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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

40.ª SESSÃO

EM 8 DE AGOSTO DE 1911.

SUMMARIO. - Abre-se a sessão ás 2 horas e 25 minutos da tarde. - Lê-se a acta, que é approvada em seguida a uma declaração feita pelo Sr. João de Freitas.- Lê-se o expediente.

Antes da ordem do dia. - Foi approvada a ultima redacção do projecto de lei n.° 19, regulando o manifesto, o rateio e a moagem do trigo nacional.- O Sr. Angelo Vaz justifica uma proposta, que é approvada, para que o Sr. Presidente nomeie uma commissão de onze membros que estude as condições da carestia de generos. - Os Sra. Manuel José da Silva, Brandão de Vasconcellos, Alfredo Ladeira e Ladislau Piçarra tratam da questão dos trabalhadores, e em especial do trabalho dos canteiros da região de Cintra, respondendo aos dois primeiros o Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho).- Requerem documentos os Srs. Cruz Macedo e França Borges.- Apresentam notas de interpellação os Srs. Padua Correia e Dantas Baracho.

Ordem do dia.- Continua em discussão o projecto do lei n.° 3 (Constituição), de que são approvados os artigos 19.° a 22.° com algumas modificações.- Encerra-se a sessão ás 6 horas e 40 minutos da tarde, marcando o Sr. Presidente sessão para as 9 horas da noite com a mesma ordem de trabalhos.

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2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão. - Ás 2 horas e 25 minutos da tarde.

Presentes - 162 Srs. Deputados.

São os seguintes Srs.: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra. Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Bran dão de Vasconcellos, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida de Castro, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José de Freitas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Miranda do Valle, José Nunes da Mata, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Foaseja, José Tristão Paes de Figueiredo, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Ramiro Guedes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Tiago Moreira Salles, Tito Augusto de Moraes e Victorino Henriques Godinho.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Xavier Correia Barreto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Helder Armando dos Santos Ribeiro, João José Luis Damas, Joaquim Ribeiro de Carvalho, José de Castro, José Maria de Padua, Luis innocencio Ramos Pereira, Manuel de Arriaga, Ricardo Paes Gomes e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alvaro Nunes Ribeiro, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Granjo, Antonio José de Almeida, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Inacio Magalhães Basto, João Carlos Nunes da Palma, João Gonçalves, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Theophilo Braga, José Augusto Simas Machado, José Carlos da Maia, José Maria Cardoso, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Montez, José Perdigão, José do Valle Matos Cid, Leão Magno Azedo, Manuel José Fernandes Costa, Manuel de Sousa da Camara, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Sebastião de Magalhães Lima, Thomé José de Barros Queiroz, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victor José de Deus Macedo Pinto e Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

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SESSÃO N.° 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Procede-se á chamada.

Vae proceder-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 98 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Vae ler-se a acta.

O Sr. João de Freitas: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que na votação do artigo 10.° do projecto, votei contra a eleição directa do Senado. = O Deputado, João de Freitas.

O Sr. Presidente: - Está a acta em discussão. Ninguem pede a palavra, considera-se approvada.

A Assembleia approvou.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o expediente.

É lido o seguinte

EXPEDIENTE

Telegrammas

Bragança, 4 de agosto.- Exmo. Deputado João de Freitas. - A commissão municipal, representando o partido republicano d'este concelho, pede a V. Exa. apresente suas saudações toda a Camara e seu digno Presidente, protestando energicamente contra procedimento aquelles que tentarem perturbar trabalhos parlamentares tão necessarios ao resurgimento da nossa querida Patria. = O Presidente, Francisco Morgado.

Para a Secretaria.

Bragança. - Exmo. Deputado Victorino Guimarães.- A commissão municipal, representando o partido republicano d'este concelho, pede a V. Exa. apresente suas saudações toda a Camara e seu digno Presidente, protestando energicamente contra procedimento aquelles que tentarem perturbar trabalhos parlamentares tão necessarios ao resurgimento nossa querida Patria. - O Presidente, Francisco Morgado.

Para a Secretaria.

Odemira. - Exmo. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte - Lisboa. - Centro republicano Odemirense protesta energicamente contra promotores tumultos havidos Largo Cortes, 2 corrente. == Presidente, Jacinto Campos.

Para a Secretaria.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. - Communico a V. Exa. que as minhas faltas ás sessões dos dias 1 a 4 do corrente, foram motivadas por ter tido de acompanhar, como seu ajudante de campo, o Sr. Ministro da Guerra na sua visita ás tropas estaciona das na fronteira do Minho.

Saude e Fraternidade. - Helder Ribeiro, Deputado pelo circulo n.° 28.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados attenção para a ultima redacção do projecto de lei sobre cereaes.

Lê-se na mesa o seguinte.

Projecto de lei

A Assembleia Nacional Constituinte, em nome da Nação, decreta:

Artigo 1.° No actual anno cerealifero o manifesto, o rateio e a moagem do trigo nacional serão regulados pelas disposições seguintes:

1.ª Durante o mês de setembro o Governo mandará proceder á chamada, para manifesto, dos trigos nacionaes disponiveis para a venda. Este manifesto poderá ser feito até o dia 30, tanto pelos productores como pelos detentores de trigo nacional.

2.ª As fabricas de moagem matriculadas não será distribuida, em cada um dos meses do actual anno cerealifero, uma quantidade de trigo rijo superior a 4.000:000 de kilogrammas.

3.ª Durante os meses de agosto a novembro serão as fabricas matriculadas obrigadas a comprar em cada mês 16.000:000 de kilogrammas de trigo nacional que for manifestado, observando-se a disposição 2.ª d'este artigo.

4.ª O trigo nacional manifestado até 30 de setembro, e que não for distribuido nos termos da anterior disposição, será adquirido pelas fabricas matriculadas durante os restantes meses do anno cerealifero, por oitavos, observando-se, quanto ao trigo rijo, o estabelecido na disposição 1.ª e dando-se preferencia, na distribuição, ao trigo manifestado pelos productores.

5.ª Nos meses de agosto e setembro será feita a distribuição, pelas fabricas matriculadas, do trigo nacional manifestado pelos productores na quantidade e pela forma indicada nas disposições anteriores.

6.ª Para todos os effeitos d'esta lei consideram-se matriculadas as fabricas que no anno cerealifero findo laboraram em regime de matricula e até esta data não foram eliminadas por decreto ou despacho ministerial.

7.ª Durante o actual anno cerealifero as fabricas matriculadas só poderão laborar se cumprirem as disposições d'esta lei e as da carta de lei de 14 de julho de 1899 que continuarem em vigor.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Visto. - Lisboa, 7 de agosto de 1911. = Arriaga = F. Queiroz = Lemos.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

O Sr. Angelo Vaz: - Peço a palavra para um negocio urgente.

Varios Srs. Deputados pedem igualmente a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Angelo Vaz pediu a palavra para um negocio urgente. S. Exa. deseja tratar do excessivo preço de alguns generos de primeira necessidade.

Os Srs. Deputados que approvam a urgencia, tenham a bondade de se cantar.

A Assembleia reconheceu a urgencia.

O Sr. Angelo Vaz: - Eu pedi a palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, unicamente para apresentar uma proposta. Não produzo considerações sobre ella, porquanto julgo absolutamente desnecessario produzi-las para o fim de a justificar.

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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

é a seguinte:

Proposta

Proponho que o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, usando da faculdade conferida pelo Regimento, nomeie uma commissão parlamentar de onze membros que estude as condições economicas legadas pela monarchia que ainda affectam o preço de alguns generos de primeira necessidade e, de acordo com o Governo da Republica, apresente o mais breve possivel a esta Camara as medidas que julgar necessarias á solução de um problema que tanto interessa á vida do povo português. - O Deputado, Angelo Vaz.

Como V. Exa. vê e a Assembleia, esta proposta corresponde á urgencia de momento, devendo merecer a attenção de nós todos. (Apoiados).

É necessario que a Assembleia acompanhe a vida do povo, visto como nós não somos mais do que uns simples delegados d'esse povo. (Apoiados). É necessario que saibamos acompanhar o povo em todos os momentos difficeis da sua vida. (Apoiados).

É claro que eu sei perfeitamente que o preço de todos os generos está subordinado a determinadas condições economicas que não é dado muitas vezes modificar, e, por isso, na proposta que tenho a honra de submetter á apreciação da Assembleia, entendo que essa commissão, nomeada pela Presidencia, apenas tem a seu cargo o estudo d'essas condições, para depois propor as justas medidas, dentro do possivel, para debellação do mal.

Termino, Sr. Presidente, requerendo a urgencia para a minha proposta.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae ser lida a proposta do Sr. Deputado Angelo Vaz.

Leu-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam a urgencia, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Está a proposta em discussão

Pausa.

Ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Em seguida approvou-se a proposta.

O Sr. Presidente: - Vae realizar-se a discussão da crise que afflige o operariado de construcção civil da região das pedreiras de Cintra.

Está aberta a inscrição.

Varios Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sr. Manuel José da Silva: - Trata-se de uma crise que apparentemente affecta uma classe de determinada região, mas elle, orador, quando se occupa de assuntos d'esta ordem, o que procura é, encarando o problema sob o ponto de vista geral, ver quaes são as razões que determinaram essa crise.

A crise que actualmente affecta o país não interessa simplesmente a construcção civil mas todas as classes, e as suas causas, pode dizer-se, não prejudica só o operario português, mas os de todos os países.

O problema economico do nosso país tem sido mal cultivado por uns, mal ensinado por outros e mal comprehendido por todos.

Elle, orador, dedica-se a esses estudos desde 1878, pois tendo tido a felicidade de ser vizinho de Oliveira Martins com elle aprendeu a occupar-se de assuntos economicos, constatando que ha muita riqueza em poucas mãos, ao passo que o- numero de trabalhadores, a quem a vida se torna cada vez mais difficil, aumenta progressivamente.

Começou a comprehender isso aos vinte annos, e é sob esse criterio que elle, orador, e todos os socialistas - que sobre problemas sociaes não fazem o seu juizo apenas pelas discussões da imprensa-formam as suas opiniões.

Entendeu sempre, como entende hoje, que o nosso país está mal, mas essa enfermidade não é particular a Portugal, comquanto entre nós esteja aggravada por varios motivos, é de todo o mundo.

Quando se trata da crise economica ou mesmo politica - porque se não comprehende a politica separada do problema economico - deve-se fazer, com respeito á sociedade, o que faz um medico em relação a um doente; isto é, indaga as origens da doença e para isso, é necessario saber de que morreram os pães do enfermo ou os avós, de que moléstia soffreram as gerações anteriores, para então se poder fazer um diagnostico seguro. Se este porem for errado, não ha tratamento que cure a doença.

Elle, orador, como todos os socialistas que se occupam a serio d'este assunto, entende que não se pode avaliar da enfermidade de uma sociedade sem se saber de onde nascem as crises.

Os 400.000:000 de habitantes que se diz ter a Europa estavam divididos, ha 200 annos, em 300.000:000 de pobres e 100.000:000 de ricos, mas actualmente o numero de pobres elevou se a 350.000:000, passando o numero de ricos a 50.000:000, e com a circunstancia aggravante de que, de antes os que eram pobres, eram pobres, mas podiam viver, ao passo que hoje, não só são pobres, como não podem resistir ás exigencias da vida.

