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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

38.ª SESSÃO

EM 4 DE AGOSTO DE 1911

SUMMARIO. - Lida a acta, mandam para a mesa declarações de voto os Srs. Deputados Dias da Silva, Botelho de Sousa e Teixeira de Queiroz.- É approvada a acta - Lido o expediente, são admittidas em "segunda leitura", as propostas de lei: regulando os descontos a que devem ficar sujeitos os vencimentos do pessoal menor das repartições do Estado; autorizando o Governo a prolongar até o fim do anno economico de 1912-1913 o regime de notas representativas de prata, estabelecido pelo decreto de 17 de outubro de 1910; autorizando o Governo a conceder, provisoriamente, uma pensão mensal aos ministros da religião catholica alludidos no artigo 113.° da lei da separação, de 20 de abril de 1911; isentando do pagamento do imposto do sêllo, dos diplomas, dos direitos de mercê e emolumentos, os fiscaes de 1.ª e 2.ª classes do corpo da fiscalização dos impostos; e permittindo o pagamento em prestações mensaes ou trimestraes de todas as contribuições em divida, vencidas até 31 de dezembro de 1909. São tambem admittidos em "segunda leitura" os projectos de lei: estabelecendo a pensão mensal de 30$000 réis ao cidadão Francisco Xavier Latino Coelho; tornando obrigatoria a criação de tribunaes de Árbitros Avindores em todos os concelhos em que hoiiver centros industriaes importantes e extinguindo os tribunaes de honra. - Approvada a respectiva urgencia e dispensado o regimento, entra em discussão a proposta de lei do Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho) regulando o manifesto, o rateio e a moagem do trigo nacional no actual anno cerealifero. Usam da palavra, sobre ella. os Srs. Deputados Ezequiel de Campos, Alexandre Braga, Ministro do Fomento, Julio Martins, Rovisco Garcia, Albano Coutinho, Pimenta de Aguiar, Fernão Botto Machado, Garcia da Costa e Jorge Nunes. A requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro, é julgada a materia sufficientemente discutida, sendo, em seguida, approvada a proposta. - Mandam documentos para a mesa os Srs. Deputados João Gonçalves, Marques da Costa, Antonio Valente de Almeida, Fernão Botto Machado, Alves da Cunha e Thomé Cabreira. - O Sr. José Montez communica a constituição da commissão do ultramar.

Ordem do dia: - (Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3, relativo á Constituição Politica). Continuando em discussão o artigo 10.°, usam da palavra, sobre elle, os Srs. Deputados Joaquim Pedro Martins, Barbosa de Magalhães, Faustino da Fonseca, Sidonio Paes, Affonso de Lemes, João José de Freitas, José Barbosa, por parte da commissão e Moraes Rosa. O Sr. Deputado José Maria Pereira requer que seja marcada sessão para o dia seguinte, sabbado, a fim de continuar a discussão do projecto, - o que é rejeitado. - A requerimento do Sr. Deputado Henrique Caldeira é julgada a materia sufficientemente discutida. Os Srs. Deputados Peres Rodrigues, Artur Costa, Jacinto Nunes, Pereira Victorino, Celestino de Almeida, Emidio Mendes, Sousa Junior, Tiago Salles, João Luia Ricardo, Manuel José de Oliveira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Antonio Bernardino Roque, Bernardo Paes de Almeida, Casimiro Rodrigues de Sá e Sá Pereira, que estavam inscritos, mandam propostas de emendas para a mesa. - Por proposta do Sr. Presidente proroga-se a sessão até se votar o artigo 10.° do projecto. - Sobre o modo de votar usam da palavra os Srs. Deputados Egas Moniz, Sebastião Baracho, Barbosa de Magalhães e Maia Pinto, sendo rejeitadas todas as emendas e o artigo e approvada uma proposta de substituição do Sr. José Barbosa, apresentada em nome da commissão.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Ás 2 horas e 30 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Na sala estavam 174 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo José Durão, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Amaro Justiniano de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, Annibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Antão Fernandes de Carvalho, Aatonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Carvalho Mourão, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Bissaia Barreto, Fernando da Cunha Macedo, Fernão Botto Machado, Fortunato da Fonseca, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique de Sousa Monteiro, Inacio Magalhães Basto, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira
Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho. José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montez, José Nunes da Mata, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Maria Rosette, Manuel de Arriaga, Manuel Bravo, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Mariano Martins, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Salles, Thomé José de Barros Queiroz, Tito Augusto de Moraes, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante á sessão os Srs. Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Antonio José de Almeida, Germano Lopes Martins, João Gonçalves, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Maria de Padua, Leão Magno Azedo, Luis Innocencio Ramos Pereira, Miguel de Abreu, Thomás Antonio da Guarda Cabreira.

Não compareceram a sessão os Srs.; Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Alberto da Costa Souto, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alvaro Nunes Ribeiro, Amilcar da Silva Ramada Curto, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Alberto Charula Pessanha, Autonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Celorico Gil, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Granjo, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Xavier Correia Barreto, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Elisio de Castro, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique Cardoso, Joaquim Theophilo Braga, Jorge Frederico Vellez Caroço, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Francisco Coelho, José Maria Cardoso, José Perdigão, José do Valle Matos Cid, Manuel Alegre. Manuel José Fernandes Costa, Manuel de Sousa da Camara, Narciso Alves da Cunha, Ricardo Paes Gomes, Sebastião de Magalhães Lima, Victor Hugo de Azevedo Ooutinho, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 38 DE 4 DE AGOSTO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Procedeu-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 174 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão. Vae ler-se a acta.

Foi lida a acta.

O Sr. Dias da Silva: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que não tomei parte na votação do artigo 9.° do projecto de Constituição por estar ausente da Camara no acto da votação, e que, se estivesse presente, rejeitaria o artigo, porque perfilho a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Ladislau Piçarra na sessão de ante-hontem. = José Dias da Silva.

Para a acta.

O Sr. Botelho de Sousa: - Apresento a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se estivesse presente durante a votação nominal sobre se deveria haver duas camaras, ou uma só, teria votado por duas camaras.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de agosto de 1911. = Alfredo Botelho de Sousa.

Para a Secretaria.

O Sr. Teixeira de Queiroz: - Envio para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se estivesse presente teria votado pela existencia de duas camaras: a Camara dos Deputados e o Senado.

Lisboa, em 4 de agosto de 1911. - F. Teixeira de Queiroz.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Está a acta em discussão. Ninguem pede a palavra?

Vae votar-se.

Foi approvada a acta.

O Sr. Presidente: - Vae dar-se conta do expediente. Foi lido o

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, pedindo licença para que o Sr. Deputado Artur Augusto da Costa seja ouvido, como testemunha, no 3.° juizo de investigação criminal de Lisboa, por virtude de uma carta precatoria vinda de Figueira de Castello Rodrigo.

Para a Secretaria.

Do Ministerio da Justiça, informando que não é por aquelle Ministerio que corre o assunto do requerimento do Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá.

Para a Secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, enviando dezoito exemplares de tratados, convenções e acordos commerciaes celebrados entre Portugal e outros Estados, satisfazendo o pedido do Sr. Deputado Eduardo de Almeida.

Para a Secretaria.

Do Ministerio da Justiça, enviando copia do parecer da Procuradoria Geral da Coroa acêrca da petição do Visconde de Semelhe. Satisfaz ao pedido do Sr. Deputado que requisitou estes documentos.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Espinho. - Exmo. Presidente das Constituintes. - Lisboa.- A nova Commissão Administrativa do Municipio de Espinho, ao tomar posse, protesta a sua inabalavel dedicação á Republica e lamenta sinceramente os injustificados e antipathicos acontecimentos de hontem.= O Presidente, M. Laranjeira.

Para a Secretaria.

Porto. - A União Republicana do Porto sauda em V. Exa. os representantes legitimos da soberania nacional e protesta energicamente contra os que intentam perturbar a augusta serenidade com que devem ser discutidas e votadas as leis. = = A Commissão Executiva.

Para a Secretaria.

Cantareira. - A Foz Nova da Foz do Douro protesta contra disturbios populares e sauda representantes da Nação Parlamentar e Governo Nacional.

Para a Secretaria.

Loures, em 3 de agosto.- Presidente das Constituintes, Lisboa.- Camara de Loures protesta energicamente contra facto passado hontem Parlamento, hostilidade Governo

Constituintes, manifestando mais uma vez lealdade á Republica. =Vereador servindo de Presidente, Manuel Marques Raso.

Para a Secretaria.

Castello de Vide, em 3 de agosto de 1911.- Exmo. Presidente Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa. - Empregados administrativos concelho Castello de Vide, conhecendo propositos humanitarios democraticos da Republica Portuguesa, lamentam com tristeza que Governo Provisorio tenha olvidado pequenos empregados administrativos, muitos dos quaes apenas recebem 100$000 réis e até somente 60$000 réis por anno, pedimos V. Exa. se digne frisar Assembleia Nacional tão miseravel situação e interessar-se per que Cortes Constituintes reparem com brevidade tão profunda injustiça. = José Rebello Dionisio = Transmontano Maximo = Canario Santos Soares.

Para a Secretaria.

Praia, em 3 de agosto.- Cidadão Presidente Constituinte. - Pedimos inquerito immediato eleições Sotavento. Candidato republicano radical Marinha Campos ganhou S. Tiago cinco assembleias perdendo quatro, resultando perder por 46. Grande pressão governador alliado autoridades clero elementos monarchicos afastarem povo uma incutindo medo levantando ideia religiosa inculcando Marinha Campos inimigo igreja. Votaram apenas 1:614 eleitores quando ultima eleição votaram 4:376 com mesmo recenseamento de 5:209. Assembleia S. Lourenço delegado administrador cónego Craca processado crime rebel-

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lião Santa Catarina. Assembleia S. Tiago apuraram 108 votos para 134 recenseados tendo Rowel 102, votando morto e ausentes, acabando trabalhos uma hora depois abertura quando outras assembleias duraram dois dias todas assembleias onde luta garantia victoria esmagadora maioria Mesa mancommunada parochos regedores negaram identidade pretextos futeis centenas eleitores para quem não serviram outros. Froes Zambeze trouxe portadores acta Fogo Brava não trazendo mala, desconhecendo verdade votação. Consta Brava Marinha perdeu 20 votos. Voto de 140 eleitores em 771 recenseados no Fogo Marinha teve 102 votos, Howel perto 400 para 548 recenseado estando ausentes America maioria eleitores. Processos as sim desacreditam Republica mostram convieres dirigentes provincia. = Pelos republicanos radicaes, José Costa = Abilio Macedo = Benjamim Alves Tavares Homem = Anibal Reis Borges = João Vieira.

A Secretaria, para a respectiva commissão de inquerito

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço aos Srs. Deputados a fineza de occuparem os seus logares.

Foi publicada no Diario do Governo de ante-hontem uma proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finança acêrca dos ordenados do pessoal menor das secretarias d Estado. É a seguinte:

"Estando o pessoal menor das repartições do Estado actualmente sobrecarregado com muito serviço, e encontrando-se ainda parte d'elle soffrendo descontos nos seu insignificantes ordenados, provenientes de direitos de mercê, de emolumentos e sêllo, é justo que o Governo da Republica Portuguesa, não podendo, pelas circunstancias especiaes do Thesouro, elevar-lhe desde já os ordenados concorrer para lhe melhorar a situação, tanto mais que até fora das horas do expediente, elle é obrigado ao exercicio das respectivas funcções.

Entende, por isso, o Governo da Republica Portuguesa que ao mesmo pessoal só deve ser exigido o desconto nos seus vencimentos, da verba respeitante á caixa de aposentação, pela qual tem direito a ser reformado nas condições que a lei determina.

Nesta orientação, o Governo submette á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta de lei:

Art. 1.° O vencimento de todo o pessoal menor das repartições do Estado fica apenas sujeito ao desconto para a caixa de aposentação, pela qual tem direito a ser reformado, quando nas condições exigidas pela lei.

Art. 2.° A contar da vigencia d'esta lei, nos vencimentos d'esse pessoal já não são deduzidas as prestações de direitos de mercê, addicionaes e mais impostos, que porventura, o mesmo pessoal ainda dever pelos logares que exerce, descontando-se apenas a respectiva importancia para a caixa de aposentação.

§ unico. As importancias referentes áquelles impostos, já pagas até a data da publicação do presente Decreto, não serão restituidas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Em 2 de agosto de 1911. = 0 Ministro das Finanças, José Relvas".

Os Srs. Deputados que admittem esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de finanças.

Está sobre a mesa outra proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças. E a seguinte:

"Tendo-se reconhecido que as providencias adoptadas pelo decreto de 17 de outubro de 1910, em relação á circulação das notas de prata, nos termos do artigo 15.° e seu § unico da lei de 29 de junho de 1887, teem produzido legaes e benéficos effeitos, prestando ás operações do publico e do Estado o seu efficaz concurso, e convindo prorogar o prazo d'essa concessão pelos motivos acima apontados, tenho a honra de submetter á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É autorizado o Governo a prolongar até o fim do anno economico de 1912-1913 o regime de notas representativas de prata, estabelecido pelo decreto de 17 de outubro de 1910, com o fim de habilitar o Banco de Portugal a attender ás necessidades do commercio e do Thesouro Publico.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Paços do Governo da Republica, em 31 de julho de 1911. = O Ministro das Finanças, José Relvas".

O Sr. Presidente:-Os Srs. Deputados que admittem esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de finanças.

Outra proposta de lei da iniciativa dos Srs. Ministros da Justiça e das Finanças. É a seguinte:

"Temos a honra de submetter á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta de lei:

A Assembleia Nacional Constituinte decreta:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder provisoriamente uma pensão mensal ao ministros da religião catholica, alludidos no artigo 113.° da lei da separação, de 20 de abril d'este anno, que não renunciaram á pensão ecclesiastica ali mencionada, até o dia 30 de junho ultimo ou que retiraram e retirarem ainda até 15 do corrente mês a renuncia já feita, e tambem aos ministros da mesma religião, de que fala o artigo 116.° da mesma lei, que já requereram ou requeiram ainda até 15 d'este mês de agosto a pensão ecclesiastica nelle alludida.

§ 1.° A pensão mensal provisoria, de que trata este artigo será fixada com previa audiencia da commissão central da execução da lei da separação, de modo que não exceda as proporções do ordenado ou de lotação correspondentes aos logares dos respectivos ministros da religião.

§ 2.° A dita pensão mensal provisoria será devida desde o dia 1 de julho de 1911 e só durará emquanto as respectivas commissões districtaes e nacional de pensões ecclesiasticas não fixarem as pensões de cada ministro da religião.

§ 3.° Quando pelas ditas commissões districtaes e nacional forem fixadas as pensões ecclesiasticas, os respectivos ministros da religião receberão ou reporão a differença que houver para mais ou para menos, entre essas pensões e as provisorias.

§ 4.° D'esta autorização não beneficiarão os ministros da religião, que pretendam continuar a receber os ordenados ou os proventos dos seus logares ecclesiasticos, orno anteriormente á execução da lei da separação, renunciando, todavia, á pensão que a mesma lei lhes concede, se não retirarem a respectiva renuncia até o dia 16 do corrente mês.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, aos 2 de agosto de 1911. = Affonso Costa, Ministro da Justiça. = José Relvas, Ministro das Finanças".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admitem esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de finanças.

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Outra proposta de lei da iniciativa do Sr. Ministro das Finanças.

É a seguinte:

"No Corpo da Fiscalização dos Impostos são os fiscaes de 1.ª e 2.ª classes os fnnccionarios que, pela natureza do seu trabalho, pelas despesas proprias da instabilidade da sua residencia e pelo risco constante de vida, bem merecem a protecção do Estado. Todos os diplomas, a seu respeito promulgados, assim o teem entendido.

Nesta orientação, o Governo da Republica Portuguesa submette á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São isentos do pagamento do imposto do sêllo, dos diplomas, dos direitos de mercê e emolumentos das Secretarias de Estado, os fiscaes de 1.ª e 2.ª classes do Corpo da Fiscalização dos Impostos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Em 2 de agosto de 1911. = O Ministro das Finanças, José Relvas".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admittem esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de finanças. Ainda outra proposta de lei.

É a seguinte:

"Desejando o Governo suavizar, tanto quanto possivel, a arrecadação das dividas por contribuições geraes do Estado, em atraso e vencidas até 31 de janeiro de 1909, e bem assim facilitar sempre a liquidação dos encargos dos responsaveis subsidiarios, de forma que a todos os interessados se evitem vexames, e á Fazenda Nacional se assegurem legitimos interesses:

Submette á apreciação da Assembleia Nacional Constituinte a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É permittido o pagamento, em prestações mensaes ou trimestraes, de todas as contribuições de repartição ou lançamento, direitos de mercê, emolumentos de, secretarias de Estado, sêllo de diplomas e imposto de rendimento, em verba principal e addicionaes que estejam em divida e se hajam vencido até 31 de dezembro de 1909.

§ 1.° A importancia das prestações não será inferior respectivamente a 2$000 réis e 6$000 réis, nem o prazo do pagamento poderá ultrapassar o dia 31 de dezembro de 1914.

