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REPUBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

50.ª SESSÃO

EM 16 DE AGOSTO DE 1911

SUMMARIO. - Antes da ordem do dia. Chamada e abertura da sessão. Leitura e approvação da acta. - Dá-se conta do expediente. Após a leitura de um officio do Sr. Sebastião Baracho, o Sr. Presidente (Augusto Almeida Monjardino) lembra a conveniencia de se instar com aquelle Sr. Deputado no senti Io de evitar a sua renuncia como membro da Assembleia, sendo approvado. - É autorizada a publicação de uma representação no Diario das Sessões. - O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto) declara-se habilitado a responder a duas interpellações. - O Sr. Nunes da Mata realiza a sua interpellação ao Sr. Ministro da Marinha.- Responde lhe este Sr. Ministro (Azevedo Gomes) - O Sr Angelo Vaz apresenta uma participação por parte da commissão de generos alimenticios. - O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa) refere-se a um telegramma dirigido á mesa pelo Governador Civil do Funchal. - Enviam para a mesa requerimentos os Srs. França Borges e Brandão de Vasconcellos, e o Sr. França Borges manda tambem uma interpellação. - O Sr. Thomás Cabreira apresenta um projecto de lei autorizando os municipios de Lisboa e Porto a criarem uma repartição commercdal, reguladora do preço dos generos de primeira, necessidade.

Ordem do dia: (continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, Constituição). - É rejeitado o requerimento do Sr. Lopes da Silva para que a sessão dure quatro horas, discutindo-se na primeira o projecto sobre o azeite. - Usa da palavra o Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa) sobre o artigo addicional, proposto pelo Sr. Alexandre Braga, quanto á utilização, par parte do Presidente da Republica, das propriedades do Estalo, justificando as emendas que apresenta.- Desistem da palavra os Srs. Silva Barreto e Santos Moita. - O Sr. Bernardino Roque deseja que a votação seja feita por partes. - Concordando com a proposta do Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Alexandre Braga pede para retirar a sua. - O Sr. Presidente põe á votação a proposta do Sr. Alexandre Braga, intercalando-lhe as emendas apresentadas pelo Sr. Ministro da Justiça. - É rejeitada a proposta e tambem o § unico.- O Sr. Presidente põe em discussão a epigraphe "Instituições geraes". - É rejeitada uma proposta de emenda do Sr. Presidente do Conselho (Theophilo Braga). - Entra em discussão o artigo 55.°, apresentando emendas os Srs. Jacinto Nunes e Miranda do Valle. - Fala, por parte da commissão, o Sr. José de Castro. - Usam da palavra, justificando tambem as suas emendas, os Srs. Adriano Pimenta e Goulart de Medeiros. - Falam antes de se encerrar a sessão, os Srs. Lopes da Silva e Ministro do Fomento (Brito Camacho).

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Presidencia do Exmo. Sr. Augusto Almeida Monjardino

Secretarios os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Affonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Abertura da sessão - Ás 2 horas e 35 minutos da tarde.

Presentes - 186 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel Accacio de Almeida Botelho, Abilio Baeta das Neves Barreto, Achilles Gonçalves Fernandes, Adriano Augusto Pimenta, Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcellos, Affonso Augusto da Costa, Affonso Ferreira, Affonso Henrique do Prado Castro e Lemos, Albano Coutinho, Alberto Carlos da Silveira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alfredo Balduino de Seabra Junior, Alfredo Botelho de Sousa, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo José Durão, Alfredo Maria Ladeira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Alvaro Poppe, Amaro de Azevedo Gomes, Americo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, Annibal de Sousa Dias, Anselmo Augusto da Costa Xavier, Antão Fernandes de Carvalho, Antonio Affonso Garcia; da Costa, Antonio Albino Carvalho Mourão, Antonio Amorim de Carvalho, Antonio Aresta Branco, Antonio Augusto Cerqueira Coimbra, Antonio Barroso Pereira Victorino, Antonio Bernardino Roque, Antonio Brandão de Vasconcellos, Antonio Caetano Celorico Gil, Antonio Caetano Macieira Junior Antonio Candido de Almeida Leitão, Antonio França Borges, Antonio Joaquim Ferreira da Fonseca, Antonio Joaquim de Sousa Junior, Antonio José de Almeida, Antonio José Lourinho, Antonio Ladislau Parreira, Antonio Ladislau Pigarra, Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, Antonio Maria da Cunha Marques da Costa, Antonio Maria da Silva, Antonio Maria da Silva Barreto, Antonio de Paiva Gomes, Antonio Pires de Carvalho, Antonio Pires Pereira Junior, Antonio Ribeiro Seixas, Antonio dos Santos Pousada, Antonio da Silva e Cunha, Antonio Xavier Correia Barreto, Antonio Valente de Almeida, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Augusto Almeida Monjardino, Augusto José Vieira, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Bernardino Luis Machado Guimarães, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos Antonio Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Carlos Richter, Casioiiro Rodrigues de Sá, Celestino Germano Paes de Almeida, Christovam Moniz, Domingos Leite Pereira, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Abreu, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elisio Pinto de Almeida e Castro, Emidio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Evaristo Luis das Neves Ferreira de Carvalho, Ezequiel de Campos, Faustino da Fonseca, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Francisco Antonio Ochôa, Francisco Cruz, Francisco Eusebio Loureneo Leão, Francisco José Pereira, Francisco Luis Tavares, Francisco de Salles Ramos da Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, Francisco Xavier Esteves, Gaudencio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Blelder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos San tos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Innocencio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, Joio Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José de Freitas, João José Luis Damas, João Luis Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, João Pereira Bastos, Joaquim Antonio de Mello Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim José de Sousa Fernandes, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Vellez Caroço, Jorge de Vasconcellos Nunes, José Affonso Palla, José Alfredo Mendes de Magalhães, José Antonio Arantes Pedroso Junior, José Barbosa, José do Carros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Bessa de Carvalho, José Botelho de Carvalho Araujo, José Carlos da Maia, José de Castro, José Cordeiro Junior, José de Cupertino Ribeiro Junior, José Dias da Silva, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Coelho, José Jacinto Nunes, José Luis dos Santos Moita, José Maria Cardoso, José Alaria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Padua, José Maria Pereira, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Junior, José Miranda do Valle, José Montez, José Nunes da Mata, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José Relvas, José da Silva Ramos, José Thomás da Fonseca, José Tristào Paes de Figueiredo, José do Valle Matos Cid, Julio do Patrocinio Martins, Luis Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luis Innocencio Ramos Pereira, Luis Maria Rosette, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel Jorge Forbes de Bessa, Manuel José Fernandes Costa, Manuel José da Silva, Manuel Martins Cardoso, Manuel Pires Vaz Bravo Junior, Manuel Rodrigues da Silva, Mariano Martins, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Narciso Alves da Cunha, Pedro Alfredo de Moraes Rosa, Pedro Amaral Botto Machado, Pedro Januario do Valle Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfirio Coelho da Fonseca Magalhães, Ramiro Guedes, Sebastião Peres Rodrigues, Severiano José da Silva, Thomás Antonio da Guarda Cabreira, Thoiné José de Barros Queiroz, Tiago Moreira Salles, Tito Augusto de Moraes, Victor Hugo de Azevedo Coutinho, Victorino Henriques Godinho, Victorino Maximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Angelo Rodrigues da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Padua Correia, Joaquim Pedro Martins, José Machado de Serpa, Leão Magno Azedo, Manuel de Arriaga, Ricardo Paes Gomes, Sidonio Bernardino Cardoso da Silva Paes.

Não compareceram á sessão os Srs.: Alvaro Nunes Ribeiro, Alvaro Xavier de Castro, Anselmo Braamcamp Freire, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Florido da Cunha Toscano, Antonio Joaquim Granjo, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Bernardo Paes de Almeida, Eduardo de Almeida, Fernando da Cunha Macedo, Fernão Botto Machado, Francisco Correia de Lemos, Francisco Manuel Pereira Coelho, Gastao Rafael Rodrigues, Inacio Magalhães Basto, Juao Gonçalves, Joaquim Theophilo Braga, José Augusto Simas Machado, Luis Fortunato da Fonseca, Manuel José de Oliveira, Manuel de Sousa da Camara, Rodrigo Fernandes Fontinha, Sebastião de Magalhães Lima, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Victor José de Deus Macedo Pinto.

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É lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Ninguem pede a palavra, considera-se approvada.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae dar-se conta do seguinte

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Interior. - Enviando copia da exposição escrita, feita pelo Governador Civil de Braga, justificando o pedido de exoneração do professor Padre Domingos José de Campos Satisfaz o requerimento do Sr. De pulado João Carlos Rodrigues de Azevedo.

Para a Secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros. - Informando que o Ministro dos Estados Unidos da America, em harmonia com instrucções que recebeu, agradecia as felicitações aos Estados Unidos da America pelo anniversario da proclamação da sua independencia.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado Sebastião de Sousa Dantas Baracho, mostrando o seu profundo reconhecimento á Assembleia, o que não obsta a que persista na sua renuncia.

Para a Secretaria.

Do Ministerio da Marinha. - Enviando 200 exemplares da collecção de decretos, promulgados pelo Acto Addicional no anno de 1910.

Para a Secretaria.

Telegrammas

Sever. - Geral indignação contra variante companhia caminho de ferro Valle do Vouga pretende fazer approvar. = Presidente cominissão municipal, Awins.

Para a Secretaria.

Funchal. - Exmo. Presidente Congresso Constituinte, Lisboa. - Juiz encarregado inquerito assembleia S. Vicente recusa-se ouvir testemunhas indicadas mesa assembleia para defesa validade eleitoral, limitando-se ouvir testemunhas parte contraria. Recusa-se tambem mesmo juiz dar despacho requerimento mesa. Mesa pede-me providencias mas eu não posso dá-las, peço-as V. Exa. Governador Civil

Para a commissão de verificação de poderes

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa uma declaração do Sr. Deputado José Cordeiro Junior, dizendo que não pôde comparecer ás sessões de 14 e 15 do corrente por motivo de doença.

Leu-se.

Os Srs. Deputados que entendem que devem ser justificadas as faltas d'este Sr. Deputado, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Assembleia para o seguinte officio, que vae ler-se na mesa.

Procede-se á leitura do officio do Sr. Deputado Sebastião Baracho, persistindo na sua renuncia ao logar de membro da Assembleia Nacional Constituinte.