Expõe o orador estas impressões, com a certeza de que todos o comprehendem; pois fala numa assembleia de homens muito illustrados, que certamente reconhece que a crise no nosso país, que actualmente é muitissimo sentida, não está, comtudo circunscrita a certas classes das construcções civis.

Os operarios de Cintra queixam-se de que as officinas de serrar, a vapor, lhes fazem grave concorrencia. E um facto, mas não só essa circunstancia lhes produz o mal estar. Este vem tambem, e principalmente, de que a crise que affecta outras classes não permitte que ellas dêem emprego a maior numero de braços.

E, sendo assim, o que se vê é que o problema economico não é facil solucionar e tem de ser encarado sob um aspecto geral.

O que os operarios da construcção civil pedem ao Governo é que decrete medidas que possam attenuar a sua situação, e satisfazendo esse pedido, elle, orador, vae apresentar um projecto, que julga o Governo acceitará bem, relativamente ao pessoal da construcção civil.

Manda tambem para a mesa um projecto de lei sobre a criação de um instituto, á semelhança do Instituto de Reformas Sociaes, existente em Espanha.

Foram admittidos.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Gastão Rodrigues: - V. Exa. dá licença? É simplesmente para dizer ao Sr. Manuel José da Silva que tenho tambem um projecto de lei exactamente nas mesmas condições.

O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente: nunca pretendo tomar á Assembleia o tempo que ella possa mais utilmente occupar discutindo os altos interesses da Patria e da Republica.

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Mas o assunto de que tratou o Sr. Manuel José da Silva é um assunto que tão de perto conheço que ouso affirmar, sem receio de ser apodado de immodesto, que nenhum dos meus collegas nesta Assembleia o conhece em todas as suas minucias como eu; e isso justificará até certo ponto os detalhes em que sou forçado a entrar para expor á Camara a questão com toda a clareza.

O Sr. Manuel José da Silva expôs, e muito bem, á Assembleia as causas da crise da classe operaria da região cintrense.

Seja-me permittido, porem, expor mais desenvolvidamente as causas d'essa crise, porque conheço muito bem as condições da classe reclamante, visto que sou um profissional.

Todos os Governos teem esquecido ou ignorado a riqueza enorme que existe na região de Cintra sob o ponto de vista mineralógico, riqueza mal aproveitada, riqueza mal comprehendida, que representa no entanto muitos milhares de contos de réis, e que já tem servido para honrar o nosso nome na America e na Europa, podendo ainda comtudo muito mais honrá-lo, se á industria e á arte se concedesse os conhecimentos e a protecção que lhes faltam, e acima de tudo, se os Governos que teem governado este país tivessem conhecido esse manancial, até hoje, como já disse, tão esquecido ou tão ignorado.

A região mineralogica de Cintra pode considerar-se dividida em duas zonas, com caracteristicas absolutamente differentes e que sem grande erro podem ser assim definidas.

A primeira zona, constituida por uma enorme faixa que contorna até certo ponto as faldas da Serra de Cintra, do lado do nascente, e que abrange os logares de Terragem, S. João das Lampas, Cabriz e Naffarros, é abundante de um bardilho amarello listado, destinado em especial, depois de faceado, a construcções ligeiras e ainda a modestos trabalhos architecturaes.

Mais para o norte, numa grande extensão, alarga-se a segunda zona, que comprehende as povoações de Cabrella, Montelavar, Maceira, Fervença, Lameiras, etc., em que predominam não só os melhores marmores que concorrem até certo ponto, na architectura, na arte ornamental e na esculptura com os marmores de Garrara, mas ainda porphyros de variadas e lindissimas eôres, que igualmente na arte ornamental não soffrem a concorrencia do alabastro ou dos similares dos jazigos belgas e franceses.

Ha muitos seculos que se arrancam ali os melhores marmores, e apesar d'esses jazigos não terem grande extensão, entretanto a uns bancos succedem-se outros, sem que até hoje se tenha sentido sensivel differença.

Muitos edificios nossos com elles teem sido construidos e entre elles a basilica da Estrella, o convento de Mafra, a estatua equestre da Praça do Commercio, o edificio da nova Escola Medica de Lisboa, e tantos outros espalhados não só pelo país, mas ainda pela Africa e pelo estrangeiro, especialmente no Brasil, onde, entre outras jóias artisticas devidas em grande parte ao cinzel português, figura o Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro.

Mas ainda os bellos porphyros d'essa região, de cores variadas e brilhantes, como melhores não possuem a Belgica ou a França, abundam nos nossos principaes monumentos, nos retábulos das nossas igrejas e até na entrada d'essa peregrina jóia artistica que se chama a capella de S. João Baptista.

Posso assegurar que não temos era parte alguma marmores tão bellos pela sua consistencia e maleabilidade para o trabalho como em Cintra, podendo a sua importancia avaliar-se em muitos milhares de contos de réis. Constituem não só uma riqueza material incalculavel, mas ainda uma riqueza artistica, porque os nossos artistas, que os temos primorosos, não temem o confronto com outros artistas dos differentes países da Europa.

Posto isto rapidamente, vamos ver qual as principaes origens d'essa crise tão grave que de ha muito assoberba, aquella região.

As causas da crise são muitas e diversas.

Ainda hoje se fala, como uma sombra do passado, nos poucos exploradores do minerio que conseguiram reunir grandes fortunas que aliás nunca excederam 60 a 100 contos de réis.

Mas em Lisboa nesse tempo o industrialismo estava dividido em grandes casas, como as de Germano José de Salles, Castello, Cesario, e mais sete ou oito.

Encontrava se portanto essa industria na posse de meia duzia de individuos; a febre do lucro não tinha ainda invadido o industrialismo, mas houve um momento em que as casas de Lisboa começaram a multiplicar-se.

E o que fizeram os novos industriaes? Procuraram concorrer com as grandes casas na perfeição do trabalho? Não! baixaram o preço da mão de obra, querendo comprar lá fora por todo o preço, embora da peior qualidade, a materia prima que lhe era necessaria.

Homens que trabalhavam como encarregados debaixo das ordens dos industriaes, sujeitos a uma completa escravidão, começando a trabalhar antes do sol nascer para só abandonarem o trabalho quando a lua apparecia no horizonte, quiseram por seu turno tornar-se exploradores dos seus companheiros, e estabelecendo-se só tiveram em vista arranjar trabalho fosse por que preço fosse, contribuindo assim com esse ignaro egoismo para o estado actual das cousas.

É certo que a monarchia tambem só se lembrava d'elles quando, capitaneados pelos caciques, iam a Cintra votar em seu favor.

Fundou-se em tempos ali uma cooperativa de producção destinada a ser por assim dizer a reguladora de preços e horas de trabalho.

O que é certo, porem, é que esta cooperativa, por causas que aqui não discuto, foi-se transformando numa casa industrial pouco a pouco; uns accionistas abandonaram-na, outros venderam as acções e por fim a cooperativa veio a cair quasi na posse de determinado individuo.

Mas ainda outras são tambem as causas da crise que aquella região operaria atravessa, e entre ellas superabunda o desenvolvimento das serrações de marmore. Não se pode, é certo, deter a marcha do progresso, mandando fechar as serrações de marmore, mas que pelo menos ellas só possam serrar placas até uma grossura apenas sufficiente para a construcção de mausuleus.

Continuando como até aqui, dentro em breve serrar-se-hão blocos em todas as grossuras, simplificando extraordinariamente a manufactura e aggravando a crise que neste momento procuramos attenuar.

Impõe-se ainda a abertura de ramaes de caminho de ferro, não só para o transporte do minerio, mas ainda para a remoção dos desperdicios que, obstruindo as estradas, tornam mais difficil a laboração.

Finalmente é este um assunto para que chamo a attenção do Sr. Ministro do Fomento.

Os trabalhos do Estado são dados por concurso, mas estes são feitos de tal forma, que os concorrentes muitas vezes entendem-se uns com os outros, chegando até a pouca vergonha de cederem a troco de uma gratificação a qualidade de concorrentes em favor uns dos outros.

Urge portanto que de aqui para o futuro os concursos sejam abertos directamente entre os industriaes e operarios d'aquella região.

A miseria d'estes chega a ponto de ganharem só quinhentos a quinhentos e tantos réis por dia num trabalho violentissimo e expostos ás intemperies.

Sr. Presidente: peço a V. Exa. e á Camara que me relevem o tempo que lhes tomei; apenas quis accentuar as causas d'essa crise, que talvez seja transitoria, mas que não deixa de ser gravissima, e terminando agradeço á Camara a attenção com que me ouviu.

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O Sr. Brandão de Vasconcellos: - Pedi a palavra exclusivamente porque resido na região cintrense e se trata de uma questão que interessa em toda a sua economia.

Entendi por isso que não podia deixar de me associar a todos os votos no sentido de obviar a esta crise extraordinaria e concorrer para que se tomassem desde já medidas proficuas e efficazes.

Já os Srs. Deputados Silva e Ladeira disseram que esta crise, embora seja local, é de caracter geral e não é com medidas transitorias que se pode debellar. Em todo o caso é muito violenta; é preciso fazê-la recuar, empregando quaesquer medidas, e foço votos por que ellas appareçam, porque a população do concelho de Cintra, que vem reclamando, tem qualidades importantes de trabalho e tem uma qualidade muitissimo para attender no nosso país, qual é o amor pelo seu torrão natal. Não procura sair de lá, não emigra, mesmo que ali viva nas mais difficeis condições.

E por consequencia bom que a auxiliemos, adoptando desde já quaesquer medidas que modifiquem a actual situação.

Eu sei que ha grandissimas difficuldades nos meios a adoptar para fazer face á crise; entretanto parece-me que o que era necessario desde já era procurar a forma de a debellar, tanto no que respeita á construcção como á exploração.

É necessario que o Sr. Ministro do Fomento adopte uma orientação geral, sobretudo encetando-se trabalhos que sejam de interesse publico, e que, abrindo-se esses trabalhos, se aproveite o material que vem de Cintra; mas que não aconteça o que aconteceu com a muralha do Carmo, em que primeiro se lavaram as pedras, depois se deitaram abaixo os reboucos das paredes para depois se lhes fazerem uns buracos, o que representa trabalho perdido e caro.

Deve haver boa orientação nestes serviços, para não estarem as obras do Estado á espera da solução das crises e depois então serem empregados os materiaes, como se está dando presentemente.

Era isto que tinha a dizer.

Não vim intrometter-me na questão, que foi muito bem tratada pelos Srs. Deputados Silva e Ladeira; vim, simplesmente, como regional de Cintra, associar-me a todos aquelles que possam concorrer para modificar a situação critica d'aquella região.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente e meus Senhores: a questão operaria é uma questão que por todos os titulos me interessa de ha muito.

Sobre este incidente vou expor muito rapidamente o meu modo de ver sobre as causas geraes da crise que atravessa a região cintrense.

Eu, Sr. Presidente, não tive a fortuna de ser vizinho do Sr. Oliveira Martins, para aprender as suas doutrinas, mas, pelo exercicio da minha profissão, tenho vivido constantemente em contacto com as classes operarias e, d'esse contacto, resultou a noção clara de que a grande crise que o operariado português atravessa, é a consequencia fatal da profunda ignorancia em que se encontram as camadas populares, e ainda dos habitos nocivos que as dominam ...