§ 2.° O pagamento será garantido por meio de deposito, caução, hypotheca, fiança idónea, ou penhora em bens moveis, immoveis, ou semoventes, com fiel depositario, comprehendendo a garantia prestada não só as contribuições em divida como tambem as custas e sellos do processo que forem devidos, e os juros de mora contados até a data em que essa forma de pagamento seja requerida.

§ 3.° Quando o depositarip entenda que não pode responsabilizar-se pelos generos e frutos entregues á sua guarda, por considerar imminente a sua deterioração, poderá o juizo fiscal respectivo, e só nesta hypothese, determinar a venda dos mesmos, nos termos legaes, depois de ter reconhecido que é verdadeira a declaração que, pelo fiel depositario, lhe tiver sido feita.

§ 4.° No caso de prestação de fiança, o interessado apenas fornecerá o papel sellado e respectivo sêllo e satisfará o emolumento de 160 réis ao escrivão que lavrar o auto, pois nenhuma outra despesa é devida.

Art. 2.° A primeira prestação será paga no prazo de quinze dias, contados da data do termo de fiança, auto de penhora, deposito, caução ou hypotheca, e a segunda terá vencimento trinta ou noventa dias contados da data do pagamento da primeira e assim successivamente.

Art. 3.° O pagamento das prestações effectuar-se-ha na competente recebedoria, por meio das guias, em triplicado, uma das quaes será averbada aos respectivos conhecimentos e das duas restantes uma ficará junta ao processo e a outra em poder do devedor, dando entrada na devida tabella e recebendo as camaras municipaes a parte que d'essa cobrança lhes pertencer.

§ unico. Estas guias serão passadas pelo contador e, por este e pelo escrivão do processo, subscritas.

Art. 4.° As prestações pagarão successiva e seguidamente:

1.° A importancia do conhecimento ou conhecimentos existentes na recebedoria;

2.° Os juros da mora;

3.° Os sellos do processo;

4.° As custas.

§ unico. Cada guia designará a qual d'estas pertence a prestação a pagar, e, quando incluir o pagamento de mais de uma verba, fará a sua discriminação.

Art. 5.° Quando se verificar a existencia de mais de um processo, no mesmo bairro ou concelho, contra o mesmo contribuinte, esses processos, depois de contados, serão appenscs uns aos outros, para o effeito do pagamento em prestações.

Art. 6.° Vencidas e não pagas duas prestações será desde logo exigivel o pagamento de todas as que faltem, para proseguir a execução, devendo, nesta hypothese, o contribuinte ser obrigado ao pagamento de todos os encargos de custas, sêllo e juro de mora com que o processo for onerado até final.

Art. 7.° Os executados que quiserem aproveitar a concessão feita pelo presente decreto devem apresentar em qualquer estado em que se encontre a execução, ou dentro do prazo de dez dias, a contar da citação ou intimação do processo, o seu requerimento ao respectivo juizo fiscal, declarando a forma como desejam garantir o pagamento, numero de prestações em que pretendem satisfazer o seu debito, observando-se, comtudo, os limites expressos no § 1.° do artigo 1.°

§ 1.° Quando o devedor por tributos pessoaes for empregado do Estado ou de qualquer corporação administrativa, o juizo das execuções fiscaes, feita a citação determinada no artigo 18.° do decreto de 28 de março de 1895, e não tendo aquelle pago o respectivo debito no prazo da mesma citação, procurará saber qual a importancia dos vencimentos mensaes do devedor, organizando em seguida uma conta para a cobrança, tambem em prestações, que será effectuada, por desconto, nos referidos vencimentos, pela estação por onde se fizer o seu abono. Consistindo em emolumentos a remuneração do empregado proceder-se-ha, para os effeitos da amortização da divida, na parte applicada, nos termos do artigo 64.° do decreto de 31 de dezembro de 1897.

§ 2.° Nas hypotheses do paragrapho anterior, as importancias das prestações, em cada mês, não poderão ser superiores a um terço do vencimento mensal nem inferiores á quantia de 2$000 réis, concedendo-se o maior numero de prestações mensaes dentro d'estes limites e do prazo fixado no § 1.° do artigo 1.°

§ 3.° Se a importancia descontada tiver de ser arrecadada em algum cofre da fazenda, será escriturada por deposito em conta da amortização da divida.

§ 4.° Quando a importancia da divida não couber nos limites anteriormente fixados na presente lei, proceder-se-ha á cobrança coerciva do saldo que se verificar ficar existindo, por todos os meios que a lei preceitua.

Art. 8.° Apresentado o requerimento, a que se refere o artigo anterior, ficará suspenso o andamento da execução, que proseguirá quando, por culpa do interessado, não for prestada a garantia no prazo determinado pelo juiz do processo, ou quando vencidas, e não pagas, duas prestações.

Art. 9.° Os responsaveis subsidiarios poderão sempre,

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depois da citação e dentro do seu decendio, sem a limitação do tempo prescrito no § 1.° do artigo 1.° d'esta lei, requerer p pagamento até o numero de 48 prestações com as garantias e pela forma preceituada na presente lei.

§ 1.° Os responsaveis subsidiarios só podem, como taes, ser citados depois de lavrado o auto de diligencia ao originario devedor.

§ 2.° Os mesmos responsaveis poderão aproveitar já o pagamento em prestações, seja qual for o estado em que o processo se encontre.

Art. 10.° Quando do processo se prove que, pelo mesmo facto tributario e pelo mesmo periodo de tempo, foram collectadas differentes pessoas, paga que seja, por inteiro, a correspondente contribuição, é da competencia do juiz mandar annullar as duplicações que se derem.

Art. 11.° Nos termos geraes ficam subrogadas nos direitos da Fazenda Nacional, para todos os effeitos legaes, as pessoas que, pelos executados, pagarem as collectas que a estes respeitarem.

Art. 12.° Não pode renovar-se o pedido de pagamento em prestações feito pelo mesmo devedor ou executado com treferencia ao mesmo debito.

Art. 13.° É revogada pelo presente decreto a portaria de 31 de outubro ultimo, que determinou a suspensão de penhoras nos bairros de Lisboa e Porto, por contribuições industrial e de renda de casas, em divida, em valor inferior a 20$000 réis annuaes e a 10$000 réis semestraes.

§ 1.° Com relação á contribuição de renda de casas as penhoras só podem effectuar-se pelas que excedam o limite da isenção.

§ 2.° Os contribuintes abrangidos nas disposições d'este artigo podem aproveitar-se do beneficio da presente lei, pagando em prestações de 1$000 réis mensaes ou 3$000 réis trimestraes os seus débitos.

Art. 14.° As guias para pagamento das prestações são isentas de sêllo e sujeitas ao emolumento de 1/2 por cento da sua importancia.

Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, em 2 de agosto de 1911. = O Ministro das Finanças, José Relvas".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admittem esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de finanças.

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa um projecto de lei, que já foi publicado no Diario do Governo. É o seguinte:

"A Assembleia Nacional Constituinte decreta:

Artigo 1.° É estabelecida a pensão mensal de 30$000 réis ao cidadão Francisco Xavier Latino Coelho, de oitenta e oito annos de idade, irmão de José Maria Latino Coelho.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões, 2 de agosto de 1911. = O Deputado, Thomás da Fonseca".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admittem este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviado á commissão de finanças. Outro projecto de lei. É o seguinte:

"Artigo 1.° É obrigatoria a criação de tribunaes de Arbitros Avindores em todos os districtos administrativos de Portugal e ilhas adjacentes e em todos os concelhos em que houver centros industriaes importantes.

§ unico. Em Lisboa e Porto poderá haver um tribunal em cada bairro se as circunstancias aconselharem a sua criação.

Art. 2.° São da competencia dos tribunaes de Arbitros Avindores, qualquer que seja o valor da causa: em geral todas as controversias sobre a execução de contratos ou convenções de serviço em assuntos industriaes, commerciaes ou agricolas, entre patrões de uma parte e os seus operarios ou empregados da outra, ou entre operarios ou empregados entre si, quando trabalhem para o mesmo patrão, e em especial as que disserem respeito a salarios, preço e qualidade de mão de obra, horas de trabalho, contratadas ou devidas, observancia de estipulações especiaes, imperfeição na mão de obra, compensações de salarios por alteração na qualidade de materia prima fornecida ou por modificações do trabalho; indemnização pelo abandono da fabrica ou por licenceamento antes de findo o trabalho ajustado e indemnização por não cumprimento do contrato de aprendizagem.

Art. 3.° Os tribunaes de Arbitros Avindores funccionam obrigatoriamente como camaras syndicaes, desde que pela autoridade administrativa, associações de classe ou grupos de operarios ou empregados ou pelo patronato lhes seja dado conhecimento de reclamações e conflictos, proferindo a sua sentença que deve ser acceite pelas partes litigantes no prazo de tres dias, depois de ouvir reclamantes e reclamados e as testemunhas necessarias á boa solução da causa.

§ unico. As sentenças proferidas em virtude do artigo 3.° obrigam as partes interessadas ao seu cumprimento, não havendo d'ellas appellação.

Art. 4.° Desde que seja promulgada uma lei sobre accidentes no trabalho, será da competencia dos tribunaes de Arbitros Avindores o julgamento dos questões suscitadas na applicação da referida lei, devendo a sua constituição para tal fim ser determinada em regulamento especial.

Art. 5.° Alem das attribuições de conciliação e de judicatura mencionadas nos artigos antecedentes, compete aos tribanaes de Arbitros Avindores vigiar sobre o modo como se executam as leis e regulamentos que respeitam á industria; decidir sobre as queixas contra os patrões, seus empregados e operarios pelo esquecimento das boas normas da justiça que devem presidir ás relações entre uns e outros; levantar autos, enviando-os ás autoridades competentes, quando as transgressões sejam bastante graves para deverem determinar a intervenção do juizo criminal ou simplesmente da acção policial.

§ unico. O operario ou operarios e empregados que houverem motivado qualquer sentença desfavoravel aos patrões não podem ser despedidos por estes senão seis meses depois, salvo sentença do mesmo tribunal, promovida pelo pairão interessado, encerramento ou suspensão da sua industria por tempo superior áquelle prazo ou quando elles prefiram pagar-lhes os salarios de tres meses.

Art. 6.° O decreto da criação de cada um dos tribunaes de Arbitros Avindores determinará:

1.° A sede e circunscrição de cada tribunal;

2.° O numero de vogaes de que deve ser composto.

Art. 7.° Cada um dos tribunaes de Arbitos Avindores será constituido de um presidente, dois vice-presidentes e de um numero par de vogaes, nunca inferior a 8 nem superior a 12.

§ 1.° O presidente e vice-presidentes de cada tribunal, serão nomeados annualmente pelo Governo de entre sete cidadãos que não tenham interesses directos nas controversias que por elles hajam de ser julgadas, propostos pela camara municipal do concelho onde o tribunal funccionar, e por ella eleitos em escrutinio secreto.

§ 2.° A metade dos vogaes será eleita por um collegio de patrões, e a outra metade por um collegio de operarios e empregados do commercio e industrias sujeitas á jurisdicção do tribunal.

§ 3.° Aos operarios eleitos como vogaes dos tribunaes de Arbitros Avindores, ser-lhes-ha abonada pelo tempo que

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funccionarem como arbitros, a importancia da collecta industrial que porventura lhe tenha sido lançada, não perdendo por esse facto o direito aos salarios e ordenados dos dias perdidos no exercicio das suas funcgões, quer sejam empregados ou operarios de empresas particulares ou com contratos com o Estado, serventuarios e assalariados d'este ou dos municipios.

§ 4.° Os vogaes servirão por dois annos, sendo annualmente substituidos por metade em cada um dos grupos. No primeiro anno a substituição será feita por sorteio.

§ 5.° Na falta ou impedimento temporario do presidente e vice presidentes, o tribunal em cada sessão e por escrutinio secreto, e á maioria de votos, escolherá quem o deva substituir, e quando o impedimento for alem de trinta dias, a Camara e o Governo procederão de novo, conforme o disposto no § 1.° do artigo 7.° do presente projecto de lei.

§ 6.° O abono de contribuição industruial aos operarios, exercendo as funcções de arbitros, será feito pela apresentação de uma declaração do presidente do tribunal, e a garantia de ordenados e salarios aos operarios e empregados que exerçam as mesmas funcçoes é concedida mediante bilhete de assistencia a trabalhos e sessões do tribunal, passado pelo presidente, e não vae alem de dois annos em cada oito.

Art. 8.° Nenhuma controversia poderá ser julgada por sentença pelos tribunaes de Arbitros Avindores, sem se haver tentado a conciliação previa.

§ 1.° A conciliação será tentada perante dois. vogaes, um de cada grupo, eleitos pelo tribunal e presididos pelo presidente d'este.

§ 2.° Qualquer das partes poderá exigir que um dos substitutos do tribunal, do seu respectivo grupo, funccione como adjunto no juizo de conciliação; nesse caso poderá a outra parte nomear outro substituto do seu grupo, ou o nomeará o tribunal ex-officio. Os substitutos que assim funccionem não poderão, em caso algum, tomar parte no julgamento definitivo da controversia.

§ 3.° Em qualquer estado da causa poderá fazer-se nova tentativa de conciliação, por acordo das partes, sendo nesse caso os vogaes designados por ellas, um por cada grupo.

Art. 9.° Salvo o disposto no § unico do artigo 3.° do presente projecto de lei, poderá haver recurso das sentenças d'estes tribunaes quando o valor da causa for superior a 150$000 réis ou for apresentada, antes do julgamento, a, excepção de incompetencia.

§ 1.° É livre ás partes reconhecer previamente a competencia no tribunal e sujeitarem-se á sua decisão.

§ 2.° O valor da causa quando seja omisso no pedido ou quando as partes não estejam de acordo sobre elle, será sempre julgado como questão previa. D'esta decisão não haverá recurso.

Art. 10.° O julgamento dos recursos das decisões dos tribunaes de Arbitros Avindores, em acordo com o artigo 9.° e seus paragraphos, será feito por um jury, constitudo por seis vogaes, presidido pelo presidente do tribunal de 1.ª instancia, sendo os vogaes escolhidos entre pessoas estranhas aos collegios de patrões e operarios (effectivos e supplentes), em escrutinio secreto, e tres por cada parte.

§ 1.° Os recursos serão decididos á face das provas adquiridas no julgamento de 1.ª instancia serão julgados no prazo maximo de quinze dias depois da primeira decisão.

§ 2.° Confirmada ou annullada a sentença, esta terá immediatamente força executoria.

Art. 11.° Perante os tribunaes de Arbitros Avindores, a justiça é absolutamente gratuita e não serão admittidos advogados e sollicitadores. As partes pleiteiam pessoalmente, e só por excepção fundamentada em motivos graves e como tal pelo tribunal reconhecidos, os interessados poderão delegar em patrões ou operarios.

Art. 12.° A forma do, processo, tanto para a tentativa de conciliação e para os julgamentos em 1.ª instancia como para os julgamentos em recurso ou de camaras syndicaes, será summarissima.

§ unico. Serão isentos do imposto do sêllo os livros necessarios para o serviço do Tribunal, as sentenças e quaesquer documentos d'elle emanados ou que a elle devem ser presentes se por outro motivo os não deverem.

Art. 13.° As despesas de installação e exercicio dos tribunaes de Arbitros Avindores ficam a cargo das camaras municipais respectivas, e serão consideradas como despesas obrigatorias.

§ unico. Quando a circunscrição de um d'estes tribunaes comprehender dois ou mais concelhos, aquellas despesas serão repartidas igualmente entre os respectivos municipios.

Art. 14.° Fica autorizado o Governo a reformar em diplomas especiaes, e no prazo de tres meses, a contar da data da approvaçao d'este projecto de lei, harmonizando-os com a doutrina nelle contida, os regulamentos de 19 de março e 14 de abril de 1891, e a elaborar todos os mais necessarios para a sua execução.

Art. 15.° Nos regulamentos tornar-se-ha obrigatoria a inscrição no recenseamento de todos os operarios e patrões existentes na circunscrição do tribunal, bastando a declaração dos interessados acompanhada de qualquer documento comprovativo da sua idade e residencia ou mediante declarações autenticas das respectivas associações de classe.

§ 1.° As declarações de idade e residencia são isentas do imposto do sêllo e emolumentos para as repartições que os devam passar.

§ 2.° O presidente, escrivão e official de cada tribunal serão remunerados com gratificação por cada sessão effectuada conforme o preceituarem os regulamentos de que trata o artigo 14.° e á custa das camaras municipaes.

Art. 16.° Fica revogada toda a legislação em Contrario.

Lisboa, em 1 de agosto de 1911. = Os Deputados, Alfredo Maria Ladeira - Pedro Januario do Valle Sá Pereira".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admittem este projecto de lei tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviada á commissão de finança.

Ha ainda sobre a mesa outro projecto de lei. É o seguinte:

Proponho

"Artigo 1.° A extincção pura e simples dos tribunaes de honra.

Art. 2.° Os processos pendentes serão archivados; ficando livre a qualquer das partes propor a acção respectiva, nos termos do decreto de 28 de outubro de 1910, perante os tribunaes competentes.