A Assembleia acaba de ouvir a resposta do Sr. Sebastião Baracho ao pedido que lhe foi apresentado pela mesa, interpretando o sentir da Assembleia sobre a sua renuncia.

O Sr. Sebastião Baracho, mandou este officio e pede que elle seja publicado no Summurio e no Diario das Sessões, e nelle mantem S. Exa., como se vê, a sua altitude de renuncia ao seu logar de Deputado.

Sem deixar de ter a maxima consideração pela opinião lê S. Exa., entendo que talvez fosse conveniente instar, do novo, com o nosso collega para que não renuncie ao eu cargo de Deputado. (Apoiados).

Se a Assembleia assim o entende e delega em mim o encargo de ir pessoalmente solicitar de S. Exa. que regresse á Assembleia, estou á disposição da Assembleia. (Apoiados).

Está sobre a rnesa uma representação dos empregados da extincta Repartição da Contrastaria de Lisboa, a publicação da qual solicitam no Diario das Sessões.

Consultada a Assembleia, foi autorizada a publicação.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

Varios Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos os seguintes Srs. Deputados: Alexandre Braga, Munes da Mata, para um assunto urgente; Lopes da Silva, para outro assunto urgente; Thomás Cabreira, tambem para um assunto urgente; Ministro da Guerra; Amorim de Carvalho e Angelo Vaz.

Dou a palavra ao Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Declaro a V. Exa., Sr. Presidente, que estou habilitado a responder ás duas interpellações que me foram dirigidas pelos Srs. Deputados Padua Correia e Alfredo Ladeira. Quanto á interpellaçao do Sr. Deputado Alfredo Ladeira, pedia a V. Exa. que, com a maxima urgencia, marcasse o dia da realização, a fim de que se liquide de vez esta questão do fardamento a adquirir no estrangeiro.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. José Nunes da Mata: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao ter de dar inicio á minha interpellação, ha tantos dias annunciada, relativamente á pesca da baleia na costa de Angola, devo dar uma explicação a esta patriotica Assembleia.

Com esta interpellação não tenho o mais leve intuito de hostilidade ou opposicão contra o Sr. Ministro da Marinha, de quem sou amigo ha dezenas de annos, e por cujos elevados sentimentos patrioticos tenho a mais alta consideração; nem tenho tambem o mais leve intuito de hostilidade contra o Governo Provisorio da Republica, pois tanto este no seu conjunto como cada um dos seus membros teem bem merecido da Patria.

Todos pelo seu patriotismo e pelo seu esforço constante, persistente, de todos os momentos, em defesa e consolidação da Republica, são merecedores da consideração e, direi, da gratidão de todos os patriotas que, acima de tudo, collocam os altos interesses da Nação.

Antes, porem, Sr. Presidente, de dar principio á minha interpellação, peço licença á Assembleia para erguer bem

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alto e com firmeza e sinceridade o meu sentido protesto contra a monarchia, pelo modo inhabil e anti-patriotico como se portou no Congresso Internacional de Berlim, em 1884, em que Portugal foi esbulhado do hiterland das possessões de Angola e Moçambique, sendo para mais dado para limite a Angola pelo norte, não o seu limite natural, que é e devia ser o Rio Zaire, mas uma confrontação artificial que esbulhou a nossa importante colonia de uma riquissima região com superficie quasi igual a duas vezes a superficie de Portugal.

Sendo esta a primeira vez que no Parlamento se tratam assuntos referentes a Angola, de justiça é que em toda a luz da verdade sejam revelados factos comprovativos da incuria desmazelo e falta de patriotismo com que a monarchia procedia.

Se a monarchia revelou falta de pericia no Congresso de Berlim em 1884, maior falta ainda de pericia e de provisão mostrou ainda antes da reunião d'esse congresso, não preparando a Nação com elementos que eram de toda a urgencia para a elle se fazer representar firme nos seus direitos e com a altivez de quem houvesse cumprido o seu dever.

Vou expor os factos como se passaram. Como V. Exas. sabem, Stanley, o celebre reporter do grande jornal americano New York Herald foi encarregado em 1872, de ir procurar ao centro de África o honrado e notavel explorador inglês Livingstone, que era julgado morto.

Com effeito Stanley foi e esteve com Livingstone nas margens do immenso lago Tanganika e teve ensejo de ver correr as aguas caudalosas e serenas do grande Rio Lualaba.

As grandes riquezas naturaes do interior da Africa Central e a vastidão dos seus grandes lagos e rios excitaram a curiosidade de Stanley e dos institutos geographicos e bem assim das nações civilizadas.

Por isso, passados menos de dois annos, em 1874, Stanley voltou á Africa para levar a effeito a sua grandiosa e homerica travessia do continente negro, a mais movimentada e extraordinaria que até hoje foi executada, e que elle com todo o vigor e clareza descreveu no seu livro publicado em 1878.

O celebre explorador e vigoroso escritor, para fazer a sua travessia, desembarcou em Zanzibar; subiu até a maravilhosa região dos lagos; percorreu o encantador país da Uganda, um dos mais pitorescos, ferteis e apraziveis da Terra e que é um verdadeiro paraizo terrestre; passou á vista da majestosa montanha de Ruwenzori, contemplando a sua brilhante cabelleira de neve refulgindo á luz brilhante dos raios solares equatoriaes; e finalmente embarcou sobre as aguas immensas do grande Rio Lualaba, o Lualaba de Livingstone, seguindo d'ahi por deante, na descidas o leito do grande rio.

O fim principal de Stanley era verificar para onde se dirigia o Lualaba.

Depois de vencer as innumeras difficuldades das primeiras cataratas do grande rio, as quaes teem hoje o nome do celebre explorador, e de sustentar mil lutas com os selvagens antropophagos, Stanley conseguiu chegar á lagoa ou pequeno lago que tambem hoje tem o seu nome, descendo por ultimo as ultimas cataratas, as de Zinga, conseguindo finalmente chegar a Boina onde, mais morto do que vivo, foi recebido e agasalhado pelos negociantes portugueses.

Estava resolvido um dos mais notaveis problemas geographicos da Africa e direi da Terra: Stanley acabava de mostrar ao mundo geographico que o Rio Lualaba de Liwingstone era o Zaire ou Congo dos Portugueses.

Nesta celebre travessia morreram todos os companheiros brancos de Stanley, e este, é bom que se diga bem alto perante o mundo, deveu a vida ás solicitudes e disvelos dos negociantes portugueses residentes em Roma.

Ora nessa occasião, um distincto camarada meu e querido amigo, Manuel de Azevedo Gomes, infelizmente fallecido irmão do actual Sr. Ministro da Marinha, e eu, haviamos apresentado na, Sociedade de Geographia, para ser presente ao governo da monarchia, um projecto de exploração do Rio Cunene, que corre a leste e sul de Angola, tendo essa exploração principalmente em mim o estudo geographico do grande e misterioso rio.

Mas, assim que Stanley desceu o Rio Zaire, ambos nós vimos o perigo que corria a possessão de Angola e o seu interland, e substituimos o projecto de exploração do Rio Cunene por um outro projecto de exploração do Rio Zaire.

Neste projecto feito por mim, visto Azevedo Gomes estar então commandando um navio nos Açores, mas com cujo teor elle concordou, eu dizia claramente que o nosso fim era defender o nosso dominio colonial até a margem do Zaire, desde a sua foz na Ponta Padrão até a confluencia do Rio Cassai, pelo menos, indicando a conveniencia, se bem me lembro, de se construir uma fortaleza na margem sul da Lagua de Stanley e uma outra fortaleza na confluencia do Cassai com o Zaire, para nelles serem mantidas guarnições sufficientes e sobre ellas fazer tremular a bandeira portuguesa.

Entretanto, no projecto que apresentámos, e verbalmente, eu claramente insisti para que, se o Governo nos não julgava, a mim e a Azevedo Gomes, dignos de levar a effeito a arriscada e difficil empresa, que neste caso fossem incumbidas outras pessoas mais competentes de tão importante encargo, comtanto que fosse levado a effeito. Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar de eu durante semanas ir todas as noites á Sociedade de Geographia, que então estava installada num palacio no Largo do Quintella, e apesar de com insistencia instar por resolução de tão magna importancia, a Sociedade de Geographia e o governo da monarchia permaneceram surdos ás minhas patrioticas instancias!

Não tardou a succeder o que eu e Manuel de Azevedo Gomes haviamos previsto.

Em 1879, Stanley, em nome do rei Leopoldo da Belgica volta á bacia hydrographica do Zaire, para preparar as bases do futuro Estado Independente do Congo; e, quando se reuniu o Congresso Internacional de Berlim de 1884, a que presidiu Bismark, já iam planeados os limites d'esse vasto estado, constituido unicamente á custa de uberrimos territorios e importantes cursos de agua que deviam ser nossos, se a monarchia tivesse prestado devida attenção a estes monumentosos assuntos.

E agora a nação gloriosa que primeiro fez entrar os seus navios nas aguas caudalosas do grande rio, a patria de Diogo Cão, contenta-se resignada com a insignificante margem do rio desde a Ponta Padrão até Noqui.

D'aqui segue a confrontação segundo o parallelo até ao Rio Quango, seguindo depois este na direcção sul, e depois para leste, etc.

Em summa, fomos esbulhados de uma area superficial quasi igual a duas vezes Portugal e perdemos a margem da Lagoa de Stanley e de grande parte do Zaire e Cassai, e a posse completa do Quango!

Perante esta Assembleia e perante a Nação eu levanto finalmente o meu sentido protesto que ha mais de trinta e quatro annos se conserva, violento e apaixonado no meu intimo!

Vou agora referir-me ao assunto especial da interpellação annunciada.

Como V. Exas. muito bem sabem, a Terra, este mesquinho planeta em que vivemos, devido principalmente ao seu movimento de rotação e á acção dos ventos dominantes, não tem os seus grandes oceanos tranquillos, mas antes nestes só notam grandes correntes maritimas. No equador ha correntes maritimas geraes de nascente ou leste para poente ou oeste; nas altas latitudes ha correntes mariti-

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mas de oeste para leste; junto aos continentes e do lado de leste ha correntes maritimas indo do equador para as altas latitudes e junto aos continentes do lado de oeste ha correntes maritimas, indo das altas latitudes para o equador. Por este motivo, no Oceano Atlantico ha dois circuitos maritimos, um no hemispherio norte no sentido do movimento dos ponteiros de um relógio e outro no hemispherio sul em sentido contrario ao movimento dos mesmos ponteiros.

