O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 21

REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

44.ª SESSÃO

(NOCTURNA)

EM 10 DE AGOSTO DE 1911

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente.

Ordem da noite.- (Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3, relativo á Constituição Politica).- Continua em discussão o artigo 38.°, usando da palavra os Srs. Deputados, Alexandre Braga, Aresta Branco, Julio do Patrocinio Martins, José Montez, João Pereira Bastos, Emygdio Mendes, Faustino da Fonseca, Santos Moita e Antonio Macieira.

Página 22

2 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão.- Ás 9 horas e 30 minutos da noite.

Presentes - 192 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alfredo Maria Ladeira, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, Anibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio França Borges, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida de Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco Antonio Ochôa, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Fiel Stockler, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim, Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montez, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Leão Magno Azedo, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosctte, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa dá Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Ricardo Paes Gomes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Salles, Tito Augusto de Moraes, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victorino Henrique Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Accacio de Almeida Botelho, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Antonio Padua Correia, Bernardino Luis Machado Guimarães.

Não compareceram á sessão os Srs.: Adriano Augusto Pimenta, Alberto Souto, Alvaro Nunes Ribeiro, Antas Fernandes de Carvalho, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Granjo, Antonio José de Almeida, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Fernão Botto Machado, Francisco Manuel Pereira Coelho, Francisco Xavier Esteves, Inacio Magalhães Basto, João Duarte de Menezes, João Gonçalves, Joaquim Theophilo Braga, José Augusto Simas Machado, José Maria Cardoso, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Thomé José de Barros Queiroz, Victor José de Deus Macedo Pinto.

Página 23

SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Procedeu-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 192 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vae ler-se a acta da sessão diurna.

Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Se ninguem pede a palavra, considera-se approvada.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem da noite. Continua em discussão o artigo 33.° do projecto da Constituição.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3 (Constituição Politica)

Varios Srs. Deputados pediram a palavra.

O Sr. Presidente: - Inscrevi os seguintes Srs. Deputados: Santos Moita, Alfredo de Magalhães, Antonio Macieira, Egas Moniz, João de Freitas, Celorico Gil, Moraes Rosa, Alexandre de Barros, Sá Pereira, Innocencio Camacho, Barbosa de Magalhães e Sousa Junior.

Tem a palavra o Sr. Alexandre Braga, que ficou com ella reservada da sessão diurna.

O Sr. Alexandre Braga: - Sr. Presidente: dizia eu ao Sr. Deputado Innocencio Camacho, na occasião em que, na sessão diurna, respondia a S. Exa., quando, sem duvida, em virtude de um equivoco affirmou que esta Assembleia não tinha, de nenhum modo, significado o seu applauso, o seu apoio, á grandiosa obra de ditadura do Governo Provisorio da Republica, dizia eu a S. Exa. que havia tido a honra de responder na sessão de 21 de junho á mensagem do Governo, e que não tinha esquecido as palavras que então proferira, sobretudo os termos da moção que tive a honra de apresentar á votação da Assembleia, a qual tive o prazer de ver votada por unanimidade e por acclamação.

Nessa moção inscreviam-se palavras de sentido, inilludivel e insofismavel; nella se contem uma votação de Assembleia Nacional sobre a qual a mesma Assembleia não pode reconsiderar; nella se affirma, por uma forma precisa e inequivoca, a mais incondicional solidariedade (Apoiados) com a obra governativa até então praticada pelos membros do Governo Provisorio da Republica, reconhecendo que elle havia sido sempre inspirado pelos mais estrénuos principios do patriotismo e, tambem, pelos sãos principios do partido republicano, a cuja aspiração a mesma obra, inteira e cabalmente correspondera; e nessa moção ainda se affirma que a Assembleia Constituinte ia alem do applauso, ia alem da solidariedade, porquanto chegava até a expressão de reconhecimento para com o Governo, que assim tinha correspondido á confiança e á esperança que nelle depositara a Nação, e que esta mesma Assembleia expressa e terminantemente confirmou nessa hora. (Apoiadas).

Eu vou ler a V. Exa. e á Assembleia, para conhecimento d'ella ou, antes, para sua recordação e para o inteiro conhecimento do país, quaes os expressos termos em que, por unanimidade, esta Assembleia significou o seu applauso á obra do Governo:

"Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte, reconhecendo que a obra do Governo Provisorio tem sido invariavelmente inspirada nos mais salutares principios de sincero patriotismo e. superiormente orientada pelas aspirações expressas do partido republicano, nas quaes se consubstancia a alma do povo e da nacionalidade portuguesa, decidida a restaurar para todo o sempre as honrosas tradições da sua historia, affirma ao mesmo Governo o seu reconhecimento por haver correspondido plenamente á confiança que nelle depositou a Nação e os seus legitinios representantes agora lhe confirmam. = O Deputado, Alexandre Braga".

Quer dizer: o Governo, que, por direito de conquista, chegou áquelle logar, que foi trazido até aquellas cadeiras pela vontade soberana da Nação, recebeu, na memoravel sessão de 21 de junho, uma plena confirmação de confiança a que tinha correspondido, dada por esta Assembleia Constituinte. (Apoiados). Essa confiança era expressa, não em termos vagos, susceptiveis de que d'elles se concluisse quaesquer duvidosas interpretações, mas sim, fundamentada no reconhecimento de que a sua obra tinha obedecido, invariavelmente, aos mais salutares principios de patriotismo, a que correspondia tambem a aspiração suprema do partido republicano.

Esse Governo não merece só o nosso applauso, o nosso apoio e a nossa solidariedade, mas é credor do nosso reconhecimento.

Pois bem, estes homens, num momento tão grave, esquecendo-se da sua paz, dos seus interesses particulares, de tudo o que na vida do homem pode ter acção decisiva para os seus actos, esquecendo-se de tudo, só se lembraram dos seus deveres.

Tenho ouvido dentro d'esta Assembleia, e desde essa hora, successivamente affirmar o respeito que pessoal e politicamente merecem todos os membros do Governo, a cada um dos membros d'esta mesma Assembleia.

Acredito, que não ha dentro d'ella, porque isso seria um crime, facções de tendencias partidarias (Muitos apoiados), quero acreditar que todos os que aqui falam cumprem, para com a Nação, o dever de dizer a verdade (Muitos apoiados), de falar com sinceridade, sem hypocrisias, nem mentiras, que seriam deprimentes para elles proprios e deshonrosos para a representação do país. (Muitos apoiados).

Todos teem affirmado, sem uma divergencia, o seu incondicional respeito pelos homens que estão no Governo e pelos esforços que elles teem feito na sua funcção executiva. (Muitos apoiados).

Pode divergir-se em questões de minucias, de pormenores, isso ficou expressamente resalvado nas palavras que precederam a moção, que tive a honra de ler á Assembleia; as cousas meudas, as minucias nada teem que ver com os principios basilares e fundamentaes.

Mas, se nós reconhecemos que a intenção d'esses homens foi a mais pura e a mais patriotica, como é que nós podemos recear que de uma discussão possa resultar menos prestigio para elles?

Se assim não é, então fale-se claro, então não se diga que se tem respeito pelo Governo (Muitos apoiados); digam-no afoitamente aquelles que não querem dizer a verdade (Apoiados); defrontemo-nos, assim, com lealdade, com coragem, com aquella lealdade e aquella coragem que devemos a nós proprios e que a Nação nos impõe. (Muitos apoiados).

Pois bem, a estes homens que na hora grave da implantação da Republica, que na hora tremenda e cheia de responsabilidades sacrificaram toda a sua saude, deram toda a sua tranquillidade de vida, soffreram as suas dores, a estes homens, repito, dá-se-lhes como premio, não aquella recompensa moral, aquella nobre homenagem a que elles, mais do que nenhum outro, tinham nesta occasião historica direito, mas... a impossibilidade de occuparem a Presidencia da Republica.

Página 24

4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Então os homens que no momento grave não tiveram duvida em se sacrificarem, arrostando com todas as responsabilidades, só merecem como recompensa o serem arredados da primeira magistratura da Republica?!

Então nega-se o que se dá a todos; o que a todos se concede, aos anonymos, aos que não teem serviços, aos que não teem passado politico, aos que não teem dedicação e sacrificios, isso que se dá a tudo o que constitue o direito integro, pleno de cidadão, e nega-se áquelles a quem mais devemos, áquelles que na hora mais arriscada e seria da vida publica escolhemos para, perante nós e perante o estrangeiro, serem os nossos supremos representantes?!

Repito o que disse ha pouco, sem querer offender ninguem, que a razão invocada para incompatibilidade á Presidencia fazia rir.