Assembleia Nacional Constituinte, em 2 de agosto de 1911.= Padua Correia".

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admittem este projecto de lei tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido.

O Sr. Celestino de Almeida: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Celestino de Almeida:-Sr. Presidente: - pedi a palavra para lembrar que esse projecto de lei tem de ser annexado ao decreto do Governo Provisorio sobre a criação do Tribunal de Honra, a fim de ser apreciado pela Assembleia juntamente com elle.

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia sobre este pedido.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Assembleia.

Encontra-se já impressa e publicada no Diario ao Governo de hoje a proposta de lei apresentada hontem á Assembleia pelo Sr. Ministro do Fomento.

Hontem, mesmo, o Sr. Ministro do Fomento pediu a urgencia sobre essa proposta, e pareceu-me que a Assembleia se tinha pronunciado em sentido affirmativo.

Em todo o caso, renovo hoje o pedido á Assembleia, consultando-a sobre se entende que se devam dispensar todas as disposições regimentaes para que essa proposta entre, desde já, em discussão.

A Assembleia approva a urgencia d'esta proposta?

A Assembleia reconheceu a urgencia.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - V. Exa. dá-me licença para uma observação?

Sinal afirmativo do Sr. Presidente.

A Assembleia, creio eu, tinha-se manifestado, hontem, na sentido de que eu, hoje, usasse da palavra para responder ao Sr. Deputado Eduardo Abreu, depois de S. Exa. terminar as suas considerações.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. razão.

Só lhe poderei, no entanto, dar a palavra quando se entrar nos trabalhos antes da ordem do dia, visto ter sido votada a urgencia para a proposta de lei do Sr. Ministro do Fomento.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, a proposta de lei.

É a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° No actual anno cerealifero o manifesto, o rateio e a moagem do trigo nacional serão regulados pelas disposições seguintes:

1.ª Durante o mês de setembro o Governo mandará proceder á chamada, para manifesto, dos trigos nacionaes disponiveis para a venda. Este manifesto poderá ser feito até o dia 30, tanto pelos productores como pelos detentores de trigo nacional.

2.ª Ás fabricas de moagem matriculadas não será distribuida, em cada um dos meses do actual anno cerealifero, uma quantidade de trigo rijo superior a 4.000:000 de kilogrammas.

3.ª Durante os meses de agosto a novembro serão as fabricas matriculadas obrigadas a comprar em cada mês 16.000:000 de kilogrammas de trigo nacional que for manifestado, observando-se a disposição 2.ª d'este artigo.

4.ª O trigo nacional manifestado até 30 de setembro, e que não for distribuido nos termos da anterior disposição, será adquirido pelas fabricas matriculadas durante os restantes meses do anno cerealifero, por oitavos, observando-se, quanto ao trigo rijo, o estabelecido na disposição 2.a e dando-se preferencia, na distribuição, ao trigo manifestado pelos productores.

5.ª Nos meses de agosto e setembro será feita a distribuição pelas fabricas matriculadas do trigo nacional manifestado pelos productores na quantidade e pela forma indicadas nas disposições anteriores.

6.ª Para todos os effeitos d'esta lei consideram-se matriculadas as fabricas que no anno cerealifero findo laboraram em regime de matricula e até esta data não foram eliminadas por decreto ou despacho Ministerial.

7.ª Durante o actual anno cerealifero as fabricas matriculadas só poderão laborar se cumprirem as disposições d'esta lei e as da carta de lei de 14 de julho de 1899, que continuarem em vigor.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Em 3 de agosto de 1911.= O Ministro do Fomento, Manuel de Brito Camacho.

O Sr. Ezequiel de Campos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: não contava eu assim, tão de subito, discutir o projecto de lei que S. Exa. o Sr. Ministro do Fomento trouxe hontem a esta Assembleia.

Seja-me licito, em primeiro logar, felicitar o Sr. Ministro do Fomento por ver que S. Exa. envidou os seus esforços no sentido de procurar dar uma solução boa ao conflicto levantado entre a moagem e a lavoura nacional. Essa solução poder-se-ha chamar um remedio de momento bem applicado.

De facto, a situação é deveras exquisita, como muito bem hontem S. Exa. accentuou; e a urgencia pedida é justificavel nesta hora.

Devo, porem, dizer que concordo com essa solução apenas como uma simples medida transitoria, esperando que muito em breve a Assembleia, ou o Governo, ou mesmo o Sr. Ministro do Fomento, que tão bem conhece o assunto, traga a esta Assembleia a remodelação da lei dos cereaes.

A lei dos trigos foi uma lei de sacrificios: quem mais pagou foi o consumidor e quem não tirou d'ella os lucros que deveria tirar foi a agricultura geral do país.

Pois essa lei, que foi, como digo, uma lei de sacrificios, não foi uma lei de fomento.

O Sr. Jacinto Nunes: - Ora essa! Então a producção...

O Orador: - O facto é este: era necessario aumentar a economia nacional; nós drenavamos todos os annos para o estrangeiro milhares de contos de réis, e em vista d'isso o Governo lançou mão de uma lei, que não ^atacava pela base os males da agricultura portuguesa. É uma lei de protecção que não pode, nem nunca poderá resolver, só por si, o problema do fomento da nossa agricultura.

Seria necessario tê-la acompanhado de um systema de viação e de credito, e de outros factores de que tivesse resultado, não uma agricultura instavel e extensa, mas a terra cultivada intensamente, não só na producção aleatoria do trigo, mas tambem em todos os outros artigos que sempre temos importado, tendo sempre podido produzi-los, por uma população fixada ao solo e em bases de economia. E isto não se deu; nem podia dar-se á sombra da simples protecção pautal.

Senão, vejamos. Tendo ha doze annos essa lei a pesar sobre todo o país, começamos só agora a ter pão para comer. Mas a nossa situação economica é quasi a mesma, e a situação agraria e social é a mesma, senão peor. A agricultura alentejana não entrou em nada a estorvar a corrente desoladora da nossa emigração; do norte, de todo o país, incluindo mesmo o Alentejo com a sua escassa densidade de população, parte constantemente barra fora a legião miseranda dos a mais, sem terra, sem lar e sem sustento. Deshabitado está hoje, como então, o Alentejo, embora a locomotiva nos transportes por uma época do anno através de campos enormes que antes da lei de 1899 estavam maninhos e em charneca.

Todo este arroteamento foi feito a favor da lei proteccionista: mas hoje temos somente um regime instavel; e instavel ha de elle ser, parece-me, emquanto a agricultura alentejana estiver confiada na sua terra deshabitada ás multidões seminomadas e incertas de vida que laboram na cultura extensa. A lei não bastou. É por um caminho bem differente que se resolve o problema do sustento. A verdade é que nós com a protecção pautai não vamos

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desenvolver, estavel e economica a nossa agricultura. Para isso são necessarios outros factores, porque, de mais longe que o tempo medieval, toda a occupação alentejana está adstricta a uma questão climaterica.

É necessario dar de beber á terra luminosa do Tejo ao Algarve: esta deveria ter sido a primeira de todas as medidas de fomento agricola. Sem ella todas as outras valem de pouco. Só mediante a inigação agricola podemos obter a cultura variada e segura.

Que importa produzir hoje trigo bastante, se a nossa terra continental continuar mal dividida, se a emigração alarmante nos depaupera, se a final a terça parte do país está sem gente tina, e o resto, porque a agricultura por lá não progrediu sensivelmente, e por toda a nossa crise economica e social, não pode manter a população que tem e que aumenta?

Precisamos distribuir a nossa gente do norte pelo sul do país, e não é por uma cultura extensa, mesmo aperfeiçoada, que vamos resolver a questão agricola e agraria.

Precisamos de manter em Portugal ainda por algum tempo o regime proteccionista, sem duvida, porque só hontem começámos a produzir trigo bastante, e em pouco, ficariamos novamente na dura necessidade de importação, se afastássemos o regime de favor. Mas o que é sobretudo necessario é esta Assembleia estudar o problema economico e o problema social português. Para aquelle sae como primeira medida a tomar o fomento da agricultura em boas bases; para este uma serie de medidas tendentes a desviar para a cultura da terra a melhor parte da nossa gente.

V. Exas. sabem muito bem que em Portugal, e ainda bem, aumenta a população de anno para anno; e assim dentro de 50 annos teremos cerca de 8.000:000 habitantes, mantendo como até agora a emigração, isto é, contando com a permanencia da sangria collossal e dos factores depressivos do nosso- povo. Se este estado de cousas melhorar um tanto, o que é justo esperar, pois me parece que de modo nenhum elle se pode aguentar assim por 50 annos, nestas bases de decadencia, teremos então em Portugal 10 milhões de habitantes.

Precisamos dar-lhes pão, lar, emprego. Não os podemos arrumar em camadas sobrepostas na terra escassa do norte; nem então pode o Alentejo permanecer na magra densidade de agora.

Porque, como disse, isto é na hypothese de que não sustamos de modo algum a emigração, nem alteramos muito sensivelmente a nossa desregrada vida economico-social.

O problema é já para o dia de amanhã; e vêem agora bem como não é assim, com medidas de sacrificio impostas a todo o país, de resultados lentos e de estabilidade problematica, sem mais nada, que se ha de resolver o problema demographico português.

Sr. Presidente: termino aqui o meu discurso, declarando que voto o projecto nas condições em que foi posto, de remedio provisorio, e pedindo ao Sr. Ministro do Fomento e á camara que prestem toda a sua attenção ás considerações que acabo de fazer.

O Sr. Alexandre Braga: - Sr. Presidente: - a meu ver a discussão que se está fazendo é tumultuaria.

O Regimento, no seu artigo 72.°, diz o seguinte: "Todas as propostas e projectos de lei, que tiverem de ser apresentados á Assembleia, serão assinados. No acto, porem, de serem enviados para a mesa, não é permittida a sua leitura nem tão pouco a dos correspondentes relatorios. Uns e outros terão publicação obrigatoria na folha official, no dia immediato ao de apresentação á Assembleia, imprimindo-se-lhes por este modo a notoriedade necessaria em documentos d'essa indole, salvo o caso de a mesa julgar a publicação inconveniente, dando o Presidente conhecimento á Assembleia do que occorrer.

"§ unico. Para execução d'este artigo deverão ser mandados, para a mesa, em duplicado, todos os projectos e propostas de lei, sendo um dos dois exemplares destinado a inserção no Diario do Governo, e o outro a ter, na Assembleia, a apropriada sequencia, estatuida neste Regimento".

É o artigo 73.° diz:

"Na primeira sessão que se seguir á da publicação dos projectos e propostas de lei, na folha official, o Presidente consultará a Assembleia sobre se elles são ou não admittidos á discussão".

Eu ignoro se a proposta foi publicada no Diario do Governo., parecendo-me que a totalidade dos membros d'esta Camara, se tambem o não ignora, pelo menos desconhece essa proposta porque nem sequer teve tempo para a ler.

Sussurro.

Como querem V. Exas. que uma proposta em taes condições possa immediatamente ser discutida?

Não pode ser.

Não deve haver dispensa de Regimento para um assunto d'esta ordem, que não pode ser discutido em segredo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - A Camara já hontem votou a urgencia para a discussão d'esta proposta, e eu, ainda ha pouco, antes de a pôr em discussão, a tornei a consultar sobre o assunto. V. Exas. pronunciaram-se de novo, pela urgencia.

Em vista d'isto pus a proposta á discussão.

O Sr. Alexandre Braga: - Em todo o caso nem eu, nem ninguem, podia suppor que esta proposta fosse discutida com tanta brevidade.

Protesto, pois, contra a forma como correm, aqui, as discussões d'esta ordem.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu fale aqui d'este logar para ter a illusão de que sou Deputado e não Ministro.

Esta proposta, Sr. Presidente, apresentada por mim como Ministro do Fomento, é da responsabilidade do Governo.

Preciso fazer esta declaração para, de certo modo, orientar a discussão que sobre ella vae recair.

Entendo que a materia que ella encerra é da maior urgencia, - e por não estar, ainda, eleita a commissão de agricultura, que sobre ella teria de dar parecer, pedi todas as dispensas do Regimento para entrar immediatamente em discussão.

Estou certo de que esta proposta não constitue surpresa para ninguem.

Se eu disser que só em 31 de julho recebi de parte dos moageiros o requerimento de renuncia de matricula, a Camara de certo concordará em que o Governo se não descuidou na elaboração d'este trabalho.

Seria lamentavel que um documento d'esta natureza viesse á Camara de surpresa; mas felizmente tal facto não se dá.

Os moageiros julgaram que tinham direito de fazer a declaração até o dia 31 de julho, - e foi exactamente na tarde d'esse dia que eu recebi a desistencia d'essas matriculas. Estamos no dia 4 de agosto; não se pode dizer que o Governo se não tivesse apressado na confecção da sua proposta, e na respectiva apresentação, como as circunstancias de momento exigiam.

Mas, ha mais: amanhã começa a distribuição do trigo manifestado, - e o Governo nenhum desejo tinha de que a lavoura lhe perguntasse qual a lei que lhe regulava o assun-

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10 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

to, ou se estava garantida de uma lei que ainda não foi, ou não será derogada.

Foi para dar esta explicação á Camara que eu pedi a palavra, e para justificar a urgencia requerida da sua discussão, contra a qual não vi levantar-se o mais pequeno protesto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Julio Martins: - Sr. Presidente: considero de extrema importancia o projecto de lei que estamos discutindo.

Realmente os trigos, como disse o Sr. Brito Camacho, estão manifestados pela lavoura, ao abrigo de uma lei; mas os senhores da moagem entenderam dever retirar-se da matricula, - e, por consequencia, existe effectivamente direito, por parte da lavoura, de perguntar ao Governo se os trigos que manifestou estão ou não ao abrigo da lei dos cereaes.

Concordo perfeitamente com a doutrina do projecto, assim como reconheço a urgencia da sua apresentação, - tanto mais que elle tem um caracter transitorio. Mas eu desde já dirijo um pedido ao Sr. Ministro do Fomento: é que S. Exa. olhe com olhos de ver para as constantes burlas que estão sendo exercidas dentro da lei de 1899. E tanto a lavoura, como a moagem, como os commerciantes as teem commettido.

Ha individuos em Portugal que não colhem um bago de trigo e que vão manifestar trigos ao Mercado Central de Productos Agricolas. Isto faz-se, sabem como? Da seguinte forma: um negociante compra trigo a qualquer particular; vae ao lavrador e pede-lhe uma procuração e em seu nome vae registar ao Mercado Central, não simplesmente o trigo que captou por differentes partes, mas numa quantidade ficticia. Agora a explicação da maneira como se faz a exploração: o trigo está manifestado numa quantidade ficticia; chega-se á occasião do rateio e real mente, em virtude da lei, o lavrador é obrigado a entregar ao moageiro a parte que lhe coube no rateio. Se nessa parte se encontra uma porção de trigo rijo e a moagem o não quer, passa as guias d'esse trigo mediante uns tantos réis por kilogramma. O trigo então sae, vem para o Mercado e torna a entrar como parte de outro rateio, volta novamente a sair do Mercado, mediante os mesmos tantos réis por kilogramma, repetindo-se este facto tres e quatro vezes.

Isto é rigorosamente verdadeiro.

Note V. Exa. que m'o garantiu pessoa que está ao facto d'este assunto.

O que eu peço é que o Sr. Ministro do Fomento exerça uma rigorosa fiscalização sobre estas criaturas, porque, não sendo assim, eu não sei quaes os elementos com que podemos contar para saber, com verdade, a quantidade de trigo manifestado. (Apoiados).

Por outro lado esta medida acceito-a como de caracter transitorio e declaro, perante a Constituinte, affirmando impressões que tenho manifestado lá fora, que concordo em que a lei de 1899 não pode continuar como está.

O Sr. Ministro do Fomento disse hontem, e muito bem, que a lavoura não devia aproveitar esta medida, que deve ser de caracter transitorio e se devia preparar, por si só, com forças sufficientes para encarar a serio o problema da economia agricola. Realmente, é necessario que a lavoura olhe para a sua situação e entre no campo associativo, defendendo os seus interesses, que são os do país.

Quando se tratar da remodelação da lei de 1899 havemos de ter em vista um factor importante, que é o problema da assistencia publica.

Dou o meu voto á proposta, porque a considero simplesmente como medida de caracter transitorio.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Rovisco Garcia: - Sr. Presidente: não posso deixar de dar o meu voto ao projecto que hoje se discuste, não só porque elle não representa uma alteração fundamental na lei de 14 de julho de 1899, senão tambem porque, representando uma medida transitoria, vem acabar, de momento, com as incertezas e duvidas, que seria inconveniente deixar persistir por mais tempo da parte da lavoura.

Sr. Presidente: pelo projecto em discussão a chamada dos trigos faz-se entre tres e quatro meses. Se o trigo manifestado durante esses tres ou quatro meses não for todo rateado pelas fabricas não eliminadas da matricula, o resto será distribuido, por oitavos, por essas fabricas.

