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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 5

Todas a desejara, todas a querem, todas a receberiam com jubilo.

Já no nosso país se fez uma tentativa nesse sentido, tendo sido apresentado, na sessão legislativa de 1878, um projecto de lei, que foi approvado sem discussão nem impugnação alguma, na Camara dos Deputados.

Infelizmente esse projecto não logrou a mesma fortuna na Camara alta, onde nem sequer chegou a ser discutido por falta de tempo. Assim, essa ideia, tão nobre e generosa, foi estrangulada no tumulto absorvente da politica, que até 5 de outubro estiolou a patria querida.

Desnecessario será dizer-vos, pois vós demasiadamente o sabeis, que todas as nações civilizadas do velho e novo mundo teem nos seus codigos leis de protecção aos animaes.

Desde a grande Inglaterra com a sua Martiris law promulgada em 1822, desde a luminosa França com a sua Loi Grammont, decretada na Assembleia Nacional em 1830, até a progressiva e brilhante Republica Argentina, que modernamente, ha dez annos, offereceu ao mundo uma lei protectora mais ampla e efficaz que as dos países da Europa, todos os povos consideraram que os pobres seres, zoologicamente a nós inferiores, merecem ser defendidos da malvadez humana, que sobre elles criminosamente se exerce.

Essa malvadez, muitas vezes inconsciente, é um producto hereditario, um resto de instincto atavico que convem corrigir, não só pela repressão como pela educação desde a escola primaria.

Cremos bem que a grande obra da Republica será formar caracteres, pois com noções de civismo e de bondade temperar-se-ha a fereza innata do homem.

Mas tanto este assunto de ordem moral tem preoceupado em todos os tempos os mais claros espiritos, que ha mais de cem annos, já o Instituto de França, essa douta e alta corporação scientifica, formulou o seguinte quesito:

"Até que ponto as crueldades exercidas contra os animaes influem sobre a moralidade das populações?

Não seria acaso opportuno promulgar leis para prevenir essas crueldades?"

E claro que posto este importante quesito á investigação publica, logo os bons corações o perfilharam jubilosamente.

Foi esse o inicio do movimento a favor das disposições legislativas attinentes á defesa dos seres inferiores, que logo irradiou pelos países mais cultos.

Em Portugal não existe ainda, infelizmente, uma lei que reprima as barbaridades que a cada passo são victimas as pobres e indefesas criaturas irracionaes, barbaridades que arripiaru o nosso sentimento.

É certo que no nosso Codigo Penal ha disposições que consideram crime os maus tratos praticados contra os animaes domésticos, mas simplesmente o legislador considerou estes actos como crime de offensa ao direito de propriedade.

E, pois, manifesta a deficiencia d'essas disposições, visto deixarem sem defesa os aniinaes que não tenham dono e os que pelo dono sejam maltratados.

A Sociedade Protectora dos Animaes, do Porto, interpretando o sentir de todas as pessoas de coração bem formado, e no intuito patriotico de apagar do espirito dos estrangeiros a ideia desfavoravel que de nós ficam fazendo, ao presencear no nosso país constantes scenas de requintada selvajaria, vem pedir ao Governo da Republica uma lei de protecção aos animaes, lei que nos dignifique e cujas bases tem a honra de apresentar.

As posturas de alguns municipios, as disposições do regulamento de saude pecuaria, e a acção das Sociedades Protectoras, poucos effeitos produzem sem uma lei ampla e insofismavel, que vigore em todo o territorio da Republica.

A gloria d'esse grande e atnoravel gesto da educação, de moralidade e de justiça vae caber ao Governo Provisorio. Assim, a Republica Portuguesa, cuja obra de aperfeiçoamento é já tão impressiva, integrar-se brilhantemente no espirito de humanidade, de civilização e de cultura universal.

A par das leis da familia, tão justas e tão humanas, a par da paternal e compassiva e carinhosa lei de protecção ás crianças, com que o Governo da Republica, como primicias do anno novo, acaba de dotar a sociedade portuguesa, fica bem nas paginas do nosso codigo uma lei de protecção aos animaes que, comparaveis ás crianças, na frase de Hugo, igualmente necessitam de defesa.

Saude e Fraternidade.

Porto e Sociedade Protectora dos Animaes, em 6 de janeiro de 1911.= Alfredo Henrique da Silva - J. Oscar Pimentel = Editarão Lopes = Artur Cabral Borges = José Menezes.

Artigo 1.° São actos puniveis os maus tratos exercidos contra os animaes, sempre que resultem da acção directa e violenta da parte dos delinquentes, quando tenham por fim produzir nos animaes soffrimentos que a necessidade absoluta não justifique.

§ 1.° Consideram-se maus tratos:

A privação abusiva de limpeza, alimentação, ar, luz e movimento em relação das leis naturaes e sociaes de saude pecuaria;

Obrigar os animaes a transportar cargas incompativeis com as suas forças, ou a um trabalho excessivo sem o descanso necessario á reparação das perdas physiologicas;

Obrigar os que caem, sob o peso das cargas, ou escorreguem nos pavimentos, a erguer-se á força de chicotadas, aguilhoadas, pontapés, ou por outra qualquer forma violenta sem os descarregar ou desatrelar;

Tê-los expostos, sem necessidade, á acção excessiva e prolongada dos raios solares, ou a um frio intenso;

Applicar nas lanças dos carros, ou nos arreios, quaesquer instrumentos que possam ferir;

Empregar no trabalho animaes chagados, doentes ou famintos;

Transportar animaes de qualquer especie destinados á alimentação, sempre que por defeito de conducção resulte para elles soffrimento;

Conservar nos estábulos, matadouros, curraes, mercados, ou quaesquer logares de venda, animaes presos com ligaduras que os molestem, ou empilhados, ou mettidos em canastras, grades ou gaiolas, sem que possam respirar e mover-se livremente, e privados de agua e alimento de forma a serem torturados pela sede e pela fome;

Depenar aves e esfolar rezes, destinadas ao consumo publico, ainda com vida, ou abatendo-as por processos que lhes prolongue a agonia, devendo ao contrario ser-lhes dada, por misericordia, uma morte rapida;

Engordar aves mecanicamente;

Açular animaes uns contra os outros ou contra os transeuntes;

Exhibir animaes nas ruas, praças, barracas ou circos de feira, em lamentavel estado de magresa;

O abandonar nos canos de esgoto, ou na via publica, quaesquer animaes domesticos doentes, feridos ou exhaustos;

A destruição de ninhos, especialmente das especies aladas uteis á agricultura;

Caçar aves com visco, anzol ou esparrela, arrastá-las presas por cordeis, ou cegar rouxinoes e outras aves canouras sob qualquer pretexto;

Atar na cauda ou pernas dos animaes quaesquer objectos que os mortifiquem ou enfureçam;

Queimá-los vivos com petróleo ou outras quaesquer materias inflamaveis, ou sobre elles verter corrosivos ou agua a ferver;