: eu queria antes de tudo, que o povo, para que bem defenda os seus direitos, regulasse a justiça d'esses direitos pelo seu pacifismo; que use para fins legitimos, de uma legitima liberdade, mas não perturbe de modo algum a acção da Constituinte, a acção individual de qualquer dos Deputados do povo; que a sua acção não represente de modo algum (Apoiados) um ataque á liberdade de acção physica e intellectual dos Deputados da Constituinte. (Muitos apoiados).

Só assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o povo pode sair firme da luta pelas suas reivindicações, só assim pode levantar-se, procedendo com ordem e honestidade e obedecendo á palavra dos Deputados do povo, e não é, por consequencia, á força, deprimindo-nos aos seus proprios olhos e aos olhos do país, e deprimindo-nos aos olhos das outras Nações (Muitos apoiados) que o conseguirá.

Palavras sentidas estas, Sr. Presidente, sem que eu narre os factos á Camara percebe-me e ainda bem.

Palavras sentidas estas e o que é na verdade lamentavel é que alguem seja accusado até o caso extraordinario de ter as suas adegas cheias de azeite, quando nem sequer tem 2 almudes d'elle.

Sr. Presidente: antes de se fazer qualquer arguição, V. Exa. bem comprehende, como homem de bem e intelligente, que é necessario fundamentar essa arguição. Se se diz que alguem tem armazens cheios de azeite, é necessario demonstrar primeiro que esse alguem tem azeite e depois que tem armazens de azeite ou para azeite.

Ha Deputados nesta Constituinte, eu pelo menos sou um d'elles, que nem tenho adegas de azeite nem tenho azeite, porque nas poucas propriedades que possuo apenas posso colher 2 ou 3 almudes d'elle, que não chega para eu comer todo o anno e me custa carissimo.

Pois Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu que não tendo azeite nem adegas de azeite, nem para azeite, eu que não sou parente de quem quer que seja que venda azeite (Riso), eu que não tenho o mais insignificante negocio com qualquer pessoa que azeite venda, vi-me hoje em verdadeiro azeite (Riso).

Não é assim Sr. Presidente, que quem quer que seja, pobre ou rico, intelligente ou ignorante, pode levar a effeito as suas revindicações. (Apoiados).

Faço votos Sr. Presidente e Srs. Deputados, por que a Assembleia Nacional Constituinte, grande como é, representando os interesses do povo, trabalhando com fé, honestidade e boa vontade de acertar, não mais possa receber qualquer aggravo, seja de quem for. (Muitos apoiados).

Tenho dito.

O Sr. João de Menezes: - Manda para a mesa a seguinte

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte considerando em vigor o decreto do Governo que revogou os artigos do Codigo Penal, que puniam as colligacões de operarios ou patrões para a cessação de trabalho, passa a ordem do dia. = João de Menezes.

Para que nem de longe as palavras que vae pronunciar pareçam uma condemnação, não dirá que só uma acanhada intelligencia, ou um senso moral ainda mais acanhado, poderá permittir esta nova maneira de julgar as leis em vigor.

Apresentou-se na Assembleia um projecto de Constituição para ser discutido.

Nenhum dos seus artigos é lei emquanto a Constituição não for approvada. Portanto, rejeitar alguns dos artigos propostos nesse projecto não lhe parece que seja rejeitar o que já esteja estabelecido em qualquer decreto, ou em qualquer lei, para alguem, de boa fé, poder affirmar que a Assembleia Nacional Constituinte negou aos operarios ou patrões o direito de se colligarem, para a cessação do trabalho.

Para alguem poder affirmar isso, tinha primeiro que demonstrar que a Assembleia Constituinte tinha declarado irrito e nullo o decreto do Governo Provisorio. Seria necessario suppor que a Assembleia Constituinte se tinha transformado numa assembleia de argentarios, para crer que ella houvesse negado, aos trabalhadores portugueses, um direito que lhe é hoje reconhecido em toda a parte. Por emquanto, a Constituinte ainda é formada na sua grande maioria, por aquelles homens, que ha muitos annos, com risco da sua situação e dos seus interesses, vinham combatendo contra a monarchia e a favor da Republica.

Na Assembleia encontram-se muitos homens que, se quisessem gozar beneficios accessiveis a todos os individuos sem escrupulos, os tinham gozado fortemente nos tempos da monarchia.

Mas esses homens, que assim procedem, não consentem, nem a um individuo, nem a uma multidão, porque não receiam nem as más vontades dos individuos, nem as furias das multidões; e não as receiam porque preferem

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morrer a deshonrar-se; esses homens não admittem que os considerem como individuos que renegaram todos os principios para satisfazer quaesquer interesses.

Ninguem é proplieta na sua terra. Se porem lhe fosse permittida uma vaidade, diria que, no ultimo periodo da vida politica portuguesa, não teem falhado algumas das suas previsões; e ha uns dias para cá tem tido a triste consolação de as ver mais confirmadas.

Não sente o menor prazer em dizer que aquillo que previa se esteja realizando; mas sente do seu dever dizer mais uma vez, a todos os Deputados da Assembleia Nacional Constituinte, que os destinos da Republica da Nação Portuguesa se encontrara, unicamente, nas mãos d'elles, sendo necessario que todos se associem, tão alto e tão nobremente, á sua soberania, que não possa dar-se a hypothese de ver a Patria mal encaminhada.

Quando a Assembleia Constituinte tivesse de abdicar do seu mandato, pela invocação da demagogia, na sala em que se levanta a voz dos representantes do povo não se ouviria mais do que o retinir das espadas da ditadura.

No dia em que a demagogia triunfasse em Portugal, a monarchia tinha ganho a sua causa; porque os monarchicos são bastante inconscientes e funestos mas não tão imbecis que não comprehendam que a Historia pode repetir-se.

Não quer o orador censurar ninguem, porque o momento não vae para censuras, mas sim pedia a todos que façam o seu exame de consciencia e se arrependam dos erros que porventura tenham praticado para com a Patria.

Não quer dirigir hoje, seja a quem for, a mais leve insinuação; mas, se das palavras que está pronunciando, alguem quiser concluir, que elle, orador, não é democrata dos mais avançados, a esse alguem responderá que se engana.

Dirá aos demagogos portugueses, se acaso existem, que a sua concepção de democracia é a mesma de Jéan Jaurés, que affirmou: - "Não quero o nivelamento pela revolução. Quero o nivelamento pela elevação da escola".

Não quer uma democracia em que todos se nivelem pelo rebaixamento das classes, mas em que todos só nivelem pela elevação. Quer uma democracia em que todos ascendam pelas suas virtudes, pelo seu trabalho, pela sua intelligencia.

O contentamento que nos produziu o 5 de outubro fez-nos esquecer que a monarchia nos entregou o país compromettido financeira e economicamente; fez-nos esquecer que a monarchia nos entregou o país com um enorme deficit, com as industrias vivendo do favoritismo das pautas ; absolutamente desorganizado e absolutamente enfraquecido.

Fomos um pouco crianças, suppondo que o simples facto de um rei cobarde e traidor haver sido substituido por sete homens de bera, bastaria para que o país se transformasse.

É necessario que todos se lembrem de que, se Portugal estava mal dentro da monarchia, só estará bem dentro da Republica, quando todos, trabalhando intelligente e conscientemente, o libertarmos de todos os males que o affligem, o que nos devemos esforçar para que seja o mais depressa possivel.

Propor a este país de tão atrasada civilização reformas sociaes não serviria senão para aumentar a nossa desorganização e prejudicar todas as industrias.

Ha seis meses, em França, um Deputado socialista propôs a reunião de uma conferencia interparlamentar para que se convencionasse um horario para as industrias, explicando que em Franca não se podiam adoptar as oito horas, porque, se o fizessem, a industria francesa seria batida pela industria estrangeira.

Em Portugal a industria tem vivido amarrada ao agio do ouro e á protecção pautai. No dia em que tivermos se libra ao par a industria ha de soffrer, e naquelle em que lhe retirássemos a protecção das pautas, quasi todas ellas morriam.

As receitas alfandegarias, como se sabe, estão adstrictas ao pagamento da divida externa; se as reduzissemos, o que succederia? Succederia... nem o quer dizer, por vergonha, mas o que isso importa é regularmos o nosso procedimento, sem impaciencias e de forma a fazer sair o país da situação miseranda em que o deixou a monarchia.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Julio Martins: - Sr. Presidente: eu não vi que dentro d'esta Assembleia, fosse quem fosse, affirmasse que não havia direito á greve, nem o podia affirmar uma Assembleia retintamente republicana.

O Governo, consagrando os principios da revolução, affirmou o direito á greve poucos dias depois de proclamada a Republica, num decreto que publicou e mais tarde regulamentou. Mas não é isto que se discutiu, nem o decreto, nem o regulamento publicado pelo Governo, com o qual, de resto, eu não concordo; o que se discutiu foi o direito de inserir na Constituição o principio do direito á greve.

A meu ver este principio é materia constitucional, é portanto, cabia bem dentro do Estatuto fundamental da Nação; mas isso não e materia para tambem versar agora, visto que sobre ella já recaiu uma resolução da Camara. O que eu desejo affirmar, Sr. Presidente, é que estranho muito que se negue a Constitucionalidade do direito á greve e de muitos outros principios sobre garantias e direitos individuaes que a Assembleia já riscou do projecto da Constituição, e ninguem se lembrasse de discutir a tempo o que era ou não materia constitucional.

O direito á greve é um principio justo, é o reagir dos fracos e dos miseraveis contra a prepotencia dos poderosos.

A Assembleia, votando a proposta em discussão, affirma solemnemente os principios democraticos já proclamados pela Revolução e d'esta forma nos unimos todos dentre das ideias republicanas.

Mando para a mesa a minha proposta.

Moção

A Camara reconhecendo a indiscutivel legitimidade da direito á greve passa á ordem do dia. = Julio Martins.

O Sr. Antonio Granjo: - Em obediencia ás prescrições do Regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem.

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte reconhece o direito á greve, congratula-se com a união de todos os membros d'esta Constituinte, e continua na ordem do dia. = O Deputado por Chaves, Antonio Granjo.

Quando na sessão de hontem intervim na discussão, foi por entender que tinha o direito de apresentar um requerimento, pedindo dispensa do Regimento para entrar em; discussão a proposta do Sr. Manuel Bravo. Esse requerimento devia ser votado.

Não sei se entre os cincoenta e cinco Deputados que assinaram a proposta havia algum que quisesse intrigar, o que não acredito.

Apresentei o meu requerimento porque, não queria que se suppusesse que esta Assembleia não reconhecia o direito á greve.

Entrei aqui no momento em que o illustre Deputado Sr. Manuel Bravo apresentou a proposta.

Não entrei na discussão senão no momento em que estendi que devia apresentar um requerimento pedindo dis-

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pensa do Regimento, e depois entendi que devia usar de um direito que me assiste.

Esse requerimento não foi votado e eu entendi que elle tinha de ser votado.

Não houve intriga, absolutamente nenhuma, da parte de ninguem, e o que me parece é que se não trata de intriga nem de cousa semelhante, lastimando todavia que a proposito de tudo e de nada se dissesse o que se disse a respeito da minha attitude quando se discutiu o projecto dos conspiradores.

Não pensem que eu ligue importancia a quaesquer ditos da sala dos Passos Perdidos e corredores. (Apoiados).

Direi, comtudo, com a minha habitual lealdade que não tive intenção de dizer que esta Camara não reconhecia o direito á greve. Discuti se essa lei podia ou não ser lei fundamental da Nação. Mais nada.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - É nesta Assembleia o unico representante socialista, eleito por votos socialistas; ficaria por isso numa situação equivoca se não procurasse explicar e justificar o motivo por que ficou hontem sereno no seu logar. Essa justificação fá-la elle, orador, na declaração que vae mandar para a mesa.

Não é com disposições escritas na lei que o direito á greve se regula; as greves são o producto scientifico do regime economico em que a sociedade está; e, segundo o seu conceito, e na opinião de todos os socialistas que estudam as questões sociaes, não é com leis escritas que isso se resolve.

Não se pode regulamentar, como se não pode regulamentar a maior parte dos episodios que se dão na concorrencia entre patrões e operarios e entre as diversas entidades que entram em jogo na vida economica das sociedades.

No nosso país a greve está reconhecida, desde a implantação da Republica, como um direito. Mas o facto é este: antes do decreto que as reconheceu, as greves eram punidas pelo Codigo Penal, mas depois d'esse decreto realizaram-se m&is prisões do que anteriormente, em que eram raras.

A seu ver, faz mais mal aos operarios a regulamentação do direito á greve, do que a não existencia d'esse direito na Constituição.

Nestas condições, redigiu uma declaração em que exprime a sua opinião, para ficar na acta, e pede á commissão de legislação operaria que dê andamento á proposta que apresentou na sessão de 11 do mês passado para a revisão da regulamentação das greves.

Na sua opinião isso é de absoluta necessidade.

Deve observar ao Governo que a effervescencia que se nota no povo de Lisboa e Porto, não é apenas produzida pela questão do direito á greve, mas principalmente devida aos especuladores de generos alimenticios continuarem a encarecer o azeite e outros viveres. Esta especulação com os generos de primeira necessidade é que leva a população a insurgir-se, sem mesmo saber contra quem.

É preciso que o Governo tome medidas excepcionaes, porque a situação peora por todas as formas.

Os ganhos diminuem e as despesas da classe operaria crescem de uma maneira espantosa.

Declaração de voto

A representação socialista nesta Camara, composta do Deputado Manuel José da Silva, declara que não se associou ao incidente occorrido hontem a proposito da proposta referente ao direito de cessação do trabalho, nem discutiu a eliminação do n.° 48.° do artigo 5.° do projecto da Constituição, embora tivesse votado a sua conservação, por ser sua opinião que a greve não carece ser autorizada pelas

leis escritas, pois que ella é um producto inevitavel e irregulamentavel e já hoje indiscutivel da guerra economica, que é a condição essencial do regime capitalista, e por entender que o que urge é determinar para futuro que os poderes constituidos do Estado e dos municipios não intervenham nas greves senão para as solucionar, tanto quanto possivel, pelo principio da arbitragem.

Assembleia Constituinte, em 2 de agosto de 1911.= O Deputado, Manuel José da Silva.

Para a acta.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente: - começo por mandar para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Assembleia Nacional Constituinte, legitima representante dos principios democraticos que levaram o Governo Provisorio da Republica Portuguesa a estabelecer o direito á greve, affirmando a sua sympathia pelos trabalhadores portugueses, continua na ordem do dia. = O Deputado, Alfredo Ladeira.

Vou falar como representante da Nação, e não venho dizer que sou ou não socialista. Sou representante da Nação e isso é o bastante.

Estou satisfeito por ter juntamente com o meu collega Sá Pereira provocado esta bella manifestação da Assembleia.

Depois de ter votado a eliminação do n.° 48.° do artigo 5.° do projecto da Constituição, por não ter sido comprehendido como materia constitucional, podia ter ficado no operariado a suspeita de que a Assembleia Nacional Constituinte não reconhecia o direito á greve, que tinha sido promulgado pelo Governo Provisorio da Republica. Era necessario que não ficasse a menor parcela de suspeita de que a Assembleia não reconhecia o direito á greve.

Portanto, felicito me por esta bella manifestação que a Assembleia Nacional Constituinte deu ao operariado.

A Assembleia, composta, com rarissimas excepções, de elementos que se colligaram para fazer a obra da Republica, ajudados por esses operarios, não podia deixar de reconhecer a esses mesmos operarios o direito á greve.

Sr. Presidente: tenho a certeza de que quando lá fora se souber, que apenas por um motivo constitucional, é que na lei fundamental do país não foi incluido esse direito, mas que em lei especial elle é reconhecido, tudo cessará.

Os jornaes irão levar a toda a parte a informação de que a Assembleia Nacional Constituinte reconhece por completo o direito que tem o operario para defender as suas reivindicações, e eu, operario socialista, e Deputado eleito pelo partido republicano, sem abdicar dos meus principios socialistas, reconheço-lhes mais o direito de, quando pacificamente não possam resolver essas questões, procurem resolvê-las como entenderem, porque só á força publica compete, depois, intervir no assunto.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Sr. Presidente: folgo em ter apresentado uma moção que tão unanimemente interpretou o sentimento da Camara, e tanto tive a previsão d'esse facto, que nem procurei justificá-la com quaesquer considerações.

Se pedi mesmo a palavra foi unicamente para accentuar a minha orientação acêrca de um ponto a que o Sr. João de Menezes se referiu e que deve ser esclarecido.

Disse S. Exa. que devemos fugir das reformas sociaes, que desorganizam as industrias e aggravam as nossas condições economicas e financeiras.

Inteiramente de acordo, plenamente de acordo. Mas apenas porque ha reformas sociaes que podem desorganizar algumas industrias prejudicando a economia na-

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cional, ou que podem acarretar encargos para o Thesouro, aumentando as dificuldades financeiras do Estado, mas não podem pôr de parte as reformas sociaes que já constituem uma caracteristica de todos os povos civilizados, sejam quaes forem o seu regime politico e a sua orientação economica. (Apoiados).