A classe operaria em Portugal entende que o Estado deve ser o Estado Previdencia. É um grave prejuizo que nos foi transmittido pela extincta monarchia.

Ora, é necessario que nós agora, em pleno regime republicano, mudemos de orientação e façamos com que as classes operarias, por si, procurem resolver o problema que as affecta, contando com o Governo apenas para as auxiliar nos seus justos esforços. Eu entendo que os Governos devem fomentar e proteger a iniciativa particular, mas nunca absorver essa iniciativa.

Tenho sido um apostolo das associações de classe, e, tenho-o sido, unicamente porque entendo que os operarios, associados e bem orientados, é que podem resolver as crises que os affectarem.

Uma das grandes crises, que affecta o operariado português, é a crise de chômage; isto é, falta de trabalho, e o que afflige agora os operarios das pedreiras, é apenas uma parcela d'essa gravissima crise de chômage, crise que fere quasi todas as classes proletarias do país.

Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, lá fora, onde se estuda o problema economico a valer, onde o operariado tem a consciencia do papel que deve desempenhar na sociedade, esse problema está sendo atacado, e como?

Pelas cooperativas operarias, pelas caixas economicas, pelas bolsas de trabalho e pelo mutualismo.

Mas nós olhamos para o nosso operariado, e o que vemos?

Vemos que a maior parte, em vez de viver dentro da associação, para se educar e aprender a economizar, se lança nas casas de bebidas, a envenenar o cerebro e a gastar o magro salario que recebe, e depois vem para a praça publica queixar-se de que tem fome. (Apoiados).

Eu sou o primeiro a reconhecer que devemos attender ás necessidades dos operarios; mas devemos dizer-lhes que elles teem deveres sagrados a cumprir, e que é necessario serem economicos.

Em Portugal, entre os grandes defeitos que tem o caracter nacional - embora tambem possuamos grandes virtudes- figura o da imprevidencia, sobretudo, nas classes desprotegidas.

Ora não ha sociólogo algum que não accentue que a falta de previdencia é um symptoma de inferioridade mental.

Se nós proclamamos a Republica para rejuvenescer a sociedade portuguesa, temos de começar pela educação do caracter, que consiste no aperfeiçoamento das boas qualidades de espirito.

Resumindo, porque eu tinha muito a dizer, mas não quero cansar a Camará...

Uma voz: - Não é só nos operarios, é em todos.

O Orador: - Infelizmente; mas como eu estou dirigindo as minhas palavras á classe operaria, quero de proposito accentuar o caminho que tem a seguir essa classe para subir na escala social.

Sei que, infelizmente, essa doença afflige toda a sociedade portuguesa, mas é preciso que saiamos d'esta decadencia.

Vamos ao ponto fundamental: as crises da classe operaria, entendo eu, devem ser resolvidas principalmente por iniciativa da propria classe, dispensando-lhe apenas o Governo o auxilio que ella careça.

Para isso, é necessaria a associação, debaixo das variadas formas; mas o nosso operariado, infelizmente, não tem educação associativa porque, na sua grande maioria, é analfabeto, não tem comprehensão nenhuma do que é uma questão social; deixa-se arrastar por qualquer impulso de momento, e é incapaz de raciocinar sobre as condições que o podem levar á sua felicidade.

A primeira cousa a fazer é preparar ás gerações futuras um espirito completamente differente do espirito das gerações actuaes.

É por isso que eu dirijo um instante appello á Republica, lembrando-lhe que o seu primeiro passo, para que ella possa contribuir poderosamente para a regeneração da sociedade portuguesa, é organizar bem a escola primaria. (Apoiados). Mas para essa escola primaria produzir os frutos que d'ella devemos esperar, é necessario que, com a organização da escola primaria, se reorganize a

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assistencia infantil, de maneira que não haja criança nenhuma que deixe de gozar os beneficios da educação.

Este problema é fundamental e a Constituinte faltaria á sua elevada missão, se não organizasse a assistencia infantil e o ensino primario, mas o ensino primario moderno. (Apoiados).

Depois de organizar o ensino primario com a orientação moderna, nós precisamos de organizar o ensine profissional, de forma que o operario se vá preparando para as industrias, com a devida capacidade technica, e não continue, como até agora, arrebanhado pelos industriaes, muitas vezes somente para lhe matar a fome, porque elle não tem competencia para exercer a arte ou industria a que é chamado.

Depois do operario ter certos conhecimentos, certo desenvolvimento intellectual, é que poderá organizar associações de classe, caixas economicas, cooperativas e bolsas de trabalho.

A causa fundamental do atraso do operario está na ignorancia em que elle vive; é preciso combater essa ignorancia por meio do ensino, e tudo o que se faça agora não passará de medidas de mero expediente.

O que desejo accentuar bem é que não acredito que se possa resolver a questão operaria ou qualquer questão social, em Portugal, sem haver uma completa remodelação no ensino publico.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Sr. Presidente: se houvesse mais algum orador inscrito sobre este assunto, pedia a V. Exa. a fineza de lhe conceder a palavra. O assunto não foi generalizado?

O Sr. Presidente: - Não senhor.

O Orador: - Nesse caso vou usar da palavra ...

O Sr. Presidente: - E tem só cinco minutos.

O Orador: - Vou ver se posso aproveitar, da melhor maneira, esses cinco minutos; mas, antes, deixe-me V. Exa. significar o meu grande regozijo por ver que a Assembleia Constituinte se occupa tão proficiente e apaixonadamente das questões economicas.

Estas paredes devem ter tido grande surpresa, porque nunca as questões economicas, nos muitos annos que aqui tem reunido o Parlamento, encontraram quem tratasse d'ellas com este carinho, este amor e proficiencia com que estão sendo tratadas na Assembleia Constituinte.

Isto dá, para mim, a garantia de que, do vez, nós renunciamos a essas lutas estereis de baixa intriga politica para considerar o problema social no seu aspecto mais grave, naquelle aspecto em que aproveita á Republica preparar a sua resolução.

Dito isto, vou cingir-me ao assunto.

A questão de Cintra foi, meramente, pretexto bem aproveitado para na Assembleia Constituinte se expor o problema da classe operaria. Fez o Sr. Silva muito bem em aproveitar a representação dos operarios das pedreiras para chamar a attenção do país para este assunto.

Mas, Sr. Presidente, se eu quisesse tratar esta questão sob o ponto de vista technico, se me tivesse preparado para o fazer, tinha de renunciar a esse proposito, tão proficientemente o fez o Sr. Alfredo Ladeira, e, é com immensa satisfação que vejo que os Deputados socialistas puseram perante o Parlamento, que lá fora chamam burguês, a questão operaria, e por uma forma tal que conciliaram a nossa sympathia e nos collocou num terreno em que podemos trabalhar com elles como bons republicanos e patriotas que todos somos.

Disse o Sr. Manuel José da Silva que havia um regulamento para a construcção civil...

Vozes: - Não se ouve. Mais alto.

O Orador: - Houve com effeito um retrahimento nas construcções particulares, mas não o houve nas obras do Estado.

Com effeito, todo o particular que não ficou, desde 5 de outubro, convencido de que a Republica estava feita de pedra e cal, e de que a monarchia estava definitivamente perdida, tratou de fazer economias, e uma d'ellas foi sustar todos os trabalhos de construcção, vindo de ahi uma crise, que se reflectiu nos cofres do Thesouro, por muitas centenas de contos de réis.

Nas obras do Estado, porem, como já disse, não houve nenhuma paralysação. Pelo contrario, houve maior affluencia de trabalho.

Estive ha poucos dias em Mafra. Perguntei ao almoxarife, se havia algumas obras a realizar, e a resposta que obtive foi que não havia obra alguma de utilidade a fazer-se.

Sobre a alvitrada remoção dos moledos, não é facil, porquanto a tarifa que pagariam no caminho de ferro seria grande; e tambem o Estado os não pode aproveitar para as estradas, porque se convertem empoeira, e sendo empregaveis nas estradas do Alemtejo, a conducção, ainda que as tarifas fossem baixas, os tornariam caros.

Quanto á serração da pedra, é um ponto muito importante. E a questão das machinas, velha e grave, na concorrencia com o trabalho nacional.

Para que é que o industrial faz acquisição de machinas? Naturalmente porque isso lhe dá maiores vantagens. Ou, ir o Estado dizer ao industrial que não siga esse systema, o mesmo era que dizer-lhe que fechasse a fabrica. É, pois, completamente impossivel que a Assembleia Nacional Constituinte chame a attenção do Governo para dizer tal cousa ao industrial. Seria uma disposição inteiramente abusiva da parte do Estado.

Mas as circunstancias harmonizam muitas vezes a concorrencia, e os conflictos desapparecem rapidamente pela collaboração do operario e da machina, sendo assim os dois igualmente contribuintes da mesma riqueza. (Apoiados).

Numa visita que fiz á fabrica do Caramujo, estando ella na posse dos operarios, porque o dono tinha sido posto fora da sua propriedade, e os operarios é que estavam na posse da casa, na posso de muitas centenas de contos, mostraram-me esses operarios a fabrica e andavam com um certo desvanecimento mostrando todas as machinas, quando me disseram: a Veja V. Exa., aqui dentro de tudo isto não ha senão quatro operarios". "Quatro operarios? lhes disse eu surprehendido, pois imaginava que bastaria um operario, com este machinismo tão perfeito; mas se são precisos quatro operarios isto está ainda muito rudimentar".

Citei este pequeno facto para mostrar como o Governo tem respeitado o direito á greve e á propriedade, não se exercendo da parte do Governo a mais pequena violencia para restringir esse direito.

Tal é o destino da machina: obrigar o operario a ter outra occupação.

Mas na representação pede-se para eu mandar construir um observatorio meteorologico em Cintra.

Devo dizer que já foi escolhido um ponto para a installação de um posto meteorologico.

Foi estudado, simplesmente hoje se viu que estava mal estudado; era uma grosseira macaqueação do Castello dos Mouros, e espero me seja apresentado novo projecto.

Mas devo dizer que isso não dá quasi nada que fazer...

Quanto aos Jeronymos, os trabalhos ainda não acabaram.

Estão ali empregados trinta operarios, não havendo possibilidade de admittir mais algum.

Relativamente aos trabalhos das Cortes, eu devo dizer que elles teem continuado com a maxima regularidade, de

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

harmonia com as verbas inscritas para esse fim no Orçamento.

Temos gasto muito dinheiro com a lavagem das fronteiras de diversos edificios publicos, bem como com as reparações no pardieiro da Boa Hora e outros trabalhos de improviso, sem plano nem orçamento.

Mas o meu successor encontrará alguma cousa feita neste sentido, de forma a melhor empregar o dinheiro do Estado pelo trabalho aos operarios e applicação de materiaes.

Tenho procurado por todas as formas deixar alguns trabalhos planeados.

Com as obras dos Institutos Industrial e de Agronomia, os operarios canteiros, pedreiros, etc., terão trabalho para um anno e meio ou dois annos.

