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4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

alto e com firmeza e sinceridade o meu sentido protesto contra a monarchia, pelo modo inhabil e anti-patriotico como se portou no Congresso Internacional de Berlim, em 1884, em que Portugal foi esbulhado do hiterland das possessões de Angola e Moçambique, sendo para mais dado para limite a Angola pelo norte, não o seu limite natural, que é e devia ser o Rio Zaire, mas uma confrontação artificial que esbulhou a nossa importante colonia de uma riquissima região com superficie quasi igual a duas vezes a superficie de Portugal.

Sendo esta a primeira vez que no Parlamento se tratam assuntos referentes a Angola, de justiça é que em toda a luz da verdade sejam revelados factos comprovativos da incuria desmazelo e falta de patriotismo com que a monarchia procedia.

Se a monarchia revelou falta de pericia no Congresso de Berlim em 1884, maior falta ainda de pericia e de provisão mostrou ainda antes da reunião d'esse congresso, não preparando a Nação com elementos que eram de toda a urgencia para a elle se fazer representar firme nos seus direitos e com a altivez de quem houvesse cumprido o seu dever.

Vou expor os factos como se passaram. Como V. Exas. sabem, Stanley, o celebre reporter do grande jornal americano New York Herald foi encarregado em 1872, de ir procurar ao centro de África o honrado e notavel explorador inglês Livingstone, que era julgado morto.

Com effeito Stanley foi e esteve com Livingstone nas margens do immenso lago Tanganika e teve ensejo de ver correr as aguas caudalosas e serenas do grande Rio Lualaba.

As grandes riquezas naturaes do interior da Africa Central e a vastidão dos seus grandes lagos e rios excitaram a curiosidade de Stanley e dos institutos geographicos e bem assim das nações civilizadas.

Por isso, passados menos de dois annos, em 1874, Stanley voltou á Africa para levar a effeito a sua grandiosa e homerica travessia do continente negro, a mais movimentada e extraordinaria que até hoje foi executada, e que elle com todo o vigor e clareza descreveu no seu livro publicado em 1878.

O celebre explorador e vigoroso escritor, para fazer a sua travessia, desembarcou em Zanzibar; subiu até a maravilhosa região dos lagos; percorreu o encantador país da Uganda, um dos mais pitorescos, ferteis e apraziveis da Terra e que é um verdadeiro paraizo terrestre; passou á vista da majestosa montanha de Ruwenzori, contemplando a sua brilhante cabelleira de neve refulgindo á luz brilhante dos raios solares equatoriaes; e finalmente embarcou sobre as aguas immensas do grande Rio Lualaba, o Lualaba de Livingstone, seguindo d'ahi por deante, na descidas o leito do grande rio.

O fim principal de Stanley era verificar para onde se dirigia o Lualaba.

Depois de vencer as innumeras difficuldades das primeiras cataratas do grande rio, as quaes teem hoje o nome do celebre explorador, e de sustentar mil lutas com os selvagens antropophagos, Stanley conseguiu chegar á lagoa ou pequeno lago que tambem hoje tem o seu nome, descendo por ultimo as ultimas cataratas, as de Zinga, conseguindo finalmente chegar a Boina onde, mais morto do que vivo, foi recebido e agasalhado pelos negociantes portugueses.

Estava resolvido um dos mais notaveis problemas geographicos da Africa e direi da Terra: Stanley acabava de mostrar ao mundo geographico que o Rio Lualaba de Liwingstone era o Zaire ou Congo dos Portugueses.

Nesta celebre travessia morreram todos os companheiros brancos de Stanley, e este, é bom que se diga bem alto perante o mundo, deveu a vida ás solicitudes e disvelos dos negociantes portugueses residentes em Roma.

Ora nessa occasião, um distincto camarada meu e querido amigo, Manuel de Azevedo Gomes, infelizmente fallecido irmão do actual Sr. Ministro da Marinha, e eu, haviamos apresentado na, Sociedade de Geographia, para ser presente ao governo da monarchia, um projecto de exploração do Rio Cunene, que corre a leste e sul de Angola, tendo essa exploração principalmente em mim o estudo geographico do grande e misterioso rio.

Mas, assim que Stanley desceu o Rio Zaire, ambos nós vimos o perigo que corria a possessão de Angola e o seu interland, e substituimos o projecto de exploração do Rio Cunene por um outro projecto de exploração do Rio Zaire.

Neste projecto feito por mim, visto Azevedo Gomes estar então commandando um navio nos Açores, mas com cujo teor elle concordou, eu dizia claramente que o nosso fim era defender o nosso dominio colonial até a margem do Zaire, desde a sua foz na Ponta Padrão até a confluencia do Rio Cassai, pelo menos, indicando a conveniencia, se bem me lembro, de se construir uma fortaleza na margem sul da Lagua de Stanley e uma outra fortaleza na confluencia do Cassai com o Zaire, para nelles serem mantidas guarnições sufficientes e sobre ellas fazer tremular a bandeira portuguesa.

Entretanto, no projecto que apresentámos, e verbalmente, eu claramente insisti para que, se o Governo nos não julgava, a mim e a Azevedo Gomes, dignos de levar a effeito a arriscada e difficil empresa, que neste caso fossem incumbidas outras pessoas mais competentes de tão importante encargo, comtanto que fosse levado a effeito. Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar de eu durante semanas ir todas as noites á Sociedade de Geographia, que então estava installada num palacio no Largo do Quintella, e apesar de com insistencia instar por resolução de tão magna importancia, a Sociedade de Geographia e o governo da monarchia permaneceram surdos ás minhas patrioticas instancias!

Não tardou a succeder o que eu e Manuel de Azevedo Gomes haviamos previsto.

Em 1879, Stanley, em nome do rei Leopoldo da Belgica volta á bacia hydrographica do Zaire, para preparar as bases do futuro Estado Independente do Congo; e, quando se reuniu o Congresso Internacional de Berlim de 1884, a que presidiu Bismark, já iam planeados os limites d'esse vasto estado, constituido unicamente á custa de uberrimos territorios e importantes cursos de agua que deviam ser nossos, se a monarchia tivesse prestado devida attenção a estes monumentosos assuntos.

E agora a nação gloriosa que primeiro fez entrar os seus navios nas aguas caudalosas do grande rio, a patria de Diogo Cão, contenta-se resignada com a insignificante margem do rio desde a Ponta Padrão até Noqui.

D'aqui segue a confrontação segundo o parallelo até ao Rio Quango, seguindo depois este na direcção sul, e depois para leste, etc.

Em summa, fomos esbulhados de uma area superficial quasi igual a duas vezes Portugal e perdemos a margem da Lagoa de Stanley e de grande parte do Zaire e Cassai, e a posse completa do Quango!

Perante esta Assembleia e perante a Nação eu levanto finalmente o meu sentido protesto que ha mais de trinta e quatro annos se conserva, violento e apaixonado no meu intimo!

Vou agora referir-me ao assunto especial da interpellação annunciada.

Como V. Exas. muito bem sabem, a Terra, este mesquinho planeta em que vivemos, devido principalmente ao seu movimento de rotação e á acção dos ventos dominantes, não tem os seus grandes oceanos tranquillos, mas antes nestes só notam grandes correntes maritimas. No equador ha correntes maritimas geraes de nascente ou leste para poente ou oeste; nas altas latitudes ha correntes mariti-