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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

45.ª SESSÃO

EM 11 DE AGOSTO DE 1911

SUMMARIO. - Approva-se a acta com uma declaração do Sr. Barbosa de Magalhães. -Lê-se o Expediente. - Faz-se segunda leitura de um projecto de lei do Sr. Affonso Ferreira, autorizando a Camara Municipal de Alcobaça a alienar a propriedade denominada Vinha da Camara; de uma proposta do Sr. Brandão e Vasconcellos, para que seja louvada a missão medica que foi á Madeira, e de outra do mesmo Sr. Deputado para que seja autorizado o Governo a criar brigadas sanitarias.

Antes da Ordem do dia: - O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes) apresenta uma proposta de lei sobre a divisão do seu Ministerio. - O Sr Manuel Bravo realiza uma interpellação ao Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa), respondendo-lhe S. Exa. - Requerem documentos os Srs. Deputados Lopes da Silva, Gastão Rodrigues, França Borges, Amorim de Carvalho, Ramos da Costa, João de Menezes e Ladislau Piçarra. - O Sr. Matos Cid manda para a mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro do Fomento.

Na Ordem do dia: Continua a discussão do projecto de lei n.° 3 (Constituição), ficando pendente a discussão de uma alinea proposta ao artigo 33.°, do projecto, pelo Sr. Innocencio Camacho.

Antes de encerrar a sessão: Usam da palavra os Srs. Alvaro de Castro, Ministro do Interior (Antonio José de Almeida) e França Borges. - O Sr. Presidente encerra a sessão ás 7 horas da noite, marcando a immediata para o dia 14, com a mesma ordem do dia.

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Presidencia do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Ás 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Na sala estavam 184 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alvaro Poppe, Alvaro Xavier de Castro, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ra matla Curto, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, Annibal de Sousa Dias, Anselmo Braamcamp Freire, Antonio Albino de Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cer-queira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Caetano Macieira Junior, Antonio Candido de Almeida Leitão. Antonio França Borges, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José de Almeida, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Piçarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio Padua Correia, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjar dino, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casimiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abren, Eduardo de Almeida, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida e Castro, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Correia de Lemos, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Lourenço Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Xunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cer-queira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José Cupertino Ribeiro Junior, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Xunes, José Luis dos Santos Moita, José Machado de Serpa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Alaria de Padua. José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montez, José Xunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Fortunato da Fonseca, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Arriaga, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José de Oliveira, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Pires Bravo Junior, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Camara, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Ramiro Guedes, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião Peres Rodrigues, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Severiano José da Silva, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Thomé José de Barros Queiroz, Tiago Moreira Salles, Tito Augusto de Moraes, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante á sessão os Srs.: Alberto Carlos da Silveira, Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Anselmo Braamcamp Freire. Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antonio Affonso Garcia da Costa, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Maria da Silva, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Faustino da Fonseca, Francisco Xavier Esteves, José Bessa de Carvalho, José Dias da Silva, Leão Magno Azedo, Portirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ricardo Paes Gomes.

Não compareceram a sessão os Srs.: Alberto da Costa Souto, Alvaro Nunes Ribeiro, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Granjo, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Fernão Botto Machado, Francisco Manuel Pereira Coelho, Inacio Magalhães Basto, João Gonçalves, Joaquim Pedro Martins, Joaquim Theophilo Braga, José Augusto Simas Machado, José Maria Cardoso, José Maria Pereira, Manuel José Fernandes Costa, Sebastião de Magalhães Lima, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1911 3

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 132 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Vae ler-se a acta da sessão anterior.

É lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está a acta em discussão. Se ninguem pede a palavra, considera-se approvada.

Foi approvada.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que, se estivesse presente á sessão em que se votou o n.° 29.° do artigo 23.° do projecto da Constituição, teria votado no sentido de haver um Presidente da Republica, mas nos termos que expus quando tive a honra de falar sobre a generalidade do projecto, isto é, de ser esse Presidente o chefe de facto do poder executivo, sem pasta, comparecendo e respondendo perante o Parlamento e sendo eleito e revogavel por elle.

Lisboa, em 10 de agosto de 1911. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.

Para a Secretaria.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o expediente.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça. - Communicando não poder ser enviada copia da syndicancia feita ao ex-juiz da Horta, Alexandre Macedo, por ser um processo volumoso, podendo o Sr. Deputado, se assim o preferir, examiná-lo naquella secretaria. Satisfaz o requerimento do Sr. Deputado Manuel Goulart de Medeiros.

Do mesmo Ministerio. - Enviando a relação dos individuos até agora presos como conspiradores, satisfazendo em parte ao requerimento do Sr. Deputado interessado.

Para a Secretaria.

Do Ministerio do Interior. - Enviando a copia da acta n.° 19, de 27 de julho de 1911, do mesmo Tribunal.

Para a commissão de legislação.

Do Ministerio das Finanças. - Enviando a copia da nota da Direcção Geral de Contabilidade Publica, acompanhada dos elementos nella indicada, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Valente de Almeida.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministerio. - Remettendo copia do officio da superintendencia na administração, dos Paços, acompanhada dos documentos a que o mesmo se refere, a requerimento do Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado João Gonçalves: - Informando que tem faltado ás sessões por falta de saude, tendo que faltar a mais algumas pelo mesmo motivo, para o que pede licença.

Para a Secretaria.

A licença foi concedida.

O Sr. Presidente: - Vão fazer-se as

Segundas leituras

O Sr. Presidente:-Estão sobre a mesa dois projectos de lei, já impressos no Diario do Governo, para a Assembleia deliberar sobre a sua admissão ou não admissão.

Um é o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Fernão Botto Machado sobre as touradas.

Os Srs. Deputados que o admittem tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviado á Commissão.

O outro é um projecto de lei autorizando a Camara Municipal do Alcobaça a vender um pinhal, propriedade do municipio, o qual foi apresentado pelo Sr. Deputado Affonso Ferreira.

Os Srs. Deputados que admittem este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido e enviado a Commissão. Os projectos são os seguintes:

Senhores Deputados: - As corridas de touros, mesmo embolados, taes como se fazem entre nós, representam - não é possivel negá-lo - uma sobrevivencia barbara dos costumes selvagens de outras eras, e já hoje se não admittem nas nações mais progressivas e civilizadas.

Esse cruel e perigoso sport só é defendido, nos nossos dias, ou por interesses de exploração ou por aficionados dei redondel, mas sem fundamentos que o justifiquem e sem sequer razões que o desculpem.

"Em toda a corrida de touros - escrevia ha pouco o prosador espanhol José Selgas - apparecem tres feras, que são estas: o touro, o toureiro e o publico.

"Os graus de barbaridade de cada um d'estes brutos, podem calcular-se pelos seguintes dados: o touro é obrigado; o toureiro vae por interesse; o publico vae por um acto expontaneo da sua soberana vontade e ainda dá dinheiro. Observe-se bem esta outra gradação: - o touro, provocado, defende-se; o toureiro, compromettido, lida; o publico... diverte-se. No touro ha força e instincto; no toureiro acaso haverá valor e habilidade; no publico não ha mais do que ferocidade. Não ha, na Natureza, um monstro que se pareça com esse que se forma nas bancadas de uma praça de touros".

A ideia predominante, no sport moderno, é a de que os que nelle tomam parte devem ter uma probabilidade qualquer de sairem vencedores, pela sua força, pela sua destreza, pela sua astucia ou pela sua agilidade. E, vamos lá, que a astucia e a força já hoje não são "virtudes" muito recommendaveis, a não ser para politicos profissionaes e moços de fretes...

Mas no sport das lides de touros não se dá aquella probabilidade, que é tambem uma condição de igualdade e um sentimento de generosa nobreza, uma vez que desde a entrada dos touros nos curros, até que arremettem nas praças, estão fatalmente adstrictos a serem atormentados e subjugados pelos brutos que os lidam.

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Alem d'isso as touradas infringem o preceito fundamental e humanitario de que o homem não deve maltratar os animaes, principalmente quando d'esse condemnavel recurso não tenha necessidade. E nas touradas, longe de ter necessidade de os maltratar, maltrata-os, por um lado, pela ansia egoistica do lucro avaro que leva toureiros, e por consequencia "cultores da força bruta", a morrerem milionarios, emquanto que grandes sabios, artistas sublimes, inventores benemeritos e bemfeitores da humanidade morrem na mais arffontosa pobreza, e, por outro, pelo desejo cruel e deshumano de se divertir e de dar o prazer dos sentidos aos selvagens que assistem a esses espectaculos do barbarismo antigo.

Esquecem todas essas desalmadas criaturas não só que os bois são dos animaes mais generosos, mais dóceis e mais uteis que, ao lado do homem e como os seus melhores amigos, passam a vida laborando a terra ou arrastando cargas pesadissimas, mas esquecem tambem o doce e amoravel Michelet, quando exclamava:

"O animal! doloroso mysterio! Mundo immenso de sonho e de dores silenciosas... em que ha sinaes, bem visiveis, a exprimirem as suas dores, apesar da falta da sua linguagem. Toda a Natureza protesta contra a barbaridade do homem que despreza, avilta ou tortura o seu irmão inferior!".

Com effeito, Srs. Deputados, eu lembro-me de ouvir um dia, em Paris, exprimir-se um conferente nestes termos:

"O homem completo, quer dizer, o homem dotado de todas as suas faculdades physicas e intellectuaes, será, apesar d'isso, um ser inferior, se não tiver em si o sentimento que o faça conter onde possa causar soffrimento ao seu semelhante, ou a um animal bom e util.

Este sentimento deve fazê-lo conter, não só quando se trata dos seus iguaes, mas tambem quando tenha de fazer soffrer, maltratando-os, os mais innocentes de todos os seres da criação natural e universal - os animaes chamados inferiores - os quaes, em regra, precisamente pela sua bondade, só respondem aos ataques pela paciencia, pela doçura e pela obediencia". [

Irmãos inferiores, lhes chamou Michelet, na sua linguagem cheia de encanto e doçura! Mas simplesmente nossos irmãos lhes chamam sabios da estructura mental de Hseckel, affirmando, em primeiro logar, fundados nas leis biologicas da evolução e da selecção naturaes, que, tendo todas as especies animaes, partindo de uma origem commum, cruzado toda a gamma ou escala zoologica até ao primata, e d'este até o typo hominiano, d'ahi resulta não haver animaes superiores e inferiores, mas relatividade e especialização de orgãos e funcções, e affirmando em segundo logar que, se o homem é mentalmente superior, o deve ao facto de ter sido desenvolvido no sentido da vida cerebral ou intellectual, não sendo porem superior ao pássaro que voa, ao peixe, que vive debaixo de agua, ao ca-vallo e ao cão na carreira e no olfacto (faro) e ao boi, em força, a puxar a uma nora, ou a puxar a uma carroça.

Os animaes! Quem ha ahi que se lembre da sua sympathia muda pelo homem e principalmente pelas crianças? Da sua dedicação? Da sua fidelidade a toda a prova?

Quem ha ahi que pense em que elles são a unica consolação de tantas e tantas criaturas humanas?

Sem falar do cavailo do arabe, do cão de S. Bernardo, do elefante do Cornac, do boi do lavrador, eu penso, nesta hora amorosa e doce de contemplação dos animaes, nos milhares de cães, gatos e pássaros, que são a uica alegria e a unica companhia de outras tantas criaturas humanas que estão no mundo sem outra affeição, sem esperança, sós e tristes na vida, e que não teem sequer outros confidentes das suas penas, a não serem esses por vezes intelligentes e bem dedicados e amoraveis animaes, que ellas mesmas protegem, affagam e acariciam, dir-se-hia que vivendo só para elles e porque elles vivem.

Pieguice minha?

Não, não é tal, que eu não conheça quadro mais tocante e mais commovente do que esse do homem ou da mulher privados de amor, e que fazem de um pobre animal o seu confidente, o seu amigo, o seu quasi igual.

Que quadro este: - o cão conduzindo com mil cuidados o mendigo cego!

Camões era grande psychologo:

Põe-me onde se use toda a feridade
Entre leões e tigres, e verei
Se nelles achar posso piedade
Que entre peitos humanos não achei.

Esta linda estancia do épico faz-me lembrar o conceito de Joseph de Maistre:

"Eu nunca vi a alma de um bandido. Mas desci á de um homem de bem e senti pavor. Era horrivel!".

E aqui está a razão porque alguns homens de bem vão ainda ás touradas: E por que a sua alma é horrivel.

Entre todos os prazeres, como o da caça e o da guerra - precisamos não o esquecer, Srs. Deputados - eram as touradas um dos espectaculos mais especialmente dilectos do regime monarchico, de odiosa e execravel memoria.

Por ser um prazer realmente monarchico e aristocratico, era nelle, acima de todos, que se davam rendez-vous não só os membros da familia real por nós desthronada, mas os seus acolytos suppurando cretinismo, porque a alma e a educação de sentimentos bons lhes não permit-tiam que pusessem os olhos, myopizados pelo egoismo e pela crueldade, em espectaculos mais generosos, mais uteis, mais humanos.

A sua caridade, fria, egoista, incerta, e desigual, visto que era só para os seus adeptos; bello luxo, porque lhes dava ensejo para ostentações caras; hypocrita, porque vizava a criar anjos de caridade com asas de pau e coração de pedra... de Orleans e de Bragança, - a sua caridade, em regra, procurava receitas immundas, ou á custa da tortura e da agonia de animaes nobres e bons como os bois, e lindos, amorosos e elegantes como os pombos, ou á custa do suor do povo que caia nas armadilhas, e do sangue e da vida de picadores que morriam nas arenas, como no caso tragico do cavalleiro Fernando de Oliveira.

A infamia subiu tão alto, que a monarchia chegou a pôr as suas melhores carruagens á disposição de toureiros-amadores, distincção que jamais concedeu aos socios de associações fundadas com intuitos mais civilizadores e humanitarios do que o Club Tauromachico, e honraria que, para um homem da grandeza moral e mental de Salmeron, substituiu pela iniquidade de o mandar pôr, acompanhado de um esbirro, na fronteira espanhola.

Desculpae-nos, Srs. Deputados! Não nos esqueceremos do respeito que vos devemos, do logar em que estamos, e do que devemos a nós mesmo; mas é-nos impossivel falarmos da monarchia, sem mil vezes lhe cuspirmos em cima a náusea do nosso desprezo.

