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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 3

EM 14 DE DEZEMBRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Daniel José Rodrigues

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente consulta a Câmara, sôbre se deve dar a palavra, em negócio urgente, ao Sr. Amando de Alpoim que deseja ocupar-se do caso do Banco de Angola e Metrópole na ausência do Govêrno.

Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Marques Loureiro, Moura Pinto, novamente o Sr. Marques Loureiro e Vitorino Guimarães.

O Sr. Amando de Alpoim, a quem é concedida a palavra, ocupa-se do seu negócio urgente e manda para a Mesa uma proposta para a nomeação de uma comissão parlamentar de inquérito com o fim de apurar todas as responsabilidades envolvidas no caso do Banco de Angola e Metrópole.

Lida na Mesa esta proposta, o Sr. Ramada Curto requere a generalização do debate. E aprovado depois de ter sido admitida a proposta.

Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Álvaro de Castro que envia para a Mesa a sua moção com uma proposta de resolução.

Lida na Mesa a moção do Sr. Álvaro de Castro, é admitida.

Usa da palavra, para explicações, o Sr. Álvaro de Castro, sendo admitida em seguida a sua proposta de resolução.

Usam da palavra os Srs. Ramada Curto, António Cabral, Moura Pinto e Paiva Gomes que envia para a Mesa a sua moção.

Lida na Mesa a moção do Sr. Paiva Gomes, é admitida.

Segue-se no uso da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Pedro Pita que envia para a Mesa a sua moção. Lida na Mesa, é admitida.

O Sr. Carvalho da Silva usa da palavra sôbre a ordem e envia para a Mesa a sua moção que é lida e admitida

É aprovada a acta.

É lançado na acta, por proposta do Sr. Presidente, um voto de sentimento péla morte do pai do Sr. Nuno Simões.

Usa da palavra, para explicações, o Sr. Vitorino Guimarães.

Usa da palavra, para explicações, o Sr Carvalho da Silva

Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Cunha e Costa, ficando com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se do facto de não ter sido ainda proclamado Deputado pelo Funchal o candidato Vieira de Castro.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.

Presentes à chamada 73 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 32 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Alves Calem Júnior.
António Augusto Rodrigues.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
António Lino Neto.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Rebolo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Dagoberto Augusto Guedes.
Daniel José Rodrigues.
Domingos António de Lara.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos José do Carvalho Araújo.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Cruz.
Francisco Godinho Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António Palma Mira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Luís da Costa Amorim.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Melo Vieira.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Lelo Portela.
Raul Marques Caldeira.
Rui de Andrade.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto do Moura Pinto.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Ginestal Machado.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira do Castro Lança.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Aguas.
João Luís Ricardo.
João Raimundo Alves.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Jorge do Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Dinis da Fonseca.

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Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Armando Marques Guedes.
Artur Brandão.
Augusto Pires do Valo.
Carlos Fuseta.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Francisco António da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Pereira de Oliveira.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Manuel Ferreira da Rocha.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Severino Sant'Ana Marques.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.

Ás 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Oficio

Do presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Estarreja, protestando contra o decreto n.° 11:299, publicado no Diário do Govêrno de 30 de Novembro de 1925.

Para a comissão de administração pública.

Telegramas

Das Câmaras Municipais do Bombarral, Seixal, Setúbal, Moura, Sever do Vouga, Macedo de Cavaleiros, Olhão, Barcelos, Cuba e Cezimbra, protestando contra o decreto n.° 11:334.

Para a Secretaria.

Requerimentos

De Irene de Andrade e Nicolau Tolentino Pereira, na qualidade de senhorios, reclamando contra a lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

De Álvaro Carlos dos Santos, chefe fiscal dos impostos, pedindo deferimento para um requerimento antigo, pedindo para ser reconhecido revolucionário civil.

A informar.

Da Associação de Lojistas Barbeiros de Lisboa, pedindo justiça em matéria de tributação.

Para a comissão de finanças.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Ao assumir pela primeira vez a responsabilidade dêste lugar, dirijo saudações a todos os Srs. Deputados.

Espero cumprir o meu dever com a maior imparcialidade, para o que conto com a colaboração de toda a Câmara.

Tenho presente um pedido de negócio urgente, apresentado pelo Sr. Amando de Alpoim.

Desejo ouvir a Câmara sôbre êsse negócio urgente, que visa à discussão do caso do Banco Angola e Metrópole, e

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bem assim desejo sabor se ela entende que se trate desta questão na ausência do Govêrno.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: desejo declarar, em meu nome individual, que acho, de facto, urgente o negócio apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

Mas o motivo que me levou a pedir a palavra é lembrar que está em discussão um outro negócio urgente que enviei para a Mesa.

Faço esta ligeira observação, apenas para que se afirmo o Regimento e para que se saiba a lei em que vivemos. Se o Sr. Amâncio de Alpoim pretende que se discuta o seu negócio urgente, sem preterição de outro, concordo. Se S. Exa. não quere ter essa consideração, eu discordo; porque, tendo eu os mesmos direitos e obrigações, o Regimento tem do ser cumprido.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Com toda a consideração. Eu não sabia que havia êsse negócio urgente.

O Sr. Moura Pinto: - Sr. Presidente: falando em meu nome pessoal, aproveito o ensejo para dizer que, quando outro dia, para a eleição dos vogais do Conselho Parlamentar, nos reunimos alguns Deputados, o fizemos exclusivamente para êsse fim; e em tal circunstância tenho, como qualquer dêsses meus colegas, liberdade de acção inteiramente individual.

V. Exa. preguntou à Câmara se ela entendo que êste assunto seja tratado mesmo na ausência do Govêrno.

Parece-me lamentável que o Govêrno, em face das circunstâncias produzidas, e em face dos acontecimentos que se estão desenrolando em Lisboa, que atingem a honra das pessoas e o crédito nacional, devia vir à Câmara, para que pudéssemos pedir providências.

É extraordinário que se cometam actos, como sejam o da nomeação de entidades incumbidas especialmente do fazerem investigação, o não haja depois a coragem de manter essas nomeações, para de novo se devolverem essas investigações ao organismo que por lei delas estava incumbido.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? A minha pregunta é se a Câmara considera urgente o negócio apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

O Orador: - Sr. Presidente: as ligeiras considerações que estou fazendo visam a basear a minha opinião.

Tendo-se dado acontecimentos, pelos quais determinados magistrados entendem, que determinadas pessoas deviam ser presas, para depois serem soltas, o seguidamente ser reiterada a confiança a ossos magistrados, eu pregunto se há o direito de o Govêrno nos deixar abandonados neste momento, impedindo-nos quási de nos pronunciarmos sôbre se o assunto devo ser tratado na sua ausência.

Os acontecimentos precipitam-se de tal forma, e atingem um tal grau de acuidade o suspeição, que eu entendo que a Câmara deve considerar a questão serenamente, não podendo tomar outras providências que não sejam exclusivamente da sua competência.

Não é êste o momento de só abafar qualquer voz ou grito das consciências que estão tranquilas, ou deixar que se perturbem mais ainda as que estão inquietas.

A Câmara deve tratar, pois, do assunto com toda a serenidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: - Depois das considerações que há instantes fiz, o Grupo Parlamentar Nacionalista encarrega-me de dizer que, apenas com preterição, concorda em que seja discutido o negócio urgente apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

Devo esclarecer que não me fiz compreender, há pouco; mas como o Sr. Amâncio de Alpoim, gentilmente mo declarou já que não tinha qualquer propósito de menos consideração, pessoalmente concordo com a discussão dêsse assunto, pois que o Partido Nacionalista está também interessado em que a verdade se esclareça.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, em

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nome da representação parlamentar do Partido Republicano Português, que é opinião nossa que êste assunto devia ser tratado com a presença do Govêrno.

Mas, Sr. Presidente, nós não queremos, de forma alguma, que se diga que dêste lado da Câmara se quere pôr qualquer oposição ou dificuldade num assunto em que está envolvida a honra nacional; e, por isso, votaremos o negócio urgente.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Em vista das manifestações da Câmara, considero urgente o negócio apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

Muitos apoiados.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : ao tomar a palavra em nome da minoria socialista, dada a natureza do assunto a que me vou referir, eu quero perante V. Exas., republicanos que me ouvem, invocar a posição que, desde 5 de outubro de 1910, tem tomado o Partido Socialista dentro da política republicana portuguesa.

Nunca ninguém nos espreitou ou viu embrulhados nas conspiratas, revoluções, pronunciamentos e golpes de mão que, durante a vigência republicana, se têm projectado ou realizado contra o Poder.

Apoiados.

Nós nunca fizemos a política da aventura governamental, nunca nos imiscuímos nas combinações de ante-sala, de câmara, de alfurja ou rua, que fàcilmente levam às cadeiras do Poder incompetentes ou ambiciosos.

Apoiados.

Partido que só compreende o direito de governar baseado na opinião pública, o Partido Socialista espera tranquilamente, confiado na nobre verdade dos seus princípios, a hora de ser Govêrno em nome do interêsse nacional.

Nunca os socialistas procuraram em caso algum deminuir o valor dos princípios da democracia ou combatê-los.

Invoco estas incontestáveis verdades para que ninguém procure encontrar nesta nossa orientação de agora outra cousa que não seja o interêsse da nação e da democracia.

Somos todos portugueses: socialistas, republicanos ou monárquicos, e, acima de tudo, deve preocupar-nos - digo-o sem exagero - a honra e a dignidade da nossa Pátria.

Muitos apoiados.

E se nós socialistas nos convencêssemos de que a República só poderia ser o domínio da mediocridade e da desonestidade, em Portugal, abandonaríamos o campo republicano em que nos colocámos.

A nós, mais do que as palavras, importam nos as realidades.

Socialistas ingleses e belgas colaboram na oposição e no Govêrno com monarquias, porque estas, apesar dos seus simbolismos tradicionalistas, constituem democracias reais, regimes de relativa ordem, segurança, moralidade e garantia para todos.

Todos o sabem; é escusado repeti-lo.

Nesta Câmara, como por todo o país, paira ;uma atmosfera doida, alucinada de suspeições, do acusações e de dúvidas.

Apoiados.

O escândalo que reboa em torno de uma aventura criminosa salpicou e enxovalhou personalidades do regime, autoridades, e, até na opinião simplista de alguns, pode chegar a salpicar o manto branco e lavado da República.

A Democracia, felizmente para nós, não tem culpa dos erros dos homens que a servem ou dizem servi-la.

Em todos os regimes a opinião pública de boa fé, o juízo bem formado dos tribunais, destrinçou sempre entre o regime em si e o êrro dos homens que o representam.

Se há homens dentro da democracia portuguesa que cometem crimes, êles não pertencem à democracia, não merecem a nossa solidariedade; não há consciência de republicanos que os possa numa imperdoável cumplicidade acompanhar.

Apoiados.

Nós vivemos, para mal de todos nós, num país onde os conceitos fundamentais da democracia ainda não foram compreendidos pelo público, nem realizados pelos políticos.

Temos culpas na nossa consciência, nós todos, quando com tamanha facilidade à opinião pública aceita - porque está habituada a isso - as acusações monstruo-

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sas que contra muitos políticos só fazem, o diabo sabe por vezes com quanta injustiça, maldade e reservada intenção.

O debate político português, para vergonha nossa o digo, não tem sido na maior parte dos casos o debate dos homens de boa fé e límpido coração que lutam por princípios, que defendem ideas, que combatem na arena pública pelas justas aspirações das classes que representam; tem sido o choque sujo, pequenino e mesquinho das lutas pessoais, das intrigas, do corpo a corpo violento, onde há apenas, à falta de argumentos, rasteiros insultos, facadas ou rugidos da fera que quere dominar.