Alguem observou que fazia chorar tambem, e é verdade. E faz chorar, porque devo dizer á Camara do meu país, aos meus correligionarios, aos homens que neste momento, eu sei terem a perfeita noção da sua grave responsabilidade historica, que considero uma traição da minha mentalidade, uma affirmação de menos intelligencia, que se invoquem razões para defender um principio que não tem defesa e que não encontra um argumento em que possa seriamente basear-se.

Por todas estas razões creio ter demonstrado a nenhuma necessidade que ha de que qualquer membro do Governo, quando fosse eleito Presidente da Republica, tivesse de vir a esta Camara defender a sua obra; não tinha que fazê-lo, porque essa obra governativa recebeu incondicional applauso, uma affirmação de solidariedade e homenagem de agrado por parte de todos os membros d'esta Camara, sem uma unica contestação.

Mas, admittamos que se podia tornar necessario que qualquer dos membros do Governo, eleito Presidente da Republica, houvesse de vir á Camara. Nem assim mesmo porque os outros Ministros, que teem a sua responsabilidade ligada a toda a obra governativa, estariam aqui para por elle responderem.

Demais, nós não votámos ainda uma parte da Constituição que se refere á responsabilidade ministerial; não dissemos ainda - e ninguem pode antecipar-se a uma ré solução futura da Camara - qual haja de ser a funcção d'essa responsabilidade, se collectiva, ou chamada de ga binete, se responsabilidade individual, que alguns campeões do regime presidencialista defendem.

Estamos, portanto, em face de hypotheses problematicas.

A responsabilidade d'este gabinete tem, necessaria mente, de ser analysada como responsabilidade collectiva em primeiro logar porque taes foram sempre as tradições parlamentares, e em segundo logar porque todos os decretos, todos os diplomas emanados do poder executivo, foram a conselho de Ministros e todos os Ministros os assinaram.

Quando houvesse de atacar se - o que já demonstre não ser logicamente possivel - a obra de qualquer Ministro, não ha necessidade d'esse Ministro vir pessoalmente a esta Camara, porque qualquer dos seus collegas, solida rio com elle, e como elle responsavel, teria competencia para a defender.

Tanto assim é, que nós temos aqui assistido, não uma vez, mas innumeras vezes, a esse facto; temos visto levantar-se o Ministro, não o titular da pasta a que se dirigiu qualquer pergunta, mas um outro, responder pelo se collega, e ninguem se lembrou ainda de se levantar, pró testando, contra o Ministro que responde.

Mas, ha ainda outro aspecto, pelo qual é necessario encarar o assunto. O momento historico que atravessa a nacionalidade portuguesa impõe aos legitimos representante da Nação pesadissimas responsabilidades.

Por melhores que sejam as nossas intenções, por mais suspeitos que sejam o fundo e a sinceridade da nossa attitude, lembro á Camara uma frase bem conhecida e que pode r agora cabal applicação: - a mulher de César não precisa de ser só honesta, é preciso que o pareça.

O Sr. Innocencio Camacho, quando se levantou para mandar para a mesa a sua proposta, falou na conveniencia de se evitar o perigo de que, embora injustamente, a opinião publica, o país, a voz vaga das multidões, pudesse, em qualquer momento, insinuar, pensar ou affirmar que um homem que se houvesse sentado naquellas cadeiras se havia servido da sua especial situação ministerial para preparar, ou fazer a conquista, da alta funcção representativa da mais alta magistratura do país. Foi o Sr. Innocencio Camacho que nos fez lembrar a conveniencia de evitar esse fim politico. Pois bem, por mais affirmações dos que querem collocar os principios acima das pessoas, temo que amanhã a opinião publica, o país, a multidão, possam injustamente pensar que collojiam as pessoas acima dos principios.

É injusto, é falso, é inexacto; mas é preciso que o não pratiquemos e é preciso tambem que analysemos a questão tal qual havia sido posta.

Adoptado o principio que se quer consignar no artigo 33.° d'este projecto, pergunto quem é que nós arredamos da suprema magistratura da Nação? Todos áquelles para quem fosse inconveniente cujo prestigio da suprema magistratura pudesse ser maculado com os actos publicos do seu passado? Disse-o já. Teriam tambem de ser arredados, por igual criterio, todos áquelles que houvessem desempenhado as funcções de procuradores geraes da Republica; teria de ser arredado o proprio Presidente d'esta Camara, porque era Presidente da Camara Municipal, pertenceu a uma corporação que exerceu funcções administrativas; teriamos de arredar, por exemplo, o nosso commissario da Republica em Moçambique, porque elle exerce não só funcções administrativas, mas quasi soberanas, porque elle é o poder legislativo, executivo, elle é tudo. Teriamos de arredar das cadeiras do Ministerio áquelles a quem a Nação reconhece os mais altos serviços. E tudo isto para quê? Para collocarmos na suprema magistratura da Nação, á custa de um ataque á liberdade de pensamento, de consciencia, para collocar o inviolavel, o indiscutivel, o irresponsavel? Então mandem chamar D. Manuel.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Aresta Branco: - Começo por mandar para a mesa uma proposta de additamento que é a seguinte:

Additamento ao artigo 33.°

"Os Ministros que tenham praticado, como Governo, actos de administração publica ainda não sanccionados pelo poder legislativo á data da eleição".

Lisboa, em 10 de agosto de 1911.= O Deputado, Aresta Branco.

Esta proposta afasta-se um pouco da emenda apresentada pelo Sr. Innocencio Camacho e afasta-se tambem da opinião que a contradita.

É difficil, um ignorado, quasi desconhecido nesta Assembleia, seguir-se no uso da palavra ao primeiro orador português, ao orador sublime, filho de orador, e tentar convencer, tratando depois de quem tanto convence e de quem tanto encanta.

Pelo bulicio que hoje, nesta casa, se notou, não só pelo numero elevado dos Deputados que á sessão affluiram, mas tambem pela sua agitação e pelo que ouvi quando me dirigia para a sessão, desconfiei que qualquer facto anormal se ia passar. Desde tempo vinha notando a dissidencia que a cada passo nesta Assembleia se dava entre os seus membros, dividindo-os em dois campos, collocando-os como gladiadores em frente uns dos outros.

Página 25

SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 5

Acho bem, mas espero que tudo se passe com serenidade e sem ferir demasiadamente a nota politica, sem ferir qualquer paixão levada ao extremo que perturbe, sem ferir a nota da intransigencia que irrita, sem ferir a nota pessoal que magoa, mas tambem sem uma subalternidade ou humilhação, qualquer cousa em summa que degrade.

Sr. Presidente: o assunto que se discute apaixona aquelles que teem inclinações e dedicações pessoaes, e que, provavelmente, em sua consciencia, já escolheram os seus homens; mas, elle deve apaixonar, primeiro que tudo e antes de tudo, aquelles que defenderem principios.

É porem necessario, Sr. Presidente, que essa paixão não seja tanta que prorogue sessões como já teem havido. Dias que teem sido para mim, dias de verdadeiro desconsolo! Dias em que tenho sentido, de meu sentimento a vincar-me na alma a desesperança, e a perturbar-me o espirito por ver desfeito o sonho acariciador, que eu sonhava, de assistir ao resurgimento da nossa patria pela Republica.

Grande sussurro.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Ainda não houve cá d'isso.

O Orador: - Não houve? E a sessão de 24 á noite?

Se eu pudesse personificar a patria, dir-lhe-ia que ella tinha sido ferida nas suas affeições mais intimas e nas suas aspirações mais generosas! Nas affeições da verdade, da justiça e da razão, trilogo de condições necessarias e indispensaveis para reconstruir uma patria como é necessario reconstruir-se á moderna, para fazer uma sociedade como é necessario fazer-se util; e para mostrar um povo como é necessario mostra-lo aos olhos do mundo, honesto e honrado, com seu destino e o seu fim.

Não houve? É a sessão de 24 á noite?

Se eu pudesse personificar a patria dir-lhe-ia que ella tinha sido ferida nessa sessão de tal maneira que para lhe dar uma agonia lenta, para ser mais martyrizante, lhe ficará aberta uma chaga sangrenta deixando escoar gotas sem fim a cair-lhe em cima da dignidade.

Eu sei, Sr. Presidente, sei pelo que tenho visto, sei pelo que tenho ouvido, sei que na Assemblia Constituinte se revela um espirito de independencia e liberdade de tal maneira que consola e que encanta.

Ha aqui vivacidade! Ha aqui energia! Mas, Sr. Presidente, quisera eu que esse espirito não se revellasse tão audacioso e tão irritante, tão revoltoso e tão extravagante que um espirito de rebeldia ou de indisciplina dando ás cousas mais graves o aspecto das cousas mais tristes, e ás cousas mais serias a aparencia das coisas ridiculas.

Sr. Presidente: eu não quero, portanto, eu não tenho o direito de querer; tenho apenas a obrigação de pedir e, de manifestar um desejo.