Ora pode dar-se que o pequeno lavrador que, em geral, precisa de vender o seu trigo, ás vezes com antecipação para receber dinheiro, teve a pouca sorte do seu trigo não ser distribuido nestes primeiros quatro meses e ainda a infelicidade de o ver corresponder ao ultimo oitavo; pode mesmo dar-se o caso de que o mais necessitado lavrador seja o ultimo. De ahi resulta a venda dos trigos, a maior parte das vezes, ser feita particularmente.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Isso não é do projecto em discussão: é da lei.

O Orador: - Perfeitamente.

Resulta d'isto, como ia dizendo, que o trigo que, muitas vezes, apparece no mercado não é toda a producção, pois que uma grande parte já foi vendido particularmente para arranjar dinheiro, e tanto mais que é essa, em geral, a quadra do anno em que o lavrador maiores despesas tem, porque muitas vezes, senão sempre, se lhe junta o pagamento dos salarios, contribuições, etc., com o pagamento da renda das terras onde colheu esse mesmo trigo.

Portanto, parecia-me que, a par d'este decreto, o Sr. Ministro devia trazer providencias que pusessem ao abrigo de algumas necessidades a media e a pequena lavoura. De contrario ficam á mercê do moageiro os pequenos lavradores, que se vêem obrigados a vender o seu trigo ao desbarato, sendo esta a razão por que se vende trigo por alguns réis abaixo do preço da tabella e não como ha pouco acabei de ouvir ao illustre Deputado que me precedeu, por que a lavoura o possa geralmente vender por esse preço, dando assim motivo a que S. Exa. seja de opinião que deve ser modificada a lei de 14 de julho de 1899 no sentido de se baixar a tabella do preço dos trigos, visto que a propria lavoura reconhece que os pode vender mais baratos. É a proposito da lei de 1899 deixe-me S. Exa. dizer que sou de opinião absolutamente contraria a S. Exa. quanto á utilidade que a lavoura tirou d'essa lei da minha opinião, Sr. Presidente, a lavoura tirou grande vantagem d'essa lei e a prova está precisamente no facto de termos já trigo nacional em quantidade sufficiente, ou quasi, para occorrer ao consumo do país, o que certamente não succederia se não fosse essa lei.

Mas não foi só a lavoura que tirou resultado. O país e as classes trabalhadoras ruraes d'ella aproveitaram igualmente. Haja vista o desapparecimento de uma grande parte dos enormes incultos do Alemtejo, o que certamente representa uma maior actividade dos serviços agricolas d'essa região. E se não tem sido maior o progresso nesse sentido, se ainda vemos esses enormes tractos de terreno por cultivar, é isso devido, em grande parte, á falta de capitães baratos e ás grandes dificuldades que ainda por muita parte se encontram nos meios de transporte, quer dos adubos, quer dos proprios trigos depois da colheita, o que faz com que as despesas de transporte d'esses generos, por vezes, sejam tão elevadas, que a sua producção e aproveitamento se tornam quasi impossiveis. E d'esta sorte, Sr. Presidente, eu julgo que da manutenção da lei de 1899 e com o rasgamento do Alemtejo por vias fáceis de communicação e canaes de irrigação, resultará a reso-

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lução de dois dos principaes problemas da vida nacional: a emigração e alimentação publica. Tenho dito.

O Sr. Albano Coutinho: - Sr. Presidente: tratando-se do um problema que entende com a riqueza do país, sou de opinião que a Assembleia deve eleger, sem demora, a commissão de agricultura.

A proposta apresentada pelo Sr. Ministro do Fomento merece a approvação da Assembleia. Entretanto, ha assuntos importantissimos que amanhã se hão de levantar não só com relação á agricultura e á moagem, mas tambem com relação á viticultura e ao progresso vinicola do país. Essas questões devem ser ventiladas aqui, porque fazem parte da Assembleia muitos individuos que pertencem á agricultura nacional. Parece-me que a commissão deve ser nomeada sem demora. Por isso, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja eleita sem demora a commissão de agricultura.

Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911. = O Deputado, Albano Coutinho.

Para a Secretaria.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Albino Pimenta de Aguiar: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que dou o meu apoio ao projecto de lei apresentado pelo Sr. Ministro do Fomento, como medida transitoria para evitar graves prejuizos á lavoura nacional, no actual momento, ameaçada, como estava, de ter que vender os trigos da actual colheita por infimo preço, se se mantivesse a attitude da maioria das fabricas de moagens que não queriam receber os trigos manipulados.

Mas, dando o meu voto ao projecto, eu peço ao Sr. Ministro do Fomento a maior fiscalização, não só nos rateios e nas entregas de trigos, mas ainda quando da chamada.

Sabe S. Exa., e muito bem o disse o meu collega e amigo Julio Martins, o que se tem feito com o rateio de trigo manifestado.

Mas de certo S. Exa. sabe tambem o que se faz com a chamada dos trigos. Alguns lavradores, quando da chamada, dizem que não teem trigo para vender; no entanto teem os seus celleiros cheios de trigo que venderam, das que o comprador pediu para ficar no celleiro do lavrador, sabe-se bem com que fins.

Portanto, peço a V. Exa., Sr. Ministro da Fazenda, a maxima fiscalização no rateio, como na chamada, para evitar os factos que apontei.

Posto isto, repito, e, em vista da urgencia, dou o meu apoio ao projecto.

O Sr. Fernão Botto Machado: - Não tenho duvida nenhuma em dar o meu voto ao projecto em discussão, tanto mais que elle está perfeitamente de acordo com uma representação que dirigi, não ha muito, ao Sr. Ministro do Fomento.

Vejo agora com prazer que S. Exa. não só aproveitou a minha indicação quanto ao prazo, mas tambem quanto ao mês em que o manifesto dos trigos deve fazer-se: - precisamente o mês de setembro.

Desejo, porem, dizer ao Sr. Ministro do Fomento que uma tal medida, singular e isolada, não basta, - e só a acceito com o seu caracter evidentemente transitorio.

O problema é gravissimo e dos mais complexos. Não é só um, são três, intimamente ligados, sendo quasi impossivel, se não de facto impossivel, resolver um sem resolver o outro. São o problema da agricultura, da moagem e da panificação, todos ligados, numa engrenagem tão intima, como se fosse um bloco unico.

Mas é indispensavel resolvê-los, não pela systema ferozmente proteccionista, adoptado pela extincta monarchia, que successivamente protegeu a lavoura, a moagem e a panificação, convertendo as em verdadeiros monopolios, e obliterando inteiramente os interesses do povo consumidor, mas por um systema quanto possivel livre-cambista, em que, sem deixar de se attender aos interesses de todos se attenda principalmente, ao interesse do maior numero, ou seja das classes que produzem e não possuem.

A lei de 1899 favoreceu espantosamente a agricultura. Mas a agricultura não soube tirar do systema proteccionista, que tanto devia beneficiá-la, as vantagens que na verdade, e sem grande esforço, devia realmente tirar.

Rotineira, empregando sempre os velhos processos, alfaias e instrumentos agricolas primitivos e archaicos, nem adoptou o systema intensivo da cultura da terra por meio de machinisrnos modernos, nem empregou os modernos adubos chimicos, triplicadores da producção, quando intelligente ou scientificamente doseados.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Não tinha dinheiro!

O Orador: - O que ella estava era inteiramente aferrada á rotina, como em grande parte o está ainda hoje, cada lavrador á espera das experiencias que o seu vizinho vae fazendo com os instrumentos, machinismos e adubos novos, para depois os adoptar tambem, se a lição da experiencia for proveitosa.

Mas não bastará publicar leis protectoras de industriaes e de consumidores.

É indispensavel estabelecer todo um systema de irrigações e acabar de vez com os enormes latifundios, que, em certas regiões, dão ao país um aspecto de deserto inculto.

Numa cação cuja metropole cabe, por assim dizer, na palma de uma mão, e onde a grande, a enorme maioria dos cidadãos não teem um palmo de terra para plantar uma couve, não se comprehende que haja proprietarios de extensões territoriaes de centenas e centenas de hectares, para a final deixarem essas grandes extensões de terrenos incultos.

O Sr. Jorge Nunes: - E dinheiro para essas?!

O Orador: - Eu estou diagnosticando a doença, mas ao mesmo tempo vou indicando o remedio. V. Exa. sabe muito bem que lá, fora nos países, onde se recorre a esse meio quasi extremo, os Governos fornecem a essa especie de colonos, a titulo de emprestimo, o dinheiro necessario para fazerem produzir os pequenos tractos de terreno que recebem de arrendamento a preços accessiveis.

Esse systema, por exemplo na Australia, tem dado resultados surprehendentes e compensadores para proprietarios e rendeiros.

Acima de tudo, porem, colloco o systema da irrigação. Sabe V. Exa., Sr. Presidente, e sabe a Camara, que, ainda no tempo da monarchia se nomeou uma commissão para estudar o systema de irrigação da provincia do Alem-tejo pelas aguas do Tejo, e que essa commissão, tendo feito os seus estudos, apresentou um orçamento de 4 mil contos de réis para as obras do magnifico emprehendimento.

Mas a monarchia, que gastava milhares e milhares de contos de réis em festas, em regabofes e esbanjamentos de toda a ordem, hesitou em realizar essa obra colossal de utilidade publica, que não só faria a riqueza de toda uma provincia, enriquecendo o país, mas evitava a drenagem do ouro que, com o pagamento dos cereaes, todos os annos enviamos para o estrangeiro, em alguns tendo subido á somma extraordinaria de 8:000 contos de réis.

Que, pois, o Sr. Ministro do Fomento, que para isso tem incontestavel competencia, nos traga aqui, não sim-

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pies medidas de caracter transitorio, que essas são paliativos fugazes, mas todo um grande plano de medidas definitivas, no momento, e obedecendo a um conjunto harmónico, envolvendo não só as tres industrias em questão e a cultura intensiva, que acabe de vez com os grandes latifundios incultos, mas tambem o systema da irrigação, para o qual, muito excepcionalmente, eu não hesitaria em votar um emprestimo.

É necessario que, de pronto, se estabeleçam medidas que sem esquecerem os interesses da agricultura, da moagem e da panificação, attendam principalmente aos interesses do povo consumidor, unico que foi sempre esquecido, e aquelle que pelas miseraveis condições da sua existencia, a Republica deve, acima de todos, ter em consideração.

O Sr. Garcia da Costa: - Como Deputado eleito pelo circulo de Estremoz, circulo formado por sete concelhos onde a industria agricola é quasi exclusiva e muito especialmente na sua sub-divisão cultura dos trigos, não podia deixar de falar nesta occasião para dizer que dou o meu voto ao projecto, considerando o apenas de natureza transitoria, Não era á ultima hora que a moagem se iria esquivar ao cumprimento dos seus deveres, com manifesto prejuizo da lavoura.

E por aqui ficaria, Sr. Presidente, se o Sr. Deputado Botto Madiado não acabasse de dizer agora mesmo que o lavrador alemtejano tem sido apenas um rotineiro, incapaz de dar á agricultura o desenvolvimento que ella pode soffrer.

Não é assim, Sr. Presidente. O que ha muito no lavrador alemtejano é a desconfiança, talvez alimentada pela ignorancia de que enferma a grande maioria, desconfiança que os tem impedido de tirar dos syndicatos agricolas todos os beneficios que estes lhes offerecem.

Conheço syndicatos onde os principaes lavradores da região não fazem transacções, uns por "caturrice", outros,- e são estes os mais numerosos - por considerarem esses syndicatos como associações politicas, e não é com exemplos d'estes que os syndicatos se nos podem, revelar em toda a sua utilidade.

Esta desconfiança foi até o ponto de nunca, associando-se, quererem encarar de frente o problema do trabalhador rural, dando-se agora o triste resultado de, quando os trabalhadores ruraes apresentaram as suas reclamações, não estarem absolutamente nada preparados para conscientemente lhe poderem dar uma resposta satisfatoria.

O trabalhador rural havia sido vilmente enganado, havendo gente que, abusando da sua ignorancia e da sua simplicidade, lhes mostrara o mundo como cousa d'elles; e os pobres miseraveis de sempre, ao quererem encarar o sol de 5 de outubro, e ao quererem acompanhar as outras classes no pedido de reivindicação, fizeram-no de tal modo que as suas reclamações só transitoriamente puderam ser attendidas, porque, a ficarem com caracter definitivo, ellas trariam a ruina da agricultura. Mas o que não pode ficar sem o meu protesto é o facto de ter havido proprietarios que, com intuitos que eu não quero analysar, attribuiram intuitos especuladores áquelles que, desejando apenas pôr termo a uma situação anormalissima e de grande gravidade, sacrificaram a sua tranquilidade e a sua saude ao serviço de tal causa.

Mas quando todos se convencerem de que só na associação encontrarão o auxilio que lhes falta, estou convencido, Sr. Presidente, de que os syndicatos e as caixas de credito agricola, dispensando os intermediarios e fornecendo dinheiro barato, hão de prestar á agricultura os mesmos beneficios que teem prestado nos países mais adeantados do que o nosso, sendo então desnecessarias as leis proteccionistas.

O Sr. Ezequiel de Campos (sobre, a ordem): - Sr. Presidente: leio a minha moção de ordem:

"A Assembleia Nacional Constituinte, considerando que o projecto em discussão é de enorme valor nacional, continua a discussão".

Desejo dizer mais algumas palavras acêrca da solução que a hydraulica agricola pode dar não só á parte mais importante do problema economico, mas tambem á do problema social.

A minha opinião é que a industria, em geral, está a soffrer uma crise enorme, mal debellavel, proveniente, por um lado, dos mercados africanos não comportarem a expansão dos productos fabricados na metropole, ou não os receberem bem na concorrencia commercial; e, por outro lado, do estado da vida publica, nos ultimos annos, um pouco agitada, e ainda da vida economica e financeira ter soffrido perturbações.

A industria mal pode hoje empregar mais gente, e industrias ha que laboram com una excesso de pessoal. E o que se dá, por exemplo, com parte da industria dos transportes. A industria do nosso producto continental, talvez o mais rico - a cortiça - mal pode de qualquer forma occupar mais que o pessoal que tem, e, se fosse melhorada, modernizada, collocaria na rua muitos operarios. Outras, como a dos lanificios, poderão fechar as portas das fabricas por dois ou tres annos, sem que o consumo sinta falta de artigos, tal é o stock.

O motor é caro, as machinas e os operarios raro dão um grande rendimento. Por isso mesmo, tambem, não se poderá resolver de um momento a nossa crise industrial, em tantos pontos filiada, que os factores principaes d'ella não teem mesmo um melhoramento facil e rapido. Vida á toa; vida instavel: crise certa.

As nossas colónias mal podem tambem acommodar mais que a emigração actual. A monarchia não soube nunca administrá-las; e a Republica recebeu o encargo de recomeçar uma vida nova para ellas, no fim de tanto desperdicio de gente e de capital com a razia do álcool, do commercio illicito, da occupação militar.

O Brasil cada vez resolve peior o nosso problema economico e cada vez traz mais embaraços ao nosso problema social.

A meu ver a crise actual não poderá ser resolvida se não se arranjar arrumo para os braços que hoje estão mais ou menos desoccupados.

Urna das maneiras de resolver a questão seria a abertura de um grande canal, que ligasse o Guadiana com o Tejo e o Sado, o qual exige, para ser efficaz na irrigação agricola, ao mesmo tempo que na navegação interior, um estudo muito cuidadoso da alimentação do troço culminante, se com elle quisermos benificiar a região da altitude de 280 metros, e de um outro que viesse de Rodam ...

Sussurro na Assembleia.

O Orador: - Peço a attenção da Camara. E de um outro a relacionar com aquelle, que viesse de Rodam, com a altitude de 90 ou 100 metros, que lá se obtem por um açude, e que por uma installação mecanica poderia dar a altitude inicial de 110 ou 120 metros, em beneficio de muitos mais hectares, para regar uma superficie enorme alemtejana.

O problema é simples. Não quero dizer que haja agua para regar todo o Alemtejo; mas tambem a America do Norte não tinha senão agua escassa, e hoje está a conquistar o deserto...

Afigura-se-me ver um gesto de duvida da parte da Assembleia. Não é aqui, onde sempre se tratou de politica de regedoria, onde as clientelas que trepavam pelo orçamento e fingiam governar a nação, nunca sentiram o decoro e a responsabilidade dos seus actos, não é nesta Assembleia politica - que tem de continuar pelo caminho

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do dever, sem nunca reeditar a vida da monarchia - logar para desenvolver o assunto em mais do que nas generalidades.

Elle, porem, tem de merecer a attenção de todos porque, como já disse, tem sido o maior estorvo á nossa vida economica, pelo menos, a questão mesologica e climaterica. E esta Assembleia Constituinte não tomou de certo a herança de occupar-se apenas de discussões e interesses mesquinhos: carece de fazer o estudo das nossas questões economicas e financeiras. São estas, e até as questões de interesse social, as que merecem a principal attenção dos Governos mais adeantados. E por isso ficará bem que nós, que temos de organizar a nossa desmantelada economia, entremos a serio na questão social tambem.

O caso é que a altura pluvimetrica no sul do país é bem maior que a que caracteriza a região arida que por uns poucos de graus de longitude se estende por muitos milhares de kilometros quadrados na America do Norte.