Ora, devido á circunstancia d'estas correntes maritimas receberem as aguas dos rios e ribeiras dos grandes continentes, as quaes entram no mar carregadas de detrictos vegetaes e animaes, d'este facto resulta que as correntes maritimas são sempre muito ricas em peixes de todas as especies e tamanhos desde os dactilopteros (voadores) até os cetáceos, de que as baleias são os maiores exemplares. Por isso a corrente maritima que, descendo ao longo da costa da America do Sul, se reune com a corrente que vem do Oceano Pacifico, essa corrente é abundante em peixes. Esta corrente, ao chegar ao Cabo da Boa Esperança, divide-se em duas, continuando uma parte d'ella em direcção a leste e portanto em direcção á Austrália e mais ilhas da Oceania, e continuando a outra parte ao longo da costa occidental da África Austral e avançando até perto do equador, obliquando para oeste para dar logar á corrente equatorial.

Esta importante corrente maritima, pois desde o Cabo da Boa Esperança constitue um viveiro inesgotavel de peixes; mas a pesca d'estes só pode ser feita com commodidade desde o Cabo Frio para o norte, pois que, emquanto ao sul do Cabo Frio o mar é, em geral, mais ou menos tempestuoso, ao norte do Cabo Frio é, tambem em geral, tranquillo e plano, quasi como em um lago, sendo raras as tempestades, e, quando ha mau tempo, é de pouca dura. Esta a razão por que a costa de Angola se presta, como nenhuma outra, ao exercicio da pesca. Ha abundancia incalculavel de peixes e facilidade e commodidade na pesca.

Por isso desde ha muitas dezenas de annos que os pescadores das costas de Portugal, e com especialidade os algarvios, teem ido fazer estação mais ou menos demorada na costa de Angola, onde em larga escala exercem a pesca de peixe, em geral meudo, que secam e em seguida exportam.

Ao mesmo tempo, os magnificos portos da costa de Angola, taes como a Bahia dos Tigres, um dos maiores portos da Terra e onde se poderiam reunir todas as esquadras militares de todas as nações e a que os ingleses deram o nome de Great Fish Bayf o Porto Alexandre a Bahia de Mossamedes, a Bahia dos Elefantes, Lobito, Porto de Loanda e outros de menor extensão e valor, vieram dar importancia sem igual ao exercicio da pesca nestas preciosas costas de Angola. Em vista das condições d'esta costa e como apparecessem nas suas immediações cetáceos em abundancia, organizou-se ha perto de dois annos uma companhia destinada á pesca da baleia com pessoal português e capital tambem português. Parece de todo o ponto curial, justo e patriotico que o Governo Provisorio facilitasse e animasse mesmo esta empresa puramente nacional. Tal facto não se deu, e, antes pelo contrario, o Governo difficultou esta empresa nacional, guardando as suas facilidades para as empresas estrangeiras, como passarei a demonstrar. De modo algum posso attribuir este facto a uma intenção convicta, mas antes a um mero equivoco ou descuido. É este equivoco ou descuido que eu peço para que seja desfeito.

Em 20 de outubro de 1910 o Governo approvou o Regulamento para a pesca da baleia no mar de Angola, o qual diz no seu artigo 5.° § 1.°:

"Art. 5.° Nas zonas marginaes de 80 metros poderá o governador geral conceder de arrendamento, e por dez annos, servidões para o mar e rios, e poderá permittir aos arrendatarios, dentro da aria das servidões e exclusivamente para os serviços das pescarias, a construcção com caracter provisorio de barracões, pontes e rampas.

§ 1.° A area correspondente a cada servidão não poderá ser superior a 10:000 metros quadrados e a renda annual que será fixada pelo governador, não será inferior a 5 réis por metro quadrado".

Pois bem, ou antes, pois mal, o Sr. Director Geral das Colonias, em data de 27 de janeiro d'este anno de 1911, mandava um despacho ministerial ao governador geral de Angola, no qual entre outras cousas dizia o seguinte:

"Exmo. Sr. - Encarrega-me S. Exa. o Ministro da Marinha e Colonias de communicar a V. Exa. que, attendendo a uma exposição que ao Governo da Republica foi dirigida pelo encarregado de negocios da Noruega, em Lisboa, no sentido de ser permittido a subditos d'aquella nação a exploração da industria extractiva do óleo de baleia no litoral d'essa provincia, quer em installações em terra, quer em estações fluctuantes, foi resolvido:

1.° O Governo faculta aos pescadores noruegueses o exercicio dá industria da pesca e extracção do óleo da baleia, capturando este cetáceo no alto mar ou na zona do litoral maritimo da provincia de Angola;

4.° O Governo concede permissão aos navios baleeiros para fazerem installações temporarias nas praias das bahias que frequentarem e que serão: Bahia dos Tigres, Porto Alexandre e dos Elefantes, occupando com essas installações 200 metros de extensão sobre a praia e 200 metros de profundidade, recebida previa licença da autoridade local.

5.° Na bahia do Lobito não será permittida installação fixa em terra, mas haverá uma estacão fluctuante, em local designado, remivel quando o Governo julgar necessario, e sujeita ao pagamento de licença annual, pagando 30 réis por metro quadrado de superficie total superior, quer seja o convés de um navio quer outro qualquer fluctuador.

Saude e fraternidade. - Direcção Geral das Colonias, em 27 de janeiro de 1911.-Exmo. Sr. Governador Geral ia provincia de Angola. - O Director Geral, J. M. Teixeira Guimarães".

Como se vê, ao mesmo tempo que o Governo no seu regulamento estabelece as condições em que devem ser feitas concessões para a pesca da baleia, de um modo geral, e portanto para nacionaes e estrangeiros, o Sr. Ministro da Marinha no seu despacho ministerial concede a estrangeiros autorização para pescarem nas aguas territoriaes de Angola, e emquanto, nas concessões em terra, aos portugueses se limita a area ao maximo de 10:000 metros quadrados ao preço minimo de cinco réis o metro quadrado, aos pescadores noruegueses se faz a concessão até 40:000 metros quadrados e estes de graça!

Mas ha mais. No mesmo despacho é feita a concessão aos pescadores noruegueses para pescarem nas aguas territoriaes de Angola, quando é certo que por toda a parte está internacionalmente adoptado que nas aguas territoriaes maritimas só é permittido o livre exercicio da pesca aos pescadores nacionaes.

Peço, pois, e estou que a Assembleia me acompanha neste pedido, para que sejam tomadas rapidas providencias para evitar, tanto quanto seja possivel, os inconvenientes e injustiças do presente e os inconvenientes e perigos do futuro resultantes das facilidades concedidas aos pescadores estrangeiros.

Com effeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo o clima do sul de Angola um dos mais agradaveis e mais salubres da Terra, não só nas costas do mar mas mesmo

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no interior, e especialmente no seu vasto, pitoresco e fertil planalto da Huila, e sendo esta parte da colonia de Angola frequentada, mesmo no interior, por grande numero de colonos estrangeiros, especialmente allemaes, e não possuindo a vasta colonia allemã dos Herreros e Namas um unico porto, pois o porto de Walfish Bay pertence aos ingleses, embora nós tenhamos a mais absoluta confiança na lealdade dos nossos vizinhos; entretanto, como Nação pequena que somos, devemos sempre ter a maxima reserva e o maior cuidado em todas as concessões que furem feitas e que possam de futuro dar pretexto a reclamações internacionaes.

Diz o ditado que o "seguro morreu de velho", e por isso devemos segurar nos na protecção e defesa das nossas colonias para não termos de nos arrepender das nossas larguezas, que no caso presente são injustas e anti patrioticas.

Vou terminar, Sr. Presidente. Mas, como é de justiça que quem faz uma critica deva indicar os meios e as remedios para evitar os males e inconvenientes a que se refere nessa critica, por isso, ao terminar, mando para a mesa um projecto de lei em duplicado em que é regulada a pesca da baleia de um modo geral nas nossas coloniais ultramarinas, salvaguardando se os direitos da Nação e garantindo aos pescadores portugueses os privilegios a que teem direito.

Tive o cuidado de previamente mostrar este projecto de lei a dois camaradas e Amigos vemos que são, sem duvida, as duas principaes autoridades officiaes neste assunto, os Srs. almirante Domingos Tasso de Figueiredo e capitão de mar e guerra Vicente Almeida de Eça. O primeiro é bem conhecido d'esta Assembleia, que pelo que tem fora a deferencia e o engano tambem, e bem conhecido, tendo no tempo da monarchia sendo das conferencias internacionaes sobre pesca em Avantes, Nantes e Bordeus, e tendo já na Republica, sido mandada á conferencia internacional sobre pesca que teve logar em Roma. Ambos applaudiram e approvaram o projecto e segundo, especialmente, applaudiu o artigo 9.° por vez nelle a satisfação do seu desideratum de toda a vida, e que consiste em evitar a pesca de baleotes (pequenas baleias), pois que uma tal pesca virá a causar a ruina d'esta importante industria.

Tenho dito.

Applausos, sendo cumprimentado.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes): - Sr. Presidente: tive, pela primeira vez, conhecimento da licença para a pesca da baleia, na costa de Angola, exactamente quando o piloto, a que S. Exa. se referiu, tratou de constituir uma empresa para essa exploração.

Devo dizer que esse piloto é meu parente.

Sabia que essa industria estava, em más condições, quando appareceu no meu gabinete um representante da mencionada empresa a reclamar contra a desigualdade do tratamento que tinha relativamente aos barcos estrangeiros que estavam pescando na costa de Angola, porquanto estes pagam 2 por cento ad valorem, para a exportação do azeite, emquanto que aos nacionaes se exige 18 por cento.

Comprehende-se a impressão que este facto me causaria.

Immediatamente chamei o director geral do meu Ministerio para regularizar o assunto.

Soube então que, na situação em que foi Ministro da Marinha o Sr. João de Azevedo Coutinho, se tinha estabelecido uma taxa de 2 por cento para os estrangeiras, porque elles ameaçavam ir estabelecer depositos fluctuantes, para ahi derreter a baleia, e soube tambem ter havido então uma reclamação do governador de Mossamedes, no sentido de se reduzir o imposto de pesca, porque, se elles levassem por deante a ameaça do estabelecimento dos referidos depositos fluctuantes nas costas do sul, representaria tal facto um prejuizo de contos de réis annuaes para a provincia.