E é por isso que eu peço e desejo que a Assembleia não veja nas minhas palavras o mais ligeiro sinal de censura, o mais insignificante vestigio de uma insinuação que não faço e que sou incapaz de fazer.

Quero que vejam nas minhas palavras simplesmente aquillo que quero dizer, e aquillo que ellas significam tanto é o cunho de einceridade que lhes imprimo, inferior talvez á minha á minha propria sinceridade.

E faço-o porque sinto que nos espreitam de casa e de fora, os amigos e os inimigos. (Apoiados).

Os de casa, porventura, para nos aconselhar e orientar, se andarmos por caminho errado; os de fora para nos observar, tentando, talvez, desviar-nos da ampla estrada por onde os homens honrados, os homens de bem, se podem encontrar sempre, de cabeça erguida, deante de outros homens de bem.

Os amigos espreitam-nos, no justificado anceio de nos abraçar, chorando talvez a satisfação de consolidada a Republica poderem dormir o somno tranquillo da morte á sombra da bandeira da Republica, feita de sangue e de esperanças, da bandeira da liberdade, que uma revolução triunfante içou victoriosa do topo da Avenida.

Por estas razões, Sr. Presidente, é necessario que partamos, todos, desde V. Exa., que julgo ser o mais velha, até o mais novo dos Deputados d'esta Camara, que partamos todos accordes, revestindo-nos da maxima energia e da maxima grandeza moral, porque a resultante, a somma d'essas grandezas, dará, sem mais, a grandeza moral da Republica.

Porque é preciso que a obra da Republica, não só pareça, mas pareça e seja uma obra de moralidade.

Sr. Presidente: ha dias, um Ministro, encontrando me na sala dos Passos Perdidos, dizia-me que eu tendo renunciado ao meu logar, me tinha, a mim mesmo, votado ao ostracismo.

Não lhe respondi para não lhe dizer que consinto, que admitto e que acceito que se votem ao ostracismo os homens que se julgarem inuteis.

Não lhe respondi para não lhe dizer que consinto que, não havendo possivel regeneração, se votem ao ostracismo os homens que forem perturbadores e dissolventes.

Não lhe respondi, porque teria de lhe dizer que não, que não quero, que, não admitto, e que não pode consentir-se, que, um Ministro, o Governo ou a Assembleia Nacional votem ao ostracismo a moralidade republicana.

É a minha proposta de additamento resolve a nossa moral, sem ferir os nossos principios, e sem calcar o nosso passado, porque não será prudente, nem de boa moral que qualquer Ministro apresente a sua candidatura á eleição presidencial da Republica, se á data da sua eleição não tiver sanccionados, pelo poder legislativo, todos os actos que praticou como Ministro.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que nesta hora a nossa patria caminha para regularizar a sua vida economica, a sua vida politica, e infeliz seria ella se voltassem dias de ditadura, porque julgo que neste país não poderá haver mais ditaduras.

Mas é possivel que, sem haver as ditaduras francas de outro tempo, as que se faziam para subornar, para encobrir toda a especie de falcatruas, e preparar toda a especie de violencias, é possivel, repito que, sem tornar a haver neste país ditaduras, revelando audacia e despotismo, por serem inadmissiveis, possa haver muitos actos de favoritismo, possa haver muitos actos a condemnar.

Os homens, sejam elles quaes forem, estão sujeitos, um, dia, uma vez, a praticar actos condemnaveis.

É da condição humana errar, e se ha delictos de entendimento que se perdoam, ha tambem delictos de vontade que se castigam.

Delictos de vontade perversa, desde o soborno, até a mais completa perversão moral.

Sr. Presidente: eu não quero, de modo nenhum, personificar, como o Sr. Dr. Alexandre Braga. Eu não me dirijo aos Ministros que estão; mas a todos os Ministros, de todos os tempos; não me dirijo a ninguem, exactamente porque me dirijo a toda a gente.

E quem diz, que não tenhamos, nós, ou atrás de nós os que vierem, quem diz que não tenham actos que censurar ou que discutir? (Apoiados).

Estas coisas, que á Assembleia Legislativa podem parecer minimas, pequenas coisas a levar em conta, comparando-as com a grande coisa de eleger um Presidente de Republica, podem vir a ser enormemente perturbadoras da vida interna e externa, da vida tranquilla do país.

Triste de um país em que, para se eleger o seu primeiro magistrado, o seu Presidente, não houvesse onde escolher senão entre os sete ministros que se assentam nas cadeiras do poder.

Página 26

6 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Triste do país onde, para se escolher o seu Presidente não houvesse onde o fazer senão entre os Ministros!

O país onde tal, por fatalidade, tivesse de acontecer, não tinha condições nem razão de existencia, porque não teria condições de vida, o país que só tivesse para presidir aos seus destinos sete ou oito homens! (Apoiados). - Não ha cousas pequenas nem cousas grandes, e ás vezes até as cousas pequenas são aquellas que mais importancia teem, e contra as quaes melhor devemos estar precavidos.

Ha apenas causas, motivos, cousas que sendo agora grandes, enormes, como a onda procellosa de um mar revolto, são logo, d'ahi a bocado, quasi no mesmo instante, brandas, suaves e mansas, como as aguas de um lago, onde o planeta dos poetas, a lua dos namorados, pode fazer reflectir sonhos de felicidade, ou sonhos da desventura, onde pode vogar um barquinho cheio de desenganos, mas onde pode sossobrar, sem remedio, um Dreadnought carregado de esperanças.

Não ha cousas pequenas nem cousas grandes! Grande, resistente, enorme é a fibra do trabalhador do campo, levando de manha á noite a trabalhar, resistindo a lavrar debaixo da influencia do enregelante frio do inverno.

Grande, enorme e rija é a tempera do camponês, trabalhando de sol a sol, e resistindo a ceifar, debaixo da influencia ardente e soffocante de um dia quente do verão.

Cousas grandes e cousas pequenas não as pode haver na vida de um povo, ou na vida da sociedade debaixo do ponto de vista das suas relações, da sua politica ou da sua moral, a entravar-lhe o caminhar ao seu destino.

Na nossa vida de familia, na nossa vida politica, ou na nossa vida moral, não ha cousas pequenas nem grandes cousas a perturbar a nossa finalidade.

Disse o Sr. Alexandre Braga que defender o additamento do Sr. Innocencio Camacho era nem mais nem menos do que defender uma heresia, porque ella viria tolher a nossa liberdade.

Eu bem sei que a liberdade é um principio absoluto e universal eterno, e que prender a liberdade, é prender a vida, é prender a natureza.

E diz tambem o Sr. Dr. Alexandre Braga que essa heresia é de tal ordem que vinha tolher absolutamente, o nosso pensamento.

Eu bem sei, Sr. Dr. Alexandre Braga que prender a liberdade é dizer á Primavera que não dê flores, é dizer á flor que não tenha aromas, é dizer á arvore que não cresça, á ave que não voe, ao sol que nos não dê luz e á vida que não viva; mas ao lado d'isso ha um principio de moral pelo qual temos batalhado em trinta annos de lutas contra a monarchia e contra os corruptores da consciencia.

Ponha-se a liberdade ao lado da moral e ver-se-ha como é difficil andar cantando hymnos á primeira sem guardar o devido respeito á segunda.

Sr. Presidente: disse, o Sr. Alexandre Braga que tolher a liberdade era duvidar do respeito que a Camara tem obrigação de ter pela opinião publica, pela opinião nacional que acclamou os membros do actual Governo Provisorio. Eu devo dizer a V. Exa. e á Camara uma cousa: é que, no momento em que foram acclamados o Ministros que occupam as cadeiras do poder era acclamado tudo quanto saísse da boca da pessoa que proferir aquelles nomes. Eram acclamados os que ahi estão, como outros, como todos quantos fossem proferidos, nesse dia e nessa hora, tal a força de enthusiasmo e a propria loucura de contentamento, do povo que os acclamou.

Protestos, interrupções.

E depois, Sr. Presidente, já que o Sr. Alexandre

Braga me chamou para o terreno da sinceridade e da lealdade, eu devo dizer a V. Exa., com a sinceridade com que digo tudo quanto sinto, que os Ministros, no poder, constituindo Governo, não teem a noção de homogeneidade, de harmonia, de cohesão que deveriam ter, de que o Governo que ahi está composto de sete Ministros, é um Governo de sete governos, fazendo cada qual o que lhe parece, puxando cada um para onde quer, sem duvida na louvavel intenção de construir, mas dando, possivelmente, numa resultante paradoxal, a impressão de destruir.

Se nós temos a liberdade de escolher, para que escolher entre os que ahi estão e cuja obra não está nem discutida nem sanccionada?