É necessário que essa política acabe para bem da nossa terra, para honra de todos nós!

Apoiados.

Mas porque não temos uma opinião pública que compreenda e conheça o combate político nestas condições, e está educada - de longo tempo vem essa educação - na suspeita de tudo e de todos, o ambiente que agora se exala, em torno de um hediondo crime praticado contra o país e contra a economia nacional, oferece um perigoso momento para a República Portuguesa.

Estou daqui espreitando e vislumbrando o salto feroz do um ditador sôbre as liberdades públicas.

Estou daqui espreitando o vislumbrando, com o pretexto de uma campanha de moralidade, o salto de um grupo saído das alfurjas revolucionárias para se assenhorear das cadeiras do Poder o suprimir a liberdade de discussão no Parlamento o na imprensa.

De um e de outro lado se pretende neste momento de perigo enxovalhar a República e a dignidade da Pátria a golpes brutais de violência; o a todos nós portugueses, democratas ou não, cumpre neste momento compreender que a suprema garantia que a nação encontra para ver claro neste escuríssimo caso do Banco Angola e Metrópole é o Parlamento aberto diante da consciência nacional.

Apoiados.

Não se encerram as portas com o pretexto de fazer justiça; o acto nobre de julgar realiza-se de portas abertas, com plena liberdade de discussão na imprensa e no Parlamento, com plenas garantias

para todas as correntes nacionais de opinião do que quaisquer absolvições ou condenações, que venham a proferir-se, são consequência do cuidadoso exame e o honesto conhecimento da causa em discussão por homens que pertencem a todos os lados da Câmara.

Não há, efectivamente, perante êste problema, dentro da terra portuguesa, monárquicos, republicanos nem socialistas; há, evidentemente, monárquicos que combatem o regime, mas que não combatem a própria Pátria onde nasceram, desacreditando-a aos olhos de todo o mundo, como terra dominada por ladrões e por falsários.

Apoiados da minoria monárquica.

Não há, por honra de todos nós, republicanos que só sentem nesta Câmara que possam ligar à defesa dos seus princípios a de criminosos que porventura possam existir nas suas fileiras, por mais altos que estejam colocados no seu partido e nas cadeiras da administração pública.

Apoiados.

Se tal sucedesse, nós socialistas apenas receberíamos da democracia burguesa uma herança do cinzas, vergonhas e ruínas.

Já de interêsse para nós todos a questão, de tamanho interêsse, que a presença do Govêrno não nos pode sôbre ela esclarecer, não nos faz falta.

Não faço neste gravíssimo momento ataque político, mas na hora era que os corações e as consciências devem vibrar com sinceridade - digo e repito, sem preocupações políticas - não nos fazem falta os homens - tam infelizes nos seus actos! - que acabam de deixar as cadeiras do Poder.

O Sr. Ramada Curto: - Isso é benevolência!

O Orador: - A falta de coragem moral para arcar com as responsabilidades de uma questão pública desta magnitude foi manifesta nesses homens.

Ah! Se não fôsse por temer acusações partidárias, a maioria da Câmara devia apoiar me nestas palavras; está apoiando-me no seu foro íntimo.

Não faz falta o Govêrno perante a representação da soberania popular para esta tomar contas aos criminosos que ha-

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jam atentado contra os supremos interêsses da nação.

Proponho, por isso, à Câmara que desde já só nomeie uma comissão parlamentar de inquérito aos gravíssimos factos relacionados com o caso do Banco Angola e Metrópole, mas não uma comissão de inquérito com representação proporcional dos partidos.

Perante um problema de honra e de interêsse nacional, as maiorias não podem fazer às minorias a injustiça de as julgarem capazes de abusar da representação igual que lhos devem, caminhando no sentido do uma especulação política.

De resto, os trabalhos da comissão com representantes de todos os lados da Câmara hão de ser em suprema instância julgados mais pelo país do que pelo Parlamento.

Qualquer homem que nessa comissão procurasse abusar do seu mandato, fazendo especulações imperdoáveis, seria com certeza sacudido da sua ignominiosa atitude por toda a massa popular, composta por milhões de portugueses honrados, que ainda há milhões de pessoas honradas em Portugal.

Mas nesta casa do Parlamento há com certeza em todos os espíritos a certeza de que as oposições não iriam proceder neste caso com baixa orientação politiqueira.

Para honra de todos nós, convicto de que defendo o supremo interêsse e a dignidade de Portugal, envio para a Mesa a seguinte

Proposta

Propomos que seja nomeada uma comissão parlamentar de inquérito a todos os factos que se prendam com a actividade do Banco Angola e Metrópole, e nela fiquem representados todos os grupos da Câmara por pessoas que êles indicarão.

Esta comissão possuirá os mais amplos poderes executivos e judiciais que não cederão perante os de nenhuma autoridade, tribunal ou imunidade parlamentar.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 14 de Dezembro de 1925. - Amâncio de Alpoim - Amilcar Ramada Curto.

Não podemos, Sr. Presidente, neste assunto de tam alto aspecto nacional, invocar as nossas imunidades parlamentares!

Apoiados.

Compenetremo-nos da gravidade da hora que passa aqueles que aqui temos assento. Se há criminosos, por mais alto que êles se encontrem colocados nas cadeiras da administração pública ou entre nós, temos de os segurar pela gorja e apresentá-los à nação porque estamos aqui em nome dela.

Apoiados.

Vou terminar as minhas considerações felicitando a Câmara pelo entusiasmo com que as acompanhou. Nós bem sabemos que a administração republicana poderá ser defeituosa, mas não é ninho de ladrões nem falsificadores. O país não se pode envergonhar pelo reboo do escândalo que ecoa pelo pais; escândalos há em todos os regimes e em todos os países do mundo. Maiores e mais altos escândalos tem presenciado a nação e eu lembro-me do caso do Conde de Penamacor passado no tempo da monarquia. Foi êste titular, copeiro-mór do reino, acusado de falsário e para a polícia o prender teve de arrancá-lo às antecâmaras do Paço.

Tendamos confiança na Democracia Tenhamos confiança em nós! Falemos verdade ao país. Façamos clara luz em todos os actos da República, porque só em luz e em verdade pode viver a República.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

Leu-se a moção.

O Sr. Ramada Curto: - Requeiro a generalização do debate.

Foi aprovado.

O Sr. Álvaro de Castro (sobre a ordem): - Começo por mandar para a Mesa a minha moção:

A Câmara considerando que é urgente dar todo o apoio às autoridades encarregadas das investigações sôbre o caso do Banco Angola e Metrópole, continua na ordem do dia. - Álvaro de Castro.

Sr. Presidente: ouvi as considerações do Sr. Amâncio de Alpoim e parece-me que é esta a oportunidade de fazer as considerações e objecções em relação à proposta de S. Exa.

É necessário que, neste confuso caso do Banco Angola e Metrópole, o Parlamento mantenha a sua serenidade (Apoiados)

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e mantenha a autoridade a todos que estão encarregados por lei de interferir neste assunto.

É necessário que o Parlamento deixe a polícia nas suas funções e, querendo esclarecê-lo, não o torne ainda mais confuso.

É essencial que o Parlamento se pronuncie? Sem dúvida; e eu muito desejava que o Govêrno estivesse presente para dar certas explicações.

E preciso que nós digamos à polícia que estilo postas do parte temporariamente as imunidades parlamentares e que a polícia pode vagar livremente.

Para que serve uma comissão de inquérito? E para substituir a polícia?

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não, senhor.

O Orador: - É para o Parlamento trabalhar ao lado da polícia?

Lamento que o Govêrno não viesse ao Parlamento esclarecer a saída de um dos seus membros.

Eu queria preguntar ao Govêrno por que razão retirou a confiança a certa autoridade, dizendo que procedeu mal, para depois lha restituir dizendo que procedeu bem.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É exactamente para se saber isso o motivo fundamental da minha proposta.

O Orador: - V. Exa. restringe a proposta à natureza política e ou aprovo.

Eu desejada sabor mais porque determinado membro do Govêrno saiu, dizendo-se por um lado que foi por sua livre vontade e por outro que foi o próprio Govêrno que o lançou fora.

Desejava que o Govêrno viesse ao Parlamento explicar êste caso de crise.

Queria saber por que razão tendo saído um director do Banco, até hoje se tem feito silêncio sôbre êsse caso.

Entendo, como o Sr. Amâncio de Âlpoim, e como aliás toda a Câmara, que é absolutamente necessário que o assunto seja completamente esclarecido pelas vias legais.

Muitos apoiados.

Eu estou, Sr. Presidente, absolutamente convencido de que o Parlamento pode perfeitamente intervir no assunto dentro da sua própria acção, usando das suas próprias faculdades, pois a verdade é que se nós não podemos modificar a lei substantiva, a lei penal que regula as diferentes penalidades, podemos e devemos no emtanto, a meu ver, modificar a forma do processo.

Esta é a minha opinião - razão por que eu digo o afirmo que não estou, nem posso estar de acordo com a proposta apresentada pelo Sr. Amâncio de Alpoim, no intuito de ser nomeada uma comissão parlamentar.

O que se torna necessário, a meu ver, repito, é alterar a forma de processo.

O Sr. Ramada Curto: - O que ou proponho é que se organize, para êste caso, o mesmo processo sumário que se adoptou para os operários suspeitos de lançarem bombas.

Era talvez interessante e dar-se-ia uma uma prova de equidade.

O Orador:- Devo dizer a V. Exa. que nunca estive de acordo com a organização dêsses processos.

O Sr. Ramada Curto (interrompendo): - Registo a declaração de V. Exa.

O Orador: - Com o que eu não posso estar de acordo, repito, é com a nomeação de uma comissão parlamentar.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Mas V. Exa. votou um inquérito aos Bairros Sociais...

O Orador: - Vamos devagar. Uma vez intervim numa comissão parlamentar em caso parecido com êste.

Foi uma discussão a propósito de qualquer facto político que corria pela pasta das Finanças em que estava envolvido o nosso colega Sr. Velhinho Correia.

Então era o Ministro acusado não sei de quê; e nesse momento veio uma moção do Sr. Almeida Ribeiro em que se relegavam para os tribunais os trabalhos - para os tribunais onde se tinham organizado os processos.

Por êstes motivos compreendo que o Parlamento não devo imiscuir-se no as-

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sunto, embaralhando-o, o que aguarde que o assunto chegue ao Poder Judicial.

Não tenho nenhuma curiosidade acerca dêste processo o entendo que a investigação está unificada o deve correr normalmente, tanto mais que as pessoas incriminadas são de alta categoria o não é conveniente que se quebre aquele sigilo tam necessário a investigações como estas. Por êstes motivos sou contrário ao inquérito parlamentar e contra êle votarei; mas a minha voz levantar-se há contra qualquer acusado quando alguém aqui o pretenda defender.

Apoiados.

O Parlamento, por intermédio do Govêrno, tem todo o direito de sabor o que se passa.

Para terminar mando para a Mesa a seguinte proposta de resolução:

"A Câmara dos Deputados resolve conceder desde já o a respeito do todos os seus membros a prévia licença a que se referem os artigos 16.° e 17.° da Constituição para tudo que se refira ao caso judiciário do Banco Angola e Metrópole. - Álvaro de Castro".