Isto tem importancia muito grande na alimentação do canal culminante.

Accresce o caso de termos muita agua fluvial - todo o Tejo que entra em nossa terra ainda com uma altitude muito aproveitavel, e podermos ter bem maior lençol de agua subterranea pelas infiltrações dos canaes e das regas, amanhã de utilização facil pela energia electrica que das Portas de Rodam e dos desniveis da obras hydraulicas podemos obter em enorme escala.

O problema agricola, apresenta-se pois, para nós bem mais simplificado que no Deserto Americano.

Aqui havia o areal pegado e nu, onde o sol da aridez abrasava de dia, e onde a temperatura nocturna baixava extraordinariamente. A chuva era rara e muito escassa.

Nós, se tambem temos um clima embaraçoso, podemos conquistar muito melhor a terra, porque ella não cria só, como lá, uma enfezada e longiqua erva sequiosa, mas está vestida em muitos sitios de arvores e de matagal.

Se o homem moderno não pode ainda dominar o clima, pôde de ha muito manusear a terra, facultar-lhe os factores de producção continuada e inexhaurivel, para que a humanidade crescente não tenha fome.

O Alemtejo tem quasi dois milhões e meio de hectares - muito perto da superficie da Belgica toda - e abaixo da altitude de 110 ou 120 metros que poderemos obter para o canal do Rodam ou que seja apenas 100 metros, ficará uma superficie muito grande onde caberá uma população densa, porque o céu é luminoso, a terra pode ser cultivavel quasi toda, e o Tejo tem uma bacia enorme nas terras de Espanha, e presta-se a armazenar no seu leito agua para um dos mais collossaes reservatorios que a Europa poderá fazer.

Faltou-nos estudar a serio o problema e passar depressa a realizá-lo. Isso tem de fazer a Republica.

Quero que olhemos para isto com attenção:

A America, onde apenas havia o deserto enorme e esteril de todo está a obter as grandes pastagens, a criação de gado, a cultura de cereaes em grande escala, a das hortas, dos pomares; onde mal se alimentava um animal bravio, apresentam milhares de cabeças de gado.

Sirva para nós isso de estimulo; tanto mais que bem nos apoquenta a emigração pathologica.

E já vimos como a agricultura extensa, sem o apoio da agua, da viação e do credito, mas principalmente sem a irrigação agricola, não é capaz de dar um producto economico, nem de ser estavel emquanto não tiver fixada á terra, com lares e vida feliz, o rebanho nomada de gente que hoje nos lavra o trigo.

Não é com as pobres cinco a dez sementes, de uma terra em cultura errante, adstricta aos adubos chimicos, num clima incerto, com uma população cultivadora fluctuante e nomada que se pode ter agricultura economica e garantida.

Dêem mesmo ao Alemtejo aquellas machinas possantes que o americano inventou - ponham sobre o descampado alemtejano os machinismos das Egreat Plains que viram onze leiras de cada vez, e todos os musculos de aço que engenhosamente fazem depressa as tarefas violentas do amanho da terra e das colheitas; industrializem de vez a grande cultura na terra que a isso se prestar... ella ficará sempre aleatoria, instavel; e o problema agrario e social continuará alarmante e perturbador.

Não, não é assim. - Vida, nova!...

Precisamos de entrar em vida nova; não continuaremos na mesma inconsciencia do momento historico que atravessamos, na mesma ignorancia das finanças tristissimas, que nós herdamos ha poucos meses, e que se traduzem nos 80:000 contos de réis que temos de divida fluctuante.

Havemos de amanhã equilibrar o orçamento, e nelle equilibrado registar no maximo de medidas de fomento e de educarão o maximo de dinheiro.

Mais: é necessario que em pouco tempo tiremos uma dezena de milhar aos oitenta e tantos mil contos de réis da divida fluctuante.

Nós precisamos de medidas economicas que só. podem vir rapida e efficazmente pela agua da irrigação agricola.

Quando alguem estudar o problema agrario e social português ha de ver que esta é a solução fundamental.

A agua para uma boa parte das terras do sul dá-no-la o Tejo em abundancia, esse Tejo que ha de ser amanhã a chave dos grandes interesses da navegação entre a America e a Europa com a abertura do canal do Panamá. Lisboa, que tem uma importancia colossal, que não temos sabido aproveitar, ha de ser o porto grande da Europa, mais vizinho do Panamá, em que a America do Norte e todas as nações do mundo hão de pôr uns olhos de cubica.

Com a rega do Alemtejo havemos de coordenar a navegação interior, que tem grande importancia na enonomia dos transportes agricolas e completará, como é preciso, a viação.

Essa navegação ha de ir um dia até Évora, a velha, a antiga Evora, que pode ser em pouco tempo uma grande cidade, o centro commercial do Alemtejo, remoçada depressa pela electricidade, como costumam surgir as cidades americanas, quasi do anoitecer de um dia para a alvorada do outro.

Isto não se tem feito porque o Tejo tem sido grande de mais para nós lhe apreciarmos a belleza e a utilidade.

Emfim, o assunto é do maximo interesse, e nós carecemos de se estudar com presteza e de o executar com decisão, porque, povo da sesta, não soffre mais preterição o nosso alarmante perigo social.

O problema não é para ser versado aqui senão em termos geraes.

Estimo muito que a Assembleia olhe para elle attentamente, que pense em que elle vae resolver a fixação de uma grande parte dos nossos bravos que hoje emigram para terras longinquas, desprovidos de capacidade, pobres de futuro, desherdados de terra e de sustento, elles, filhos do país inculto ou apenas desbravado na terça parte, onde cabem milhões de habitantes e onde centenas de milhares passam miseria.

Para lá se encaminhará o pequeno capital e o filho do Thomé da Herdade, que tanto ama a terra, mas que já não a pode ter por herança; o trabalhador do norte do país que hoje luta com uma situação penosa.

Dêmos de beber á terra que hoje é o dominio do sol, para que amanhã desappareça a desolação do inculto, forçado hoje, criminoso quando a grande fita do canal se estender planicie fora a convidar a terra a produzir, o homem a fixar a casa e o lar feliz na mesma terra de fartura em que se ha de transformar o descampado triste de agora.

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A terra, senhores, é a nossa grande escola da educação nacional: ella, só por si, ensina. A abertura dos canaes adextra os operarios com as machinas modernas; a agua a saciar a terra bravia chama para a agricultura todos aquelles que começarem a ver os prodigios d'aquella associação de elementos; a granja do ensino espalhada pela terra em conquista, a mata e o viveiro de plantas espalham o amor á terra e a illustração agricola numa lição não pedida e a toda a hora manifestada; a torrente do urbanismo da gente e do capital reflue para os campos; a emigração desvia-se: e, por cima de tudo, o povo começa a amar e a viver a grande vida singela e forte do campo e da fartura, da paz e da alegria... da alegria...

A grande escola agricola, a grande escola da civilização, a grande escola pratica do civismo e da educação portuguesa está na terra maninha, que amanhã pode ser a terra da felicidade portuguesa.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: dou tambem o meu apoio á proposta do Sr. Ministro do Fomento, não só porque a considero como uma lei transitoria, mas tambem como preliminar de outras medidas que o Governo tem o encargo e o dever de apresentar.

A proposta em discussão, só por si, não basta. Serve apenas para tranquillizar a lavoura neste momento, mas deve, como disse, ser apenas um preliminar de outras medidas.

A proposito da proposta já varios oradores se pronunciaram, salientando que a lavoura nacional não tem sabido aproveitar-se dos beneficios concedidos pela lei. A lavoura nacional não pôde aproveitar-se por completo d'esses beneficios, porque essa lei só por si não basta; era necessario que fosse acompanhada de outras medidas de fomento, taes como capitães baratos e meios de communicação rapidos e economicos, pois que propriedades a 30 e 40 kilometros das estações de caminho de ferro, e com o capital a 8, 10 e 12 por cento, não podem, por maneira alguma, desenvolver-se.

Os proprietarios do Alemtejo não podem fazer mais do que fazem.

Esses proprietarios vendem muitas vezes o seu trigo a 600 réis e pouco mais os 15 litros, - e, comtudo, o consumidor nada ganha com isso. Come caro e mau.

Mas de quem é a culpa? A culpa é de todos; é dos Governos, porque não acompanharam a lei com medidas de fomento, e é dos proprietarios, porque, representando uma força viva do país, não reclamaram aquillo que era simplesmente razoavel.

O que se vê, o que toda a gente sabe, é que moageiros, que ha meia duzia de annos eram pobres hoje estão ricos, ao passo que os proprietarios que simplesmente se tenham dedicado á industria agricola se darão por muito felizes se conseguirem legar aos filhos o que de seus pães herdaram.

A lei dos cereaes não deve, a meu ver, manter-se tal como está, - e, na sua remodelação, o Governo deve attender, não só aos interesses da moagem e dos proprietarios, mas tambem aos do povo.

Como disse, dou o meu apoio ao projecto do Sr. Ministro do Fomento, por ver nelle o proposito de assegurar os interesses do consumidor, do proprietario e tambem os interesses legitimos da moagem, - mas só os legitimos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se dê a materia por discutida, passando-se já á votação. = Joaquim Ribeiro.

Foi lido na mesa e approvado.

O Sr. Presidente: - A Assembleia tem já conhecimento da proposta, por estar publicada no Diario do Governo. Proponho, portanto, que seja dispensada a sua leitura.

Dispensada a leitura, foi approvada a proposta.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Ministro da Justiça e Eduardo Abreu tinham ficado com a palavra reservada, da sessão de hontem, para explicações. Como, porem, deu a hora de se passar á ordem do dia, S. Exas. falarão na próxima sessão.

Os Srs. Deputados que teem papeis a enviar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. João Gonçalves: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que com brevidade me sejam remettidos, pelo Ministerio da Justiça, os seguintes dados:

1) Quaes os diagnosticos feitos nos hospitaes Conde de Ferreira e Miguel Bombarda aos loucos remettidos pelas Penitenciarias e pelas cadeias correccionarias do Limoeiro e da Relação do Porto, durante os annos que vão de 1 de dezembro de 1884 a 31 de julho do corrente anno.

2) Qual o numero de loucos hospitalizados pertencentes á população livre e quaes as doenças durante este mesmo periodo.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, em 3 de agosto de 1911. = O Deputado, J. Gonçalves.

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, me sejam fornecidas as seguintes informações, com brevidade:

1) Qual o numero de alienados remettidos para os manicomios por cada uma das nossas Penitenciarias, desde que começaram funccionando?

2) Qual o numero de alienados existentes em cada uma d'estas prisões cellulares em 31 de julho do anno corrente?

3) Qual o movimento de população criminal da cadeia da Relação do Porto e da cadeia do Limoeiro, durante o tempo que vae de 1 de dezembro de 1884 a 31 de julho do anno corrente?

4) Qual o numero de loucos remettidos para estas cadeias correccionaes durante estes annos, e qual o tempo que mediou entre a entrada na cadeia e a manifestação da loucura?

5) Quaes as doenças manifestadas nestas prisões e a data do seu apparecimento?

Sala das Sessões da Camara Constituinte, em 3 de agosto de 1911. = O Deputado, João Gonçalves.

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, me sejam enviadas com brevidade as seguintes informações relativas a cada um dos presos da Penitenciaria de Lisboa, Coimbra e Santarem, desde que estes estabelecimentos penaes começaram funccionando até 31 de julho do anno corrente:

1) Qual a sua idade, estado, profissão, districto onde nasceu e cometteu o crime?

2) Qual a pesagem á entrada e á saida da Penitenciaria?

3) Quaes os antecedentes hereditarios e penaes?

4) Quaes as doenças durante a prisão e data do seu apparecimento?

5) Qual o tempo que mediou entre a entrada no carcere e as primeiras manifestações de loucura, constantes do registo medico?

6) Qual o tempo de pena de isolamento cellular a que o individuo foi condemnado?

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7) Em caso de fallecimento, qual a causa?

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, em 3 de agosto de 1911. = O Deputado, João Gonçalves.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Marques da Costa: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que. pelo Ministerio do Interior, me seja enviada copia do processo da syndicancia feita ao contrato da camara Municipal da Anadia com a Empresa das Aguas da Guria, ou, então, me seja facultado o examinar os documentos referentes a este assunto.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de agosto de 1911. = Marques da Costa.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Valente de Almeida: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Fomento, Direcção Geral das Obras Publicas, me seja enviada nota das verbas despendidas annualmente no districto de Aveiro, por concelhos, com a construcção e reparação de estradas, durante os exercicios de 1900-1906, 1906-1907, 1907-1908, 1908-1909, 1909-1910.

Sala das Sessões, em 3 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Valente de Almeida.

Mandou-se expedir.

O Sr. Fernão Botto Machado: - Mando para a mesa as seguintes

Notas de interpellação

Reitero a nota de interpellação que em 17 de julho annunciei ao Sr. Ministro do Interior, depois da qual se realizaram já interpellações annunciadas mais tarde.

Lisboa, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Desejo interpellar os Srs. Ministros das Finanças e do Fomento sobre as faltas de cumprimento do contrato da Companhia dos Fósforos com o Estado e sobre as arbitrariedades, abusos e vinganças praticadas pela mesma companhia contra os seus empregados provisorios.

Lisboa, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Alves da Cunha: - Apresento a seguinte:

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Fomento acêrca das linhas do Caminho de Ferro do Alto Minho.

Lisboa e Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado, Alves da Cunha.

Mandou-se expedir.

O Sr. Thomás Cabreira: - Mando para a mesa um projecto de lei autorizando o Governo a nomear uma commissão que estude o melhor local para estabelecer um porto franco nos arredores de Lisboa.

Envio tambem para a mesa um outro projecto, para que seja construida, em cada estação de turismo, um casino, comprehendendo salas de musica, dança, leitura, conversação, theatro, terraços e jardins.

A publicar no "Diario do Governo".

O Sr. José Montez: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para communicar a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão do ultramar, a qual escolheu para presidente o Sr. Tasso de Figueiredo, para relator o Sr. Ezequiel de Campos, e para secretario, a mim, participante. Mando a minha communicação por escrito.

Communicação

Communico a V. Exa. e á camara estar constituida a commissão do ultramar, ficando eleitos para presidente o Sr. Tasso de Figueiredo, para relator o Sr. Ezequiel de Campos e para secretario o signatario d'esta. = O Deputado, José Montez.

Para a acta.

O Sr. Joaquim Pedro Martins: - Manda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que, sem prejuizo da discussão e votação da materia do artigo 10.°, este seja scindido em dois artigos e insertos, o primeiro na secção da camara dos Deputados, e o segundo na do Senado. = Pedro Martins.

Continuando, lembra que o artigo 10.° do projecto se divide em duas partes: uma respeitante á Camara dos Deputados e outra ao Senado.

Não é occasião de discutir se deve haver ou não Camara Alta, porquanto já hontem isso foi discutido. Por sua parte, acceita o principio fundamental mas não votará a redacção do artigo, tal como elle se encontra, por que effectivamente não lhe parece materia constitucional a limitação da idade, de trinta e cinco annos, no § 3.°, tanto mais que no artigo 73.° está consignada a de trinta annos para os Senadores que podem sair d'esta Assembleia.

A organização do Senado é um dos mais difficeis problemas. Uns querem o principio da eleição directa; outros acceitam a eleição dos corpos administrativos; outros, ainda, juntam á eleição dos corpos administrativos a dos collegios scientificos e a das corporações constituidas por industriaes, agricultores e operarios.

A doutrina que o projecto adopta para a constituição do Senado, não offerece novidade. Está já adoptada em outros países.

No projecto dá-se representação a algumas classes, mas não se dá a todas, nem se podia dar, porque se déssemos, por exemplo, como alguem se lembrou, ao exercito, á marinha e á magistratura, tê-la-hiamos tambem de dar aos altos funccionarios do Estado e a outras classes.

Em seu entender, os corpos administrativos não deviam ser desviados da sua funcção para se intrometterem na vida politica, porque isso pode trazer graves inconvenientes; todavia, como esse principio vem no projecto e a Assembleia parece, na sua maioria, não lhe ser adversa, redigiu sobre o assunto uma emenda que a Camara apreciará como melhor entender.

Com o que de forma alguma não pode concordar, é com a opinião expressa pelo Sr. Deputado Egas Moniz na sua proposta, que restringe a representação no Senado só ao continente.

Elle, orador, não só é pela representação das colónias, como desejaria que na Constituição houvesse um capitulo especial dedicado ás nossas provincias ultramarinas, que são, sem duvida alguma, a garantia da nossa independencia e a esperança do nosso futuro.

Lidas as propostas, foram admittidas. O discurso será publicado na integra quando S. Exa. se dignar restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Joaquim Pedro Martins.

Leu-se na mesa e foi admittida.

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Barbosa de Magalhães:- Apresenta a seguinte

Moção

A Camara, reconhecendo que a forma da constituição do Senado indicada no projecto é anti-democratica e anti-scientifica, continua na ordem do dia.

Lisboa, era 3 de agosto de 1911. = O Deputado, Barbosa de Magalhães.