Dos Ministros que estão, não temos razão de preferencia; mas devemos pô-los de parte, deixá-los descansar e avaliarmos serenamente a sua obra. Só senão tivéssemos de escolher, necessariamente, á falta de outros homens, senão entre sete Ministros que teem uma ditadura de dez meses que ainda não foi discutida apesar da moção apresentada pelo Sr. Alexandre Braga, e lida hoje, porque succedeu á moção, exactamente o que succedeu, nos dias da acclamação da Republica, nos Paços do Concelho. Voou-se aqui essa moção, como se votaria outra qualquer. Fosse qual fosse a moção apresentada no Parlamento, seria votada e acclamada, sem discussão, apenas com o enthusiasmo que o dia permittiu, e o acto reclamava.

Apartes.

Protestos.

O Sr. Alexandre Braga dá explicações ao orador, que não são ouvidas.

A Assembleia protesta contra a interrupção.

O Sr. Alexandre Braga: - Eu usei no meu aparte da maxima correcção. O orador consentiu que eu o interrompesse e por conseguinte só V. Exa., Sr. Presidente, é que me pode fazer qualquer observação.

O Orador: - Eu dou licença a todos os Deputados para me interromperem; simplesmente declaro que não vou para o campo para onde me querem levar. Vou apenas para onde quero e desejo ir.

Quem tem o meu passado, Sr. Presidente, não tem receio, nem corre perigo de desvairar.

Eu não disse que esta Camara votara inconscientemente qualquer cousa. Se aqui estivesse nessa sessão, estou certo de que tambem applaudiria com enthusiasmo a deliberação tomada pela Assembleia.

Sr. Presidente: um dos oradores que me precederam quis ferir uma nota que eu entendo não deve ser ferida; eu julgo que nenhum de nós tem o direito de ferir a nota pessoal.

Eu, na minha proposta de additamento. respeito quem ali está. Considero verdadeiros homens de bem os que se sentam naquellas cadeiras. Todos elles querem o que eu quero: trabalham para o engrandecimento da nossa querida patria.

Mas, Sr. Presidente, afasto-me de todas estas questões quando me reporto ao assunto que estamos discutindo.

Eu não vejo, por conseguinte, quem ali está. Vejo os principios, e não estou resolvido a sacrificar os meus principios ao meu Presidente, que está sentado naquella cadeira; mas a este sacrifico-o com muita honra, como sacrificam tantos outros que aqui estão, que querem o que nós queremos, e sentem o que nós sentimos, porque o que todos queremos é a consolidação da Republica, custe o que custar, seja á custa da nossa saude, á custa do nosso sossego, á custa da nossa vida.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a proposta do Sr. Aresta Branco, e foi admittida.

Página 27

SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 7

O Sr. Julio Martins: - Quando a commissão redactora do projecto da Constituição o apresentou, viu-se que o artigo 41.° impossibilitava todo e qualquer Ministro de ser Presidente da Republica, ma acrescentava-se um paragrapho em que se exceptuavam os actuaes Ministros. Em virtude de uma proposta do Sr. Innocencio Camacho, a questão deslocou-se e o assunto é discutido no artigo 33.°

Os argumentos que teem sido apresentados sobre essa proposta são varios, mas o mais importante é o que fala do suborno.

Ora, se a Assembleia passa á Camara iutura o diploma de ser susceptivel e capaz de se deixar subornar pelos actos do poder executivo, dá de si uma triste ideia sobre o que pensa dos homens da Republica.

Ai da Republica, se os- homens que hoje fazem parte da Assembleia Nacional e os que fizerem parte amanhã da nova Camara não tiverem a envergadura suficiente para lançar em resto a qualquer membro do poder executivo, a ideia de suborno com que pretenda captá-los. Mas, se o argumento pudesse ser invocado agora, só restava aos membros da Constituinte rasgarem o seu mandato e retirarem-se,

E se o argumento do suborno pode ser invocado, não pode qualquer dos membros do poder executivo exercer esse mesmo suborno, em proveito de qualquer amigo?

Não pode portanto, elle, orador, aceitar esse principio, porque trahiria os seus principios democraticos.

Pelo que respeita ao presidente, o partido republicano, que proclamou o principio da liberdade e o principio da livre escolha, não ha de dar ás Constituintes, ou a qualquer Parlamento que de futuro venha a formar-se, o direito de livremente escolher o candidato para a presidencia da Republica?

Se a escolha não for liberrima, o regime democratico é uma burla.

Posto isto, reputa tambem elle, orador, estranho e sybilino o argumento de que seja preciso os ministros comparecerem no Parlamento, para defenderem as suas obras. E argumento que não comprehende.

Na altura em que vae a discussão da Constituição, evidentemente não se sabe se o regime será presidencialista, ou parlamentar. Mas admittindo a hypothese de que, no , interregno parlamentar, o Presidente da Republica chame qualquer individualidade estranha ao Parlamento para lhe entregar o poder executivo, fica o Parlamento inhibido de discutir a obra d'esse individuo, que não tem assento no Parlamento? Evidentemente não.

Tem-se falado muito na confiança da opinião publica. Mas pergunte-se? essa opinião publica que se manifestou ao lado do Governo, porque esteve ao lado da revolução. já porventura tirou ao Governo Provisorio o mandato que lhe tinha confiado. Tambem é evidente que não.

Disse o Sr. Alexandre Braga que se deve ir buscar ao Governo o Presidente da Republica. Discorda o orador d'essa opinião, porque, a seu ver, a liberdade da uma é que ha de proclamar esse Presidente.

Exposta esta maneira de pensar dirá ainda que não teme que amanhã a obra dos actuaes Ministros seja discutida no Parlamento. O partido republicano, que lhes confirmou os poderes da revolução, tambem absolutamente confia no Governo. De contrario já elle não estaria no poder.

Affirmando a liberdade dos seus principios acha o orador extremamente racional que qualquer individuo que se julgue em condição de ser eleito apresente a sua candidatura á Presidencia da Republica, sendo de esperar que a Assembleia vote em sua consciencia.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. as notas tachygraphicas.

O Sr. José Montez: - O principio que se pretende deixar consignado na Constituição é altamente justo e moral, obediente áquella moral e áquella justiça que nós apregoámos na opposição.

É tão justo e tão moral, que uma das Constituições americanas o consigna.

Muitos apartes que se não ouviram.

O Orador: - E nenhum dos oradores que combateram a emenda, e fizeram-no dos mais illustres d'esta Camara, produziu argumentos que de qualquer maneira modificassem a minha opinião, revindicando o direito de expor e defender como outros Deputados teem defendido a sua.

Sr. Presidente: como argumento poderoso para combater a proposta do Sr. Innocencio Camacho affirma-se que ella vem restringir o direito de liberdade na escolha do primeiro magistrado da Republica.

Mas, Sr. Presidente, qual o direito que não é regulado, qual a liberdade que não tem restricções?

O proprio Governo Provisorio reconhece o direito de liberdade de imprensa, mas desde logo regulamenta o exercicio d'esse direito; reconhece o direito de greve, mas immediatamente estabeleceu diversas restricções a esse direito.

E quem invoca tal argumento esquece que no proprio artigo que se discute se encontram restricções ao exercicio de tal direito e que, se o argumento fosse verdadeiro, teriam essas restricções de desapparecer, e assim poderia ainda succeder que uma futura Camara viesse a escolher para a primeira magistratura da nação D. Manuel de Bragança ou qualquer membro de sua familia, o que seria irrisorio. (Apoiados).

Sr. Presidente: pretende se argumentar tambem, não já com principios de doutrina, mas saindo do seu campo. E assina o Sr. Dr. Alexandre Braga, affirmou que a Assembleia não podia approvar a proposta do Sr. Innocencio Camacho porque ella representava uma reconsideração da Assembleia.

Simplesmente, Sr. Presidente, tal approvação não representa uma reconsideração, porque a moção de confiança votada, não exclue o direito que cada um de nós tem de pedir contas ao Governo pelos seu actos, porque a Assembleia tinha consignado já anteriormente á moção do Sr. Alexandre Braga o seguinte:

Leu.

Nestas condições, as Constituintes não podem ir inconsideradamente desfazer o que tinham feito, é necessario o que se faça justiça á Assembleia, á intelligencia de todos os que se encontram aqui.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: se é verdade que a discussão da obra politica do Governo não é o bastante para nos determinar a votar contra a inelegibilidade dos membros do Governo Provisorio, é no entanto para ponderar.

Mas de mais valor me parece o que vou apresentar: supponhamos que amanhã se tem de proceder a um inquerito pelo Ministerio de onde saiu o Presidente da Republica.

Mau é, Sr. Presidente, que comecemos logo a atirar para discussões d'esta natureza a suprema magistratura republicana.

Eu approvo, por estas razões, a proposta do Sr. Camacho, sem que qualquer pessoa tenha o direito de suppor que atrás d'esse voto ande qualquer intuito reservado.