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foram lidas na Mesa e admitidas a moção do Sr. Amando de Alpoim e a proposta e a moção do Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Álvaro de Castro (para explicações): - Lembrando o caso do Sr. Velhinho Correia, devo dizer que acabo de ser informado de que êsse assunto está finalizado com uma sentença que muito honra S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto (para explicações): - Sr. Presidente: devo declarar em nome da minoria socialista que votamos as duas propostas, visto a moção do Sr. Alpoim não colidir com a do Sr. Álvaro do Castro.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: na sessão anterior requeri, no final das minhas breves considerações, que se generalizasse o debato de forma a dar-se a maior amplitude possível à discussão que, sôbre êste assunto tam grave, algum Sr. Deputado quisesse fazer.

Êsse requerimento, porém, contra o que dispõe o Regimento, não foi pôsto à votação, e o debate não se generalizou.

E hoje a Câmara que está dando razão ao meu requerimento e à atitude da minoria monárquica.

É bom que registemos êste facto para que V. Exa., Sr. Presidente, a Câmara e o país vejam bem que dêste lado nunca se levanta ou levantará a voz de ninguém, senão pela razão e pela justiça.

Há-de ser sempre a própria Câmara, quando não seja imediatamente, algum tempo mais tarde, quem há-de reconhecer que toda a vez que levantemos a voz será sempre em prol do bem da nação.

Apoiados da extrema direita.

Sr. Presidente: deixo-me V. Exa. lamentar que aquelas cadeiras, onde devia sentar-se um Govêrno ou quem o representasse, estejam desertas neste momento.

Apoiados.

Não há crises ministeriais quando há crises nacionais.

Apoiados.

Êste facto que afecta tudo quanto há de mais levantado o puro na alma nacional devia ter sempre quem respondesse em nome do Govêrno à nação que quere saber tudo quanto envolva desprestígio para ela, já tam carregada de desgraças e vergonhas.

Apoiados da extrema direita.

Não está ali o Govêrno; não quero, porém, saber disso.

Falo em nome da nação, como Deputado, o pregunto, no meu legítimo direito, o que se tem feito à volta dêste caso escuríssimo do Banco Angola o Metrópole.

Corriam investigações sôbre o assunto; a certa altura, porém, com pasmo geral, vê-se que o Govêrno, por um decreto, arranca às autoridades policiais a sua livre acção e faculdades o passa-as para um ajudante do procurador geral da República.

A breve trecho, o Govêrno reconheço que o seu decreto era inconstitucional o que não podia, pois, fazer o que tinha feito.

E então compreendo a necessidade de transportar novamente para as autorida-

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des policiais as atribuições que anteriormente lhe tinha, arrancado.

Eu não conheço, Sr. Presidente, um exemplo igual a êste.

Não mo lembro do ter visto alguma vez que um Govêrno, que deve ser o guarda fiel da Constituição, fôsse o primeiro a rasgá-la, publicando na folha oficial um decreto que atenta contra ela de tal forma!

Que autoridade têm, depois disto, os representantes do Poder Executivo para exigirem aos outros que cumpram à risca as disposições da Constituição?

Quando se vê que os Governos da República são os primeiros a abusar, a não respeitar aquela lei, a que chamam diploma fundamental da nação, temos a prova - não quero dizer mais - temos a prova da sua absoluta incompetência.

Foi anulado pelo próprio Govêrno o sou decreto inconstitucional.

Mas vemos por uma carta dos representantes do Banco de Portugal, publicada nos jornais, o que o Sr. Presidente do Ministério respondeu aos representantes dêsse Banco, que o procuraram.

Vê-se por ela, Sr. Presidente, que o Sr. Pinto de Magalhães procedeu à prisão do governador e vice-governador do Banco de Portugal contra as disposições do Govêrno. Assim exautorado, Cie viu depois a sua fôrça perdida, tendo-lha retirado o Sr. Presidente do Ministério.

Mas ainda vemos mais: com grande espanto nosso vem publicada depois uma nota oficiosa do Govêrno, onde se diz:

Leu.

É espantoso isto!

Apoiados.

Exautorou-se um funcionário da polícia, um magistrado, um juiz, diante de representantes do Banco de Portugal ; e, horas depois, vem uma nota do mesmo Govêrno reiterar a sua confiança ao magistrado que exautorara.

Quero dizer, portanto, em nome da minoria monárquica, que mo associo à proposta do inquérito apresentada â Câmara pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

Queremos plena luz sôbre o assunto para que a nação conheça bem os crimes de que tem sido vítima e para que a escuridão que envolve todo êste negócio horrível - porque o é - se dissipe por completo.

É absolutamente necessário saber só é verdadeira a acusação gravíssima feita pelo oficial da polícia, a que há pouco me referi, de que havia neste escuro caso envolvido um diplomata da República, que ocupa as funções de embaixador. Veio esta afirmação publicada e não vi que da parte do Govêrno tivesse havido qualquer desmentido a esta afirmação categórica feita pelo magistrado da polícia.

O que podemos, pois, concluir daqui?

Que a afirmação feita é verdadeira, provando-se que a República tem no estrangeiro um embaixador que não é digno de representar Portugal.

Quem é êsse embaixador - pregunto às cadeiras vazias do Govêrno - que lá fora assim está postergando todas as leis do dever e das obrigações que tem de cumprir um representante de Portugal no estrangeiro?

Votamos a proposta do Sr. Amâncio de Alpoim. porque tínhamos já o propósito de apresentar proposta idêntica antes de S. Exa. o fazer. Votamos também a quebra de todas as imunidades parlamentares, porque queremos que, se houver réus, êles vão para o banco onde devem estar sentados para que não continuem a espalhar pela metrópole ou colónias essas notas falsas com que queriam inundar as algibeiras dos portugueses.

É necessário que se saiba que nós votamos a proposta de inquérito, porque não queremos de forma alguma evitar que de toda a maneira, quer por meio do Parlamento, quer pelas autoridades, se façam todas as investigações.

Queremos, porém, que façam com nobreza e com a dignidade que requero toda a nação.

Apoiados.

Queremos que se faça de uma forma tal que se conheça êste triste e deplorável negócio, que bem se pode chamar já hoje o Panamá Português.

Apoiados.

Não queremos que com a impunidade se cubra quem quer que seja réu.

Referiu-se o Sr. Alpoim ao tempo da monarquia, ao Conde do Penamacor, que tinha fabricado notas falsas, e a quem foi necessário arrancar os arminhos do par do reino para o castigar.

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Era assim que se procedia no tempo da monarquia quando prevaricava ou fôsse criminoso ou fôsse quem fôsse, qualquer que fôsse a sua situação. E a maior de todas era a de par do reino.

Era assim que procedia a monarquia: nobremente, dignamente, fazia castigar quem prevaricava.

Apoiados.

A monarquia nada tinha com o facto. Tratava-se de um crime comum, e nada teve com o facto de haver aparecido o criminoso.

Pelo facto de terem aparecido assassinos e se terem cometido prisões por crimes comuns, nada podia dizer-se-lhe, porque eram castigados os criminosos pelos crimes cometidos.

Estão aí os Transportes Marítimos, e até hoje não me consta que houvesse procedimento para fazer sentar no banco dos réus os criminosos.

Disse-se que, postos na balança os crimes do tempo da monarquia e os do tempo da República, a balança penderia o prato paru os do tempo da monarquia.

Não estou de acordo; só se o fiel da balança estivesse falsificado.

Não sendo assim, o prato da balança, que mais penderia, seria o outro - e muitíssimo.

Apoiados.

Sr. Presidente: não quero prolongar por mais tempo as minhas considerações. Já disso o bastante para fazer ver que êste lado da Câmara vota as propostas feitas. O que nós queremos é luz, claridade. Que todos os réus sejam punidos.

Queremos que vão sentar-se no lugar destinado aos mais altos criminosos os culpados.

E necessário que se dê o exemplo; que todos concorram com o propósito firme de manter a dignidade nacional que todos queremos como portugueses.

Apoiados.

Mesmo para a República e para sua conveniência - e nós não pugnamos pela sua conveniência - é preciso castigar os crimes altíssimos que estão alarmando todo o país, irritando a opinião pública, que reclama sejam castigados os criminosos.

Ao menos que alguma vez dentro dêste regime de tanto crime haja um exemplo, um significado que traduza que a era dos crimes acabou de uma vez para sempre, deixando de existir a protecção dos criminosos.

Tenho dito.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Moura Pinto: - Pedi a palavra para justificar o meu voto.

A circunstância de estar isolado basta para justificar o meu voto desfavorável à proposta; não porque não entenda que um inquérito parlamentar poderá ter utilidade ou conveniência, mas porque neste momento entendo não ter essa utilidade nem essa conveniência.

A Câmara dos Deputados deve ponderar que há uma mais alta missão: a de ser juiz.

Temos de não ir ao encontro neste momento, e em circunstância alguma, à acção da justiça, embaraçando-a.

Apoiados.

Entendo que, como Deputado, não devo neste momento ocupar me do assunto. Não vamos por falta de coragem, por falta de nobreza, por falta de um alto sentimento, dizer que tudo quanto se faça é bem feito, porventura mostrando algum medo de que alguma cousa pese neste momento sôbre nós.

Não embaracemos a justiça.

Sr. Presidente: discordo do inquérito parlamentar; mas o inquérito, a fazer-se, deveria ser feito em condições da mais alta imparcialidade.

Não pode, neste momento, ser feito em condições normais.

Neste momento, é certo, muitas pessoas podem ser presas, e se é certo que os presos se podem conhecer, talvez se não conheça o mandato acerca do facto.

Toda a cautela é necessária.

As investigações devem continuar, mas são da competência dos Governos que constituem o organismo próprio.

Não devemos, pois, estar a orientar essas investigações.

Quero, porém, chamar a atenção do país para os factos que se vão desenrolando, para o facto de haver uma entidade juiz, que manda prender determinada individualidade, e depois se entender que deve ser solta, e, ao mesmo tempo, se

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ver nos jornais que determinadas pessoas tinham ordem do liberdade e que depois só não efectivava essa ordem. Essas pessoas, que tinham sido mandadas libertar por uru, determinado juiz, continuaram detidas por ordem do outro juiz.

Estas contradições deixam-nos, a todos nós, muito inquietos sôbre um crime que é formidável, e em que, ao lado de almas criminais, há almas que são ao mesmo tempo dotadas do uma inteligência não menos formidável.

E, Sr. Presidente, conforme a grande inteligência com que o crime se manifesta, assim deve ser o organismo investigador.

E, já que o Govêrno se reuniu exactamente no momento em que só realizam actos contraditórios, devemos nós, desde já, manifestar a nossa opinião sôbre a questão. E esta é a do que não temos nenhuma espécie de ponto assente sôbre a orientação a dar, tanto à constituição do organismo policial, como à sua forma de agir.

Isto é que é um caso a considerar por nós e pelo Govêrno que vier a sentar-se ali naquelas cadeiras.

Eu não quero que essas investigações venham para o Poder Legislativo. E uma das razões que a tal se opõem é o natural conflito que se daria entre o Poder Legislativo e não direi o Poder Judicial, porque convém sabor que a polícia só tem valor do Poder Judicial em relação ao corpo de delito directo, que faz prova em juízo. Quanto ao resto, é da Inspecção Geral da Polícia, criada pelo decreto n.° 10:790, que têm de depender os seus serviços. E, por consequência, ha uma subordinação directa ao Poder Executivo.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Pois é precisamente para evitar essa subordinação ao Poder Executivo que eu apresentei a minha proposta. V. Exa. julga que o país possa suspeitar de nós e não suspeito do Poder Executivo, que representa apenas um ou dois partidos?

O Orador: - A polícia tem neste momento duas funções. É, realmente, um organismo do Poder Executivo, mas tem, contudo, uma função judiciária: os corpos de delito.