A pesca da baleia é uma pesca do alto e não uma pesca costeira e, na minha opinião, o Estado tem o direito privativo a essa pesca, não apenas na extensão de 3 milhas, mas até onde chegar o limite da zona demarcada.

Será muito para desejar que as outras potencias compartilhem d'esta maneira de ver, porque ha outras potencias interessadas no assunto, como sejam a Franca, a Inglaterra e a Hollanda, embora ellas se achem em condições differentes.

A industria da pesca da baleia não é exercida por nacionaes, por não haver pessoal habilitado, que se queira empregar nesse mester.

Attendendo aos interesses da colonia, eu instei com a empresa referida para que ella estabelecesse em terra os estabelecimentos de extracção do óleo.

É certo que elles ocoupavam uma extensão superior áquella que era necessaria para manter esse serviço, mas na realidade não era cousa de grande importancia, nem se me afigura como tal.

Portanto, eu procedi como me pareceu que era melhor para os interesses da provincia de Angola.

No que não se pensou foi em que um despacho ministerial annullasse o que se tinha legislado por um decreto com força de lei.

Sr. Presidente: eu tenho procedido sempre por forma a defender os interesses da provincia de Angola. (Apoiados).

Os estabelecimentos, ou o V. Exa. decreto não ignora, á provisorios, e se as instancias do Ministro da Noruega, se fez alguma concessão, é esta feita por sete annos, mas ficando o Governo com a faculdade de alterar todas as disposições.

Assim, se hoje paga só 2 por cento ad volorem, amanhã pode pagar 10 ou 20, conforme as necessidades. Quer dizer, em todos os casos o Estado está prevenido contra qualquer eventualidade.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Angelo Vaz: - Mando para a mesa, por parte da commissão de generos alimenticios, a seguinte

Participação

A commissão dos generos alimenticios escolheu para seu presidente o Sr. Estevam de Vasconcellos, para relator o Sr. Miranda do Valle e para secretario o participante. = Angelo Vaz.

Para a Secretaria.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sr. Presidente: acabo de ter conhecimento de que foi dirigido á mesa pelo governador civil do Funchal um telegramma concebido nos seguintes termos:

Leu.

Julgo que esta questão é de interesse geral, por se tratar de um inquerito a uma eleição, que diz respeito á Assembleia.

Nessa conformidade eu vou expedir o seguinte telegramma em que peço informações ao Sr. governador civil do Funchal:

(Leu).

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SESSÃO N.° 50 DE 16 DE AGOSTO DE 1911 7

O juiz, a quem esse telegramma se refere, goza, mesmo em commissão do Ministerio da Justiça ou de qualquer outro Ministerio, de toda a autonomia no exercicio das suas funcções.

Mas, Sr. Presidente, vendo assinada pelo governador civil d'aquelle districto e dirigida a V. Exa. uma queixa tão grave como esta é, não quero perder um minuto, não para proceder, mas para dar á Assembleia noticia d'essa queixa e de quaes são as minhas intenções a este respeito.

Se esse funccionario faltou a um dos seus mais rudimentares deveres, será castigado e substituido, porque não quis cumprir bem o que lhe competia cumprir.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tenham documentos a enviar para a mesa, podem enviá-los porque passamos á ordem do dia.

O Sr. França Borges: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, por todos os Ministerios, me sejam enviados os esclarecimentos seguintes:

Nota de todos os edificios do Estado que são utilizados para commodo pessoal ou habitação de funccionarios publicos, civis ou militares

Nota de todos os empregados do Estado, militares ou civis que se utilizam de automóveis ou trens que ao Estado pertencem.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 16 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio França Borges.

Mando mais para a mesa a seguinte

Interpellação

Desejo interpellar S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças sobre a despesa que o Estado está realizando com o pessoal subordinado á administrado dos Paços e com o pessoal da Repartição de Equipagens.

Desejo igualmente perguntar se o Governo da Republica intervem de qualquer forma no pagamento das dividas da extincta casa real.

Lisboa, Sala da Assembleia Nacional Constituinte, em 16 de agosto de 1911. = O Deputado, Antonio Franca Borges.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Brandão de Vasconcellos: - Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que na minha proposta de 10 de agosto, de louvor á missão medica que combateu a colera na Madeira, sejam mencionados na lista respectiva os nomes dos medicos Julio Bettencourt Ferreira e Antonio Maria Pinto Fontes, que tambem fizeram parte d'aquella missão.

Sala das Sessões, em 16 de agosto de 1911. = Antonio Brandão de Vasconcellos.

O Sr. Thomás Cabreira: - Apresento um projecto de lei autorizando as Camaras Municipaes de Lisboa e, Porto a criarem uma repartição commercial destinada a servir de regulador ao preço dos generos de primeira necessidade.

Foi mandada publicar no "Diario do Governo".

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 3 (Constituição)

O Sr. Lopes da Silva: - Tenho a honra de mandar para a mesa um requerimento que peco a V. Exa., Sr. Presidente, submetta á apreciação da Assembleia.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que a sessão da noite de hoje seja de quatro horas, sendo a primeira hora destinada á discussão, com dispensa do Regimento, do projecto do Governo sobre a importação de azeite.

Lisboa, 16 de agosto de 1911. = O Deputado, José Bernardo Lopes da Silva.

O Sr. Presidente: - Antes de pôr este requerimento á votação, cumpre-me esclarecer a Assembleia de que o projecto relativo ao azeite foi hoje publicado no Diario do Governo, e que, segundo o disposto no Regimento, para que elle possa ser admittido á discussão, é preciso passarem quarenta e oito horas, caso não seja, é claro, dispensado o Regimento. Submetto o requerimento á votação.

Foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, fiara continuar o seu discurso interrompido na sessão nocturna de hontem, por ter dado a hora de esta se encerrar.

O Sr. Ministro da Justiça (Affonso Costa): - Sr. Presidente: vou concluir o meu discurso, começado, hontem, durante poucos minutos.

O artigo que está admittido á discussão é um artigo addicional proposto pelo Sr. Alexandre Braga, concebido nos seguintes termos: "Nenhuma das propriedades do Estado pode ser utilizada para habitação ou commodo pessoal de qualquer funccionario da Republica, seja qual for a sua categoria".

Tendo sido interrompido o meu discurso pelo encerramento da sessão de hontem á noite, hoje estudei conscienciosamente uma solução que pudesse harmonizar o que julgo necessario á nossa Constituição com aquillo que julgo ser impreterivel dever de todos - respeitar nós as deliberações tomadas pela Assembleia.

E para acautelar possiveis interrupções, que não me proponho provocar, devo prevenir V. Exa. e os Srs. Deputados, de que não discutirei nem de perto nem de longe a materia do artigo 37.°, mas discutirei, exclusivamente, a materia proposta no artigo 54.° do Sr. Alexandre Braga.

Essa materia contam duas palavras "habitação e commodo pessoal" a proposito das quaes terei a honra de mandar para a mesa uma emenda, no sentido de a palavra "a habitação" ser substituida pela palavra "recreio".

V. Exa. vae ver que, pela evolução do nosso direito, não ha equiparação possivel entre as palavras "habitação" e "commodo pessoal", havendo-a, porem, entre "recreio" e "commodo pessoal".

Se V. Exa. me perguntasse se eu acho exacta a expressão "commodo pessoal" dir-lhe hia que não, e que preferiria o termo "recreio", porque a Assembleia Constituinte, dentro dos principios igualitarios que uma Republica deve ter, não dá, a funccionarios, nem casa, nem quinta, nem cousa que possa constituir mais que o indispensavel para a sua habitação, no caso de o Estado a isso estar obrigado.

Julgo, portanto preferivel adoptar em vez da forma

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"commodo pessoal" a forma "recreio", para que isto constitua uma deliberação autónoma da vontade da Assembleia.

E assim as circunstancias em que se define o artigo 54.° permittem fazer-se uma obra igualitaria.

A minha proposta abrange, ainda, um acrescentamento ás ultimas palavras da proposta do Sr. Alexandre Braga "ou de suas familias", dizendo-se, então, no § unico: "Leis especiaes fixarão as condições em que os edificios publicos deverão ser destinados á habitação de qualquer funccionario e de sua familia, quando assim convenha aos interesses do Estado".

Sr. Presidente: eu quasi que adivinhava esta discussão, quando redigi alguns artigos do projecto que se converteu na lei da separação das igrejas do Estado.

O direito publico português distinguiu sempre entre recreio e habitação; casas, palacios ou quintas para recreio, e casas e palacios para habitação. Essa mesma distincção se tinha estabelecido para o chefe do Estado na monarchia.

Fixaram-se-lhes as casas e palacios para habitação, e deixou-se ás Cortes o direito de destinar novas casas e quintas, as que fossem convenientes para a decencia e recreio do chefe do Estado. É a materia do artigo 85.° da Carta Constitucional. Isto mostra que, mesmo no direito anterior, se distinguia entre o que era necessario, indispensavel e se presumia conveniente aos interesses do Estado para certos funccionarios altamente collocados, e aquillo que era ou podia ser excessivo, deixando-se ás Cortes ordinarias o poderem julgar, em dada opportunidade, o que se podia dar para recreio ou decencia de funccionarios ou o que não se devia dar. Este direito, já o disse, ficou bem registado na lei da separação.

Qual era a situação em que se encontravam alguns bens da Nação quando a lei foi promulgada?

Sabia-se que os presbyterios, paços episcopaes, seminarios, quintas annexas, passaes e tantos outros bens imrao-biliarios, estavam sendo detidos pelo clero, pelos ministros da religião catholica, visto que essa religião era a religião do Estado e o Estado precisava d'essa religião para diversas das suas funcções, ou para inicio de diversas das suas funcções. Assim, o Estado não só pagava a esses funccionarios, mas dava-lhes recreio. Havia junto de todos, ou de quasi todos os paços episcopaes, lindas quintas; e junto de muitos presbyterios, esplendidos passaes. A lei, estabelecendo o regime de transição, distinguiu entre o que era necessario para habitação, e que devia manter-se, e o que era para recreio e não devia manter-se, porque num regime democratico igualitario era assim que tinha de se proceder.