Todos nós, os que apoiamos a proposta e os que se oppoem a ella, amamos muito a Republica para que façamos qualquer cousa com intuitos reservados que possa constituir desprestigio para ella.

Todos teem para ella muito carinho e muito amor, desejando que ella caminhe triunfante pela estrada ampla do progresso.

Página 28

8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. Pereira Bastos: - Sr. Presidente: não me julgo no direito de roubar tempo á Assembleia vindo repetir, e mal, os argumentos que já foram apresentados contra a proposta do Sr. Innocencio Camacho.

Limitar-me-hei a acrescentar a esses argumentos uma pequena consideração. É que se porventura existem aqui Deputados que entendem que neste momento não deve ser eleito qualquer membro do Governo para Presidente da Republica não é isso uma razão para se consignar na Constituição semelhante doutrina.

Tenho ouvido dizer que a Constituição só deve apresentar principios. Ora não sei que principio seja o que assenta numa verdadeira suspeição. Não reconheço nem como razoavel, nem como principio de direito, o suppor-se que qualquer membro do poder executivo possa exercer suborno sobre os Deputados nem tão pouco que estes possam ser de tal ordem que se prestem a esse suborno. Remato aqui as minhas considerações declarando que votarei contra a proposta do Sr. Innocencio Camacho cônscio de que cumpro assim o meu dever para com a Republica.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Emidio Mendes: - Eu, que cautelosamente me tenho conservado no mais absoluto mutismo perante as discussões até agora travadas nesta Assembleia, vejo-me hoje, porem, obrigado infelizmente a usar da palavra, e digo infelizmente, porque se pedi a palavra foi devido a ver a Assembleia dividida em dois campos oppostos. Eu, como bom republicano que me prezo de ser, uso da palavra unicamente para ver se consigo, com os meus fracos argumentos, lançar entre os dois campos uma ponte por onde todos possamos passar.

Assim, pois, apresento a seguinte

Proposta

Proponho que, caso seja approvada a proposta do Deputado Sr. Innocencio Camacho, se inscreva no artigo 33.° o seguinte:

"§ unico. Para a eleição do primeiro Presidente da Republica Portuguesa não haverá a incompatibilidade estabelecida na alinea c) d'este artigo". - O Deputado, Emidio Mendes.

Eu approvo a proposta do Sr. Innocencio Camacho porque entendo que ella representa um alto principio de moralidade politica.

O Sr. Alexandre Braga: - Se um dia houvesse Ministros que justificassem, a proposta do Sr. Camacho, esses Ministros tinham tão poucos escrupulos que certamente pouca importancia dariam á Constituição, cujas disposições não cumpririam. Portanto é desnecessaria a proposta.

O Orador: - Quando se discutiu o capitulo referente aos direitos individuaes...

O Sr. Affonso Costa: - Não confunda uma garantia individual...

O Orador: - Peço ao meu antigo professor que me deixe expor liberrimamente as minhas opiniões, como antigamente o fazia quando se sentava na cathedra.

Sr. Presidente: approvo a proposta do Sr. Innocencio Camacho porque entendo que, não podendo nós prever a sorte que a Republica venha a ter amanhã, quero defendê-la de futuros e possiveis ataques. Quem me garante que as eleições se farão amanhã como se fizeram estas?

Não estamos aqui eleitos pelo Ministerio do Interior,- estamos aqui eleitos pelo partido republicano. (Apoiados). Não estamos aqui por vontade de nenhum Ministro, mas eu não sei se amanhã a Republica se defenderá tão bem que não possa haver Deputados do Governo. E contra isso que eu quero defender a Republica Portuguesa.

Mas precisamente porque não se dão hoje as mesmas circunstancias que amanhã se podem dar é que eu entendo que a não inclusão da disposição que propus representa ama offensa, uma injuria não só aos oito homens que ali se sentam mas a todos nós. (Apoiados).

Eu vou explicar.

A origem d'este Governo não é positivamente a origem de um Governo futuro normal.

Amanhã sae um Governo da Camara e só se manterá em quanto por ella for apoiado.

Este Governo saiu de uma revolução; portanto, o seu fundamento é absolutamente diverso. (Apoiados). Ali não está um Gabinete partidario; todos os seus membros pertencem ao mesmo partido.

Aquelle Governo foi posto ali pela vontade popular, livremente manifestada por uma revolução, e eu não posso, porque isso era offender a minha consciencia e praticar uma injustiça, deixar de abrir uma excepção ao principio do Sr. Camacho, e aos dos actuaes Ministros, porque realmente não tenho receio, e certamente nenhum membro d'esta Assembleia o tem, que qualquer d'aquelles homens possa ser eleito Presidente da Republica. E nesse sentido que mando para a mesa a minha proposta, que estabelece um principio excepcional, só applicavel á próxima futura eleição presidencial.

Já aqui se apresentaram varios argumentos que se podem produzir a favor da proposta do Sr. Innocencio Camacho e que ainda não foram rejeitados.

Já apresentei um argumento de ordem moral a favor da minha proposta e, como não pretendo de maneira alguma incommodar mais a Camara, vou limitar-me a justificar a minha proposta sob um outro aspecto.

Entendo que a minha proposta harmoniza os dois campos oppostos; tem esta grande vantagem.

Eu, Sr. Presidente, respeito fundamentalmente a liberdade.

Pela proposta do Sr. Innocencio Camacho a Camara que amanhã vier succeder a esta, já sabe que não pode eleger para Presidente um individuo que pertença ao Gabinete. Portanto entendo que estabelecendo-se esta disposição, sem a restricção que indico, é positivamente o estabelecimento de uca mandato imperativo.

Vir um Deputado para aqui com a consciencia tranquilla de que tem o direito de escolher o futuro Presidente da Republica de entre os oito homens que constituem o Ministerio, e depois de cá estar votar-se um artigo que lhe prohibe esse direito, não é positivamente muito liberal.

Sr Presidente: eu aprendi a ser um bom republicano e aprendi tambem a prestar um culto muito grande, quasi religioso á liberdade, com muitos dos homens, velhos e dedicados republicanos, que se sentam nestas cadeiras.

Dirijo-me a todos os meus collegas que me escutam, aos velhos que me ensinaram e aos novos que commigo aprenderam e peco-lhes, em nome da liberdade e para bem da nossa querida Republica, que acceitem as duas propostas, a do Sr. Innocencio Camacho, que encerra um principio de alta moralidade politica, o que constituo para a Republica uma esplendida arma de defesa para o futuro, que não sei qual será; e a proposta que apresentei, e que, facilitando o meio de chegarem a acordo as partes antagónicas, encerra em si doutrina honesta e eminentemente liberal.

E emfim, se as minhas palavras não tiverem o condão de convencer ninguem, então que todos se lembrem de um livro que se espalhou muito antes da eleição da nossa Assembleia, livro que faz a historia bem triste das Constituintes da Republica Espanhola e dos convincentes ensinamentos que esse livro encerra.

Página 29

SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 9

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do Sr. Emidio Mendes.

Lida na mesa, foi admittida.

O Sr. Paustino da Fonseca: - Está de acordo com a emenda apresentada pelo Sr. Innocencio Camacho, porque ella representa a propria essencia da differença existente entre monarchia e Republica.

Entende que não é preciso Presidente, mas, adoptando-se esse magistrado, deve prevalecer o principio da inelegibilidade dos Ministros.

Se no tempo da propaganda contra a monarchia se tivesse feito tambem convenientemente a propaganda dos principios, teriamos hoje arredada essa questão que ha de entravar a marcha da Republica.

A questão vem dividir os Deputados em dois partidos, radicaes e conservadores. Elle, orador, como é anti-presidencialista, desejava ver todos os homens incompativeis com a Presidencia, porque com o seu não preenchimento nada se perdia, pois ha dez meses que se tem vivido sem elle e não tem feito falta.

O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Santos Moita: - Quando veio para esta Assembleia estava convicto de que poderiamos dispensar essa figura de chefe de Estado, rodeado ou não de corte, coberto ou não de arminhos, usando de immunidades e regalias, mas, já que decidiram que o houvesse, vê-se hoje obrigado a discuti-lo.

Disse o Sr. Alexandre Braga que os argumentos apresentados pelo Sr. Innocencio Camacho não eram de valor. Não serão, mas o que é certo é que S. Exa., apesar do seu grande talento, levou hora e meia a rebatê-los.

Disse S. Exa. que se os Ministros podem substituir o Presidente no seu impedimento, tambem podem ser eleitos.

Sr. Presidente: o argumento é infelicissimo, porque, no caso de impedimento, a eleição far-se-ha immediatamente.

Os actos do Governo hão de ser discutidos na Assembleia, que ainda sobre elles se não pronunciou, e por isso não convem que os Ministros possam ser eleitos para a Presidencia.

