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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 4

EM 15 DE DEZEMBRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Responderam à chamada 60 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Homem de Melo manda para a Mesa um projecto referente aos bens das igrejas, para que pede urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Calem Júnior trata de providências para garantir na exportação a genuinidade, dos vinhos do Pôrto, apresentando um projecto de lei, para que pede urgência.

O Sr. António Cabral propõe um voto de sentimento pela morte do estadista espanhol António Maura. Associa-se o Sr. Alberto Vidal. O Sr. Ginestal Machado estende êsse veto de sentimento ao da morte de Pablo Iglezias. Segue-se o Sr. Amâncio de Alpoim. Associam-se também os Srs. Alberto Dinis da Fonseca e Pina de Morais.

O voto de sentimento foi aprovado.

O Sr. Pedro Pita trata dos pareceres sôbre a proclamação de Deputados.

O Sr. Sampaio e Maia refere-se a violências eleitorais e manifesta-se contra a compatibilidade de funções públicas com funções legislativas.

O Sr. Ramada Curto desmente uma local do jornal "O Século".

O Sr. Henrique Cabral, em assunto de acórdãos eleitorais, responde às considerações do Sr. Pedro Pita.

O Sr. Amando de Alpoim interroga a Mesa sôbre a hora em que se entra na ordem do dia, informando o Sr. Presidente.

O Sr. Pita responde ao Sr. Henrique Cabral.

É aprovada a acta.

É aprovada a urgência para o projecto do Sr. Homem de Melo, mas, em contraprova, é rejeitado.

É rejeitada a urgência para o projecto de lei do Sr. Galem Júnior.

Ordem do dia. - Continua o debate sôbre a questão do Banco Angola Metrópole.

O Sr. Elmano da Cunha e Costa, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso.

A sua moção é admitida.

O Sr. Manuel José da Silva apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.

Usa da palavra para explicações o Sr. António Cabral.

Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Amando de Alpoim.

Volta a usar da palavra, para explicações, o Sr. Manuel José da Silva.

Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Joaquim Dinis da Fonseca, que envia para a Mesa a sua moção, que é admitida.

O Sr. Mário de Aguiar apresenta uma moção de ordem, que é admitida.

Segue-se o Sr Pestana Júnior, que apresenta uma moção, que é admitida.

O debate fica pendente.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva protesta contra manifestações festivas celebrando o aniversário ao assassinato do Presidente Sidónio Pais.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. - Projectos de lei. Propôsta de lei. Um requerimento.

Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes à chamada 65 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo Teixeira Leitão.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amâncio do Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alvos Calen Júnior.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomos.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva Castilho.
Augusto Rebolo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos António de Lara.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Francisco Godinho Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
João Luís Ricardo.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Correia Carvalho do Aguiar.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Marques Caldeira.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Álvaro Xavier do Castro.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Pais do Almeida.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco António da Costa Cabral.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António de Palma Mira.
João Estêvão Águas.
João Lopes Soares.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.

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Sessão de 10 de Dezembro de 1925 3

Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Maria Alvarez.
José de Moura Neves.
José Rosado da Fonseca.
José do Vale de Matos Cid.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel José da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Melo Vieira.
Raul Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Tomé José de Barros Queiroz.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Araújo Mimoso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Armando Marques Guedes.
Artur Brandão.
Augusto Pires do Vale.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fuzeta.
Delfim Costa.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos Leite Pereira.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Froilano de Melo.
Henrique Pereira de Oliveira.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
Joaquim Nunes Mexia.
Joaquim Toscano Sampaio.
José António de Magalhães.
José Carlos Trilho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
Luís António Guerreiro Júnior.
Luís Vieira de Castro.
Manuel Ferreira da Rocha.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.

Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão 65 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Pedido

Do Sr. Deputado Álvaro de Castro, para se comunicar à Escola Militar que não pode acumular as funções de representante da Nação e as de lente da referida escola, e que opta pelas de representante da nação.

Comunique-se ao Sr. Ministro da Guerra.

Ofícios

Do Conselho Superior do Disciplina Militar, pedindo autorização para comparecer na sede do mesmo conselho, em 19 do corrente, pelas 14 horas o Sr. Maximino de Matos.

Negado.

Cumpra-se.

Do Ministério da Guerra, acusando a recepção do ofício n.° 17, e pedindo informação de qual o decreto a que se refere o Sr. Elmano de Morais da Cunha o Costa.

Para a Secretaria.

Peça-se o esclarecimento ao Sr. Cunha e Costa.

Da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Bairros Sociais, enviando volumes e

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documentos respeitantes ao processo de inquérito aos mesmos bairros.

Para a Secretaria.

Do Consulado do Portugal em S. Paulo, enviando exemplares do mapa de repatriações e socorros prestados pelo mesmo consulado, do Julho do 1924 a Junho de 1925 na importância de 139.000$, moeda brasileira.

Para a Secretaria.

Requerimento

Do Manuel Ferreira Barroca, requerendo para ser considerado revolucionário civil.

Para a comissão de

Telegrama

Da Câmara Municipal do Viana do Castelo, reprovando a matéria do decreto n.º 11:334, de 9 do corrente.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar se no período de "antes da ordem do dia".

O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente : é esta a primeira vez que tenho a honra do falar na Câmara dos Deputados, depois do dezoito anos de ausência, e sem querer comparar os saudosos tempos de então com os infelizes tempos do heje...

Vozes: - Ora! Ora!

O Orador: - Estou no meu pleno direito de fazer as considerações que entender, desde que não ofenda a Câmara. V. Exas. não tem o direito do me interromper.

Sr. Presidente: antes do fazer a apresentação dum projecto que vou mandar para a Mesa, quero dirigir-mo a V. Exa. para o cumprimentar, por ser V. Exa. quem vai dirigir os trabalhos desta Câmara, que vai ser o seguro fiador da imparcialidade com que elos irão decorrer, Faço-o em meu nome pessoal, pela grande consideração que V. Exa. me merece.

Feitos estes cumprimentos, vou mandar para a Mesa um projecto de lei que tem por fim suspender a venda dos bens eclesiásticos (que ainda restam na posso do Estado. É facto que êle não resolve a precária situação em que o nosso clero se encontra depois da implantação da Repúblíca, mas pelo menos obsta a que sejam vendidos bens que ainda restam na posse do Estado, e que eram pertença dos bispos, párocos o outros serventuários da igreja.

Devo suspender-se, repito, a venda dêsses bens, o procuraremos, com medidas adequadas, restituí-los aos seus legítimos possuidores, e, porventura, indemnizá-los dos prejuízos que tem sofrido por virtude duma lei que nunca devia ter sido publicada.

Pensa a República que, praticando actos de justiça como esto, se humilha ou rebaixa.

Não. A República só se exaltaria revogando uma odiosa legislação que tanto dano tem feito à classe sacerdotal, que está em contacto permanente com todos os habitantes do país, tanto nas ocasiões da maior alegria como nas de maior tristeza, tanto na guerra como na paz.

Sr. Presidente: eu tenho a certeza do que a maioria dos Srs. Deputados professam a religião católica, e que no íntimo da sua consciência concordam com a justiça do moa projecto. Também não ignoro o receio que os Srs. Deputados têm de contrariar o seu desejo, por preconceitos que não se fundam em exigências razoáveis da conveniência nacional, mas apenas alimentados pela propaganda de sectários, que conseguem arrastar aqueles que o não são à prática de actos subversivos.

O Sr. Vicente Barata (interrompendo): - Isso era há dezoito anos.

O Orador: - Foi sempre assim em todos os tempos e em toda a parte.

Trava-se diálogo entre o orador e os Srs. Vicente Barata e António José Pereira.

O Orador: - Sr. Presidente: o ilustre interruptor-mór desta Câmara desviou-me do fio das minhas considerações, mas suponho ou que ia dizendo que é a propaganda de sectários que arrasta muitas vezes aqueles que o não são à prática de actos subversivos.

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Porque é que não se restituem, êsses bens a quem de direito lhes pertencem?

Sr. Presidente: no dia em que a República pudesse praticar êste acto de justiça, ter-se-ia resgatado de muitos outros actos que tem praticado.

Êste projecto traduz o sentir geral do país, e tenho a certeza de que se só fizesse um plebiscito, som opressões, a grande maioria do país dar-lhe-ia o seu voto. Estou convencido de que elo será hoje ou amanhã convertido em lei e por isso peço a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se concede a urgência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

O Sr. Calem Júnior: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara, cumpro o gratíssimo dever do apresentar a V. Exa. e a todos os Srs. Deputados os meus mais respeitosos cumprimentos.

Pedi a palavra para enviar para a Mesa um projecto de lei que não importa despesa, mas simplesmente tem por fim dar prática às disposições duma lei que aqui foi votada em 1921, o que está sendo iludida, com prejuízo da região duriense e é da economia nacional.

O caso é o que vou referir.

Sabe V. Exa., e não desconhece a Câmara, que em 1908 foi votado no Parlamento, e, conseguintemente, convertida em lei, uma proposta para que se demarcasse a área de produção da região duriense, e para que à barra do Pôrto fôsse dado o privilégio da exportação dos vinhos produzidos naquela região.