De resto deve confessar-se que reformas sociaes não são exclusivamente aquellas a que se costuma dar essa designação, isto é aquellas que directa e concretamente produzem uma melhoria material nas condições de vida das classes trabalhadoras.

Reformas sociaes são igualmente as reformas de instrucção que consigam levantar o nivel intellectual de todas as classes de maneira que ellas possam comprehender os seus direitos e as suas responsabilidades. (Apoiados).

Reformas sociaes, são as reformas financeiras que dêem á distribuição dos impostos uma base justa e equitativa, racional e scientifica. (Apoiados)

O que é necessario é investigar por meio de um estudo consciencioso e reflectido quaes são as medidas immediatamente adaptaveis ao nosso meio com beneficio para as classes trabalhadoras e sem maior perturbação para a nossa vida economica e financeira. (Apoiados).

E é urgente realizá-las para que não subsista a menor duvida no espirito do povo, para que não se prolongue a especulação ignóbil dos que tentam equiparar um regime honesto como é a Republica a um regime de ignominia e roubo como o foi a monarchia em Portugal.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente: não tomarei muito tempo á Assembleia, mas alguma cousa tenho que dizer, visto tratar-se de greves.

O Governo Provisorio da Republica, poucos dias depois de constituido, decretou o direito á greve, e intelligentemente procedeu, como os acontecimentos demonstraram. Posso dizer que procedeu assim, porque então ainda eu não fazia parte do Ministerio. No regime monarchico, a greve era um crime, e sempre o partido republicano, na sua honesta propaganda de largos annos, protestara contra essa monstruosidade do direito moderno. E facil era a previsão de que um movimento grevista havia de produzir-se, as classes trabalhadoras acordando para uma vida de liberdade, a que não estavam habituadas, e não tendo ainda aprendido a formular ordeiramente os seus protestos e reclamações. Fatalmente, havia de recorrer-se á greve para solucionar conflictos entre o trabalho e o capital, e o Governo Provisorio não quis correr o risco de reconhecer o direito á greve no tumulto e na desordem das revindicaçoes operarias, nem quis ficar armado com a brutal disposição do Codigo Penal applicavel aos grevistas.

O decreto regulamentar da greve era absolutamente indispensavel, e esse foi publicado já quando eu fazia parte do Governo. Do modo como tem sido observado esse regulamento sabe a Assembleia o bastante para me dispensar de lh'o dizer; mas não quero dispensar-me de dizer que da parte do Governo não houve cobardia na execução d'esse regulamento, mas tão somente o proposito de não ser violento para os que não sabiam ser vir-se de um direito que lhes fora reconhecido antes de o haverem reclamado.

Muitos dos grevistas que mais ostensivamente desrespeitaram a lei tinham sido excellentes cooperadores na obra da revolução, eram homens que ainda na véspera acamaradavam com os Ministros de hoje, nas mais accesas lutas contra a monarchia.

Havia o Governo de tratá-los com a dureza, com o extremo rigor com que se tratam criminosos vulgares? De resto, sinto grande prazer em dizê-lo, esses homens, na sua grande maioria, não pretendiam criar embaraços á

Republica, nem sequer pretendiam criar embaraços ao Governo; procediam mal na melhor das intenções, faziam detestavel uso de um instrumento de que não sabiam servir-se.

Dissera o Sr. Deputado Manuel José da Silva que, em Republica como em monarchia, a greve era de facto um crime, visto que hoje como hontem se prendiam os grevistas. Não é verdade (Apoiados); na vigencia da Republica ainda ninguem foi incommodado por fazer greve, mas tão somente por converter em instrumento de desordem e de perturbação um direito que a lei reconhece e cerca de garantia. (Apoiados).

Isso se fez em regime de Governo Provisorio, e isso deverá fazer-se sempre, porque uma cousa é o direito que se exerce, e outra cousa, e bem diversa, é o abuso d'esse direito, convertendo-o em delicto. O Governo que não reprimisse abusos não seria digno da missão que lhe compete, e a Republica, se for entregue ao arbitrio e á desordem, não será digna de entrar no concerto das nações. (Apoiados).

Já aqui se disse que a Assembleia, affirmando o direito á greve, reconsiderara sobre a sua votação do dia anterior. Não é verdade. (Apoiados). Não ha reconsideração, porque o objecto proposto ao voto da Assembleia não é o mesmo. Tratava-se, hontem, de inserir o direito á greve na Constituição, como se elle, de facto, representasse materia constitucional - e a Assembleia pronunciou-se contra e eu entendo que procedeu acertadamente.

É certo que não se definiu, logo de começo, o que é materia constitucional, mas todos comprehendem a vantagem que ha em não inserir na Constituição disposições que contenham materia controversa, embora ella não possa ser feita de verdades eternas, porque não existem taes verdades. Numa Constituição devem inserir-se parcimoniosamente os principios definitivamente adquiridos, os que subsistem durante um mais largo cyclo de evolução social.

De que se trata hoje?

Trata-se unicamente de sanccionar um decreto com força de lei promulgado pelo Governo Provisorio. Quer dizer, a Assembleia antecipa a discussão da obra legislativa do Governo, e é justamente o decreto que reconheceu o direito á greve o primeiro que ella discute, e resolve dar-lhe a sua plena sancção. De modo que se ha razão, como disse um Sr. Deputado, para aqui haver contentamento, mais do que ninguem deve sentir-se contente o Governo por ver sanccionada, desde já, uma parte da sua obra.

Ha muitos dias, respondendo ao Sr. Deputado Manuel José da Silva, a proposito da greve do Porto, disse eu que talvez valesse a pena começar desde já a discussão da obra legislativa do Governo Provisorio e que, a fazer-se isso, pelo decreto sobre as greves deveria começar-se. Isso se fez, afinal, mas de forma que melhor fora ter-se evitado.

Tem razão o Sr. Deputado socialista pelo Porto - a greve é um mal que não cabe dentro de regulamentos, porque é inherente a fundos vicios da organização economica da sociedade. Mas sendo assim, e na realidade assim é, razão tinha o meu collega Dr. Affonso Costa para não querer que o reconhecimento d'esse direito fosse consignado no codigo fundamental.

Soffrem as sociedades de males por assim dizer organicos, e um d'elles, e dos mais graves, é a sua viciosa constituição economica. Emquanto ella perdurar, os conflictos entre operarios e patrões serão inevitaveis e a greve será talvez um mal necessario. Mas pode considerar-se o mal, o vicio, o defeito, como qualquer coisa de estavel, que se consigne num codigo fundamental?

Não desejo tomar tempo á Assembleia, mas não quero terminar sem pedir aos Srs. Deputados que considerem a frase de Stuart Mill: - é do Parlamento que um homem pode fazer-se ouvir de um país inteiro. As palavras que aqui se pronunciam fazem-se ouvir muito longe, são como se

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fossem pronunciadas ao ar livre, num comicio a que assistissem alguns milhões de portugueses.

E na multidão d'esse comicio ha de tudo - ha os que teem a consciencia dos seus direitos, e os affirmam, mas que teem ao mesmo tempo a consciencia dos seus deveres, os cumprem; ha os homens honestos e trabalhadores, e na os maus cidadãos que vivem no vicio e na immoralidade; ha os que pretendem a ordem como condição de progresso, e ha os que atiçam a desordem, para a explorar em seu proveito. Ha todas estas categorias de individuos, e para todos elles falam os Srs. Deputados. Como se comprehende, então, que se faça aqui a apologia da violencia?

O Sr. Lopes da Silva: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Repito, como se comprehende que aqui se faça a apologia do roubo, do assalto á propriedade, não respeitando nos outros o que em si quer cada um que se respeite?

Taes palavras, ditas aqui, são talvez meramente amplificações rhetoricas, mas soam fora d'esta casa como um incitamento ao crime e á desordem. Ninguem pode pronunciá-las de animo leve, e não é toleravel que alguem as pronuncie namorado de vãs e fáceis popularidades, a menos que seja um incorrigivel imbecil, sem a consciencia das suas responsabilidades.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. José Maria Pereira: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que se julgue a materia suficientemente discutida, com prejuizo dos inscritos, e que se passe á ordem do dia.

Lisboa, em 2 de agosto de 1911.= O Deputado, José Maria Pereira.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vão ser lidas as moções mandadas para a mesa.

Em seguida foi approvada a moção do Sr. Estevam de Vasconcellos, sendo retiradas todas as outras pelos oradores que as haviam apresentado ao fazerem uso da palavra.

O Sr. Casimiro Rodrigues de Sá (para invocar o Regimento): - Lembro que o artigo 114.° do Regimento prohibe que se julgue a materia discutida na sequencia do discurso de um Ministro de Estado.

Vozes: - Já está votado.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Camara.

Passa hoje o segundo anniversario de um facto de grande importancia, qual foi o do povo de Lisboa ter evidenciado brilhantemente os seus sentimentos liberaes fazendo a imponente manifestação de que todos se recordam. O Sr. Deputado José de Castro pediu-me para eu consultar a Camara sobre se permitte que a tal respeito diga algumas palavras.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. José de Castro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tinha tenção de fazer largas considerações com respeito ao Dr. Miguel Bombarda e Candido dos Reis, mas, como a hora vae muito adeantada, direi apenas duas palavras, porque seria abusar da attenção da Camara, que para mim foi tão gentil permittindo que eu falasse com offensa da deliberação ha pouco tomada.

Começo por ler a proposta que vou mandar para a mesa.

É a seguinte, leu.

Desejaria Sr. Presidente, invocar a alma grande e nobre do Dr. Miguel Bombarda, e ao mesmo tempo fazer ecoar nesta sala o nome grandioso de Candido dos Reis.

Desejaria, Sr. Presidente, dizer ao Governo nesta occasião, com a maior das saudades, e ao povo que veio aqui pedir o cumprimento das leis de Aguiar e de Braamcamp, que este Governo, deante do pedido que o povo lhe fazia, expulsou a companhia de Jesus, estabeleceu o registo obrigatorio e o da separação do Estado das igrejas.

Nenhuma pessoa de qualquer país estranho quererá acreditar que exista um Governo que fizesse tanto como este tem feito em tão curto prazo de tempo. (Apoiados).

Todas as vezes que me lembro do estado miseravel em que nos encontravamos quando foi proclamada a Republica e que neste pequeno espaço de tempo pouco poderia fazer qualquer Governo que não fosse verdadeiramente serio, quando me lembro que da sua gerencia, que vem desde 5 de outubro, teem brotado tão grandes e tão extraordinarias medidas de alcance, fico maravilhado.

A Camara certamente me acompanha neste pensamento.

A verdade é esta.

Sem preconceitos, sem pertencer a uma facção politica, que não pertenço, mas pertencendo á Republica, a este partido republicano nacional e sem pretender bajular, porque não seria capaz d'isso, a verdade é esta: foram realizadas tres grandes obras que satisfizeram a aspiração completa do povo, como foram, alem da expulsão dos jesuitas, a lei do registo civil e a da separação do Estado das igrejas, duas obras grandiosas que quero acreditar hão de realizar-se em toda a sua plenitude.

Com relação á primeira não ha duvida; e com relação á segunda estou convencido que, attendendo ás palavras que ouvi ao Sr. Ministro da Justiça, e sendo este auxiliado pelas Constituintes, um punhado de homens independentes, saberá realizar plenamente o pensamento que está expresso no diploma já publicado.

Ouvi ainda ha pouco a palavra vehemente do Sr. Ministro do Fomento e quero crer que o Governo, tambem auxiliado pelas Constituintes não consentirá que nas das e mesmo junto do Parlamento haja injurias, insultos (Apoiados), ou qualquer outra manifestação hostil.

Não pode ser!

O povo que aqui veio em 2 de agosto de 1909 fê-lo numa ordem completa pedindo o cumprimento da lei; o povo que hoje aqui veio não veio em nome da ordem, veio em nome da demagogia. (Muitos apoiados).

É preciso, meus senhores, que a Assembleia Constituinte se levante, se una no mesmo pensamento para salvar a Republica e se o não fizer assim, elles avançarão para nos esmagar.

Aparte do Sr. Deputado Jacinto Nunes que não se percebeu.

Não; só se nós fossemos muito imbecis é que consentiriamos isso. Uma vez que temos maneira de evitar esse facto, que seria indecoroso para nós, evitemo-lo.

Quero acreditar que temos ao nosso lado o Governo, que é nosso como o é da nação.

Bem unidos todos, havemos de chegar ao termo do cumprimento do nosso dever, qual é o de fazer desapparecer por completo essa horda tumultuosa que nos ameaça alem fronteiras.

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Eu disse que não queria abusar da Camara e por isso vou effectivamente terminar, dizendo só o seguinte: a V. Exa. Sr. Presidente, foi enviado um convite pela Junta Liberal, a que tenho a honra de presidir, para se dignar assistir como Presidente d'esta Assembleia á sessão solemne que vae celebrar-se hoje á noite na camara Municipal inaugurando os retratos de Miguel Bombarda e Candido dos Reis.

Renovarei esse convite a todos os meus collegas, para assistirem na sala dos paços do concelho, á mais bella e á mais distincta das manifestações que poderia fazer-se em homenagem á memoria d'aquelles dois grandes extinctos

O Sr. Dr. Antonio Macieira, que foi um dos membros de mais destaque da Junta Libera], que levou a cabo um dos mais bellos movimentos populares, como seguramente o foi o do dia 2 de agosto, fará uma conferencia.

Todos poderão accorrer á casa do povo, tão gentilmente offerecida pelo nosso Presidente que o é tambem da Camara Municipal e pela vereação que tão nobremente o acompanha.

Inaugurar-se-hão dois retratos, e de Miguel Bombarda e de Candido dos Reis e por isso proponho que uma deputação parlamentar assista a essa solemnidade.

Termino, fazendo votos para que não mais as Constituintes, não mais o Governo d'este país consinta que se repitam factos que desdouram a Republica Portuguesa.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Sr. Deputado José de Castro mandou uma proposta para a mesa, para que se nomeasse uma deputação da Camara a fim de assistir á cerimonia da inauguração dos retratos de Miguel Bombarda e Candido dos Reis.

Essa commissão seria composta pela mesa e por todos os Srs. Deputados que se lhe queiram aggregar. (Apoiados de todos os lados da Camara).

Os Srs. Deputados que tenham papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

Foi approvada por unanimidade a inserção na acta da proposta do Sr. José de Castro.

O Sr. Joaquim José de Oliveira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.- Havendo sido eleito relator da commissão encarregada de dar parecer sobre a questão das aguas de Caldellas, peço a V. Exa. se digne solicitar e enviar-me o processo que existe no Ministerio do Fomento sobre o assunto.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, Joaquim José de Oliveira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Nunes da Mata: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que votei a proposta hoje como a votaria hontem ou em qualquer outro dia, mas que continuo e continuarei a votar que o direito a deixar de trabalhar não deve vir consignado na lei constitucional.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = José Nunes da Mata.

Para a acta.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de Interpellação Desejo interpellar o Sr. Ministro Fomento sobre a construcção do ramal prolongamento do Caminho de Ferro do Barreiro a Cacilhas.

Em 2 de agosto de 1911.= O Deputado, Gastão Rodrigues.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pires de Campos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministeio do Interior, Direcção Geral de Instrucção Primaria, me seja fornecida uma nota de todos os concorrentes ao ultimo concurso de sub-inspectores primarios e bem assim a relação dos candidatos que prestaram provas e os respectivos resultados obtidos. = O Deputado, G. Pires de Campos.

Mandou-se expedir.

O Sr. França Borges: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada copia do relatorio ou relatorios da commissão nomeada por decreto de 13 de fevereiro de 1911, para "averiguar da decadencia do theatro portugês e apresentar ao Governo os alvitres para se acautelarem os legitimos interesses da arte, da literatura nacional e dos artistas nacionaes".

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Mando para mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Fomento sobre factos occorridos em virtude da recente greve dos trabalhadores ruraes em Alcácer do Sal. - O Deputado, Alfredo Maria Ladeira.

Mandou-se expedir.

O Sr. João de Freitas: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre a execução do decreto de 25 de maio ultimo, que criou a Junta de Partidos Municipaes e contra o qual protestou um grande numero, se não a maioria, das municipalidades do país, e sobre o aviso da Direcção Geral de Saude de 13 de julho, publicado no Diario do Governo de 14, que mandou proceder á eleição de delegados para elegerem por sua vez, a referida Junta já no proximo dia 6 de agosto.

Envio tambem para a mesa um protesto da Camara Municipal de Bragança, remettida por ella a mim e a todos os Deputados do circulo, contra algumas disposições do citado decreto.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, João de Freitas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Miguel Abreu: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Interior sobre a transferencia do circulo escolar de Barcellos para Famalicão.

Em 2 de agosto de 1911. - Miguel Abreu.

Para a Secretaria.

Mandou-se expedir.

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o Sr. João Brandão:-Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro das Finanças acêrca da execução do artigo 9.° do decreto de 4 de maio d'este anno.

Assembleia Constituinte, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, João Brandão.

Mandou se expedir.