Sr. Presidente, não digo que sou socialista, porque já não ha ninguem que o não seja, mas francamente discordo por completo da maneira como são encaminhadas estas questões.

Não quero abusar da paciencia da Camara e por isso vou terminar as minhas considerações.

O Sr. Silva mandou para a mesa dois projectos de lei. No primeiro propõe que se autorize o Governo a applicar a obras todas as verbas disponiveis pelos Ministerios.

Sr. Presidente, se o Governo recebesse estas autorizações, taes verbas não chegariam, sequer para comprar o mais pequeno modelo disponivel em Cintra.

Tanto isto é assim, que é o Ministerio do Fomento que está custeando as obras a que se está procedendo nos arsenaes do exercito e da marinha.

O Sr. Silva propôs tambem a constituição de um posto de trabalho.

Devo dizer que, embora por outra forma, tenho procurado garantir o trabalho, projectando dar ás associações operarias o maximo desenvolvimento.

Devo notar, para terminar, umas palavras d'esta representação que ha de ser publicada no Diario do Governo e que poderão não ter chamado a attenção de todos os Deputados, e friso este ponto porque é realmente sympathico. São as seguintes essas palavras:

Leu.

Sr. Presidente: estas palavras são a repercussão das palavras do final do discurso do Sr. Ladeira.

A Republica não melhorou a situação do operariado, mas o facto é que alguma cousa resultou que, patrioticamente, fez transformar a situação para todos os individuos que de longe vinham reclamando.

Desejaria que a Republica amanhã pudesse contribuir para melhorar a situação do operariado.

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

O Orador: - Sr. Presidente: eu já ouço pedir a ordem. Não quero contribuir para que nos demoremos fora d'ella e por isso termino por aqui as minhas considerações, pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomei.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Carecemos de interpellar o Sr. Ministro do Fomento acêrca da materia constante da representação entregue hontem ao Sr. Presidente d'esta Assembleia pela Commissão Central das Artes Têxteis e de assuntos correlativos. = Sebastião Baracho = Alfredo Maria Ladeira = Manuel José da Silva.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, pelo que convido os Srs. Deputados, que tiverem papeis a apresentar, a enviá-los para a mesa.

O Sr. Fernando da Cruz Macedo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelos differentes Ministerios me seja fornecida relação de todos os Srs. Deputados que, durante a sessão da Constituinte, receberam do Governo logares retribuidos, com designação d'estes e respectiva retribuição.

Lisboa, Sala das Sessões, em 8 de agosto de 1911.= O Deputado, Fernando da Cruz Macedo.

Mandou-se expedir.

O Sr. França Borges: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja remettida copia da acta relativa á sessão que no dia 5 do corrente tiveram os delegados districtaes, que, nos termos do respectivo decreto, elegeram os delegados da Junta dos Partidos Municipaes.

Mais requeiro que, com a acta, me seja enviada copia de todos os protestos apresentados na referida reunião.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Franca Borges.

Mandou-se expedir.

O Sr. Padua Correia: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo formular ao Sr. Ministro dos Estrangeiros as seguintes perguntas:

Tendo lido em varios jornaes ingleses, em noticia que julgo tendenciosa, que o Governo da Republica ia conceder ao Governo dos Estados Unidos da America do Norte um trato de terreno (piece of land) nos Açores para deposito de carvão e para estabelecimento de docas da reparação para navios americanos, e que tal concessão era o preço do nosso reconhecimento por esta potencia, pergunto:

1.° Que facto pode dar logar a semelhante noticia?

2.° Ha effectivamente o pedido de concessão? Em que condições?

3.° Houve pedido idêntico por parte de outra qualquer Nação?

Assembleia Nacional Constituinte, em 7 de agosto de 1911.= Padua Correia.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3 (Constituição)

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. Tendo-se na sessão passada discutido e votado o artigo 18.°, que é o ultimo da 1.ª secção do capitulo 4.°, se algum Sr. Deputado tem algum numero a acrescentar a esta parte da secção, pode enviá-lo para a mesa.

O Sr. Celestino de Almeida (para uma questão previa):- Sr. Presidente: a questão previa para que eu pedi a palavra está contida na minha proposta, e por isso acho desnecessario fazer quaesquer considerações. Limito-me a enviá-la para a mesa, pedindo a V. Exa. que a submetta á votação da Assembleia.

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É a seguinte

Proposta

Proponho que se solicite da commissão da Constituição, para que á medida que se forem registando as votações d'esta Assembleia Constituinte sobre os diversos articulados do parecer sobre as emendas apresentadas ao projecto n.° 3, faça imprimir a parte do projecto que lhes corresponde, com a redacção conveniente e que registe as modificações resultantes das mesmas votações, devendo, tão rapidamente quanto possivel, os articulados do projecto n.° 3 assim modificados, ser distribuidos por todos os membros d'esta Assembleia Constituinte.

Assembleia Nacional Constituinte, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado pelo circulo n.° 38, Celestino de Almeida.

O Orador (continuando): - Como muitas das disposições do projecto teem sido modificadas, em virtude de emendas approvadas, e como é impossivel ter de memoria todas as alterações feitas, parece-me de toda a conveniencia a approvação da minha proposta.

S. Exa. não reviu.

Leu-se na mesa e foi admittida.

O Sr. José Barbosa:-Pedi a palavra para declarar que caso seja approvada a proposta do Sr. Celestino de Almeida, a commissão poderá amanhã, pelas quatro horas, ter os seus trabalhos concluidos, afim de serem impressos.

A proposta do Sr. Celestino de Almeida foi approvada.

O Sr. Nunes da Mata: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta de emenda Proponho mais o seguinte artigo:

"Artigo 16.°-A O exercicio de funcções publicas pelos Deputados e Senadores, com a excepção da de Ministro de Estado, cessa interinamente emquanto durarem as sessões, no caso de ser incompativel com estas".

Sala das sessões, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado, José Nunes da Mata.

Não foi admittida.

O Sr. Bernardino Roque: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta de additamento

Additamento á secção 1.ª do capitulo 4.°:

Proponho o seguinte artigo: "Sob pretexto algum a força armada penetrará na sala do Congresso Nacional".

Lisboa, em 7 de agosto de 1911. = O Deputado, A.

Bernardino Roque.

Nada direi sobre ella visto que no seu enunciado está a sua justificação.

Leu-se na mesa e não foi admittida.

O Sr. Celestino de Almeida: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a sessão nocturna marcada para hoje, em virtude da approvação da minha proposta, seja adiada para amanhã. = O Deputado, Celestino de Almeida.

Leu-se na mesa. Sussurro.

Vozes: - Não pode ser.

O Sr. Presidente: - A proposta de V. Exa. não contem materia relativa á ordem do dia. Em vista d'isso eu entendo que não pode ser recebida na mesa.

Só poderia ser submettida á votação da Assembleia se fosse apresentada em forma de requerimento.

O Sr. Celestino de Almeida: -Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se consente que a minha proposta seja convertida em requerimento.

Uma voz: - V. Exa. está no seu direito de fazer o que entender.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que concedem autorização ao Sr. Celestino de Almeida para transformar a sua proposta num requerimento, tenham a bondade de se levantar.

A Camara concedeu autorização.

O Sr. Presidente: - Agora vou pôr o requerimento de S. Exa. á votação.

O Sr. Affonso Costa: - V. Exa. não pode pôr á votação semelhante requerimento, porque isso é ir contra as deliberações da Assembleia.

O Regimento é expresso.

V. Exa. nem sequer podia receber na mesa tal requerimento.

O Sr. José Ramos: - A Camara não deliberou cousa alguma sobre os dias em que se devem effectuar as sessões nocturnas.

O Sr. Egas Moniz: - A Assembleia é que resolve. Submetta-se o requerimento á votação.

O Sr. Celestino de Almeida: - Em vista da celeuma levantada pelo meu requerimento, eu peço licença á Camara para o retirar.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Moraes Rosa: - Se V. Exa. retira o seu requerimento, eu formulo outro no mesmo sentido!

Algumas vozes: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que permittem que o Sr. Celestino de Almeida retire o seu requerimento, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 19.°

Foi lido.

"Artigo 19.° O Deputados são eleitos por tres annos".

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 20.°

Foi lido.

"Art. 20.° É privativa da Camara dos Deputados a iniciativa:

a) Sobre impostos;

b) Sobre fixação das forças de terra e mar;

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c) Sobre a discussão das propostas feitas pelo poder executivo;

d) Sobre a pronuncia dos membros do poder legislativo e do poder executivo, de acordo com o disposto na presente Constituição;

e) Sobre a revisão da Constituição;

f) Sobre a prorogação e o adiamento da sessão legislativa.

O Sr. Pereira Bastos: - Sr. Presidente, pedi a palavra sobre o artigo 20.°, por não concordar com o que se acha escrito na alinea b) sobre fixação de forças de terra e mar.

Nesse sentido mando para a mesa a seguinte proposta de emenda:

Leu.

Proposta

Proponho que no artigo 20.°, alinea b), em logar da palavra "fixação" se diga "organização".

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 8 de agosto de 1911.= O Deputado, João Pereira Bastos.

Sr. Presidente, esta alinea b é a reproducção do paragrapho 10.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, que dizia o seguinte:

"Fixar annualmente, sobre a informação do Governo, as forças de mar e terra, ordinarias ou extraordinarias".

Esta disposição estava muito bem na Carta Constitucional, por isso que os exercitos d'esse tempo eram exercitos permanentes com todas as caracteristicas d'estes exercitos.

Era pois de justiça que o poder legislativo pudesse garantir os cidadãos contra os aumentos arbitrarios das forças á disposição do poder executivo.

Porem hoje, numa Republica Democratica como a nossa, uma tal disposição não tem absolutamente nenhuma razão de ser.

Os exercitos d'esses tempos eram constituidos por individuos que ignoravam por completo quando deixariam de ser soldados.

A sua carreira, em geral, só terminava nos campos de batalha, nos hospitaes, ou no asylo de inválidos.

Hoje, porem, as condições são muito differentes, por isso que a Republica já decretou uma lei sobre o serviço militar.

Se esta disposição se refere a limitação de despesas, eu devo dizer que ignoro qual a razão por que ha fixação de despesas para os Ministerios da Guerra e da Marinha e não a ha para os outros Ministerios.

Mas, Sr. Presidente, parece-me, que esta fixação se refere aos effectivos.

É impossivel fixá-los desde que a Republica adoptou já o principio da nação armada, segundo o qual todos os cidadãos são obrigados a entrar nas fileiras, e se tem de dar instrucção militar annualmente a todos os cidadãos que estejam na edade legal.

Devo dizer que me satisfazia muito mais a eliminação d'esta alinea, mas receando que a Assembleia tenha razões que a levem a consignar qualquer cousa sobre esta alinea, por isso faço a minha proposta de emenda para que a palavra "fixação" seja substituida pela palavra "organização".

Parece-me que isso será melhor.

Tenho dito.

O Sr. João de Menezes: - Pedi a palavra para declarar a V. Exa., em nome da commissão, que acceitamos a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Pereira Bastos.

A palavra "organização" é, com effeito, mais justa e mais precisa.

O Sr. Sidonio Paes: - Apresento a seguinte

Proposta Proponho a seguinte emenda ao artigo 20.°:

"Artigo 20.° Os Deputados teem o direito de iniciativa e emenda sobre todos os assuntos, na respectiva Camara.