Fez-se isto com o intuito de dar crédito aos afamados vinhos do Pôrto, porque êles estavam desacreditados nos mercados estrangeiros. E foi tam acertada essa medida que, consolidado assim ràpidamente o crédito daqueles vinhos, a exportação aumentou imenso, passando a ser o duplo do que era antes da publicação da lei, e correspondendo hoje a 300:000 contos, ou sejam 3 milhões de libras.

Mas no entreposto continuaram a entrar clandestinamente vinhos doutras regiões, e então o comércio duriense dirigiu as suas reclamações ao Govêrno em 1921, e o Ministro da Agricultura, Sr. Sousa da Câmara, que tam distintamente ocupou êsse cargo, achando essas reclamações justas, trouxe a esta Câmara uma proposta de lei para que fossem tomadas determinadas providências a fim de evitar que fossem iludidos os propósitos da lei de 1908.

Mas ainda mesmo depois de promulgada essa lei, os contraventores continuaram a fazer entrar no entreposto de Gaia os vinhos de fora da região, e no Ministério dos Negócios Estrangeiros estão documentos pelos quais se provam as queixas que há em Inglaterra, do que vão para lá, como sendo do Pôrto, vinhos que não pertencem ao Douro.

Para obviar a isto é que ou, interpretando a vontade dos comerciantes de vinhos do Pôrto, que licitamente querem fazer o seu negócio de exportação, vou ter a honra do mandar para a Mesa um projecto de lei, esperando que a Câmara o admita, para que mais tarde venha à discussão.

E como só trata dum assunto em que a lei é iludida e sofismada, julgo também oportuno requerer p- urgência para o meu projecto, o qual é procedido dum relatório elucidativo, que a Câmara oportunamente também apreciará.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente; pedi a palavra para propor à Câmara um voto de sentimento pelo falecimento do notável estadista espanhol D. António Maura.

Já ontem, ao encerrar-se a sessão, eu pedi a palavra para êsse fim. Não pude então usar dela, mas faço-o hoje, propondo êsse voto de sentimento, que é, por todos os motivos, justo.

D. António Maura foi um estadista a quem a Espanha deve parte da sua grandeza.

Quando em Espanha se deram os acontecimentos revolucionários dá chamada semana sangrenta, era o ilustre estadista e chefe do Govêrno que estava no Poder, e, por motivo deles, foi afastado da governação do Estado.

Mas, como a hora da justiça chega

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6 Diário da Câmara dos Deputados

pre tarde ou cedo, a Espanha, por mais de uma vez teve depois de recorrer aos serviços de tam notável homem de Estado, cuja acção foi sempre enérgica, patriótica, decidida e em prol dos interêsses legítimos da sua Nação, que êle soube sempre defender brilhantemente, com o vigor e o grande talento de que era dotado.

Parece-me, pois, que todos aqui, sem parti-pris do princípios, mas apenas fazendo justiça a quem a merece, darão o seu apoio no voto que eu tenho a honra de propor pela morte do notável estadista D. António Maura.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Vidal: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para mo associar, em nome do Partido Republicano Português, ao voto de sentimento que acaba do ser proposto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sampaio Maia (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: V. Exa. diz-me se eu estou inscrito para antes da ordem do dia, e se a inscrição agora nova, sôbre o voto do sentimento que foi proposto, prefere a inscrição anterior?

E, no caso afirmativo, em que artigo do Regimento se determina tal?

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - E hábito conceder logo a palavra aos Sra, Deputados que desejam fazer uso dela para se associarem a votos do sentimento propostos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: - Sr. Presidente: vou usar da palavra em nome dos Deputados nacionalistas para dizer a V. Exa. o à Câmara que nos associamos sinceramente ao voto de pesar pelo falecimento do grande estadista e notável espanhol D. António Maura.

Há poucos dias ainda votou a Câmara ura. voto do sentimento peja morte do outro notável e graúdo espanhol, Pablo Iglésias.

A morto aproximou êstes dois homens, que aproximados andavam na opinião espanhola o mundial, pela integridade do seu carácter e pelo respeito que todos os seus patrícios lhes votavam.

D. António Maura era um político respeitado em Espanha, e era-o na verdadeira acepção da palavra. Além disso elo era também um espírito cultíssimo e um orador notável.

Sr. Presidente: bem fica a todos, quer estejam na direita ou na esquerda da Câmara, fazer justiça, pelo menos depois da morto, aos intuitos nobilíssimos que norteiam os homens que tem a desdita do andar nesta tormenta, que é hoje a vida política, e D. António Maura andava cheio de boas intenções e de elevação patriótica.

Associo-me, pois, sinceramente, em meu nome, e no do Partido Nacionalista, ao voto do sentimento proposto nesta Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tal como os representantes da minoria monárquica, os representantes da minoria socialista não combatem na cova os homens que combateram na vida.

Que descanse, pois, em paz o homem de Montjuick.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: em nome da minoria católica associo-mo ao voto de sentimento pela morte do estadista espanhol Maura, e com tanta maior razão eu assim declaro, quanto é certo que nina das facetas predominantes na sua alta individualidade eram as suas fortes convicções religiosas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pina de Morais: - Pela esquerda democrática associo-me ao voto do sentimento pela morte de António Maura.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: Em vista das manifestações da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento proposto.

O Sr. Pedro Pita: - Pedi a palavra para antes da ordem porque quero sa-

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lientar a V. Exa. e à Câmara que a circunstância de termos votado, ontem, o negócio urgente pôsto pelo Sr. Amâncio de Alpoim, não implica de modo algum o abandonarmos o negócio urgente pOsto pelo Sr. Marques Loureiro, relativo a actos que se deram nas comissões de verificação de poderes, no tocante a eleições verificadas.

Sr. Presidente: poderia explorar-se com a nossa atitude se insistíssemos pela imediata discussão dêste negócio urgente com preterição da discussão do outro negócio urgente do Sr. Alpoim.

Quero, pois, deixar bem acentuado que não se desiste do negócio urgente do Sr. Loureiro, e que, se consentimos em que êste fôsse preterido pelo do Sr. Alpoim, foi porque o assunto que se pretende tratar é assaz gravíssimo.

O nosso negócio urgente há-de tratar-se, pois que à face da Constituição e das leis publicadas à sombra dela todos os assuntos que interessem à vida nacional podem ser tratados no Parlamento, e nada há que impeça a discussão dêsse assunto.

Não!

Não nos cansaremos de gritar contra as violências praticadas nas eleições!

Tem que tratar-se do assunto, pois não é natural que o público considero bem constituído um Parlamento quando se afirma no seu seio que muitas eleições foram julgadas ao contrário do que o deveriam ter sido, como eu demonstrarei com documentos se, acaso a maioria não abafar a generalização do debate.

Apoiados.

Não deixaremos do mão o assunto, visto que êle constitui um agravo feito a um partido inteiro.

O partido a que pertenço não teria razão de existir se deixasse sem um protesto fora do vulgar actos da natureza dos que foram praticados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sampaio Maia: - Sendo esta a primeira vez que uso aqui da palavra, nesta legislatura, é meu indeclinável dever saudar, o que faço gostosamente, a pessoa de V. Exa. e na pessoa de V. Exa. toda a Câmara.

Dois assuntos relativamente importantes me forçam a usar da palavra.

O primeiro assunto é relativo a- factos ocorridos com as ultimas eleições: quer nas eleições para deputados, quer nas eleições municipais, quer ainda nas eleições para as juntas de freguesia, autoridades, representantes do Ministro do Interior, cometeram as máximas violências e praticaram autênticas fraudes.

Apoiados.

Não está aqui, Sr. Presidente, representado o Govêrno, e assim eu reservo-mo para então desenvolver as minhas considerações e demonstrar à Câmara a razão das afirmações que acabo de fazer.

Um outro assunto eu quero tratar, e êste agora prende-se principalmente com a pessoa do V. Exa. como Presidente desta Câmara.

Sr. Presidente: a lei eleitoral n.° 3, do 3 de Julho de 1913, posta em vigor em toda a sua plenitude (lei n.° 941, de 14 de Fevereiro de 1920) estabelece no § único do artigo 8.° o seguinte:

Leu.

Chamo a atenção de V. Exa. para esta disposição, verdadeiramente salutar.

A função legislativa, Sr. Presidente, é na verdade complicada e necessita de muito escudo. Não se compadece com acumulações de funções, razão por que a Câmara resolveu introduzir na lei êste princípio.

Do mais, V. Exa. sabe, como sabe toda a Câmara, que êste princípio tem dado lugar a muitos abusos, pois a verdade é que o Parlamentar que desempenha funções públicas ordinariamente não exerce nem as funções públicas nem as funções parlamentares.

Apoiados.

Quere dizer que os Deputados que são ao mesmo tempo funcionários civis ou militares encontram-se na maioria dos casos nesta situação, pois a verdade é que, fazendo um requerimento pedindo licença para poderem vir ao Parlamento, não vão à repartição, não lhes sendo marcadas as faltas, e não vêm também ao Parlamento, nem necessitam vir, por isso que recebem os seus vencimentos.