O Sr. Lopes da Silva: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Declaro que desejo interpellar o Sr. Ministro do Fomento sobre irregularidades que se passam na Bolsa de Lisboa. = O Deputado, Lopes da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. Eduardo Abreu: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com a possivel urgencia, seja enviada a commissão de finanças uma relação de todos os individuos que, até a data de hoje, teem requerido pensões, segundo a lei de separação das igrejas do Estado.

A relação conterá o nome, residencia e situação dos peticionarios, o montante da pensão requerida por cada um d'elles e as resoluções das commissões encarregadas de fixarem essas pensões.

Assembleia Constituinte, em 2 de agosto de 1911.= Eduardo Abreu.

A Secretaria para ser expedido.

O Sr. Padua Correia: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro com urgencia, pelo Ministerio da Justiça, que me seja passada copia dos pareceres da Procuradoria Geral da Republica sobre a altitude dos bispos portugueses.

Assembleia Nacional Constituinte, em 1 de agosto de 1911.= Padua Correia.

Para ser expedido.

O Sr. Sá Pereira: - Apresento um projecto de lei para que seja obrigatoria a criação de tribunaes de Árbitros Avindores em todos os districtos administrativos de Portugal, ilhas adjacentes, e em todos os concelhos em que houver centros industriaes importantes.

A publicar no "Diario do Governo".

O Sr. Thomás da Fonseca: - Mando para a mesa um projecto de lei para que seja estabelecida a pensão mensal de 30$000 réis ao cidadão Francisco Xavier Latino Coelho.

A publicar no "Diario do Governo".

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 3, Constituição

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 6.°

Leu-se.

Não havendo nenhum Sr. Deputado que se inscrevesse, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, a epigraphe do capitulo IV.

Leu-se.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Quando se votou a mudança de capitulos para titulo II, tratámos aqui do direito publico português, comprehendendo o seu conteudo: de como se adquire, perde e recupera a qualidade de cidadão português. Fizemos uma secção I; e para completar a doutrina, faremos do capitulo IV a secção II: dos direitos politicos individuaes e suas garantias. Assim, ha methodo scientifico e perfeita clareza.

Este assunto é muito complexo, devendo eliminar de seus enunciados syntheticos todas as incrustações regulamentares.

Tratemos agora tambem dos direitos e garantias individuaes.

Fazer-se no projecto em discussão um capitulo IV, sem relevo e á matroca da soberania nacional e seus orgãos, é um contrasenso e que vae de encontro á estructura socio-ciologica; é fundamentalmente um titulo m, em que após o direito politico vem o seu desenvolvimento na nova forma do direito constitucional.

Para que serve a Constituição?

Serve para garantir direitos individuaes e civis.

É necessario que haja um poder, uma força, uma qualquer entidade que tenha essa capacidade protectora ou de garantia.

Essa entidade é a soberania nacional.

Aqui começa uma fase nova do codigo politico, estabelecendo a constitucionalidade: é o poder supremo e indiscutivel que serve para garantia dos direitos civicos e liberdades individuaes.

Sr. Presidente: este titulo não está completo.

Entendo que só um sentido figurado, este termo, orgãos, aqui pode ser empregado.

Os orgãos representam em parte as peças de um todo systematico, como os productos biológicos.

Podemos, pois, adoptar o termo, mas precisamos de um pequeno esclarecimento.

Entendo que assim não ficava mal: "Da soberania nacional e seus orgãos ou poderes do Estado".

Assim já sabiamos que a soberania nacional não é uma entidade animal; é uma concepção sociológica generalizada, como principio doutrinario que se realiza por elementos constituidos, que são os poderes d'elle derivados.

Limita-se a dois artigos o que a Constituição aqui encerra sobre a soberania nacional!

Um poder que é fonte de todas as garantias não pode ser tratado de uma forma tão incompleta. Não nos dá a comprehensão do que seja esta grande manifestação suprema e immanente da vitalidade de um povo.

Sr. Presidente: termino por aqui as minhas considerações sobre a rubrica do titulo m, promettendo voltar ao assunto da soberania nacional, quando estes artigos entrarem em discussão.

O Sr. Manuel de Arriaga: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: pedindo a palavra sobre a ordem não foi meu intento discutir na especialidade a materia da Soberania e seus respectivos orgãos e apresentar substituição ou emendas ao projecto, mas unica e exclusivamente deixar consignado nos annaes do Parlamento alguns principios novos em que hoje assenta o espirito vivificante do direito moderno tal como as sciencias positivas tendem a revelá-lo, espirito que lhe imprime um caracter bastante differente do que tivera na~sua prodigiosa e deslumbrante origem, a Revolução de 1789.

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Estamos ha pouco mais de um seculo de distancia da famosa proclamação dos Direitos do Homem, facto culminante na historia da civilização, que abalou noa seus fundamentos a consciencia universal e os destinos dos individuos e dos povos e feriu o golpe decisivo e mortal no maldito direito divino, no direito do altar e do throno, do Papa e do Rei, com que foi construida a poderosa civilização medieval, cujas magnificencias exteriores deslumbram ainda hoje as multidões inconscientes e ignaras!

A Revolução derrubou em nome da Razão, para todo o sempre, o mundo da graça e da fé, com todas as suas tradições, desoito vezes seculares, de força, de poder, de grandeza, de prestigio e de gloria, e assentou, para o substituir, o seu novo credo na triologia revolucionaria - Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Foi uma revolução feita em nome da razão contra a fé, em nome do direito contra o privilegio, em nome da justiça contra a graça, era nome do povo contra o padre e contra o rei.

Foi uma revolução nascida de uma cruzada memoravel do pensamento humano emancipado dos vincules da religião dogmatica de Roma, feita por uma elite de pensadores, de philosophos e de politicos, que puseram á plena luz da evidencia, com o assombro do mundo, os erros, as mystiticações, as fraudes, os abusos e os crimes, infinitos em numero e grandeza, que se escondiam sob o manto de ouro e purpura do altar e do throno!...

Todos tiveram uma fé vehemente, uma febre contagiosa do novo espirito revolucionario, para acreditarem que os destinos dos individuos e dos povos iam mudar por completo e começar finalmente na terra, e para todos, o triunfo da verdade e da justiça.

Era crença gerai que bastava a proclamação dos Direitos do Homem para se sanarem todos os crimes sociaes e começar para a humanidade uma nova era de felicidade.

A experiencia está feita, e bem dolorosa para Iodos os que confiavam na panaceia dos principios metaphysicos da Revolução Francesa!...

Apesar das ondas de sangue que por elles se derramaram para redimir o genero humano: os homens ainda hoje estão em face uns dos outros quasi nas mesmas condições de desigualdade em que os mantinham a moral e a jurisprudencia do altar e do throno!

Por mais tentativas e reformas que desde então até hoje se teem emprehendido para minorar a miseria incalculavel das multidões desvalidas, chegou-se á desoladora conclusão de que a liberdade só por si não remedeia os males sociaes; não evita que, em. virtude da solidariedade do passado, vão para uns os capitães, as riquezas, o poder, o bem estar; para os outros, e é a grande maioria dos mortaes, a herança secular da miseria, da ignorancia, da inconsciencia dos seus direitos e do seu destino: a absoluta impossibilidade de competir com os seus semelhantes proclamados como irmãos, e como iguaes!...

Se alguma liberdade lhes assiste é para prescindirem de todos os gozos da civilização e para se eliminarem, pelo suicidio, do numero dos vivos!

Nestas condições, que são de uma evidencia irrespondivel, onde está a soberania do cidadão?! De que serve a invocada soberania do Estado? Onde os orgãos que lhes dão vida, poder e realidade?!

Como se hão de converter em verdade positiva os indeclinaveis e imperativos preceitos da justiça?!...

Não me leva a mal esta fogosa e altaneira Assembleia Constituinte que lhe diga que, se continuássemos a esperar dos principios metaphysicos da liberdade, igualdade e fraternidade, sob a exclusiva tutela do Estado, as multiplas soluções do complicadissimo problema do destino humano, para resolver-se na terra, em beneficio de todos, e, tanto quanto humanamente é possivel, o triunfo da verdade e de justiça: jamais este formosissimo ideal da humanidade seria por nós attingido.

Felizmente nestes cento e vinte e dois annos decorridos sobre a revolução francesa realizaram-se acontecimentos extraordinarios com a chegada de sciencias positivas e as conquistas que em nome d'ellas se estão fazendo dia a dia nos mananciaes, até agora em repouso, das forças cósmicas e ethnicas do globo, pela sua já hoje indiscutivel solidariedade, interdependencia e cooperação, que a face da terra e os destinos dos individuos e dos povos mudarão por completo, e numa marcha vertiginosamente accelerada!

Com o triunfo das sciencias positivas acabarão, felizmente, as dissidencias irritantes das confissões religiosas, das seitas e das escolas phliosophicas, das facções e dos partidos politicos, e porventura mais tarde estas acaloradas e vehementes paixões com que procuramos descortinar-e definir os preceitos mais justos da nossa futura Constituição.

Debaixo d'esta ordem de ideias formulei os considerandos que vou ler e que synthetizam os elementos do novo direito politico, no que respeita á soberania individual e collectiva, para que não sejam uma abstracção inofensiva como até agora, mas uma realidade formidavel e terrivel para desforço dos nossos direitos inalienaveis, illudidos e ultrajados, quasi sempre, pelos detentores do poder.

Eis a minha

Moção de ordem

A Assembleia Nacional Constituinte:

Considerando que a soberania da Nação não pode residir nesta sem que substancial e conjuntamente coexista na de cada um de nós, soberania que resulta da garantia dos direitos individuaes;

Considerando que a soberania, assim interpretada, só poderá tornar-se real e effectiva quando integrada na natureza, de cujas forcas e energias omnipotentes o homem se apossou, e na humanidade, de cuja sancção suprema carece;

Considerando que os orgãos d'esta dupla soberania, sob a acção reguladora dos chamados orgãos da soberania nacional, abrangem uma rede vastissima de faculdades collectivts, de verdadeiros organismos vivos, com caracteristicas diversas, e por isso menos substancialmente interdependentes e solidarias, por onde se cria e espalha a actividade nacional e de onde derivam a força e a riqueza das Nações e as prosperidades dos povos;

Considerando que estas faculdades collectivas ou orgãos sociaes, manteem entre si a mesma autonomia, reciproca dependencia, incessante cooperação e fundamental solidariedade dos orgãos do corpo humano, porque estes e aquelles se regem pelas leis imanentes e inalteraveis da organização universal a que o mundo obedece, e por cujos fundamentos a sciencia de governar os povos, ou a politica na sua expressão scientifica e nobre, se deve limitar a manter nos orgãos collectivos as invocadas leis;

Considerando que é do jogo combinado de todos estes factores innumeros, interdependentes e solidarios, que resultam a liberdade, a ordem, o progresso e a harmonia dos individuos e dos povos;

Considerando que os principies metaphysicos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, havidos como base do direito moderno pela Revolução francesa de 1789, quando só entregues a si proprios, não resolveram os imprescindiveis e delicados problemas do Bem e da Justiça, que agitam os destinos dos povos modernos, e por isso carecem de ser vivificados pelas leis da organização a que tudo obedece, e designadamente os aggregados humanos;

Considerando finalmente que as nações mais livres e cultas da actual civilização, por terem recorrido ás invocadas leis, dentro da sua expressão mais alta e mais nobre - a Patria - conseguiram formar as raças fortes da Germania, da França, da Gran-Bretanha, dos Estados Unidos do Norte, do Japão e de outras, em cujo convivio e cooperação é de imperiosa necessidade e imprescindivel

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dever integrar a grande Nação Portuguesa, o povo soberano redimido pela Revolução de 5 de Outubro:

Consigna no presente estatuto os seus votos vehementes para que sob o regime da democracia pura, e no uso da verdadeira soberania, se consolide o triunfo da Liberdade, do Direito e da Justiça.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado pelo Funchal, Manuel de Arriaga.

Como os Srs. Deputados vêem, os orgãos da verdadeira soberania não são os consignados no projecto, estes são antes os coordenadores legaes de todo aquelle vastissimo conjunto de factores sociaes, de faculdades collectivas, de verdadeiros organismos vivos da nossa vida esthetica, moral, civil, economica e politica, organismos multiplos, delicados e complexos que abrangem as religiões, as sciencias, as artes, os officios, o commercio e as industrias, cujo funccionamento, pela sua fundamental interdependencia, concurso, mutuo auxilio e solidariedade, constitue s mais elevada em categoria, a mais nobre, a mais bella das maravilhas da natureza!

Muitos, que não estão ainda familiarizados com as divinas leis da organização universal, que são as verdadeiras leis da vida; com as ultimas descobertas de anatomia e physiologia do cerebro humano; com o poder, assombrosamente prodigioso, das nossas faculdades mentaes e affectivas, que, sob a acção social, teem a virtude de se apossarem das forças do universo e fazer suas as conquistas da civilização: não medem, á primeira vista, a importancia decisiva que vae ter no destino humano a solidariedade e a cooperação d'aquelles innumeros factores para o triunfo da soberania individual e collectiva!...

Deixando-os aqui consignados e chamando para elles a ponderação do vosso são criterio, é quanto basta, porque não estamos numa academia de sabios, onde seria precisa a demonstração de cada um dos considerandos da minha moção de ordem, mas numa Assembleia politica que se empenha em descobrir, com brevidade, a expressão mais exacta e a mais segura garantia da soberania nacional.

O pensamento culminante d'esta minha moção é que o homem só pode attingir o pleno desenvolvimento das suas faculdades mentaes e affectivas e entrar na posse da sua soberania, pela sua integração na natureza e na humanidade; que este nobilitante destino só lhe será permittido numa verdadeira organização social, quando as suas faculdades individuaes forem por toda a parte amparadas e fortalecidas por uma rede vastissima de organismos complementares, de faculdades collectivas, de cujo concurso, mutuo auxilio e solidariedade, depende a harmonia das vontades, o triunfo da razão, o imperio da verdade e da justiça!

Como os Srs. Deputados vêem - estamos a uma grande distancia dos principios do direito publico vigente em que se baseia o projecto da actual Constituição, o que não quer dizer que não lhe demos a nossa adhesão, pois com ella caminharemos a passo acelerado para o triunfo da verdadeira soberania.

A soberania que até agora tem sido concedida a cada um de nós e ás multidões desvalidas - não tem passado de uma ficção, de uma irritante ironia da lei e da sorte! O povo é soberano á semelhança de Jesus Nazareno quando os phariseus lhe metteram na mão uma cana verde e, coroando-o de espinhos, o proclamaram - rei dos judeus!...

A mais não chegaram as theorias metaphysicas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade com que ha cento e vinte e dois annos teem andado a illudir o numero infinito dos que teem fome e sede de justiça !...

Estas acções teem de acabar e acabarão quando a elite dos philosophos, dos sabios, dos moralistas e dos politicos, e a força omnipotente das multidões, se submetterem á lei, suprema da solidariedade das cousas e das almas e obedecerem aos ditames inilludiveis da consciencia humana, esclarecida pela razão e guiada pela verdade e pela justiça.

Sob este ponto de vista, a verdadeira politica não é mais do que a clinica dos orgãos sociaes, dos orgãos collectivos, e o estadista o seu medico assistente, não para os alterar a seu capricho, mas unica e simplesmente para nelles introduzir o concurso, a cooperação, a solidariedade de cada um por todos e todos por cada um, á semelhança do que fazem os hygienistas aos orgãos do corpo humano.

É d'esta coordenação, mutuo auxilio e solidariedade que resulta o equilibrio, a força, a saude e a belleza do corpo Que outro tanto se applique á vida das sociedades para que não seja uma palavra vã, uma irrisão da lei e da sorte a apreguada soberania dos cidadãos e dos povos.

Permittam-me os Srs. Deputados este grito de dignidade propria, que sendo meu é tambem vosso: para eu ser verdadeiramente livre, e como tal soberano, careço de ser intangivel na minha integridade pessoal; de estar nesta tão seguro e forte que só por mim valha mais que os seis milhões de individuos que constituem a Patria Portuguesa, quando me quisessem coagir a ser menos verdadeiro ou menos justo; tão intrinsicamente inexpugnavel e forte que, tendo por mim a verdade e a justiça, eu contra todos prevalecesse e triunfasse.

Onde encontrar este baluarte mais forte de que todos, para só assim sermos soberanos?

Na nossa futura integração na natureza e na humanidade, quando todos os individuos e todos os povos se regerem pelas leis da organização, que em tudo e em todos, por toda a parte, triunfam.

Antes d'isso, pairará sempre sobre as nossas cabeças a ameaça sinistra da força contra o direito, e, assim, a nossa soberania, ou individual ou collectiva, será sempre mais ou menos contingente e fallivel!...

Para que o não seja, cooperemos todos no triunfo da democracia pura sob a égide da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, votando o novo estatuto onde ficará consignada a soberania do povo remido pela revolução de 5 de outubro.

Com a marcha accelerada que os acontecimentos vão tendo em toda a redondeza do globo, o resto que falta virá mais cedo de que se espera, e então será uma realidade a sã doutrina aqui exposta, que para muitos não passará de um devaneio de philosopho ou de um sonho de poeta.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Pedro Martins: - Não lhe parece bem a epigraphe d'este capitulo e por isso apresenta uma proposta para a substituir.