Defender os principios de moral é defender principios de liberdade.

Pode porventura admittir-se a hypothese de um Ministerio fazer eleger os Deputados e elles virem á Camara com mandato imperativo para elegerem Presidente quem o Governo quiser?

Não pode ser.

Por estas razões e ainda por outras que não expõe para não alongar a discussão, não vê motivo para a opposição que se tem levantado á proposta do Sr. Innocenoio Camacho.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Antonio Macieira: - Sr. Presidente: vou fazer a diligenica por ser breve nas minhas considerações sem que todavia a brevidade que desejo imprimirmos as prejudique; e, sobretudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sigo esta orientação para que o comprimento do meu discurso não possa ser razão a invocar, da parte de quem quer que seja, para se repetir que as longas considerações só demonstram não ter razão, como se as longas considerações não pudessem conter grandes argumentos e não fossem antes, e de facto, devidas a muitos argumentos.

Vou falar com a independencia com que falo sempre, com a independencia que me dá o meu passado de nunca estar ligado a ninguem incondicionalmente, com a independencia que me dá o meu presente, pois não tenho ligações que me obrigem a vergar a cerviz, com a independencia de quem não pertence a coteries, a partidos, com a independencia de quem não assinou compromissos de honra.

O Sr. Innocencio Camacho ao apresentar a sua proposta em breves palavras, que nem argumentos foram, teve occasião de fazer allusão a reuniões varias, que se fizeram fora do Parlamento, uma das quaes se realizou com excepção manifesta e ostensiva de muitos Deputados da Nação.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: felizmente para mim e para a minha dignidade de Deputado, eu pertenço áquelles que discutem o assunto fora e acima de qualquer partidarismo, com toda a liberdade.

Nas reuniões a que assisti nem resquicio de compromisso de honra vi tomar ou tomei. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Sr. Presidente: com essa independencia que me dá o meu passado e o meu presente, com a independencia que todos os que aqui estão devem ter e certo de que ha aqui quem não tem a sua opinião formada por propositos deliberados, certo de que não ha compromisso nenhum que obriguem contrariadamente muitos Deputados, eu, que não sujeito o meu voto, a minha opinião, senão pelo que me dita a consciencia, que só me determina uma opinião honesta, falo neste convencimento de que haverá ainda na Assembleia quem esteja resolvido a ouvir para se determinar.

Sr. Presidente: foi necessario que alguma cousa de extraordinario se passasse nesta casa do Parlamento, como se disse ha pouco, para que se vissem as cadeiras dos Srs. Deputados da Nação Portuguesa devidamente occupadas. Facto extraordinario!

E oxalá que o extraordinario d'esse facto não seja tão extraordinario que signifique a perturbação d'aquella harmonia que eu sempre tenho visto, mas que infelizmente começo a ver prejudicada e que seria necessario manter-se para prestigio e honra da Republica. (Apoiados).

Sr. Presidente: ao tomar a palavra para justificar o meu voto, porque entendo dever meu tomar parte em todas as discussões complexas e de importancia, vou fazer a declaração previa de que se porventura sou contrario á proposta do Sr. Innocencio Camacho não é porque deseje votar em A ou em B.

A questão tem sido mal posta, exactamente por se suppor que sendo os Ministros actuaes eligiveis elles possam influir no nosso espirito para a sua candidatura presidencial.

Não é assim para mim. Não o deve ser para ninguem. Querer a elegibilidade dos Ministros não implica a ideia de só nelles se votar. Significa, sim, que se não pretende uma exclusão offensiva e uma restricção odiosa ao direito de voto.

D'aqui até a eleição presidencial bem podem muitos Deputados mudar de opinião. Só muito proximo da eleição o espirito dos votantes se terá determinado convictamente.

Só então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque d'aqui até lá, a politica, que é toda feita de circunstancias, que é feita de mil e uma cousas que hoje existem para amanhã desapparecerem, e renovarem-se depois e apparecerem em seguida sob outra forma, eu que não tenho o direito de ser profeta na minha terra e de saber o que será d'aqui a oito dias a politica portuguesa, para me inclinar para um ou outro lado, só então é que o espirito do votante conhece as condições politicas do país, a corrente da opinião, só então sem compromissos tomados, livremente se pode affirmar um voto que signifique

Página 30

10 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

uma deliberação consciente e seja a expressão real e pura da representação da patria portuguesa...

O Sr. Peres Rodrigues: - Tanto mais que não estando definidas as funcções do Presidente não se pode pensar em ninguem sem saber as funcções que lhe são attribuidas.

O Orador: - Sem duvida. Quando se tratou do projecto, chamado convencionalmente dos conspiradores, eu vi que a opinião da Camara se dividiu, e que havia uma corrente manifestamente contraria a esse projecto, com base nos sagrados e immortaes principios do direito individual, e com base tambem em que esse projecto representava uma verdadeira excepção.

Disse eu então que não era o caso de uma excepção sob o ponto de vista criminal; todavia ouvi dizer que leis de excepção eram todas as excepcionaes, e, no emtanto, aquellas mesmas pessoas que assim pensavam, vejo que hoje pensam o contrario, porque admittem como bom exactamente o que então achavam mau, uma medida de excepção, não sob o ponto de vista criminal, mas uma lei de excepção, sob o ponto de vista moral.

E, Sr. Presidente, de onde veio este artigo de lei que trouxe a divisão da Camara; de onde veio este artigo da lei cuja discussão dá toda a impressão -oxalá que seja apparente - de que existem duas facções inteiramente separadas dentro da Constituinte; aonde, Sr. Presidente, se foi basear o principio immoral e odioso? Foi-se buscar á legislação brasileira.

E ainda a corrente realmente lamentavel de se copiar uma legislação inadaptavel ao nosso meio social.

Apartes.

O Orador: - Perguntava eu - complete-se o meu raciocinio: de onde veio este artigo, que assim trás uma tão grande celeuma e dá ao país a impressão, ainda que seja meramente apparente, de que a Assembleia se acha dividida?

A que vem este artigo, que dá a impressão de que começa hoje a divisão de partidos em Portugal, contra a doutrina inteiramente indispensavel da união?

Vozes: - Não apoiado.

Apartes.

O Sr. Tiago Salles: - Isso é envenenar a questão.

Uma voz: - E V. Exa. o primeiro que faz essa accusação.

Apartes.

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Se V. Exa. tiver no corpo tanto veneno como eu tenho na minha alma, está tão puro como eu me julgo puro.

Apartes.

O Orador: - V. Exa., Sr. Tiago Salles, não pode dizer que se envenenam as discussões, pode dizer que os argumentos nada valem, levanta-se para os refutar, e não emprega termos que não acho parlamentares. (Apoiados).

Mas continuemos o meu raciocinio, se tal é permittido. Dizia eu que este artigo da lei foi tirado da legislação brasileira.

Já se disse aqui que esse principio existia em todas as constituições republicanas, e foi um homem de leis quem o affirmou.

Disse-se em seguida, em vista de um aparte meu, que não existia em todas e sim em quasi todas, mas ainda não foi exacto esse homem de leis, porque elle está consignado apenas numa constituição republicana, que é a brasileira. E porque? Porque ali se exerce o regime presidencial. (Apoiados).

Nós queremos um regime parlamentar accommodado ás tradições, ás condições sociaes do nosso país; portanto não devemos admittir esse principio na nossa Constituição, que alem de odioso e immoral, como facilmente se demonstra, está eivado de ideias presidencialistas que não quisemos adoptar.

Ahi que os Ministros são da responsabilidade do Presidente da Republica, o qual sobre elles exerce uma influencia decisiva, comprehende-se tal disposição que, se não existisse, dava logar a que o novo Presidente, podendo sair do Ministerio seguisse a mesma politica e as mesmas correntes pessoaes do Presidente que deixava o seu logar. (Apoiados).

No Brasil, onde a candidatura de Presidente da Republica é insinuada e ostensivamente defendida pelo Presidente que sae, tal preceito é tão necessario como moral. Entre nós não vejo razão para que elle seja adoptado.

Sr. Presidente: d'aquelles que defendem a proposta do Sr. Innocencio Camacho, eu faço a justiça de acreditar que S. Exas. o não fazem por uma circunstancia meramente moral, receiosos de que os Ministros possam, pelo suborno, pela corrupção, pela politica de campanario, miseravel e mesquinha, actuar por tal forma no espirito dos Deputados que os dominem, fazendo d'elles seus criados. Faço essa justiça.

Não quereria, Sr. Presidente, analysar esse argumento, que representa para mim, uma affronta para a Camara, para o país e que sem duvida leva ao conhecimento mundial que a Assembleia Constituinte não tem pelos homens que se sentam naquellas cadeiras, o apreço inestimavel que elles realmente merecem.