Mas, além disso, a polícia é também um elemento essencialmente investigador; e se DS actos por ela praticados nos não servirem, podemos aqui aplicar sanções ao Poder Executivo, por elo consentir que essa polícia assim proceda.

O que é indispensável é saber se aquele organismo está ou não em condições do levar a bom cabo a missão tremenda de que está encarregado sôbre um caso que merece as atenções do país o até do estrangeiro.

A polícia não pode ter hesitações nos actos que tenha do cumprir; não pode ser perturbada por nenhum Poder, não pode ser perturbada pelo Poder Legislativo; mas a polícia tem de ter cuidado em não perturbar todas as cousas que em Portugal possam merecer ainda respeito e consideração. Por isto, Br. Presidente, não aceito o inquérito parlamentar.

V. Exa. sabe e sabe toda a Câmara que vários inquéritos parlamentares se produziram, nesta casa e do seu resultado o país não ficou satisfeito.

Não houve por parte do Poder Legislativo senão aquelas naturais dificuldades, se não preocupações que naturalmente os senhores parlamentares tinham em relação a actos de outra natureza para se dedicarem a actos do investigar. Mas, fôsse o que fôsse, o que certo é que essas comissões de inquérito colocaram-se em condições de o público não poder ter por elas aquele respeito e consideração que devem presidir a actos desta natureza.

Não é êste o momento azado para meter política em questões desta natureza.

Aceito o critério do Sr. Álvaro do Castro de que não queremos ser investigadores, estando dispostos a ser investigados. Não pode haver depois disso, por parto do país, o direito de supor que não queremos inteira luz.

Procedamos como homens de bem; e se, como parlamentares, assim procedermos, e devemos proceder, os nossos actos não serão inquinados de nenhuma espécie de suspeição.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gomes (sobre a ordem): - Sr. Presidente: em obediência às praxes

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parlamentares vou mandar para a Mesa a seguinte moção:

"A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade imediata de serem apuradas todas as responsabilidades resultantes do caso do Banco Angola e Metrópole, afirma o seu respeito pela independência dos poderes do Estado o a intenção de votar medidas excepcionais, se precisas forem, para tornar efectivas a todos os responsáveis as sanções estabelecidas na lei. - Paiva Gomes".

Sr. Presidente: neste momento não há português algum consciente que não esteja emocionado, e até com o espírito exacerbado, por causa dêste extraordinário e extravagante caso, ligado, parece, com Angola e Metrópole.

É difícil, convenho, manter em tal matéria a serenidade necessária, e bom é que não nos deixemos apaixonar demasiado e que aguardemos confiadamente que as autoridades que têm de intervir na matéria cumpram o seu dever, satisfaçam inteiramente a opinião pública e, o que é mais, as necessidades exigidas pela honra do país.

Sr. Presidente: em. presença dum caso dêstes confesso que não tenho de manifestar grande estranheza perante qualquer acto mais ou menos inconsequente, mais ou menos incoerente das entidades investigadoras; mas daí até o ponto de incriminar as autoridades encarregadas da investigação, daí até o ponto de as censurar, de as julgar incapazes, de as julgar menos reflectidas, é cedo para êsse procedimento.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Mas ninguém fez êsse juízo.

O Orador: - Eu estou a pôr a questão em tese.

Dizia eu, Sr. Presidente, que é cedo para nos pronunciarmos, e então, se quisermos ir até o ponto de nos querermos considerar inquiridores, ali! Sr. Presidente! bem esquecidos estamos de exemplos infelizes dados ao país por esta Câmara...

Uma voz: - Esta?

O Orador: - Esta, é o mesmo que dizer a Câmara dos Deputados.

Foi contra a minha opinião que se votaram aqui os inquéritos, em seguida à guerra, aos Ministérios da Guerra, das Colónias, dos Negócios Estrangeiros e dos Abastecimentos.

O Sr. Velhinho Correia: V. Exa. dá-me licença?

A titulo de esclarecimento devo dizer que, apesar de concordar com o ponto de vista do V. Exa. houve, contudo, uma excepção à regra: a comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos meteu muitos milhares de contos nos cofres do Estado, dinheiro que ficaria perdido se não fôsse a acção dessa comissão.

O Orador: - V. Exa., com as suas palavras, não prova que se não conseguisse o mesmo ou mais ainda por outro processo, pelo processo comum. Certamente V. Exa. não tem, nem tem a Câmara, o monopólio do segredo da investigação.

O que digo é que é um mau processo que a Câmara dos Deputados se meta a inquirir e intervenha em assuntos que não são da sua competência. Êsse acto é contrário aos preceitos constitucionais e à boa ordem das cousas.

De resto, Sr. Presidente, é ainda muito cedo, a meu ver, para nos podermos pronunciar sôbre o assunto, tanto mais quanto é certo que todos nós só conhecemos do assunto o que têm dito os jornais.

Sabemos o que êles dizem, isto é, o que êles têm podido sabor das autoridades investigadoras.

De maneira que nesta matéria, permitam-me V. Exas. que lhes diga, estamos absolutamente em branco.

Não nos merecem, porventura, confiança as autoridades policiais?

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Quem não tem confiança nas autoridades é o Govêrno; porém, não é 6sse o sentido das minhas palavras.

O Orador: - As minhas palavras não visam V. Exa., pois a verdade é que se me quisesse referir a V. Exa. di-lo-ia francamente.

Eu estou, Sr. Presidente, falando para o país e não para a Câmara.

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É esta a razão por que estou falando em nome do Partido Democrático, isto é, para que o pais possa saber qual a sua opinião sôbre o assunto. E nada mais.

Diz-se, Sr. Presidente, em favor do inquérito parlamentar, que houve um juiz que, por excitação do espirito, mandou prender pessoas do toda a honestidade.

Sr. Presidente: eu devo dizer à Câmara que conheço uma das pessoas que foram prosas, que tenho por ela a maior consideração, julgando a absolutamente incapaz do praticar actos daquela natureza; mas, Sr. Presidente, e se porventura êsse juiz no decorrer das investigações encontrar qualquer indício, falso ou verdadeiro, de culpabilidade, V. Exa. pode pronunciarão sôbre o assunto?

Eu conheço êsse juiz: é um perfeito homem de bem o um magistrado integérrimo.

E possível que só tenha equivocado, que tenha visto mal a questão e que talvez pelo excesso de trabalho tenha praticado um acto menos reflectido; más eu não o condeno por isso, porque tem uma atenuante: o momento que passa e o meio onde trabalha.

Também reconheço que os Srs. Inocêncio Camacho o Mota Gomes são homens do bom; mas o que eu não posso acoitar é que as investigações tenham sido insensatas.

Muito temos nos contundido com o Poder Judicial; e ainda não há muito tempo o Diário do Govêrno inseria um despacho que não ora dos mais honrosos para quem o firmou, embora os intuitos do Ministro fossem excelentes.

Quero referir-mo ao caso das 400.000 libras.

Êsse Ministro foi menos justo para com o Poder Judicial.

E tempo do arripiar caminho!

Permita-mo V. Exa. que eu ainda diga algumas palavras acerca do Sr. António Cabral.

Disse S. Exa. que a Câmara mal andou em não votar o requerimento que apresentou e que êsse acto foi anti-regimental.

O acto foi absolutamente regimental, porque antes da ordem do dia não há requerimentos.

Lamentou S. Exa. ainda a ausência do Govêrno, estranhando-a.

Todos nós sabemos que o Govêrno não está, porque se demitiu.

São estas as considerações que eu desejava fazer à Câmara, que concretizei na moção que mandei para a Mesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida e admitida na Mesa a moção ao Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: cumprindo as praxes regimentais, mando para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara dos Deputados, empenhada em que toda a verdade seja ampla o ràpidamente apurada, afirma o seu propósito do prestar às autoridades judiciais o de polícia todos os elementos necessários ao apuramento de responsabilidades e punição dos culpados, resolve desde já suspender, para o caso em debate, as imunidades de todos os seus membros, e passa à ordem do dia. - Pedro Pita.

Antes do mais nada, desejo lembrar a nina parto dos Srs. Deputados, desejo lembrar aos Deputados da minoria monárquica, que não é possível terem dentro desta Câmara um tratamento como teriam direito, se continuarem consentindo que, nos seus órgãos da imprensa, se deturpem os factos que aqui se passam.

Sr. Presidente: quando, no último dia, foi apresentado um requerimento pelo Sr. António Cabral, houve, de facto, nesta Câmara, quem entendesse que não era o momento próprio dele ser votado, embora erradamente.

Isso deu lugar a que alguns Srs. Deputados da esquerda se manifestassem ruidosamente, mas, de facto, não podia a minoria monárquica tirar a conclusão de que todos os Deputados republicanos assim procediam, porque esto lado da Câmara não fez qualquer movimento sôbre êsse requerimento e, pelo contrário, votava a generalização do debate.

E necessário esclarecer isto; porque se os Deputados monárquicos querem ter, da parte dos seus colegas desta Câmara, um tratamento igual àquele que se dá aos outros, carecem de ter cuidado, para que não se deturpo o que aqui se passa.

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Eu tenho autoridade para falar assim, porque mais de uma vez, na legislatura passada, chamou a atenção dos meus colegas para que o tratamento fôsse igual, independentemente da cor política.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

V. Exa. está a tornar-nos responsabilidades por aquilo que se escreve nos jornais.

A êsse ponto tenho a opor o seguinte: V. Exa., que também tem jornais, respondo aos outros como entender, mas o que não pode é exigir responsabilidades àqueles que lá não escrevem, como acontece comigo.

O Orador: - O àparte do Sr. António Cabral tem, para mim, a vantagem de esclarecer que a minoria monárquica não tem culpa daquilo que se escrevo nos seus jornais.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - Não foi isso que eu disse.

O Orador: - Tenho então de entender outra cousa; é que a minoria monárquica consente que os seus jornais deturpem o que aqui se passa.

Apoiados.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - O que eu disse foi que a imprensa responde por aquilo que se escrevo, e que os Deputados monárquicos tomam a responsabilidade do que dizem. A imprensa é uma cousa o a Câmara é outra.

O Orador: - O que está bem acentuado é que os jornais monárquicos, quando afirmaram que os Deputados republicanos tinham procurado abafar êsse debate, que a minoria monárquica queria abrir, não disseram a verdade do que aqui se tinha passado.

Apoiados.

Dito isto, Sr. Presidente, não pode a minoria nacionalista deixar do fazer afirmações neste debate, e marcar a sua posição dentro dele, no caso formidável do Banco Angola e Metrópole.

Poucas palavras.

Nós entendemos que não é êste o meio próprio para se esclarecerem êsses assuntos.

Nós entendemos que, tendo a nação os seus organismos próprios, a cada um compete a missão de que foi incumbido. Casos do polícia, à polícia incumbe esclarecer. Casos que implicam punição, ao Poder Judicial incumbe punir.

Já foi tempo em que nós acreditávamos na possibilidade de que, por um inquérito parlamentar, poderia chegar-se mais ràpidamente ao fim que se queria atingir: a punição dos culpados.

A experiência, porém, demonstrou que os inquéritos parlamentares não servem de nada.

Apoiados.

Há alguns inquéritos parlamentares pendentes, que duram já há alguns anos, e. quando lá fora só fala nêles, já se supõe que êles visam a mais fàcilmente se encobrir os culpados.