É a seguinte:

"Proponho que o capitulo IV "Da soberania nacional e seus orgãos", passe a ser: "Titulo III.- Da soberania nacional e dos poderes do Estado". = Pedro Martins.

Foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. à restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição.

O Sr. Manuel de Arriaga: - Requeiro para retirar a minha moção.

Consultada a Camara, assim concedeu.

Posta á votação a proposta do Sr. Pedro Martins, foi approvada, assim como a segunda parte da proposta do Sr. Theophilo Braga

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SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 17

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 1.°

Leu-se.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Sr. Presidente: o artigo 7.° é muito lacónico, e tão lacónico que se não sabe de que trata:

"A Nação exerce por delegação a soberania que essencialmente nella reside".

Não sabemos o que é a soberania nem tão pouco da sua residencia. É uma frase sem explicação; e alem d'isso envolve um perigo social e uma figura de rethorica...

A "soberania delegada voluntariamente" sem mais nada é uma monstruosidade, e haja vista o maior poder que tem havido no mundo: o imperial, e que os romanos criaram peça por peça, foi attribuido na sua origem a uma delegação perpetua do povo, isto é, a uma abdicação para sempre voluntaria!

O titulo de imperador ou general passou depois ao de pontifice maximo, e tudo quanto era poder de Roma, tudo se consolidou na cabeça do imperador, e nunca mais isto se pôde desmanchar; de modo que o imperialismo ainda hoje apparece no mundo desde os resquicios das monarchias germanicas até as Republicas plebiscitarias da America latina e saxonia.

Como é que o imperador conservava o seu poder? Pela Igreja, todo o poder vinha de Deus. Se o Deus dos catholicos ainda não existia e não podiam invocar Jupiter, nem outras divindades, diziam os imperadores para fundamentarem o seu poder que a soberania lhes foi delegada pelo povo perpetuamente.

O povo, por consequencia, adoptou como seu poder soberano, investindo no mando uma entidade sua delegada, o poder imperial que derivava o seu poder de uma delegação, que para ser consciente tinha de ser condicionada, revogavel e responsavel. Eis o percurso da historia social.

Ora exactamente quando vemos que "a Nação exerce por delegação voluntaria a soberania" não comprehendemos, porque pode ser uma renuncia, uma abdicação, como se vê nos votos religiosos.

O artigo é vicioso por falta de criterio historico.

É preciso lembrarmo-nos de que quando cito aqui qualquer facto historico não é por erudição. Guizot dizia que a civilização caminha para realizar a sua unidade.

É por isso que sem considerar essa unidade é impossivel reconhecer quaesquer fenomenos sociaes separados da grande evolução do doze seculos.

Isto é um principio fundamental em historia ou sociologia descritiva, que todos devem ter sempre dentro dos olhos.

É por isso que nós a esta luz aqui discutimos a soberania nacional, que certos estadistas não sabem o que seja. Archivemos as palavras de Guizot:

"Ha mais de doze seculos que a Europa avança para a realização da unidade da sua civilização; e é hoje tal essa unidade, que para bem comprehender a historia de qualquer povo moderno é preciso conservá-lo no conjunto historico da Europa e da marcha que seguiu a humanidade".

Este methodo seguiu Guizot na sua Historia do governo representativo na Europa, limitando-se ahi apenas ao caso da Inglaterra. Conhecendo-se a evolução germanica, francesa e hispanica, e as instituições locaes tradicionaes ou consuetudinarias, que luz se tira para a formação organica e racional de uma Constituição moderna! Como esse campo historico de doze seculos se torna um verdadeiro laboratorio sociologico! O predominio das monarchias germanicas na Europa medieval no seu conflicto com a soberania pontifical fez com que se revigorasse a omnipotencia dos imperadores romanos, adoptando dos seus codigos os direitos reaes taes como o poder, seu exclusivo, de fazer leis, e de ser a sua vontade a suprema lei: Quod Principi placuit. Legis vigorem habuit. E ainda não bastando este militarismo de cominando, serviu-se da contaminação theocratica, fundando a sua soberania na sancção divina, Gratia Del REI, ou Domini institutione Rex, como os réis de Aragão, de Navarra, de Leão, de Castella e de Portugal até 1640, em que a Nação reassumiu a sua soberania delegada voluntariamente aos Braganças, que até 5 de outubro de 1911, se arriaram descaradamente como réis por graça de Deus. Todas estas bastam para justificar o uso e abuso da lei, que era vontade irrefreavel do principe.

É a força da lei. Nós temos a soberania que torna a expressão puramente de uma vontade pessoal ou mero arbitrio, e que fui delegada, voluntariamente, pelo povo, mas delegada perpetuamente, o que se não comprehende no mundo moderno, existem direitos inalienaveis, que são as normas da humanidade, a que pertencemos, e que nenhum cidadão pode abandonar os seus direitos taes, e se alguem o fizesse era doido e a autoridade tinha de intervir pelo procurador dos dementes ou interditos.

E por isso que o voto perpetuo hoje não se admitte no meio civil, que tem de defender os caracteres fracos criminosamente suggestionados por ficções theologicas.

É preciso termos em vista que as monarchias da Europa que acompanharam as nacionalidades modernas, foram todas de origem germanica imperialista, e todas ellas baseadas sobre o typo imperial romano; que essas monarchias - a germanica, a inglesa, a francesa, a hispanica e a portuguesa, todas ellas derivadas da mesma fonte imperialista, isto é o mundo romano através da Idade Media, mas elementar commum ou romano-barbara, pela influencia dos seus meios nacionaes, entre si differem fundamentalmente. As monorchias germanicas eram dietas em que o soberano era igual a todos os barões, seus pares, isto é, iguaes a elle imperador. Por consequencia ahi fica esse typo germanista. Mas já na Inglaterra esse poder soberano equilibra se, os barões e o povo trabalhador formando uma camada do proletariado fundada sobre a riqueza do trabalho e, por consequencia, sobre a defesa de seus direitos ... na posse da terra, assentava o poder dos lords que se tornavam grandes proprietarios; o poder real, para existir, tornou-se o medianeiro, o ponderador entre o proletariado e os barões. D'aqui esse justo equilibrio que se considera exclusivo do genio inglês: é o poder constitucional das duas camaras que só se separaram sob Eduardo VII, e, por consequencia, d'essas duas entidades, nobreza e povo. Já em França a realeza tomou outro aspecto, o rei tornou-se senhor absoluto passando sobre os povos que o auxiliaram e fazendo da nobreza os seus criados graves ou serventuarios disfarçados nas pompas palacianas. Portanto, nós temos já um typo francês.

O nosso typo peninsular nasceu das monarchias germanicas e depois da época neogothica, remodelou-se na estructura da monarchia francesa, logo que os serracenos foram expulsos, a nobreza não tinha mais pretexto para continuar a sua intervenção militar.

O poder real reduziu a fidalguia apenas a uma pompa apparatosa de viver do paço e á custa do paço.

Portanto, Sr. Presidente, tratando-se de um assunto nosso, português, da soberania nacional, vemos que essa soberania desde o seculo VIII, até o seculo X vir foi sempre pro gratia Deo, postergando as liberdades locaes das cidades independentes, ou dos concelhos, que as monarchias unificaram pela forma tradicional ecclesiastica ou pela forma imperial.

Chegou o dia em que Portugal, emancipando-se da encorporacão castelhana e elegendo um rei que era então o typo politico dominante para presidir á sua nova auto-

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

nomia e independencia, nas Cortes de 1641 delegou em D. João IV a soberania nacional. Fez se uma acta de uma comprehensão politica admiravel, que anda publicada na obra de Velasco de Gouveia, a Justa acclamação, explicando essa fonte de soberania portuguesa da bella revolução de 1640, tão comparavel pela simplicidade do seu gesto heroico com as duas revoluções de 1820 e 1910, que restabeleceram a usurpada soberania nacional.

Essa dynastia de Bertholdos e Bertholdinhos, toda de typos interiores e degenerados... fui extinguindo as Cortes. No periodo de 1697 até 1820 não mais houve Cortes. Campeou o absolutismo mesmo sob o constitucionalismo da Carta outorgada.

A revolução de 5 de outubro de 1910, continuando a affirmação da autonomia das revoluções de 1820 e 1836, reivindicou para a Nação a sua soberania dando aos seus delegados os necessarios poderes para a exercerem e delegando aos seus representantes os poderes de a definirem.

Este artigo, portanto, não nos pode ser indifferente.

Não pode ser tratado só em duas linhas:

A Nação exerce, por delegação voluntaria, a soberania que essencialmente nella reside.

Para que este artigo tenha valor, deve ser reduzido a um simples paragrapho. Deve se, antes de tudo, dar a noção do que seja a soberania da Nação, e assim eu proponho que se diga no artigo 7.°:

"A soberania da Nação é a vontade virtual, una e indivisivel do consenso da sua existencia collectiva e coexistencia organica de todas as suas synergias".

O artigo 7.° passaria a ter um paragrapho, com um sentido concreto, esclarecendo a delegação voluntaria com os termos: condicional e revogavel.

A conjugação das diversas energias é que constituem um organismo completo. Por consequencia, a soberania da Nação não é mais do que esse consenso, que origina todas as instituições sociaes.

Essa existencia collectiva é que cria as linguas nacionaes, as artes, crenças, industrias e literaturas, que, na sua synergia, produzem a civilização.

Realmente, um individuo isolado tem a sua capacidade civil e os seus direitos, mas é impotente para os manter e ré vindicar. Tem, pois, de recorrer á connexação da collectividade. E o acordo tacito.

É portanto um pacto, segundo a miragem subjectiva de Rousseau.

Quando os elementos de um povo se associam para um determinado fim, por que forma o fazem? Pelo consenso tacito, revelado pela continuidade dos costumes, pela tradição nacional.

Eu o criterio sociologico para conhecer e discutir instituições politicas.

E portanto esta forma que eu apresento para definir a soberania nacional.

Terminando, envio para a mesa a minha proposta.

Foi lida nu mesa e, admittida a proposta de substituição do artigo 7.° apresentado pelo Sr. Theophilo Braga, sendo rejeitada na votação do artigo.

O Sr. Nunes da Mata: - Desisto da palavra.

O Sr. Alexandre de Barros: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma emenda de alguns artigos da Constituição. Todavia, a situação em que se encontra esta Camara neste momento determina-me a guardar na minha carteira as emendas que podia apresentar.

Aqui neste logar, como Deputado da Nação, eu não trabalharei se a esta Camara e se ao meu mandato não se der a liberdade maxima de que uma e outra carecem. A Assembleia Nacional Constituinte não pode, por minha parte assim entendo, não pode estar aqui trabalhando para votar a lei das leis sob uma pressão exterior...

O Orador: - A Camara, no meio das suas exclamações, e até aos illustres Deputados inconvenientes para com os seus collegas...

Vozes: - Ordem, ordem.

... eu direi que cumpre o meu dever ratificando as palavras pronunciadas.

Vozes: - Não apoiado! Não ha nenhuma pressão interior nem exterior!

O Sr. Presidente: - O que está em discussão é o artigo 7.°

O Sr. Jorge Nunes: - Pedi a palavra para participar á Camara que se acha constituida a commissão encarregada de apresentar o projecto de lei sobre as accumulações de empregos publicos. Nomeou para presidente o Sr. Martins Cardoso e a mim para secretario.

O Sr. Pedro Martins: - Envio para a mesa a seguinte proposta sobre o artigo em discussão.

Proponho que o artigo 7.° seja assim redigido: "A soberania reside essencialmente em a Nação". = O Deputado, Pedro Martins.

Foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Nunes da Mata: - Primeiro que tudo, quero declarar á Camara, que se ha pouco não falei quando o Sr. Presidente me deu a palavra foi porque um collega meu me pediu com muito empenho para falar em meu logar. Cedi ao pedido e por isso deixei de falar. Tomei porem a palavra agora para mandar para a mesa uma substituição ao artigo 7.° a qual é concebida nos seguintes termos:

"Artigo 7.° A soberania nacional reside essencialmente na Nação e nos poderes que a representam".

2 de agosto de 1911. = O Deputado, José Nunes da Mata.

Não foi admitida.

O Sr. Presidente: - Não estando mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vae votar-se.

Leu-se na mesa.

Posto a votação, o artigo 7.° foi rejeitado. A contraprova, requerida pelo Sr. Egas Moniz, confirmou a rejeição.

Foi tambem rejeitada a substituição apresentada pelo Sr. Theophilo Braga.

Foi approvada a substituição apresentada pelo Sr. Pedro Martins.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 8.°

Leu-se.

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SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 19

O Sr. Sidonio Paes: - Sr. Presidente, duas palavras apenas para justificar a seguinte proposta que mando para a mesa.

Proposta

Proponho que no artigo 8.° seja eliminado o segundo periodo.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, Sidonio Paes.

Foi admittida.

Eu não vou agora discutir se esta doutrina é ou não verdadeira, se as garantias constitucionaes se tornam ou não effectivas pela independencia e harmonia dos poderes legislativo, executivo e judicial.

Ainda não fixámos a forma da nossa Republica, e se a independencia dos poderes é um principio fundamental nas constituições presidenciaes, como a dos Estados Unidos da America do Norte, e outras, o mesmo não succede quer nas Republicas parlamentares, quer mesmo na constituição da Republica Democratica Suissa.

E emquanto á harmonia dos poderes eu não sei, Sr. Presidente, se é pela completa harmonia ou acordo d'esses poderes que se garante a effectividade da Constituição. A este proposito eu aponto á Camara dois factos da nossa historia, bem recentes, onde o acordo dos poderes não serviu senão para calcar aos pés t s poucas garantias constitucionaes que havia.

A ditadura franquista não podia ter a acção que teve se não fosse o assentimento do poder judicial; e o simulacro de parlamento a que se chamou solar dos barrigas, é um exemplo de como a demasiada harmonia dos orgãos do poder legislativo e do poder executivo pode servir para o exercicio de uma ditadura disfarçada.

Mas é principalmente pela sua inutilidade que este periodo do artigo em discussão deve ser eliminado.

E, com effeito, inutil affirmar que é pela independencia e harmonia dos poderes do Estado que se garante a effectividade da Constituição.

O que é necessario é fixar as condições do exercicio d'esses poderes e as relações que devem existir entre elles, mas esse é o objecto das secções seguintes e não desta.

Por isso fiz a proposta de emenda que mando para a mesa.

Leu-se na mesa e foi admitida.

O Sr. Nunes da Mata: - Pedi a palavra para propor que o artigo 8.° seja dividido em dois.

Passo a ler a minha proposta, dizendo depois duas palavras para a justificar.

Proposta

"Artigo 8.° São Poderes essenciaes da soberania nacional e poder legislativo, o Presidente da Republica e o poder judicial, todos harmónicos e independentes entre si.

Artigo 9.° Haverá mais um poder, o executivo, subordinado aos tres poderes dirigentes anteriores".

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = José Nunes da Mata.

Foi admittida.

Eu entendo que os poderes representativos da soberania nacional só podem ser assim considerados, quando o seu mandato provenha das forças vivas da Nação.

Os unicos poderes que representam e devem representar sempre a soberania nacional são o poder legislativo, o presidente da Republica e o poder judicial.

Esses, sim, porque o poder judicial é independente e não é de eleição, o legislativo que é eleito pela Nação e tem o seu mandato em numero de annos determinado, e o Presidente da Republica que, embora seja eleito pela Nação ou pelo Congresso tem tambem o seu mandato em tempo determinado. O poder executivo não é nem deve ser um poder soberano e fundamental, pois que está e deve estar dependente dos vaivens da opinião publica, da opinião do Congresso ou Parlamento e da opinião do Presidente da Republica. De tudo depende e deve depender o poder executivo, e por isso está sempre sujeito a ter de retirar-se de um momento para outro.

Tenho dito.

O Sr. Pedro Martins: - Pondera que não ha inconveniente em consignar a independencia dos poderes, porque essa independencia não é absoluta.

Envia para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 8.°, á expressão "poder judicial" se juntem os termos a independentes e harmónicos, entre si" e seja eliminado o segundo periodo. = Pedro Martins.

Foi admittida.

O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Este artigo 8.° tambem está defeituoso na sua redacção e no seu conteudo.

Os poderes do Estado independentes e autónomos, formam a harmonia superior, chamada Governo.

Não apparece aqui a menor ideia do que seja o Governo.

O mesmo poder executivo composto de Ministros, tambem tem a sua unidade chamada Gabinete.

Quando realmente o Gabinete tem pela acção individual de cada Ministro, a convergente funcção executiva administrativa do Ministerio, co-existindo com os outros poderes do Estado caracteriza nitidamente o Governo da Nação.

Não temos neste artigo 8.° a minima ideia de Governo.

Exhibe-se o teclado, mas sem saber que mão o toca.

Alem d'isso temos: poderes constituintes e garantias constitucionaes; são duas expressões que se repetem tambem sem sentido, pleonasticamente.

Apresento, portanto, a seguinte modificação:

"São orgãos da soberania nacional o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. A independencia e existencia d'estes poderes são a indispensavel condição para a effectividade das garantias constitucionaes.