O problema da constituição do Senado é grave e por isso deve ser tratado na Constituição, não se deixando para uma lei especial, como se diz no § unico do artigo 10.°, porquanto o Senado vae ter uma grande influencia na vida politica de Portugal.

Foi dos que sustentou que houvesse uma só camara, por isso vae apontar as difficuldades que se hão de dar para a sua composição.

A eleição do Senado deve ser feita pelo suffragio directo, mas o artigo 10.°, embora nos n.ºs 2.° e 3.° estabeleça que a eleição é directa, no corpo do artigo, quando trata dos Senadores eleitos pelos delegados das corporações administrativas, diz que será indirecta. Assim o artigo dispõe duas formas differentes de eleger o Senado.

No projecto fala-se em corporações administrativas. Ora, segundo a nossa legislação, estas corporações administrativas são as juntas de parochia, as commissões municipaes, as juntas geraes de districto, e nesta designação comprehendem-se ainda os estabelecimentos e institutos dependentes de autoridades administrativas; portanto, o Senado ficará tambem constituido por delegados de estabelecimentos de beneficencia, como são os asylos, irmandades, etc.

O Sr. Egas Monta: - Observa que S. Exa. confundiu corpos administrativos com corporações administrativas.

O Orador: - A origem da confusão pertence á commissão.

Pelo que respeita aos delegados do professorado não sabe tambem se elles pertencem unicamente ao professorado official ou tambem ao professorado particular.

E, agora, occorre-lhe perguntar, por que se não incluem outros aggregados sociaes na constituição do Senado. Porque é, por exemplo, que a magistratura e o exercito de terra e mar não hão de intervir no Senado?

Se os seus membros podem ser eleitos para a Camara dos Deputados, porque não hão de estas classes influir na outra camara?

O Sr. Egas Moniz: - O que se não deseja é que essas classes tenham uma representação official.

O Orador: - É a burocracia, porque é que não fica tambem com representação no Senado?

E dando se representação á classe operaria, porque se não dá igualmente á classe dos trabalhadores ruraes? Tão dignos de consideração são os operarios ruraes, como os outros.

Não sabe tambem se, para a distincção entre commerciantes e industriaes, se adopta o criterio do direito civil e commercial, em conformidade com o Codigo Commercial, não incluindo os medicos, advogados e outras profissões liberaes, ou se segue criterio differente, considerando-se industriaes todos aquelles que pagam contribuição industrial.

E, depois, como é que se faz a eleição dos delegados d'estas classes? Organiza-se um recenseamento para cada classe em todo o país, ou a eleição faz-se por meio de associações de classe?

O que vê é que entrando tantas classes no Senado, o povo é que lá não entra. Pois o povo é que devia ter o direito de eleger os Senadores.

A representação de classes no Senado é, a seu ver, perigosa. Ainda hoje se viu nesta Assembleia defenderem-se muito bem os interesses de uma classe na discussão de um projecto de lei, sem que para isso fosse necessario que essa classe tivesse aqui representantes especiaes.

Os representantes das classes não defendem os altos interesses da Nação, mas os da sua propria classe.

A representação das classes no Senado dá ainda ensejo ao voto plural, que é anti-democratico. Havendo individuos com tres e quatro profissões, necessariamente podem dispor de tantos votos quantas forem as profissões que exerçam.

Por exemplo: o Sr. Egas Moniz, que é agricultor, medico, professor e cidadão, fica dispondo de quatro votos.

E se quiserem limitar este numero de votos, qual é o criterio para a escolha?

A unica maneira, por ernquanto, de obviar ás difficuldades provenientes da doutrina do projecto, é constituir Senado por meio do suffragio directo.

E uma necessidade que se impõe, porque se não podem restringir os direitos aos eleitores.

O Senado, constituido pelo suffragio directo, satisfará a todos que querem que hajam duas camaras.

O que não se pode admittir é que o Senado seja constituido por uma forma anti-democratica e propria a criar uma casta.

Para terminar, affirma a necessidade de determinar claramente qual o numero de Senadores que constituirão a segunda camara, qual o tempo da legislatura para elles, tudo, emfim, o que for preciso para que o pensar d'esta Assembleia não seja depois atraiçoado por qualquer arbitrariedade.

O discurso será publicado na integra) quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Faustino da Fonseca: - Sr. Presidente: começo por ler as minhas propostas de emenda:

"Artigo 10.° A Garoara dos Deputados e o Senado serão eleitos pelo suffragio directo".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado, Faustino da Fonseca.

"Proponho que na organização do Senado os districtos das ilhas adjacentes tenham o mesmo numero de representantes que os do continente".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de agosto de 1911.= 0 Deputado, Faustino da Fonseca.

Lamento o que tem succedido com o uso da palavra, pois ha Deputados que falam tres e quatro vezes por sessão, emquanto que outros não conseguem fazê-lo, por via da fadiga da Camara e do automatismo dos apagadores.

Tem succedido assim que apenas são ouvidos os bachareis que, cingindo-se ás theorias aprendidas em Coimbra, se mantem no terreno das abstracções.

A politica deve, porem, ser exposta sob uma forma simples e pratica, para que a possam comprehender todos os cidadãos, quer ao serem chamados a votar, quer a manifestar-se por meio do referendum.

Votei contra o Senado, porque a Nação - una e indivisivel - só pode ser representada por uma Camara.

Mas já que fomos condemnados a soffrer o Senado, é preciso que elle se organize por forma a fazer o menos mal possivel.

Assim, a sua origem deve ser a mesma da Camara dos Deputados: - o suffragio directo.

Tem-se falado em suffragio universal, com o proposito de conceder o voto ao analfabeto.

Não pode ser.

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O suffragio universal e reclamado contra o voto censitario; tem por fim dar ao operario, que só possue o braço o direito eleitoral, limitado, em certos países, aos contribuintes e proprietarios.

Ninguem podia prever nos países cultos que se reclamasse o suffragio universal para os analfabetos, quando tem bastado os ruraes, embora saibam ler, para contrariar, na Suissa e na França, diversas medidas de progresso.

Ora, se não podemos conceder o voto aos trabalhadores que não sabem ler, não podemos conceder o voto plura aos burgueses, que mal sabem ler e que a final nada lêem.

A grande fatalidade da terra portuguesa é não existi, o habito da leitura; os proprios politicos não se regulam pelo que lêem, mas pelo que ouvem na tabacaria, no café ou no centro.

D'ahi o caracter intriguista e pessoal da nossa politica absolutamente alheia á noção de doutrina.

O que seria o Senado, constituido pelos ricos burgueses ignorantes e pelos falsos sabios das nossas apparatosai instituições scientificas?

Uma voz: - Ha analfabetos mais intelligentes que es sés bachareis e esses burgueses; foram mais uteis á Republica do que elles!

O Orador: - Intelligentes, não! Lançaram-se na luta arrastados pelo aspecto messianico da palavra magica - Revolução -; mas essa inconsciencia é perigosa.

O messianismo é triste condição dos povos barbaros, e nós não nos podemos governar á marroquina.

O que queremos é a collaboração dos illustrados, dos intelligentes; porque as sociedades não são dirigidas pelas maiorias incultas, mas pelas minorias organizadas, actuando sob uma forte disciplina mental.

E essa disciplina mental a principal necessidade da triste terra portuguesa. É o estudo do regulamento da cooperativa, a leitura do seu balancete, a discussão do seu relatorio que hão de transformar inuteis explosões tumultuarias num forte movimento solidario, fonte de mais liberdade e de mais justiça.

A sociedade que tivemos de indisciplinar, para que ruisse a monarchia, só novas formas de acção social podem dar a ordem necessaria para o trabalho.

Não contemos para isso com o Senado, inutil renovação da inutil Camara dos Pares.

É preciso que o Senado seja eleito pelo suffragio directo, para que não se torne uma reedição da celebre camara das forças vivas, alcunhada de Solar dos Barrigas.

Emquanto que a gloriosa geração de 1890, a que tive a honra de pertencer, essa geração que nos deu o actual directorio, alma da revolução, se manteve intransigente e incorruptivel, entre as duas revoluções, venderam-se e ré venderam-se á monarchia e apoiaram aã duas sangrentas ditaduras franquistas os vaidosos burgueses que viriam formar agora o Senado das classes.

A obra politica d'esses réis do bacalhau e do azeite foi a lei de 13 de fevereiro.

Que a Republica se guarde de semelhante gente e de semelhantes leis!

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Foram lidas na mesa e admittidas d discussão as propostas de emenda do Sr. Faustino do Fonseca.

O Sr. Sidonio Paes: - Sr. Presidente: todos nós reconhecemos ser de maior urgencia que se vote a Constituição, e, como o assunto se acha largamente debatido e me chega a palavra depois de varios oradores, e em especial o illustre Deputado Sr. Barbosa de Magalhães, terem defendido com calor ideias iguaes ás que professo sobre a constituição do Senado, pouco mais tenho a fazer que desistir da palavra, depois de mandar para a mesa a minha moção.

De facto as considerações feitas pelos oradores que atacaram o systema de eleição do Senado por suffragio directo, foram eloquentemente rebatidas pelo brilhante discurso do Sr. Barbosa de Magalhães que, pela analyse minuciosa que fez, esgotou quasi por completo a questão.

A minha moção é a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte considera:

1.° Que o corpo legislativo é destinado a dar, pela confecção da lei, satisfação ás necessidades moraes e materiaes do povo;

2.° Que os interesses communs á Nação inteira devem preferir aos profissionaes ou da classe. Reconhece que o suffragio directo é, neste momento, a maneira mais democratica e mais adequada á actual organização social do país, de eleger as duas camaras, consigna esse principio na Constituição e passa á ordem do dia.

Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado, Sidonio Paes.

E d'ella resulta como consequencia a emenda ao artigo 10.° que mandarei para a mesa e passo a ler:

"Artigo 10.° As duas camaraa são eleitas por suffragio directo".

Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911.= O Deputado, Sidonio Paes.

Tomo, apenas, alguns momentos á Camara para desfazer um argumento que me parece não ter sido ainda rebatido, e apresentado por aquelles que não concordam, por forma nenhuma, com a eleição do Senado por um processo semelhante ao da Camara dos Deputados, e que preconizam um Senado muito differenciado da outra camara; - e ainda pedirei licença á Camara para apresentar um argumento novo e da capital importancia para a defesa da minha moção.

O Sr. Egas Moniz, parlamentar distinctissimo, cujos talentos admiro, quis habilmente chamar para a sua proposta de lei toda a parte da Assembleia que tinha votado pela existencia das duas camaras.

O illustre Deputado e meu amigo disse que a lógica devia conduzir os que votaram pelo systema bi-camaral a approvar uma Constituição do Senado bem differenciada da Camara dos Deputados, pois de outro modo o Senado seria uma duplicação inutil, á qual se devia preferir o systema uni-camaral. Eu creio que S. Exa. não interpretou com exactidão o pensamento de maior parte dos Deputados que se pronunciaram pelas duas camaras.

Pelo menos, no que me diz respeito, eu que votei as duas camaras, posso affirmar ao illustre Deputado que os principaes argumentos que me determinaram, não me obrigam a defender para o Senado um modo de eleição menos democratico que para a segunda camara, e ao contraio me indicam claramente que devo atacar com todas as minhas forças o systema de eleição por classes, proposto por S. Exa.

O que me levou a rejeitar o systema de uma só Camara, alem das razões historicas, a certeza de que todo o poder sem limitação tem uma tendencia a abusar; foi o receio da ditadura de uma multidão, tão perigosa ou mais do que a ditadura de um déspota. E vi no systema de luas camaras igualmente democraticas, saídas da mesma origem, a maneira unica de afastar actualmente esse perigo, limitando-se uma á outra nos seus poderes, unica-

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mente por serem duas, sem necessidade de grande differenciação.

Isto não impede, todavia, que, para conter a impetuosidade da segunda camara, não seja conveniente que se estabeleça, pela differença da idade e do numero, uma outra assembleia mais ponderada e reflectida, embora tão republicana e tão desejosa do progresso como a outra.

Creio, portanto, que a maior parte dos membros d'esta Assembleia que votaram pelas duas camaras, terão razões como eu para reprovar a proposta do Sr. Egas Moniz.

Sendo apologistas do suffragio directo para a Camara dos representantes, é natural, em virtude dos principios expostos, que votemos o mesmo modo de suffragio para o Senado. Eu conto, pois, para a minha proposta com a votação que o Sr. Egas Moniz pretendia arrancar para a sua.

Não quero discutir se é mais moderno o systema apresentado pela commissão e defendido brilhantemente pelo Sr. Egas Moniz; mas lembro á Camara que elle nunca foi experimentado, e que se alguns tratadistas de direito constitucional o defendem em theoria, embora alguns só indiquem a vantagem de constituir d'esta maneira uma Assembleia consultiva e não deliberativa, eu supponho que todos refutariam a sua inadaptabilidade ao nosso país, desde que conhecessem bem as condições em que se encontra organizada a sociedade portuguesa no actual momento.

Sr. Presidente: palavra puxa palavra e eu vejo agora que teria ainda muito que dizer, mas não quero de maneira nenhuma faltar á promessa que fiz de falar pouco; não quero ser accusado de gastar tempo inutilmente, quando o país tem todo o interesse em que a Constituição seja rapidamente votada.

Mas permitta-me a Camara que antes de terminar insista um pouco neste ultimo ponto.

De acordo com o Sr. Deputado Egas Moniz a illustre commissão redactora do projecto de Constituição organiza o Senado, fazendo-o eleger por varias corporações e por varias entidades taes como os professores, o commercio, a industria, etc., a que aqui se deu o nome de aggregados sociaes.

Sr. Presidente: eu pergunto á illustre commissão se o movimento associativo do nosso país está sufficientemente adeantado para que possa fornecer uma base solida e equitativa á eleição.

Eu pergunto se não será necessario, primeiro, esperar que esses aggregados se formem, e que abranjam largamente as classes populares, o proletariado, antes de ensaiar um modo de eleição que irá forçosamente dar a preponderancia ás classes mais abastadas, e aggravar as condições de resolução da mais grave questão que hoje se ventila em todo o mundo civilizado, a questão social!

E lembro á Camara que mesmo nos países onde o syndicalismo se tem desenvolvido mais largamente ainda senão acha estabelecido este systema de eleição, que só pode ser verdadeiramente democratico e util ao povo quando não redundar em proveito das classes conservadoras, como em Portugal nesta época necessariamente succederia.

E é este, Sr. Presidente, o grande perigo d'esta aventura, que nos levaria quasi com certeza a um desastre enorme para a democracia, porventura á destruição da nossa Republica.

Atrevo-me, Sr. Presidente, a dizê-lo: por uma eleição d'essa natureza é de prever que os membros do Senado não seriam, na sua maioria, republicanos, sem que isto significasse, de forma nenhuma, que o país o não fosse.

O problema magno que nós temos a resolver em primeiro logar e, meus senhores, o da consolidação da Republica.

Por isso eu peço á Camara que, antes de votar esta medida, reflicta se pode tolerar-se, neste momento, que por uma imperfeita eleição a soberania do povo se faça representar, embora falsamente, por uma assembleia que será recrutada principalmente nas classes conservadoras.

É este, Sr. Presidente, e Srs. Deputados o argumento principal que me faz rejeitar a proposta da commissão e preconizar o processo nada democrativo do suffragio directo.

E este o argumento indestructivel, - e felicito-me por ter tido a coragem de o apresentar á Camara num momento em que é preciso dizer toda a verdade.

O Senado eleito pelo processo que combato tem todas as probabilidades de ser uma Assembleia conservadora, peor do que isso mesmo: - reaccionaria!

Tenho dito.

Leu-se na mesa a emenda e foi admittida.

O Sr. Affonso de Lemos: - Sr. Presidente: eu creio que a questão de haver ou não Senado foi mal posta desde o principio, e peço desculpa á Camara de falar com toda esta franqueza que me caracteriza.

Parece-me que logo de principio se devia definir o que pretendemos que seja, entrenós, o Senado: - se deverá ser uma camara de revisão e portanto num plano acima da Camara dos Deputados ou se pretendemos que seja uma camara parallela, no mesmo plano e com attribuições idênticas, á Camara dos Deputados.

Isto não foi posto assim, - e pareço me que o devia ter sido desde o principio da discussão. Se considerarmos o Senado com as mesmas attribuições que a Camara dos Deputados, eu vejo nelle apenas uma divisão de trabalho e uma duplicação desnecessaria, desde o momento em que a eleição da primeira seja feita por suffragio universal.

Evidentemente o povo, elegendo os seus delegados para uma grande Assembleia, evitava uma segunda eleição.

Com franqueza tambem não comprehendo muito bem que se vá fazer uma eleição de duas camaras das quaes uma represente por assim dizer os novos, os verdes, e a outra constituida por individuos que hão de observar o trabalhinho que é feito pela primeira, o que acho ser vexatorio para a Camara dos Deputados.

Só comprehendo que o Senado se arrogue o direito de verificar a obra da primeira camara quando elle seja eleito por essa primeira camara.