Apresentou-se, e já foi bem tratado esse argumento, de que uma vez elevado á Presidencia da Republica qualquer dos Ministros que fazem parte do actual Governo, tendo de ser discutida a sua obra, necessariamente tal discussão traria desprestigio ao Presidente da Republica.

Em primeiro logar não admitto que nós, Deputados, não possamos discutir a pessoa do Presidente da Republica. (Apoiados).

Antigamente, na monarchia, o monarcha era irresponsavel, o monarcha era de representação divina, era inviolavel e sagrado. Antigamente, na monarchia, o rei era uma pessoa sagrada; pois apesar d'isso, meus senhores, muitas vezes a pessoa do rei foi discutida; e não posso admittir que numa Republica, se elimine ou prejudique esse direito de discussão, em detrimento dos principios democraticos.

Eu quero que o Presidente seja discutido. Á Camara é que compete a obrigação, a honra de o discutir em termos serios e honestos. (Apoiados).

Para se negar a acção d'essa discussão, não valia talvez a pena transformar a monarchia em Republica, não! (Apoiados).

É esse o argumento primacial, e já se affirmou que se porventura tal argumento tem valor, nessas circunstancias não ha possibilidade de eleger para Presidente uma pessoa de competencia, pois dificilmente se encontraria um candidato livre de ter exercido funcções publicas ou cargos de confiança umas e outros igualmente discutiveis.

Supponhamos, imagine-se que eu quero votar em V. Exa., Sr. Innocencio Camacho.

Sussurro.

O Sr. Innocencio Camacho: - Muito obrigado.

Página 31

SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 11

Vozes: - É só uma hypothese...

O Orador: - Supponhamos que quero eleger para Presidente da Republica a V. Exa. Como poderia eu votar em V. Exa. se V. Exa. exerce o alto cargo de governador do Banco de Portugal?

E se eu quisesse votar em V. Exa., Sr. José Barbosa?

Vozes: - É outra hypothese...

O Orador: - Não o deveria, tambem, fazer porque os seus actos são igualmente discutiveis como presidente do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado.

Poderia eu votar, por exemplo, no procurador geral da Republica, esse venerando republicano, essa alta figura democratica que se chama Manuel de Arriaga?

Ficava assim restricto o numero dos que poderiam ser eleitos, não o seriam as pessoas que tivessem exercido logares de confiança na Republica, ou funcções publicas. Todas as pessoas que acompanharam a obra do Governo, exerceram funcções discutiveis; todos os bons republicanos, todos os de categoria no partido, todos, pode dizer-se, ficavam inhibidos de exercer o alto cargo de Presidente da Republica.

Isto não pode ser: é uma medida immoral, porque limita a minha liberdade de votar a um estreito numero de individuos, que até não serão os melhores.

Vozes: - Immoral?

O Orador: - Repito, immoral; - e tenho sustentado que o é.

O Sr. Santos Moita: - Pedia a V. Exa. para provar o que acaba de dizer. Simplesmente dizer que é immoral não basta.

O Orador: - Eu não tenho estado a provar outra cousa, é que V. Exa. não me tem prestado aquella attenção que eu prestei ao seu discurso. Mas, se S. Exa. quer, eu lh'o provo de novo... É immoral restringir-se o meu voto apenas a duas ou tres pessoas, e não a quem eu queira. (Apoiados).

É immoral fixar na Constituição um principio offensivo dos actuaes Ministros. É immoral personalizar desde já a eleição presidencial. (Apoiados).

E immoralidade a meu ver, restringir-se a minha acção, coagir-se o meu voto ...

Ha, porem, um argumento que foi apresentado com tanta emfase e apparente convicção que parece triunfante.

É o cavallo de Troya a lançar para fora soldados de... chumbo.

Tem-se dito: que cousa espantosa é essa de se pretender mais uma limitação ao direito da liberdade, se a todo o momento e em todas as occasiões se fazem restricções ao direito de liberdade?

Assim se argumentou ha pouco.

Sr. Presidente: eu que sustento a doutrina de que os direitos teem de ser necessariamente limitados; eu que entendo que o proprio direito á vida é dos mais precarios, infelizmente; que sustento que ninguem pode deitar ao Tejo a sua propria fortuna, pois considero as fortunas individuaes, um valor social, sei bem o que são limitações de direitos e, portanto, limitações de liberdade. Mas, Sr. Presidente, com tão curiosa doutrina como é a que dimana da proposta do Sr. Innocencio Camacho e com a de que não as devemos contrariar pelo facto de ser, como se confessa, uma limitação ao direito de voto, visto que diariamente vemos taes limitações, com tal criterio, todas as limitações seriam de attender, iriamos de limitação em limitação e a liberdade... era um ar que lhe dava!

Interrupção do Sr. Mariano Martins.

O Orador: - Permitta-se-me que continue nas minhas considerações.

Interrupção do Sr. Aresta Branco.

O Orador: - Qualquer discussão podia trazer o desprestigio, quer se apreciassem os actos de Ministro, quer os actos de funccionario.

O Sr. Aresta Branco: - Eu responderei quando usar da palavra.

O Orador: - S. Exa. nega as minhas affirmações e, portanto, era dever meu explicá-las.

Mas, Sr. Presidente, o que succederia se tal artigo fosse consignado na nossa Constituição, estabelecendo um principio excepcional e incompativel com o regime parlamentar que adoptamos, e que foi lamentavelmente copiado da Constituição do Brasil?

O que ficaria esse artigo a dizer na Constituição?

Diria... Como artigo grosseiro que para mim é, trataria as pessoas por tu.

E a Brito Camacho, perguntar-lhe-hia:

Tu Brito Camacho, para que fizeste a lei do credito agricola!?

Para que fizeste tu a regulamentação das greves, e resolveste a questão Hinton?

Para que puseste em pratica muitas outras medidas?

A Bernardino Machado, diria:

Para que trataste tu das relações internacionaes?

Para que trataste tu de fazer os modus-vivendi com varias nações?

Para que foi que tu, com a tua intelligencia, acompanhaste toda a marcha da Republica, mantendo cordeaes as relações com as nações estrangeiras?

Diria mais.

Porque fizeste tu, Ministro da Marinha, a regulamentação da pesca?!

Para que fizeste, Ministro da Marinha, varias reformas, como a do ultramar!?

Para que promoveste a resolução da questão do alcool em Angola?

Ministro da Guerra! Para que igualaste tu os cidadãos portugueses, estabelecendo o serviço militar obrigatorio?!

Para que aboliste a pena de morte?!

Para que andas com risco da propria vida, tratando da defesa da Republica?!

Tu, José Relvas, Ministro das finanças, para que aboliste os impostos?!

Para que diligenciaste encaminhar para a prosperidade as finanças do Estado, que a monarchia deixou em condições deploraveis?!

Para que, tu, lidima gloria da patria portuguesa, é Ministro da Justiça (Apoiados) fizeste a lei mais bella, a mais monumental das leis, separando a igreja do Estado?! (Apoiados).

Para que publicaste a lei do registo civil obrigatorio, as leis de familia, a do divorcio?!

Para que emancipaste a nossa patria de tanta medida reaccionaria, que aboliste estabelecendo medidas liberaes que são a encarnação da Republica?!

Para que emprehendestes toda esta obra de aformoseamento da nossa Patria?!

Para que levantaste a patria portuguesa ao nivel do progresso e a não deixaste permanecer no abatimento em que jaz e para quê?!

Olhae a vossa obra, ella é iniqua, ide para a rua!

Página 32

12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Affonso Costa: - Obrigado, muito obrigado, em nome da Republica!

O Orador: - E até tu, Theophilo Braga, veneranda figura do partido republicano que és Ministro de Estado por que és chefe do Governo, que não tens obra directa, que apenas acompanhaste em sua acção os primeiros Ministros da Republica, que és reliquia do partido republicano, até tu tens de ir para casa porque não mereces o glorioso logar da presidencia da tua Patria!

Tristissimo caso este! Deploravel caso, tremenda offensa esta para os Ministros, offensa para o país, offensa até para todos, sob o ponto de vista geral das nações cultas que hão de vir a dizer que não temos consideração por esses homens!

Sr. Presidente: é um principio de coação, um principio que coage a minha acção; quando os meus eleitores me elegeram não me restringiram o mandato, porque a lei e os meus principios democraticos tambem me prohibiam que eu acceitasse mandato imperativo.

Uma voz: - V. Exa. esqueceu-se do Sr. Ministro do Interior.

O Orador: - É verdade que me esqueci, mas não veja Ministro do Interior nesta falta de referencia á sua pessoa o desejo de o magoar; não, S. Exa. tem uma obra realmente util, uma obra respeitavel; S. Exa. é um republicano, um democrata digno da mais elevada consideração, e se me não referi á sua pessoa foi porque o não vi na sua cadeira, por que, coitado! infelizmente para elle, e para todos nós, acha-se doente.