§ 1.° O exercicio das funcções legislativa, executiva administrativa, e executiva contenciosa, nas suas complexas modalidades integram-se no Governo.

§ 2.° A forma do Governo de Portugal de Republica Democratica Parlamentar é pacificamente realizada pela representação nacional, sendo todas as suas leis, decretos, portarias, cartas patentes, sentenças judiciaes e mais diplomas que dimanam dos poderes do Estado, sanccionados em nome da Republica Portuguesa".

Foi mandada esta substituição para a mesa.

Estamos sempre no jogo das palavras metaphoricas, na harmonia dos poderes.

A harmonia é contraponto. As harmonias contraponticas não são as harmonias sociacs. Estas são o acordo mutuo de vontades que coexistem na sua independencia. Um relógio tem muitas peças; todas trabalham coexistindo, embora independentes. Assim as liberdades sociaes são a coexistencia das liberdades de cada um dos individuos.

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

A harmonia tem varios themas contrarios que se conjugam de uma forma symphonica.

Ora os poderes do Estado não são essas forças desconnexas que se torna necessario subordinar a uma harmonia. São modalidades das funcções sociaes, que se coordenam, disciplinam, elevando pela sua variedade á unidade moral.

Quem regulariza essas funcções?

E o producto sociológico que se chama Governo.

Ora este tem a sua forma e derivação e por isso na proposta incluo neste ponto da Constituição o seguinte paragrapho que o define.

Leu.

Pode dizer-se, é certo, que já se declarou no titulo I, que a forma de Governo é a Republica Democratica Parlamentar, mas isso foi deslocadamente ao tratar do territorio sem definir o Governo, não vem dizer de onde elle deriva.

E aqui diz-se.

Leu.

É necessario ter isto tudo sob os nossos olhos para verificarmos bem como estas cousas se ordenam.

Vamos entrar na secção I, do poder legislativo, que é logicamente a representação nacional da Republica Democratica.

Já vimos que os Governos saem d'essa representação nacional com o mandato chamado poder executivo.

Todos os seus actos são sanccionados em nome da Republica Portuguesa. O juiz lavra a sentença em nome da Republica; o Ministro assina o decreto em nome da Republica; o Presidente assina as credenciaes em nome da Republica.

Vamos ter uma forma de Governo sem vermos de onde ella nasce, é essencial o caracterizá-la no seu espirito actual, democratico parlamentar, seguindo-se tudo o mais com perfeita dedução lógica.

É preciso que os Governos tenham por assim dizer o seu logar geometrico na Constituição, a fiai de que esta não fique uma obra de empuxões.

A discussão d'este assunto não se pode fazer por maneira aligeirada, a Constituição deve representar o estado mental da nossa época e por isso, apesar de saber que não sou ouvido e que são rejeitadas as minhas emendas eu continuarei a discuti-la e a enviar para a mesa todas as emendas que entender.

Foi admittida.

O Sr. Severiano da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que voto a proposta do Sr. Pedro Martins, porque d'esta forma fica desde já a Constituição prevenida contra a hypothese da dependencia ou confusão de poderes.

E rejeito a proposta do Sr. Dr. Sidonio Paes que deixa a porta aberta para nos artigos ainda por discutir, se poder introduzir e estabelecer essa confusão ou dependencia que eu considero como a volta á pratica politica do passado regime em que o legislativo era completamente de pendente e dominado pelo executivo. Na Republica dar-se-hia o contrario; seria o legislativo que dominaria o executivo, mas o resultado seria o mesmo. Tanto faz que o poder executivo domine o legislativo como este e aquelle.

A volta ao antigo regime neste ponto é a immoralidade na administração.

A funcção caracteristica do poder executivo é mente a ordem e regulamentar a lei, funcção que só a elle per tence pelo contacto directo em que está com a sociedade

No exercicio d'esta funcção terá muitas vezes de alterar a lei, dando contas ao poder legislativo d'estas infracções, que lh'as approvará ou reprovará conforme as julgar uteis ou prejudiciaes á sociedade. Por este controle do legislativo sobre o executivo nasce a moralidade nos actos d'este poder. Se este controle não for effectivo pode o poder executivo alterar todas as leis em favor de uma facção ou partido seu affeiçoado; ora isto se dará quando o poder executivo seja mera dependencia do legislativo ou, o que é o mesmo, de uma maneira ou de um partido dominante nas Camaras.

Eis a razão, Sr. Presidente, por que eu voto a independencia dos poderes do Estado.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Apresento a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 8.° seja substituido pelo seguinte:

"A Nação delega a sua soberania nos dois poderes seguintes, inteiramente independentes.

1.° Legislativo, formado do Congresso Nacional, juntas provinciaes, districtaes, municipaes e parochiaes.

2.° Judicial, formado do Supremo Tribunal de Justiça, relações provinciaes, tribunaes da camara, tribunaes municipaes e juizes de paz.

§ unico. Para certos assuntos designados na Constituição a Nação exerce directamente a sua soberania por meio de votação. O suffragio é universal". - Manuel Goulart de Medeiros.

Não foi admittida.

Foi rejeitada a emenda do Sr. Sidonio Paes e approvada a do Sr. Pedro Martins.

Foi approvado o artigo 8.° sem prejuizo da emenda apor ovada.

As outras propostas ficaram prejudicadas.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, a epigraphe da secção I do capitulo IV.

Leu-se.

O Sr. Thephilo Braga: - Parece-lhe não se dever entrar hoje na discussão da secção I do projecto, que contem materia muito importante, em consequencia da hora estar muito adeantada. Esse assunto deverá reservar-se para a ordem do dia da sessão de amanhã, em que todos, com serenidade de espirito, poderão apresentar as suas razões a favor ou contra o que se dispõe no projecto.

Vozes: - Não senhor.

O Sr. Pedro Martins: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a "Secção I, Do poder legislativo" passe a ser "Capitulo IV, Do poder legislativo, Secção I, Disposições geraes". = Pedro Martins.

Posta á votação foi rejeitada a emenda apresentada pelo Sr. Pedro Martins.

Foi approvada a epigraphe da secção I.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 9.° para entrar em discussão.

Leu-se.

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SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 21

O Sr. Eduardo Abreu: - Sr. Presidente: é quasi noite. Seria melhor encerrar-se a sessão ...

O Sr. Presidente: - O Regimento manda que a ordem do dia dure tres horas. Alem d'isso; este assunto parece deveras importante.

Muitas vozes: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - E agora que nós vamos discutir se deve haver uma Camara ou duas. Não podemos hoje conceber o poder legislativo sem uma representação parlamentar. Não se trata de um torneio de rhetorica banal, uma simulação das antigas lutas da rosa branca e da encarnada. Parece-me que o assunto é deveras grave e não pode ser tratado de assalto, nem votado a requerimento de inconscientes abafadores. Talvez fosse mais conveniente discuti-lo amanhã com maior serenidade, visto que este artigo é, por assim dizer, a chave do definitivo poder legislativo da Republica Portuguesa.

Por consequencia, Sr. Presidente, limita-se a discussão do problema, apenas tocado na generalidade, mas assim de assalto não entremos logo no artigo 9.°, que é de maxima importancia e quando ao tratá-lo na especialidade concreta ha necessidade de fundamentar opiniões subjectivas, fantasistas, alheias a todo o criterio sociológico.

V. Exa. agora bem pode suspender este trabalho para a sessão de amanhã e dar a palavra a alguns Srs. Deputados que a pediram para antes de se encerrar a sessão.

Estamos perturbados com intercorrencias que succedem. Não se lucra nada estarmos agora a discutir este 9.° artigo atabalhoadamente. Amanhã, approvado elle, todos os outros artigos, que são meramente regulamentares, votam se quasi automaticamente.

V. Exa. sabe que o pregador transformava as setas de S. Sebastião em grelhas de S. Lourenço; isto se pode applicar em relação aos artigos desde o 9.° ao 12.°, em que se estabelecera as duas Camaras, que se adaptam a uma só Camara, com leves retoques.

Se para uns as duas Camaras é uma imitação insignificante, para outros é de primeira ordem, pela funcção depressora dos temperamentos meridionaes.

A Constituição não lucra nada com mais meia hora de perturbação dos espiritos.

Requeiro que a sessão da ordem do dia de amanhã comece por este artigo 9.° do projecto.

Sr. Presidente: lamento que entre immediatamente em discussão este artigo 9.°, tão grave, tão importante, que vae ser resolvido de Ímpeto, para não dizer por surpreza.

Por isso vou justificar o meu sentimento e apresentar uma emenda ao artigo e que é a seguinte:

"Art. 9.° O poder legislativo é exercido pelo Congresso da Republica formado por uma só camara que se denomina Camara dos Deputados.

§ unico. Os membros do Congresso são representantes da Nação e não dos circulos que os elegem".

Sr. Presidente: esta questão de uma ou de duas camaras, não é tão banal, como parece a muitos; é a alma das reformas modernas do parlamentarismo, que na evolução de doze seculos tem de voltar á sua primitiva unidade.

O grande publicista do seculo XVIII Montesquieu, sustentava a necessidade das duas camaras, pois que se achava ainda deante das classes irreductiveis e inconciliaveis do regime catholico feudal; assim, escrevia: "Ha na sociedade familias poderosas, que teem a riqueza, as honras e a tradicção historica; importa dar-lhes uma representação social".

Temos porventura hoje as classes como base da estabilidade social? Não; a Revolução fundou a igualdade politica, acabou com as classes.

É por isso que Sieyés, o systematisador doutrinario da Revolução do seculo excepcional indicou a existencia de uma só camara: "A lei é a vontade do povo; um povo não pode ter ao mesmo tempo duas vontades differentes sobre o mesmo facto; consequentemente, o corpo legislativo, que representa o povo, deve ser essencialmente uno". E mesmo antes da Revolução, Turgot, um dos precursores da sociologia indicava, em 1786, a Franklin a organização de uma só camara para a Pensilvannia.

Mas no seculo XIX, os primeiros conflictos entre o capital e o trabalho, acordaram os conservadores politicos para a resistencia de governar, e assim, vemos Guizot, voltar á these das duas camaras, sob esse criterio transitorio: o Ha na sociedade humana esses que vivem do rendimento das suas propriedades territoriaes e immobiliarias, beneficios ou capitães, e aquelies que, vivendo do seu trabalho, carecem, para se conciliar, de uma representação distinctas.

Não é com as duas camaras que se resolve o problema economico, que não de antagonismo de classes, nem de reconhecimento de privilegios genealógicos.

E por isso que na junta dos advogados surgem os argumentos subjectivos para justificar uma segunda camara, para temperar as energias impulsivas da primeira. Se estes espiritos reconhecessem que o poder real podia tornar-se absoluto dividiria os estados geraes para os enfraquecer; assim, sob Eduardo III é que se dividiram as duas camaras do unico Parlamento; e Carlos V, em 1538, tratou de evitar a reunião das Cortes, permittindo que separadamente se reunisse a nobreza com o clero.

Nada mais claro do que esta divisão da soberania nacional; divide ut emperes. Os Parlamentos foram unitarios; assim a Côrte General de Aragão, os Estados Generales de Navarra, o Ayuntamiento de Castella, as Cortes de Portugal, o Synodo General em França e o Wittenaguett em Inglaterra. Esta unidade tinha de fragmentar-se não em beneficio da liberdade nacional, mas do absolutismo do poder real.

É isto que se quer na Republica Portuguesa!

Aqui querem fazer duas camaras; e aqui tem V. Exa. mantida a ideia velha da luta entre o regime catholico feudal e o povo ou burguesia, e hoje do proletariado, entre o capital e o trabalho.

Os proletarios criaram esta forma de collectividade social chamada povo, e os poderosos criaram os privilegios.

O que quer dizer Senado?

Quer dizer velho, do latim senex, seniores, os mais velhos ou os senhores. Senhores designou a soberania de Veneza.

Os mais velhos eram os patriarchas que formaram as aristocracias dos cupatridas, dos patricios, dos lords, dos barões e dos fidalgos.

Faz algum sentido no mundo moderno resuscitar instituições d'essas, que a natureza eliminou pela falta de cruzamentos da raça, e que o progresso social teve de unificar tirando-lhe o veto?

Nós vamos fazer uma Constituição de um povo pequeno, onde não ha morgados, onde não ha nobres, onde não ha fidalgos, não ha grandes potentados da terra, e, portanto, não a, devemos fazer para se criar uma classe aparte, o Senado; isso seria reavivar as classes já extinctas, comum pessoal tirado da classe media exclusivamente: um mesmo cão com differente colleira, como diz o annexim popular.

Discutir-se este artigo, e a esta hora, quando estamos pensando em ir para nossas casas, uma cousa que tem de ficar para dez annos, não parece bem.

Eu protesto, e se houver Senado, nunca lá hei de pôr os pés.

Não acceito classes privilegiadas, todos são iguaes perante a lei; só para a fazerem é que não são iguaes; por-

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tanto tenho um remedio a apresentar á falta de uma segunda camara, e esse remedio é a parte subjectiva.

Dizem que é preciso uma segunda camara porque a primeira é sujeita a impetos.

Nós temos na Camara de Luxemburgo a solução. Ha ahi uma camara unica, esta vota uma medida fundamenta], um grande emprestimo, uma grande obra, qualquer cousa de grande responsabilidade.

Pois muito bem, este acto tão grande e excepcional fica pendente por um, dois ou tres meses, conforme entender, para voltar á votação mais tarde, e então é que a sancção é definitiva.

E o que acontece com todos nós: queremos comprar uma quinta ou uma casa, estamos enthusiasmados, pensa-se de onde ha de vir p capital, mas dorme-se sobre o negocio, consulta-se o travesseiro, medita-se e immediatamente se diz - em que me ia eu metter, numa camisa de onze varas!

Então o Parlamento não pode ter umas reservas de reconsideração para certos factos especiaes, de alta responsabilidade?

E simples; basta um artigo de lei, uma unica camara e mesma, que possa revisar as suas grandes deliberações. Nós estamos todos cansados, mas para o que não estamos cansados é para fazer um voto de consequencias tão graves; é por isso que requeiro que fique pendente a discussão para a ordem do dia de amanha, melhor meditada, com mais serenidade se formará uma opinião do que agora votando assim atrapalhadamente.

Votadas as duas camaras não ha nada mais a fazer; o mais é regulamentar, está a Constituição, por assim dizer, pronta.

Se V. Exa. attendesse á importancia d'este requerimento, teriamos amanhã uma sessão mais consciente com aquillo que todos nós esperamos.

Por consequencia dou por terminada a minha exposição, dizendo que o grande Turgot, quando lhe pediram uma Constituição para a Pensilvania forneceu a Franklin uma Constituição com uma camara só, e lembremo-nos de que era um país novo, a America, e que era o grande fundador da sociologia moderna, Turgot, que dava a Franklin o detalhe de uma Constituição com uma camara só.

Encosto-me a esta autoridade suprema, e deixo consignado nas notas tachygraphicas, na acta do Parlamento, que alguem nesta casa pensou em que o espirito moderno reclamava uma camara só, e que essa Camara condizia com as nossas origens ethnicas, como vou provar, porque nós não temos classes para fornecer pessoal para uma camara alta.

Ainda uma ultima palavra: presentindo que amanhã me seja privado de expor esta doutrina por algum estupendo requerimento para que se julgue a materia discutida, a que referir ficará como uma aclaração de voto.

O Senado não está na tradição do povo português, porque a nossa nacionalidade foi firmada de cidades livres, que antes da realeza se confederavam em Beheticas, e que se encorporavam nas Cortes ou Estados Geraes, como se de clara nas Cortes de Évora de 1460: chamados os procu radores d'aquellas Cidades e Villas dos nossos reinos que a tal acto, segundo costume antigo, soem de vir.

Estas cidades e villas, antes do estabelecimento do pó der real, formavam as suas leis na assembleia de Mallum (o Malhom, segundo Viterbo), que se chamou depois o concelho, de que ainda hoje subsiste o nome na divisão administrativa, e mesmo na sua funcção municipal (Paço d Concelho).

Estas assemble:as populares existiam em França, Lyon e Narbonne. Sob a administração romana, tinham já o Lusitanos estas Assembleias chamadas Conventum Provin dalis, na Betica e Terraconense, na qual se votavam o impostos e se reclamava para o Senado de Roma e depois para o Imperador, mandando-lhes procuradores, (Legati) deputados eleitos pelas cidades e villas, tal como se costumava praticar seculos depois nas monarchias neogothicas nas Cortes Geraes.

É immensamente interessante ver como através de absolutismo do poder real a influencia das cidades livres, contrabalançando-se com o conselho privado do rei, leva ao estabelecimento dos Estados Geraes, ou ao Parlamento unico.

O rei, na sua omnipotencia imperialista, é que se reservava o exclusivo privilegio de fazer leis.

Assim o consignam as Partidas: "Ninguen no puede faxer Leyes si no Emperador e Rey, e outro por esse mandamento d'elles". Mas, este exclusivo poder legislativo defendia de uma condição, que se acha apontada no Fuero uzgo. "Rey serás se facierdes derecho, et si non fecier-es derecho non serás Rey". Tambem na Ordenacion de D. Pedro IV de Aragão se estabelece a mesma condição: Não merece reinar quem desprezar os conselhos dos entendidos".