Isto é verdadeiramente imoral, razão por que eu chamo a atenção de V. Exa. para o assunto, certo de que V. Exa., desejando cumprir a lei, há-de fazer tudo quanto ao seu alcance esteja para que esta disposição do parágrafo único do artigo

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8.° da lei eleitoral seja completamente cumprido, isto para prestígio da Câmara e da própria República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações para mo referir, com a maior calma o serenidade, a uma notícia publicada no jornal O Século de hoje sob a epigrafo "Uma oferta".

Sr. Presidente: Ou quero fazer a declaração peremptória à Câmara, sob minha palavra do honra, do que não ofereci por ruim, nem por intermédio de alguém, os meus serviços profissionais a qualquer pessoa.

Declaro francamente que não ofereci os meus serviços, nem necessito recorrer a êsses processos, tratando-se, pois, o unicamente, do uma insinuação sem fundamento algum.

Ninguém mais do que eu, Sr. Presidente, respeita a imprensa, porém estou absolutamente convencido do que O Século procedeu assim em virtude de uma má informação.

A paixão transforma-se muitas vezos numa monstruosidade repulsiva ;* não só impõe, nem conquista o coração de ninguém.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Henrique Cabral: - Sr. Presidente : visto que se trata de um amigo pessoal, cujas altas qualidades só impõem ao respeito, à estima e à consideração, dirijo a V. Exa. as minhas saudações.

Do lado das bancadas nacionalistas, logo no começo desta sessão, foi levantada uma questão em que se lançou sôbre a comissão de verificação de poderes uma suspeita, ou, pior do que suspeita, uma afirmação, que se não compadece com a honestidade dos elementos que entram nossa comissão.

Apoiados.

Creio que a questão há-de ser tratada devidamente na Câmara com muitos elementos de informação.

Pessoalmente desejo que toda a discussão se faça sôbre o assunto aberta e claramente.

Nunca nos foi dirigido directa ou indirectamente pedido algum como vogais da comissão.

Todos os acórdãos que subscrevi o foram imparcialmente.

O Sr. Pedro Pita, há pouco, falou em agravos dirigidos ao seu partido e sanções a aplicar.

Falou em irregularidades de processos.

Nunca houve intuito da parte da comissão a que pertenci, e certamente da parte das outras comissões, o desejo de agravar qualquer partido que esta dentro da República.

Protesto contra quaisquer palavras acêrca de irregularidades praticadas dentro das comissões.

Sou o primeiro a desejar que se faça inteira luz sôbre qualquer facto que nelas se passasse, fazendo-se, aberta discussão sôbre os respectivos acórdãos.

Bem ou mal organizados tais comissões, elas estão dentro da lei. E se a lei é má, reforme-se.

Sob o ponto do vista jurídico tenho a opinião de que essas comissões não podem nem devem subsistir.

Mas desejo levantar aqui a afirmação do que as comissões tenham tomado deliberações com intuitos seguros de agravar o Partido Nacionalista.

E falso, absolutamente falso!

As comissões deliberaram em conformidade com o que pensam, e claramente dentro dos processos.

Prometo, pois, trazer uma elucidação completa quando a questão se discutir,

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. diz-me quando passamos a ordem do dia?

O Sr. Presidente: - Daqui a cinco minutos.

O Sr. Pedro Pita (para explicações): - Sr. Presidente: eu não disse, quando há pouco falei, que havia da parte dos membros das comissões a intenção de agravar o Partido Nacionalista.

Não estou dentro dos membros das comissões para sabor quais são as suas intenções.

Disse apenas que tinha havido um agravo ao Partido Nacionalista. Faz diferença.

Apoiados e não apoiados.

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O Sr. Henrique Cabral (interrompendo): - V. Exa. disso que uma, irregularidade praticada dentro das comissões tinha sido dirigida como agravo ao Partido Nacionalista.

O Orador: - Estou certo de que V. Exa. não ouviu o que ou disse agora, porque foi isso mesmo que eu disse.

O Sr. Henrique Cabral (interrompendo): - Isso é uma subtileza.

O Orador: - Estimo muito que o Sr A Henrique Cabral e os outros Srs. Deputados da maioria estejam de acordo em que se discuta o assunto.

Eu não pretendo fazer outra demonstração senão de que, à face da lei e dos documentos, se julgou mal. E estou no meu direito de não acreditar na infalibilidade dessas comissões.

Eu fiz a afirmação do que se julgou mal, o espero que me dêem ocasião para o demonstrar.

Mas, se isto é tam simples, se é tam sem razão da nossa parte, porque é que se não experimenta que alguém que esteja fora dos partidos olhe para o processo com olhos de ver, e diga o que lhe parece que êle é?

Nós desejamos, repito, ver discutido êste assunto, porque depois não ficam nem as minhas palavras, nem as de V. Exa.; fica o que do processo ressalta.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.

Foi lida e aprovada sem discussão a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente: - Está sôbre a Mesa um ofício do Conselho Superior de Disciplina Militar, pedindo autorização para o Sr. Maximino de Matos comparecer na sede do mesmo Conselho, e, por isso, consulto a Câmara sôbre se a concede ou não.

Consultada a Câmara, esta negou a autorização pedida.

O Sr. Presidente: - O Sr. Homem de Melo mandou para a Mesa com projecto de lei, para o qual pede urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Pedro Pita (para um requerimento): - Requeiro que o requerimento do Sr. Homem de Melo seja dividido em duas partos: urgência e dispensa do Regimento.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está aprovada a urgência.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - Peço desculpa a V. Exa., mas não está.

O Sr. Presidente: - Como há dúvidas, vai, proceder-se à contraprova.

Foi rejeitada a urgência.

O Sr. Presidente: - Está também na Mesa um pedido de urgência para o projecto de lei apresentado pelo Sr. Callem Júnior.

Os Srs. Deputados que aprovam essa urgência, queiram levantar-se.

É rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

Continuação do debate sôbre o caso do Banco Angola e Metrópole

O Sr. Elmano da Cunha e Costa: - Sr. Presidente: fiz ontem considerações nesta Câmara tendentes a justificar o voto da minoria monárquica de aprovação à proposta de lei do inquérito parlamentar, apresentada pelo Sr. Amâncio do Alpoim, pretendendo demonstrar que a descabida o infeliz intervenção do Poder Executivo nesta debatida questão do Banco Angola e Metrópole, quando outras razões não houvesse, por si só justificaria a aprovação da proposta da minoria socialista.

Na verdade, o para desde já afastar suspeições de sôbre a minoria monárquica, é preciso que todo o País saiba que quem salpicou de lama, embora pretendendo cobri-los, os directores do Banco de Portugal foi justamente o Govêrno na infelicíssima nota oficiosa que de madrugada forneceu à imprensa.

Não apoiados.

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Eu digo a V. Exas. porquê.

Foram presos dois directores do Banco do Portugal, o é preciso que só diga que a convicção posso ai sôbre a honorabilidade dalguns não condena criminosos nem absolve inocentes: é preciso ainda acentuar que quanto mais elevada é a posição dum acusado mais claramente deve ser demonstrada a sua inocência, para que não se suspeite que exactamente essa posição social servo de escudo para protecções.

Foram presos, ia eu dizendo, dois directores do Banco do Portugal, e foram presos pela entidade que tinha funções de prender, pela entidade que tinha sido encarregada de dirigir as investigações acerca do melindroso caso do Banco Angola e Metrópole. Tinham sido bem ou mal presos? Se tinham sido bem presos, com grande infelicidade, com t grande leviandade, o Poder Executivo mandou soltar êsses homens. Se tinham sido mal presos, afirmei eu ontem que há na lei penal um crime a que só chama de abuso de autoridade, e que há na lei civil os meios para se requererem as respectivas indemnizações materiais.

Mas espalhou-se por aí fora, diz-se de bôca em bôca, que o Govêrno mandou soltar os dois directores do Banco de Portugal pelo alarme que na opinião pública causou a prisão dos dois directores do Banco Emissor, e eu digo que assim mais infeliz foi a acção do Govêrno, porque o alarme foi produzido não pela prisão, mas pelas declarações da nota oficiosa, que, em português corrente, quere dizer o seguinte: "O senhor prendeu bem e eu fiz mal em mandar soltar".

Mas há neste caso do Angola o Metrópole duas ordens de criminosos, e é por isso que a minoria monárquica vota a proposta da minoria socialista. Há os criminosos de direito comum; êstes estão entregues ao Poder Judicial e não tem o Parlamento de imiscuir-se nas questões entregues a êsse Poder. Demasiado tem sido desprestigiado em Portugal o Poder Judicial! E aqui cabe dizer, respondendo ao argumento apresentado pelo Sr. Álvaro de Castro, que ainda bem recentemente o Poder Judicial foi vilmente, foi torpemente insultado nos considerandos duma lei, e nenhum dos Deputados que ontem falaram, e especialmente o ilustre leader da maioria, se referiu a essa lei. Pois o ataque ao Poder Judicial nunca se fez por uma forma mais agressiva do que nos considerandos que precedem essa lei.

A independência do Poder Judicial é, dentro d ume nação, a única e a mais sólida garantia da boa administração da justiça, e graças a Deus, Sr. Presidente, se neste enorme descalabro moral a que vimos assistindo, se o Poder Executivo por vezes tem insultado o Poder Judicial ê porque a nobreza e a altivez das decisões do Poder Judicial nem sempre tem agradado à sua política mesquinha.