§ 1.° É privativa da Camara dos Deputados a iniciativa sobre a pronuncia dos membros do poder legislativo e do poder executivo, de acordo com o disposto na presente Constituição.

§ 2.° Os projectos de lei de iniciativa do poder executivo deverão ser apresentados na Camara dos Deputados.

§ 3.° Só a Camara dos Deputados e o poder executivo teem direito de iniciativa sobre impostos.

§ 4.° Nenhuma disposição que importe criação de despesa pode ser adoptada contra a opinião do Governo, sem que a votem dois terços, pelo menos, da Camará".

Lisboa, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado, Sidonio Paes.

Rejeitado.

O parlamentarismo tem sido muito criticado, e as criticas mais justas que lhe teem sido dirigidas são sobre o abuso do direito de iniciativa.

O direito de iniciativa é hoje um dos dos pontos mais importantes de direito constitucional. Embora eu seja leigo no assunto, vou apresentar á Assembleia o resultado dos meus estudos, chamando para elle a sua attenção.

É necessario, a meu ver, estabelecer no projecto da Constituição quaes as condições em que se ha de exercer a iniciativa parlamentar e a iniciativa governamental.

A questão é extremamente complicada.

No que diz respeito aos impostos está reconhecido que se não pode excluir a iniciativa governamental. Na fixação das despesas tambem a iniciativa governamental deve preponderar sobre a iniciativa parlamentar. A revisão da Constituição é um assunto que tem de ser objecto do concurso de duas iniciativas: parlamentar e governamental.

Quanto á iniciativa das varias propostas é claro que os governos, compostos de pessoas competentes, estão mais nos casos de poder avaliar as necessidades do país, que os membros do poder legislativo, que lutam com difficuldades para colher elementos de estudo com que possam formar o seu juizo acêrca das reclamações dos povos. Ao poder legislativo o que compete é exercer a fiscalização dos actos do poder executivo.

Em questões financeiras estão todos de acordo em que a iniciativa parlamentar deve ser restringida, bem como na criação de novas despesas.

Na distribuição dos impostos e sua criação, a iniciativa parlamentar tem de restringir-se muito, porquanto a alteração de qualquer d'estas leis é ponto importantissimo para o equilibrio orçamental.

Se os governos são os responsaveis pela boa administração do país, ao Parlamento cumpre nunca aumentar as despesas e simplesmente contribuir para as diminuir.

No estrangeiro ha hoje uma grande tendencia para restringir a iniciativa parlamentar. Em França existe até uma corrente neste sentido, tendo-se introduzido no Regimento da camara uma disposição para limitar a iniciativa parlamentar.

Nos Estados Unidos da America do Norte existe a preponderancia da iniciativa parlamentar, mas as propostas, apresentadas nas camaras, vão a um comité para serem apreciadas e elle é que resolve se deve vir á discussão.

Na Suissa, onde existe a constituição mais democratica, na pratica, quem tem maior iniciativa é o Governo, pois os projectos dos Deputados passam pela mão dos Governos, que dão a sua opinião, para depois voltarem á Camara.

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Por tudo isto entende que se deve introduzir na Constituição um principio tendente a restringir a iniciativa parlamentar, medida esta que está de harmonia com a teoria, experiencia historica, e a necessidade urgente que temos de fazer entrar a ordem, nas finanças, e fazendo com que o equilibrio orçamental se mantenha, através de todas as dificuldades.

Nesta Assembleia todos desejam remediar o mais possivel as desgraças que affligem a Patria, pois a primeira condição fundamental, culminante, para que a Patria possa progredir, é estabelecer o equilibrio orçamental.

A proposta foi admittida.

O discurso será publicado na integra, quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. João de Freitas: - Sr. Presidente: vou manda para a mesa uma proposta de substituição da alinea d) e uma proposta de eliminação das alineas e) e f).

A primeira é a seguinte:

Substituição

Substituição da alinea d) do artigo 20.° do projecto: "Sobre a pronuncia dos membros do poder executivo, por crimes de responsabilidade praticados nessa qualidade, de acordo com o disposto na presente Constituição". = O Deputado, João de Freitas.

Proponho esta substituição porque a Assembleia já se pronunciou sobre a sua doutrina, quando votou o artigo 15.° do projecto, que foi desdobrado em dois, no segundo dos quaes se assentou que, com respeito aos Deputados e Senadores -membros, portanto, do poder legislativo - quando processados criminalmente, os respectivos processos, depois de levados até a pronuncia pela autoridade judicial competente, serão remettidos á Camara a que pertencerem os arguidos, para decidir se devem ser suspensos, etc.

Ora, se o processo tem de ser remettido á Camara a que pertencer o arguido, e se este pode ser Deputado ou Senador, é evidente que não pode ser privativa da Camara dos Deputados a iniciativa sobre a pronuncia. Isso envolveria contradição manifesta com uma disposição constitucional já anteriormente votada e assente.

Por isso proponho na minha substituição a eliminação d'estas palavras: "dos membros do poder legislativo", ficando apenas "dos membros do poder executivo".

Proponho mais a eliminação da alinea e) que diz: "sobre a revisão da Constituição".

Agora, eu desejo ser esclarecido, por qualquer dos membros da commissão, sobre se esta alinea se refere á revisão ordinaria e decennal, estabelecida no corpo do artigo 71.° do projecto, ou somente a qualquer revisão extraordinaria antes de decorrido o decennio e a que se refere o § 1.° do mesmo artigo.

Se se refere á revisão da Constituição decorrido o decennio, é desnecessario inseri-la aqui, porque o corpo do artigo 71.° determina peremptoriamente que a revisão da Constituição será feita de dez em dez annos, tendo para isso poderes constituintes o Congresso -isto é, as duas Camaras que o formam - cujo mandato abranger a época da revisão, e portanto contraditorio é estar a dar somente á dos Deputados o direito de iniciativa, mas se a commissão se quer referir á revisão extraordinaria, antes de decorrido o decennio, mais uma razão para propor a eliminação d'esta alinea, porque não deve pertencer só á Camara dos Deputados, mas a qualquer d'ellas ou a ambas, e o § unico do citado artigo 71.° tambem assim o determina expressamente.

Proponho mais a eliminação da alinea f).

Esta alinea está evidentemente em contradição com o n.° 31.° do artigo 23.°, que diz que é da competencia do Congresso prorogar e adiar as suas sessões, e, como o Congresso é formado pela reunião das duas Camaras, compete ao Senado e á Camara dos Deputados deliberar sobre a prorogação e adiamento das suas sessões; portanto, não pode ser uma attribuição privativa da Camara dos Deputados mas das duas Camaras, podendo qualquer d'ellas tomar a iniciativa. Deve, por consequencia, ser eliminada a alinea f).

Mando para a mesa a minha proposta de eliminação:

Proposta de eliminação

Proponho a eliminação das alineas e) e f) do artigo 20.° do projecto. = O Deputado, João de Freitas.

E para terminar desejo ser esclarecido por qualquer dos Srs. Deputados, membros da commissão, sobre se a revisão a que se refere a alinea e) do artigo 20.° é a revisão ordinaria ou extraordinaria.

Se é a revisão ordinaria ...

O Sr. João de Menezes: - É a ordinaria.

O Orador: - Mais uma razão para a eliminar, porque o artigo 71.° claramente se refere a este assunto.

Lidas na mesa, foram admittidas.

O Sr. Bernardino Roque: - Tencionava apresentar uma emenda á alinea b) do artigo 20.°, mas como o Sr. Pereira Bastos apresentou uma substituição que me satisfaz, julgo desnecessario apresentar a minha emenda.

O Sr. Sebastião Baracho: - Tencionava apresentar uma emenda, mas como fui precedido na mesma ideia pelo Sr. João de Freitas, desisto da apresentação.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Goulart de Medeiros: - É contrario á proposta apresentada pelo Sr. Sidonio Paes, pois não pode concordar que se restrinja a iniciativa parlamentar, o que no tempo da monarchia nunca nenhum Governo conseguiu.

Manda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que os artigos 20.° e 22.° sejam substituidos por este:

"Art. 19.° Qualquer das Camaras poderá tomar a iniciativa de uma lei, não podendo porem esta ser promulgada sem ser tambem approvada pela outra". = O Deputado. Manuel Goulart de Medeiros.

Foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Peres Rodrigues:-Pedi a palavra unicamente para mandar para a mesa as seguintes propostas, que creio que por si se justificam:

Eliminação

Proponho a eliminação das sub-epigraphes: Da Camara dos Deputados. Do Senado. = Peres Rodrigues.

Emenda ao artigo 21.°

"Os Senadores são eleitos" em vez de "o Senado é eleito". = Peres Rodrigues.

Foram admittidas.

O Sr. Nunes da Mata: - É para propor a substituição das palavras "poder legislativo" por "Presidente da Republica".

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Já approvamos o artigo 8.° em que se não fala do Presidente da Republica.

Parece-me que a maioria da Assembleia se tem manifestado por uma forma de governo parlamentar, e é preciso que o artigo fique bem expresso para se saber bem que o Presidente da Republica é o chefe do poder executivo. Eu proponho, pois, que as palavras "poder executivo" que um Sr. Deputado propôs que fossem eliminadas da alinea c), sejam substituidas pelas palavras "Presidente da Republica".

Mando á mesa a minha

Emenda

Proponho a substituirão das palavras "poder legislativo" por "Presidente da Republica".

Sala das Sessões, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado, José Nunes da Mata.

Foi admittida á discussão.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa a primeira proposta de eliminação, que é a do Sr. João de Freitas.

O Sr. Maia Pinto: - Requeiro que a votação sobre esta proposta seja desdobrada.

Foi approvado o requerimento do Sr. Maia Pinto.

Primeira proposta - substituição da alinea e).

Foi rejeitada.

Alinea f).

O Sr. João de Freitas: - É para lembrar que essa materia está reproduzida no n.° 31.° do artigo 23.°

Foi rejeitada a alinea f.

Proposta de eliminação das sub-epigraphes "Da Camara dos Deputados" e "Do Senado".

Foi rejeitada.

Emenda ao artigo 20.°, alinea b).

Foi approvada.

Emenda substituindo as palavras "Poder executivo" por "Presidente da Republica".

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae-se ler o artigo 20.°

O Sr. Sidonio Paes: - A minha emenda já foi votada?

As emendas são votadas primeiro.

O Sr. Presidente: - É uma substituição.

O Orador: - A materia é a mesma.

O Sr. Presidente: - Eu consulto a Camara.

O Sr. Presidente:-Os Srs. Deputados são convidados a pronunciar-se sobre se este documento é uma emenda ou uma substituição.

Vae-se ler o artigo 20.°:

Leu.

A mesa entende que é uma substituição. Os Srs. Deputados que entendem que é uma substituição, queiram levantar-se.

O Sr. Alvaro de Castro: - Parece-me que não é uma substituição nem uma emenda, é um additamento. É uma materia nova que se acrescenta.

O Sr. Presidente:-Para a ordem da votação é a mesma cousa. Já se leu na mesa o texto do projecto, vou por isso pô-lo á votação, salva a emenda já approvada.