Sob esta dependencia moral a realeza absoluta apoiava e no Consilium Palatli, composto de Fidalgos, Doutores, Letrados, Prelados, Dignatarios, Ricos-Homens, que referendavam como Confirmantes, formando uma Curia, Camara ou Corte. Desde que a realeza encorpora neste Consilium Palatu os antigos Concilies Provinciaes das cidades livres, como fizeram Affonso VII de Castella, Alfonso IX de Leão e D. Affonso II de Portugal, estava criado o Conventus Generalis, ou o verdadeiro Parlamento unitario.

Não era uma criação nova; já nos annos de 914 e 1058 e vê convocada a Conventus Generalis, assembleia magna de todo o povo; na de Leão de 1188, funcciona cum electis civibuseoc singulis civitatibus; ou de Benavente de 1202, multis qualibet villa; e no de Leão de 1208, civium multitudine.

Revelam-nos as Cortes de Évora de 1460 a persistencia d'este costume nacional; e que ellas se celebravam todos os annos determinaram o as Cortes de Torres Novas de 1438.

Era este o typo do Parlamento português, que o absolutismo dos Braganças deixou de convocar, para ao fim de dois seculos, em 1826, parodiar o Parlamento inglês, dividindo a soberania por uma Camara de Pares de aulicos de nomeação regia.

Admittir no regime da democracia essa fragmentação do poder legislativo, e quando não ha classes sociaes em direito politico, é uma incongruencia deploravel e um triste retrocesso.

Assim justifico a emenda que propus ao artigo 9.°

O Sr. Gastão Rodrigues: - Invoco o Regimento, no seu artigo 175.°

Estão nos Passos Perdidos muitos Srs. Deputados que peço a V. Exa. mande chamar porque estas votações são deveras melindrosas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão. Tem a palavra o Sr. Ladislau Piçarra.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Pedi a palavra para enviar para a mesa minha proposta que passo a ler:

Proposta

Proponho que o artigo 9.° seja assim redigido : "Artigo 9.° O poder legislativo é exercido por uma Assembleia Nacional denominada Camara dos Deputados.

§ 1.° Os membros da Camara dos Deputados são representantes da Nação". - Ladislau Piçarra = Machado Santos = Manuel Bravo = Henrique Caldeira Queiroz = Gaudencio Pires de Campos = Carlos Maia Pinto.

Foi admittida.

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Esta proposta vae assinada por mim e pelos nossos collegas Sr. Machado Santos, Manuel Bravo, Henrique Caldeira Queiroz, etc.

Para não gastar tempo nem cansar a attenção da Camara, poucas palavras direi em justificação da proposta.

Sr. Presidente: eu entendo que devemos simplificar o mais possivel a nossa machina governativa, e a melhor forma dg consegui-lo, não é criando duas Camaras, mas sim uma só. E no meu entender, essa Camara deveria representar os interesses vitaes do país.

Eu desejaria que a Camara dos Deputados representasse toda a organização economica da sociedade, e não unicamente a organização dos partidos politicos.

Sei que a maioria da Camara é favoravel á criação das duas Camara, mas desejo consignar aqui estes principios fundamentaes, não só em meu nome, mas ainda em nome de um grupo que partilha a minha opinião, que é por uma só Camara, a qual representasse as forças economicas do país, seria sufficiente para defender os interesses do mesmo país. Agora, quanto ao suffragio universal, que se acha incluido numa proposta que vae ser apresentada pelo meu amigo e Sr. Alfredo Ladeira, direi duas palavras.

Creio que a maioria d'esta Assembleia é de opinião de que a Camara dos Deputados deve ser eleita pelo suffragio universal, mas tenho a coragem de dizer perante a Camara que me ouve e perante o país, que lê os jornaes, que sou contra o suffragio universal. (Apoiados).

Eu sou d'aquelles que não querem armar á popularidade, sou d'aquelles que dizem a verdade, custe a quem custar, e, por consequencia, o que eu penso e sinto é o que direi aqui e em qualquer parte.

Sou contra o suffragio universal, porque entendo que quem não sabe ler e escrever não tem consciencia do acto eleitoral. (Apoiados).

Entendo que, conceder o suffragio aos analfabetos é uma verdadeira profanação dos sentimentos liberaes e democraticos e constitue um verdadeiro perigo. Tenho assistido a muitos actos eleitoraes, nos quaes tenho visto muitos desgraçados, inconscientes, receberem o papel das mãos dos patrões e irem mettê-los nas urnas profundamente contrariados. Tenho mesmo ouvido alguns individuos que, convidados a inscreverem-se como eleitores, dizerem que preferem não ter voto, porque tendo-o, são obrigados a votar contra a sua vontade para satisfazer o patrão.

Ora, desde que concedamos o voto só aos que teem consciencia do acto que vão praticar, teremos dignificado o acto eleitoral, evitando que muitos desgraçados que vi vem debaixo da pressão economica vão unicamente votar para satisfazer a vontade do patrão.

Todos sabem que sou, verdadeiramente, apaixonado pelo derramamento da instrucção, ou, mais propriamente, da educação; sou d'aquelles que querem que só exerça um direito quem tiver capacidade para exercer esse direito, nada querendo por favor e sim por conquista. Quero direitos conquistados pelo trabalho e pela intelligencia; e, desde que o voto constitue um direito, deve pertencer apenas a quem o conquista pelo seu esforço intellectual. Esta condição serviria até de estimulo para que o povo se interessasse mais pela instrucção.

Eu não quero que o voto se conceda só aos diplomados ...

Não quero que o voto seja só concedido aos que tenham cursos superiores, quero o voto alargado. Por isso, direi que desejaria que fossem eleitores da Camara dos Deputados todos os individuos que saibam ler e escrever cor rectamente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: coherente com os principios que sustentei quando versei o assunto na generalidade, lamento que a commissão renunciasse ás suas primitivas denominações para as duas Camaras e fosse adoptar outras.

E assim que vou mandar para a mesa uma proposta.

Eu desejaria que a Republica fosse democratica e federativa, mas desde o momento em que se resolveu que ella fosse unitaria, dispenso-me de apreciações a tal respeito, que, porventura, apresentarei quando de novo me referir ao assunto.

A minha proposta é concebida nos seguintes termos:

"Capitulo IV, Da Soberania Nacional e seus orgãos. - Secção I, Do poder legislativo:

Art. 9.° O poder legislativo é exercido pelo Congresso da Republica, formado por duas secções, que se denominam Conselho Nacional e Conselho dos Districtos.

§ 1.° Os membros do Congresso são representantes da Nação, e não dos circulos ou provincias que os elegem.

§ 2.° Ninguem pode ser ao mesmo tempo membro dos dois conselhos que formam o Congresso.

§ 3.° Os membros do Conselho Nacional denominam se Deputados do Povo, e os do Conselho dos Districtos, Deputados dos Districtos. Os primeiros não podem ser eleitos contando menos de vinte e cinco annos de idade, e os segundos menos de trinta e cinco annos". = Sebastião Baracho.

Foi admittida.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Pedi a palavra para mandar para mandar para a mesa uma proposta de emenda ao artigo 9.°

Proposta

Propomos a substituição do artigo 9.° pelo seguinte: "O poder legislativo é exercido unicamente pela Camara dos Deputados eleita por suffragio universal". = Os Deputados, Alfredo Maria Ladeira = Affonso Ferreira = Sá Pereira.

Sr. Presidente: quando se discutiu na generalidade o projecto da Constituição não entrei nessa discussão por duas razões. A primeira, por reconhecer a minha insufficiencia para o discutir debaixo do ponto de vista juridico e á face do direito constitucional. A segunda, por entender que essa discussão era de molde mais a fazer resaltar a oratoria eloquente de oradores consagrados do que a dar prestigio á minha palavra descolorida e banal.

No entretanto, os argumentos que tenho ouvido adduzir em favor da existencia de duas Camaras não conseguiram modificar a minha opinião.

Sr. Presidente: eu sei a luta gigantesca que se tem levantado contra o Senado em muitas nações estrangeiras e ainda ultimamente na liberal Inglaterra contra as prerogativas da Camara dos Lords, para que, em vez de lhe reconhecer que elle possa exercer essa missão aperfeiçoadora das leis votadas na primeira Camara, como o affirmaram alguns oradores, ou ainda a acção moderadora á natural impetuosidade da primeira Camara que outros oradores lhe julgaram encontrar, reconheço apenas na segunda Camara a funcção enervante á marcha ascencional da Republica para uma liberdade mais ampla.

Foi isto apenas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que fez com que eu pedisse a palavra para apresentar esta proposta de emenda.

Disse o Sr. Deputado Ladislau Piçarra que não propunha o suffragio universal porque não queria armar á popularidade. Ao exarar esse principio na minha proposta eu não pretendi armar á popularidade, se o fiz foi apenas em obediencia aos meus principios. Ao apresentar a minha proposta á Assembleia cumpro honestamente o que affirmei aos meus eleitores, a quem auscultei a alma, a quem auscultei o sentir, e a ella fica o direito de a appro-

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var ou rejeitar, e a mim resta-me a satisfação de ter mantido integros os meus principios e ficar, portanto, com a minha consciencia tranquilla.

Leu-se na mesa a substituição e foi admittida.

O Sr. Presidente:-A hora vae muito adeantada e como estão inscritos alguns Srs. Deputados para antes de se encerrar a sessão, vou dar-lhes a palavra, visto não ser possivel concluir hoje a discussão do artigo 9.°, se a Camara concorda com isto. (Apoiados).

O Sr. José de Castro: - Desisto da palavra.

O Sr. Lopes da Silva: - Peço á camara a maxima attenção para as palavras que vou pronunciar e vou fazê-lo com a maxima serenidade.

Na sessão de 24 de julho eu occupei-me nesta Camara da questão dos azeites e chamei para ella a attenção do Sr. Ministro do Fomento, eu appellei para S. Exa. e para o Governo para remediar este mal. Estas providencias dizem respeito á economia nacional; e agora peço a V. Exas. a maxima attenção e peço aos Srs. tachygraphos que me ouçam bem, para não serem deturpadas as palavras que vou pronunciar.

Quando me occupei da questão dos azeites disse que se o Governo não resolvesse esta magna questão não tinha o direito de castigar aquelles que, não tendo azeite, o fossem buscar onde o houvesse.

Vozes: - Ordem, ordem.

Sussurro na sala.

O Sr. José Montez: - Não foi bem isso.

Vozes: - Ordem, ordem.

Cruzam-se apartes.

O Orador: - Eu falo com toda a lealdade e julgo que a Assembleia não julgará o contrario, portanto procedo como entender.

Sr. Presidente: appello para o Diario da Camara e por elle se verá que, pelas palavras que proferi, não mereço o anathema que o Sr. Ministro do Fomento lançou contra mim.

S. Exa. disse que a sciencia não tinha meios de reconhecer as impurezas do azeite; eu, porem, sei que a sciencia tem meios de apurar essas impurezas até nas percentagens mais Ínfimas, e sejam ellas de quê natureza forem.

O Sr., Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Até que percentagem?

Orador: - Por meios chimicos e por meios physicos até em quantidades minimas se fazem essas determinações.

S. Exa. o que não tem é o direito de me attribuir palavras que não proferi.

Sei quaes são as responsabilidades que me impendem, e já tenho dito, mais de uma vez, que, quando entro no Parlamento, deixo lá fora quaesquer aggravos, se os tenho, para entrar na Assembleia apenas animado do desejo de collaborar na obra de engrandecimento nacional.

S. Exa. recebeu, ha nove meses, reclamações sobre o azeite e não as teve em consideração. Eu ouço dizer que é a S. Exa. que impende a responsabilidade d'essas cousas que se passam lá fora.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado.

Grande sussurro.

Orador: - Entretanto essas reclamações eram justas e razoaveis.

Disse o Sr. Ministro do Fomento que ha no país azeite sufficiente para o consumo. Ha-o. Mas com que medidas conta S. Exa. para chamar esses homens, que açambarcam esse azeite, a apresentá-lo no mercado, e como pensa castigá-los, se elles não cumprirem as suas deliberações?

S. Exa. já pôs em execução essas medidas? Creio que não. O Estado está sendo defraudado em quantias importantissimas, porquanto, pela raia seca, entra sonegadamente grande quantidade de azeite. Ainda hoje falei com dois empregados publicos que transitam nas carruagens do caminho de ferro e que me asseguraram ...

.... Vozes: - Provas! Provas! Os nomes.

O Orador: - Se o Sr. Ministro do Fomento me garante, sob sua honra, que não pune o individuo, direi o nome do empregado que me disse ter trazido azeite pela linha de Elvas.

O que digo é que são verdadeiras taes affirmações.

Agitação.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Não sou delator, nem faltei nunca ao respeito que devo á Camara.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que já passaram os cinco minutos.

O Orador: - Curvo-me perante o Regimento, mas sinto que, duas vezes, na mesma sessão, se tivesse infringido a lei.

Tenho dito.

O Sr. França Borges: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra, para antes de se encerrar a sessão, para me referir a dois assuntos urgentes.

Quero apenas fazer duas ligeiras, mas claras perguntas ao Governo.

Li num jornal de hontem a noticia, dada com a devida reserva, de que tinha desapparecido, do Ministerio do Interior, um processo relativo a dois conspiradores; e essa noticia vem hoje confirmada num jornal d'esta cidade, numa carta firmada por um official do nosso exercito.

Desejava que o Governo me desse explicações a este respeito e, não tendo ellas logar, que a Assembleia me perdoe o tempo que lhe tomei.

O outro assunto que reputo urgente é a noticia de, ha um ou dois dias, terem fugido da cadeia de Villa Real dois conspiradores que lá se acharam presos, sem que tivesse havido arrombamento na cadeia.

Vozes: - Já foram presos.

Orador:-Desejava saber se tinham sido recapturados, ou se se tinha feito qualquer inquerito para se sabor como tinham fugido.

Era apenas para estes dois assuntos que tinha pedido a palavra.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Em primeiro logar devo dizer a S. Exa., com

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SESSÃO N.º 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 25

respeito á fuga de dois presos da cadeia de Villa Real, que o facto é verdadeiro, mas se não pode attribuir a culpa ás autoridades d'aquelle districto, porque em toda a parte se dão fugas de presos, sobretudo quando as cadeias não estão suficientemente acauteladas. Entretanto recommendei a essas autoridades que tomassem todas as providencias, o que se fez desde logo, para que o caso se não repetisse.

A respeito de se dizer que tinha desapparecido de um Ministerio um processo relativo a conspiradores, li no jornal O Mundo que se tinham desviado documentos a um processo do Ministerio do Interior, mas em resposta a S. Exa. devo dizer que tal noticia é absolutamente falsa.

Não houve desvio algum.

O processo que se dizia que tinha sido desviado foi enviado ás autoridades competentes e diz respeito ao abbade de Serraquinhos.

E se ha um official do exercito que diz que este documento foi desviado do Ministerio do Interior, esse officio não fez mais do que transformar-se em echo das calumnias propositadas que se desejam fazer cair sobre o Ministerio do Interior e sobre o seu respectivo Ministro.

É simplesmente uma calumnia sem classificação.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. França Borges: - Peço novamente a palavra, Sr. Presidente, para replicar ao Sr. Ministro do Interior

O Sr. Presidente: - A Camara autoriza que o Sr. Deputado França Borges tome novamente a palavra?

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. França Borges: - Eu fiz a pergunta, não baseando-me no boato a que o Sr. Ministro do Interior começou por referir-se, mas numa informação que foi fornecida ao jornal O Mundo, por um republicano, official do exercito.

Vê-se que houve da parte de S. Exa. um lamentavel equivoco.

O official que assina a carta é o Sr. Carlos Alberto da Guerra Quaresma, official que está prestando grandes serviços á Republica, e é incapaz de inventar uma calumnia, como S. Exa. affirmou.

Houve, repito, um equivoco bem lamentavel da parte de S. Exa.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior: - O facto de me referir ao Mundo não é contra as praxes parlamentares.

Eu tinha todo o direito de me referir a esse jornal como a qualquer outro, pois estou dentro das normas de uma politica aguerrida e das normas parlamentares.

Não sei se a culpa d'essa affirmação cabe ao militar que a reproduziu por falta de Criterio. Digo isto alto para ser bem ouvido e não porque esteja incommodado ou excitado.

As minhas explicações estão dadas ao Sr. Deputado França Borges.

S. Exa. não reviu.

O Sr. João de Freitas: - Apresentei ha pouco uma nota de interpellação, acompanhada de uma nota da Camara Municipal de Bragança, e, visto estar presente o Sr. Ministro do Interior, aproveito a occasião para perguntar a S. Exa. quando se poderá dar por habilitado para responder a essa interpellação. No caso de estar habilitado, desde já, peço a S. Exa. que designe o dia d'essa interpellação.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Estou pronto a responder ao Sr. Deputado João de Freitas, logo que S. Exa. tratar do assunto. Não conheço bem o assunto da sua interpellação porque entrei na Camara já depois de S. Exa. ter apresentado a sua nota, mas vou tomar conhecimento d'ella e depois achar-me-hei habilitado a responder.