O Sr. Ministro lê os artigos 98.° e 99.° da lei a que se está referindo.

Quer dizer, tudo que respeitava a habitação, considerou-se necessario á funcção que estava sendo exercida pelos bispos e concedeu-se-lhe gratuitamente; mas o que não era necessario passou immediatamente para o poder do Estado. Depois, no artigo 104.º e nos artigos immediatos deu-se destino a esses bens, autorizando-se, por exemplo, a installação de escolas do Estado na parte dos presbyterios que não seja necessaria e indispensavel para habitação dos bispos. Este exemplo parece-me bem frisante, e não dirá ninguem que isto foi publicado em 21 de abril no Diario do Governo para servir de argumento á causa que hoje defendo.

A distincção clara dos bens do Estado, nos edificios e bens do Estado, applicaveis a funccionarios do Estado - entre habitação, - parte necessaria - e recreio, parte meramente facultativa, - é a distincção que se pode fazer entre o regime republicano e o monarchico.

Na Republica não podemos faltar ao indispensavel; na monarchia ia-se alem do indispensavel.

O rei tinha quintas que a lei autorizava, como os padres e bispos tinham annexos ás suas residencias passaes e quintas que eram de recreio, para aumento dos seus rendimentos e para gozo pessoal, mas desnecessarios para a sua habitação.

Nestas condições, todo o estudo que eu fiz da proposta do Sr. Alexandre Braga baseia-se na grande confusão que se estabeleceu entre o que se deve considerar "commodo pessoal" com o que é propriamente "habitação". O proprio direito civil distinguiu sempre entre o que é indispensavel e o que é necessario, entre o que é util e o que é de recreio.

Não é meu desejo cansar a Assembleia com a enumeração de factos que são de todos conhecidos, mas poderia citar funccionarios, como professores, empregados do correio e outros de categoria mais elevada, como governadores de districto, governadores de provincia, directores de prisões, directores de hospitaes e de institutos, - aos quaes o Estado sempre deu moradia, raramente esquecendo de dizer que esses funccionarios eram obrigados a residir no edificio.

E comprehende-se que assim seja.

Dar obrigação a certos funccionarios de viverem no edificio do Estado não é autorizar ostentações, mas impor-lhes o exercicio constante das funcções que o poder legislativo lhes marcou.

O Governador de Moçambique tem uma casa civil e militar, porque a proximidade da Republica Sul-Africana explica esse estado, assim como obriga um funccionario, o mais alto ou o mais modesto, a viver numa habitação do Estado para melhor exercer as suas funcções, o que não é, de maneira nenhuma, permittir-lhe ou aconselhar-lhe qualquer ostentação, que está fora dos principios de uma Republica democratica.

As vezes, pode ser uma medida economica entregar a um funccionario superior da administração publica, com obrigação de a manter, uma casa em que elle viva. Isso pode produzir, financeiramente, economia para o Estado.

Existem, actualmente, na posse do Estado, palacios que custam muitos contos de réis, e que ficam bastante mais dispendiosos achando-se deshabitados do que se estivessem noutras condições, acrescendo a isto que na posse do Estado ha casas que não passa pelo espirito de ninguem alugar ou alienar desde já.

Eu possuo informações curiosas a este respeito, que, só pelo proposito de não fazer a menor referencia ao artigo 37.°, não trarei á Assembleia.

O principio, porem, é este: é que o palacio de um governador de provincia ultramarina, assunto do artigo em discussão, ou de um governador de districto, continental ou insular, se for um palacio importante, que tenha custado muito dinheiro, para ser collocado em condições de habitabilidade, custa muito mais caro na sua simples conservação, estando deshabitado, do que achando-se habitado. E portanto, mesmo por economia para o Estado, deve-se obrigar o funccionario a, viver numa d'essas casas.

Por isso, encarada a questão sob o ponto de vista financeiro, e mesmo sem obrigar o morador a fazer despesas de reparação, pode até haver uma economia verdadeira, se se approvar o artigo modificado em harmonia com a minha proposta.

Sr. Presidente, quero confinar-me nos limites da mais apagada e pallida defesa do merito da proposta; mas o que não quero e ter a responsabilidade de que outro criterio se adopte.

Ha certas funcções publicas, incluidas as de governador das provincias ultramarinas, que não podern exercer-se de maneira alguma sem prestigio para a Republica, e é o que se evita approvando as modificações que tenho a honra de mandar para a mesa, á proposta do Sr. Alexandre Braga.

Tenho a certeza de que, não se adoptando este criterio.

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dentro de tres meses, não ha um cidadão português que não reconheça o erro commettido.

Sr. Presidente: não quero apresentar a hypothese, como verosimil, de que, amanhã, venha a uma Assembleia ordinaria um Deputado que, não considerando a materia do artigo 37.° como constitucional, proponha que elle se remodele immediatamente, porque ha deveres para com os outros países, para com o proprio país e para com os estrangeiros visitantes d'este pequeno país, que pelo procedimento e correcção da sua impeccavel vida republicana, tem direito a considerar se uma grande Nação e, entre as Republicas, uma das primeiras; e ha deveres a cumprir, que, certamente, nenhum homem avisado, nenhum politico experimentado, nenhum bom, nenhum leal e sensato republicano deixará de sentir na sua consciencia!

Não me proponho eu, Sr. Presidente, tirar a menor consequencia, resultante para a minha vida politica, do facto de ser approvada ou rejeitada a minha emenda.

Estou dentro da razão e da verdade.

Assim, deixo perfeitamente á vontade os meus amigos pessoaes. E digo amigos pessoaes porque tenho muito prazer e honra em dizer que não tenho tido outros dentro da Republica, - não tendo feito politica, mas tendo feito o possivel para tornar a Republica cada vez mais amada não só dos republicanos, mas de todos os portugueses (Apoiados).

Não estou falando, por consequencia, ao coração dos meus amigos pessoaes nem procuro outros argumentos que não sejam os da lógica, os da razão, os do bom senso esclarecido e os da certeza da verdade, sinceramente exposta.

Eu tive a fortuna de ver, dentro de um lapso de redacção de um artigo da Constituição, a passagem larga, ampla, sem dificuldades, para uma solução que a todos nos honraria, - a de deixar os altos como os baixos, os pequenos como os grandes funccionarios da Republica, obrigados, ou não, a habitar edificios do Estado, conforme for resolvido pela Assembleia.

Mando para a mesa a minha emenda e espero que ella seja discutida, pelo menos, com a calma com que eu a apresento.

Espero ouvir os argumentos que contra ella se produzirem. E desejo e espero que a situação não seja a dos que fecham obstinadamente os olhos á razão para dizerem que está votado aquillo que não se contem nem nas palavras, nem no espirito do artigo.

A minha proposta é ampla e o seu paragrapho unico resolve uma difficuldade que a todos nós, no fundo da nossa consciencia, nos embaraçava.

Mando, pois, para a mesa as minhas emendas ao artigo 54.°-A, proposto pelo Sr. Deputado Alexandre Braga:

Em vez da palavra "habitação" a palavra "recreio". Acrescentar a palavra a categoria" ás palavras "ou de suas familias".

Acrescentar um paragrapho nos termos seguintes:

"§ unico. Leis especiaes fixarão as condições em que os edificios publicos deverão ser destinados á habitação de quaesquer funccionarios e suas familias, quando assim convenha aos interesses do Estado. = O Deputado, Affonso Costa.

Foi admitida.

S Exa. não reviu.

É dada a palavra aos Srs. Deputados Silva Barreto e Santos Moita, que d'ella desistem.

O Sr. Presidente: - Achando-se esgotada a inscrição, vae procecer-se á votação.

O Sr. Bernardino Roque: - Peço a V. Exa. que a votação seja feita em duas partes.

O Sr. Presidente: - Entendo tambem que a votação deve ser feita por partes e nessas condições a submetterei á Assembleia. Vae ler-se, em primeiro logar, a emenda do Sr. Alexandre Braga.

Leu-se na mesa.

O Sr. Alexandre Braga: - Concordando com a proposta do Sr. Affonso Costa, peço que seja consultada a Assembleia sobre se consente em que eu retire a minha emenda.

O Sr. Presidente: - Direi que o que se me affigura mais pratico para abreviar tempo: é pôr á votação a proposta do Sr. Alexandre Braga, intercalando-lhe já as emendas do Sr. Affonso Costa, salvo, é claro, a redacção. Nessa conformidade ponho á votação a primeira parte que é a seguinte:

"Nenhuma das propriedades do Estado pode ser utilizada para recreio ou commodo pessoal de qualquer funccionario da Republica, seja qual for a sua categoria, ou de sua familia".

Foi rejeitada por 109 votos contra 73.

É em seguida lido e rejeitado, por 95 votos contra 87, o paragrapho unico.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a epigraphe "Instituições locaes".

Consulto a Assembleia sobre se admitte á discussão a seguinte proposta do Sr. Theophilo Braga, que já se encontrava sobre a mesa:

Que o capitulo 5.° se emende em "Titulo 4.° - Das instituições locaes administrativas". - O Deputado, Joaquim Theophilo Braga.

Foi admittida.

O Sr. Jacinto Nunes: - Não concordo com essa emenda. É uma redundancia. Este artigo prende se com a vida economica do país e...

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Exa. que o que está em discussão é somente a epigraphe.

O Sr. Jacinto Nunes: - Então peço a palavra para quando se puser á discussão o artigo.

É approvada a epigraphe, sendo rejeitada a emenda.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 55.°

Leu-se.

O Sr. Jacinto Nunes: - Começo por ler a seguinte

Emenda ao artigo 55.°

Base 1.ª "Extincção da tutella administrativa exercida pelo poder central ou seus agentes.

2.ª Restabelecimento da administração economica dos districtos".

3.ª Como no projecto.

4.ª Idem.

5.ª Idem.

"6.ªa Administração financeira dos municipios nos limites fixados na lei organica.

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7.ª Centralização de todos os encargos e correspondentes serviços de caracter geral ou desempenhados por agentes do poder central".

8.ª Como no projecto. = O Deputado, J. Jacinto Nunes.

Não sabe o que seja a extincção da tabella admnistrativa, sem prejuizo da fiscalização do Estado, como se encontra na base 1.ª Qual será o alcance d'esta base? Não quer que o poder central exerça a menor tutella sobre os corpos administrativos. O regime de tutella e preventivo, applicado aos corpos administrativos, é sempre humilhante. O que deseja para os corpos administrativos, é um regime de completa liberdade, com toda a responsabilidade.