O Sr. João de Freitas (sobre o modo de votar): - Simplesmente quero pedir que sejam postas á votação, em separado, as alineas.

Foi rejeitado o requerimento do Sr. João de Freitas.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam o texto do artigo 20.° do projecto, salva a emenda já approvada, queiram levantar-se.

Está approvado.

O Sr. João de Freitas: - Requeiro a V. Exa. para mandar ler a minha substituição á alinea d). V. Exa. diz que está approvado todo o artigo?

O Sr. Presidente: - Salvo uma emenda.

O Orador: - Eu tinha apresentado uma substituição á alinea d). Essa substituição é indispensavel, porque a approvação da alinea d), tal como está, envolve contradição como materia votada.

A alinea f) envolve contradição. Vae ficar um trabalho cheio de contradições.

Pedia a. V. Exa. para mandar ler a minha substituição á alinea d).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a substituição do Sr. João de Freitas.

O Sr. Sidonio Paes: - É a minha substituição, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - A substituição de V. Exa. está prejudicada.

O Sr. Sidonio Paes: - Não está prejudicada, porque a minha proposta contem materia nova.

O Sr. Presidenta: - Se se approvasse a substituição de V. Exa., a approvação do artigo ficava prejudicada.

O Sr. Sidonio Paes: - Quando numa substituição ha materia nova, tem de ser sujeita á deliberação da Assembleia.

O Sr. Presidente: -Vae ler-se a materia nova contida na substituição do Sr. Sidonio Paes.

Lida na mesa e submettida á votação, foi rejeitada.

O Sr. João de Freitas: - Creio que a Assembleia não prestou attenção ás considerações que fiz ha pouco.

Votar-se a alinea d), tal como está redigida no projecto, envolve uma contradição manifesta com o que a Assembleia deliberou no artigo 15.°, que foi desdobrado em dois.

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SESSÃO N.º 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 13

Hontem a Assembleia votou sobre o artigo 15.° (a) que, havendo procedimento contra qualquer Deputado ou Senador, a autoridade judicial competente levará o processo até a pronuncia e depois remettê-lo-ha á respectiva Camara. Sendo assim, ha contradição manifesta em se determinar agora aqui que a pronuncia dos membros do poder legislativo é da competencia privativa da Camara dos Deputados.

Isto é clarissimo.

Pelo que diz respeito á alinea f), envolve contradição com a materia que está adeante no n.° 31.° do artigo 23.°, sobre a qual a Assembleia ainda se não pronunciou.

Peço a V. Exa. para pôr á votação a minha substituição relativa á alinea d), e depois successivamente a minha proposta de eliminação das alineas e) e f).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 21.°

Foi lido.

Art. 21.° O Senado é eleito por seis annos.

Todas as vezes que houver de se proceder a eleições geraes de Deputados, o Senado será renovado em metade dos seus membros.

§ 1.° Para a primeira renovação do Senado decidirá a sorte sobre os membros que devem sair e nas subsequentes a antiguidade da eleição de cada um.

Se o numero dos Senadores for impar, acrescentar-se-lhe-ha uma unidade e o quociente da divisão por dois indicará o total da primeira renovação.

§ 2.° O Senador eleito em substituição de outro, exercerá o mandato pelo tempo que restava ao substituido.

O Sr. Alexandre de Barros: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta Propomos a redacção seguinte para o artigo 21.°

"O Senado é eleito por nove annos.

Sempre que se realizem as eleições geraes de Deputados renovar-se-ha um terço dos membros do Senado".= Os Deputados, Alexandre de Barros = João Carlos Rodrigues de Azevedo = José Tristão Paes de Figueiredo.

Foi admittida.

O Sr. Americo Olavo: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 21.° seja substituido pelo seguinte:

"O Senado é eleito por tres annos". = O Deputado, Americo Olavo.

Foi admittida

O Sr. Carneiro Franco: - Chamo a attenção da commissão para o artigo 21.°

Ha dias foi approvado que o Senado será composto de tres senadores eleitos em lista de dois nomes por cada districto do continente e das ilhas adjacentes, e um por cada provincia ultramarina.

Se este artigo ficar redigido como está, será impossivel fazer-se a eleição do Senado, pois é quasi certo que a sorte irá escolher, para serem substituidos na primeira renovação, senadores de todos os circulos.

Não tendo de renovar-se a eleição de todos os senadores de um circulo como pôr em pratica a eleição por lista incompleta que já está approvada?

Só ha dois caminhos a seguir.

Ou approvar a emenda do Sr. Deputado Americo Olavo, ou a renovação será feita por circulos, tirando-se á sorte a primeira renovação quaes os circulos em que tem de se fazer.

O Sr. Peres Rodrigues: - Trata-se unicamente de uma questão de redacção.

Leu.

Não deve ler-se "Senado"; deve ler-se, "Senadores".

Assim como se diz Deputados, deve dizer-se Senadores.

Diz-se que os Senadores são eleitos de tres em tres annos.

O Sr. Carneiro Franco apresentou uma duvida a este respeito, que hontem a mim se me offereceu tambem.

Tive até intenção de apresentar uma emenda; mas desisti d'esse intento, porque a commissão esclareceu sufficientemente o assunto.

A primeira eleição do Senado é total d'aqui a tres annos.

D'aqui a tres annos dá-se uma eleição geral de Deputados e Senadores, de forma que os districtos entram com a sua totalidade, com os seus representantes.

Depois na segunda eleição é que ha a votação parcial.

O Sr. Carneiro Franco: - Mas essa votação como é que se faz?

O Orador: - Penso que tendo ficado a lista incompleta...

Não se ouviu.

Mas eu tenho ainda uma outra duvida.

O projecto refere-se á probabilidade de vaga no Senado.

Não pode ser, é vaga de Senadores.

Eu creio que se pode obviar a este inconveniente modificando o artigo.

Leu.

Penso que assim ficará bem.

Se a vaga se der na ultima sessão, não valerá a pena por um ou dois meses proceder-se á eleição.

Deve ser o artigo e não o paragrapho, que não pode ficar subordinado á epigraphe do Senado.

O Sr. Americo Olavo: - A minha proposta de substituição afigura-se-me que é a mais conveniente.

O Sr. João de Menezes: - Diz que a lei eleitoral ha de esclarecer a maneira de se fazer a eleição para a renovação do Senado.

Faz-se o sorteio dos Senadores que hão de sair, e depois procede-se á eleição das vagas existentes.

Substitua-se o § 1.° por:

"§ 1.° Para a primeira renovação do Senado decidirá a sorte sobre os districtos e provincias ultramarinas cujos representantes devem sair. Nas subsequentes a antiguidade da eleição".

Foi admittido.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. João Luis Ricardo: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para mandar para a mesa uma substituição, mas em vista da proposta do Sr. Olavo, desisto de falar.

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14 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. José Barbosa: - Sr. Presidente: parece-me que se devia redigir o artigo da seguinte forma:

Proposta

Substitua-se o § 1.° por:

§ 1.° Para a primeira renovação do Senado decidirá a sorte sobre os districtos e provincias ultramarinas os representantes que devem sair.

Nas subsequentes á antiguidade da eleição. = José Barbosa.

O Sr. João de Freitas: - Pedi a palavra para defender a duração de 6 annos para o mandato do Senado.

O Senado precisa, para poder exercer convenientemente a sua função moderadora, de ter um certo espirito de continuidade, que só a renovação parcial e periodica pode assegurar-lhe.

Uma voz: - Porque não faz V. Exa. o mesmo para a Camara dos Deputados?

O Orador: - E porque a Camara dos Deputados deve e carece de ser renovada por completo, e mais frequentemente; necessita de consultar a opinião de todo o corpo eleitoral do país.

De resto, não ha nesta materia nenhuma innovação; a lei constitucional francesa de 1875, reformada em 1884, e a actual Constituição brasileira, estabelecem a duração de 9 annos, com renovação parcial do terço dos Senadores de tres em tres annos, e outras Constituições estabelecem o periodo de duração total de 6 annos.

É conveniente que na nossa fique determinada a duração intermedia de 6 annos, para assegurar o espirito de continuidade, indispensavel nesta assembleia legislativa, de caracter essencialmente moderador.

Não se pode nem deve estar a renovar os dois corpos legislativos em cada triennio, aliás tudo será instavel e movediço na organização politica da Republica. Não pode ser.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados attenção. Vae ler-se.

Leu-se na mesa ã substituição do Sr. José Barbosa.

Foi adimittida.

Vae ler-se a emenda n.° 1.°

Leu-se na mesa e foi rejeitada.

Leu-se a n.° 2. Foi rejeitada.

Leu-se a n.° 3. Foi approvada.

Não ha mais emendas. Vae ler-se o artigo do projecto.

Leu-se na mesa.

O Sr. Peres Rodrigues: - Parece-me que o melhor é fazer a votação por periodos.

O Sr. José Barbosa: - O que eu mandei para a mesa não foi uma substituição, foi uma emenda.

Uma voz: - Requeiro votação nominal.

Foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Na mesa não lia tempo para se ler bem, e leu-se substituição em vez de emenda. Vae ler-se o § 1.°

Leu-se na mesa.

O Sr. Affonso Costa: - Primeiramente deve votar-se se ha ou não eleição de parte do Senado. Tem de se votar primeiramente o resto do artigo 21.° A emenda não é ao artigo, é ao paragrapho.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Para se votar em primeiro logar a emenda a um numero do artigo tem a Camara que autorizar o desdobramento d'essa votação.

O Sr. Affonso Costa: - O que me parece é que deve votar-se em primeiro logar o periodo que diz: "Todas as vezes, etc." Depois é que deve recair votação na emenda do Sr. José Barbosa.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Carneiro Franco: - Deve ser votado por periodos.

O Sr. Presidente: - Ha aqui uma proposta que se resume na simples alteração de uma palavra. Substituo a palavra Senado por Senadores. Não altera em nada o artigo. É a substituição de uma palavra por outra.

Foi approvada a emenda.

O Sr. Presidente: - Agora tenho de sujeitar á votação da Camara o paragrapho.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda do Sr. José Barbosa.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a restante parte do artigo.

O Sr. Affonso Costa: - Está prejudicada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o § 2.°

O Sr. Affonso Costa: - A commissão deu explicações a este respeito, mas isso não basta. A commissão disse o que devia fazer-se quando se desse um caso de morte ou vacatura; mas é necessario que isso fique bem claramente consignado na Constituição.

O contrario será um absurdo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Julio Martins: - Por parte da commissão de accumulações mando para a mesa a seguinte

Proposta

A commissão de accumulações e limite de vencimentos propõe para serem aggregados a esta commissão mais tres Deputados, que a mesa indicará.

Pede a mesma commissão para a Assembleia a autorizar a ir directamente junto dos Ministerios e suas dependencias colher os elementos que julgue necessarios para o desempenho da sua missão. = Pela commissão de accumulações, Julio Martins.

Pedem-se os documentos ao Ministerio: mas umas vezes não chegam, outras vêem com uma grande demora.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Fica assentado de uma vez para sempre que as commissões d'esta Camara podem examinar em todos os Ministerios os documentos que julgarem necessarios ao seu estudo.