O Sr. José Montez: - Desisto da palavra.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente: direi poucas palavras, apenas para esclarecer a Assembleia.

Os jornaes de hoje, ou os de amanhã, devem publicar o aviso do Mercado Centrai, fazendo a chamada do azeite que haja disponivel para a venda. Aguardo o resultado d'essa chamada para fixar as condições em que haverá de fazer-se a importação. Claro está que o Governo não pode impor um certo preço ao azeite, como não pode impô-lo para qualquer outro objecto de venda, seja ou não substancia alimentar. Mas a fazer-se a importação será ella permittida de maneira que o azeite chegue ao consumidor por um preço razoavel.

O Sr. Deputado que mais uma vez tratou de azeites, accusou-me de erro scientifico, por eu ter affirmado que em certos casos a analyse era incapaz de trahir a falsificação de azeite com óleos finos. São as informações que tenho, e colhidas na fonte mais autorizada. Misturando óleos finos com azeites ordinarios, contanto que não se exceda a proporção de 18 por cento, obtem-se um azeite falsificado que escapa inteiramente aos rigores da analyse.

O Governo cumpre o seu dever, procurando remediar, como for possivel, a carestia de um genero de largo consumo; mas não o faz por imposições de ninguem, mas apenas demovido pela constatação de uma necessidade. (Muitos apoiados). E mais nada tenho a dizer, parecendo-me que a questão do azeite, por mais que a estiquem, não dá mais nada.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Marques da Costa: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão realizar-se-ha amanhã, á hora regimental, sendo a ardem dos trabalhos a seguinte:

Antes da ordem do dia:

Discussão sobre a crise que afflige o operariado da construcção da região das pedreiras de Cintra.

Interpellações:

Do Sr. Deputado Manuel Pires Vaz Bravo Junior ao Sr. Ministro da Justiça;

Do Sr. Deputado França Borges ao Sr. Ministro da Marinha;

Do Sr. Deputado Nunes da Mata ao Sr. Ministro da Marinha.

Ordem do dia - Projecto da Constituição.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 20 minutos da tarde.

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Documento mandado para a mesa nesta sessão

Declaração de voto

Declaro que votei contra o artigo 8.° do projecto, mesmo com a aditamento do Deputado Sr. Pedro Martins, por entender que o poder executivo não deve ser representativo da soberania nacional.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 1911. = José Nunes da Mata.

Para a acta.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 27

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Manuel José da Silva, que devia ler-se a pag. 10 da sessão n.° 36 de 2 de agosto de 1911

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: sendo eu o representante do partido socialista, o unico, genuino, ficaria numa situação critica se não procurasse hoje explicar e justificar a maneira por que fiquei ali no meu logar, sereno, á espera do resultado da decisão da Camara acêrca das greves.

Direi que não é com disposições escritas nas leis que o direito á greve fica mais definido.

Nós, socialistas, não pedimos isso: não é possivel regular a greve, como não é possivel regular a maior parte das discordancias entre operarios e patrões, entre as diversas entidades que entram no jogo da vida economica das sociedades.

O meu ponto de mim, a minha opinião nesta questão é que neste país a greve está reconhecida desde a implantação da Republica como um direito.

No nosso país a greve está reconhecida desde a implantação da Republica como um direito, repito, mas o facto é que anteriormente a esse decreto as greves eram punidas pelo Codigo Penal, e tenho visto, depois d'esse decreto, que nas greves que se teem dado teem ido operarios para a cadeia.

O facto que quero evidenciar é que mais pode prejudicar á causa operaria o regulamento das greves do que a falta na Constituição de uma disposição que as autorize. Portanto, redigi uma declaração, synthetizando a minha opinião, e vou lê-la á Assembleia, para que fique constando da acta, e peço á commissão de legislação operaria, visto eu ter apresentado no dia 11 uma proposta, que dê, o mais rapidamente possivel, andamento a essa proposta. Na minha opinião é esse o facto mais necessario.

Devo tambem manifestar ao Governo que a effervescencia que se nota entre o povo de Lisboa e o povo do Porto não é produzida por esta questão do direito a greve, mas principalmente pelo facto dos especuladores dos generos alimenticios, não só dos azeites, mas- de outros generos, continuarem a explorar de uma maneira que leva a população a insurgir-se sem mesmo saber contra quem. É necessario que o Governo tome medidas excepcionaes, porque a situação peora por todas as formas, os ganhos diminuem e a despesa da população geral cresce de uma forma espantosa.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Como pode V. Exa. dizer que é o unico socialista na Assembleia?

O Orador: - Respondendo á interrupção do illustre deputado, direi a S. Exa. que socialistas podem ser todos os membros d'esta Assembleia, mas socialista, com votos dos socialistas, só eu nesta Assembleia.

Agradeço á Assembleia a attenção com que ine escutou e mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

A representação socialista nesta Camara, composta do Deputado Manuel José da Silva, declara que não se associou ao incidente occorrido hontem a proposito da proposta referente ao direito de cessação do trabalho, nem discutiu a eliminação do n.° 48.° do artigo 5.° do projecto da Constituição, embora tivesse votado a sua conservação, por ser sua opinião que a greve não carece ser autorizada pelas leis escritas, pois que ella é um producto inevitavel e irregulamentavel e já hoje indiscutivel da guerra economica, que é a condição especial do regime capitalista, e por entender que o que urge é determinar para o futuro que os poderes constituidos do Estado e dos municipios não intervenham nas greves senão para as solucionar tanto quanto possivel pelo principio da arbitragem.

Assembleia Constituinte, em 2 de agosto de 1911. = O Deputado, Manuel José da Silva.

Para a acta.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 36 DE 2 DE AGOSTO DE 1911 27

Discursos proferidos pelo Presidente do Governo (Theophilo Braga), que deviam ler-se a pag. 14,17 e 18,19 e 20, 21 e 22 da sessão n.° 36 de 2 de agosto de 1911

(Nova publicação rectificada)

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Quando se votou a mudança de capitulos para Titulo II, tratámos aqui do direito publico português, comprehendendo o seu conteudo: De como se adquire, perde e recupera a qualidade de cidadão português. Fizemos uma secção 1.ª; e para completar a doutrina, faremos do capitulo IV a secção 2.ª: Dos direitos politicos individuaes e suas garantias. Assim, ha methodo scientifico e perfeita clareza.

Este assunto é muito complexo, devendo eliminar dos seus enunciados syntheticos todas as incrustações regulamentares.

Tratemos agora tambem dos direitos e garantias individuaes.

Fazer-se no projecto em discussão um capitulo IV, sem relevo e á matroca, da Soberania nacional e seus orgãos, é um contrasenso que vae de encontro á estructura sociológica; é fundamentalmente um Titulo m, em que após o direito politico vem o seu desenvolvimento na nova forma de direito constitucional.

Para que serve a Constituição?

Serve para garantir direitos individuaes e civis.

É necessario que haja um poder, uma força, uma qualquer entidade que tenha essa capacidade protectora ou de garantia.

Essa entidade é a Soberania nacional.

Aqui começa uma fase nova do codigo politico, estabelecendo a constitucionalidade: é o poder supremo e indiscutivel que serve para garantia dos direitos civicos e liberdades individuaes.

Sr. Presidente: este titulo não está completo.

Entendo que só em sentido figurado, este termo, orgãos, aqui pode ser empregado.

Os orgãos representam em parte as peças de um todo systematico ou aparelho, como os productos biológicos.

Podemos, pois, adoptar o termo, mas precisamos de um pequeno esclarecimento.

Entendo que assim não ficava mal: "Da Soberania nacional e seus orgãos ou Poderes do Estado".

Assim já sabiamos que a Soberania nacional não é uma entidade animal; é uma concepção sociológica generalizada, como principio doutrinario que se realiza por elementos constituidos, que são os poderes d'ella derivados.

Limita-se a dois artigos o que a Constituição aqui encerra sobre a Soberania nacional!

Um poder que é fonte de todas as garantias não pode ser tratado de uma fornia tão incompleta. Não nos dá a comprehensão do que seja esta grande manifestação suprema e immanente da vitalidade de um povo.

Sr. Presidente: termino por aqui as minhas considerações sobre a rubrica do Titulo m, promettendo voltar ao assunto da Soberania nacional, quando estes artigos entrarem em discussão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Sr. Presidente: o artigo 7.° é muito lacónico, e ião lacónico que se não sabe bem de que trata:

"A Nação exerce por delegação a soberania que essencialmente nella reside".

Não sabemos o que é a soberania nem tão pouco da sua residencia. É uma frase sem explicação; e alem d'isso envolve um perigo social e uma figura de rethorica...

A "soberania delegada voluntariamente sem mais nada é uma monstruosidade, e haja vista o maior poder que tem havido no mundo - o imperial, e que os romanos criado, peça por peça, foi attribuido na sua origem a uma delegação perpetua do povo, isto é, a uma abdicação para sempre voluntaria!

O titulo de imperador ou general passou depois ao de pontifice maximo, e tudo quanto era poder de Roma, tudo se consolidou na pessoa do imperador, e nunca mais isto se pôde desmanchar; de modo que o imperialismo ainda hoje apparece no mundo desde os resquicios das monarchias germanicas até as Republicas plebiscitarias das Americas latina e saxonia.

Como é que o imperador conservava o seu poder? Pela Egreja, todo o poder vinha de Deus. Se o Deus dos catholicos ainda não existia e não podiam invocar Jupiter, nem outras divindades, diziam os imperadores para fundamentarem o seu poder, que a soberania lhes foi delegada pelo povo perpetuamente.

O povo, por consequencia, adoptou como seu poder soberano, investindo no mando uma entidade sua delegada, o poder imperial que derivava o seu poder de uma delegação, que para ser consciente tinha de ser condicionada, revogavel e responsavel. Eis o percurso da historia social.

Ora exactamente quando vemos que "a Nação exerce por delegação voluntaria a soberania" não comprehende-mos, porque isso pode ser uma renuncia, uma abdicação, como se vê nos votos religiosos.

O artigo é vicioso por falta de criterio historico.

É preciso lembrarmo-nos de que quando cito aqui qualquer facto historico não é por erudição; Guizot dizia que a Civilização caminha para realizar a sua unidade.

E por isso que sem considerar essa unidade é impossivel reconhecer quaesquer fenomenos sociaes separados da grande evolução de doze seculos.

Isto é um principio fundamental em historia ou sociologia descritiva, que todos devem ter sempre deante dos olhos.

É por isso que nós a esta luz aqui discutimos a Soberania nacional, que certos estadistas não sabem o que seja. Archivemos as palavras de Guizot:

"Ha mais de doze seculos que a Europa avança para a realização da unidade da sua civilização; e é hoje tal essa unidade, que para bem comprehender a historia de qualquer povo moderno é preciso considerá-lo no conjunto historico da Europa e da marcha que seguiu a humanidade."

Este methodo seguiu Guizot na sua Historia do Governo representativo na Europa, limitando-se ahi apenas ao caso da Inglaterra. Conhecendo-se a evolução germanica, francesa e hispanica, e as instituições locaes tradicionaes ou consuetudinarias, que luz se tira para a formação organica e racional de uma Constituição moderna! Como esse campo historico de doze seculos se torna um verdadeiro laboratorio sociológico! O predominio das monarchias germanicas na Europa medieval no seu conflicto com a soberania pontifical fez com que se revigorasse ao omnipotencia dos imperadores romanos, adoptando dos seus codigos

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os direitos reaes, taes como o poder, seu exclusivo, de fazer leis, e de ser a sua vontade a suprema lei: Quid Principi placuit, Legis vigorem habuit. E ainda não bastando este militarismo de cominando, serviu-se da contaminação theocratica, fundando a sua soberania na sancção divina, Gratia Dei Rtix, ou Domini institutione Rex, como os réis de Aragão, de Navarra, de Leão, de Castella e de Portugal até 1640, em que a Nação reassumiu a sua soberania delegada voluntariamente aos Braganças, que até 5 de outubro de 1911, se arrearam descaradamente como réis por graça de Deus. Todas estas allusões bastam para justificar o uso e abuso da lei, que era a vontade irrefreavel do principe.

É a força da lei ? Nós temos a soberania que toma a expressão puramente de uma vontade pessoal ou mero arbitrio, e que foi delegada, voluntariamente, pelo povo, mas delegada perpetuamente, o que se não comprenende no mundo moderno; existem direitos inalienaveis, que são as normas da humanidade, a que pertencemos, e que nenhum cidadão pode abandonar os seus direitos taes, e se alguem o fizesse era doido e a autoridade tinha de intervir pelo procurador dos dementes ou interditos.

E por isso que o voto perpetuo hoje não se admitte ao meio civil, que tem de defender os caracteres fracos criminosamente suggestionados por ficções theologicas.

É preciso termos em vista que as monarchias da Europa, que acompanharam as nacionalidades modernas, foram todas de origem germanica imperialista, e todas ellas baseadas sobre o typo imperial romano; que essas mo narchias - a germanica, a inglesa, a francesa, a hispanica e a portuguesa, todas ellas derivadas da mesma fonte imperialista, isto é o mundo romano através da Edade Media, mas com elementos communs ou romano-barbaros, pela fluencia dos seus meios nacionaes, entre si differem fundamentalmente. As monorchias germanicas eram dietas em que o soberano era egual a todos os barões, seus pares, isto ó, eguaes a elle imperador. Por consequencia ahi fica esse typo germanista. Mas já na Inglaterra esse poder soberano equilibra-se, os barões e o povo trabalhador formando uma camada do proletariado fundada sobre a riqueza do trabalho e, por consequencia, sobre a defesa de seus direitos; na posse da terra assentava o poder dos lords que se tornavam grandes proprietarios; o poder real, para subsistir, tornou-se o medianeiro, o ponderador entre o proletariado e os barões. D'aqui esse justo equilibrio que se considera exclusivo do genio inglês: é o poder constitucional das duas camaras que só se separaram sob Eduardo III, mantendo a coexistencia d'essas duas entidades, nobreza e povo. Já em França a realeza tomou outro aspecto, o rei tornou-se senhor absoluto pezando sobre os povos que o auxiliaram e fazendo da nobreza os seus criados graves ou serventuarios disfarçados nas pompas palacianas. Portanto, nós temos já um typo francês.

O nosso typo peninsular nascido das monarchias germanicas depois da época neogothica; remodelou-se na estructura da monarchia francesa, logo que os serracenos foram expulsos, e a nobreza não tinha mais pretexto para continuar a sua intervenção militar.

O poder real reduziu a fidalguia apenas a uma pompa apparatosa de viver do paço e á custa do paço.

Portanto, Sr. Presidente, tratando-se de um assumpto nosso, português, da Soberania nacional, vemos que essa soberania desde o seculo viu até o seculo XVII foi sempre pró gratia Dei, postergando as liberdades locaes das cidades independentes, ou dos concelhos, que as monarchias unificaram pela forma tradicional ecclesiastica ou pela forma imperial.

Chegou o dia em que Portugal, emancipando-se da incorporação castelhana e elegendo um rei, que era então o typo politico dominante, para presidir á sua nova autonomia e independencia, nas Cortes de 1641 delegou em D. João IV a soberania nacional. Fez-se uma acta de uma coraprehensão politica admiravel, que anda publicada na obra de Valasco de Gouvea, a Justa acclamação, explicando essa fonte de soberania portuguesa da bella revolução de 1640, tão comparavel pela simplicidade do seu gesto heróico com as duas revoluções de 1820 e 1910, que restabeleceram a usurpada Soberania nacional.

Essa dynastia de Bertholdos e Bertholdinhos, toda de typos inferiores e degenerados... foi extinguindo as Cortes. No periodo de 1697 até 1820 não mais houve Cortes. Campeou o absolutismo ainda mesmo sob o constitucionalismo da Carta outorgada.

A revolução de 5 de outubro de 1910, continuando a affirmacão da autonomia das revoluções de 1820 e 1836, revindicou para a Nação a sua soberania, dando aos seus delegados os necessarios poderes para a exercerem e delegando nos seus representantes os poderes de a definirem.

Este artigo, portanto, não nos deve ser indifferente.

Não pode ser tratado só em duas linhas:

"A Nação exerce, por delegação voluntaria, a soberania que essencialmente nella reside."

Para que este artigo tenha valor, deve ser reduzido a um simples paragrapho. Deve se, antes de tudo, dar a noção do que seja a Soberania da Nação, e assim eu proponho que se consigne no artigo 7.°:

"A soberania da Nação é a vontade virtual, una e indivisivel do consenso da sua existencia collectiva e coexistencia organica de todas as suas synergias."

O artigo 7.° passaria a ter um paragrapho, com um sentido concreto, esclarecendo a delegação voluntaria com os termos: condicional e revogavel.

A conjugação das diversas energias é que constituem um organismo completo. Por consequencia, a Soberania da Nação não é mais do que esse mutuo consenso, que origina todas as instituições sociaes.

Essa existencia collectiva é que cria as linguas nacionaes, as artes, crenças, industrias e literaturas, que, na sua synergia, produzem a civilização.

Realmente, um individuo isolado tem a sua capacidade civil e os seus direitos, mas é impotente para os manter e revindicar. Tem, pois, de recorrer á connexação da collectividade. É o accordo tacito.