As touradas, arte de praticar selvajarias, constituem, alem do mais, um perigo serio para a integridade physica e para a vida dos que nellas tomam parte activa, e até, algumas vezes, para as dos proprios espectadores.

Espectaculos sanguinarios e repugnantes, que só documentam o atraso da nossa civilização - digamos a frase, assumindo-lhe a responsabilidade - espectaculos de selvagens sem coração, sem entranhas, e sem sentimentos de humanidade, contribuem espantosamente para endurecer o coração humano, para tornarem as almas insensiveis ao soffrimento e á dor, e crueis e ferozes os instinctos do povo que os presenceia, podendo dizer-se, com segurança, que são a causa, remota e indirecta, de muitos crimes publicos e particulares.

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Quem tem coragem para espicaçar e ver espicaçar brutalmente, de peito feito e caso pensado, um animal, indefeso e inoffensivo, que nenhum mal lhe fez, é claro que não tem coragem, nem resistencia moral para desculpar, esquecer, ou perdoar nem mesmo a presumida affronta de um seu semelhante.

Taes assertos provam-se com esta simples observação: - é quasi sempre e precisamente á saida das touradas, quando o espirito dos bulhentos se acha ainda excitado, e o sangue está em ebulição pelo espectaculo da crueldade, que se dão os crimes mais atrozes e sanguinarios.

Naturalmente. E o delirio do sangue. E o coração e é q espirito, ambos no sobresalto e na excitação á maldade. E o espectaculo dos braços deslocados, das cabeças abertas, das pernas partidas, e do sangue escorrendo dos animaes, a reclamarem que se partam mais braços, mais cabeças e mais pernas, e que o sangue jorre em torrentes de odio e desvairamento.

A Republica, sob pena de atraiçoar a sua missão civilizadora, não pode, nem deve consentir que lhe pervertam e derranquem a alma do povo que fez a generosa Revolução de 5 de outubro, preparando-o e excitando-o para a pratica da crueldade e do crime, e para o aumento das estatisticas da delinquencia e da população dos hospitaes e das cadeias.

Inscrevendo a educação popular como um dos mais elevados principios do seu programma, não pode consentir espectaculos que excitem os maridos, numa velocidade adquirida, a irem para casa brutalizar as mulheres com pancadas, por ser essa a ultima observação dos seus sentidos, nem quer pães que pretendam domesticar ou atacar os filhos pela mesma forma por que se domesticam ou atacam pobres animaes irracionaes.

Nesta hora alta da civilização, em todas as nações cultas se teem fundado e desenvolvido Sociedades Protectoras de Animaes, taes como as que nós já possuimos em Lisboa, Porto e Funchal, todas tres com luminosas folhas de serviço, e essas sociedades teem combatido à outrance o infamissimo espectaculo das touradas, que só servem para despertar apetites e gostos selvagens e depravados, e só traduzem a decadencia dos povos ignaros e sem sentimentos de bondade ou de piedade pelos mais fracos, ou pelos indefesos.

Lá fora, não só já estão lançadas em varios países, as bases de sociedades escolares de protecção aos animaes, mas seriam considerados criminosos os pães que, como succede entre nós, levassem os seus filhos ás touradas.

Se ha quem duvide d'isso, que se dê o prazer de ouvir, de Mr. Durand-Gasselin, o discurso que este illustre pedagogo ha pouco pronunciou em Nantes:

"A sociedade escolar de soccorros mutuos prospera de dia para dia. Não obstante, a missão da escola não está ainda preenchida. Ha em vós uma faculdade em que se não pensa o bastante, e que necessita ser desenvolvida como as outras. Refiro-me ao coração, isto é: - á faculdade de amar. Ha corações bons e corações maus; uns sensiveis e outros endurecidos; uns misericordiosos, e outros crueis. A educação do coração é praticavel como a da intelligencia. Ora é exactamente o meio de o educar o que eu desejo communicar-vos. Para ser-se inteiramente feliz é indispensavel amar, é necessario que trabalhemos e nos dediquemos aos outros. O egoista que só em si pensa, é o mais desditoso dos mortaes".

Em seguida Mr. Durand-Gasselin lança as bases para a fundação de uma sociedade escolar de protecção aos animaes, á semelhança das que se encontram tão largamente difundidas na Belgica, ficando os alumnos considerados membros activos, e havendo membros honorarios, que, pagando a quota de 1 franco por anno, organizam um fundo exclusivamente destinado a premiar aquelles da primeiros que melhores e maiores serviços prestarem á causa da protecção aos animaes. E depois, continua:

"As sociedades protectoras de animaes teem um fim mais elevado que o da protecção, simples e directa, aos seres inferiores da criação. O verdadeiro alvo, aquelle que os legisladores tiveram em vista, fazendo votar a lei Grammont, é espalhar por toda a parte germes de piedade e de bondade, é fomentar a educação quotidiana de uma das suas mais sublimes faculdades, é fazer que a commiseração pelos animaes se estenda e aumente até alcançar o mais alto grau de perfeição, aquelle em que a bondade toma o nome de amor, e em que o coração, impulsionado por duas influencias differentes - a lei humana e a solidariedade - se interessa pelo allivio de todas as desditas e pela protecção de todos os humildes, desherdados da fortuna e seres inferiores da escala zoologica.

Se os homens em geral tivessem mais coração, não se leriam com tanta frequencia descrições de crimes, de crueldades e de mil atrocidades indignas do homem civilizado e educado.

Para terminar, acrescenta o orador, vou reeditar-vos as palavras memoraveis que o Ministro da Instrucção Publica pronunciou em 27 de maio ultimo, na assembleia geral da Sociedade Protectora dos Animaes, de Paris: - Pela protecção aos animaes ter-se-ha iniciado um combate permanente á brutalidade, ao soffrimento, aos instinctos baixos e crueis, que são a deshonra da especie humana; e quando tiverdes dotado o homem com alguns sentimentos de bondade para com os animaes, encontrá-lo-heis mais razoavel para com os seus semelhantes. Cada geração tem o seu ideal. O seculo de Luis XIV foi o seculo das artes e das letras; o seculo XVIII foi o seculo da philosophia; o immediato foi o seculo da sciencia. Eis-nos ás portas de um tempo, ou de uma época, em que a humanidade se prepara evidentemente para formar o reinado da solidariedade, da benemerencia e da justiça. Que o seculo XX sei a pois o seculo da Bondade".

- Por cá é uma febre de touradas, como a melhor maneira de educar um povo.

Pois não tivemos nós o prazer summo de ver o rei Carlos a fazer em Evora uma pega a um boi caraça?

A caracteristica mais bella e mais nobre das sociedades modernas é, com effeito, a força do direito e não o direito da força; é a força das ideias e dos homens de acção generosa e de pensamento, e não a dos subjugadores de touros, ou a dos carregadores das alfandegas...

De resto, ha hoje um grande numero de sports modernos, não só compativeis com os sentimentos de humanidade e de altruismo, que vão sublimando a alma humana, mas que são mesmo muito mais uteis e dignos, visto que concorrem para a educação physica e até moral dos cidadãos das democracias.

Que serviços presta a tauromachia ao progresso, á utilidade ou á civilização?

Nenhuns, absolutamente nenhuns, e muito ao contrario desmente-os e entrava-os.

No ponto de vista economico, observa-se que os gados escasseiam no nosso país, que temos de importar as detestaveis carnes congeladas, e que por toda a parte possui-mos terrenos incultos. As touradas apenas prejudicam a agricultura e a lavoura.

Os artistas? O seu numero é restricto, e uns teem fortuna, outros teem emprego diverso, e os mais são dilettantes, o que corresponde a dizer criaturas despreziveis, visto que vivem e gozam do prazer de praticarem o mal.

Os que fazem pegas? Mas esses são documentos que provam haver brutos mais brutos que os proprios brutos. Ainda no dia 16 de julho findo o forcado Paulo Gaiolas

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saiu da arena com um braço partido e contusões que o tiveram á morte!

Os proprietarios e empresarios de praças de touros?

Que adaptem as suas casas a outros generos de sport, physicos e educativos, e por esse modo, sem descurarem os seus interesses, collaborarão no progresso, na utilidade e na educação geraes.

Em qualquer caso, que os Governos prefiram toda essa gente para os empregos do Estado, mas que não subordinem o interesse geral ao interesse particular d'esses instrumentos da crueldade e da depravação popular - dos adultos e das crianças!

O interesse de poucos deve ser sacrificados ao interesse de todos. E esse o lemma de uma democracia digna d'este nome, e a Republica Portuguesa não pode obliterar esse principio.

Srs. Deputados: vós sois homens do vosso tempo, e estaes em contacto, viveis, mesmo, a generosidade das ideias modernas.

Vós sabeis que essas ideias condemnam todo o antigo culto da força bruta, que pretendem substituir pelo culto da instrucção, da educação, da sciencia, da bondade, da solidariedade, e do amor universaes, consagrando, não os homens que vivem de praticar, o mal, mas os que vivem para exercer o bem - os homens de pensamento, de belleza moral e de acção libertadora, emancipadora e generosa.

Vós sabeis, ainda, sob o ponto de vista economico, que as touradas produzem um desequilibrio pavoroso na economia dos proletarios que, frequentando-as pela seducção com que os provocam e attraem, gastam, no bilhete de entrada, no carro de ida e volta, e no forcado e magro banquete de peixe frito com salada e vinho, que se dão nas hortas proximas - a miseranda feria que devia alimentá-los a elles, ás mulheres e aos filhos, durante toda uma longa semana de privações e injurias reciprocas.

Vós sabeis que mesmo sob o ponto de vista da economia nacional, as touradas produzem todos os annos uma sensivel drenagem de contos de réis, levados por toureiros espanhoes, que se pagam como Messalinas reaes, e que de facto não ha nenhuma razào de ordem moral, financeira ou economica, que justifique a prohibição da entrada da lotaria espanhola em Portugal, ao mesmo tempo que se deixam as fronteiras, sem prohibição, sem fiscalização e sem trancas, áquelles perversores, caros e nefastos, dos sentimentos affectivos e de humanidade do nosso querido povo, do qual vós, com as vossas medidas legislativas, podeis fazer o prototypo da bondade ou da crueldade - um bandido repellente, ou um heroe esplendido.

Vós sabeis ainda, Srs. Deputados, que é profundamente afrontoso:

1.° Que os toureiros morram millionarios, ao mesmo tempo que os sabios, os grandes artistas e os educadores, benemeritos da humanidade, morrem na miseria;

2.° Que aquelles instrumentos da tortura e da maldade humana ganhem, numa hora, o que áquelles mesmos benemeritos só podem ganhar num anno;

3.° Que áquelles brutos recebam, em dias de beneficio, presentes a tal ponto ricos e caros, que o seu preço chegaria para matar a fome durante alguns dias a muitas familias, sendo aliás certo que os estupidos que lhe os offerecem jamais se lembraram de offerecer uma fatia de pão aos proletarios velhos, que, consumindo e esgotando a vida numa obra de utilidade, ajudam a construir e aumentar o patrimonio das riquezas sociaes, e muito menos se lembraram ainda de offerecer, por exemplo a Theophilo Braga, um brinde de reconhecimento pelo thesouro de acquisições scientificas que a todos vae legar na sua obra immensa.

Houve filhos do povo que nos resgataram pela Republica?

Pois andam ahi, pelas ruas, cheios de fome, a acotovelar-se com toureiros que impam de riqueza?

Pedem escola os filhos dos professores?

Pois teem cavallos de preço, e carruagem, as amantes e os filhos dos picadores.

A Republica não pode, nem deve consentir contrastes assim affrontosos.

Demais, nós devemos ter como principio, maximo quando se tratar da educação, do requinte do gosto, e dos bons sentimentos populares, que o que convinha á monarchia, interessada em conservar o povo ignorante, estupido e bestializado por espectaculos degradantes e selváticos, de modo nenhum convem á Republica, que quer o povo instruido e educado, consciente, altivo, bom, amoravel, generoso, humano e digno.

Srs. Deputados! É talvez possivel que não deis ao meu projecto a attenção que eu julgo elle merece. Mas, nesse caso, justo é que os Governos, então a dentro de uma logica de perversidade, mandem riscar, dos livros das escolas, o capitulo que trata dos deveres para com os animaes.

A suppressão das touradas não é, de resto, materia de legislação nova entre nós.

Supprimi-as, em 1835, um Governo generoso e humanitario, e, se depois foram de novo autorizadas, não foi sem que, após isso, a voz do honrado Marquês de Nisa, accusando-as de brutaes e prejudiciaes á agricultura, voltasse, em 1800, na camara dos pares, a propor, pela segunda vez em Portugal a sua completa e necessaria abolição.

Pelo que deixei escrito, e porque a revolução de 5 de outubro assinalou a sua grandeza epica, principalmente pela elevação sublime dos seus sentimentos generosos, commoventissimos de altruismo e humanidade, que nesta hora serena e de justiça devem estender-se aos proprios animaes uteis e amigos do homem, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ficam desde já, e em principio, abolidas as touradas em todo o territorio da Republica Portuguesa, mas definitivamente, de direito e de facto, a partir do dia l de janeiro de 1914.

Art. 2.° Os empresarios de corridas de touros, e bem assim quaesquer cavalleiros, espadas, bandarilheiros, moços de forcado ou protagonistas principaes d'esses espectaculos, serão punidos, a requerimento dos delegados do Procurador da Republica, como incursos no artigo 479.° do Codigo Penal se transgredirem a prohibição d'esta lei.

Art. 3.° Os governadores civis poderão, excepcionalmente, mas só até 31 de dezembro de 1913, permittir que se realizem algumas touradas, pagando os empresarios previamente, a titulo de licença, por cada dia de espectaculo, a quantia de 150$000 réis em Lisboa, 60$000 réis no Porto, 40$000 réis nas terras de mais de 10:000 almas e 30$000 réis em qualquer outro ponto do país.

Art. 4.° O montante do preço d'estas licenças entrará como receita nos cofres districtaes do Seguro Nacional Obrigatorio do Operariado, criados por lei anterior.

Art. 5.° Fica o Governo obrigado a prover em logares publicos, do serviço do Estado, o pessoal das praças de touros que demonstrar ser pobre e não ter outro emprego.

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação applicavel em contrario.

Lisboa e Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 9 de agosto de 1911. = O Deputado por Lisboa, Fernão Botto Machado.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação.

Deseja a Camara Municipal de Alcobaça realizar diversas obras no seu concelho que representam melhoramentos de grande alcance e vantagem para o desenvolvimento economico do mesmo concelho.