Não ha país nenhum, onde haja tanta confusão nos poderes dos corpos administrativos e do poder central, como em Portugal.

E de parecer que só as juntas geraes podem exercer alguma tutella sobre as camaras municipaes.

Tudo quanto tem de bom a viação ordinaria é obra exclusiva das juntas geraes.

Quer, pois, a administração do país pelo proprio país.

Acha justo o referendum exercido pelas camaras municipaes sobre as deliberações das juntes geraes de districtos, quando envolverem aumento de despesa.

Quer tambem a intervenção dos maiores contribuintes com voto deliberativo em todas as deliberações municipaes, e em casos de administração local.

Estando ha quarenta e um annos na presidencia da Camara Municipal de Grandola, sabe quanto é justa a autonomia financeira dos municipios, lançando e cobrando estes os seus impostos e contribuições, e dando livre destino aos seus rendimentos. Isto evita que o Estado esteja lançando todos os dias encargos pesadissimos sobre as camaras municipaes.

Quer a maxima descentralização administrativa, e que o poder central não continue, como até aqui, dando golpes successivos nas liberdades locaes.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

A proposta foi admittida.

O Sr. Miranda do Valle: - Sr. Presidente, meus senhores: não gastarei tempo a defender a autonomia municipal por duas razões: primeira porque o Sr. Jacinto Nunes já o fez com a sua muita autoridade; segunda porque não quero tomar tempo á Assembleia.

Discordo inteiramente do artigo 55.° do projecto e nestes termos permitta-se-me apresentar uma substituição.

Vou explicar a V. Exa. e á Assembleia as razões por que não concordo com as bases d'este artigo.

Entendo, como entende o Sr. Jacinto Nunes, que é absolutamente indispensavel incluir nesta Constituição as bases para a vida local.

Nós temos uma vida local atrophiada por uma fero: centralização, é absolutamente indispensavel tratar d'este assunto, é preciso dar aos corpos administrativos a liberdade sufficiente para gerirem os seus negocios.

Era agora occasião, mas não o farei, de demonstrar as conveniencias da descentralização, as vantagens que resultariam para o desenvolvimento dos interesses nacionaes em educar cidadãos na pratica da administração local.

Todas as pessoas as conhecem, por isso, sem mais preambulos, exporei rapidamente as razões por que não concordo com as bases d'este artigo e por que peço para ser substituido por aquelle que terei a honra de apresentar.

Leu.

Isto não é nada, é tudo quanto ha de mais vago.

Extincção da tutela administrativa simplesmente, acho se mais.

Não quero que as administrações locaes tenham uma iberdade absoluta, que facilmente degenera em tyrannia e esbanjamento dos dinheiros publicos.

Não convem.

Uma voz: - Para isso ha remedio.

O Orador: - É o remedio que eu lhe quero applicar.

Julgo indispensavel que a autonomia dos corpos administrativos não fique dependente do legislador ordinario e que a proposito de fiscalização do Estado, exercida muito naturalmente pelo poder executivo, as camaras municipaes sejam reduzidas á mesma feroz tutela que até agora teem experimentado.

Discordo por isso completamente da primeira base.

A segunda base diz:

Leu.

Acho-a bem, mas não para todos os concelhos.

Para os de primeira ordem, os de grande população, acho bem que se faça esta base, mas para os concelhos pouco populosos, de reduzido numero de habitantes, sobretudo naquelles em que escasseiam os individuos dotados de mediana cultura intellectual, acho que é impossivel pôr em pratica esta base.

Consta-me, por o ter ouvido dizer nos dois congressos municipalistas em que collaborei, que alguns concelhos ha m que é difficil recrutar o numero indispensavel de cidadãos para occuparem os logares de vereadores. (Apoiados).

Actualmente o numero de vereadores é muito reduzido, mas desde que vamos alargar os poderes temos que aumentar o numero dos vereadores e estou certo que muitas das nossas villas não estão nas condições de fornecer homens em numero sufficiente para esse serviço.

E o serviço de vereador é bastante violento, para não se poder aguentar por muito tempo, temos que os renovar a meudo, por consequencia admitto a divisão dos poderes apenas nos concelhos de primeira ordem.

A terceira base estabelece:

Leu.

E a base quarta:

Leu.

Tratam do referendum, fazem no porem por uma forma illogica, absolutamente inadmissivel.

Sr. Presidente, parece-me que por maiores que sejam os nossos desejos de manter a igualdade entre todos os cidadãos da nossa Republica democratica, ha de sempre haver differenças de aptidões e graus variados de cultura intellectual.

Evidentemente que o individuo que se eleja para membro da junta de parochia não terá os mesmos conhecimentos, a mesma largura de vistas que se deva exigir ao vereador municipal. O ambito das suas attribuições é mais restricto, não só em area territorial, mas tambem em importancia e numero dos problemas que tem a resolver.

O individuo que se eleja, salvo as excepções da tabeliã, para uma junta de parochia, deve muito naturalmente ser menos illustrado que aquelle que se eleje para vereador, e outro tanto acontece com os vereadores em relação aos membros das juntas districtaes.

Interrupção do Sr. Alexandre de Barros.

Porque os problemas que estão confiados ás juntas de parochia são muito menos importantes.

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O Orador: - Exactamente.

Suppunhamos que uma camara municipal quer melhorar as condições da sede de concelho, e para isso delibera fazer um determinado numero de despesas extraordinarias, o que acontece? As juntas de parochia dos arredores podem combinar-se entre si e fazerem um constante obstruccionismo a todos os melhoramentos que a camara municipal queira fazer na sede do concelho.

Isto pode dar-se.

Eu tenho a maior consideração e respeito pelas juntas de parochia.

A camara municipal de Lisboa tem estado muitas vezes em contacto com as juntas e por isso sei bem como ellas procuram defender os interesses da sua parochia.

O preceito de igualar o valor de todas as parochias no referendum municipal não é justo, por que ha parochias de muito variavel população.

Por exemplo:

A freguesia da Ameixoeira tem 339 habitantes pertencentes á cidade de Lisboa e 91 do concelho de Loures, teria o mesmo voto do referendum municipal que a freguesia de Santa Isabel com 31:953 habitantes.

Pelo recenseamento vê-se claramente que algumas distas freguesias não devem ter um voto igual ao referendum.

A base 5.ª não a acho bem. Considero uma auctorização muito exagerada e discordo do preceito constitucional que autoriza as camaras a cobraram juntamente os seus impostos e a contratarem os seus emprestimos sem limitação alguma.

Não julgo nessario que as camaras façam directa mente a cobrança dos seus impostos, prefiro o regime actualmente adoptado, em que o governo cobra essa contribuição, restituo o dinheiro á camara, e esta paga uma percentagem por essa cobrança. E muito mais economico para as camaras e mais commodo para o contribuinte que paga numa unica recebedoria.

Tambem acho inconveniente que se dê absoluta autonomia financeira aos municipios, porque dando-lh'a acontecerá o seguinte.

Ha individuos que conhecem as suas responsabilidades e que quando tomam conta de uma administração municipal não olham só ao numero de annos em que a tem de exercer, e não se occupam apenas em deixar a sua passagem assinalada com melhoramentos materiaes de valor, mas, infelizmente, ha tambem vereadores que o que os preoccupa é durante a sua passagem pelo municipio tratar de épater le bourgeois, e para isso contem emprestimos, para fazerem obras, abrir das que muitas vezes não são precisas, e que só servem para favorecer simples caprichos de municipes, ficando por fim a camara em péssimas condições para poder solver esses emprestimos. Tambem não quero que as camaras dessam á sua vontade sem limite de especie alguma, lançar impostos, porque isso dá o seguinte resultado. Pode dar-se o caso de um grupo de freguesias querer a sua autonomia sem se preoccupar com os recursos financeiros e ver-se obrigada a exceder a capacidade tributaria dos seus habitantes.

Assim que se implantou a Republica, e que se falou em nova divisão administrativa, V. Exas. sabem o que se deu por essas provincias fora? Nas poucas viagens que fiz, vi que havia uma luta constante entre differentes freguesias, umas queriam sair do concelho de tal para o concelho de tal, outras queriam a autonomia.

Quero que se ponha um limite á liberdade das Camaras fixarem os seus impostos e de contrahirem emprestimos. Tambem não quero que contraiam emprestimos á sua vontade. (Apoiados).

Vem depois a base 6.ª Com essa concordo, mas quero ainda mais largo o principio da representação das minorias. Eu acho bem que este principio se estabeleça tambem em relação ás juntas de parochia e ás juntas geraes de districto.

Explicadas as razões por que discordo d'estas bases insertas no projecto, vou ler a substituição, e poucas palavras terei que proferir para as defender. - Eu entendo que é inteiramente necessario que os vereadores e os membros das juntas de parochia, no exercicio das suas funcções, devem ter liberdade, mas ao mesmo tempo deve impor-se-lhes a responsabilidade pelos actos que praticarem.

Eu quero que os corpos administrativos, isto é: as camaras municipaes, as juntas de parochia e as juntas geraes de districto tenham, liberdade na sua acção, mas não posso dispensar que ellas fiquem sujeitas a determinados preceitos.

Desejo que ellas tenham completa liberdade e que só fiquem dependentes do poder executivo em casos excepcionaes.

Então é que o poder executivo poderá interferir na marcha dos corpos administrativos.

Quando se dê um cataclismo, uma guerra, um terramoto, um d'estes acontecimentos extraordinarios, então é que o poder executivo pode intervir e até substituir a acção dos corpos administrativos:

Leu.

Como a Assembleia vê, eu quero que a fiscalização dos corpos administrativos seja exercida pelo poder judicial, mas que esta não prejudique a marcha dos negocios e não perturbe as relações que devem existir entre os differentes graus da hierarchia administrativa.

E preciso que os corpos administrativos respondam pelas faltas em que incorrerem, mas sem que isto prejudique a marcha da sua acção.

A fiscalização, deve, pois, realizar-se, ao contrario do que o projecto estabelece.

Quanto á base 3.ª:

Leu.

Base 4.ª:

É o referendum popular, não é o das corporações administrativas.

Base 5.ª:

Leu.

Base 6.ª:

Leu.