Com ossos criminosos do direito comum nada leni que ver o Parlamento; mas com os criminosos de direito político, aqueles homens que, ocupando altas situações o altos cargos, pecaram, ou por acção ou por omissão, êsses cabem dentro da nossa esfera de acção.

O Sr. Vicente Barata (interrompendo): - Quem desterrou magistrados para as colónias não foi a República, foi uma ditadura franquista.

O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Barata insiste permanentemente nesta Câmara em justificar o seu apelido, mas eu. é que não contribuí em nada para que S. Exa. se chamasse Barata.

Risos.

O Sr. Vicente Barata: - Tem muita graça o Deputado monárquico!

O Orador: - Mas o seu àparte é profundamente infeliz. Quem desterrou juizes para fora foi o Sr. Afonso Costa, e desterrou-os porque os juízos da Relação de Lisboa não se serviram da Carta Constitucional, de que nessa data se serviu o Sr. Afonso Costa.

Àparte do Sr. Vicente Barata que não se ouviu.

O Orador: - Quem, depois do julgamento de 18 de Abril, fez sair um decreto que por si só ofende o espírito jurídico, um decreto que não tem considerandos, e que demite um juiz sem processo disciplinar?

A maioria que apoia o Govêrno não tem autoridade para rejeitar as minhas

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considerações de ordem jurídica. E o decreto era tara formidável que o Sr. Procurador da República, ao ser ouvido, escreveu: "Deve dar-se provimento ao recurso, atentas as alegações do requerente". E o Sr. Ministro da Guerra, sendo consultado, disse que não tinha nada a opor, sendo aliás o Ministro que subscrevera o decreto.

O Sr. Ramada Curto (interrompendo): - Já que está com as mãos "na massa", poderia também referir-se às últimas deportações feitas sem julgamento.

O Orador: - Sim, senhor.

Sendo as colónias território nacional - e hão-de sê-lo em quanto todos nós formos portugueses - quem deportou êsses homens fê-lo à sombra de disposições legais.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Porque não vai V. Exa. para lá?

O Orador: - Estou pronto quando V. Exa. me queira acompanhar. Lá poderemos montar o nosso escritório de advocacia e tirar bons proventos, graças ao seu talento privilegiado.

Mas dizia eu que essas deportações haviam sido feitas à sombra de disposições legais. Se assim não é, então exijam V. Exas. explicações às autoridades da República, e não a nós.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Nessa parte tem V. Exa. razão.

O Sr. Ramada Curto: - Desculpe-me V. Exa. Foi apenas uma interrupção inocente.

O Orador: - Nem eu posso tomar senão como inocente uma interrupção vinda de V. Exa., cuja inocência está universalmente comprovada.

Risos.

Voltando ao assunto, lembro que, segundo se diz, as notas estavam destinadas a uma circulação fiduciária clandestina nas colónias.

Eu pregunto, Sr. Presidente, se são falsas essas notas que foram postas em circulação, por uma gente que se alcunha de falsificadora, não seriam falsas as outras lançadas, sem conhecimento da nação e do Govêrno, na província de Angola?

Mais uma vez, Sr. Presidente, mais e sempre o sistema de iludir a nação.

Mas, Sr. Presidente, se na verdade era um segredo de Estado, se êsse segredo de Estado tinha sido transmitido pelo Govêrno à casa Waterlow & Sons, Limited, eu pregunto a V. Exas. como é que êsses homens, que fazem parte dessa famigerada quadrilha de falsificadores, como se diz, puderam tomar conhecimento dêsse segredo de Estado?

Êste, Sr. Presidente, é um dos casos que se pretende averiguar, partindo do princípio de que as notas são falsas, quando o processo visa exactamente êsse fim.

Eu também não compreendo, Sr. Presidente, como é que o Ministro de Portugal em Inglaterra, sôbre o qual pesam graves acusações, ainda esteja ocupando o seu lugar para desprestígio da nação.

Não compreendo também, Sr. Presidente, a atitude do Banco de Portugal, tendo anunciado a troca das notas de 500 escudos, sem prazo, assim como não compreendo que se tenha adoptado um processo diferente daquele que se adoptou para as notas de 50 centavos.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Porque essas representavam o dinheiro dos pobres.

O Orador: - Não compreendo, repito, nem posso admitir esta diferença de tratamento, quando é certo que quem possui uma nota de 500 escudos pode em regra, mais fàcilmente suportar êsse prejuízo, do que aquele que possui três ou quatro notas de 50 centavos.

Eu pregunto, Sr. Presidente, quem é que; vai suportar êste prejuízo?

E o Banco de Portugal? Abrirá falência? É o Govêrno?

A que título o com que autorização?

Quando ouviu a nação, quando se ouviu o Parlamento sôbre isso?

Se o fez, se tomou esta resolução antes da abertura do Parlamento, porque é que depois dele aberto, não veio dizer à nação: "fizemos isto e vimos preguntar se mantêm ou não o nosso critério".

Mas, Sr. Presidente, quando nós levantamos esta questão ou qualquer de tantas

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outras que reputamos escandalosas, quando nós verberamos o procedimento que tem havido para com os acusados, respondem-nos sistematicamente com esta ária da Pátria e a República, que não convence já ninguém o só deprime os homens que ocupam situações do destaque e que devem qualquer cousa à sua própria dignidade e um pouco de consideração à bua inteligência.

Ainda ontem o ilustre Deputado Sr. Paiva Gomes, respondendo à minoria monárquica, veio dizer que os escândalos que nós apontamos o que sistematicamente atribuímos à República, são actos criminosos cujas responsabilidades devem caber aos seus agentes e não ao regime republicano.

E eu respondo a S. Exa.: se são tam graves e frequentes os escândalos e tam graves também as consequências deles, se assistimos todos os dias a uma impunidade constante de todos os pretensos acusados, ou tenho de dizer que a impressão da opinião pública é de que há uma capa na República para encobrir êsses criminosos.

S. Exa. não pode atribuir à dinastia de Avis os crimes que se tem dado desde 1910 para cá.

Argumenta-se ainda contra as propostas do Sr. Amâncio de Alpoim, que as comissões de inquérito parlamentar não tem dado resultados alguns. Concordo. Não é porém um argumento.

Porque é que elas não tem dado resultados?

Primeiro porque as comissões não tem trabalhado devidamente, o a preguiça nunca foi argumento, nem para condenar, nem para salvar uma questão.

Porque faço eu a afirmação de que as comissões não trabalham?

E porque num processo, em que tive de intervir como advogado, verifiquei que as reuniões das comissões parlamentares de inquérito se realizaram, por vozes, com intervalos de seis e oito meses!

Porque é que as comissões do inquérito ainda não deram resultado? Porque o Parlamento, inadvertidamente ou na pressa de fazer votações, não soube cercar estas comissões dos poderes o meios indispensáveis para elas bem poderem realizar a sua missão.

Ainda ontem aqui eu citei um facto.

A comissão do inquérito aos Transportes Marítimos do Estado deram-se poderes de juizes instrutores de processo até à fase do julgamento, esquecendo-se do que, para haver pronúncia, é preciso que haja um Delegado do Ministério Público. E de repente, a comissão viu-se diante do embaraço de não ter Ministério Público para promover a pronúncia dos acusados.

Cerquem-se as comissões dêsses meios e eu estou certo que, desapaixonadamente, visto que nelas são representadas todas as correntes, hão de descobrir-se os verdadeiros culpados desta cousa monstruosa na história do nosso país o talvez mesmo na história da humanidade.

Como deve ser votada a proposta dos ilustres Deputados socialistas?

Aprovando-a conjuntamente com a moção que tive a honra de mandar para a Mesa, isto ó: a comissão de inquérito parlamentar diz apenas respeito e trata apenas dos casos a que poderemos chamar, um pouco impropriamente, de origem política; trata de investigar as responsabilidades que os homens públicos, quer por acção, quer por omissão; praticaram directa ou indirectamente neste complicadíssimo, cada vez mais complicado caso do Banco Angola e Metrópole.

A responsabilidade de criminosos do direito comum não cabe adentro da esfera do Parlamento. Não devemos mais desrespeitar o Poder Judicial.

Pessoalmente, portanto - e a minoria monárquica, pela boca do seu leader também já o afirmou - eu votarei a proposta do Sr. Amâncio de Alpoim, mas com a restrição de que as funções da comissão dizem respeito apenas a averiguar as responsabilidades dos funcionados públicos, seja qual lêr a sua situação política, por mais elevada que seja e que ao Parlamento essa comissão dará depois conta dos seus trabalhos, assim mostrando à nação que há vontade de trabalhar e do defender a sua honra mais do que nunca hoje ultrajada.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom, muito bem.

Os "àpartes" não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

Moção

A Câmara dos Deputados, entendendo que é da maior oportunidade e conve-

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niência que se realize um inquérito parlamentar para apuramento das responsabilidades dos casos que politicamente se ligam com o Banco Angola e Metrópole, afirma o seu maior respeito pelo Poder Judicial. - Ermano de Morais da Cunha e Costa.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: cumprindo o Regimento, leio a minha

Moção

A Câmara, reconhecendo que o Poder Legislativo deve manter-se sempre, quanto à vida de relação com os outros Poderes do Estado, na posição que a Constituição da República define, afirma a sua decidida vontade de que, com a maior brevidade, se averiguem, no caso do Banco Angola e Metrópole, todas as responsabilidades, caibam a quem couber, e se faça inteira justiça, e passa à ordem do dia. - Manuel José da Silva.