Entre esses melhoramentos, dois se avantajam pela sua

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urgente necessidade: - a conclusão da estrada que ha de ligar a importante freguesia de Pataias com a sede do concelho e com o apeadeiro que serve a mesma freguesia, na linha de Oeste, e a canalização das aguas de Chiqueda para abastecimento da villa de Aleobaca, onde a falta de agua de boa qualidade para consumo publico se faz sentir de ha muitos annos.

Da estrada de Pataias acham-se construidos cinco kilometros, faltando ainda cerca de quatro, aos quaes ha a acrescentar uma ponte e dois pontoes.

O custo por kilometro orça por 1:000$000 réis e a ponte e dois pontões devem custar 600$000 réis.

As nascentes de Chiqueda, onde se hão de captar as aguas para o abastecimento da villa, distam da mesma villa aproximadamente tres kilometros e a canalização deverá ser feita em tubagem de ferro, tendo tambem de ser construido na villa o reservatorio geral das aguas, de onde ha de derivar a sua conveniente distribuição.

Para fazer face ás despesas com a realização das citadas obras não conta o municipio com recursos financeiros bastantes e não lhe será facil obtê-los pela elevação do imposto directo ou qualquer outro, pois que essa elevação, que a Camara será obrigada a fazer em vista da insufficiencia das suas receitas, vae ser absorvida pelos novos encargos provenientes da criação de grande numero de escolas no concelho e ainda da nova organização da instrucção primaria, alem do natural aumento dos seus encargos ordinarios.

D'esta maneira, a Camara, tendo estudado o assunto, reconheceu que, para a immediata execução d'aquellas obras, a forma mais pratica e mais rapida de obter os necessarios recursos sem sobrecarregar mais os contribuintes, será a alienação da propriedade do municipio denominada Pinhal da Cantara, o qual mede cerca de mil geiras de area, e cuja venda em glebas ou num só lote proporcionará ao municipio os capitães necessarios, sem que tal alienação represente desfalque nas receitas municipaes, pois que o rendimento do pinhal é, a bem dizer, absorvido pelas despesas com a sua conservação e guarda.

Nestas condições, tenho a honra de submetter á approvação da Assembleia Nacional Constituinte o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E autorizada a Camara Municipal de Alcobaça a alienar, em glebas ou num só lote, a propriedade do municipio denominada "Vinha da Camara".

Art. 2.° É a mesma Camara autorizada a applicar o producto d'essa alienação á conclusão da estrada que ha de ligar a freguesia de Pataias á sede do concelho, e á canalização das aguas de Chiqueda para abastecimento da villa de Alcobaça.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 8 de agosto de 1911. = O Deputado, Affonso Ferreira.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica.

Propostas

Proponho que a Camara Nacional Constituinte, obedecendo ao criterio tão necessario no actual periodo de vida da nação, de estimular todas as boas vontades ao serviço da patria, louve a missão medica, superiormente dirigida pelo Dr. Carlos Franca, e de que fizeram parte os medicos: Annibal de Magalhães, José Maria Rodrigues Pereira Junior, José Nunes Tierno da Silva e Nuno de Queiroz de Vasconcellos Porto, que na Madeira combateu a, epidemia da colera, pelos relevantes serviços que nesta occorrencia prestou a esta ilha e ao país.

Sala das Sessões, em 9 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Brandão de Vasconcellos.

Enviada á commissão de petições.

Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte autorize o Governo a criar brigadas sanitarias em numero sufficiente para acorrer com a indispensavel brevidade aos pontos que porventura sejam atacados pela cólera, que estando já em França, pode invadir de um momento para o outro o nosso país, que tantas relações tem com aquella Republica.

Sala das Sessões, em 10 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Brandão de Vasconcellos.

Enviada á commissão respectiva.

O Sr. João de Menezes: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Ficou resolvido não se dar a palavra a nenhum Deputado antes da ordem do dia, senão áquelles que tiverem de fazer interpellações aos Srs. Ministros.

O Sr. João de Menezes: - Era só para mandar para a mesa alguns documentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, porque tendo hontem a Assembleia Constituinte votado que não era materia constitucional a divisão dos Ministerios, e julgando se de absoluta necessidade a separação do Ministerio da Marinha do das Colonias, tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:

Leu.

O facto é este. Só quem não conhece os extraordinarios serviços que actualmente ha no Ministerio das Colonias é que poderá, por um momento, hesitar na separação que se pede.

Em segundo logar, a marinha de guerra portuguesa não pode de forma alguma continuar por mais tempo no estado chaotico e deprimente em que se encontra: precisamos ,reorganizá-la de modo a que ella nos valorize perante o concerto das nações europeias. (Apoiados).

Sendo nós uma nação de bastante importancia colonial temos, sem duvida, necessidade de valorizar os nossos pontos estratégicos, prestando-se, assim, ás potencias nossas alliadas um relevantissimo serviço.

E porque carecemos de reorganizar a nossa marinha de guerra, estou convencido de que a Assembleia Nacional Constituinte, no seu amor patriotico, muito embora se exija um sacrificio importante á Nação, que aliás será um util e productivo emprego de capital, concorrerá com a sua approvação á proposta. (Apoiados).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vae realizar-se a interpellação do Sr. Deputado Manuel Bravo ao Sr. Ministro da Justiça.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: haja perto de dois meses que pedi a palavra para interrogar o Sr. Ministro da Justiça, a proposito da attitude que S. Exa. o Sr. Ministro interino da Justiça, Bernardino Machado, vinha tomando em frente do repto, das ameaças dos bispos 1 reaccionarios que, de alguma maneira, vinham provocando as populações ruraes instigando-as contra a Republica.

O Sr. Ministro interino da Justiça, teve conhecimento pessoal, porque eu proprio lh'o dei do meu proposito, e

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8 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

promettera-me apparecer nesta casa para responder ás minhas perguntas.

S. Exa., porem, umas vezes por negligencia ou indifferença, outras vezes talvez em virtude de serviço do seu Ministerio, e ainda outras propositadamente, não compareceu, como se tinha compromettido.

Ora tendo S. Exa. tomado commigo o compromisso de apparecer aqui, nesta Assembleia para dar resposta ás perguntas que eu fizesse nessa occasião e a que era urgente dar resposta, S. Exa. escapou-se sempre, illudindo assim a minha espectativa, e, uma vez, de tal maneira, que tomei a sua attitude como aggravo á minha qualidade de Deputado.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - O quê? O quê?

O Orador: - Dizia eu que o Sr. Ministro interino da Justiça se tinha compromettido commigo para no dia seguinte áquelle em que eu falara com S. Exa. vir aqui responder ás minhas perguntas, marcando-me até a hora; esteve S. Exa. na sala das sessões até a altura em que eu devia usar da palavra, e quando eu a tinha, já S. Exa. sairá da sala e conservou-se no corredor dos Passos Perdidos, evitando por consequencia e por esta maneira as minhas perguntas e as necessarias respostas que eu desejava obter.

Sr. Presidente: perante tão insolita e injustificavel attitude do Sr. Ministro da Justiça, interino, vi-me obrigado a transformar o meu pedido da palavra para quando S. Exa. estivesse presente, em nota de interpellação. E, Sr. Presidente, ao aununciá-la, não tive o proposito de tirar d'ella effeitos politicos, visto como o que a mim mais me interessava e o que a meu ver, deve interessar a todos os republicanos, era, é, e será sempre manter integro e sem macula o prestigio da Republica.

Sr. Presidente: tive conhecimento por informações idoneas, de que no concelho da Batalha, freguesia de Reguengo, o eoadjuctor d'essa freguesia, o padre Espirito Santo, aproveitando a ausencia dos pães de uma criança e feito com a avó d'esta, a raptou para ir baptizá-la catholicamente.

Só passados dez dias é que os pães tiveram conhecimento do facto. E sabe V. Exa. Sr. Presidente, o que é que ha no facto de extraordinario e de mais desprestigioso para a Republica? É que, tendo os pães da criança apresentado queixa do facto ás autoridades locaes, receberam como resposta o desdem, a indifferença, testemunhos estes que tão prejudiciaes são para manter, em toda a altura, a integridade moral da autoridade republicana!

Sei, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro, effectivo, da Justiça disse hontem incidentalmente, que o caso estava affecto ao tribunaes. Congratulo-me com as palavras de S. Exa., mas. isso deve-se simplesmente á energia, á grande coragem e aos seus nunca desmentidos sentimentos republicanos.

O Sr. Ministro interino da Justiça chegou a dizer-me que tinha mandado ao concelho da Batalha um funccionario especial para inquerir d'estes factos, mas eu soube, accidentalmente, em conversa, por uma pessoa, cujo caracter, e mercG da sua situação official no Ministerio da Justiça ninguem pode pôr em duvida, eu soube, Sr. Presidente, que S. Exa. o Ministro não mandara tal funccionario áquelle concelho.

Eu pergunto, Sr. Presidente, como é e para que é que um Ministro responde d'esta maneira á sincera espectativa de um Deputado? Como é e para que é que um Ministro adopta taes processos e assume a responsabilidade de um facto de tal natureza, quando é certo que S. Exa. falta ao respeito que deve á verdade, a um representante da Nação e a si proprio?

Para que é e como se comprehende que se encare de tal forma a responsabilidade das respostas que tão fundamente affectam a respeitabilidade, o prestigio e a consideração do logar de Ministro? (Apoiados).

O que é que S. Exa. veio dizer, quando é certo que o que diz está em profundo e irreductivel desaccordo com as suas palavras?

Porque é que S. Exa. vem dizer a um Deputado, que tinha mandado um funccionario especial para conhecer dos factos, quando é certo, e o Sr. Ministro effectivo da Justiça o pode dizer, que não mandou ali nenhum funccionario, e estou convencido de que nem sequer pensou em tal? Isto é grave Sr. Presidente!

Neste momento, accusando as autoridades da Batalha de não terem recebido a queixa, desprestigiando assim o seu nome de representantes da Republica, pretendo simplesmente reclamar do Governo as necessarias providencias, de modo que não mais possam levar-se a effeito tão pouco edificantes decisões e attitudes das autoridades republicanas. É necessario que a justiça da Republica seja exemplar e inflexivel.

Se me refiro a este acontecimento, Sr. Presidente, não é como já disse, para d'elle tirar qualquer effeito politico, porque eu só entendo a politica bem intencionada; tambem não quero Sr. Presidente, com as minhas palavras fazer qualquer aggravo pessoal ao Sr. Ministro interino da Justiça. Desejo todavia registar o meu protesto contra o procedimento do Sr. Ministro interino da Justiça, para que fique bem vincado no espirito da Assembleia Nacional, a despeito de toda a consideração que possamos ter por S. Exa.

Todos os Ministros nos merecem a attenção e consideração; não quer isto dizer, Sr. Presidente, que a Camara lhes possa relevar as faltas e desprimores que porventura hajam tido com ella, na pessoa de qualquer Deputado.

Pela minha parte, Sr. Presidente, não consentirei nunca sem faltar aos meus deveres de educação pessoal e politica, deixar impune um aggravo aos meus direitos de representante da Nação.

Sr. Presidente: um outro facto que eu apontei, refere-se aos bispos, esse facto cito-o eu na nota de interpellação que mandei para a mesa. Já tive occasião de dizer que os bispos teem por todas as formas procurado offerecer meios e dar auxilio ao clero rural, com o firme proposito de hostilizar a Republica.

Nós vemos todos os dias o clero a ser inspirado pelos bispos reaccionarios e inimigos da Republica; é portanto, necessario que a Republica tome providencias para de vez acudir ás garras sinistras e venenosas da phalange negra de Roma e do altar!

Sr. Presidente: não posso deixar de registar a minha satisfação por ver occupar o seu logar o Sr. Ministro effectivo da Justiça. Deposito a maxima confiança em todos os Srs. Ministros, a quem nesta occasião presto homenagem; mas, Sr. Presidente, devo dizer tambem nesta hora, em que se agita uma questão de gravidade para o nome do nosso país e para a nova politica, devo dizer que é necessario, como nunca, ser escrupuloso nos actos de justiça e manter toda a serenidade para não desmerecer o prestigio do Governo republicano.

É com prazer, Sr. Presidente, que eu confesso sentir-me sinceramente satisfeito, como republicano, por ver naquelle logar de Ministro da Justiça o grande cidadão que é Affonso Costa.

Sr. Presidente: aguardo a resposta de S. Exa. e peço a V. Exa. o favor de me reservar a palavra, caso seja necessario usar d'ella para explicações, depois de ouvir os esclarecimentos que o Sr. Ministro da Justiça tiver de dar-me.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Se a interpellação do illustre deputado, Sr. Manuel Bravo Junior, se limitasse ao ponto concreto do que fui informado.

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Responder-lhe-hia lendo apenas dois telegrammas que lhe devem dar inteira satisfação, um dos quaes, do Sr. Governador Civil de Leiria, é concebido nos seguintes termos: "Foi o coadjutor quem fez o baptizado, contra vontade dos pães e sem apresentação do boletim official. A avó catechizada levou a criança á igreja. O processo está bem fundamentado..."

Leu.

Telegramma do delegado do Procurador da Republica:

Leu.

O Sr. Manuel Bravo: - A data do telegramma?

O Orador: - 8 do corrrente.

Mas, como o Sr. Bravo Junior não se limitou a fazer uma interpellação, mas uma accusação em forma ao Ministro da Justiça interino, o Sr. Dr. Bernardino Machado, por isso repillo, com a maior energia, não só a apreciação que S. Exa. fez do procedimento do meu collega, mas a propria exposição de factos em que entendeu dever basear a sua affirmação; e faço-o por dever de confiança, de lealdade, de justiça, porque não ha ninguem na Camara que tenha a mais pequena sombra de duvida de que são inteiramente injustas as palavras de "falta de lealdade, exactidão" e outras que o Sr. Bravo não duvidou empregar na paixão da sua argumentação, dirigindo-as ao Sr. Dr. Bernardino Machado, que é o modelo da lealdade e do cavalheirismo. (Apoiados).

O Sr. Bravo Junior: - Mantenho-as.

O Orador: - O Sr. Bravo não tinha razão para fazer semelhante accusação.

Da leitura do telegramma do Sr. Governador Civil, que é documento official que faz prova plena, resulta que ha tempo está entregue ao poder judicial este assunto.