Eu acho que isto é praticavel e parece-me bem, porque um emprestimo não é uma cousa que tenha uma exigencia immcdiata, porque, num caso de calamidade publica, não é a camara que ha de contrahir emprestimo, é o poder central que deve auxiliar a vida local.

Um emprestimo e uma cousa que se pensa com antecipação e parece-me até proveitoso que haja certa demora, para se estudarem minuciosamente as condições em que elle deve ser contraindo e os fins a que se destina o dinheiro.

Interrupções e apartes que não se ouviram.

O Orador: - Parece-me bem que fique expresso na Constituição este preceito.

Finalmente a 7.ª base é a seguinte:

Leu.

O que eu desejaria a bem das instituições municipaes, que muito prezo, e que, desde o tempo da monarchia me

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habituei a amar e considerar, era que esta minha proposta fosse acceita pela commissão, porque, embora seja um trabalho mau, feito por quem não tem profundos estudos de direito administrativo, mas os Srs. Deputados farão certamente as emendas necessarias, por forma a melhorar as bases que apresento.

Tenho dito.

Proposta

Proponho a substituição seguinte do

"Artigo 55.° A organização e attribuições dos corpos administrativos estabelecer-se-hão nas bases seguintes:

1.ª O poder executivo não terá ingerencia na vida dos corpos administrativos, salvo o caso de calamidade publica, em que seja indispensavel uma acção commum;

2.ª A fiscalização dos corpos administrativos será exercida pelo poder judicial, sem prejuizo da marcha dos negocios, e não obstante as relações que a lei estabeleça entre os differentes graus da hierarchia administrativa;

3.ª Nos corpos administrativos dos districtos e dos concelhos de 1.ª ordem haverá a divisão dos poderes em deliberativo e executivo;

4.ª O referendum popular será exercido nos termos e para as deliberações que a lei prescrever;

5.ª O lançamento dos impostos e contribuições locaes será feito pelos corpos administrativos, dentro dos limites que a lei prescrever;

6.ª Nenhum corpo administrativo poderá contrahir emprestimos ou conceder monopolios, sem autorização do poder legislativo;

7.ª Representação das minorias nos corpos administrativos, nos termos que a lei determinar".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 16 de agosto de 1911. = O Deputado, José Miranda do Valle.

Foi admittida.

O Sr. José de Castro (por parte da commissão): - Falo por parte da commissão para declarar que esta acceita o paragrapho em discussão e, ao mesmo tempo, para deixar consignado que todo este capitulo que se refere ás instituições locaes é obra do Sr. Jacinto Nunes, que, como especialista na materia, nos deu as maiores e melhores indicações.

E possivel que lhe falte alguma disposição, mas a verdade é que a commissão redigiu-o de harmonia com o seu pensamento.

As duas propostas, a meu ver, podem combinar-se, redigindo-se a materia em harmonia com os dois proponentes, evitando-se assim uma larga discussão e apresentando-se um trabalho de primeira ordem. Tanto um como outro são conhecedores do assunto.

Desejaria tambem que a vida administrativa, desde as juntas de parochia até os conselhos das provincias, correspondesse ás necessidades das populações, tendo uma vida semelhante á do Estado.

Desejava que as juntas de parochia tivessem os seus juizes, poder executivo e legislativo, e o seu parlamento.

Desejaria mais, que as camaras municipaes tivessem tambem uma especie de parlamento e poder executivo.

Para isto o numero de membros das juntas de parochia variaria segundo a importancia da população. Umas d'essas corporações podiam ser compostas de tres membros, e outras poderiam ter seis ou sete.

O meu pensamento destina-se ao estabelecimento de uma vida administrativa correspondente ao modo de ser de suas populações.

Os dois cavalheiros que me precederam no uso da palavra, e que versaram este assunto com muita competencia, é que poderiam reunir-se e produzir um trabalho magistral, que a commissão acceitaria como base de uma discussão proficua.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Adriano Pimenta: - Quando falou na generalidade do projecto teve ensejo de lastimar que na Constituição não se consignasse claramente a autonomia municipal, não só porque em muitas das constituições dos países modernos se consignam hoje os principios da autonomia municipal, como por entender que em Portugal o municipio influe poderosamente na nossa psychologia.

Julga que na Constituição se deve marcar, de uma maneira peremptoria, o principio da autonomia municipal.

E necessario que na Constituição se definam a descentralização e autonomia municipal, para que na Republica não continue a ver-se o que se observava durante a monarchia.

O Sr. Jacinto Nunes referiu-se á evolução que teve no constitucionalismo o municipio, e em que se desenvolveram as liberdades locaes.

A descentralização consignada no Codigo Administrativo de 1878 desappareceu, e, successivamente, foram esmagando as liberdades municipaes, praticando o Estado verdadeiros latrocinios contra as instituições locaes.

O referendum e a autonomia financeira não são innovações em Portugal; existiram já de facto em municipios que tiveram a sua independencia e autonomia antes do regime constitucional. Num ou noutro foral encontra-se a nota d'esse referendum. Não é, pois, uma innovação, mas um resurgimento.

Mas o referendum do municipio não é o referendum popular.

E preciso desembaraçar o municipio da tutella do poder central, que tem sido ruinosa para a economia de todo o país; mas é preciso tambem ter todo o cuidado em fugir d'essa tutella.

Tem toda a consideração pelas corporações parochiaes, a cujo trabalho, dedicação e esforço, se deve o triunfo da Republica, mas é possivel que ainda durante alguns annos se não encontrem individuos que, pela sua illustração e saber, possam dedicar-se ao estudo dos grandes problemas de administração local. Por isso deve-se pôr de parte o referendum, como está no projecto, e reservá-lo apenas para um certo numero de negocios das freguesias.

Com a pratica d'esse referendum o povo português iria fazendo a sua aprendizagem, e, assim, ao tratar das pequenas cousas da sua freguesia, habilitava-se para mais tarde exercer o referendum nas altas questões da nossa economia.

Por agora nós não estamos em condições de estabelecer o referendum popular para todos os assuntos que interessam ás freguesias e aos municipios, e, portanto, como disse, devemos estabelecê-lo só para alguns assuntos, como elemento para desenvolver a educação civica do povo.

Não combate a autonomia financeira dos municipios. Ha, porem, muitos municipios que não estão ainda em condições de saber usar d'essa autonomia.

Entende, porem, que deve ficar desde já consignada nesta Constituição, como exemplo para o futuro, a autonomia financeira dos municipios de Lisboa e Porto.

O Sr. Sidonio Paes: - E Coimbra.

O Orador: - Sim. A Republica, declarando a autonomia financeira dos municipios de Lisboa, Porto e Coimbra, daria satisfação ás necessidades e aos desejos d'essas cidades que tanto teem collaborado para o desenvolvimento da Nação e para o derramamento da ideia republicana.

Não pôde, por motivo de doença, assistir á discussão da parte do projecto da Constituição relativa ao poder legislativo. Se tivesse assistido, teria apresentado uma proposta para que fosse inserido num capitulo um artigo novo em que se determinasse que, annualmente, o Parlamento destinaria algumas das suas sessões para, unica e exclusivamente, tratar dos interesses locaes.

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E que nos velhos tempos da monarchia passavam-se sessões legislativas inteiras sem que o Parlamento se importasse com as reclamações locaes.

Para esse effeito poderia mesmo existir uma commissão parlamentar, permanente, que substituiria o proprio Parlamento no estudo d'essas quastões.

Não tendo podido apresentar essa proposta nessa occasião, apresenta-a agora que se trata das instituições locaes.

Para terminar, pede á Assembleia que attenda á conveniencia de deixar bem esclarecidas as disposições constitucionaes que regulam a administração local, e manda para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho a seguinte substituição aos n.ºs 3.° e 4.° do artigo 55.°

"Artigo 3.° O referendum popular exercido em cada freguesia e o referendum municipal em Lisboa, Porto e Coimbra, sobre qualquer emprestimo que privativamente interesse cada uma d'estas circunscrições administrativas". = Adriano Pimenta, Deputado pelo Porto.

Proponho a seguinte substituição ao n.° 5.° do artigo 55.°

"5.° Autonomia financeira e administrativa dos municipios que a reclamarem ao Congresso, que a poderá conceder sob as bases do seu desenvolvimento material e economico.

As cidades de Lisboa, Porto e Coimbra são desde já autonomas, sendo esta situação regulada posteriormente pelas leis especiaes a que se refere este artigo". = Adriano Pimenta, Deputado pelo Porto.

Proponho o seguinte additamento ao n.° 6 do projecto apresentado pelo Sr. Deputado Miranda do Valle.

"Em cada legislatura será eleita pelo Senado e em lista incompleta, uma commissão parlamentar, permanente, de 15 membros, que estude e resolva todos os assuntos referentes á administração local, na parte relativa á interferencia do Estado". = Adriano A. Pimenta, Deputado pelo Porto.

Foi admittido.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Goulart de Medeiros: - Sr. Presidente: a Assembleia está fatigada, e o assunto já se acha suficientemente esclarecido.

Limito-me por isso a fazer umas rapidas considerações tendentes a mostrar qual a minha maneira de ver sobre a questão que se discute.

Sr. Presidente: todas as futuras leis incluindo o Codigo Administrativo teem de ser feitas em harmonia e de acordo com a Constituição.

Temos, por conseguinte, de estabebelecer claramente aqui quaes os direitos e deveres dos corpos administrativos, quaes as suas attribuições.

Disse-se ha pouco aqui que era melhor eliminar este artigo do que conservá-lo tal como elle se acha redigido.

Eu tenho a opinião absolutamente contraria; o que se deve é alargar as attribuições dos corpos administrativos.

Sr. Presidente: o antigo secretario geral do Ministerio do Reino, Sr. Artur Fevereiro, affirmava que era devido á sua intervenção que as camaras municipaes não faziam gastos fabulosos. Eu tenho, porem, informações de que essa tutela obstou a que se fizesse uma boa administração nalguns municipios e juntas geraes.

E claro que nas corporações administrativas ha certos individuos de natureza perdularia.

Porem esses males podem ser remediados, havendo uma digna e seria fiscalização por parte de todos os interessados.

Entendo, pois, que devemos dar ás corporações administrativas toda a independencia nos assuntos que ficam sob a sua alçada, sem haver necessidade, de tutelas e fiscalizações vexatorias, inuteis e attentatorias dos direitos locaes.