Eu, em principio, sou contra as duas camaras, e ainda hontem dei o meu voto contra a constituição do Senado, mas respeitando, como é meu dever, a maioria da camara, cá estou trabalhando hoje com ella na confecção da segunda camara, porque entendo que embora divergentes nas opiniões ou votações devemos estar unidos para bem da Patria.

Na Noruega faz-se o seguinte: elege-se uma grande camara por suffragio universal; essa grande camara elege por escrutinio secreto uma quarta parte, que constitue o Senado.

Assim comprehende-se; mas vir outra camara verificar o nosso trabalho, acho, como já disse, vexatorio, e não devemos consentir neste processo.

O suffragio universal é um concurso onde podem apresentar-se candidatos de todas as categorias, onde as classes, quer industriaes, commerciaes, de medicos, de advogados, de barbeiros, de sapateiros, etc., podem apresentar os seus candidatos.

Pois não estamos vendo que neste momento se apresentam já candidatos á Presidencia da Republica! Lá está o povo para, na urna, escolher e votar.

Eleita assim por suffragio universal a primeira camara, essa camara, escolhendo a terça parte, como proponho, confere aos Deputados que a compõem por selecção a elevada funcção de rever, com ponderação, a obra da primeira.

O Sr. Ladislau Piçarra: - V. Exa., nessa expressão "suffragio universal" abrange tambem os analfabetos?

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O Orador: -Sim, senhor, porque conheço analfabetos mais intelligentes que individuos que sabem ler e escrever.

Não querendo alongar-me mais sobre este assunto, mando para a mesa a minha moção e a minha proposta, que são do teor seguinte:

Moção de ordem

A Assembleia Constituinte, reconhecendo a necessidade de dar ás duas camaras uma organização genuinamente democratica, continua na ordem do dia. = O Deputado, Affonso de Lemos.

Substituição

"Art. 10.° A Camara dor Deputados é eleita por suffragio directo universal. O Senado é constituido pela terça parte da primeira camara e eleito por ella por escrutinio secreto. = O Deputado, Affonso de Lemos.

Este processo, como já disse, não é meu. Pesando bem não só o que li nas Constituições de diversos Estados, mas tambem o que a commissão apresentou como medida transitoria, reconheci ser exactamente o que acabo de propor, o que se afigura mais proprio para ser adoptado por nós, em harmonia com os interesses da Nação e da Democracia.

Foram lidas na mesa e admittidas á discussão a proposta e a moção do Sr. Affonso de Lemos.

O Sr. João José de Freitas: - Quando tive de usar da palavra sobre o projecto na discussão da generalidade, enviei para a mesa uma emenda ao artigo 7.°, correspondente ao actual artigo 10.°, e agora, depois de um estudo mais attento e de ter ouvido a discussão que aqui se tem travado, entendi dever fazer uma ligeira modificação á emenda que então apresentei. E, pois, a seguinte a emenda, ou melhor, a substituição, que mando para a mesa:

O artigo 10.° do projecto deve ser dividido em três, da maneira seguinte:

"Art. 10.° A Camara dos Deputados é eleita por suffragio directo.

Art. 11.° O Senado é eleito por suffragio indirecto e constituido por setenta e dois senadores, sendo trinta e seis eleitos por delegados dos corpos administrativos provinciaes ou districtaes, municipaes e parochiaes, estes ultimos somente das sedes dos concelhos e das parochias de população superior a 1:000 habitantes, do continente, ilhas adjacentes e provincias ultramarinas; e os trinta e seis restantes eleitos por delegados das corporações scientificas em todos os graus, das associações que representam as profissões e artes liberaes, das associações commerciaes, industriaes, agricolas e operarias legalmente organizadas, somente do continente e ilhas adjacentes.

§ unico. Cada provincia do continente, ou o districto ou districtos que formam cada provincia, elegerão tres senadores; cada um dos archipelagos das ilhas adjacentes, dois, e cada provincia ultramarina, um.

Art. 12.° A organização dos collegios eleitoraes das duas camaras e o processo da eleição serão regulados por lei especial". - O Deputado, João de Freitas.

O suffragio universal é um desideratum que a Republica deve procurar realizar no mais curto espaço de tempo possivel, mas não no momento actual em que a população portuguesa apresenta ainda a vergonhosa percentagem de 75 ou 78 por cento de analfabetos.

É cedo para isso. Oxalá que d'aqui a dez annos, quando se fizer a revisão da Constituição, já se possa estabelecer o suffragio universal. Antes d'isso, em qualquer epoca, poderá decretar-se, em lei especial, quando o analfabetismo popular estiver consideravelmente reduzido.

Entendo que o Senado deve ser eleito por suffragio indirecto.

É essa a forma estabelecida por quasi todas as Constituições dos países que teem duas camaras.

A segunda camara não representa, não deve representar, um corpo legislativo superior ao primeiro, mas sim uma Assembleia destinada a exercer um segundo exame sobre qualquer projecto de lei approvado pela primeira camara. Por isso deve ser formada de individuos dotados de certa moderação e com a experiencia dos negocios publicos necessaria para, num segundo exame e apreciação critica reflectida, concorrerem para a adopção de boas leis.

Se a segunda camara for eleita pelo suffragio directo, poderá ficar constituida de forma tal que não reuna os requisitos a que deve satisfazer.

Não lhe devemos chamar "Camara alta", como aqui tenho ouvido, nem "Camara baixa" á dos Deputados.

Taes expressões são absolutamente improprias de uma democracia e devem desapparecer para sempre.

A primeira camara, a dos Deputados, deve sair do suffragio directo; a segunda, ou o senado, do suffragio indirecto, tendo ambas uma esfera de acção commum.

Quando surgir alguma divergencia entre as duas camaras, essa divergencia será removida ou por meio da reunião conjunta de ambas, ou por meio de uma commissão mista, que resolverá a questão procurando uma formula de transacção.

Mas, para que a segunda camara reuna as condições que realmente deve reunir, isto é, ser formada de homens tendo profundo conhecimento dos negocios publicos alliado a um accendado espirito de moderação e a uma larga experiencia da vida politica, é necessario que a eleição d'ella não seja como a da Camara dos Deputados; assim, não reunirá essas condições e predicados.

Quanto á eleição e composição do Senado, concordo em grande parte com as ideias apresentadas pelo Sr. Egas Moniz na sua emenda.

Esta segunda camara deve ser e Efectivamente constituida por eleição de delegados dos corpos administrativos e dos aggregados ou classes sociaes. Mas não concordo, com S. Exa., em alguns pontos importantes que constam da minha emenda. Quanto ao numero dos membros do Senado, fixo-o em 72.

É pequena a differença entre este numero e o 80, determinado na emenda do Sr. Egas Moniz.

Metade d'aquelle numero, ou sejam 36 Senadores, deve ser constituida por membros eleitos por delegados dos corpos administrativos, e não das corporações administrativas, termo mais generico que abrange tambem as corporações de piedade, beneficencia, etc., e ás quaes de modo algum se deve dar o direito de intervirem na eleição do Senado.

Na primeira parte da minha emenda, ou melhor, da minha substituição, alterei a ideia expressa na minha primeira emenda, que se encontra a paginas 12 do projecto em discussão.

Nessa emenda tinha eu retirado ou excluido as juntas de parochia do numero dos corpos administrativos que deviam intervir na eleição da metade do Senado; mas depois, estudando mais attentamente a questão, vi que não devia nem era legitimo privar d'esse direito de serem representadas na eleição da segunda camara as juntas de parochia de Lisboa, Porto e muitos outros centros urbanos do país, que são constituidas por cidadãos sincera e devotadamente republicanos, illustrados e que com tanto civismo contribuiram para a obra patriotica da implantação da Republica.

Se isto acontece nas povoações urbanas do país, não acontece o mesmo na maioria das freguesias ruraes.

Eu que tive a honra de exercer um. cargo de alta con-

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fiança politica em que fui investido pelo Governo Provisorio, logo após a proclamação da Republica, tive occasião de reconhecer que ha infelizmente ainda muitas freguesias ruraes em que se luta com muitas dificuldades para encontrar dez cidadãos que sejam idóneos para constituirem uma junta de parochia.

Em muitas das pequenas parochias ruraes não ha mesmo, por vezes, dez individuos no uso dos seus direitos politicos e sabendo ler e escrever, para formarem uma junta parochial de cinco effectivos e cinco substitutos, como determina o Codigo Administrativo de 1878, era vigor.

Assim, nessas pequenas e atrasadas parochias ruraes, não devemos dar aos membros d'esses corpos administrativos parochiaes o direito de intervirem na eleição de delegados para elegerem os Senadores, visto que, a respeito da illustração, a maioria dos seus membros se não destingue, da grande massa analfabetica e inculta da nação.

E por isso que eu, na minha substituição, apenas dou o direito de elegerem delegados para a eleição de Senadores em primeiro logar, ás juntas parochiaes das sedes dos concelhos, porque decerto não haverá nenhuma sede de concelho onde não existam dez individuos com as condições de capacidade necessaria para constituir uma junta de parochia; e em segundo logar, ás parochias com população não inferior a 1:000 habitantes, porque não ha parochia de 1:000 habitantes onde não se encontrem dez individuos com a capacidade precisa para formarem uma junta parochial, e, portanto, para intervirem conscientemente na eleição de delegados á eleição de Senadores.

Este direito, entendo eu, que deve estender-se aos membros dos corpos administrativos de todo o territorio da Republica, tanto do continente, como das ilhas adjacentes e provincias ultramarinas; mas parece-me tambem que deve restringir-se ao continente e ás ilhas adjacentes este direito, pelo que respeita á eleição da segunda metade do Senado, formado pelos representantes dos aggregados sociaes ou das classes.

Quanto a estas, é tambem minha opinião que este direito deve ser limitado ás corporações de classes legalmente organizadas; e, d'esta forma, em vez de dar á minha emenda a redacção um pouco vaga que se encontra no projecto, redigida de harmonia com a emenda do Sr. Egas Moniz, restrinjo o direito de intervirem na eleição de Senadores ás associações de classe legalmente organizadas.

Desta maneira, respondo ás principaes observações que contra o projecto fez no seu discurso o Sr. Barbosa de Magalhães.

Estas associações formarão seis grupos que serão os seguintes:

1.° Corporações scientificas, representando o ensino em todos os graus;

2.° Associações que representem as profissões e artes liberaes, como os advogados, medicos, etc.;

3.° Associações commerciaes ou camaras de commercio;

4.° Associações industriaes;

5.° Associações agricolas;

6.° Associações operarias.

E assim, preencho tambem uma lacuna que o Sr. Barbosa de Magalhães notou no seu discurso, mencionando as associações que representam profissões e artes liberaes, medicos, advogados, engenheiros, etc., que serão tambem representadas, quando estejam legalmente constituidas.

As associações commerciaes, somente, diz a emenda, e não commerciantes, porque seria difficil fazer o recenseamento de todos os individuos que devem figurar nesta categoria, é que deverão intervir na eleição; mas só as associações commerciaes legalmente organizadas; da mesma maneira com relação ás industrias, agricolas e operarias, todas as que estiverem constituidas de harmonia com a lei reguladora do direito da associação.

Poderão fazer-se representar as associações e syndicatos operarios, agricolas e industriaes; e agora respondo tambem á duvida do Sr. Barbosa de Magalhães, quando perguntou se industriaes são todos os que pagam contribuição industrial.

Não; deverão ser só os industriaes que estiverem organizados em associações.

Não pode negar-se que existe em Portugal uma larga organização operaria, principalmente nos dois grandes centros fabris de Lisboa e Porto.

Dando tambem representação ás associações operarias, entendo que respondo á observação feita pelo Sr. Faustino da Fonseca, quando manifestou o receio de que o Senado fosse uma camara de ricos, uma assembleia legislativa representando somente os interesses das classes burguesas.

O Senado, segundo a substituição que proponho, não tem, nem poderá ter essa caracteristica, ou antes, esse defeito; o Senado será a representação dos corpos administrativos do país e das suas forças vivas, dos seus aggregados sociaes.

Apontou-se o defeito de não se dar representação ao exercito e á armada.

O exercito e a armada podem ter a sua representação na primeira Camara, e nada obsta a que a possam ter tambem na segunda, sendo eleitos pelos corpos administrativos os representantes das forças de terra e mar.

Mas como classe, e tendo como tal representação no Senado, entendo que não pode conceder-se esse direito á classe militar.

Eu ainda admittia que ella tivesse a sua representação no Senado, se alguns altos funccionarios do Estado, no grau mais elevado de hierarchia civil e militar, tivessem ingresso no Senado por direito proprio.

Esta ideia tem sido defendida por muitos tratadistas de direito politico. Mas reconheço que isso repugnaria á consciencia da maior parte da Assembleia, que julga esta ideia anti-democratica, e, por conseguinte, ponho-a de parte.

O exercito e a armada podem ter representantes na segunda camara, isto é, no Senado, se elles forem eleitos pelos corpos administrativos; mas como representantes da classe militar, entendo que não devem ter representação nessa segunda camara, em que, como classes, apenas devem estar representadas as forças vivas da Nação.

Recearam alguns Srs. Deputados que o Senado se tornasse numa camara reaccionaria. Julgo este receio absolutamente infundado.

Se se adoptar o principio consignado no § 1.° do artigo 73.° do projecto, de primeiro Senado ser eleito por esta Assembleia Constituinte, só d'aqui a tres ou quatro annos é que teremos novas eleições geraes.

Se o Senado for constituido, quer pela forma indicada no projecto de Constituição em discussão, quer pelo maneira proposta na minha substituição, pode affoitamente affirmar-se que d'aqui a tres ou quatro annos, nem os corpos administrativos locaes, nem as associações que representam as diversas classes, os aggregados sociaes, poderão enviar ao Senado um numero consideravel de Senadores hostis ao regime republicano.

É muito provavel, e fundamentada até, a previsão de que não elegerão um unico representante com essa caracteristica.

A grande maioria dos individuos que pertencem á classe do professorado, quer seja primario, secundario ou superior, adheriram sinceramente ao regime republicano. O mesmo acontece com as classes commercial e industrial.

Uma voz: - Ha excepções.

O Orador: - Nem podia deixar de haver; mas eu falo na generalidade. As associações industriaes e commerciaes

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SESSÃO N.° 38 DE 4 DE AGOSTO DE 1911 21

do país são constituidas por individuos que dentro de quatro annos terão, na sua quasi totalidade, prestado uma adhesão decisiva, sincera e absolutamente irrevogavel ao regime republicano, a não ser que a Republica e os seus homens commettam taes erros que incompatibilizem estas classes com o regime.

Isso, porem, não é de esperar do patriotismo e bom senso dos dirigentes republicanos.

Nas associações agricolas é que talvez este facto se não dê. Estas é que poderão enviar ao Senado alguns representantes monarchicos, ou que não sejam ainda sinceramente republicanos.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu não vejo inconveniente algum em que essas associações agricolas possam enviar ao Parlamento dois, três, ou mesmo meia duzia de Senadores que não sejam republicanos.

Não vejo inconveniente algum, antes pelo contrario creio até haver toda a vantagem, em que a Republica garanta livremente o accesso ao Senado e tambem á Camara dos Deputados, de representantes de todas as opiniões politicas. Isso será, até, dar uma demonstração de tolerancia e liberdade, que só fará honra ao regime republicano.

Quanto ás associações operarias, parece-me até inutil estar a affirmar que ellas no seu proprio interesse e por coherencia com os seus principios, decerto não irão eleger para o Senado representantes seus, que não sejam affeiçoados, apaixonadamente dedicados ao regime republicano.

Portanto, esse receio formulado pelo Sr. Sidonio Paes de se constituir uma segunda camara ou um Senado reaccionario, desde que fosse adoptado o principio da representação de classes, parece-me, e ó, absolutamente infundado.

No § unico da minha proposta considera-se o país dividido em oito regiões provinciaes, algumas d'ellas formadas por dois e tres districtos, outras por um só como a Beira Alta e o Algarve.

Quanto aos outros 36 senadores serão eleitos por eleição indirecta, por delegados das associações de classe legalmente organizadas, e não somente por membros d'essas classes, individualmente considerados, isto é, pelos industriaes, commerciantes, etc., como propunha o Sr. Egas Moniz.

A minha substituição estabelece um principio mais pratico de se fazer a eleição.

Envio para a mesa a minha emenda dando por findas as minhas considerações.

Foi lida na mesa e admittida á discussão a proposta de emenda do Sr. João José de Freitas.

O Sr. José Maria Pereira:- V . Exa. tem a bondade de me dizer quantos oradores estão inscritos sobre a ordem?

O Sr. Presidente: - Alem do Sr. José Barbosa, por parte da commissão, estão inscritos vinte e dois Srs. Deputados.

O Sr. José Barbosa (por parte da commissão):- Pedi a palavra para mandar para a mesa, em nome da commissão, uma proposta de emenda ao artigo 10.°, na qual tive de incluir mais um artigo. Formulei essa emenda nos seguintes termos, que me parece exprimirem melhor o pensamento da maioria da Camara:

"Art. 10.° A Camara dos Deputados e o Senado são eleitos pelo suffragio directo dos cidadãos eleitores.

§ unico. (O do artigo 10.° do projecto).