S. Exa., a primeira cousa que devia ter tido o cuidado de saber, era se as providencias tinham sido tomadas; e saberia que o Sr. Ministro da Justiça interino as tomou, e tão prontas ellas foram, que o assunto foi para o tribunal judicial, unica instancia lega! em que pode ser tomada a responsabilidade e punido o facto incriminado.

Não sei quando foi; já passou ha tempo, mas o que certifico e que, quando eu voltei á effectividade da minha pasta, já o facto estava em juizo. S. Exa. affirmou que, ao Ministro effectivo e não ao interino, se devia o procedimento havido.

Não é verdade, e espero que S. Exa. faça ao Ministro, interino, a devida justiça.

O Sr. Manuel Bravo deu a entender que o Sr. Ministro da Justiça, interino, fazia, dentro d'esta pasta, pouco effectiva a defesa da Republica, e que por isso mesmo não queria, ou não podia, ou entendia não dever vir á Camara responder á interpellação de S. Exa. Ora eu estou autorizado a declarar, pela maneira mais formal e peremptoria, em relação ao facto, que o Sr. Bernardino Machado veio á Camara para ouvir a sua interpellação, e que em vez de o interpellar, o Sr. Manuel Bravo, como o Sr. Bernardino Machado, pelo facto de ter as suas obrigações de Ministro presas a duas pastas e de cumprir lealmente os seus deveres, nem sempre podia comparecer a tempo, se julgou autorizado a concluir que o meu collega se furtava a ouvi-lo, dando-se até o caso do Sr. Bravo usar do palavra quando elle cá não estava para o censurar na sua ausencia.

Devo dizer que foi um mau acaso que levou o Sr. Bravo, sistematicamente, a usar da palavra quando não estava cá o Sr. Ministro. Ainda hoje, por infelicidade do Sr. Bravo, succedeu que as palavras desprimorosas que entendeu dever dirigir ao Sr. Ministro da Justiça interino, foram ditas em occasião em que elle não estava presente.

Todos os actos praticados pelo Sr. Bernardino Machado na pasta da Justiça foram do meu conhecimento.

Devo dizer mais, o Sr. Bernardino Machado, estando eu, com quarenta graus de febre, não praticou acto algum no Ministerio da Justiça, de maior importancia, sem ir ter commigo.

Sr. Presidente: o Sr. Manuel Bravo, entendeu tambem referir-se á attitude do Ministro, na questão religiosa, mas referindo-se a ella de uma maneira muito vaga.

Eu já disse aqui, numa sessão anterior, que o problema da resolução da questão religiosa em Portugal é mais delicado do que pode parecer á primeira vista.

Mas basta a attitude que a Republica tomou, por unanimidade, em relação aos bispos de Beja e do Porto, para mostrar que não consente que se saia para fora do caminho da legalidade.

O problema religioso continua no mesmo pé.

O bispo da Guarda foi processado por factos concretos.

Estava então na pasta da Justiça o Sr. Bernardino Machado, que ordenou um inquerito sobre as accusações de que elle era alvo.

O resultado do inquerito, quando chegou ao Ministerio da Justiça já eu lá estava.

Não se admire, porem, o Sr. Manuel Bravo de que o assunto esteja em estudo e que não tenha sido resolvido no primeiro Conselho de Ministros; o que affirmo é que se o Conselho de Ministros entender que os bispos delinquiram, serão castigados, sem a menor especie de hesitação.

O Governo, porem, quer proceder com toda a lisura e correcção; numa palavra, quer encher-se de razão.

Pediu o Sr. Manuel Bravo para que lhe ficasse reservada a palavra, e bom é que S. Exa. responda, para mostrar que se convenceu.

E, com os ideaes adeantados, que S. Exa. professa, tem o illustre Deputado uma occasião excellente para mostrar que é um adversario leal e correcto, que sabe fazer justiça a todos.

Do que S. Exa. pode ter a certeza é que o Sr. Bernardino Machado, nem para com S. Exa., nem para com qualquer outro Sr. Deputado, faltou jamais aos seus deveres, e eu estou aqui para responder por elle, apesar de que, tambem S. Exa. se encontra sempre aqui presente para responder pelos seus actos.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: responderei com toda a serenidade lealdade e correcção ao Sr. Ministro da Justiça, procedimento que tenho sempre com todos os meus concidadãos, não havendo circunstancia alguma que d'elle me possa desviar.

Antes de mais nada, preciso levantar algumas frases do discurso de S. Exa. o Sr. Ministro, pois que de alguma maneira affectam o meu caracter.

Disse S. Exa. ter eu interrogado o Sr. Ministro da Justiça interino, quando elle estava ausente.

E inexacto, Sr. Presidente; invoco o testemunho de V. Exa. e de toda a Camara para testemunhar qual de nós diz a verdade : se o Sr. Ministro, se eu.

Sr. Presidente: varias vezes pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Justiça interino; mas nunca aproveitei a sua ausencia para me occupar de negocios do seu Ministerio, nem o tempo para levantar questões irritantes ou fazer perguntas que, de alguma maneira, fossem tendenciosas ou indirectas.

Pelo contrario, tive sempre a lealdade e a correcção de dizer, por mais de uma vez, ao Sr. Ministro da Justiça interino, qual era o assunto das minhas perguntas, a que S. Exa. podia responder em alguns minutos.

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De uma das vezes, me lembro bem, que S. Exa. veio ter commigo, e, dando-me assim uma prova de deferencia, declarou-me ter necessidade de se retirar, por ter de receber, officialmente, um diplomata, creio que o representante dos Estados Unidos da America.

Estava muito bem: accedi da melhor boa vontade ao desejos de S. Exa.

O que me maguou, na qualidade de Deputado, foi o facto de, dias depois de ter eu insistido junto da mês para que a minha interpellação se realizasse e de ter o Sr. Presidente respondido que já communicara ao Sr. Mi nistro da Justiça interino o meu desejo e ainda depois de o Sr. Ministro e eu chegarmos a combinar, definitivamente, o dia em que deveria realizar-se essa interpellação, nunca eu o poder fazer, porque S. Exa. voltava a adoptar os processos anteriores ao ultimo compromisso: isto é, continuava a faltar.

Eu disse a S. Exa. que desejava que apparecesse, um instante que disse, para liquidar o assunto, tanto mais que era já uma scie a insistencia, em realizar essa interpellação.

Voltou a marcar-se de novo um dia para ella, e S. Exa. disse-me, num tem muito espontaneo, decisivo e cordial, que já tinha enviado um funccionario a averiguar do caso e por isso julgava escusado que se realizasse a interpellação.

Qual não foi, porem, o meu espanto, Sr. Presiden te, ao saber que não era assim, porque o director gera do Ministerio, a quem fiz a pergunta, ignorando a resposta que o Sr. Ministro me havia dado, respondeu-me que não tinha sido enviado funccionario algum.

Não tenho vontade de offender o Sr. Bernardino Ma chado, por. quem, pessoalmente, tenho toda a consideração, mas como Ministro, Sr. Presidente, não posso deixar de criticar os seus actos publicos.

Eu, Sr. Ministro effectivo da Justiça, Sr. Affonso Costa, nunca seria capaz de commetter uma deslealdade, de tentar uma perfidia, porque isso repugna não só ao meu caracter pessoal, mas á minha educação politica, áquella educação que foi nos tempos mais arduos e mais difficeis de opposição.

S. Exa. bem o sabe, porque eu nunca hesitei em dar o meu concurso leal e sincero, não aos homens, mas aos principios, porque eu vi sempre os principios acima dos homens. Tambem não tive duvida em dar o meu apoio aos homens, quando estes estavam de accordo com os meus principios; eu não podia depois da victoria da causa do partido republicano vir para aqui fazer qualquer cousa que se pudesse confundir com um mau serviço, propositado e consciente ás necessidades da Republica. Não venho aqui atacar homens, nunca os ataquei; os homens estão, a meus olhos, sempre de parte; para as minhas aspirações e para o meu desinteresse são tão pequenos ao lado dos principios, que não quero saber d'aquelles para nada quando me proponho servir os destinos superiores das novas instituições.

E preciso talento, caracter, mas muito mais caracter do que o talento para bem cooperar no engrandecimento e no triumfo das grandes causas.

O Sr. Ministro da Justiça disse ainda que eu affirmara que as providencias de que me dá conta nesta occasião foram tomadas pelo Sr. Ministro interino, e que ao S. Exa. chegar ao seu Ministerio, depois da grave enfermidade que atravessou, já encontrou a questão soluccionada, tendo sido entregues aos tribunaes os delinquentes. Eu pergunto a S. Exa. que data teem os telegrammas do governador civil de Leiria e do delegado do procurador da Republica da respectiva comarca?

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sete o do governador civil e oito o do delegado.

O Orador: - Muito bem. Eu annunciei a minha interpellação logo nas primeiras sessões da Assembleia, em 6 de julho, salvo erro; portanto, já V. Exa. vê que o tempo que eu tenho esperado manifesta bem os bons propositos e a lealdade com que quero acompanhar a questão.

Se quisesse levantar uma questão irritante entre mim e S. Exa., insistiria no uso do meu direito para que S. Exa. desse resposta ás minhas perguntas, mas não o fiz, exactamente para não levantar um incidente irritante, que não era com certeza o mais proveitoso aos fins que tenho em vista.

E, de um modo geral e para finalizar, tenho a dizer ao Sr. Ministro effectivo da Justiça, que sustento as minhas accusações ao Sr. Ministro da Justiça interino, e mantenho todas as palavras de que me servi desde o começo das minhas considerações. E quanto ao mais, a camara julgará, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - E para dizer, completando o meu esclarecimento, que a sua interpellação foi apresentada não ha dois meses, porque foi mandada para a mesa em 6 de julho, deu entrada no Ministerio da Justiça no dia 7 ou 8, e os primeiros telegrammas foram expedidos em 1 de agosto e successivos telegrammas foram expedidos até haver informação concreta como áquella que acabo de ler á Camara. O que S. Exa. queria saber era se o acto criminoso, praticado por um padre em materia de registo, era ou não punido.

Se se tratasse do parocho da freguesia, alem da responsabilidade criminal, tinha de haver a intervenção do Governo, das autoridades civis ou administrativas, porque o parocho incorria em penalidades d'esse caracter; mas como foi o coadjutor, veremos o que diz o poder judicial.

Relativamente ao ponto concreto de que o Sr. Bravo se occupou, saber se foi enviado telegramma official ou não, vê-se que o telegramma é do mês anterior ao envio da sua nota de interpellação e que se refere ao tempo do envio do processo. Vê-se d'elle que a autoridade administrativa fez a investigação e que a mandou para juizo.

S. Exa. comprehende muito bem que o Sr. Ministro da Justiça, interino, por mais que desejasse mandar um delegado official, estava dispensado de o fazer desde o momento em que tinha as informações officiaes que li á Camara.

Arredada a falta ou demora, que não houve, no cumprimento de deveres por parte do Ministro, arredado está tambem o proposito de faltar com elles a alguem ou a um Deputado, principalmente a S. Exa., que tem mantido sempre boas relações com o Sr. Bernardino Machado. A questão está agora no verdadeiro pé, e d'ella nada se deduz que possa servir para ataque ao Sr. Ministro da Justiça, interino, o que de resto era de esperar, porque não ha ninguem que tenha mais devoção pelos negocios publicos e da Republica do que o Sr. Bernardino Machado. Podem igualar-se a elles todos os outros, mas excedê-lo ninguem o excede, porque ninguem trata dos interesses da Republica e da Patria com mais intelligencia e honradez. Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia; não ha, portanto, tempo para se realizar mais nenhuma interpellação.

Os Senhores Deputados que tiverem papeis a apresentar podem enviá-los para a mesa.

O Sr. Lopes da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Declaro que insto para que, pelo Ministerio do Fomento, me sejam dados com toda a urgencia os esclare-

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cimentes que pedi em requerimento enviado á mesa sobre o resultado da syndicancia á Bolsa de Lisboa. = Lopes da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Declaro que tenho a maior urgencia da remessa dos documentos por mim pedidos ao Ministerio do Fomento, sobre o prolongamento do caminho de ferro do Barreiro a Cacilhas, por me ser impossivel procurá-los no referido Ministerio, conforme as declarações proferidas nesta Assembleia pelo Ministro da referida pasta. = O Deputado, Gastão Rodrigues.

Mandou se expedir.

O Sr. Matos Cid: - Apresento a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar os Exmos. Srs. Ministros do Fomento e das Finanças, quanto ao pedido de garantia de juro, feito pela União Central dos Vinicultores para uma nova emissão de obrigações, bem como acêrca da situação da mesma União.

Lisboa, 11 de agosto de 1911. = O Deputado pelo circulo 18, José do Valle de Matos Cid.

Mandou-se expedir.

O Sr. França Borges: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pela secretaria d'esta Assembleia, me sejam fornecidas as seguintes informações:

1.ª Relação dos redactores da antiga Camara dos Deputados, em exercicio á data da proclamação da Republica, com indicação da sua antiguidade;

2.ª Nota dos funccionarios da mesma categoria, demittidos após essa data, com a indicação do motivo que deu causa á demissão;

3.ª Copia de quaesquer notas de ordem moral, profissional ou politica, que existam acêrca d'estes funccionarios;

4.ª Importancia total que cada um paga para a Caixa de Aposentações;

5.ª Nota dos redactores nomeados após 5 de outubro, e motivo da sua nomeação.

Sala da Assembleia Nacional Constituinte, 11 de julho de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mandou-se expedir.

O Sr. Amorim de Carvalho: - Manda para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Interior, me seja enviada copia da syndicancia realizada aos acontecimentos tumultuosos que se deram na freguesia de Penela, concelho de Penedono, nas noites de 31 de maio e 1 e 2 de junho ultimo.

11 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Amorim de Carvalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Ramos da Costa: - Apresento o seguinte Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio da Guerra me seja fornecida uma nota indicando a quantia disponivel do fundo proveniente da remissão de recrutas em 30 de setembro de 1910 e bem assim as verbas despendidas por conta d'aquelle fundo até 31 de julho ultimo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 12 de agosto de 1911. = O Deputado, Francisco de Salles Ramos da Costa.

Mandou-se expedir.

O Sr. João de Menezes: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros a relação de todos os funccionarios nomeados pelo mesmo Ministerio desde o dia 5 de outubro de 1910 até a presente data.

11 de agosto de 1911. = O Deputado, João de Menezes.

