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SESSÃO N.° 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 5

Mas o assunto de que tratou o Sr. Manuel José da Silva é um assunto que tão de perto conheço que ouso affirmar, sem receio de ser apodado de immodesto, que nenhum dos meus collegas nesta Assembleia o conhece em todas as suas minucias como eu; e isso justificará até certo ponto os detalhes em que sou forçado a entrar para expor á Camara a questão com toda a clareza.

O Sr. Manuel José da Silva expôs, e muito bem, á Assembleia as causas da crise da classe operaria da região cintrense.

Seja-me permittido, porem, expor mais desenvolvidamente as causas d'essa crise, porque conheço muito bem as condições da classe reclamante, visto que sou um profissional.

Todos os Governos teem esquecido ou ignorado a riqueza enorme que existe na região de Cintra sob o ponto de vista mineralógico, riqueza mal aproveitada, riqueza mal comprehendida, que representa no entanto muitos milhares de contos de réis, e que já tem servido para honrar o nosso nome na America e na Europa, podendo ainda comtudo muito mais honrá-lo, se á industria e á arte se concedesse os conhecimentos e a protecção que lhes faltam, e acima de tudo, se os Governos que teem governado este país tivessem conhecido esse manancial, até hoje, como já disse, tão esquecido ou tão ignorado.

A região mineralogica de Cintra pode considerar-se dividida em duas zonas, com caracteristicas absolutamente differentes e que sem grande erro podem ser assim definidas.

A primeira zona, constituida por uma enorme faixa que contorna até certo ponto as faldas da Serra de Cintra, do lado do nascente, e que abrange os logares de Terragem, S. João das Lampas, Cabriz e Naffarros, é abundante de um bardilho amarello listado, destinado em especial, depois de faceado, a construcções ligeiras e ainda a modestos trabalhos architecturaes.

Mais para o norte, numa grande extensão, alarga-se a segunda zona, que comprehende as povoações de Cabrella, Montelavar, Maceira, Fervença, Lameiras, etc., em que predominam não só os melhores marmores que concorrem até certo ponto, na architectura, na arte ornamental e na esculptura com os marmores de Garrara, mas ainda porphyros de variadas e lindissimas eôres, que igualmente na arte ornamental não soffrem a concorrencia do alabastro ou dos similares dos jazigos belgas e franceses.

Ha muitos seculos que se arrancam ali os melhores marmores, e apesar d'esses jazigos não terem grande extensão, entretanto a uns bancos succedem-se outros, sem que até hoje se tenha sentido sensivel differença.

Muitos edificios nossos com elles teem sido construidos e entre elles a basilica da Estrella, o convento de Mafra, a estatua equestre da Praça do Commercio, o edificio da nova Escola Medica de Lisboa, e tantos outros espalhados não só pelo país, mas ainda pela Africa e pelo estrangeiro, especialmente no Brasil, onde, entre outras jóias artisticas devidas em grande parte ao cinzel português, figura o Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro.

Mas ainda os bellos porphyros d'essa região, de cores variadas e brilhantes, como melhores não possuem a Belgica ou a França, abundam nos nossos principaes monumentos, nos retábulos das nossas igrejas e até na entrada d'essa peregrina jóia artistica que se chama a capella de S. João Baptista.

Posso assegurar que não temos era parte alguma marmores tão bellos pela sua consistencia e maleabilidade para o trabalho como em Cintra, podendo a sua importancia avaliar-se em muitos milhares de contos de réis. Constituem não só uma riqueza material incalculavel, mas ainda uma riqueza artistica, porque os nossos artistas, que os temos primorosos, não temem o confronto com outros artistas dos differentes países da Europa.

Posto isto rapidamente, vamos ver qual as principaes origens d'essa crise tão grave que de ha muito assoberba, aquella região.

As causas da crise são muitas e diversas.

Ainda hoje se fala, como uma sombra do passado, nos poucos exploradores do minerio que conseguiram reunir grandes fortunas que aliás nunca excederam 60 a 100 contos de réis.

Mas em Lisboa nesse tempo o industrialismo estava dividido em grandes casas, como as de Germano José de Salles, Castello, Cesario, e mais sete ou oito.

Encontrava se portanto essa industria na posse de meia duzia de individuos; a febre do lucro não tinha ainda invadido o industrialismo, mas houve um momento em que as casas de Lisboa começaram a multiplicar-se.

E o que fizeram os novos industriaes? Procuraram concorrer com as grandes casas na perfeição do trabalho? Não! baixaram o preço da mão de obra, querendo comprar lá fora por todo o preço, embora da peior qualidade, a materia prima que lhe era necessaria.

Homens que trabalhavam como encarregados debaixo das ordens dos industriaes, sujeitos a uma completa escravidão, começando a trabalhar antes do sol nascer para só abandonarem o trabalho quando a lua apparecia no horizonte, quiseram por seu turno tornar-se exploradores dos seus companheiros, e estabelecendo-se só tiveram em vista arranjar trabalho fosse por que preço fosse, contribuindo assim com esse ignaro egoismo para o estado actual das cousas.

É certo que a monarchia tambem só se lembrava d'elles quando, capitaneados pelos caciques, iam a Cintra votar em seu favor.

Fundou-se em tempos ali uma cooperativa de producção destinada a ser por assim dizer a reguladora de preços e horas de trabalho.

O que é certo, porem, é que esta cooperativa, por causas que aqui não discuto, foi-se transformando numa casa industrial pouco a pouco; uns accionistas abandonaram-na, outros venderam as acções e por fim a cooperativa veio a cair quasi na posse de determinado individuo.

Mas ainda outras são tambem as causas da crise que aquella região operaria atravessa, e entre ellas superabunda o desenvolvimento das serrações de marmore. Não se pode, é certo, deter a marcha do progresso, mandando fechar as serrações de marmore, mas que pelo menos ellas só possam serrar placas até uma grossura apenas sufficiente para a construcção de mausuleus.

Continuando como até aqui, dentro em breve serrar-se-hão blocos em todas as grossuras, simplificando extraordinariamente a manufactura e aggravando a crise que neste momento procuramos attenuar.

Impõe-se ainda a abertura de ramaes de caminho de ferro, não só para o transporte do minerio, mas ainda para a remoção dos desperdicios que, obstruindo as estradas, tornam mais difficil a laboração.

Finalmente é este um assunto para que chamo a attenção do Sr. Ministro do Fomento.

Os trabalhos do Estado são dados por concurso, mas estes são feitos de tal forma, que os concorrentes muitas vezes entendem-se uns com os outros, chegando até a pouca vergonha de cederem a troco de uma gratificação a qualidade de concorrentes em favor uns dos outros.

Urge portanto que de aqui para o futuro os concursos sejam abertos directamente entre os industriaes e operarios d'aquella região.

A miseria d'estes chega a ponto de ganharem só quinhentos a quinhentos e tantos réis por dia num trabalho violentissimo e expostos ás intemperies.

Sr. Presidente: peço a V. Exa. e á Camara que me relevem o tempo que lhes tomei; apenas quis accentuar as causas d'essa crise, que talvez seja transitoria, mas que não deixa de ser gravissima, e terminando agradeço á Camara a attenção com que me ouviu.