Mas, Sr. Presidente, é um principio de coação, um principio que coage a minha acção, a minha liberdade, dizia eu; quando os meus eleitores me elegeram para vir ao Parlamento (Não apoiados) defender as suas regalias ajustando-as aos interesses geraes da Nação, nunca imaginaram que, havendo uma lei que prohibia o mandato imperativo, eu poderia ser obrigado na Constituinte a limitar a acção do meu mandato.

Estou inteiramente convencido, Sr. Presidente, de que a commissão organizadora do projecto, em seu nome, ha de ser a primeira a levantar-se nesta Camara para atacar as medidas que contrariam os principios que ella adoptou por unanimidade. Eu desejaria e mesmo preciso é saber qual é sobre o assunto, a opinião da commissão organizadora da Constituição.

O Sr. Innocencio Camacho: - É a do artigo 41.°

O Orador: - V. Exa. não é membro da commissão. Eu desejaria ouvir a commissão por que é conveniente saber as suas opiniões. (Apoiados).

Para mim considero a proposta do Sr. Innocencio Camacho inconstitucional, considero-a uma offensa ao actual Governo, considero a immoral, considero-a Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais que tudo e acima de tudo, extremamente perigosa. (Apoiados).

Não tenho idade nem bastantes cabellos brancos para dar conselhos; se os tivesse já seria porque estava mais avançado em idade, contento-me bem com os que tenho na idade em que estou; mas, Sr. Presidente, já aqui os deu uma pessoa mais nova que eu, seja-me licito tambem aconselhar.

Aos velhos não fica mal receber conselhos e até solicitá-los.

Assim, Assembleia Nacional Constituinte, representante da Nação, da soberania nacional, meditae bem no passo que ides dar, vede bem que a questão é grave.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem; O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Faltam, apenas, dois minutos para dar a hora. Entendo que a sessão se deve encerrar, continuando amanhã o mesmo debate, pela ordem da inscrição.

Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos da madrugada.

O REDACTOR = Mello Barreto.

Página 33

APPENDICE Á SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1911 13

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Julio Martins, que devia ler-se a pag. 7 da sessão n.° 44 de 10 de agosto de 1911

O Sr. Julio Martins: - Sr. Presidente: quando a Commissão redactora da Constituição trouxe á Camara este projecto, nós vimos que o artigo 41.° impossibilitava todo e qualquer Ministro de ser candidato á Presidencia da Republica, mas acrescentava nas disposições transitorias um paragrapho no qual se exceptuavam os actuaes Ministros.

Em virtude de uma proposta do Sr. Inocencio Camacho, a questão deslocou-se e o assunto é discutido no artigo 33.°, que a Camara neste momento está apreciando.

Os argumentos que tem sido apresentados a favor dessa proposta são varios, a saber: soborno por parte dos Ministros em proveito proprio; livre critica e analyse á obra dos Governos, e especialmente á obra do Governo Provisorio; defesa perante o Parlamento pelos membros do Governo, medida de prevenção moral para o futuro, visto que não desconfiamos do Governo actual; desconfiança que no publico se manifestasse pelo facto dos actuaes Ministros poderem ser eleitos.

O mais importante destes argumentos, é, sem duvida alguma o que fala do soborno, e vejamos até onde elle nos conduz. O Presidente, se a Assembleia passa á camara futura o diploma de ser susceptivel e capaz de se deixar subornar pelos actos do poder executivo, dá de si uma triste ideia sobre o que pensa dos homens da Republica, e ai de nós, ai da Republica, se os homens que aqui se sentam ou que se sentarem amanhã, não tiverem a envergadura, a honestidade, a coragem sufficiente para lançar em rosto aos membros do poder executivo, todo o seu despreso por qualquer tentativa de soborno com que pretendam captá-los. E, Sr. Presidente, se o argumento pudesse ser invocado agora, só restava aos membros d'esta Assembleia rasgarem o seu mandato e retirarem-se, pois que passavam a si proprios um labéu infamante.

Mas, pergunto eu, se o argumento de soborno pode ser invocado em proveito proprio de qualquer Ministro que chegasse a praticá-lo, não poderia, da mesma forma, qualquer dos membros do poder executivo, exercer esse mesmo soborno em proveito de qualquer amigo?

Porque se não teme, na lógica dos principios o soborno indirecto que os homens do poder possam vir a realizar na votação da presidencia da Republica?

Se, para a defesa da proposta do Sr. Camacho temos a admittir Deputados corruptiveis e Ministros corruptores, não podemos fugir do campo do suborno praticado directa ou indirectamente, e, por tal forma não pode sustentar-se a proposta em discussão.

Por mim, Sr. Presidente, eu não acceito o principio do suborno, porque, se tal fizesse, trahiria, em minha consciencia, o caracter democratico das minhas convicções.

O partido republicano que proclamou sempre os principios da liberdade e da livre escolha, ha de certamente dar á actual Constituinte, ou a qualquer parlamento que de futuro venha a formar-se, o direito de livremente escolher o candidato para a presidencia da Republica.

Se entre os individuos presidenciaveis a escolha não for liberrima, o regime democratico deixará de existir.

Sr. Presidente: o Governo actual saiu da revolução, interpretou a revolução e como Governo revolucionario se conservou no poder até o primeiro dia em que estas

Constituintes se reuniam, e lhe confirmaram a sua confiança, que era a confiança da Nação. A sua obra, inspirada nos principios revolucionarios, foi uma obra vigorosa de defesa republicana. Inspirada no povo foi feita para o povo e por este aceite e confirmada.

Podemos discutir, como disse o Sr. Alexandre Braga, pormenores, detalhes, pequenas cousas da obra do Governo, mas o que não podemos discutir e anniquillar é o espirito das suas reformas, que trouxe á vida portuguesa novas energias de luta e vigorou a bella estrutura da nossa raça, abrindo lhe horizontes vastos do progresso e democracia. Este Governo não precisa dum bill de indemnidade para os seus actos. E um Governo especial saido da revolução, que lhe entregou os poderes mais amplos para reconstruir uma sociedade e orientar um povo á luz de novas leis e de novos costumes.

Mas, Sr. Presidente: estranho é o argumento de que seja preciso os Ministros comparecerem no parlamento para defenderem as suas obras! É realmente um argumento que não comprehendo.

Na altura em que vae a discussão da Constituição, não se sabe se o regime será presidencialista ou parlamentar; mas admittindo esta ultima hypothese: se num interregno parlamentar, o Presidente da Republica chamar qualquer individualidade estranha ao parlamento para lhe entregar o poder executivo, e caindo o Ministerio sem estar aberto o parlamento, fica este depois inhebido de discutir a obra desse Ministro, visto que não tem assento no parlamento? Evidentemente, não.

Como medida de precaução moral, não devemos votar nos Ministros para a presidencia?

Mas isto e reconhecer a incompetencia da Republica para resolver o mais simples caso da independencia moral. E desconfiar dos Ministros, que pelo simples facto de o serem, nos devem dar a nós seguras garantias da honestidade.

Vamos á confiança da opinião publica.

Tem-se falado muito na confiança da opinião publica. Pergunto: a opinião publica que se manifestou ao lado do Governo, porque esteve ao lado da revolução, já porventura negou ao Governo Provisorio o mandato que lhe tinha confiado? Tambem, evidentemente, não.

O Sr. Alexandre Braga affirmou no seu discurso que devemos ir buscar ao Governo o Presidente da Republica.

Discordo da opinião de S. Exa., porque a liberdade da uma é que ha de proclamar o Presidente. A Constituinte ha de ir procurá-lo onde entender e quiser.

É na uma que liberrimamente ella tem de manifestar a sua escolha.

A intuição politica do momento aconselha que affastemos da cadeira presidencial todos os membros do Governo? E com a consciencia de cada um. Quem assim pensar tem o dever de conceder aos outros o direito de pensarem por maneira diversa. E na lula leal das urnas que os candidatos se aniquilara ou triumpham. Excepções é que não pode haver num ragime de liberdade e democracia.

Expostas as minhas considerações, exposto o meu pensamento altivamente, eu affirmo, mais uma vez, á assem-

Página 34

14 DIARIO DA ASSENBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

bleia, que acho moral, honesto, independente e livre o principio da elegibilidade dos Ministros para a presidencia da Republica e, neste sentido, rejeito a proposta do Sr. Camacho.

Vozes: - Muito bem. (Apoiados).

O Orador: - Sr. Presidente: terminando, direi que, como principio de liberdade republicana, eu entendo que os votos da Constituinte para a presidencia da Republica devem ser dados livremente e que a assembleia não pode acceitar a suspeição que a proposta lançaria sobre os membros do poder executivo.

Vozes: - Muito bem, muito bem. (Apoiados).

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×