S. Exa. não reviu.

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SESSÃO N.° 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 15

O Sr. Julio Martins: - Mas eu requeri ha mais de um mês uns documentos pelo Ministerio da Justiça, e ainda não vieram.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - No meu Ministerio responde-se em vinte e quatro horas a todos os pedidos. Se o requerimento do Sr. Deputado não foi satisfeito, ou se perdeu, ou então era de natureza a não poder ser deferido. Espero que se tenha dado a primeira hypothese.

Como o caso se deu ha mais de um mês, não posso lembrar-me do que se tem passado a este respeito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 22.° Foi lida:

"Artigo 22.° Ao senado compete privativamente approvar ou regeitar, por votação secreta, as propostas de nomeação dos governadores geraes ou commissarios da Republica para as provincias ultramarinas".

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. João de Freitas: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta de substituição.

Leu.

Substituição do artigo 22.° do projecto

"Art. 22.° Compete privativamente ao Senado: 1.° Emittir parecer deliberativo sobro a dissolução dai duas Camaras do Congresso, ou somente da Camara dos Deputados, a pedido do Presidente da Republica, nos termos d'esta Constituição.

2.° Approvar ou rejeitar, por votação secreta, as pró postas de nomeação dos governadores ou commissarios da Republica para as provincias do ultramar". =0 Deputado, João de Freitas.

Foi admittida.

Discute-se a competencia privativa do Senado, e por tanto entendo que nesta altura se deve incluir a disposição que consta da minha substituição.

Quando se discutiu o projecto, na generalidade, defendi a dissolução somente para a Camara dos Deputados, e nos termos de uma emenda que se encontra a pag. 13 do parecer da Commissão, que agora se discute.

Apresentei esta emenda permittindo ao Presidente da Republica a faculdade de dissolver só a Camara dos Deputados, mas com o parecer formal do Senado, porquanto partia da hypothese de que a Assembeia approvasse a Constituição do Senado, por eleição indirecta. Esta era a minha opinião, mas a Camara approvou que essa constituição fosse por eleição directa, e isso modificou a minha opinião, no sentido de permittir ao Chefe do Poder Executivo o exercicio de prerogativa de dissolução das duas Camaras, sempre sob a previa condição de obter o parecer favoravel do Senado.

O Sr. Pereira Victorino: - É a dissolução do Senado, por parecer favoravel da Camara dos Deputados?

O Orador: - Isso seria tudo quanto ha de mais absurdo, de mais subversivo e de mais contrario aos principios do direito constitucional.

O direito de dissolução é necessario, não só nas monarchias, como nas Republicas, e vemos que monarchias liberaes como a Inglaterra, a Italia, a Hollanda e a Belgica, o teem exercido por differentes vezes.

Nas republicas espanholas da America não existe o direito da dissolução; mas quando tão profundamente surgem conflictos entre os poderes legislativo e executivo, nós vemos resolver esses conflictos ou por meio de revoluções, ou pelo recurso aos golpes de Estado.

Qual a maneira, desde que surjam conflictos irreducti-veis entre os poderes executivo e legislativo, de pôr termo e dar solução a esses conflictos, desde o momento em que, na Constituição, se não consigne o direito de dissolução? Como se resolverá esse conflicto? Ou pela revolução, desencadeada pelo poder legislativo contra o executivo, ou pelo golpe de Estado do executivo contra o legislativo, o que em qualquer dos casos é uma solução violenta e perigosa, uma violação constitucional que pode conduzir, e naquellas republicas hispano-americadas frequentemente conduz, á guerra civil.

Vozes: - Antes a revolução.

O Orador: - Antes a revolução?! Isso será funesto, porque pode levar-nos em Portugal á perda da Republica e até á perda da independencia. Antes a Constituição forneça meios extraordinarios, dos quaes se não possa abusar, mas somente usar, quando isso for legitimo, em certas e determinadas circunstancias.

O facto de se não cumprir este preceito pode occasionar excessos de toda a ordem, por parte do poder legislativo, e ainda reduzirá á completa impotencia o poder executivo.

É preciso prevenir a eventualidade de um obstruccionismo systematico, por parte de uma só ou de ambas as Camaras, que possa motivar a queda de successivos ministerios, a curtos intervallos: a falta de uma maioria estavel de Governo, por não haver cohesão nos diversos grupos parlamentares; a recusa dos meios ou recursos indispensaveis á administração publica e vida normal da nação, etc.

Como é que o Governo ha de proceder, quando tenha absolutamente de acudir a qualquer urgencia, ou quando precise de meios para a defesa nacional e o Parlamento ou uma só das duas Camaras, facciosamente, systematicamente, lh'os recusar?

Se não tratamos de prevenir estes possiveis abusos do poder legislativo, pode o poder executivo ficar reduzido á mais completa impotencia, ou enteio será indispensavel recorrer a uma solução inconstitucional, que não poderá deixar de ser violenta e perigosa.

O Sr. Americo Olavo: - Mas quem é que vem para aqui provocar conflictos com o intento de derrubar Ministerios?

O Orador: - Os factos que eu enunciei teem-se dado em Republicas e, infelizmente, tudo nos faz suppor que podem dar-se tambem na nossa; e é por isso que eu proponho que se confira ao Senado e ao chefe do poder executivo o exercicio d'esta prorogativa.

Quando se tratar das prorogativas do Presidente da Republica, apresentarei um additamento em conformidade com a materia do n.° 1.° da minha actual proposta de substituição ao artigo 22.° do projecto.

Leu.

Quanto ao n.° 2.° do artigo 22.°, proponho a seguinte substituição:

Leu.

Na minha substituição digo simplesmente governadores para as provincias do ultramar, o que pode comprehender antes os governadores geraes de Angola, Moçambique e India, como os simples governadores das outras provincias ultramarinas.

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16 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Tão legitimo é o direito do Senado para approvar ou rejeitar as propostas da nomeação de um, como de outros governadores, para as nossas colónias.

O Senado deve ter o direito de exercer esta attribuição privativa, porque é legitimo presumir-se que o Senado deve ter um conhecimento de capacidade dos homens e uma larga experiencia dos negocios publicos, dos negocios superiores aos da Camara dos Deputados. Por isso, na substituição que mando para a mesa, ficará o n.° 2.° redigido nos seguintes termos:

Leu.

Foi approvado o n.° 2.° da mesma substituição e rejeitado apenas o 1.°

O Sr. Eusebio Leão: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

"Requeiro a eliminação do artigo 22.°".= O Deputado, Eusebio Leão.

Foi admittida.

O Sr. José Barbosa: - Entendo que o artigo em discussão é necessario, porque a nomeação dos governadores geraes, e principalmente dos commissarios da Republica, não deve depender do arbitrio de qualquer membro do Governo.

A commissão entende que deve ser approvada ou rejeitada pelo Senado a nomeação de governadores e commissarios.

Por esta forma as nomeações offerecem mais garantias do que as feitas pelo capricho dos Ministros.

Vozes: - Não apoiado. O Governo está ali para cumprir o seu dever e tem de dar conta dos seus actos.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes): - Em Conselho de Ministros...

O Orador: - Não está ainda fixado na Constituição se haverá ou não Conselho de Ministros.

Creio até que a Assembleia é contraria ao Conselho de Ministros.

Varias interrupções.

O Orador: - O systema antigo da contradança de governadores ha de acabar.

Grande sussurro.

O Orador: - Proponho, em nome da commissão, um paragrapho novo ao artigo 22.°, que é o seguinte:

Proposta

"§ unico. Estando encerrado o Congresso, o poder executivo só poderá fazer as nomeações de que trata o artigo ... a titulo provisorio".- José Barbosa.

Supponho que só casos excepcionaes, morte ou prevaricação grave, poderão determinar a substituição dos governadores geraes.

Supponho ainda que se nós não dermos ás colónias a tranquillidade que ellas exigem para a sua administração, não poderão ser as mesmas senão uma fonte de desgraças.

A commissão acha inconveniente, pois, a emenda apresentada pelo Sr. Eusebio Leão.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Está inscrito para uma questão previa o Sr. Eusebio Leão. Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Eusebio Leão: - Ninguem mais do que eu deseja e quer a transformação completa da administração de tudo quanto diz respeito ao país, não só no continente, mas tambem nas colónias.

A maneira como as colónias teem sido administradas constituo uma vergonha.

É necessario transformar por completo os processos antigos de administração.

Concordo, por isso, absolutamente com a opinião do Sr. José Barbosa.

Eu sou, porem, partidario de uma larga descentralização administrativa e colonial e, portanto, desejo que se faça uma legislação especial para as colonias, dando-se-lhes uma ampla autonomia na administração, o que não teem, porque se a tivessem não teriam decerto chegado á situação desgraçada em que se encontram.

É a razão por que proponho a eliminação d'este artigo.

Na devida opportunidade dever-se-ha legislar em especial para as colónias.

O Sr. José Barbosa: - Entendo que é neste ponto o logar competente:

"Attribuições especiaes e privativas do poder legislativo".

Aqui é que cabem essas attribuições do Senado, de sanccionar ou rejeitar qualquer lei.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Sousa Junior: - Requeiro que a materia seja dada por discutida e se passe immediatamenie á votação.

Lido na mesa este requerimento e posto a votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a questão previa.

Lida na mesa, foi rejeitada.

Lida a substituição do sr. João de Freitas, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 22.°

Lido na mesa e posto a votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Agora vae ler-se o § unico.

Lido na mesa e posto a votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Ha ainda um additamento apresentado pelo Sr. Goulart de Medeiros, que está prejudicado.

Faltam apenas tres minutos para dar a hora.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel José da Silva.

O Sr. Manuel José da Silva: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna ás 9 horas, sendo a ordem dos trabalhos a continuação da discussão do projecto da Constituição.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e quarenta minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

Da Associação Commercial de Revendedores de Viveres por Meudo, com sede no Porto, pedindo seja modificada

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SESSÃO N.° 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 17

a lei do descanso semanal e regulamento, a qual como está lhes causa gravissimos prejuizos.

Vem precedida de um officio pedindo licença para serem distribuidos 230 exemplares pelos Srs. Deputados.

(Para ser devolvida por não vir devidamente sellada).

De um grupo de segundos sargentos pedindo que seja rectificada a determinação 4.ª da Ordem do Exercito n.° 15, de 5 do corrente - eliminar a palavra primeiros.

Enviada á commissão de guerra.

Da Associação de classe dos Manufactores de Tecidos pedindo horario geral de oito horas de trabalho em todas as fabricas do país e uniformidade do pagamento da mão de obra aos empreiteiros, e ordenado aos jornaleiros igual em todos os estabelecimentos manufactureiros do país, etc.

A Secretaria e para o "Diario da Camara".

Da Associação dos Estudantes de Medicina Veterinaria reclamando que na Universidade de Lisboa o ensino de medicina zoológica tenha a categoria de faculdade.

Da direcção da União Colonial Portuguesa, contra a manutenção de Deputados coloniaes no Parlamento, pedindo para as colónias o regime de descentralização e de administração local sob a fiscalização da metropole.

Para a Secretaria.

De varias associações operarias do Porto pedindo a publicação de um novo regulamento de trabalho.

Para a Secretaria.

Dos apontadores e encarregados das obras publicas do districto de Lisboa pedindo a sua inclusão num quadro que lhes garanta a estabilidade e a reforma no fim de um determinado tempo de serviço activo.