Não é portanto um pacto, segundo a miragem subjectiva de Rousseau.

Quando os elementos de um povo se associam para um determinado fim, por que forma o fazem? Pelo consenso tacito, revelado pela continuidade e estabilidade dos costumes, pela tradição nacional.

Eis o criterio sociológico para conhecer e discutir instituições politicas.

E portanto esta forma que eu apresento para definir a Soberania nacional.

Terminando, envio para a mesa a minha proposta.

Foi lida na mesa e admittida a proposta de substituição do artigo 7.° apresentada pelo Sr. Theophilo Braga, sendo rejeitada na votação do artigo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - Este artigo 8.° tambem está defeituoso na sua redacção e no seu conteudo.

Os poderes do Estado independentes e autónomos, formam a harmonia superior chamada Governo.

Não apparece aqui a minima ideia do que seja o Governo.

O mesmo poder executivo composto de Ministros, tambem tem a sua unidade chamada Gabinete.

Quando realmente o Gabinete tem pela acção individual de cada Ministro, a convergente funcção executiva-

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administrativa do Ministerio, co-existindo com os outros poderes do Estado, caracteriza nitidamente o Governo da Nação.

Não temos neste artigo 8.º a minima ideia de Governo.

Exhibe-se o teclado, mas sem saber que mão o toca.

Alem d'isso temos: poderes constituintes e garantias constitucionaes; são duas expressões que se repetem tambem sem sentido, pleonasticamente.

Apresento, portanto, a seguinte modificação:

"São orgãos da Soberania nacional o Poder legislativo, o Poder executivo e o Poder judicial. A independencia e existencia d'estes poderes são a indispensavel condição para a effectividade das garantias constitucionaes.

§ 1.° O exercicio das funcções legislativa, executiva administrativa, e executiva contenciosa, nas suas complexas modalidades integram-se no Governo.

§ 2.° A forma do Governo de Portugal de Republica Democratica Parlamentar é pacificamente realizada pela representação nacional, sendo todas as suas leis, decretos, portarias, cartas patentes, sentenças judiciaes e mais diplomas que dimanam dos Poderes do Estado, sanccionados em nome da Republica Portuguesa."

Foi mandada esta substituição para a mesa.

Estamos sempre no jogo das palavras metaphoricas, na harmonia dos poderes.

A harmonia é contraponto. As harmonias contraponticas não são as harmonias sociaes. Estas são o accordo mutuo de vontades que coexistem na sua independencia. Um relogio tem muitas peças e todas trabalham coexistindo, embora independentes. Assim as liberdades sociaes são a coexistencia das liberdades de cada um dos individuos na colectividade.

A harmonia tem varios themas contrarios que se conjugam de uma forma symphonica.

Ora os poderes do Estado não são essas forças desconnexas que se torna necessario subordinar a uma harmonia; são modalidades das funcções sociaes, que se coordenam, disciplinam, elevando pela sua variedade á unidade moral.

Quem regulariza essas funcções?

O producto sociológico que se chama Governo.

Ora este tem a sua forma e derivação, e por isso na proposta incluo neste ponto da Constituição o seguinte paragrapho que o define.

Leu.

Pode dizer-se, é certo, que já se declarou no titulo i, que a forma de Governo é a Republica Democratica Parlamentar, mas isso foi deslocadamente ao tratar do territorio sem definir o Governo,, não vem dizer de onde elle deriva.

E aqui diz-se.

Leu.

É necessario ter isto tudo sob os nossos olhos para verificarmos bem como estas cousas se coordenam.

Vamos entrar na secção i, do Poder legislativo, que é logicamente a representação nacional da Republica Democratica

Já vimos que os Governos saem d'essa representação nacional com o mandato chamado Poder executivo.

Todos os seus actos são sanccionados em nome da Republica Portuguesa. O juiz lavra a sentença em nome da Republica; o Ministro assina o decreto em nome da Republica; o Presidente assina as credenciaes em nome da Republica.

Vamos ter uma forma de Governo sem vermos de onde ella nasce; é essencial o caracterizal-a no seu espirito actual, democratico parlamentar, seguindo-se tudo o mais com perfeita dedução logica.

É preciso que os Governos tenham por assim dizer o seu logar geométrico na Constituição, a fiai de que esta não fique uma obra constituida aos empuxões.

A discussão d'este assunto não se pode fazer por maneira aligeirada; a Constituição deve representar o estado mental da nossa época e por isso, apesar de saber que não sou ouvido e que são rejeitadas as minhas emendas eu continuarei a discutil-a e a enviar para a mesa todas as emendas que entender.

Foi admittida.

O Sr. Presidente, do Conselho de Ministros (Theophilo Braga): - É agora que nós vamos discutir se deve haver uma Camara ou duas. Não podemos hoje conceber o Poder legislativo sem uma representação parlamentar. Não se trata de um torneio de rhetorica banal, uma simulação das antigas lutas da rosa branca e da encarnada. Parece-me que o assunto é deveras grave e não pode ser tratado de assalto, nem votado a requerimento de inconscientes abafadores. Talvez fosse mais conveniente discutil-o amanhã com mais serenidade, visto que este artigo é, por assim dizer, a chave do definitivo Poder legislativo da Republica Portuguesa.

Por consequencia, Sr. Presidente, limite-se a discussão do problema, apenas tocado na generalidade; mas assim de assalto não entremos logo no artigo 9.°, que é de maxima importancia e quando ao tratal-o na especialidade concreta ha necessidade de desvanecer opiniões subjectivas, fantasistas, alheias a todo o criterio sociologico.

V. Exa. agora bem pode suspender este trabalho para a sessão de amanhã e dar a palavra a alguns srs. Deputados que a pediram para antes de se encerrar a sessão.

Estamos perturbados com as intercorrencias que succedem. Não se lucra nada estarmos agora a discutir este 9.° artigo atabalhoadamente. Amanhã, approvado elle, todos os outros artigos, que são meramente regulamentares, votam-se quasi automaticamente.

V. Exa. sabe que o pregador transformava as setas de San Sebastião em grelhas de San Lourenço; isto se pode applicar em relação aos artigos desde o 9.° ao 12.°, em que se estabelecem as duas Camaras, que se adaptam a uma só Camara, com leves retoques.

Se para uns as duas Camaras são uma imitação insignificante, para outros é de primeira ordem, pela funcção depressora a exercer nos temperamentos meridionaes.

A Constituição não lucra nada com mais meia hora de perturbação dos espiritos.

Requeiro que a sessão da ordem do dia de amanhã comece por este artigo 9.° do projecto.

Sr. Presidente: lamento que entre immediatamente em discussão este artigo 9.°, tão grave, tão importante, que vae ser resolvido de impeto, para não dizer por surpreza.

Por isso vou justificar o meu sentimento e apresentar uma emenda ao artigo, e que é a seguinte:

"Art. 9.° O Poder legislativo é exercido pelo Congresso da Republica formado por uma só camara que se denomina Camara dos Deputados.

§ unico. Os membros do Congresso são representantes da Nação e não dos circulos que os elegem."

Sr. Presidente: esta questão de uma ou de duas Camaras, não é tão banal, como parece a muitos; é a alma das reformas modernas do parlamentarismo, que na evolução de doze seculos tem de voltar á sua primitiva unidade.

O grande publicista do seculo XVIII Montesquieu, sustentava a necessidade das duas Camaras, pois que se achava

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ainda deante das classes irreductiveis e inconciliaveis do regimen catholico-feudal; assim, escrevia: "Ha na sociedade familias poderosas, que teem a riqueza, as honras e a tradição historica; importa dar-lhes uma representação social".

Temos porventura hoje as classes como base da estabilidade social? Não; a Revolução fundou a egualdade politica, acabou com as classes.

É por isso que Sieyes, o systematizador doutrinario da Eevoiucão do seculo excepcional, indicou a existencia de uma só camara: "A lei é a vontade do povo; um povo não pode ter ao mesmo tempo duas vontades differentes sobre o mesmo facto; consequentemente, o corpo legislativo, que representa o povo, deve ser essencialmente uno." E mesmo antes da Revolução, Turgot, um dos precursores da sociologia, indicava, em 1786, a Franklin a organização de uma só camara para a Pensilvania.

Mas no seculo XIX, os primeiros oonflictos entre o capital e o trabalho, acordaram os conservadores politicos para a resistencia dos governos, e assim, vemos Guizot, voltar á these das duas camaras, sob esse criteriio transitorio: "Ha na sociedade humana esses que vivem do rendimento das suas propriedades territoriaes e immobiliarias, beneficios ou capitães, e aquelles que, vivendo do seu trabalho, carecem, para se conciliar, de uma representação distincta."

Não é com as duas camaras que se resolve o problema economico, que não do antagunismo de classes, nem do reconhecimento de privilegios genealógicos.

E por isso que na mente dos advogados surgem os argumentos subjectivos para justificar uma segunda camara, para temperar as energias impulsivas da primeira. Se estes espiritos reconhecessem que o poder real para tornar-se absoluto dividira os Estados geraes para os enfraquecer; assim, sob Eduardo m é que se dividiram as duas camaras do unico Parlamento; e Carlos v, em 1538, tratou de evitar a reunião das Cortes geraes, permittindo que separadamente se reunisse a nobreza com o clero.

Nada mais claro do que esta divisão da soberania nacional: Divide ut imperes. Os Parlamentos foram unitarios; assim a Corte General de Aragão, os Estados Generales de Navarra, o Ayuntamiento de Castella, as Cortes de Portugal, o Synodo General em França e o Wittenagmott em Inglaterra. Esta unidade tinha de fragmentar-se não em beneficio da liberdade nacional, mas do absolutismo do poder real.

É isto que se quer na Republica portuguesa!

Aqui querem fazer duas camaras; e aqui tem V. Exa. mantida a ideia velha da luta entre o regime catholico-feudal e o povo ou burguesia, e hoje do proletariado, entre o capital e o trabalho.

Os proletarios criaram esta forma de collectividade social chamada povo, e os poderosos criaram os privilegios.

Pois que quer dizer Senado?

Quer dizer velho, do latim senex; seniores, os mais velhos ou os senhores. Senhoria designou a soberania de Veneza.

Os mais velhos eram os patriarchas, que formaram as aristocracias dos cupatridas, dos patricios, dos lords, dos barões e dos fidalgos.

Faz algum sentido no mundo moderno resuscitar instituições d'essas, que a natureza eliminou pela falta de cruzamentos da raça, e que o progresso social teve de unificar tirando-lhes o veto?

Nós vamos fazer uma Constituição de um povo pequeno, onde não ha morgados, onde não ha nobres, onde não ha fidalgos, não ha grandes potentados da terra; portanto, não a devemos fazer para se criar uma classe aparte, o Senado; isso seria reavivar as classes j á extinctas, comum pessoal tirado da classe media exclusivamente: um mesmo cão com differente colleira, como diz o anexim popular.

Discutir-se este artigo, e a esta hora, quando todos estamos pensando em ir para nossas casas, uma cousa que tem de ficar para dez annos, não parece bem.

Eu moralmente protesto, e se houver Senado, nunca lá hei de pôr os pós.

Não acceito classes privilegiadas, todos são eguaes perante a lei; só para a fazerem é que não são eguaes, portanto tenho um remedio a apresentar á falta de uma segunda camara, e esse remedio é que satisfaz a parte subjectiva.

Dizem que é preciso uma segunda camara porque a primeira é sujeita a impetos.

Nós temos na Camara de Luxemburgo a solução.

Ha ahi uma camara unica; ella vota uma medida fundamenta], una grande emprestimo, uma grande obra, qualquer cousa de grande responsabilidade.

Pois muito bem, este acto tão grande e excepcional fica pendente por um, dois ou tres meses, conforme se entender, para voltar á votação mais tarde, e então é que a sancçao é definitiva.

É o que acontece com todos nós: queremos comprar uma quinta ou uma casa, estamos enthusiasmados, pensa-se de onde ha de vir o capital, mas dorme-se sobre o negocio, consulta-se o travesseiro, medita-se e immediatamente se diz - em que me ia eu metter, numa camisa de onze varas!

Então o Parlamento não pode ter umas reservas de reconsideração para certos factos especiaes, de alta responsabilidade?

É simples; basta um artigo de lei, uma unica e mesma camara, que possa revisar as suas grandes deliberações.

Nós estamos todos cansados, mas para o que não estamos cansados é para dar um voto de consequencias tão graves; é por isso que requeiro que fique pendente a discussão para a ordem do dia de amanhã, melhor meditada, com mais serenidade se formará uma opinião do que agora votando assim atrapalhadamente.

Votadas as duas camaras não ha nada mais a fazer; o mais é regulamentar, está a Constituição, por assim dizer, pronta.

Se V. Exa. attendesse á importancia d'este requerimento, teriamos amanhã uma sessão mais consciente com aquillo que todos nós esperamos.

Por consequencia dou por terminada a minha exposição, repetindo que o grande Turgot, quando lhe pediram uma Constituição para a Pensilvania forneceu a Franklin uma Constituição com uma camara só, e lembremo-nos de que era um país novo, a America, e que era o grande fundador da sociologia moderna, Turgot, que dava a Franklin o detalhe de uma Constituição com uma camara só.

Encosto-me a esta autoridade suprema, e deixo consignado nas notas tachygraphicas, na acta do Parlamento, que alguem nesta casa pensou em que o espirito moderno reclamava uma Camara só, e que essa Camara condizia com as nossas origens ethnicas, como vou provar, porque nós não temos classes para fornecer pessoal para uma camara alta.

Ainda uma ultima palavra: presentindo que amanhã me veja privado de expor esta doutrina por algum estupido requerimento para que se julgue a materia discutida, a que referir agora ficará como uma aclaração de voto.

O Senado não está na tradição do povo português, porque a nossa nacionalidade foi formada de cidades livres, que antes da realeza se confederavam em Behetrias, e que se encorporavam nas Cortes ou Estados Geraes, como se declara nas Cortes de Evora de 1460: "chamados os procuradores d'aquellas Cidades e Villas dos nossos reinos que a tal acto, segundo costume antigo, soem de vir".

Estas cidades e villas, antes do estabelecimento do poder real, formavam as suas leis na assembleia de Mallum (o Malhom, segundo Viterbo), que se chamou depois o Concelho, de que ainda hoje subsiste o nome na divisão admi-

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nistrativa, e mesmo na sua funcção municipal (Paço do Concelho).

Estas assembleias populares existiam em Franca, Lyon e Narbonne. Sob a administrarão romana, tinham já os Lusitanos estas Assembleias chamadas Conventum Provincialis, na Betica e Terraconeiise, na qual se votavam os impostos e se reclamava para o Senado de Roma e depois para o Imperador, mandando-lhes procuradores, (Legati) deputados eleitos pelas cidades e villas, tal como se costumava praticar seculos depois nas monarchias neogothicas e nas Cortes Geraes.

É immensamente interessante ver como através do absolutismo do Poder real a influencia das cidades livres, contrabalançando-se com o conselho privado do rei, levou ao estabelecimento dos Estados Geraes, ou ao Parlamento unico.

O rei, na sua omnipotencia imperialista, é que se reservava o exclusivo privilegio de fazer leis.

Assim o consignam as Partidas: "Ninguen no puede fa-cer Leyes si no Emperador e Rey, e otro por esse man-damiento d'elles". Mas, este exclusivo poder legislativo dependia de uma condição, que se acha apontada no Fuaro Juzgo. "Rey serás se facierdes derecho, et si non fecier - des derecho non serás Rey". Tambem na Ordenacion de D. Pedro IV de Aragão se estabelece a mesma condição: "Não merece reinar quem desprezar os conselhos dos entendidos".

Sob esta dependencia moral a realeza absoluta apoiava-se no Consilium Palatii, composto de Fidalgos, Doutores, Letrados, Prelados, Dignatarios, Ricos-Homens, que referendavam como Confirmantes, formando uma Guria, Camara ou Corte. Desde que a realeza incorpora neste Concilium Palatii os antigos Concilios Provinciaes das cidades livres, como fizeram Affonso vil de Castella, Affonso IX de Leão e D. Affonso 11 de Portugal, estava criado o Conventus Generalis, ou o verdadeiro Parlamento unitario.

Não era uma criação nova; já nos annos de 914 e 1058 se vê convocado o Conventus Generalis, assembleia magna de todo o povo; na de Leão de 1188, funcciona cum decetis civibusex singulis civitatibus; ou de Benavente de 1202, multis quilibtit villa; e no de Leão de 1208, civium multitudine.

Revelam-nos as Cortes de Evora de 1460 a persistencia d'este costume nacional; e que ellas se celebrassem todos os annos determinaram-o as Cortes de Torres Novas de 1438.

Era este o typo do Parlamento português, que o absolutismo dos Braganças deixou de convocar, para ao fim de dois seculos, em 1826, parodiar o Parlamento inglês, dividindo a Soberania por uma Camara de Pares de aulicos de nomeação regia.

Admittir no regime da democracia essa fragmentação do Poder legislativo, e quando não ha classes sociaes em direito politico, é uma incongruencia deploravel e um triste retrocesso.

Assim justifico a emenda que propuz ao artigo 9.°

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