Requeiro pelo Ministerio das Finanças a relação de todos os funccionarios nomeados pelo mesmo Ministerio desde o dia 5 de outubro de 1910 até a presente data.

11 de agosto de 1911. = O Deputado, João de Menezes.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio do Interior me seja fornecido o mappa de todo o pessoal dependente das duas direcções geraes de Instrucção Publica com a indicação dos respectivos ordenados e categorias.

Sala das Sessões, em 11 de agosto de 1911. = O Deputado, Ladislau Piçarra.

Mandou-se expedir.

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3 (Constituição)

O Sr. José Barbosa: - Sr. Presidente, e meus Senhores: chamado, como representante da commissão da Constituição, a responder ao Sr. Antonio Macieira, venho cumprir esse dever; mas antes de o fazer, tenho de apresentar um novo additamento ao artigo 33.°

E o seguinte:

Additamento

Additamento no artigo 33.° (salva a redacção):

d) "Os commissarios da Republica no ultramar". = José Barbosa.

Estou de inteiro acordo com o additamento do Sr. Innocencio Camacho, mas como elle não inclue os commissarios da Republica no ultramar, que teem, de facto, uma funcção executiva igual á dos Ministros, e mais do que essa funcção, teem funcções legislativas, mando para a mesa o additivo que tive a honra de ler.

O Sr. Antonio Macieira perguntou qual era a opinião da Commissão a respeito da emenda apresentada pelo Sr. Innocencio Camacho. Parece que era escusada essa pergunta.

Ha varias interrupções.

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12 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Está no projecto o artigo 41.° que foi unanimemente votado na commissão. Esse artigo, que tanto cuidado tem dado ao Sr. Macieira...

O Sr. Antonio Macieira: - V. Exa. repete o que disse.

O Orador: - Se V. Exa. imagina que pode interromper-me quando quiser, engana-se.

O Sr. Antonio Macieira: - O que quer V. Exa. dizer com esse engana-se?

Essa forma sacudida e esses additivos é que eu não admitto.

O orador faz uma pequena pausa e prosegue.

O Orador: - O Sr. Antonio Macieira perguntou a opinião da commissão a este respeito. Tal opinião está no artigo 41.° do primeiro projecto, assim como está na emenda total que depois apresentou e agora se discute. Nesta emenda nada se alterou. Por isso continuou incluido no artigo 71.° o § unico.

Mas, Sr. Presidente e meus senhores, na nossa commissão encontrava-se, e era até o relator do projecto, um illustre collega que era evidente e conhecidamente candidato á Presidencia da Republica, e eu e outros membros da commissão votamos esse paragrapho que era uma deferencia para com S. Exa., que não podia de forma alguma ser favorecido por uma disposição do projecto em que collaborara. S. Exa. não pôde relatar o projecto e defendê-lo.

O Sr. Magalhães Lima não nos pôde acompanhar depois nesta discussão, mas se S. Exa. aqui tivesse vindo, com certeza que defenderia este paragrapbo.

Não sou, todavia, ineoherente combatendo este paragrapho.

O Sr. Victorino Guimarães: - V. Exa. não pensou sempre assim. Dou a minha palavra de honra.

O Sr. Alfredo de Magalhães: - Ordem, ordem. Ha muito que dizer a seu tempo.

Vozes: - Ordem, ordem.

Muitos apartes.

Grande sussurro.

O Sr. Presidente agita a campainha.

O Orador: - Se V. Exa. ai não me querem deixar falar é outra coisa. Nesse caso calar-me-hei; mas se me deixarem falar provarei que não sou ineherente.

Onde é que está a minha incoherencia?

Vamos ver a insubsistencia d'essa accusação.

É preciso recordar como se elaborou o projecto em discussão, para se comprehender a inclusão d'este artigo.

A commissão tinha recebido varios projectos, que discutiu, e entre elles um do Sr. Cunha e Costa. Consignava-se no artigo 1.° § 2.° das disposições transitorias d'esse projecto, que, para a primeira eleição, não haveria incompatibilidade. Foi' ao discutir este ponto que a commissão resolveu incluir esta materia no seu projecto. Era elle uma base para discussão: viria para a Assembleia que acceitaria, ou não, essa doutrina.

Se eu fosse vencido na Assembleia sujeitar-me hia absolutamente á votação.

Ninguem extranhou que um membro da commissão, o Sr. João de Menezes, no pleno gozo de um direito, que ninguem lhe podia recusar, votasse, como votou, contra o principio da presidencia, consignada no projecto; ninguem pode estranhar tambem que eu vote contra o § unico do artigo 72.°

Assim como disse que me sujeitava á decisão da Assembleia, tambem agora digo que se porventura ella votar no sentido do Presidente da Republica poder sair de entre os Ministros, procederei de acordo com seu voto, reservando-me o direito de escolher, ou entre os Ministros, dentro ou fora d'esta Assembleia, aquelle que deva receber o meu suffragio para Presidente.

Quando vi divididas as opiniões e vi que numa parte dos elementos mais enthusiastas do partido republicano, representado na Assembleia, havia uma opinião favoravel uma pessoa, que me era em especial querida, o Sr. Affonso Costa, eu tive a franqueza de dizer aos Srs. Deputados José de Abreu e Artur Costa, que havia ahi, talvez, uma solução.

O Sr. Alexandre Braga: - Lá se iam os principios!

O Orador: - Não se iam tal os principios! Se a Assembleia votar que podem ser eleitos os Ministros, pode o Sr. Alexandre Braga ter a certeza de que não levantarei protesto algum contra isso.

Uma voz: - Nem pode.

Outra voz: - Ninguem pode, mas ha quem proteste desde já.

O Orador: - Se a Assembleia resolver que o Presidente saia de entre os Ministros, acharei que a maioria dos meus companheiros d'esta Camara teve talvez razão, e procurarei ver se foram elles que a tiveram ou eu.

Não me julgo infallivel. Tenho as minhas opiniões; mas muitas vezes, a opinião alheia tem corrigido a minha. E honro se eram isso.

Longe de mim o suppor-me infallivel...

E possivel que d'este debate resulte que muita gente, que tem opinião contraria á minha e contraria á emenda Innocencio Camacho, fique a favor d'ella e vice-versa. Se ha quem respeite esse direito sou eu.

O Sr. Alvaro Poppe: - Depois de ter assinado um compromisso de honra.

O Orador: - Engana-se V. Exa.; não assinei compromisso algum de honra. Nem eu nem ninguem o assinou, é uma pura fantasia.

Tem-se affirmado que não somos movidos por doutrinas, nós os que sustentamos a emenda Camacho. É menos exacto.

A prova absoluta de que não estou fazendo questão de personalidades é que já declarei que acceitava, na hypothese de ser mantida a disposição do paragrapho unico, do artigo 72.°, que se escolhesse, para Presidente, algum dos Ministros, desde que isso conviesse á Republica e á Patria.

O facto de votar contra essa disposição, não quer dizer que julgue menos dignos homens que sempre considerei dignos. Supponho os cheios de serviços ao meu partido e á Nação; e se não sou capaz de levantar a menor suspeita sobre quem quer que seja da Assembleia, muito menos o faria tratando-se de homens que teem dirigido, com o meu applauso, os destinos do partido a que tenho a honra de pertencer.

Não ha questão alguma pessoal; e se alguem pensasse em arrastar-me para uma questão d'essa ordem, francamente declaro que de forma alguma acceitaria esse terreno. (Apoiados).

Nem sequer considero, Sr. Presidente, como questão

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SESSÃO N.º 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1911 13

pessoal o que vi hoje num"jornal contra um homem de altissimo caracter e que nós estimamos, o Sr. Azevedo e Silva. E uma censura, bem ou mal feita a um funccionario, e o jornalista que a fez, estava no seu pleno direito de critica.

O meu ponto de vista, na questão da Presidencia, é de ha muito conhecido por pessoas que eu muito estimo e considero. Como S. Exa. é incapaz de julgar que eu quero tirar effeitos citando o seu nome, direi que o Sr. José Relvas de ha muito conhece a minha opinião a este respeito.

Por que se falou na candidatura provavel de S. Exa., levantou se uma campanha contra o seu nome, nome que todos nós respeitamos. Reconheci então que tinha tido muita razão quando, ao elaborar um projecto, que não fiz por vaidade, mas por incumbencia da Junta Consultiva e do Directorio do Partido Republicano Português, projecto que devia ter sido feito com a collaboração do Dr. João de Menezes, mas em que S. Exa. se recusou a collaborar porque se dizia que havia outro projecto da iniciativa do Governo, mas que, afinal, tinha sido formulado apenas pelo Sr. Theophilo Braga; quando elaborei esse trabalho, dizia eu, no mês de novembro, não pensava em apresentar a candidatura do Sr. José Relvas, mas é certo que não pensava tão pouco que esta disposição levantaria attrictos, porque não julgava que só dentro do Governo Provisorio pudessem estar as pessoas competentes para as funcções de chefe da Nação.

Não vejo em que é que aquelles que sustentam a inelegibilidade dos Ministros possam ter levantado uma questão pessoal. (Apoiados). Não vejo por que razão ha quem affirme que se quer fazer exclusão de uma dada individualidade.

Se essa individualidade, approvado o § unico do artigo 72.°, for eleita, eu, pela minha parte, declaro que lhe darei todo o meu apoio, insignificante, mas leal. (Apoiados).

Nós não estamos a tratar de pessoas. A situação que uma pessoa qualquer representa, seria e é idêntica á que representam outras pessoas dentro do Ministerio. Pois bem, ou prefiro essas outras pessoas ao candidato, que não nomeio, e não nomearei, porque, meus senhores, entendo que um regime novo necessita de homens novos.

Fala-se constantemente no nosso proposito de dividir o partido.

Quando o Sr. José de Abreu me disse que era preciso acabar com esta situação, em que via desenhada uma luta, disse-lhe eu que era verdade, e que se se apresentasse a candidatura do Sr. Affonso Costa e se em volta d'ella houvéssemos de congregar-nos para se manter a união do partido, eu votaria em S. Exa.

Disse-lh'o e repito: votaria, pela união do partido, em qualquer Ministro, quando me provassem que do facto de não votar em nenhum d'elles resultaria, divisão; mas não resulta, porque nós, que não votamos em alguem, estamos prontos a apoiar esse alguem. (Apoiados). Hontem ainda o Sr. Germano Martins se lembrou de me dizer que a Republica Brasileira era minha. É um da muitos ditos de espirito que S. Exa. me tem dirigido, mas para este caso a lição do Brasil ainda é boa.

Na primeira eleição da presidencia, quando foi eleito o marechal Deodoro da Fonseca, havia um grupo importante, de 97 Deputados, que votaram no nome do que foi depois presidente, em Prudente de Moraes.

Eu remetto aquelles dos Deputados que teem curiosidade por estes assuntos, para os annaes da Constituinte Brasileira, para verem a declaração feita por Julio de Castilho ou outro Deputado do Rio Grande do Sul, affirmando que apesar da votação ter sido secreta, tinha a declarar que tinha votado em Prudente de Moraes; mas, eleito Presidente da Republica o marechal Deodoro da Fonseca, com cuja politica não concordava, deram-lhe todo o seu apoio, não a elle como homem, como chefe do exercito, como chefe do Governo provisorio, mas unica e simplesmente a elle, supremo magistrado da nação! Assim nós, os que estamos contra a disposição do § unico do artigo 72.°, havemos de proceder.

Eu disse ha pouco que se fosse vencido nesta questão ficaria absolutamente contente commigo mesmo por ter cumprido o meu dever e que me havia de submetter de todo á decisão da Assembleia.

Meus senhores: não me preoccupa a ideia de ver no poder quem quer que seja, porque de aqui solemnemente declaro que de quem quer que seja não acceitarei favor algum, e esse mesmo cargo a que hontem se referiu o Sr. Macieira, que é independente do poder executivo (tenho aqui a lei organica que o instituiu para que S. Exa. a veja se desejar); esse cargo, cujo funccionario só pode ser julgado, em virtude de uma emenda do Sr. Affonso Costa, pelos tribunaes ordinarios; esse mesmo cargo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, está ao dispor do Sr. Ministro, embora pelo regulamento em vigor, publicado em harmonia com o decreto de 11 de abril, nenhum d'esses funccionarios possa ser demittido dos seus logares senão precedendo processo.

Com orgulho e não com vaidade o digo: tenho nessas funcçoes zelado, com absoluto rigor, os interesses da nação.

Podia pedir a quasi todos os Srs. Ministros o seu testemunho; poderia dizer que fomos nós, os que se apontaram como tendo escalado os logares d'aquelle Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, que encontrámos os processos innumeros, paralysados pelos politicantes da monarchia, para não levar á cadeia os seus correligionarios, os seus caciques locaes, que estavam compromettidos por graves faltas.

Fomos nós que mostramos como estavam mal acautelados os interesses do Estado pelas pequenas fianças dos exactores da fazenda, o que nunca se tinha verificado, e como estavam mal garantidos os dinheiros da Nação por que são responsaveis muitissimos dos exactores do ultramar.

Nada d'isto vale, porem, cousa alguma ; e emquanto lá estivermos havemos de cumprir o nosso dever. É o meu logar está á disposição, do actual Ministro ou do que a S. Exa. succeder, porque não desejo viver opprimido, sob a carga do emprego publico.

Quando o illustre Ministro das Finanças me convidou por amabilissima gentileza, para este cargo, eu disse a S. Exa. que o acceitava porque era uma commissão transitoria; mas tratei de pedir e de fazer saber que não queria pagar direitos de mercê, porque não queria ser considerado funccionario do Estado.

Tenho uma profissão, de que sempre vivi. Não quero desempenhar outra.

O meu logar, repito, está ás ordens do Governo; quem quer que o queira pode procurar meio de o obter, meio facil, porque estou pronto a sair de lá.

Julgo que fica claramente definida a minha situação.

E preciso concluir. Repito que não sou incoherente. Com o que se affirma no meu projecto, sou coherentissimo. Essa é que é a minha opinião.

Que se diria do Sr. Nunes da Mata, que votou a elegibilidade dos actuaes Ministros e que no seu projecto, no artigo 56.°, fez a transcrição litteral do que estava no meu, no artigo 37.°.

Interrupção do Sr. Deputado Nunes da Mata.

O Orador: - Eu não accuso V. Exa., mas não quero tambem que me accusem a mim. Cada um tem a sua opinião.

V. Exa. escreveu este artigo com a mesma sinceridade em que eu escrevi o meu ou com que outro acha que lie não tem aqui cabimento.