E absolutamente necessario que a descentralização administrativa se determine com a maior segurança.

Sr. Presidente, o Congresso legisla e o Governo executa somente. A confusão d'estas duas funcções traz sempre grandes difficuldades.

Não se pode conceder ao Governo o direito de fiscalizar corpos legislativos como devem ser as corporações administrativas.

Ora eu entendo que nós não devemos fazer leis de mystificação.

Concede-se a maxima autonomia porque isto está de acordo com as conveniencias politicas e aspirações actuaes de todo o país.

Mando para a mesa as seguintes propostas que se não satisfazem as minhas completas aspirações pelo menos modificam o que no artigo acho inconveniente.

Propostas

Proponho que a base 2.ª seja substituida pela seguinte: "Divisão dos poderes regionaes em deliberativos e executivos". = Manuel Goulart de Medeiros.

Proponho a eliminação das bases 3.ª e 4.ª do artigo 35.° = Manuel Goulart de Medeiros.

Proponho a substituição da base 1.ª do artigo 55.° pelo seguinte:

"Independencia administrativa". = Manuel Goulart de Medeiros.

Proponho que se acrescente ao artigo 55.° a seguinte base:

"Consulta previa ás instituições locaes actuaes com relação ao seu agrupamento9. = Manuel Goulart de Medeiros.

Foram admittidas.

O Sr. Presidente: - A hora vae adeantada, e alguns Srs. Deputados pediram a palavra para antes de se encerrar a sessão. Por consequencia vou dar-lhes a palavra, reservando a dos oradores que estão inscritos sobre a ordem do dia, para a sessão da noite.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Sá Pereira: - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, estando presente o Sr. Ministro do Interior. Como S. Exa. não está presente, desisto de falar.

O Sr. Lopes da Silva: - Tendo annunciado, ha muitos dias, uma interpellação ao Sr. Ministro do Fomento acêrca de irregularidades relativas ao porto de Lisboa, insiste pela realização d'essa interpellação.

Pelo Ministerio do Fomento requereu esclarecimentos relativamente a factos que compromettem a situação financeira da Republica, passados na Bolsa de Lisboa. Pede ao Sr. Ministro para que lhe envie esses esclarecimentos com toda a brevidade.

Chama tambem a attenção de S. Exa. para umas palavras que vêem no Diario da Camara, de 2 de agosto, attribuidas a S. Exa., mas que o orador está certo que o Sr. Ministro do Fomento não pronunciou, porque seriam

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uma vergonha para a Assembleia Nacional Constituinte. Essas palavras, em resposta a outras que o orador pronunciou, são as seguintes:

"Taes palavras, ditas aqui, são talvez meramente amplificações rhetoricas, mas soam, fora d'esta casa, como um incitamento ao crime e á desordem. Ninguem pode pronuncia-las de animo leve, e não e toleravel que alguem as pronuncie namorado de vãs e faceis popularidades, a menos que seja um incorregivel imbecil, sem a consciencia das suas responsabilidades".

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas.

O Sr. Ministro do Fomento (Brito Camacho): - Antes de mais nada, devo declarar que, do meu conhecimento, nada se passou que constitua um perigo para a situação financeira da Republica.

Mas, se tal existe, grande serviço prestaria S. Exa. ao país, denunciando-o.

Ha meses fez-se uma syndicancia, ordenada pelo Governo da Republica, á Bolsa de Lisboa.

Veio o respectivo relatorio para o meu Ministerio, e eu levei-o a Conselho de Ministros.

Tinha havido, effectivamente, uma irregularidade da responsabilidade de um individuo que já morreu.

Essas responsabilidades era necessario liquidá-las, porque, se bem que eram todas d'esse individuo, eram, por uma especie de solidariedade que ha em todas as corporações, um pouco dos outros.

A esse processo foi resolvido em Conselho de Ministros não lhe dar publicidade, porque se prestava a lançar no publico uma duvida que podia ser immensamente grave, e que não correspondia á realidade dos factos.

Isto foi o que se passou a respeito da syndicancia á Bolsa de Lisboa, cousa minima de 3 ou 4 contos de réis, de que o respectivo empregado não tinha sabido justificar o seu destino, e que se reconheceu ter sido desviado da sua applicação, mas em que o Estado não perdeu, porque esse dinheiro é liquidado e o empregado não pôde ser chamado á responsabilidade porque resolveu morrer. Foi simplesmente isto.

Quanto ás palavras que o Sr. Lopes da Silva leu no Diario das Sessões, antes de mais nada, eu devo dizer que não costumo rever os meus pobres discursos, deixo esse encargo aos Srs. redactores da Camara, a não ser quando ha alguma d'estas affirmacões que é necessario rever com cuidado1, para sempre as poder manter sem hesitações.

Então tenho o cuidado de lhes dar forma escrita, para que d'ella possa assumir inteira responsabilidade.

Não sei se S. Exa. me interpellou sobre essas palavras do Diario das Sessões, por ellas serem menos respeitosas para a Assembleia, ou se S. Exa. se viu retratado nessas pobres palavras, de que eu quasi não tenho conhecimento senão pela leitura que o Sr. Lopes da Silva fez. Não sei qual foi o pensamento de S. Exa.

O Sr. Lopes da Silva: - Deixo ao criterio de V. Exa. interpretá-lo.

O Orador: - Não sei se veio acudir em sua defesa, ou se, arvorando-se em procurador da Camara, acudiu em defesa da Camara.

Eu tenho uma vaga ideia de ter dito aqui que palavras proferidas nesta Assembleia podem ser uma simples amplificação rhetorica, - e não ha nada de injurioso nessa denominação, porque de resto não a faz quem quer, só a faz quem a sabe fazer, - mas que era conveniente que os Srs. Deputados pensassem que essa amplificação rhetorica, que aqui dentro não tem valor algum, pode lá fora soar como um grito de incitamento, e dar origem a desacatos e a verdadeiros crimes.

Creio que não tenho nada que rectificar neste ponto e ouvi até nessa occasião numerosos appoiados da Assembleia, como não podia deixar de ser.

Se porventura alguem aqui fizesse, ou alguem aqui fizer, conscientemente, um incitamento directo ao crime lá fora, a Assembleia não lh'o tolerará, porque as immunidades parlamentares não vão até esse ponto; e se o fizer sem consciencia, contente-se então com a denominação de imbecil, que é o menos que nós podemos dar-lhe.

O Sr. Lopes da Silva: - Devolve ao Sr. Ministro do Fomento a^ palavras que dirigiu á Assembleia e que se permitte manter.

O Orador: - V. Exa. toma-as para si?

O Sr. Lopes da Silva: - Não as toma para si, porque se o fizesse, a resposta havia de ser outra.

Elle, orador, não é capaz de consentir em parte alguma que se levantem suspeições ou se belisquem, sequer ao de leve, as regalias e immunidades dos seus collegas d'esta Assembleia.

Compare o Sr. Ministro este procedimento com o seu.

Não crê que nem nos tempos ominosos do franquismo, houvesse audacia para pronunciar no Parlamento palavra d'essa ordem.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas.

O Orador: - Sr. Presidente: não percebo a attitude do Sr. Lopes da Silva; se S. Exa. não pronunciou palavras pelas quaes se pudesse dizer que, pronunciando-as, ellas constituiam um verdadeiro incitamento ao crime, não sei por que razão S. Exa. tomou para si umas outras palavras que vem insertas no Diario das Sessões, que eu conservo a memoria vaga de as ter dito. O que me parece é que S. Exa. quiz dizer que não proferira aqui palavras que constituiam um incitamento, directa ou indirectamente, a tal crime. Não vejo razão para S. Exa. pegar no Diario das Sessões e tomar para si palavras que não lhe querem dizer respeito.

Como V. Exa. vê, este incidente que o Sr. Lopes da Silva levantou, surprehendeu me inteiramente. Essas palavras foram ditas, não me recordo quando; só soube dálias pelo Diario das Sessões e já depois d'isso S. Exa. tem tido occasião não só aqui, mas na Sala dos Passos Perdidos, de se dirigir a mirn, como ministro e como homem, sem eu perceber que houvesse da parte de S. Exa. essa tão grande offensa. Naturalmente, surprehendeu-me este procedimento do Sr. Lopes da Silva. Ou S. Exa. se escandaliza muito de vagar, ou não tinha conhecimento das palavras que, ha pouco, leu no Diario das Sessões.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Martins Cardoso: - O Sr. Lopes da Silva estava presente á sessão, e se tivesse ouvido essas palavras teria tirado então um desforço.

O Sr. Lopes da Silva: - Não as ouvi por motivo do sussurro que havia na sala. Só as li hoje.

O Sr. Presidente:-A próxima sessão realizar-se-ha ás 7 horas da noite de hoje.

A ordem da noite e a continuação da discussão do projecto n.º 3, Constituição.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 25 minutos da tarde.

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Documentos mandados para a mesa nesta sessão Declaração de voto

Declaro que não approvei o § unico da emenda do Exmo. Sr. Dr. Affonso Costa por nella se não resalvar expressamente o preceituado no § .unico do artigo 37.° do projecto da Constituição approvado já por esta Assembleia. = O Deputado, Antonio Barroso Pereira Victorino.

Para a acta.

Justificação de faltas

Declaro que faltei ás sessões de 14 e 15 do corrente por motivo de doença.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional Constituinte, em 16 de agosto de 1911. = O Deputado, José Cordeiro Junior.

Concedida.

Representações

Dos empregados da extincta Repartição de Contrastaria de Lisboa, pedindo que seja restabelecida a referida repartição, criada por lei de 27 de julho de 1882.

A publicar no "Diario do Governa" e enviada a commissão de finanças.

Do Conselho da Escola de Bellas Artes de Lisboa, fazendo diversas observações acêrca do decreto n.° 2 de 26 de maio ultimo que reorganizou aquella escola.

Para a commissão de instrucção.

Dos chefes e sub-chefes do Corpo de Fiscalização dos Impostos, pedindo melhoria de situação.

A publicar no "Diario do Governo" e enviada á commissão de finanças.

Do pessoal menor de varios Ministerios, pedindo para serem todos classificados como serventuarios; igualmente pedem aumento de vencimento, e que lhe seja contado para o tempo da reforma desde a sua primeira nomeação.

Para a commissão de finanças.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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