A minha opinião é que o Parlamento nada tem com isso. Votar nesta ocasião um inquérito parlamentar seria lançar sôbre êste Parlamento a suspeição de que - e Deus me livre de supor essa intenção da parto dos ilustres Deputados que lembraram êsse alvitre, a cujas qualidades eu presto as minhas mais rendidas homenagens - se pretendia evitar ou entravar a acção da justiça.

O Sr. Amâncio de Alpoim (em àparte): - Não apoiado.

O Orador: - Eu não sei se o Sr. Amâncio de Alpoim, que acaba de me interromper com um não apoiado., ouviu todas as considerações que venho de fazer.

Suponho que S. Exa. não seguiu o fio do meu discurso, porque se tal tivesse acontecido não teria dado um não apoiado com tanto entusiasmo.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Não compreendo. Sou como aquele padre de aldeia, que só percebia enigmas depois de lhos explicarem.

O Orador: - Vou procurar fazer-me compreender, porque não tenho a mais pequena dúvida de que, dada a sua muita inteligência, a deficiência é da minha exposição.

Dizia há pouco que, longe de mim pensar que a proposta dos ilustres Deputados Srs. Ramada Curto e Amâncio de

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Alpoim - e poucas vezes o adjectivo é tara bem empregado - não tinha sido feita com a maior sinceridade, com aquela sinceridade que é própria de S. Exas.

Simplesmente os factos demonstram em absoluto que os seus bons intuitos não serão coroados do êxito. Dura desde 1919 ou 1920 o inquérito parlamentar ao extinto Ministério dos Abastecimentos.

Os Bairros Sociais, os Ministérios da Guerra e dos Estrangeiros tudo tem tido inquéritos e nunca se chegou a uma conclusão.

Apoiados.

E por isso que ainda hoje os adversários do regime falam.

Vários àpartes.

Sr. Presidente: afirmo na minha moção que o Partido Nacionalista quere todas as facilidades, de forma a facilitar a acção policial e ir até onde fôr preciso (Apoiados) dentro da lei.

Apoiados.

Nós concluímos na nossa moção por afirmar que as nossas próprias imunidades sejam suspensas.

Apoiados.

Sr. Presidente: é necessário que fique bem marcada a nossa posição.

Votamos contra o inquérito, mas votamos a suspensão de imunidades.

Marcada a nossa posição, só tenho a agradecer à Câmara a benevolência com que me escutou.

O orador não reviu.

Leu-se a moção e foi admitida.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: começo por enviar para a Mesa, nos termos regimentais, a minha moção de ordem:

"A Câmara, reconhecendo a inadiável necessidade não só de punir todos os criminosos implicados no caso do Banco Angola e Metrópole, mas ainda a de sôbre êle elucidar a nação, passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, 14 de Dezembro de 1925. - Artur Carvalho da Silva".

A Câmara está-se ocupando dum assunto que exige por parte de todos os Srs. Deputados de qualquer parcialidade política a maior ponderação.

Apoiados.

Atravessamos uma situação grave: - não é só a República a ser atingida mas até o próprio crédito do país.

Eu nesta ocasião não procedo como monárquico, mas como português.

A proposta do Sr. Amâncio de Alpoim merece a nossa aprovação para que toda a verdade se descubra e que se exerça não só a acção judicial, mas também a responsabilidade política e moral sejam aclaradas e por forma a não prejudicar a acção do Poder Judicial.

Há apenas uma circunstância na proposta do Sr. Amâncio de Alpoim com que não estou de acordo e que certamente não obedeceu aos intuitos do S. Exa.: - e é aquela que diz: "não poder o Poder Judicial sobrepor-se à acção do inquérito parlamentar".

Estou certo de que S. Exa. não terá dúvida em modificar qualquer palavra que não traduza bem a sua intenção.

Não estou de acordo com a opinião do Sr. Álvaro de Castro quando diz que não nos devemos ocupar do assunto. Pelo contrário, devemos ocupar-nos.

Num caso dos ta ordem, em que pode correr risco o crédito do primeiro estabelecimento bancário, em que o nosso crédito no estrangeiro pode ser abalado, só vejo motivos para dele tratarmos.

O caso do Banco Angola e Metrópole não se refere exclusivamente às notas falsas. Tem vários aspectos que não podemos, do maneira alguma, deixar de considerar no Parlamento, que é da nação. Foi criado êsse Banco - dizia-se - principalmente para o financiamento de várias emprêsas coloniais, principalmente para acudir à situação da província de Angola o para deixar infiltrar na província- se é certo que eram verdadeiras as intenções que se atribuíam a êsse Banco - para deixar infiltrar na província capitais estrangeiros.

Neste aspecto do problema - deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, que lhe diga - estou convencido não haver distinções entre monárquicos ou republicanos (Apoiados) Não pode haver desacordos entre portugueses, quando se trata da defesa daquilo que é o património da nação: o património colonial.

Apoiados.

Houve quem concedesse autorização para a criação do Banco Angola e Mo-

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trópole; houve quem permitisse essa infiltração de capitais na província do Angola, que, segundo se dizia, eram estrangeiros. Houve ministros que, sem cuidar do perigo que corriam e correm as nossas colónias, tiveram a leviandade imperdoável de ir conceder a abertura dêsse Banco, sem saberem de onde vinham os capitais, sem quererem saber quais os riscos que iam correr as colónias com a concessão que faziam.

Era Ministro das Finanças, quando foi concedida essa autorização, o Sr. Vitorino Guimarães. S. Exa. é Deputado nesta Câmara. S. Exa. tem responsabilidades perante o país e não pode, pois, no Parlamento, deixar de dizer aquilo que é - indispensável se diga para se conhecerem todos os factos que se referem à abertura do Banco Angola o Metrópole. Não é só o Govêrno que tem responsabilidades nesta questão. Todos os homens públicos que iis têm directas ou indirectas, tendo assento nesta casa do Parlamento, devem também dar todas as contas ao país daquelas responsabilidades que, porventura, lhes caibam.

S. Exa. sabe que um decreto seu - o n.° 10:634, se me não falha a memória, relativamente ao regime bancário - diz no artigo 6.° e no artigo 8.°:

Leu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - Ainda bem que o Sr. Vitorino Guimarães acaba de pedir a palavra para explicações, porque muito poderá S. Exa. com o seu depoimento elucidar o país sôbre quais as influências que junto de S. Exa. se moveram para que o Banco Angola e Metrópole pudesse abrir as suas portas.

Ainda o mesmo decreto concede ao Conselho Bancário e ao Ministro das Finanças, em última instância, autorização para recusar a abertura de quaisquer estabelecimentos bancários.

Porque há dias veio publicada no Diário de Notícias uma entrevista com uma entidade que, diziam, está altamente colocada e conhece os pormenores dêste assunto, eu vou proporcionar ao Sr. Vitorino Guimarães a maneira de me responder e de elucidar o país acerca das afirmações que se fazem nessa entrevista.

Diz-se nela:

Leu.

Houve, portanto, uma entidade que ocupava um lugar de destaque na política republicana, que acompanhou todas as negociações e que conhecia tudo quanto se passou no espírito do Sr. Vitorino Guimarães.

E, assim, nós até temos de acreditar na transmissão do pensamento, porque essa entidade que deu a entrevista ao Diário de Notícias conheço todas as fases e todos os pensamentos que o Sr. Vitorino Guimarães teve nessa questão.

E diz-se mais:

Leu.

O Conselho Bancário, segundo se diz, foi contrário e informara o Sr. Ministro das Finanças de que não tinham idoneidade moral as pessoas que apresentaram êsse requerimento. E S. Exa., reconhecendo isso e tendo relutância em conceder a licença pedida, solicitou uma informação oficial do referido Conselho, para que nela se firmasse a sua recusa.

O Conselho Bancário nunca deu a S. Exa. uma informação oficial, mas apenas uma simples informação particular.

Passaram-se várias peripécias, e, a certa altura, diz a tal pessoa:

Leu.

E, Sr. Presidente, para êste ponto eu peço a atenção da Câmara, porque é tam grave o que aqui se diz, que o Sr. Vitorino Guimarães não deixará de elucidar o país sôbre a pessoa a quem se refere esta entrevista.

Diz mais:

Leu.

Que afirmação gravíssima é esta que aqui se faz nesta entrevista, em que há um político que conhece tudo quanto se passou o afirma que a certa altura apareceu um outro político que disse ao Sr. Vitorino Guimarães: "Homem, isto tem de fazer-se. Já cá está o dinheiro: - fui eu que trouxe uma mala com 5:000 contos em papel".

O Sr. Vitorino Guimarães não pode deixar de dizer ao país se é ou não verdade o que se diz nesta entrevista, e quem foi esto político que trouxe a mala com os 5:000 contos.

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Nós vemos que constantemente chegam inalas carregadas de notas, segundo diz a polícia e os jornais confirmam.

Aqui está, Sr. Presidente, uma das cousas que é indispensável que só esclareçam nesta casa do Parlamento: houve, ao que só diz, dois políticos republicanos envolvidos neste caso; o primeiro, diz a entrevista, foi o Sr. Carlos Pereira; o segundo, não sabemos quem seja - sabemos apenas que se prontificou a carregar com uma mala com 5:000 contos do notas.

Vejam V. Exas. quanto o sectarismo político, quanto o facciosismo leva os homens tam longo por aquilo que consideram a defesa da República, concedendo autorizações como aquela que o Sr. Vitorino Guimarães concedeu.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo): - V. Exa. está a ser muito injusto. V. Exa. conhece-me há muitos anos, e deve saber que ou sou absolutamente incapaz de praticar qualquer acto que representasse uma imoralidade.

Apoiados.

Todo o país me faz justiça a isto. E o meu passado responde por todos os meus actos.

Muitos apoiados.

O Orador: - Estou a ser tam justo com o Sr. Vitorino Guimarães que apenas lhe digo que S. Exa. podia ter sido monos faccioso, IS ao vejo, pois, razão para tanta exaltação.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Concordo em que o termo faccioso empregado numa questão política não pode dar lugar a exaltações, mas numa questão destas...

O Sr. António Cabral: - de moralidade...

O Sr. Vitorino Guimarães: - ... de moralidade, sim, não pode deixar ficar uma pessoa tranquila.

O Orador: - V. Exa. há-de ser o primeiro a dar-me razão. Quero eu dizer que muitas pessoas honestas se tem deixado levar por pessoas menos escrupulosas, apenas pelo seu facciosismo político. E V. Exa. há-de concordar comigo desapaixonadamente, porque não venho aqui fazer acusações a ninguém, nem venho dizer que os homens públicos do meu país são todos homens que andem a carregar com inalas cheias de dinheiro ou monos honestos; o que venho dizer é que são tam fracos, deixando criar uma moral política tam prejudicial, que muitos homens honestos tem grandes responsabilidades ante o país.

Já V. Exa. vê que não sou o tal apaixonado; e V. Exa. já mo conhece há muitos anos para saber que eu não venho aqui beliscar a honra do ninguém, porque respeito também muito a minha.

O certo é que as responsabilidades políticas do Sr. Vitorino Guimarães são grandes. V. Exa. efectivamente não teve o cuidado preciso para saber tanto mais que se tratava de uma emprêsa que se destinava a financiar as colónias, e V. Exa. sabe o perigo que atravessam as colónias! quem eram as entidades que acreditavam o banco. Ou, antes, as suas investigações foram insuficientes.

Mas o Sr. Vitorino Guimarães vai com certeza elucidar o país de quais foram as estações o liei ai s que cá dentro e lá fora informaram como merecedoras de crédito as firmas que financiavam o Banco Angola e Metrópole. Está a ver-se o que é o célebre Marang que tam importante papel tem nesta desgraçada questão!