Para a commissão de petições.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. - A Commissão Central da Classe Textil, vem com mais subida honra, depor nas mãos de V. Exa. a representação que neste momento envia aos Dignos Deputados da Assembleia Nacional Constituinte.

Espera a referida commissão que V. Exa. como mui Dignissimo Presidente d'essa nobre Assembleia fará quanto possivel, para que os Dignissimos Senhores Deputados, apreciem como é de justiça, a citada representação que junto lhe remettemos.

Porquanto, os operarios da industria textil confiam sinceramente nas excellentes virtudes que adornam o caracter de V. Exa., assim como tambem esperam de todos os Srs. Deputados d'essa illustre Assembleia se dignem apreciar com a devida consideração a justissima pretensão que temos a honra de submetter a vossa exclarecida apreciação.

Saude e fraternidade.

Lisboa, 7 de agosto de 1911.= A Commissão Central da Classe Têxtil.

Exmos. Srs. Deputados da Assembleia Nacional Constituinte. - A Commissão Central das Artes Testeis em Portugal, vem neste momento chamar a vossa esclarecida attenção para as reclamações que foram approvadas no comicio que se effectuou hontem, na sede da Caixa Economica Operaria com a assistencia dos operarios da industria textil.

Exmos. Srs.: A classe têxtil é de todas a mais nume rosa e tambem a que mais soffre as vicissitudes da vida, devido, em muitos casos, a exploração patronal e á péssima organização da industria no nosso país.

Num grande numero de fabricas de tecidos, especialmente na provincia, os operarios, "seja-nos permittido o termo", são explorados desapredadamente; as mulheres e os menores, são forçados a um trabalho excessivo, tendo como recompensa um salario infimo que não chega sequer, para occorrer ás mais instantes necessidades da vida.

As officinas, salvo raras excepções, são verdadeiros focos anty-higienicos, o que dá origem, devido á grande accumulação de operarios, ao contagio de graves enfermidades, sendo esta uma das classes, em que a tuberculose mais se desenvolve. Para isso, contribue sem duvida em mais larga escala os grandes horarios de trabalho, que não só atrophiam a existencia dos productores, como está em completa disparidade, com as mais sublimes leis do progresso humano da época.

Exmos. Srs.: Não pretendemos nesta simples representação descrever mui detalhadamente e com as mais sentidas cores a vida miseranda dos operarios testeis, porque isso levar-nos-hia a profundar rigorosamente todo o viver desgraçado d'esses infelizes operarios, que esperam com toda a justiça que os illustres Deputados da Assembleia Nacional Constituinte tomarão na devida consideração as justissimas reclamações approvadas no citado comicio, onde largamente estavam representados os operarios da industria têxtil. Para obviar a taes irregularidades e entrar-se numa vida normal, sensata e justa, a Commissão Central de Artes Testeis em Portugal vem apresentar á justa apreciação de V. Exas. as seguintes propostas que foram approvadas por unanimidade:

1.° Horario geral de oito horas de trabalho em todas as fabricas do país.

2.° Uniformidade do pagamento de mão de obra aos empreiteiros e ordenado aos jornaleiros igual em todos os estabelecimentos manufactureiros do país, e para isso servirá de base a tabella da fabrica, que melhor pague aos seus operarios.

3.° Unificação de uma tabella de preços de venda no mercado, de todos os productos manufacturados, isto é: lãs, algodões, sedas, jutas e linhos, para acabar com a concorrencia desleal, e d'esta forma terminará com todas as desigualdades existentes, a bem de todos.

4.° Estas tabellas serão entregues ás Constituintes, no prazo de vinte dias, sendo a primeira a que se refere á mão de obra e salarios, elaborada pela Commissão Central das Artes Testes, e a segunda a tabella geral da preço da venda, confeccionada pela Associação Industrial Portuguesa.

5.° Pedir ao Governo a constituição de um tribunal arbitral, composto por patrões e operarios e um delegado do Governo para dirimir questões que porventura se possam ventilar entre industriaes e operarios que consecutivamente se estão dando.

6.° Os delegados patronaes poderão ser nomeados pela Associação Industrial e os operarios pela Associação de Classe dos Manufactores de Tecidos de Lisboa e approvados pelo Governo.

7.° Garantir o trabalho a todos os operarios e operarias nas fabricas, e só poderão ser dernittidos dos seus logares por casos de força maior, isto é: aggressào grave ou roubo, e por faltas disciplinares, suspensões temporarias, mas não com caracter de vingança, por qualquer questão mesquinha.

8.° Que os operarios sejam obrigados a cumprir os seus deveres nas fabricas.

9.° Que no prazo de um mês seja publicado o decreto que autoriza a commissão a fazer o inquerito á industria textil, visto que já são decorridos quatro meses, sem que até hoje tal decreto tenha visto a luz da publicidade.

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18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

10.° Que sejam os Srs. industriaes convidados a reconhecer a Associação de Classe dos Manufactores de Tecidos, para acceitar quaesquer commissões que tenham de tratar com elles, sobre questões que se ventilem entre operarios e patrões e tudo se harmonizar na melhor ordem; assim como os operarios teem reconhecido a Associação Industrial.

Eis o que neste momento a commissão central tem de apresentar á consideração da classe e fazer em seu beneficio, tranquilizando d'esta forma todos os espiritos exaltados e todas as consciencias impacientes.

Saude e fraternidade.

Lisboa, 7 de agosto de 1911. = A Commissão Central da Classe Textil.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 40 DE 8 DE AGOSTO DE 1911 19

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Manuel José da Silva, que devia ler-se a pag. 4 da sessão n.° 40 de 8 de agosto de 1911

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: trata-se de uma crise que apparentemente affecta uma classe; mas quando se trata de assuntos semelhantes eu, pela parte que me toca, procuro examinar dentro do thema geral as razoes que determinam essa crise.

A crise da construcção civil sente-se hoje, no nosso país, mas é necessario que consideremos que ella não se circunscreve á classe de construcção civil. Segundo o meu criterio, a crise da classe de construcção civil é proveniente da crise geral de todas as profissões operarias do nosso país; é proveniente da crise que ataca hoje -e cada vez mais - o operariado de todos os países. (Apoiados).

Este assunto que se chama crise economica, tem sido realmente, no nosso país, pouco cultivado por uns, malsinado por outros e mal coraprehendido por quasi todos. (Apoiados).

Eu, meus senhores, occupo-me de assuntos economicos desde 1878, em que tive a fortuna de ser vizinho de Oliveira Martins, no Porto; e esse homem, um dos primeiros que no nosso país se occupou de questões economicas, dizia o seguinte:

"Tudo hoje e cada vez mais concorre para que a fortuna publica se reduza a muita riqueza em poucas mãos, ao passo que o numero dos pobres, dos trabalhadores, aos quaes as circunstancias da vida se tornam cada vez mais difficeis, aumenta successiva e progressivamente".

Foi assim que eu comecei a comprehender o socialismo ha 20 annos, e é assim que, como eu, todos os socialistas que não descuram os problemas sociaes, que não fazem o seu juizo apenas pelas discussões da imprensa, formam as suas opiniões.

Entendi sempre, como entendo ainda hoje, que o nosso país está mal, mas que esse mal não é particular nosso. Assim, quando se trata de crise economica ou mesmo de crise politica, porque eu não comprehendo a politica separada do problema economico, entendo que se deve fazer nas sociedades e com respeito a ellas o mesmo que o medico faz ao doente - procurar indagar as origens da doença, e para isso é necessario saber de que morreram os pães, do que soffreram os seus avós e todos r os seus ascendentes, para poder fazer o diagnostico. É claro que, desde que o diagnostico seja errado, não pode haver medicamento que possa curar a doença, porque, embora o medicamento seja bom, se o diagnostico for errado, o doente fatalmente morre. De onde eu concluo que, para se avaliar da enfermidade de uma doença, para saber de onde nascem as crises, que é o que afflige hoje as sociedades, é necessario ver quaes são as causas, mas este problema é tão vasto que eu não poderia expô-lo em 15 minutos de declamação.

Se os 400 milhões de habitantes que se diz a Europa tem hoje, eram ha 200 annos compostos de 300 milhões de pobres e 100 milhões de ricos, o que hoje succede é que d'essa população, 350 milhões são pobres e o resto é que são ricos, com a circunstancia aggravante de que dantes esses pobres podiam viver, mas hoje não podem resistir á carestia da vida.

Sr. Presidente: eu exponho estas considerações, na certeza de que estou falando numa Assembleia muito mais illustrada do que eu.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado.

O Orador: - Apenas como preliminares para fazer comprehender que a crise operaria, que é muitissimo grande no nosso país, e não está circunscrita a diversas classes. (Apoiados).

Queixam-se os operarios de Cintra de que as serrações lhes fazem uma enorme concorrencia, não se lembrando elles de que a crise, que os tortura, não provem somente d'essa circunstancia, mas de que a crise nas outras classes determinou não poder entrar mais pessoal.

D'aqui a concorrencia de braços. Sendo assim, quero, das considerações que estou fazendo, concluir que o problema economico não é facil de resolver.

Nenhum governo, quer seja monarchico, quer seja republicano, pode resolver definitivamente este problema.

O que os operarios da construcção civil pedem é que o Governo decrete medidas que possam attenuar as circunstancias, a fim de que no futuro possam encontrar reformas sociaes que lhes melhore a situação.

Tenho aqui dois projectos de lei que vou mandar para a mesa; um diz respeito ao pessoal da construcção civil, que me parece o Governo acceitará, e outro relativo á criação de um instituto á semelhança de reformas sociaes existentes em Espanha.

O primeiro projecto é o seguinte:

Leu.

O outro projecto a que me referi é acompanhado de um relatorio e limito-me a ler as suas conclusões, porque a leitura de todo esse projecto seria fastidiosa.

É o seguinte:

Leu.

Os projectos ficaram para segunda leitura.

Página 20

20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Goulart de Medeiros, que devia ler-se a pag. 11 da sessão n.° 40 de 8 de agosto de 1911

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: vou mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que os artigos 20.° e 22.° sejam substituidos por este:

"Art. 19.° Qualquer das Camaras poderá tomar a iniciativa de uma lei não podendo porem esta ser promulgada sem ser tambem approvada pela outra". = O Deputado, Manuel Goulart de Medeiros.

Foi admittida.

Não posso de forma alguma approvar a proposta apresentada pelo Sr. Sidonio Paes, porque ella vae alem do que os ministerios da monarchia tentaram fazer. Nunca

houve um unico ministerio que ousasse restinguir a iniciativa parlamentar.

Sobre a questão das finanças, de que S. Exa. tratou, é curioso que o proprio Governo Provisorio tivesse na sua lei de organização de administração financeira do Estado imposto a condição de entrarem no respectivo conselho de administração tres deputados.

Diga-se em abono da verdade que ainda não usámos d'esse direito, o que lamento profundamente.

As Camaras já estão abertas ha mais de um mês e nós ainda até hoje não nomeámos os Deputados que devem fazer parte desse Conselho.

O que é certo é que a discussão do orçamento de receita e despesa deve pertencer mais e exclusivamente ao Parlamento.

A proposta foi admitida.

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