Sr. Presidente: é a primeira vez que falo na Câmara dos Deputados, nesta sessão legislativa. Cumpro, pois, o dever de apresentar a V. Exa., Sr. Presidente da Câmara, as minhas homenagens pessoais, felicitando-o pola alta honra que a Câmara dos Deputados a V. Exa. concedeu, elegendo-o seu Presidente.

A todos os parlamentares, desde a extrema esquerda desta Câmara à extrema direita, envolvendo, não só aqueles com quem mantenho relações pessoais, mas até mesmo aqueles que nesta Câmara cometeram já a descortesia de se afirmarem inaptos para saudações, apresento os meus respeitosos cumprimentos, afirmando a todos a minha inabalável disposição de a todos dar, na alta missão que nos incumbe, a colaboração leal...

O Sr. António Cabral: - Eu não pratico aqui descortesias, nem permito a ninguém que faça tais afirmações. Não confunda V. Exa. o que é um acto político, uma afirmação política, com uma descortesia política, que eu seria incapaz de praticar aqui dentro da Câmara ou em qualquer outro lugar!

Apoiados da extrema direita.

Vozes: - Mas então quem é que tem a palavra?

O Orador: - Sr. Presidente: se não bastassem as palavras há dias proferidas pelo leader da minoria monárquica, por ocasião da posse do V. Exa. do lugar de Presidente desta Câmara, bastava o facto que agora se verifica: é uma descortesia interromper um orador sem lhe pedir licença!

Apoiados.

O Sr. António Cabral: - Descortesia está-a praticando V. Exa.! (Apoiados e não apoiados). Temos de nos respeitar mutuamente! Eu não falto ao respeito a ninguém, e não permito, portanto, que me faltem ao respeito a mim! Tenha V. Exa. a certeza disso!

O Sr. José Vicente Barata (em àparte): - E que para V. Exas. há direitos especiais!...

Risos.

O Sr. António Cabral: - V. Exa. está lá na sua escola!...

O Sr. José Vicente Barata: - Onde me acostumei a ser educador, e é por isso que assumo esta atitude com V. Exa.! Se V. Exa. tivesse passado pela minha escola tinha, outros processos!

Vozes: - Ordem, ordem!

O Sr. Presidente: - A ninguém é permitido interromper um orador.

Apoiados.

O Sr. António Cabral: - Mas eu pedi licença para interromper. Não admito, portanto, que estejam a dizer cousas que não são verdade!

Apoiados da extrema direita.

O Orador: - Por intermédio de V. Exa., Sr. Presidente, eu desde já concedo ao Sr. António Cabral o direito de me interromper sem pedir licença... Mas antes das minhas palavras, é descortesia - classifiquei bem - o interromper-se, mesmo pedindo licença, sem que eu tenha concedido permissão para tal!

Apoiados.

Sr. Presidente: as pessoas que, como eu, ocupam na Câmara uma situação de

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independência política, tem o dever o vêem-se forçados, muitas vezes, a ter do emitir a sua opinião pessoal a propósito dos assuntos, quando é certo que várias vezos, como agora só dá comigo, o seu ponto do vista pessoal nada valha.

Não apoiados.

Não é êste o momento de ou definir qual a minha posição política dentro desta Câmara. Reservo-me para o fazer em momento mais oportuno. No emtanto, ao intervir neste debate, entendo que devo fazer desde já estas afirmações. Republicano, trazido a esta Câmara por votos de republicanos, de todos os republicanos de um distrito, entendo que o meu lugar, além do todas as responsabilidades que envolvo o mandato de Deputado, tem mais esta que quero afirmar bem alto: é que tenho do manter-mo, em relação aos partidos do regime, na posição que um republicano, que só deseja ver que todos trabalhem no sentido do dignificar a República e a instituição parlamentar, devo manter sempre, sem acirrar ódios o, pelo contrário, procurando desfazer atritos.

Apoiados.

Ao assistir ao início dos trabalhos parlamentares, confesso a V. Exa. e à Câmara, que ou vi baquearem algumas das esperanças de que ora portador. Tive a impressão de que êste Parlamento, trabalhando sempre pela mesma forma como começou os seus trabalhos, estaria inferior a missão que lhe incumbo. Em Portugal, como em toda a parte do mundo, fazem-se graves acusações aos Parlamentos, porque êstes, pela sua maneira do trabalhar, não acompanham a vida social, complexa, por vezes, em certos aspectos, com a celeridade, com a concomitância de esfôrços com que a vida social se desenrola.

Entendo que os parlamentares, para só honrarem, tem, acima do tudo, de trabalhar depressa.

As duas primeiras sessões da Câmara deixaram-me uma desoladora impressão, cedo, bem cedo, porém, desfeita.

Assisti ontem ao desenrolar dos trabalhos da Câmara, e senti bem a honra e o orgulho de ser republicano o Deputado da nação? Os leaders dos partidos o pessoas que tem no moio político uma alta representação, porque são valores indiscutíveis, aqui se pronunciaram ontem, e estiveram bem à altura daquelas responsabilidades que tolos temos perante o país!

Apoiados.

A minoria nacionalista, constituída por dois grandes valores mentais (Apoiados), que marcam, sobretudo nesta torra onde a elite de valores não é grande, com a sua intervenção neste debate, teve uma grande virtude. Primeiro: mostrar perante a Câmara, perante o país a som razão, a não verdade da política monárquica, que os monárquicos pretendem fazer em torno desta Câmara.

Já ontem pela boca do ilustre Deputado Sr. Pedro Pita foram feitas as mesmas críticas.

No emtanto é preciso ir buscar à imprensa a afirmação, que é desmentida pela atitude do Parlamento.

Vou fazê-lo.

O Correio da Manhã, do dia 21 de Dezembro, dizia o seguinte:

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? V. Exa. é assinante?

O Orador: - Não sou assinante, Sr. Carvalho da Silva; mas costumo ler o Correio da Manhã e dessa leitura fica me a impressão do que um dos seus mais assíduos colaboradores é o Sr. Carvalho da Silva. Ainda mais: é que leio o Correio da Manhã precisamente para, como republicano, em todos os momentos, ir lá rebuscar a mentira de que se serve a política monárquica (Apoiados) e apresentar-lho o devido desmentido.

Dizia o Correio da Manhã;

Leu.

Ouvi uma afirmação, como se fôsse saída da própria boca, do que os republicanos da Câmara, em questão do alta moralidade como esta, querem que justiça e inteira luz se faça.

Esta é a primeira virtude da proposta do Sr. Amâncio do Alpoim.

Unia outra, que é preciso pôr em. destaque, é que os republicanos, enveredando por vezes por caminhos de minúsculas o mesquinhas questões, desde que se trate dum alto interesso nacional, se dão as mão se avançando uns e outros por essa terra de ninguém, contra os próprios monárquicos.

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O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - V. Exa. está enganado.

O Orador: - O outro artigo do Correio da Manhã de ontem refere-se a uma sessão das Juventudes Monárquicas Conservadoras, e vejo esta indicação: - "não tenham a sanção oportuna".

Tem-no como V. Exa.? vão ver, felizmente.

Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.

Risos.

O Orador: - Questões destas não se tratam com ironias.

Apoiados.

Levo V. Exa. para as colunas do Correio da Manhã os seus interessantes apartes, que êle os conduza até à opinião monárquica, mas não esteja V. Exa. a perturbar os trabalhos parlamentares.

Apoiados.

Felizmente que foi tardia a leitura que fiz do Correio da Manhã, porque se a minha intervenção se tivesse dado há mais tempo teria evitado que o Sr. António Cabral falasse nesta Câmara, e foi bom que S. Exa. falasse.

S. Exa. falando nessa sessão das "Juventudes Monárquicas", entre outras cousas, que me dispenso de apreciar, disse o seguinte:

Leu.

Sr. Presidente: uma frase destas saída da boca dum homem que ocupa um lugar nesta Câmara, e que até hoje ainda não a desmentiu, tem um significado que nenhuma consciência honesta pode deixar passar, fazendo recair sôbre a cabeça de quem a proferiu o justo e merecido castigo.

Apoiados.

Mas, dizia eu, foi bom que a minha intervenção se não tivesse dado.

Foi bom porquê? Vou dizê-lo à Câmara.

O Sr. António Cabral, falando aqui ontem, disse o seguinte:

Leu.

Sr. Presidente: um homem que na véspera, numa sessão onde estavam fanáticos, teve a afirmação de que o Parlamento era um "covil de miséria", mas que no dia seguinte veio para aqui trazer o seu voto de confiança ao Parlamento querendo que êle nomeasse uma comissão de inquérito, deixa-nos na dúvida de quando é que as suas ideias traem a sua consciência.

O Sr. António Cabral: - Logo lho direi!

O Orador: - Continua a interrupção sem me ser pedida licença; continua, pois, a descortesia.

Apoiados.

O Sr. António Cabral: - V. Exa. é que é muito descortês, porque toda a gente autoriza àpartes.