Alguns pontos, porém, temos já esclarecidos: um, perfeitamente conhecido, que foi o Sr. Carlos Pereira quem levou ao Sr. Ministro das Finanças o requerimento para a criação do Banco; outro, que foi um político que carregou com a mala cheia de notas; e outro, que houve estações oficiais cá dentro e lá fora - o lá fora não conheço senão as legações - que informaram bem sôbre a honestidade das firmas que financiavam o Banco Angola e Metrópole.

Mas a tal pessoa que deu a entrevista ao Diário de Notícias - e que parece ter uma perfeita transmissão de pensamento com o Sr. Vitorino Guimarães - disse que o Sr. Ministro das Finanças sentiu sempre a maior relutância em autorizar a criação do Banco. Mas porque é que o Sr. Vitorino Guimarães, apesar disso, se deixou levar a assinar a autorização?

Há mais do que isso, entretanto! Há uma carta publicada na imprensa pelo Sr. inspector Luís Viegas.

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Desastrada carta, Sr. Presidente, que bem demonstra a maneira como correm as cousas ainda nos mais importantes ramos da administração pública.

O Sr. Luís Viegas, inspector do Comércio Bancário, diz:

Leu.

Quere isto dizer que houve um Deputado que se interessou pela abertura do Banco, que foi o portador do requerimento junto do inspector e que, levado êsse requerimento ao Sr. inspector do Comércio Bancário, S. Exa. reconheceu que não tinham dignidade moral as pessoas que subscreviam êsse requerimento.

Razão de sobra para que êsse inspector do Comércio Bancário, para que a instituição que êle representava, informasse o Ministro dessa circunstância.

E nada havia, absolutamente nada, que, uma vez que uma entidade bancária se apresentava representada por pessoas sem idoneidade moral, nada havia, repito, que pudesse levar um Ministro ou uma entidade bancária a aprovar a abertura dêsse Banco.

Mas há mais do que isso. O Sr. inspector do Comércio Bancário sujeitou-se a esta circunstância de ser êle a indicar nomes para a direcção dêsse Banco, êle que era encarregado de fiscalizar, êle que se devia manter inteiramente alheio a tudo que dissesse respeito à gerência dêsse Banco.

O Sr. Paiva Gomes: - Já lhe aplicaram a sanção.

O Orador: - O que não quere dizer que a circunstância de o facto se ter dado não seja reveladora da maneira como as cousas correm.

O Sr. Paiva Gomes: - V. Exa. não tem o direito de generalizar.

O Orador - Para o caso em questão as cousas correram assim; e, conseqúentemente, além das responsabilidades criminais, há largas responsabilidades morais, largas responsabilidades políticas que tem de ser esclarecidas. E nenhuma assemblea pode apurar melhor essas responsabilidades políticas do que o Parlamento.

O Sr. Paiva Gomes: - Evidentemente êsse aspecto da questão é importante; mas, quanto a ruim, temos sempre tempo de o examinar; mas não é esta a altura de colocarmos o caso sob êsse aspecto.

O Orador: - Quando o país, quando a opinião pública está largamente interessada no assunto, estando a assistir a um crime, a uma burla como de outra não há memória e talvez não se tenha dado outra parecida noutro país, não podemos nós, como representantes da nação, deixar nesta casa, que é da representação nacional, de dar satisfação ao país, à opinião pública alarmada, indignada, esclarecendo tanto quanto possível essa questão.

Mas diz mais o Sr. inspector do Comércio Bancário:

Leu.

Uma carta trazida pelo Sr. Santos Bandeira era uma carta honrosíssima.

Continua a leitura.

Quere dizer, o próprio Sr. inspector do Comércio Bancário, que tinha por obrigação informar o Ministro, acha que são vigaristas aqueles que êle aceitou e acoitou como bons logo que 11 e permitiram que algumas pessoas por êle indicadas passassem a acamaradar com êles.

Sr. Presidente: está demasiadamente elástica a moral administrativa na sociedade portuguesa.

Não sou daqueles que querem pensar que todos os que lidaram com os homens do Banco Angola e Metrópole estejam implicados no caso da moeda falsa. Não sou dêsses; mas sou daqueles que consideram uma larga elasticidade moral a dos que não hesitam em ir acamaradar com pessoas de duvidosa idoneidade moral.

Esta sociedade está inteiramente perdida se um forte exemplo não fôr dado, se os casos dos Transportes Marítimos, dos Bairros Sociais, da Exposição do Rio de Janeiro, do Lazareto e agora o caso do Banco Angola e Metrópole não tiverem uma sanção fortíssima, para que se não continue na mesma vergonha, no mesmo caminho de roubos em que só tem caminhado.

Sr. Presidente: entendo que a proposta do Sr. Amâncio do Alpoim é precisa, porque a experiência tem demonstrado que os interêsses políticos, a paixão política têm levado homens que não estão implicados nos crimes a terem a fraqueza de deixar tornar mais elástica, cada vez mais,

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a moral administrativa de forma a serem possíveis casos como estes.

Esta questão exige largas sanções; - exige que os representantes da nação venham pedir responsabilidades políticas àqueles que as tenham.

Por circunstâncias que reputo absolutamente de fôrça maior, por eircunst,1ncias que inteiramente se impõem ao meu coração o ao meu carácter, não me referirei bojo a certos factos, mas, Sr. Presidente, outros há a que não posso deixar de me referir desde já.

Como é que se justifica - que falta de cuidado é este! - que quaisquer Alves dos Reis possam caminhar livremente até o ponto de quási se julgarem donos do país e que alguns políticos dessem o seu concurso para que tais homens pudessem vir a ser alguém?!

Alves dos Reis, segundo apontamentos que colhi, tem uma história bastante edificante que, por si só, devia constituir motivos de sobejo para que os homens públicos tivessem o cuidado de o fazer deter na sua carreira.

A sua firma começou por se chamar Reis & Carneiro, Limitada, tendo sido fundada em 6 do Agosto do 1919, segundo li no Diário do Govêrno de 13 do Setembro do mesmo ano. Compunha-se de dois sócios, Vergílio Alves dos Reis o Manuel Monterroso Carneiro, cada um com 5.000$ do capital.

Era tal a sua situação que nem escritório tinha, fazendo a sua sede na morada de um dos bócios, na Rua João Crisóstomo, 47, 2.°

Passado um ano, entrou para a firma um novo sócio que, afinal, apenas nela se conservou corça de sois meses por não só entender com os consócios, e o capital foi reforçado para 80.000$, pertencendo 10.000$ a cada sócio.

Em 1921 passou a sociedade a ter o capital de 120.0001; m as, tendo fundado várias emprêsas, entre as quais a Empresa Mineira do Sul do Angola, cuja história aqui se há-de fazer, a sua situação era esta: tinha o capital de 400.000$, mas dele só se achavam realizados 10 por cento.

Alves dos Reis mete-se então na Companhia dos Caminhos de Ferro Através de África e tem lá aquele vasto sudário que V. Exas. conhecem. De repente Alves dos Reis acha-se pronunciado pelo crime do burla, de que depois a Relação o despronúncia, confirmando-lhe mais tarde o Supremo Tribunal de Justiça o despacho do pronúncia.

Em 4 de Abril do corrente ano - e isto até pode constituir um indício para a polícia averiguar de quando data o fabrico das notas - Alves dos Reis publica o so-guinto no Diário de Noticias:

Leu.

Quero dizer: em 4 do Abril é que Alves dos Reis, saído de uma situação que era verdadeiramente desastrosa, passa a nadar em dinheiro. Vai firmar um acordo já sabemos qual foi - com a casa Karel Marang, vai financiar a Empresa Mineira do Sul do Angola e a Empresa Agrícola e Industrial de Mossâmedes, vai fundar o Banco de Angola o Metrópole, vai reforçar o capital da sua sociedade. A Emprêsa Mineira do Sul de Angola, que tinha 40.000$, passa a ter 15.000.0000 do capital, todo realizado; a Emprêsa Agrícola e Industrial do Mossâmedes passa a ter o capital de 2:500.000$ também, todo realizado, o não lerei agora à Câmara a constituição destas sociedades, quais os nomes que nessa constituição figuram, porque tem, também, um largo aspecto político essa questão.

Em 7 de Julho do corrente ano apareceu no Diário do Govêrno a constituição do Banco do Angola o Metrópole, cuja lista de fundadores, já modificada, segundo diz o Sr. Inspector do Comércio Bancário, é a seguinte:

Leu.

O Sr. Vitorino Guimarães pediu a palavra para explicações e decerto vai fazer à Câmara revelações sensacionais. Por consequência reservarei para depois de S. Exa. usar da palavra o prosseguimento das minhas considerações que não podem deixar de levar à conclusão de que, como aliás os factos o demonstram, houve políticos que se interessaram pela fundação do Banco de Angola e Metrópole, de que houve um político que carregou com uma mala contendo 5:000.000$ de notas, e do que, segundo uma entrevista com o juiz Pinto de Magalhães, publicada no jornal A Capital:

Leu.

Para honra do nome português é indispensável que tudo isto seja pronta-

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mente esclarecido, não podendo continuar a representar lá fora o nosso país alguém que, no dizer de um magistrado da polícia de investigação, está envolvido no caso das notas.

Êsse alguém continua a representar o país lá fora.

O Parlamento quere, eu não lhe faço a injúria de pensar o contrário, o Parlamento quere o maior prestígio do nome português.

Apoiados.

Isto tudo também demonstra que é indispensável apurar todas as responsabilidades, porque esta atmosfera moral ou antes de tristeza mora que, dia a dia, hora a hora, se tem desenvolvido não pode de maneira nenhuma permanecer, e impõe uma larga e completa remodelação, por forma a que não continue o país a ser vítima de quem, pelos seus crimes e responsabilidades políticas, está desgraçando e desonrando a nação e o nome português.

Temos de pugnar por que isso não aconteça.

Falou-se no conde de Penamacor, caso decorrido no tempo da monarquia.

Êsse caso traz para a monarquia o maior orgulho, mostra quam diferente era a moral da monarquia da República.

Não apoiados; apoiados.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Chegou à Mesa a notícia do falecimento do pai do Sr. Nuno Simões.

Proponho seja lançado na acta um voto de sentimento.

Como ninguém pede a palavra considero-o aprovado.

É admitida a moção do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: tenho que pedir autorização à Câmara porque não queria usar da palavra neste momento; mas, tendo-a pedido para explicações, terei, contudo, de a usar mais largamente, não pretendendo escalar a palavra a ninguém.

O facto tem certa importância, e por isso pedia a V. Exa. consultasse a Câmara sôbre se permite que eu use da palavra para explicações sendo um pouco mais longo do que costumo.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Sr. Presidente: embora cause o maior espanto ao Sr. Carvalho da Silva, devo declarar a S. Exa. que não tinha tenção do falar no assunto a que S. Exa. se referiu.

Se, efectivamente, há informações que podem ter validade, e efectivamente se podem conhecer certos factos pelas autoridades judiciais ou policiais que estão fazendo a investigação, êsses factos podem tornar-se inúteis quando se lhes dê grande publicidade não estando ainda completas as investigações que vão no seu começo.

Parece-me que não deveria ser nesta tribuna que dêste caso se deveria tratar. Todas as responsabilidades que possam daqui advir não serão para mim, serão para quem tratou desta questão.

É preciso que o País fique sabendo que as declarações que vou fazer não são da minha responsabilidade, mas não podia deixar passar nem um instante som as fazer.

Também há um outro esclarecimento que tenho de prestar antes de mais nada: é que não vejo motivos para os espantos do Sr. Carvalho da Silva, sôbre a publicidade dada num jornal acerca dos trâmites que se seguiram para a aprovação do requerimento em que se pedia a fundação do Banco Angola e Metrópole.