Art. 10.°-A O Senado será composto de tres senadores eleitos em lista de dois nomes por cada districto do continente e das ilhas adjacentes, e um por cada provincia ultramarina". - O Deputado, José Barbosa.

S. Exa. não reviu.

Foi lida na mesa e admittida á discussão a proposta de emenda apresentada pelo Sr. José Barbosa.

O Sr. José Maria Pereira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja marcada sessão para amanhã, sabbado, para continuação da discussão do projecto de lei n.° 3.

Lisboa, em 3 de agosto de 1911. = O Deputado, José Maria Pereira.

Foi rejeitado.

O Sr. Moraes Rosa: - Tinha pedido a palavra para discutir o artigo 10.° do projecto n.° 3, mas apenas numa parte muito restricta.

Em vista, porem, da emenda apresentada pela commissão, os argumentos que tencionava adduzir ficaram prejudicados.

Nessa conformidade, tenho de desistir da palavra, visto que tencionava, apenas, falar da representação das classes.

Estando com a palavra atrevo-me, todavia, a lembrar á commissão que, no seu parecer, não se conta com a proporcionalidade da população, pois havendo tres Senadores por districto fica o de Lisboa com a mesma representação do districto de Faro.

Desisto da palavra.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Henrique Caldeira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja dada a materia por discutida com prejuizo dos inscritos e se passe á votação. = O Deputado, Henrique Caldeira.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Se a Assembleia permitte, convido os Srs. Deputados que estavam inscritos a enviar para a mesa as propostas de emendas que tinham a apresentar.

Como, faltam, apenas cinco minutos para se encerrar a sessão, proponho que a sessão se prorogue até se concluir a votação do artigo 10.° do projecto.

Consultada a Assembleia, resolveu affirmativamente.

Foram lidas e admittidas á discussão as seguintes

Propostas de emenda

Emenda á segunda parte do artigo 10.°:

"O Senado será constituido por:

1.° Trinta e seis senadores eleitos pelos corpos administrativos districtaes do continente e ilhas adjacentes;

2.° Vinte senadores eleitos por delegados de todas as classes organizadas por meio da associação, no continente e ilhas adjacentes;

3.° Oito senadores eleitos pelos delegados dos corpos docentes dos estabelecimentos publicos de instrucção superior, especial e secundaria e das associações scientificas, literarias e artisticas com estatutos legalizados;

4.° Dois senadores eleitos pelo conselho colonial e delegados da Escola Colonial e das associações visando o progresso das colónias, legalizadas e com sede na metropole:

5.° Quatro senadores eleitos pela Camara dos Deputados, de entre os seus membros;

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22 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

6.° Dois senadores eleitos por suffragio directo, colhido em todo o país (continente e ilhas adjacentes)". - Peres Rodrigues.

Additamento do artigo 10.°:

a) Dois Senadores eleitos pelo Conselho Colonial e delegados da escola colonial e das associações visando o progresso das colonias, legalizadas e com sede na metropole.

b) Quatro Senadores eleitos pela Camara dos Deputados de entre os seus membros.

c) Dois Senadores eleitos por suffragio directo colhido em todo o país (continente e ilhas adjacentes).= Peres Rodrigues.

"Artigo 10.° A Camara dos Deputados será eleita por suffragio directo.

O Senado será constituido:

1.° Metade por Senadores eleitos por delegados de todos os corpos administrativos do continente e ilhas adjacentes, elegendo-se por cada districto o numero de Senadores que lhe pertençam pelo censo da população.

2.° A quarta parte por Senadores eleitos por delegados do professorado publico, em geral, da magistratura judicial e do Ministerio Publico, das associações de agricultura, commerciaes, industriaes e operarias, constituidas separadamente em collegios eleitoraes.

3.° E outra quarta parte por Senadores eleitos pela Camara dos Deputados.

§ unico. Corno no projecto".= O Deputado, Artur Costa.

Proponho que sejam eliminados os n.ºs 2.° e 3.° do artigo 10.°= O Deputado, Jacinto Nunes.

Proponho que o artigo 10.° do projecto da Constituição fique assim redigido:

"A Camara dos Deputados é eleita pelo suffragio directo. O Senado será eleito um terço por a Camara dos Deputados, dois terços por todos os corpos administrativos.

§ unico. A organização dos collegios eleitoraes das duas camaras e o processo de eleição serão regulados por lei especial, havendo sempre representação das minorias".= Pereira Victorino.

Artigo 10.°:

"A Camara dos Deputados é eleita por suffragio directo universal. O Senado é eleito tambem por suffragio directo, nomeando cada districto, em lista incompleta de dois nomes, tres senadores. Cada provincia ultramarina elege Senadores".

Assembleia Nacional Constituinte. - Celestino de Almeida.

Proponho a seguinte substituição no artigo 10.°:

"Artigo 10.° A Camara dos Deputados é eleita por suffragio directo. O Senado será constituido por oitenta Senadores, sendo quarenta eleitos por suffragio directo e quarenta eleitos pelos vereadores em exercicio de todas as Camaras Municipaes do continente e ilhas adjacentes.

§ unico. Estas eleições far-se-hão nos termos e pela forma que uma lei especial indicar".

O Deputado pelo circulo n.° 21, Emidio Mendes

"Artigo 10.° O Senado será constituido por delegados dos districtos, eleitos pelo suffragio directo".

Lisboa, em 4 de agosto de 1911. = Sousa Junior.

A Assembleia Nacional Constituinte julgando que a doutrina do artigo 10.° do projecto em discussão contraria as aspirações de uma Republica progressiva, como tem de ser a nossa, continua na ordem do dia.

Lisboa, em 4 de agosto de 1911. = £0usa Junior.

"Artigo 10.° A Camara dos Deputados será eleita por suffragio directo".

O Senado será constituido do seguinte modo:

Metade dos senadores serão eleitos pela Camara dos Deputados, sendo os restantes eleitos por suffragio indirecto.

§ unico. Serão eleitores:

1.° Delegados dos corpos administrativos.

2.º Delegados do professorado primario, secundario, superior, especial e technico.

3.° Delegados dos agricultores, commerciantes, industriaes, operarios organizados em associações e syndicatos, assim como delegados de associações scientificas. = O Deputado, Tiago César Moreira Saltes.

"Art. 10.° A Camara dos Deputados é eleita por suffragio directo.

O Senado será constituido por sessenta Senadores eleitos por escrutinio secreto de entre os Deputados.

§ unico. O processo de eleição dos Deputados será regulado por lei especial".

Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911. -O Deputado, João Luis Ricardo.

Proponho a substituição do artigo 10.° pelo seguinte:

"Artigo 10.° As duas camaras serão eleitas por suffragio indirecto". = Manuel José de Oliveira.

Proponho que a materia do artigo 10.° seja ampliada pela introducção do numero:

"4.° Por officiaes superiores ou generaes delegados da armada e do exercito". = O Deputado pelo circulo n.° 55, Alfredo Rodrigues Gaspar.

Proponho que nos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 10.° sejam eliminadas as palavras "e provincias ultramarinas".

Lisboa, em 4 de agosto de 1911. = Antonio Bernardino Roque, Deputado.

"Os Senadores serão eleitos de entre os Deputados maiores de trinta annos". = O Deputado, Bernardo Paes de Almeida.

A Assembleia, considerando que a constituição do Senado pela forma proposta no artigo 10.° do projecto em discussão representa um attentado á soberania popular, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, em 4 de agosto de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Proponho a seguinte substituição aos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 10.° do projecto da Constituição:

"Os membros do Senado tambem serão eleitos pelo suffragio directo.

Todas as classes sociaes terão representantes nessa camara segundo a lei especial que regule o assunto".

Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de agosto de 1911.= Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Proponho para que o artigo 10.° fique assim redigido:

"A Camara dos Deputados é eleita pelo suffragio universal". = O Deputado, Sá Pereira.

Passando-se á votação, foram rejeitadas as propostas dos Srs. Egas Moniz, Pedro Martins, Bernardino Roque, Faustino da Fonseca e Jacinto Nunes.

Ficou prejudicada a proposta do Sr. Paes de Almeida em virtude do § 5.° do artigo 61.° do Regimento.

Lê-se o artigo 10.° para se votar.

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SESSÃO N.° 38 DE 4 DE AGOSTO DE 1911 23

O Sr. Egas Moniz (sobre o modo de votar): - Mando para a mesa a seguinte proposta relativamente á votação do artigo 10.°:

Proposta sobre o modo de votar

Proponho que o artigo 10.° seja assim votado:

1.° Que a primeira parte d'este artigo que diz: "Artigo 10.° A Camara dos Deputados é eleita pelo suffragio directo", seja votada independentemente da outra parte do mesmo artigo que constituirá um outro artigo.

2.° Que se vote em seguida se a eleição do Senado deve ser feita por suffragio directo ou indirecto.

3.° Que se votem isoladamente os numeros do mesmo artigo. = Egas Moniz.

O Sr. Sebastião Baracho: - A proposta agora apresentada pelo Sr. Deputado Egas Moniz é a reproducção de outra proposta que S. Exa. apresentou primitivamente.

Portanto não tem razão de ser.

Proponho que a votação se faça por periodos.

Parece-me que d'esta forma não alteramos a essencia do projecto e cada um pode manifestar isoladamente, a sua opinião, sobre cada um dos pontos de doutrina do artigo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Egas Moniz: - Como a ultima parte da minha proposta é igual á do Sr. Deputado Baracho, peço a V. Exa. que consulte a Assembleia sobre se permitte que eu retire a minha proposta.

Foi autorizado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu peço a V. Exa. se digne submetter á votação da Camara a minha proposta, que não mando por escrito por isso que o Regimento m'o impede.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia...

O Sr. Barbosa de Magalhães: -Não me parece haver necessidade de se votar a proposta do Sr. Deputado Sebastião Baracho por isso que sobre a mesa existem propostas de substituições que representam todas as correntes de opinião da Camara.

A votação por partes pode criar embaraços, difficuldades serias.

Portanto, havendo diversas substituições sobre que hão de incidir votações, entendo que o artigo se deve votar em conjunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Sebastião Baracho: - A proposta da commissão não é uma substituição, mas sim uma emenda, e como tal devia ter sido votada antes.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Emendas são as propostas que não alteram a doutrina do artigo.

O Sr. Sebastião Baracho: - As doutrinas são differentes.

A não se fazer a votação do artigo por periodos, eu desde já declaro que me abstenho de votar.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se approva a proposta do Sr. Deputado Sebastião Baracho.

Os Srs. Deputados que approvam tenham a bondade de se levantar; os que rejeitam conservam-se sentados.

Foi rejeitada.

Foi lido o artigo 10.º Posto á votação foi rejeitado.

Seguidamente foram lidas e rejeitadas as propostas de substituição dos Srs. Deputados Silva Ramos, Sebastião Baracho, Joaquim Pedro Martins, Faustino da Fonseca e Affonso de Lemos, ficando prejudicada a do Sr. Deputado Sidonio Paes, por motivo da rejeição da do Sr. Deputado Faustino da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se a substituição proposta pelo Sr. José Barbosa, em nome da commissão.

O Sr. Maia Pinto: -Requeiro a V. Exa. que consulte a Assembleia sobre se permitte que a votação da proposta de substituição apresentada pela commissão se faça por partes.

O Sr. Egas Moniz: - Se a Assembleia approvar o requerimento do Sr. Maia Pinto, quando votar a primeira parte da proposta da commissão terá de pronunciar-se sobre uma materia... que já rejeitou, ao votar a proposta de substituição do Sr. Deputado Paustino da Fonseca. Tudo quanto não seja votar essa proposta em conjunto, não se comprehende.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae proceder se á votação da proposta da commissão.

Os Srs. Deputados que approvam que a votação se faça por partes, como propôs o Sr. Maia Pinto, tenham a bondade de se levantar.

Leu-se na mesa o requerimento do Sr. Maia Pinto e foi approvado.

O Sr. João de Freitas: - Requeiro a contra-prova.

Vozes: - Não é preciso.

O Orador: - Mantenho o meu requerimento. Fez-se a contra-prova.

Uma voz: - Isto é perder tempo.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o primeiro periodo da proposta da commissão, que constitue o novo artigo 10.°

Leu-se na mesa e foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae ler se o § unico d'esse artigo.

Leu-se na mesa foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o terceiro periodo, artigo 10.°-A.

Leu-se na mesa, havendo duvidas sobre a sua approvação.

Uma voz: - Requeiro a contagem.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que approvam o favor de se conservarem de pé.

Procedeu-se á contagem. Foi approvado por 57 e rejeitado por 37.

O Sr. Presidente: - Está portanto approvada toda a proposta da commissão.

O Sr. Carneiro Franco: - Sr. Presidente: eu tinha apresentado uma proposta de substituição, que não foi votada.

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24 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Presidente: - Deve ser uma que não está assinada.

As outras propostas de substituições estão prejudicadas.

Participo á Assembleia que acabo de receber um telegramma do Sr. Governador Civil de Bragança, dando-me parte de ter fallecido o Sr. José Antonio Junqueiro, pae do nosso Ministro ha Suissa.

O Sr. João de Freitas: - Peco a palavra.

O Sr. Presidente: - A sessão foi prorogada só até a votação que acaba de realizar-se.

A proxima sessão é na segunda feira, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Justificações de faltas

Declaro que faltei tres dias á Camara por motivo de doença, que justificarei perante a commissão de faltas.

Lisboa, em 4 de agosto de 1911. = O Deputado, F. Teixeira de Queiroz.

Para a Secretaria.

Declaro que faltei ás sessões dos dias 20, 21, 24 e 25 de julho por ter ido a Coimbra concluir o meu curso na Faculdade do Medicina. = Bissaya Barreto.

Para a acta.

Representações

Da Commissão Municipal Administrativa de Oliveira do Bairro, protestando contra o decreto que nomeia para o cargo de sub-inspector o professor d'aquella villa Manuel da Maia Romão e pedindo que tal determinação seja revogada.

Para a secretaria, para ser enviada copia ao Sr. Ministro do Interior.

Da Camara Municipal de S. João da Pesqueira acompanhada de um officio, pedindo que seja annexada a freguesia de Custoias no concelho de João da Pesqueira.

Para a commissão de administração publica.

Srs. Deputados da Nação. - A Sociedade Protectora dos Animaes, de Lisboa, fundada pelo eminente cidadão José Silvestre Ribeiro, em 1875, durante os trinta e seis annos que já conta de existencia, tem sempre procurado, na defesa de tão justa causa da protecção aos seres inferiores, servir patrioticamente os interesses do Pais, contribuindo para a moralização dos costumes publicos, no intuito de que não possa ser, com verdade, desmentida a fama de civilizada, de que goza a Nação Portuguesa, e antes preoccupando-se em que tal fama aumente pelos mais justos titulos e razões.

No momento em que perante vós foi presente um projecto de lei, elaborado pela aggremiação nossa congenere do Porto, tendente a fixar e estabelecer, para todo o territorio português, uma lei geral de protecção aos animaes, tão dignos de justiça e de piedade como todos os outros seres da criação, não pode a Sociedade Protectora dos Animaes, de Lisboa, deixar de vir solicitar a vossa esclarecida attenção, para o referido projecto de lei, rogando-vos que não lhe recuseis nem demoreis a vossa approvação, ficando certos de que com ella não só prestaes um bello serviço á causa da civilização, como praticaes um nobilissimo acto de verdadeira justiça, a qual, como sabeis, não restringe nem exclue, sendo por igual devida a todos os auxiliares do homem.

Assim o comprehendeu a Camara dos Deputados da generosa nação que é a França, quando ha 62 annos completos, votou uma lei idêntica a esta, cuja approvação agora vos é pedida - a famosa lei Grammont - sanccionada pela Republica, e que desde 2 de julho de 1800, faz honra á legislação d'aquelle país.

Crendo-vos convencidos da utilidade da adopção do alludido projecto de lei, embora com as alterações que o vosso criterio entenda dever introduzir-lhe, e que possam contribuir para o aperfeiçoar e tornar mais efficaz nos louvaveis fins a que elle visa, a Sociedade Protectora dos Animaes, de Lisboa, muito folgará de em breve prazo poder congratular-se comvosco pela promulgação de tão necessaria quanto justa lei, que muito nobilitará os trabalhos da vossa Assembleia Legislativa, satisfazendo a uma antiga aspiração de todos os espirites cultos da nossa terra, como o é tambem dos outros países civilizados do globo.

Saude e Fraternidade. - Lisboa e Secretaria da Sociedade Protectora dos Animaes, em l de agosto de 1911.= Candido de Figueiredo = Eduardo Augusto da Rocha Dias = Pedro Augusto de Figueiredo =Pedro do Nascimento Leger = João Henrique de Mello Lorena = Carlos de Seixas = Pedro Roxa = Victor Verol = José Pinheiro de Mello - Alberto Bessa = José Americo Ghiglione Moreira = Emilio Ferreira - José Farinha.

Apresentante, o Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Apresentada pelo Sr. Deputado Fernão Botto Machado, a publicar no Diario da Assembleia Nacional Constituinte e enviada á commissão de legislação.

O REDACTOR = Mello Barreto.

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