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14 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Disse o Sr. Antonio Macieira que a doutrina da inelegibilidade dos Ministros para a Presidencia é presidencialista.

Não sei, não vi, até hoje, em parte alguma, entre as caracteristicas do regime presidencialista, incluida a inelegibilidade dos Ministros para o cargo de Presidente da Republica. Pode ser que haja, mas não conheço em que tratadista.

Olhando para a unica Republica Parlamentar que ha na Europa, afora a nossa, a Republica Francesa, pude colher a nota de que em todo o periodo da Republica, só um Ministro foi eleito Presidente; foi Felix Faure, e ainda assim eleito em 17 de janeiro por uma colligação de monarchicos e republicanos, quando se pode dizer que já restava demissionario desde 14 de janeiro. Felix Faure foi eleito por uma surpresa que ninguem ignora, mas com o apoio da parte reaccionaria da Camara.

Felizmente para nós, se porventura for approvada a disposição do § unico do artigo 72.°, não podemos ter essa surpresa, porque quem quer que seja eleito, ha de o ser pelos votos dos republicanos e ha de ser um republicano. Quem quer que seja eleito, ha de forçosamente contar com os elementos que sempre foram republicanos. E embora haja divergencias de opinião, num ponto maximo teem todos de concordar, que é o de consolidar a Republica e defender as instituições que foram conquistadas por nós todos.

Quero, como todos querem, a união do partido republicano (Apoiados). Nenhum de nós procura fazer a scisão do partido. Mas, se é preciso, para haver essa união, que todos os dias nos sujeitemos a accusações, então separemo-nos de vez; cada um vá para seu lado e eu estarei contente, retirado de todos para não ser alvo de ataques injustos e de censuras ainda mais injustas.

Alguns de nós fomos collocados nesta camara numa posição embaraçosa.

Andava-se aqui á busca de conluios para um ataque pessoal, solemnemente declarado, mas para esse ataque nenhum de nós contribuia com o menor esforço.

Eu sei que qualquer dos candidatos que se apresente ha de ser um republicano e que, se amanhã eu o apoiar, não me vendo, nem por vendido passarei.

Não porei duvida em apoiar os actos que elle pratique e as doutrinas que elle ponha em vigor 5 mas, quem quer que elle seja, ha de ter a certeza de que, só pelo nosso accordo, o apoiarei e ha de ter a certeza de que, se eu bater ás suas portas, ha de ser para reclamar justiça, mas não para pedir um favor, porque favores não quero de ninguem.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara, porque desejava consulta-la sobre a inscrição, em que se encontram varios Srs. Deputados que pediram a palavra sobre a ordem.

É meu entender que na discussão da especialidade não deve haver a preferencia sobre a ordem; em todo o caso, como o Regimento não é bem claro a este respeito, consulto a Camara sobre se entende que deve respeitar-se esse preceito ou manter-se a inscrição como está.

O Sr. Alexandre Braga: - Eu reclamo o direito de pedir a palavra sobre a ordem quando quiser.

Não pode haver decisão da mesa sobre isto. Não ha mesmo que consultar a Camara se dispensa o Regimento. Acho que se deve manter a inscrição conforme os que se inscreveram sobre a ordem e sobre a materia.

Vozes: - Não pode ser. O Regimento não permitte.

O Sr. Presidente: - O Regimento não é absolutamente claro a esse respeito.

Vozes: - É clarissimo.

O Sr. Presidente: - V. Exa. ha de permittir, que eu, desde que tenho duvidas, submetta á deliberação da Camara este caso.

Ninguem me pode contestar esse direito. (Apoiados).

O Sr. Alexandre Braga: - Sem duvida, Sr. Presidente; ninguem contesta a V. Exa. esse direito.

Mas tambem ninguem me pode coarctar o direito de falar sobre essa duvida ou esclarecer a Camara sobre esse assunto.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sempre se entendeu que havia ordem.

Agitação.

O Sr. Alexandre Braga: - O artigo 59.° diz o seguinte:

Leu.

Não estabelece nada mais.

Simplesmente impõe ao orador a obrigação de apresentar uma moção, dando-lhe a preferencia de falar, como se dá o pedido da palavra para um requerimento.

Qualquer outro Deputado certamente considera como prejuizo dos seus direitos que se não respeite esta theoria, em resultado de não haver, infelizmente e deploravelmente, uma disposição que ordene, sobre qualquer discussão, o fazer-se a inscrição contra e a favor, o que dá em consequencia que só depois de falar uma alluvião de Deputados contra ou a favor, alguem usar da palavra em sentido contrario, perdendo a sua argumentação. E isto poderá facilmente acontecer pelo cansaço da Assembleia, não se dando logar á elucidação do assunto, por não haver margem para um Deputado, que se tivesse inscrito sobre a ordem, o poder fazer a tempo do debate se elucidar convenientemente.

O Regimento fez-se para se cumprir e não para que se esteja a dar em cada dia uma interpretação ao sabor das conveniencias de cada um.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? Eu estou aqui para fazer cumprir esse Regimento.

Apoiados.

O Sr. Alexandre Braga: - Confesso a V. Exa. que era incapaz de deixar de lhe fazer a plenissima justiça a que tem direito.

O Sr. Presidente: - Como V. Exa. deixou escapar uma palavra surpresa e como eu não estava aqui para fazer surpresas, visto que me é indifferente que a Assembleia resolva num sentido ou noutro, foi por isso que consultei de novo a Camara.

O Sr. Alexandre Braga: - Sou o primeiro a professar por V. Exa. o respeito que merece.

O Sr. Celorico Gil: - Invoco o § unico do artigo 176.° do Regimento, que manda que nos casos omissos seja a Assembleia que resolva.

As surpresas não apparecem do nosso lado, vêem do lado contrario.

Protestos.

Sussurro.

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1911 15

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Sr. Alexandre Braga (para invocar o Regimento): - O artigo 59.° do Regimento diz que o Deputado que pedir a palavra sobre a ordem deverá, obtendo-a, apresentar desde logo a moção que propõe defender. Esta disposição regimental tem de cumprir-se, salvo o caso do artigo 176.°, § unico, de que acaba de falar o illustre Deputado que me precedeu no uso da palavra. Mas o § unico, por S. Exa. invocado, de nenhum modo pode ser applicavel á hypothese, porque isso se refere a casos omissos no Regimento e neste ponto não ha omissão alguma, pois existe uma disposição expressa que regula o caso de que se trata.

É o artigo 58.° do mesmo Regimento. Não tem, portanto, applicação a doutrina do § unico do artigo 176.°

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? Apresentou a moção, mas ficou estabelecido que desde que saiam da materia não poderiam falar.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Affonso Costa: - Peço a palavra para invocar o Regimento.

Supponho que a questão que tinha sido suscitada já está finda.

Sr. Presidente: o artigo 53.° do Regimento admitte duas inscrições para antes da ordem do dia: e o artigo 56.° diz:

"Artigo 56.° Alem das inscrições geraes, de que trata o artigo 53.°, haverá outras para se apresentarem requerimentos, exclusivamente adstrictos ao debate, em que se estiver empenhado, propostas de urgencia e moções de ordem".

Tambem temos o artigo 57.°:

"Artigo 57.° Na concessão da palavra os Deputados inscritos nos termos do artigo antecedente, teem preferencia, pela ordem ali estabelecida, aos inscritos sobre a materia".

Este artigo resolve plenamente a questão de duvida que S. Exa. tinha, e não admira que a tenha, por que este Regimento altera profundamente os Regimentos anteriores do Parlamento Português, e é diverso em grande parte da generalidade dos Regimentos dos outros países, o que não quer dizer que não seja muito bom, e é sempre excellente, a controversia sobre as suas disposições, para nós o comprehendermos.

A inscrição geral sobre a ordem, prefere á inscrição vulgar sobre a materia.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. A maior parte dos oradores que estavam inscritos, senão todos, pediram a palavra sobre a ordem.

O Sr. Alfredo de Magalhães: - Eu estava desde hontem em primeiro logar.

O Sr. Presidente: - Portanto, peço á Camara o favor de me desculpar se, porventura, contra minha vontade, a ordem da inscrição não correspondeu, por falta de audição na mesa, perfeitamente aos pedidos de palavra.

Visto toda a Camara ter pedido a palavra sobre a ordem, vou concedê-la ao Sr. Alfredo de Magalhães.

O Sr. Innocencio Camacho: - Devo estar em quarto logar na inscrição.

O Sr. Alfredo Magalhães: - Em obediencia ao Regimento começa por ler a sua moção de ordem. E a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional Constituinte, reconhecendo a inutilidade da proposta do Sr. Camacho sobre a inelegibilidade dos Ministros, passa á ordem do dia. - Alfredo Magalhães.

Suppõe que não precisa de ultrapassar as chamadas mentiras convencionaes e entra neste debate desassombradamente, porquanto a liberdade da tribuna parlamentar seria uma mera ficção, se, adstricta a ella, se não estivesse naturalmente ligada a franqueza da palavra.

Subiu á tribuna inspirado por sentimentos os mais nobres, os mais alevantados, de pacificação e de concordia, por isso fará agora, como sempre tem feito, quanto couber em suas forças, para que no debate de um assunto tão transcendente, o partido republicano, representante das aspirações augustas e sacrosantas da patria, altamente compenetrado da sua grande missão, comprehenda que, sobrelevando a todos os interesses, convem á integridade e consolidação da Republica a unidade do mesmo partido.

Não proferirá uma só palavra que irrite os homens, pois não sairá do vasto campo dos principios, dentro do qual cabe perfeitamente toda a sua vida particular e publica, com aquella sinceridade e grandeza de intenções com que tem procurado, sem interesses de qualquer especie, servir a patria que neste momento está identificada com a Republica.

Este preambulo é dirigido áquelles que, dado o seu temperamento inflamado, receiem que venha trazer uma parcela de irritação ao debate, que precisa, sobretudo, de serenidade e acalmação, porque nada ha mais absoluto do que a liberdade e nada ha tambem mais relativo do que ella.

Neste momento todo o partido republicano, sobretudo áquelles que foram educados na escola do criterio determinista, teem de ser escravos das circunstancias.

Em politica é necessario ter sempre presente as circunstancias, e aquellas em que nos encontramos são extremamente criticas, porquanto a consolidação da Republica está ainda muito longe de se fazer e realizar.

A consolidação da Republica, para áquelles que consideram a democracia através do criterio biológico, só estará consolidada quando o novo regime, colhendo pacientemente o fruto de uma larga sementeira, conseguir criar uma geração nova, uma geração republicana, um espirito novo, um espirito moderno, de maneira a integrar Portugal entre os povos cultos. Só então é que teremos consolidada uma patria republicana.

Será um pouco impertinente, mas continua a sustentar, que só então teremos expungido a reacção clerical, pois dentro de cada português, dentro de muitos portugueses, vive ainda um pequeno jesuita, que envenena os nossos pensamentos, e que mente constantemente ás nossas aspirações.

O problema que mais tem apaixonado a sua existencia, ao qual devotou a sua mocidade, ambições, interesses, tudo quanto tinha de mais querido, é o problema da rehabilitação de Portugal, porque não se comprehende o absurdo historico, a incongruencia de sermos um povo inferior, quando possuimos maravilhosas qualidades nativas, quando somos um dos povos mais intelligentes do mundo, a Nação mais bellamente dotada de recursos naturaes, o povo mais extraordinariamente cheio de prestigio, pelas grandes tradições historicas, pois podemos justamente orgulhar-nos de que toda a civilização moderna, por mais extraordina-

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na que ella seja, entronca directamente na obra dos nossos antepassados. Foi isto que se habituou, desde criança, a admirar nas paginas dos nossos chronistas.

Tem sacrificado, como disse, todos os interesses em defesa dos principios republicanos, sem nunca acceitar recompensas materiaes, nem moraes, pois nada d'isso o seduz; aproveita este momento e para rebater quaesquer insinuações que porventura possam macular a virgindade e pureza da sua fé politica.

Debate-se uma questão que profundamente apaixona a Assembleia Nacional, que esta tratando de elaborar o evangelho novo da democracia portuguesa, de gravar o alkorão das leis republicanas.

Teem pairado sobre esta Assembleia, com profundo desgosto d'elle, orador, vagas nuvens de uma suspeição que repelle, porquanto lá fora corre que nos separam dentro da Assembleia, não divergencias de principies, mas de processos, quando a verdade é que todos os corações, todas as almas, aqui na Assembleia, vibram no mesmo sentido de rehabilitação da patria portuguesa.

Magoa-o profundamente ver que alguns dos assuntos que aqui tem sido ventilados, tenham sido desenvolvidos numa atmosphera de excessivo ardor, que pode comprometter a consolidação da Republica, pois não pode deixar de pensar nas circunstancias politicas do actual momento, que são graves e criticas. Estamos cercados de inimigos de toda a ordem, e só teremos força para os vencer, se nos conservarmos unidos.

E os nossos inimigos sabem bem que a unica forma de nos enfranquecer é dividir-nos!

Não pode, portanto, por principio algum, convencer-se de que este debate assenta sobre um motivo de ordem pessoal. Se chegasse a convencer-se de tal, com a coherencia que o caracteriza, sairia d'esta Assembleia, e convocaria os seus dezoito mil eleitores para lhes devolver o mandato que lhe conferiram. Não o faz, porque não pode acreditai em tal.

O que existe, é uma confusão de cousas, de principios e de homens, que procede da convulsão revolucionaria que agitou a nação inteira. E essa paixão revolucionaria que nos agita, que nos sacode excessivamente, mas isso não significa, de modo algum, que se queira fazer a monstruosidade, que seria um perigo, de pretender dividir em partidos, o partido republicano.

A proposta do Sr. Innocencio Camacho, embora elle, orador, tenha uma alta consideração pelo seu autor, não assenta em fundamentos lógicos.

Não é democratica, não é justa, e aggrava naturalmente as susceptibilidades dos homens venerandos, que no actual momento se assentara nas bancadas do poder.

Os jornaes teem posto a questão no campo pessoal, e mesmo alguns Srs. Deputados não tiveram rebuço em considerá-la sob este aspecto. Mas é uma injustiça. A seu ver, pode responder-se com verdade, com desassombro, que todas as suspeições que se têem levantado, o foram pelos nossos adversarios, e fomentadas talvez por uma parte da imprensa republicana.