Sr. Presidente: o caso é um simples caso do expediente e nada tem de secreto. E até muito claro como todos os actos da administração republicana.

Apoiados.

É que antigamente talvez se não seguissem êstes casos com essa clareza, e daí o espanto de todos aqueles que deles tenham conhecimento.

Apoiados.

Sr. Presidente: antes de tudo, porque não quero de forma alguma deixar de dizer o que se passou comigo acerca da fundação do Banco, e visto aparecerem nomes de figuras altamente colocadas, direi, se a memória me não falha, que vieram ao meu gabinete tratar directamente comigo da fundação do Banco Angola e Metrópole os Srs. Carlos Pereira, Pinto de Lima e Santos Bandeira.

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Não apareceu mais ninguém; e porque não sou pessoa muito atreita a deixar-mo influenciar por quem quer que seja, o processo seguiu os seus trâmites e formalidades burocráticas. E nada mais.

Sr. Presidente: sinto, efectivamente, ter de tratar êste assunto nesta ocasião; e se o faço é pelo facto de ter sido posta a questão nestes termos.

Falo apenas de memória e sem poder consultar quaisquer documentos ou mo ser facultado novamente o processo para que as cousas fossem expostas com toda a latitude e minudência.

Poderia ter procurado esclarecimentos; mas, propositadamente, não quis pedi-los. Não quis mesmo ir novamente consultar o processo, porque entendo dever conservar-me alheio a tudo o que se está passando.

Sr. Presidente: entrando na questão, eu devo dizer, em abono da verdade, que pouco tenho que acrescentar àquilo que o Sr. Carvalho da Silva leu.

Efectivamente foi entregue no Ministério das Finanças um requerimento assinado, como era exigido pelo decreto da reforma bancária, por 10 indivíduos, pedindo a fundação do Banco.

Sr. Presidente: lancei nesse requerimento, como era do meu dever, o despacho da sua remessa ao Conselho Bancário, para informar.

Permita-me a Câmara que eu, nesta altura, saliente um facto, que aliás é bem do conhecimento do Sr. Carvalho da Silva, qual é o de êsse Conselho não ser somente constituído por representantes do Estado, antes, pelo contrário, sendo a sua maioria constituída por banqueiros, assunto êste que é de uma grande importância.

Apoiados.

Êle tem representantes do Banco de Portugal, do Banco Ultramarino o bem assim de outros bancos, não sendo por isso, a meu ver, lógico que se queira atribuir a um só a responsabilidade de uma colectividade.

Muitos apoiados.

Sr. Presidente: existe na verdade uma declaração assinada pelo inspector do Comércio Bancário, dizendo que na verdade se havia reconhecido que muitos dos signatários dêsse requerimento não tinham idoneidade moral, muitos deles até com acusações do alta gravidade.

Sr. Presidente: eu, em face da resposta, respondi, como qualquer outro no meu lugar o teria feito, dizendo que me apresentassem o parecer nesse sentido, que o requerimento seria indeferido.

O que é um facto é que, se bem que tudo isto se dêsse, o Conselho Bancário entendeu que não devia assumir a responsabilidade de tal facto.

Não tiveram a coragem do escrever, querendo que o Ministro tomasse a responsabilidade do facto.

Chegou-se até a dizer, Sr. Presidente, por parto do Banco Ultramarino, que não desejariam dar semelhante informação para que se não dissesse que êles tinham por fim afastar um concorrente.

Apresentaram apenas uma informação dizendo a forma como os estatutos estavam redigidos.

Passados dias, dei conhecimento do despacho ao Sr. Carlos Pereira, o qual me disse que isso não tinha dificuldades, pois harmonizaria os estatutos com essas disposições. Então, ou tive a coragem que não teve o Comércio Bancário, porque disse ao Sr. Carlos Pereira que não bastava isso, porque tinha a convicção de que alguns homens que afinaram êsse documento não reuniam aquelas qualidades morais necessárias para eu dar a aprovação.

Êsses nomes foram substituídos por outros.

Tive o cuidado do me informar de todos êles e colhi os melhores informes, a não ser sôbre Alves dos Reis, que constava estar pronunciado, mas que estava ilibado pelos tribunais.

Êste facto tem hoje uma explicação: - é que êsse senhor tinha sido pronunciado por dois crimes e apenas tinha sido dos pronunciado por um.

Acerca do preso Santos Bandeira não tive nenhumas relações, a não ser em Paris quando me foi apresentado por seu irmão e depois no Ministério das Finanças quando foi tratar do caso Angola o Metrópole. Fui informado de que vivia na melhor sociedade e era uma pessoa de bem.

O Sr. Presidente: - V. Exa. pediu a palavra para explicações e já esgotou o tempo que o Regimento determina.

Vozes: - Fale, fale!

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O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, continua V. Exa. no uso da palavra.

O Orador: - Os documentos foram enviados para o Comércio Bancário.

Como não pudesse duvidar nem levantar mais dificuldades à honorabilidade das assinaturas, e como tivesse chegado até mim o aviso de que o dinheiro era alemão, isso mesmo disse ao Sr. Carlos Pereira - e, ainda mais, que se tinha resolvido não criar mais bancos. Mas êste meu último argumento não colheu, porque tempo depois liquidava um banco.

Falei novamente no capital alemão; mas passados dias vinha ao meu gabinete Santos Bandeira, que me mostrava documentos do que êsse capital era holandês.

Não é o Sr. Carvalho da Silva quem está encarregado de fazer essas investigações sôbre a validade da casa, porque S. Exa. não é o Ministro nem tem poderes especiais para isso.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - O que eu pedi a V. Exa. há pouco foi que me dissesse quais as estações oficiais...

O Orador: - As estações oficiais eram as que não podiam deixar de ser. Tenho pena de não ter comigo documentos ou processos na minha frente.

Como é costume, foram pedidas informações pelo Banco de Portugal, pela Caixa Geral de Depósitos, etc. Tenho, ainda hoje, a impressão de que todas essas casas são sérias e que naturalmente foram enganadas por qualquer meio que eu desconheço.

Perante essas informações, vindas de boa origem, não havia, pois, nada a opor. Nestas circunstâncias, o Conselho Bancário não se opôs numa reunião - é bom repeti-lo, visto que se diz que se fala para o país e eu quero, portanto, que todo o país o ouça - numa reunião onde não estava só o representante do Estado, mas os representantes do Banco...

Vozes: - Em maioria.

O Orador: - Na entrevista a que o Sr. Carvalho da Silva aludiu figura não só o Deputado Carlos Pereira, mas ainda uma individualidade política que se diz portadora de uma mala com 5:000 contos. Essa entidade é o próprio Sr. Carlos Pereira. Foi até esta uma afirmação de S. Exa. nesta Câmara, perante um certo número de Deputados: - eu trazia 5:000 contos em notas, destinados à formação de um novo banco.

Há uma afirmação que apareceu no Diário de Noticias que, pelo menos a mim, não ma diria êsse senhor nem ninguém: "que uma cousa destas se havia de fazer por força".

Nunca tive modo de ninguém. Já vi a morte diante de mim, muitas vezes, nos pontos em que mais se arrisca a vida. Nunca ninguém me disse ou diz - ninguém o dirá sem levar imediatamente a resposta condigna.

Apoiados.

Estava, portanto, tudo pronto, Mas o Ministro das Finanças tinha tanta relutância em ter de pôr o acórdão no requerimento, que foi êle próprio que lembrou - e deixem-me V. Exas. agora dizer: julgando que nunca o estorvariam - que havia uma forma ainda de evitar a abertura do Banco, a qual era dizer-se que o capital era insuficiente, visto que outra não havia, sendo, como eram, boas as informações colhidas. Quando disse isto, era convicto de que nunca tal seria escrito.

Lembra-se V. Exa. e a Câmara que um dos maiores argumentos, um dos mais enérgicos motivos invocados pelos que combateram a reforma bancária feita pelo Sr. Pestana Júnior, e depois por mim um pouco transformada, foi o de que, efectivamente, era de um excesso inacreditável exigir-se um capital de 10:000 contos. E, quando eu transformei a reforma da banca, uma das maiores pressões que se exerceram sôbre mim foi a de que era necessário que se deminuísse o capital exigido, porque não havia maneira de se realizar de pronto tanto dinheiro.

E, Sr. Presidente, é claro que "quem mal não usa mal não cuida". Como não podia calcular, de maneira nenhuma, qual fôsse a origem do dinheiro, tanto mais que da comissão organizadora dêsse Banco faziam parte criaturas de tanta honorabilidade, e que ainda hoje são dignas da nossa estima e consideração, la-

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vrei um despacho consentindo na fundação do Banco, mas desde que o capital fôsse elevado a 20:000 contos. E fi-lo na idea, devo confessá-lo, do que lhes seria impossível realizá-lo, e que assim o Banco não abriria.

Mas fiquei pasmado o bastante mal impressionado quando soube que, passados três ou quatro dias, elo estava completamente realizado.

Aqui está, a traços largos, O que foi a minha acção neste caso.

E desejava bom que muitos Srs. Deputados requeressem o exame do respectivo processo, a fim de o examinarem, e especialmente aqueles que me não conhecem, para terem a certeza absoluta e completa de que em todas as palavras que aqui pronunciei disse a verdade e só a verdade.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: Poucos minutos tenho - V. Exa. acaba de mo dizer - para usar da palavra, tanto mais que, pedindo-a para explicações, já V. Exa. há pouco disse que não consentia o Regimento que o orador falasse durante tanto tempo.

Ouvi, com a maior atenção, o Sr. Vitorino Guimarães, e, Sr. Presidente, S. Exa. não fez mais do que confirmar a única acusação que lhe fiz de que as suas responsabilidades políticas no caso são tremendas.

S. Exa., nas suas considerações, veio confirmar a verdade absoluta de tudo quanto eu disse.

Em certa altura, S. Exa. diz: "eu, que tinha oferecido relutância, eu, que sabia que não tinham idoneidade moral as pessoas que tinham assinado o primeiro requerimento, um outro receio me assaltou: o de que o capital fôsse alemão, porque até os meus ouvidos também chegara êsse eco. E, conseguintemente, eu não podia consentir na constituição de um banco nestas condições".

Aqui estão as próprias palavras de S. Exa. mostrar bem quam tremendas são as suas responsabilidades.

Leu.

Por aqui se está vendo que se tratava de um capital que podia representar uma traição à Pátria.

Ora, Sr. Presidente, por isto tudo se vê a fraqueza do Sr. Vitorino Guimarães.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo): - Isso representa somente a minha delicadeza e a minha, boa educação.

O Orador: - Sr. Presidente: se amanhã alguém se chegar ao pé de S. Exa. e lhe exigir a carteira, eu creio que a sua delicadeza o a sua boa educação não vão ao ponto de lhe entregar a carteira que tem na algibeira.

Sr. Presidente: a delicadeza e a boa educação não servem nestas alturas.

Nestas alturas, quer na vida pública, quer na vida particular, as questões do delicadeza têm do ser postas de parte, havendo somente o cumprimento do nosso dever e das nossas responsabilidades.

Isto tudo é o resultado do se misturar a política com os negócios, para satisfazer pessoas.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Como havia no tempo da monarquia.

O Orador: - V. Exa. daqui a pouco é capaz de socializar esta responsabilidade para a Monarquia.

Isto, Sr. Presidente, é o resultado de a República transigir sempre desde que só trata dos seus defensores.