O Orador: - Mas sou eu que estou com a palavra!

O Sr. António Cabral: - Então, permita-me agora V. Exa. uma interrupção.

Pregunto a V. Exa. o que é que está em discussão: é o caso do Angola e Metrópole ou o que se passa no Correio da Manhã e nas "Juventudes Monárquicas"?

V. Exa. está justificando a minha frase.

O Orador: - Sr. Presidente: nesta Câmara, onde vivi durante três anos e no período mais agudo da política portuguesa, nunca da minha boca saiu um agravo fôsse para quem fôsse; e, no emtanto, levado pelos meus princípios, levado pelas altas conveniências da República, exerci sempre o meu direito de crítica, por vezes com violência, mas sempre com respeito para aqueles que tinham opiniões opostas às minhas.

Era incapaz de ir buscar o Correio da Manhã, ou fôsse o que fôsse, para a discussão; mas hoje, antes de tratar do assunto da ordem, em que vou já entrar, entendi dever fazer esta referência, para que os monárquicos não julguem que não levantamos afirmações destas por medo, nós que éramos capazes de pegar pela gola do casaco do Sr. António Cabral e, em quanto S. Exa. não tivesse desmentido aquelas palavras, levá-lo para fora do Parlamento.

O Sr. António Cabral: - Venha V. Exa. fazê-lo, se é capaz!

O Orador: - Sou capaz; espero apenas que V. Exa. mantenha no seu lamentável

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significado a expressão do Correio da Manhã.

Apoiados.

Sr. Presidente: pela maneira como decorreram ontem os trabalhos parlamentares, os republicanos do todos os partidos deram a certeza ao país de que querem que esta questão se ventile completa mente e que se apurem todas as responsabilidades, sejam de quem quer que sejam.

De cada partido falou um homem, o do Partido Monárquico já falaram três; isto é que representa falta de homogeneidade ou intenção do perturbar os trabalhos. Já passámos nina sessão e outra se vai passar em questões em que não há interêsse.

Quando em 1919 se apresentou uma proposta para a criação de uma comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, o extensiva a outros Ministérios, fui um dos parlamentares que votaram essa comissão, embora eu tenha a certeza de que as comissões de inquérito não dão nada; mas seja como fôr, o Parlamento, votando as moções que lhe forem apresentadas, cumpre o seu dever.

O Parlamento já fez esta antecipação do voto: que autoriza a justiça a vir aqui buscar algum membro do Parlamento, na hipótese de ser encontrado como conivente.

O Parlamento assim colocou-se à altura da situação, e deu a justa e merecida resposta a êste artigo do jornal monárquico O Dia.

Leu.

Sr. Presidente: todos nós republicanos temos a certeza de que a República vive da verdade para a verdade, e deixe-me V. Exa. dizer que cada vez mo sinto mais orgulhoso de ser republicano, e cada vez mais me honro em ser Deputado da Nação.

Tenho dito.

Muitos apoiados.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os "àpartes" não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: muitas vezes falei nesta Câmara com a veemência da mocidade que então tinha e hoje infelizmente já me falta, mas nunca fui chamado à ordem pela Presidência.

Nunca nenhum Presidente desta Câmara, e tive-os muitos, teve ensejo do me convidar para eu retirar qualquer palavra que tivesse pronunciado ou do explicar qualquer frase.

E porquê?

Porque nunca pus nas minhas palavras agravo nem ofensa ou qualquer cousa que mostrasse menos respeito pela Câmara!

Quem assim procedo tem o direito do se sentir magoado com um colega, que no propósito de agravar, afirmou que eu tinha a intenção de praticar uma descortesia.

Com que direito se procede assim para comigo?

Sou velho, sou de outro tempo, daquele tempo a que se referiu há pouco o meu ilustre colega Sr. Conde de Águeda, chamando-lhe saudoso.

Nesse tempo todos nos respeitavam uns aos outros e para aqui não trazíamos nem ofensas nem descortesias.

Mas são diferentes os tempos e são diferentes os costumes.

Êste desgraçado regime tudo transformou nesta Pátria, trazendo para o Parlamento palavras de ódio, e não digo do descortesia para não empregar o termo que contra mim foi empregado.

Doeu-me o maguou-me êste facto, porque, quem tem procedido como eu, merece mais um pouco de respeito daqueles que tem cabelos pretos.

Como se porventura aqui no Parlamento pudesse vir à discussão aquilo que dizem os jornais, as opiniões que nos jornais se escrevem, o não houvesse apenas a discutir as opiniões que aqui se traduzem pelas palavras dos representantes da nação!

Já ontem tive ocasião de dizer que nós aqui respondemos pelas palavras que aqui proferimos, lá fora nos jornais monárquicos responderemos pela boca ou pena dos seus redactores, pelas palavras que naquelas colunas se imprimam.

Aos jornais monárquicos podem responder nas suas colunas os jornais republicanos.

Pelo que dizem os jornais monárquicos, não tem ninguém nesta Câmara o direito de pedir explicações a quem se senta dêste lado, a não ser porventura por algum artigo assinado por quem quer que ocupe um lugar nestas cadeiras.

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Mas, Sr. Presidente, todas as praxes estão transtornadas, com mágoa o sentimento profundo vejo transtornados todos os bons princípios.

Vejo pedir explicações pelo que escreve a imprensa, a quem porventura nem conhecimento tem dessas palavras.

Com que direito se faz isto?

Para quê, senão para desviar as atenções do Parlamento o da nação de uma questão como esta, que posa sôbre o regime como chumbo, porque o regime está envolvido nos ta questão desastrada.

Uma voz: - Não apoiado.

O Orador: - Podem V. Exas. dar quantos não apoiados quiserem.

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Quando V. Exas. ou pelo menos outros republicanos, porque V. Exas. ainda seriam muito novos nesse tempo, quando V. Exas. trataram no Parlamento o nas colunas da imprensa republicana da questão do Crédito Predial, que nem de longe só assemelha a esta, a quem atribuíram V. Exas. a responsabilidade?

À Monarquia.

Uma voz: - Aos homens principais da Monarquia.

O Orador: - V. Exas. sabem que há sentenças do Poder Judicial já depois da República...

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Mas digam-mo V. Exas. serenamente: £0 que tinham êsses homens principais da Monarquia com um alcance vulgar o que sucedo a cada passo?

O Sr. Pires Monteiro: - E o que têm os homens da República com as notas falsas?

O Sr. Cunha e Costa: - Quais notas falsas?

O Orador: - O que digo é que V. Exas. atribuíam a culpa de um alcance do dois empregados menores do Crédito Predial à Monarquia, quando nesse caso não havia ninguém envolvido que na Monarquia tivesse uma posição de relevo.

Êsse alcance de empregados menores sucedo a cada passo nos Bancos, nas casas bancárias, nas casas comerciais.

Porventura o regime tem culpa disso?

Uma voz: - E que culpa tem o regime republicano dêste caso das notas falsas?

O Orador: - Digo eu que êste escândalo do Banco Angola o Metrópole recai sôbre o regime, porque nêle andam envolvidos homens de grande relevo no regime republicano.

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Deixem-me V. Exas. prosseguir e não mo distraiam do fio das minhas considerações.

A verdade, ia eu dizendo, é que parece querer distrair-se a atenção do Parlamento e da nação dêste crime gravíssimo, que está apaixonando o país inteiro.

As palavras proferidas pelo orador que me precedeu pareceram destinadas a desviar a atenção do Parlamento e da nação do caso de que se trata, porque S. Exa. tratou de tudo, menos da questão do Angola e Metrópole.

Que tem com esta questão aquilo que se passa nas sessões particulares das Juventudes Monárquicas Conservadoras? Pois S. Exa. tratou disso, tratou dos artigos do Correio da Manhã, do Dia, e não tratou da questão do Angola e Metrópole. S. Exa. até já se referiu a umas palavras que eu proferi, ou que o Correio da Manhã publicou, como proferidas por mim na reunião das Juventudes Monárquicas, de que o Parlamento era um "covil de misérias".

Sr. Presidente: a minha experiência do velho parlamentar fez-me convencer de que o Parlamento era um dos travões mais perniciosos q ao havia para os legítimos interêsses da nação; essa convicção arreigou-se no meu ospíriíor e hoje, anti-parlamentar como sou, embora aqui ocupe um lugar imposto pelo meu partido, e eu tenho de ocupar todos os lugares e postos impostos pelo meu partido contra a República, essa opinião está hoje mais arreigada no meu espírito, e, se não estivesse, ela se me arreigaria mais profundamente depois de sessões lamentáveis, a que não sei só o Sr. Depu-

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tado que mo procedeu assistiu, o se não assistiu, leu nos jornais, sessões absolutamente impróprias, não digo já dum Parlamento, mas de qualquer assemblea.

Sr. Presidente: eu li nos jornais, o não quero agora fazer um estendal de factos, porque estou no uso da palavra para explicações, li nos jornais, com todas as letras, que um Sr. Deputado, que não sei se está presente, no ano passado, ao findar o seu discurso aqui nesta casa, empregou uma palavra que a decência me não permito repetir.

Tareco que êsse Sr. Deputado disso que sentia subir por êle anima uma onda daquilo que eu não posso dizer à Câmara. Que chama a isto o ilustre Deputado que me precedeu no uso da palavra? E uma cousa prestigiosa para o Parlamento ou é uma miséria?