Quaes foram as razões que de uma e outra parte foram adduzidas? Essas razões são, permittam-lhe o termo, successivamente infantis.

Um dos oradores rnais interessantes pela commoção que põe na sua voz, que traduz de uma maneira tão sentida a sinceridade da sua fé partidaria, o nosso collega Sr. Aresta Branco, sustentou, com independencia, que acceitava a doutrina consignada no projecto da Constituição para o caso presente, quer dizer, que não queria que nenhum dos actuaes Ministros pudesse ascender á presidencia da Republica.

O Sr. Aresta Branco: - Não são os actuaes Ministros. São os que estão e os futuros. Não fez allusão absolutamente nenhuma.

O Orador: - Tem fallado com outros Srs. Deputados que teem opinião semelhante, e o argumento de que se servem para a defender, é o de reputar inconveniente para o Presidente da Republica, que elle fique sujeito á discussão dos seus actos como Ministro.

Esse argumento não tem subsistencia, visto que as circunstancias em que este gabinete subiu ao poder são excepcionalissimas.

Este gabinete não fez ditadura, pois que ditadura significa a usurpação de poderes e este gabinete não usurpou cousa nenhuma.

Pelo contrario, jamais no futuro haverá Ministros tão pouco independentes no poder como estes homens, que foram escravos das circunstancias em que o país se encontrava, e que tendo subido ao poder num momento de effervescencia politica, foram-lhe impostas um certo numero de reformas que estavam no pensamento da Nação.

Não fizeram portanto ditadura; foram collectivamente solidarios na sua obra.

A elle, orador, não lhe repugna nada que o Presidente da Republica venha amanhã a ser discutido. Poderia, sem menoscabo para com aquelles que o escutam, e que são apenas seus correligionarios desde 5 de outubro, perguntar-lhes porque era que, acceitando até então um rei irresponsavel, querem agora esta incompatibilidade.

Estas palavras não representam censura para ninguem, porque esses que nesta Assembleia entraram com a sancção do Directorio merecem a nossa consideração, porque na monarchia occupavam a extrema esquerda, e porque sses homens, verdadeiramente criticos para a democracia, prestaram, a força da sua intelligencia á causa democratica. Esses homens são naturalmente honestos e virtuosos.

Não lhe custa que o Presidente da Republica tenha amanhã de ser discutido, nem as disposições do nosso Estatuto a isso se oppõem. Pela sua parte, pelo menos, não se dispensará de discutir os seus actos.

Aproveita a occasião para affirmar que se discorda da politica de alguns Ministros, e em especial da politica do Sr. Ministro do Interior, nunca deixará de prestar homenagem sincera á devoção republicana, ao espirito de sacrificio, de trabalho, com que esses homens empregaram uma existencia inteira para organizar a revolução, e entre elles figura, como um dos primeiros, o Sr. Ministro do Interior.

Quando esteve em França, em 1899 e 1900, debatia-se no Parlamento a questão Dreyfus, e elle, orador, teve occasião de ver, como dia a dia era discutido, com uma paixão que lhe parecia excessiva, o Presidente, que então era Emile Loubet, que desde a saida do seu logar de maire até á sua ascensão á Presidencia era constantemente combatido.

E porque isto succedia, nem por isso Emile Loubet deixou de ser o mais notavel Presidente que tem tido a democracia francesa.

A França, por fim, acabou por fazer justiça a esse homem. Em 5 de outubro os actuaes Ministros assumiram o poder como mandatarios do povo, como seus delegados, e, como taes, não tiveram, pode dizer-se, a iniciativa das leis que decretaram, pois não foram mais do que os interpretes da vontade popular.

A proposta do Sr. Innocencio Camacho não pode vingar, porque certamente a Assembleia não quer pôr-se em conflicto com a opinião publica.

Sussurro.

O Orador: - Explicará as suas palavras.

Quando começou a discussão do projecto da Constituição, affirmou-se que se não queria impô-lo á Assembleia, que a commissão estava disposta a acceitar modificações e até eliminações dos seus artigos, pois era seu desejo que elle ficasse identificado com a opinião publica.

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O Sr. José Barbosa: - Em tudo se desejava a concordancia da opinião.

O Orador: - Portanto, desejava-se a interferencia do espirito publico nos actos e decisões da Assembleia Nacional.

O Sr. Eusebio Leão: - Não lhe consta que a opinião publica tenha interferido neste assunto.

O Orador: - Por ora não se manifestou.

O Sr. Eusebio Leão: - Má ideia. Ai de nós!

O Orador: - Pela sua parte tem procurado levar todos á união.

Por sua parte tem procurado levar ao espirito publico a convicção de que a Assembleia procura estar ligada com o povo, que não deve lançar a minima suspeição sobre os actos dos Srs. Deputados. Antes, porem, deve dizer que atravessamos uma phase de effervescencia popular, de irritação espontanea, que é necessario ter em conta.

As suspeições permanentes em que vivemos são deploraveis.

Conversando no Porto, ha dois meses, com um Sr. Deputado, disse-lhe esse homem que sabia que o partido republicano era forte, mas que desde que estava, em Lisboa em contacto com as demonstrações do povo republicano da capital, estava maravilhado e tomado de assombro por ver a sua força e a sua união, e na sua opinião nunca houve no mundo povo tão forte e unido como o povo republicano.

Ora é preciso que esta união continue. Se fizemos, em 5 de outubro, a revolução mais gloriosa do mundo, revolução em que o povo de Lisboa obrou prodigios, isso deve-se á unidade e disciplina do partido republicano.

É preciso sacrificarmos as paixões, no intuito de consolidar o partido republicano, até vermos consolidada a Republica Portuguesa.

No systema presidencialista que o Sr. José Barbosa queria implantar entre nós, o que era natural, visto ter vivido no Brasil, e esse facto havia naturalmente de influir no seu espirito, ha dois direitos, o de mensagem e o de iniciativa.

Ora estes direitos dão occasião á discussão dos actos e propositos do Presidente da Republica. Não comprehende, por consequencia, porque é que S. Exa. receia que em Portugal o Presidente da Republica seja discutido.

Lamenta que para a discussão da proposta o Sr. Innocencio Camacho tenham sido trazidos nomes. É um facto deploravel.

Não pode acceitar por nenhuma forma que seja coarctada a independencia e liberdade de voto aos membros da Assembleia Nacional Constituinte. Se a proposta do Sr. Innocencio Camacho vingasse, protestaria contra semelhante deliberação da Assembleia, embora tenha por essas deliberações a maior consideração.

Nenhuma das razões até agora apimentadas o convenceram de que tal proposta conseguiria manter a majestade intangivel dos principios que se inscrevem dentro do Estatuto fundamental da Republica Portuguesa.

Essa doutrina o que faz, unicamente, é ferir os oito homens que estão sentados nas cadeiras do poder, e que foram escolhidos pela nação, porque não foram nomeados por ninguem.

Elles que subiram ao poder impostos pelas circunstancias, e que teem sido os que mais se sacrificaram pelo país, não podem ficar sujeitos a qualquer suspeição.

Esses homens que representam as- mais nobres figuras da democracia, ao fim de tantos sacrificios impostos, não podem soffrer semelhante exclusão.

Elles não teem culpa de occuparem aquellas cadeiras e, precisamente por as occuparem, é que são eliminados.

Disse o Sr. José Montez que todas as leis teem restricções, que o Governo tendo decretado o direito á greve, regulamentara o exercicio d'esse direito. Que tendo proclamada a liberdade de imprensa, todavia, regulamentara o exercicio d'essa liberdade. Este argumento, é excessivamente peregrino.

O Sr. José Montez: - Nas proprias liberdades consignadas na Constituição impõem se restricções.

Todas estas razões levam á conclusão de que esta Assembleia não pode acceitar a proposta do Sr. Innocencio Camacho, tanto mais que ella teria como consequencia fatal dividir o partido republicano.

Pede, por isso, ao Sr. Innocencio Camacho que, sacrificando-se á unidade e integridade do partido, retire a sua proposta. O orador, no caso de S. Exa., não esperaria tanto tempo sem renunciar a semelhante proposta.

O Sr. Innocencio Camacho: - Observa que os Srs. Ministros tambem podem desistir.

O Sr. Affonso Costa: - Declara que os Ministros não desistem da sua dignidade. Não, não e não!

O Orador: - Pondera que a Assembleia se exalta excessivamente.

Neste momento impõe-se-nos uma obra seria e grave, que é acabar de discutir o projecto da Constituição.

Isso deve prevalecer a todas as paixões e o que o orador deseja é que, nessa obra, a Assembleia acerte e acerte depressa.

A moção de S. Exa. foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que haja hoje sessão nocturna e que amanhã se realizem igualmente duas sessões para discussão do projecto da Constituição.

Sala das Sessões, 11 de agosto de 1911. = O Deputado, Estevam de Vasconcellos.

Vozes: - Não pode ser, não pode ser.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que occupem os seus logares para se proceder á votação.

Feita a votação, foi rejeitado por 89 contra 88 votos.

O Sr. Helder Ribeiro: - Requeiro a contraprova.

Vozes: - Já foi rejeitada.

Trocam-se apartes.

O Sr. Presidente: - Se a sessão continua d'esta maneira não podem proseguir os trabalhos. Vae-se fazer a contraprova.

O Sr. José de Castro: - Manifesta o seu desgosto por ver a commissão, ou alguns membros d'ella, seguir um rumo differente d'aquelle que se tinham decidido adoptar.

Deseja que se mantenha o que está no projecto, porque a proposta do Sr. Innocencio Camacho admitte a possibilidade de existir uma disposição com effeito retroactivo.

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Crê que não haverá cousa alguma que faça esta Assembleia retirar-se do caminho correcto que tem seguido.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Egas Moniz: - Começa por se referir em termos elogiosos ao discurso pronunciado pelo Sr. Alfredo de Magalhães, pela correio de desviar d'aquelle debate toda e qualquer questão pessoal, que ninguem pretende visar através da emenda em discussão. E tanta foi a correcção do Deputado que o precedeu que, referindo-se aos republicanos de nova data, em cujo numero se inclue, taes referencias e amabilidades lhes dirigiu, que seria indelicadeza da sua parte não lhe patentear, naquelle momento, o seu agradecimento. E. dirigindo-se á Presidencia, diz que não quer honras que lhe não pertençam, e assim é que deve declarar que não foi republicano Historico. Dirá, porem, que não em favor da Republica, mas em favor dos principios liberaes e democraticos se sacrificou, e sacrificará sempre, até a exposição da propria vida.

Nesse sentido fala o seu passado e a sua vida de homem publico, já bem longa e attribulada. Mostram á evidencia que nunca teve desfallecimentos na defesa dos grandes principies, que continua defendendo hoje, como por elles lutou hontem nos tempos da monarchia.

E nem as ambições nem o desejo do triunfo o cegaram no seu passado. Saiu da politica monarchica como entrou. Não teve logares nem honrarias. E esses e outras pôde conseguir. Não as quis; lançou-as á margem. E o mesmo pretende da Republica: - nada.

Fica assim exposta a sua situação.

Está ali como Deputado que não deve a sua eleição, como se disse, á benevolencia do Directorio. Mesmo que elle lha guerreasse, elle seria eleito.

E emquanto ali estiver como Deputado da Nação e no pleno uso dos seus direitos, não haverá coacção externa ou interna que o force a seguir caminho differente do que se propôs trilhar. Ali o garante á Camara e ninguem ousará duvidar da sua palavra de homem de bem, que se preza ser. Pertence ao numero d'aquelles politicos que podem viver em casas de vidro sem receio que o ataquem.

E postas estas considerações pessoaes, manda para a mesa a sua moção de ordem.

A discussão da alinea c) do artigo 33.° tem levantado uma grande e violenta discussão, e até hoje ninguem tem direito de queixar-se da forma como a questão tem sido tratada. Tem tido lances violentos, por certo, proprios das assembleias politicas como esta, mas não tem compromettido o seu nome em violencias grosseiras, nem em ataques pessoaes, inuteis e irritantes. Unia vez por outra tem esvoaçado por sobre as nossas cabeças algumas insinuações politicas. São proprias d'aquelle logar, e as que lhe dizem respeito não ficarão sem resposta.

Alguem se referiu a uma reunião de Deputados. Um grupo de homens convidou, no pleno uso de um direito, quem muito bem quis, quem muito bem lhe aprouve.

Nessa reunião, disse-se, assentara-se em votar, sob compromisso de honra, principios que estão em discussão.

E falso o que se affirma. Garante-o com a sua honra e appella para os seus companheiros d'essa reunião para que o desmintam.

Se tal fizessem esses Deputados, seria indigno da sua qualidade de Deputados e improprio de cidadãos honestos, que se prezam de ser.

Discutiu se, nessa reunião, a doutrina da alinea em discussão; ninguem, porem, comprometteu o seu voto.

E sente não ter autorização para contar á Assembleia todos os pormenores da discussão, porque todos se podem conhecer.

Mas nunca pensou em que a discussão d'essa reunião de Deputados, feita a fora da Assembleia, houvesse de ser ali discutida.

Não está habituado a isso e sempre pensou que os seus actos, praticados fora do Parlamento, merecessem a honra de ser discutidos.

Pelo que respeita á escolha de um candidato, em que todos votassem para a Presidencia, não nega que a assembleia se occupou e continuará a occupar-se do assunto, não permittindo a ninguem que o pretendam esbulhar de um direito de que não abdicará.

São da pratica de todas as Republicas essas reuniões e esses trabalhos preparatorios.

Não tem candidato, mas não lhe repugna acceitar aquelle em que esses Deputados assentarem como sendo o melhor e o mais proveitoso ao bem do Pais e da Republica.

E, esclarecida assim a sua situação, vae referir-se, propriamente, ao assunto em discussão.

Vota a disposição dos Ministros não poderem passar directamente das suas cadeiras ministeriaes para ofauteuil presidencial, porque o Ministro que tal pretender, - e não se refere aos actuaes, que merecem o respeito e consideração de toda a Camara -, pode amanhã influir directa e indirectamente dentro da Camara e fora da Camara, na imprensa e outros orgãos da opinião publica; em favor da sua candidatura.

Esta doutrina que já ali foi produzida, está absolutamente de pé.

E não se diga, como disseram os Srs. Ramada Curto, Alexandre Braga e outros oradores, que esta exclusão, este principio de ineligibilidade, é offensivo dos principios democraticos ou attentatorio da liberdade de eleitor que o Sr. Alexandre Braga pertendeu revindicar na sua maxima plenitude.