Êste, Sr. Presidente, tem sido sempre um grande êrro da República; e é assim que nós vemos como bons republicanos, bons defensores da República, indivíduos com largo cadastro.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado.

O Orador: - Os factos é que se estão encarregando do demonstrar à evidência a verdade do que acabo de expor.

O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. do que já passaram os dez minutos que V. Exa. tinha para usar da palavra.

O Orador: - Em vista de me não ser permitido por agora falar mais tempo.

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reservo para outra ocasião as restantes considerações que ainda tinha a fazer sôbre o assunto.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já está usando da palavra há oito minutos!

O Orador: - Se assim não fôsse, o Sr. Vitorino Guimarães, com as suas considerações, obrigar-me-ia a fazer um largo discurso.

Mas já que V. Exa. em face do Regimento, não mo permite, responder-lhe-hei mais tarde.

Fica assente, porém, quem foi o portador duma mala com milhares de contos em notas.

E termino, sem querer fazer acusações a ninguém, nem afirmar o conhecimento ou não da pessoa portadora das malas, preguntando a V. Exa. se o Sr. Vitorino Guimarães já se ofereceu para depor no processo que está correndo, quanto ao caso do Banco Angola e Metrópole. Pregunto também se a policia já tinha, porventura, conhecimento dos factos narrados na entrevista publicada no Diário de Noticias, e investigado sôbre as responsabilidades do portador da mala.

Isto também me basta para demonstrar que o Sr. Ministro Vitorino Guimarães ainda hoje ao usar da palavra teve porventura medo de fazer mal à sua querida República.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Nunca tenho medo de fazer mal à República. A República está sempre muito acima das acusações que lhe fazem!

Apoiados.

O Orador: - Eu não tenho aqui nenhuma fita métrica para medir a altura da República!

O Sr. Vitorino Guimarães: - O que fica é sempre muito acima da Monarquia, porque não pretende abafar escândalos!

Apoiados.

O Orador: - É espantoso!

Vozes: - Espantoso o que V. Exa. está dizendo!

O Orador: - O Sr. Vitorino Guimarães, a bater no peito, a confessar as culpas da responsabilidade política que tem neste caso, ainda vem dizer que a República está acima da Monarquia!?

Nada mais seria preciso para demonstrar que a moral da República é aquela que se está patenteando.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Elmano da Cunha e Costa: - Sr. Presidente: em obediência à disposição regimental vou mandar para a Mesa a minha moção. E a seguinte moção de ordem:

A Câmara dos Deputados, entendendo que é da maior oportunidade e conveniência que se realize um inquérito parlamentar para apuramento das responsabilidades dos casos que politicamente se ligam com o Banco Angola e Metrópole, afirma o seu maior respeito pelo Poder Judicial. - Elmano de Morais da Cunha e Costa.

Sr. Presidente: antes de encetar as minhas considerações, que serão tain breves quanto as possa fazer breves, tenho a fazer a declaração prévia de que, sem conhecer pessoalmente o Sr. Vitorino Guimarães, tenho as mais completas informações sôbre a honradez pessoal de S. Exa. E começarei o meu discurso pelas palavras com que o ilustre Deputado Sr. Pestana Júnior terminou o seu discurso no dia da abertura desta Câmara: "tenhamos todos juízo, muito juízo!"

Sr. Presidente: o debate que hoje se iniciou nesta Câmara é da maior gravidade para todos, monárquicos e republicanos. E eu só tenho neste momento de saber se os actos do Poder Executivo praticados no caso do Banco Angola e Metrópole justificam ou não o pedido de inquérito parlamentar feito pelos Deputados socialistas, Srs. Ramada Curto e Amâncio de Alpoim.

A permanente ingerência do Poder Executivo nas funções do Poder Judicial, além de representar um atentado contra um dos poderes do Estado, que nós, homens de lei, não podemos admitir, tem ocasionado os maiores vexames à magistratura portuguesa que muito honrada-

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mente se tem sabido manter e prestigiar no meio doa te enorme descalabro.

Há dias, Sr. Presidente, foram presos dois directores do Banco de Portugal.

Êsses homens ou foram bem ou mal presos; mas foram presos por uma entidade com poderes suficientes para o fazer.

Se foram mui presos, há no Código Penal um processo que se chama abuso de autoridade e há na lei civil disposições que dão lugar a indemnizações de natureza material, quando estas devam ou possam ser exigidas.

O Poder Executivo, mandando soltar êsses homens, praticou, êle próprio, o abuso do Poder, desprestigiou a autoridade policial e imiscuiu-se num assunto em que não podia e não devia, nessa altura, ter intervenção.

Alega-se que o Govêrno mandou soltar os dois directores do Banco de Portugal pelo pânico que essas prisões poderiam causar adentro do País.

Pois êsse pânico - se o houve - mais se avolumou e por toda a cidade não se fala noutra cousa, pela infelicíssima nota oficiosa que o Govêrno fez publicar esta manhã, em que se declara que, depois de ouvidas as explicações do juiz Sr. Dr. Pinto de Magalhães, o Govêrno lhe reitera toda a sua confiança, o que significa que o próprio Govêrno reconhece que fez mal, mandando soltar os dois directores do Banco de Portugal que tinham sido presos.

Mas todos nós andamos fazendo afirmações (têm-se elas feito já hoje aqui nesta Câmara também), que eu reputo duma enorme leviandade.

As investigações policiais partem da base, do princípio originário de que as notas são falsas. Porque é que são falsas? Quem declarou a falsidade dessas notas?

Se o exame de peritos já justificou perante a opinião pública que essas notas obedecem a uma torpe falsificação de criminosos de delito comum, agora há que levantar os respectivos autos de corpo de delito.

Não se compreende que se inicie êste, procurando justificar a falsidade das notas, tendo partido anteriormente do princípio de que elas eram efectivamente falsas. Se assim á, o processo é inútil e todas as investigações descabidas.

Se em vez de se admitir que as notas são falsas, admitíssemos aquilo que já se diz de boca em boca, que elas eram apenas um meio para aumento da circulação fiduciária e que tinham saído da casa Watorlow and Sons?

Se assim é, as investigações policiais deixam muito a desejar.

Não façamos confusão entre criminosos comuns e criminosos políticos. Os primeiros não me interessam, nem podem interessar à Câmara dos Deputados.

Aqueles que praticam falsificações ou qualquer dos outros crimes previstos e punidos pelo Código Penal são julgados na Boa Hora por um processo regular, e nós não podemos fazer à magistratura judicial o ultraje de nos imiscuirmos nas suas funções.

Não é a isso que a moção dos Srs. Amâncio de Alpoim e Ramada Curto se quere referir.

Há actos praticados por entidades políticas que ocupam situações de destaque e que tiveram, directa ou indirectamente, ligações com o Banco de Angola e Metrópole, e cujos actos, não sendo puníveis pelo Código Penal, são punidos por aquelas leis da moral e da honra que fazem o seu prestígio adentro da nação. E o Parlamento não pode consentir que êsses homens continuem impunemente a exercer funções e cargos públicos em desprestígio da nação.

E para isso que o inquérito se faz. Assim é que está certo.

Os criminosos de direito comum não interessam à Câmara, mas apenas aos tribunais competentes.

O Sr. Afonso de Melo (interrompendo): - Não é nada disso que está na proposta do Sr. Amâncio de Alpoim.

O Orador: - Eu estou a defender a minha proposta.

Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe toda a Câmara que sôbre os Parlamentos em Portugal se tem feito as mais graves acusações.

O argumento apresentado pelo Sr. Álvaro de Castro, de que está absolutamente averiguado que as comissões de inquérito parlamentar não deram resultado, não colhe.

E porquê?

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Sessão de 14 de Dezembro de 1925 27

Porque essas comissões trabalharam pouco. E, que me conste, a preguiça nunca foi argumento de ninguém.

Além disso, não se souberam cercar essas comissões dos poderes suficientes para bem desempenharem a sua missão. E eu próprio, que tive de intervir, como advogado, numa dessas questões, a dos Transportes Marítimos do Estado, verifiquei que o Parlamento se tinha esquecido de arranjar Ministério Público, o que dava em resultado que se ficava pronunciado, mas que não havia um delegado que promovesse essa pronúncia, nem um juiz que dêsse despacho sôbre ela. E, não obstante isto, a comissão parlamentar passava mandados de captura.

O Sr. Presidente (interrompendo): - São quási horas de só encerrar a sessão. V. Exa. deseja concluir breve, ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Desejo ficar com a palavra reservada.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Eu pedia palavra apenas para me referir ao assunto que tem estado em discussão.

O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Exa. antes de se encerrar a sessão, pode tratar de qualquer assunto desde que seja breve.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Se não estivesse mais nenhum Sr. Deputado inscrito para antes de se encerrar a sessão creio que pelo Regimento me era permitido usar da palavra durante 15 minutos.

Êsse tempo me chegaria.

O Sr. Presidente: - Está inscrito o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Nesse caso tratarei do assunto na sessão de amanhã.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sinto não poder ceder a palavra ao Sr. Amâncio de Alpoim.

O facto a que vou referir-me é daqueles que exigem que eu não deixe de usar da palavra na sessão de hoje.

Ainda não está validada a eleição do Sr. Vieira de Castro pelo Funchal. Tendo sido o candidato mais votado, não tendo havido qualquer protesto, não foi proclamado, sendo, aliás, proclamados os três candidatos mais imediatamente votados.

São inúmeros os boatos que correm sôbre essa eleição e ainda agora recebi do Funchal um telegrama que não quero deixar de ler à Câmara.

Leu.

Sr. Presidente: quero ainda frisar uma circunstância que seguramente os ilustres membros da comissão de verificação de poderes que tem a seu cargo o julgamento da eleição do Funchal não deixarão de tomar na devida consideração. Afirma-se por documentos que aparecem agora que o Sr. Vieira de Castro teve votações com dois nomes, Luís Vieira de Castro e Luís Lopes Vieira de Castro. Digo a V. Exa., pelas informações que tenho, que os votos que êsse Sr. Deputado teve nessas condições foram menos de cem e não foram contados na assemblea de apuramento. E que o fossem - e para isto chamo a atenção dos ilustres Deputados presentes e que pertencem à comissão de verificação de poderes - o Directório do Partido Republicano Português publicou há dias uma nota nos jornais com relação aos Srs. Manuel Alegre e outro Sr. Deputado, pela qual lhes foram contados votos que tinham com menos um nome. O mesmo se deu com o Sr. Crispiniano da Fonseca.

Não pode a Câmara, não pode a comissão de verificação de poderes adoptar um critério que torne bons uns Deputados e maus o atros.

Essa comissão não pode deixar de proclamar imediatamente o Sr. Vieira de Castro.

Dados êstes esclarecimentos, muito mais conscientemente pode a comissão de verificação de poderes resolver a questão, que, aliás, é bem de lamentar que não esteja já resolvida, porquanto, tratando-se de um Deputado que é o mais votado por um círculo, não pode admitir-se que uma comissão de verificação de poderes, seja ela qual fôr, admita dúvidas e proclame outros Deputados que são menos votados do que êsse.

Lavrado mais uma vez o meu protesto, espero que não se estabeleça um critério

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28 Diário da Câmara dos Deputados

especial e se não salte por cima da vontade dos eleitores para aqui trazer alguém que não seja o Deputado eleito.

Dito isto, espero que não se faça esperar a proclamação dêsse Sr. Deputado como já devia ter sido feito.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 15, à hora regimental, sendo a
ordem do dia a seguinte:

Debate sôbre o caso do Banco de Angola e Metrópole.

Constituição de comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - João Saraiva.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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