Além disso, embora u ao os tenha presenciado, tenho visto relatados em jornais vários agravos, vários insultos aqui praticados.

Um àparte: - E nunca se deu tal cousa no tempo da Monarquia?

O Orador: - Mas eu estou a dizer a V. Exas. que foi justamente tudo isso que em mim tornou arreigadas as minhas convicções anti-parlamentaristas.

Sr. Presidente: não faço ao Sr. Deputado que me precedeu a injúria que mo fez, chamando-me descortês. Tal não sou, nem o quero ser; e, porque assim é verdade, eu não quero supor que S. Exa. aplaude as scenas a que me referi, assim como muitas outras a que não posso aludir.

S. Exa. que interrogue a sua consciência para que ela lhe diga que classificação tais scenas merecem.

Trocam-se vários àpartes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Cabral: V. Exa. já esgotou o tempo que, pelo Regimento, se deve considerar necessário para explicações. Não quero estabelecer excepções a tal respeito; portanto, peço a V. Exa. que resuma as explicações que deseja prestar à Câmara.

O Orador: - Sr. Presidente: terminarei ràpidamente. Devo, porém, dizer a V. Exa. que não posso permitir, como ontem já acentuei, que aqui se peçam explicações pelo que a imprensa diz, desde que os respectivos artigos ou notícias não sejam assinados pelas pessoas que aqui tem assento, e a quem tais explicações só queiram exigir,

Um àparte do Sr. Francisco Cruz.

O Orador: - Mas quem tem a culpa? Somos nós ou é a imprensa?

V. Exas. estão a inverter os princípios que sempre aqui foram seguidos, segundo os quais quem aqui se senta não é responsável pelo que na imprensa só diz, tanto mais que todos os jornalista da imprensa monárquica tem a hombridade bastante para assumir as suas responsabilidades.

De resto, o que se escrevo nos jornais sôbre discursos proferidos em assembleas públicas não assenta em notas taquigráficas, mas sim em ligeiros apontamentos tomados por repórteres que muitas vezes atribuem aos oradores palavras muito diferentes das que êles proferiram, mas que supuseram ter ouvido. E eu, Sr. Presidente, já nem má lembra do que disso ao princípio desta minha oração quanto mais do que disso há dias.

Vários àpartes.

O Orador: - Estou manifestamente a abusar da atenção da Câmara. Termino, portanto, mas na certeza de que ainda teria bastante que dizer. Assim, Sr. Presidente, limitar-me hei agora a repetir que não consentirei que me exijam explicações pelo que a imprensa diz, pois que acima de tudo que me queiram atribuir estão a minha consciência o a minha dignidade.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor de me dizer quantos Srs. Deputados estão inscritos sôbre a ordem.

O Sr. Presidente: - Estão três.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Invocando o artigo 62.° do Regimento, como apre-

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sentante da proposta em discussão, peço a V. Exa. que me seja concedida a palavra depois de usarem dela os três Srs. Deputados que estão inscritos.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Devo observar que, quando algum Sr. Deputado usa da palavra para explicações, deverá fazê-lo do uma maneira sóbria, como determina o Regimento, de modo que a Presidência não tenha que chamar a atenção para a observância de tal disposição regimental.

O Sr. Manuel José da Silva (para explicações): - Sr. Presidente: como sempre, o meu procedimento não desmentirá o meu dever de respeitar o Regimento.

Usei da palavra para marcar, no exercício do um direito, a minha posição em referência ao problema que se debate.

Essa posição, suponho, ficou definida na minha moção e nas minhas considerações.

No decurso delas, revelei à Câmara que um Sr. Deputado, aqui presente, declarara numa reunião política - era o próprio órgão da sua cansa a afirmá-lo - que considerava o Parlamento um "covil de misérias".

Êsse Sr. Deputado, no uso de um direito, que eu não quero porque não posso contestar-lhe, chamou-me para um campo do qual não fujo, no qual estou.

S. Exa. pediu a palavra para explicações, e toda a Câmara supôs que êsse pedido de palavra seria para levar a toda a imprensa e, por intermédio dela, a todo o país, a sua aquiescência ou a sua negativa em relação às palavras que lhe foram atribuídas.

S. Exa. falou, saltando por cima do Regimento, e não respondeu à pregunta que eu lhe fiz.

A minha pregunta foi clara e categórica, e exige portanto uma resposta simples e lacónica.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - A minha resposta é simples:

Não reconheço a V. Exa. o direito de me fazer preguntas sôbre escritos de que irão tenho a responsabilidade.

Reconheço lhe o direito de me pedir todas as explicações sôbre palavras que eu aqui profira ou sôbre artigos que tenham a minha assinatura pôr baixo, mas nunca sôbre palavras de que não tenho a menor responsabilidade ou sôbre cousas que os jornais escrevem, de que nem sequer muitas vozes tenho conhecimento.

Êstes é que são os bons princípios.

O Sr. Santos Silva (interrompendo): - Não disse. Não disse.

O Sr. António Cabral: - Eu não estou a dizer que disse, nem a dizer que não disse.

Eu não tenho a responsabilidade do que se escreve no Correio da Manhã.

O Orador: - Pela resposta, fico sciente que â imprensa do país interpreta essa resposta como deve ser interpretada, na certeza de que, e para estabelecer confronto, é que se amanhã na imprensa me fôr atribuída qualquer frase, que envolva para mim responsabilidade, eu a negarei ou confirmarei.

Apoiados.

O Sr. António Cabral: - Está no seu direito.

O Sr. Vicente Barata: - Na obrigação que lhe impõe o seu carácter.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os "àpartes" não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Joaquim Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: em primeiro lugar para V. Exa. e para todos os membros que compõem êste Parlamento as minhas mais sinceras saudações.

E, cumprindo esta praxe parlamentar, entrarei imediatamente no debate, lendo a minha

Moção de ordem

Considerando que pertence às autoridades policiais e judiciais investigar acerca de todos os crimes e instruir os respectivos processos;

Considerando que compete ao Poder Executivo providenciar para que todas as autoridades o magistrados cumpram com o seu dever;

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Considerando que ao Parlamento compete manter ou retirar a confiança ao Poder Executivo, usando para isso do direito do fiscalização dos actos praticados pelo mesmo Poder, no exercício das suas funções;

Considerando que ao Poder Legislativo compete habilitar, em casos excepcionais, qualquer dos outros poderes com faculdades mais amplas do que aquelas que lhes concedem as leis vigentes;

Considerando, finalmente, que o Parlamento possui, comissões permanentes de inquérito parlamentar, às quais pode ser confiada a investigue ao para efeitos parlamentares do qualquer assunto que se relacione com a vida pública:

A Câmara aguarda serenamente que, no caso do Banco de Angola e Metrópole, iodas as autoridades e poderes cumpram o seu dever, pronta a auxiliar, dentro das suas atribuições, a investigação o julgamento do referido caso, de forma que sejam descobertos e punidos todos os responsáveis, e outrossim espera que a presente crise política seja resolvida de forma a dar ao país e ao Parlamento inteiras garantias de que, dentro das suas atribuições, o novo Govêrno exigirá a completa averiguação do mesmo escandaloso caso. - Joaquim Dinis da Fonseca.

Na moção que acabei de ler, procurou à minoria católica sintetizar a sua forma de ver sôbre a questão que está em debate.

Pouco tempo tomarei à Câmara, o começarei por lastimar que um debate, que de alguma forma devia prender a Câmara, para que a sua solução fôsse rápida, dando à opinião pública a impressão nítida de que queremos levantar o crédito do Parlamento e facilitar por todas as formas as necessárias investigações, se arrasta há quarenta e oito horas, intercalada de todas as questiúnculas!

Procurarei levar o menor tempo possível, expondo, por assim dizer telegráficamente, o que penso sôbre, a questão.

Creio que em volta dêste escandaloso caso do Angola e Metrópole nós temos de distinguir duas categorias de responsabilidades.

Responsabilidades criminais e responsabilidades de ordem política, e é em face destas duas categorias, que temos de ver qual a nossa atitude, perante as investigações que já começaram, e que devem prosseguir até ao apuramento e castigo exemplar de todos os responsáveis.

Qual devo ser a atitude do Parlamento?

E sôbre êste ponto que nos temos do pronunciar neste momento.

Qual a atitude do Parlamento em face da responsabilidade criminal?

É jurídico, e não me parece que outra cousa se possa supor, que à polícia e ao Poder Judicial compete averiguar inteiramente, formar o processo e julgar até final.

Se, porventura, em virtude da importância do escândalo, se reconhecer que as leis vigentes não dão a êsses organismos os necessários poderes, ao Parlamento compete dar faculdades excepcionais, só entender que elas são precisas.

Mas, em quanto isso não fôr pedido, substituir por uma comissão parlamentar de inquérito aqueles poderes que a Constituição estabelece, parece-me que não é jurídico, nem sequer a Mesa da Câmara poderia admitir semelhante proposta.

O estabelecimento dessa comissão seria ineficaz, inoportuno e contraproducente.

Seria ineficaz porque a averiguação das responsabilidades políticas só à Câmara pertencem.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - A averiguação das responsabilidades políticas está ligada à averiguação das responsabilidades criminais.