Se assim fosse, porque esqueceu o illustre parlamentar as outras exclusões do artigo 33.°, para só tratar d'essa desventurada alinea c), que o Sr. Innocencio Camacho trouxe á discussão?

Porque não se insurgiu o Sr. Alexandre Braga, nem nenhum outro orador, contra a inelegibilidade dos parentes em 1.° e 2.° grau do Presidente que terminou o seu mandato?

Então não é esse preceito igualmente attentatorio da liberdade e offensivo dos principios democraticos?

Mas ha mais. E se se refere largamente a este argumento é porque por tal forma o engalanou o Sr. Alexandre Braga que foi o que mais applausos recebeu e mais ovações teve. E, tirando-o para fora da doutrina do artigo 33.°, pergunta por que motivo não defendeu esse Deputado o suffragio universal, coarctando-se assim o direito de votar em quem não for eleitor e elegivel para Deputado ou Senador?

Mas ha mais:

Pelos artigos 19.° e 20.° do projecto, já approvados, marcam-se incompatibilidades aos Deputados e Senadores.

Nem uns nem outros podem celebrar contratos com o Estado; nem uns nem outros podem ser administradores de companhias constituidas por contrato ou concessão especial do Estado; e, sendo assim, porque não se insurgiu o illustre Deputado contra estas exclusões e excepções?

E, ainda, porque permittiu o Sr. Alexandre Braga que passasse, sem o seu vehemente protesto, que só possam ser Senadores os individuos com mais de 35 annos de idade, excluindo assim taxativamente os que não tiverem attingido essa idade, sejam quaes forem as suas virtudes e os seus meritos?

E por que motivo só aos 25 annos os Deputados poderão ser eleitos? Exclusivismos sempre, e que varios argumentos tornam defensaveis. Pois bem, por um motivo de ordem moral, para que amanhã não se complique a vida politica portuguesa, votará ajusta exclusão da alinea

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em discussão, sem que possa continuar subsistente a argumentação produzida.

E não se diga, como o affirmaram alguns oradores, que a acceitação d'esta clausula representará um vexame e uma suspeição para os Ministros e especialmente para os Deputados e Senadores. Mas se esse argumento tem valor por que motivo se acceitou a disposição do artigo 19.°, que não permitte aos Deputados e Senadores contratos com o Estado, e a doutrina do artigo 20.° em que se affirma que os membros do parlamento não poderão ser administradores de companhias em contrato com o Estado? Não é isso muito mais vexatorio e humilhante? Não é isso suppor que um Deputado ou Senador poderá amanhã preferir os interesses pessoaes aos interesses da Nação? Que lhe respondam os que tem seguido de perto esta discussão.

Disse ainda o orador a que se refere, e repetiram-no os oradores que se seguiram, que, sendo attingidos pela inelegibilidade os membros do poder executivo, tambem devem sê-lo os que occupam certos e determinados altos cargos da Nação Portuguesa.

E falou-se do Procurador Geral da Republica e até no presidente da Assembleia Constituinte! Os cargos publicos são discutiveis, mas pelos seus actos só responde o poder executivo.

Se amanhã tivesse de censurar o Sr. Procurador da Republica - não se dirigiria ao Sr. Dr. Manuel de Arriaga - pediria as explicações que entendesse ao Sr. Ministro da Justiça, seu superior hierarchico. Elle daria providencias aos desmandos commettidos ou defenderia os seus actos se assim lh'o merecessem. Aqui dentro não ha Procurador da Republica, nem altos commissarios, ha Deputados; mas ao contrario, ha Ministros responsaveis a quem podemos pedir contas dos seus actos.

E a differença e a differença fundamental.

Pelo que respeita ao Presidente desta Camara - pergunta em que poderá elle influir na orientação dos Deputados que, em qualquer occasião, alem d'isso, o podem depor da cadeira - para onde o elegerem?

O Sr. Presidente: - Aviso o orador de que faltam dez minutos para encerrar a sessão.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Agradece e continua.

A disparidade é completa; o simile não existe.

Mas deseja encurtar as considerações.

Tem-se falado nesta discussão no disposto no § unico do artigo 72.°. Não está em discussão, mas é o que mais tem prendido a attenção da Camara. Deve ou não ser applicada esta doutrina de exclusão aos actuaes Ministros? Fará ao assunto ligeiras referencias.

Os que querem que se applique já essa doutrina defendem o seu modo de ver, porque não desejam ver discutida a pessoa do Presidente da Republica. Assim o considera tambem. Nem quer um Presidente intangivel como se fora um monarcha, nem um Presidente discutivel, como se fora um Ministro. Saido das bancadas ministeriaes e com uma obra ainda a julgar, pode ser atacado e julgado como se presente estivesse. E, desde que tal se permitta, a situação do proprio Presidente será bem pouco invejavel. Não desejaria ver ninguem em tal situação. Não pode vir á arena da imprensa ou do comicio para se defender, nem pode vir aqui defrontar-se comnosco numa luta honrada e proveitosa.

Os que defendem a doutrina opposta falara na solidariedade ministerial. Estamos, diz o orador, num regime que deve ser de verdade e longe de ficções, por isso pergunta em que pode consistir essa solidariedade nas questões technicas dos diversos Ministerios? Estudaram todos os Ministros essas questões?! Elles responderão quando se discutir a obra dos seus collegas.

Não ha omniscientes, ha honrados e dedicados trabalhadores. E cada uma das pastas já dá trabalho bastante para que tal solidariedade não possa admittir-se em absoluto.

Alonga-se em outras considerações.

Teem terminado alguns oradores, accrescenta o orador, por lembrar á assembleia a conveniencia de um determinado procedimento.

Tambem se permitte a velleidade de o fazer.

Desejaria que, em nome da boa doutrina, e para salvaguarda de futuras perturbações, se votasse a doutrina da emenda do Sr. Innocencio Camacho, embora mais tarde a camara exceptuasse os actuaes Ministros. Seria, a seu ver, a introducção de prudentes cautelas na solução do mais grave e mais apaixonado problema da politica republicana portuguesa.

Moção de ordem

Considerando que a doutrina da alinea c) do artigo 33.° não visa homens mas accentua principios, e considerando que a approvação da sua doutrina é indispensavel para bem da Republica e do país, continua na ordem do dia. = Egas Moniz.

A moção foi admittida.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Presidente: - A hora vae muito adeantada e ha dois Srs. Deputados que pediram a palavra para explicações para antes da sessão se encerrar.

Consulto a Camara sobre se entende que eu desde já dê a palavra a esses Srs. Deputados.

Assim se resolveu.

O Sr. Alvaro de Castro: - Diz que ha sessão de 2 do corrente o Sr. Ministro do Interior pronunciou contra um camarada do orador algumas palavras injustas. Refere-se ao Sr. tenente Quaresma e relativamente a um processo que, tendo dado entrada no Ministerio da Interior, desappareceu passados dias.

Tendo-se tratado aqui do assunto, imaginava o orador que o Sr. Ministro do Interior, logo que se informasse, viesse dizer á Assembleia qual o trajecto que o processo seguiu e como foi que depois appareceu em Montalegre. Como S. Exa. o não fez, chama a sua attenção para o facto, porque é preciso que se saiba como isso se passou.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir ás notas tachygraphicas.

O Sr. Ministro do Interior (Antonio José de Almeida): - Informa o Sr. Alvaro de Castro de que procedeu a um inquerito relativamente ao assunto a que S. Exa. se referiu e, se não veio dar explicações, foi por não querer tomar tempo á Assembleia num assunto em que não era lógico que ella se interessasse muito; todavia, pela imprensa, deu noticias detalhadas sobre o caso, as quaes foram reproduzidas pelo jornal O Mundo.

A razão do desapparecimento foi o processo ter sido dirigido para a Instrucção Criminal em vez de o ser para o Ministerio do Interior.

O que é grave é que o Sr. tenente Quaresma viesse lançar a publico a noticia do desapparecimento de um processo, levantando suspeições.

Caso o Sr. Alvaro de Castro queira examinar os documentos que sobre o assunto existem no Ministerio do Interior, o orador pô-los-ha ás suas ordens.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

O Sr. França Borges (para explicações): - O que se diz nos jornaes deve nos jornaes discutir-se, mas se referencias a jornaes no Parlamento são feitas, pode-se aqui responder.

Eu pedi a palavra porque o Sr. José Barbosa, a meio da sua eloquentissima defesa da proposta do Sr. Camacho, disse esta frase: - "nós que somos injustamente accusados por alguns jornaes".

Eu quero dizer ao Sr. José Barbosa que ha um jornal que ataca e emenda do Sr. Camacho e onde S. Exa. e os seus amigos podem defender-se das injustas accusações que, involuntariamente, nas suas columnas acaso possam fazer-se. É aquelle jornal que publicou o texto da Constituição brasileira ao lado do projecto da Constituição portuguesa, e a cujo director o Sr. José Barbosa, membro da commissão, perguntou se lhe publicava um artigo de resposta. E aquelle cujo director então respondeu a S. Exa. que gostosamente publicaria o sen artigo de resposta ou defesa, o qual aliás não lhe foi enviado.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão será na segunda feira, 14 do corrente, e a ordem dos trabalhos a seguinte:

Antes da ordem do dia:

Interpellação do Sr. França Borges ao Sr. Ministro da Marinha.

Idem do Sr. Nunes da Mata ao Sr. Ministro da Marinha.

Idem do Sr. Alfredo Ladeira ao Sr. Ministro do Fomento.

Idem do Sr. Domingos Leite Pereira ao Sr. Ministro dos Estrangeiros.

Idem do Sr. Alexandre de Barros ao Sr. Ministro das Finanças.

Idem do Sr. Manuel José da Silva ao Sr. Ministro do Interior.

Na ordem do dia continuará a discussão na especialidade do projecto de lei n.° 3, Constituição.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Declaração de voto

Declaro que votei a favor do requerimento do Sr. Deputado Estevam de Vasconcellos. = O Deputado, Affonso Ferreira.

Para a acta.

Declaro que votei o requerimento do Sr. Estevam de Vasconcellos, em que elle pedia que se fizesse hoje á noite uma sessão, e igualmente amanhã duas sessões para discutir-se a Constituição.

Sala das Sessões 11 de agosto de 1911. = Elysio Pinto de Almeida e Castro.

Para a Secretaria.

Requeremos que na acta fique consignado que votámos o requerimento do Sr. Estevam de Vasconcellos, pedindo hoje houvesse sessão nocturna e amanhã duas sessões para se discutir o projecto da Constituição, cuja votação reputamos urgente.

Em 11 de agosto de 1911. = Antonio Macieira = Germano Martins = Manuel José de Oliveira = Manuel Alegre = Joaquim José de Oliveira = João Palma = Domingos Leite Pereira = Henrique José dos Santos Cardoso =

Gaudencio Pires de Campos = Padua Correia = Bernardo Paes de Almeida = Carlos Maia Pinto = Antonio França Borges = João José Luis Damas = Ernesto Carneiro Franco = Carlos Olavo = Victorino Henriques Godinho = Barbosa de Magalhães = Abel Botelho.

Para a Secretaria.

Desejo que fique consignado na acta que votei a sessão nocturna de hoje e duas sessões amanhã.

Sala das Sessões, em 11 de agosto de 1911. = O Deputado, João Carlos Rodrigues de Azevedo.

Para a Secretaria.

Declaro que approvei o requerimento apresentado hoje nesta Camara pelo Deputado Estevam de Vasconcellos. = O Deputado, Philemon Duarte de Almeida.

Para a acta.

Declaro que votei o requerimento do Deputado Dr. Estevam de Vaseoncellos. = O Deputado, Amilcar Ramada Curto.

Para a acta

Declaramos e requeremos que conste da acta que votamos a favor do requerimento do Sr. Deputado Estevam de Vasconcellos para que houvesse sessão nocturna hoje e diurna e nocturna amanhã.

Sala das Sessões, em 11 de agosto de 1911. = João Pereira Bastos = Victorino Maximo Carvalho Guimarães = Sousa Junior = Helder Ribeiro = José Bessa de Carvalho = Alvaro Poppe = Antonio Macieira = Americo Olavo = Alfredo Magalhães = Alvaro de Castro = Alfredo Djalme Martins de Azevedo = José Francisco Coelho = José Botelho de Carvalho Araujo = José Nunes da Mata = Alfredo Rodrigues Gaspar = Adriano Mendes de Vasconcellos = Alfredo Maria Ladeira = Pedro Januario do Valle Sá Pereira = Gaudencio Pires de Campos = Carlos Maia Pinto = Gastão Rafael Rodrigues = Lopes da Silva = Manuel Alegre = Victor Hugo de Azevedo Coutinho = Angelo Vaz = José Antonio Arantes Pedroso = José Affonso Palla = Adriano Gomes Ferreira Pimenta = Adriano Augusto Pimenta.

Para a acta.

Declaro que rejeitei o requerimento em que se pedia que hoje se realizasse sessão nocturna e amanhã se realizassem duas, uma diurna e outra nocturna.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, 11 de agosto de 1911. = Casimiro Rodrigues de Sá, Deputado pelo circulo n.° 1.

Para a Secretaria.

Para a acta.

Declaro que rejeitei o requerimento do Sr. Estevam de Vasconcellos, apresentado na sessão de hoje, não porque não tenha o maior interesse em ver votado em breve o projecto de Constituição, não porque não esteja no meu animo o desejo, que reputo inexcedivel, de para isso contribuir, mas porque tenho e terei sempre o maior respeito pelo Regimento da Assembleia e o requerimento a que me refiro contem materia anti-regimental. = Os Deputados, Aureliano de Maia Fernandes = Antonio Aresta Branco = Antonio Maria da Silva.

Para a Secretaria.

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SESSÃO N.° 45 DE 11 DE AGOSTO DE 1911 21

Justificação de faltas

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. - Participo a V. Exa. que faltei á sessão diurna de 10 do corrente, por causa de doença de pessoa de familia.

Sala das Sessões, 11 de agosto de 1911. = O Deputado, Guilherme Nunes Godinho.

Representações Do Centro Escolar Republicano João Chagas, protestando contra os tumultos que una grupo de exaltados promoveu, junto da Constituinte, em 2 de agosto de 1911.

Para a Secretaria.

Da Camara Municipal do concelho da Feira, protestando energicamente contra a manifestação hostil que, perante alguns membros do Governo, lhes foi feita.

Para a Secretaria.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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