Se a Câmara não averiguar as segundas, não poderá apreciar as primeiras o então temos a repetição do caso dos 50 milhões.

O Orador: - V. Exa. tem uma certa razão entre essa ligação que existo, mas o que eu queria ora que o Parlamento começasse por tornar efectiva uma lei de responsabilidade criminal, para aqueles que abusam do Poder.

Apoiados.

Assim é que só devia fazer.

Agora, Sr. Presidente, atirar-se com o caso para o caminho de uma comissão de inquérito, não concordo.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Essa lei de responsabilidade seria

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também constitucional, porque a Constituição estabelece que o julgamento dos crimes deve ser feito em virtude de lei anterior e pela forma por ela prescrita.

O Orador: - Essa lei devia estar há muito tempo em execução.

Apoiados.

O que V. Exa. disse refere-se ao direito substantivo e não ao direito adjectivo.

V. Exa. esqueceu-se neste momento dos seus altos conhecimentos de advogado.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - É o n.° 3.° do artigo 21.° da Constituição que o diz.

O Orador: - Esse artigo não é contrário a esta doutrina. E uma das responsabilidades políticas que impende sôbre todos nós que constituímos o Parlamento é não termos dado execução efectiva a êsse artigo.

O que eu queria era habilitar o Poder Judicial com uma lei que lhe permitisse punir os abusos do Poder, lei esta que, nos termos da Constituição, devia existir, mas que afinal não existe.

Por conseguinte, os principais responsáveis somos nós, que não demos cumprimento àquilo que a Constituição preceitua.

E, Sr. Presidente, o caso do Banco de Angola e Metrópole veio mais uma vez mostrar-nos a necessidade absoluta que há de fazer a separação radical entre os negócios e a política, que, tantas vezes, andam por tal forma ligados que não há possibilidade de averiguar depois onde começa o negociante e onde acaba o político.

Muitos apoiados.

Emquanto isto se não fizer, não é fácil descobrir, e muito menos punir, aqueles que, valendo-se dessa confusão, fazem "altos negócios", que são as palavras modernas que se empregam para designar certos furtos.

Apoiados.

São, pois, estas as razões por que eu discordo da nomeação de uma comissão de inquérito parlamentar.

Evidentemente que eu quero que o Parlamento vigie a comissão do inquérito para averiguar das responsabilidades políticas ou se houve negligência por parte dos comissários do Govêrno ou do Conselho Bancário, que tinham obrigação de zelar os interêsses do Estado, que é o crédito do país.

Agora resta-me justificar a última parte da minha moção.

Nas democracias quem governa é a opinião pública, e compete ao Parlamento evitar que ela se desnorteie. Precisamos orientar a opinião pública, para que não se escapem os maiores criminosos e se concentrem as responsabilidades em dois ou três.

O que é escandaloso é que fique impune êste crime, como em tantos outros cujas responsabilidades nunca são apuradas.

Vai constituir-se o novo Govêrno; não sei quem seja, mas, nesta hora difícil para a vida nacional, é preciso que o novo Govêrno dê garantias da sua imparcialidade para esclarecimento completo dêste caso e nas nossas mãos está o fazer que êsse Govêrno seja o que deve ser. O Parlamento deve declarar que acima dos interêsses partidários devem pervalecer os interêsses da nação.

Esta será a suprema função do Parlamento exigir de alguma forma que o Govêrno que venha a sentar-se naquelas cadeiras seja um Govêrno que dê ao Parlamento e ao país completas e inteiras garantias.

Tal é, Sr. Presidente, a minha modesta opinião.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, guando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim não fez a revisão dos seus "àpartes".

O Sr. Mário de Aguiar (sobre a ordem): - Sr. Presidente: nos termos do Regimento mando para a Mesa a moção que passo a ler:

"A Câmara, reconhecendo a urgência e necessidade de punir todos os criminosos que tomaram parte no escandaloso caso do Banco de Angola e Matrópole, confia no Poder Judicial, ao qual todos devem prestar o maior auxílio, e passa à ordem do dia". - Mário de Aguiar.

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Sr. Presidente: têm-se levantado muitos reparos nesta Câmara porque nós os Deputados monárquicos apreciámos o escandaloso caso do Banco de Angola o Metrópole muitas vezos à face da política republicana.

Ora eu sei que muito mais agradável era nós discutirmos aqui os nossos ideais monárquicos dentro dos princípios e das tradições do regime, dentro dos princípios da sciência administrativa, dentro dos princípios da sciência social, dentro dos princípios da grande generosidade da nossa causa, mas, infelizmente, isso não pode acontecer, e não pode acontecer porque vemos adianto do nós, ainda acima dos nossos ideais os interêsses do país, e, Sr. Presidente, a questão do Banco de Angola e Metrópole é, sem dúvida alguma, urna alta questão do traição à Pátria Portuguesa.

Sr. Presidente: um ilustre Deputado que me precedeu no uso da palavra levou todo o tempo do seu discurso a falar em casos absolutamente estranhos ao caso do que estamos tratando; não deve fazer precedente êste processo do discutir, porque senão daqui a pouco V. Exa. põe à discussão qualquer assunto e os Srs. Deputados falarão sôbre tudo menos sôbre o assunto em discussão, não se chegando assim a conclusão alguma.

Isto chama-se unicamente desviar as atenções.

Para que vêm aqui os jornais O Dia e o Correio da Manhã quando se está a tratar do interêsse nacional, do decoro nacional?

É o mesmo que falar em cousas que não nos interessam, passadas muito longe de nós.

Sr. Presidente: os Deputados monárquicos não acusam, por emquanto, seja quem fôr.

Os Deputados monárquicos estilo no direito do colaborarem, quanto possível para o esclarecimento da verdade, para o apuramento de todas as responsabilidades.

Quer queiram quer não, e estou convencido de que não querem, há-de fazer-se absoluta luz sôbre um caso tam grave como êste de traição à Pátria.

Sr. Presidente: creia V. Exa. que eu estou nesta discussão com a mais dolorosa das contrariedades.

Quando se fundou o Banco Angola o Metrópole- e ontem ficou aqui bem esclarecido esto ponto pelo Sr. Vitorino Guimarães, que era ao tempo Ministro das Finanças havia uma completa desorientação nas esferas oficiais da política republicana. S. Exa. que ao tempo era mais do que Ministro das Finanças porque era também Presidente do Ministério, tem responsabilidades políticas que ficaram ontem aqui demarcadas pelas suas declarações.

Foi S. Exa. quem nos convenceu de que só andou com muita falta de ponderação.

Não se devia, em primeiro lugar, autorizar banco algum a funcionar na altura em que êste foi autorizado.

Todos sabem as sérias dificuldades que havia nas instituições bancárias do país, umas já falidas e outras às portas da falência.

Faliu o Banco Auxiliar do Comércio, faliu o Banco Comercial do Pôrto, faliu o Banco Popular Português o outros e o Sr. Ministro das Finanças de então não teve dúvida em autorizar a fundação de mais um banco.

Disse o Sr. Vitorino Guimarães que a responsabilidade não é sua, que a responsabilidade e do Conselho Bancário, onde o Govêrno tem apenas um delegado. Não é verdade.

Tenho presente a lei da reforma bancária, e logo se vê no seu artigo 6.° a doutrina do que só ao Sr. Ministro das Finanças compete autorizar ou denegar licença para que um banco funcione, e ainda mais adianto outra disposição, que cria o Conselho Bancário, declara peremptoriamente que essa instituição deve ser composta das seguintes individualidades:

Leu.

Em conclusão, muito embora êsse Conselho Bancário tenha as responsabilidades que o Sr. Vitorino Guimarães lhe quero atribuir, ficam para S. Exa. as responsabilidades políticas.

Mas há mais ainda: é que o Sr. Ministro das Finanças declarou então que não tinha confiança na idoneidade moral dos representantes dêsse Banco, para mais tarde autorizar a sua abertura, embora algumas pessoas saíssem, mas não saindo tantas que não ficassem lá os criminosos.

O Sr. Ministro das Finanças declarou-se enganado na sua boa fé, porque, ima-

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ginando que Santos Bandeira e Alves dos Reis eram pessoas honestas, veio a saber depois que estavam pronunciados no Pôrto pelo crime de falsificação e burla.

Ora nós não temos culpa de que os homens de Estado da política republicana se enganem, se iludam na sua boa fé, os prejuízos são para o país, e portanto, o país tem de os tornar responsáveis por desempenharem em casos desta natureza o simples papel do comparsas.

Mas. Sr. Presidente, chegamos precisamente ao ponto fundamental para o efeito da responsabilidade política do regime.

Sabendo o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças de então que havia no Banco pessoas de menos idoneidade moral, e porque não mandou seguir essas pessoas, a passo o passo?

Porque não mandou seguir as pessoas que lhe pediram autorizações?

Porque não entrou num franco e minucioso inquérito sôbre quem eram e o que valiam essas pessoas?

Nada disso fez S. Exa. Vemos assim que esta gente comprou quintas por preços fabulosos, comprou prédios por preços fabulosos, comprou a própria sede social por três ou quatro vezes mais que o seu valor.

Iam para os clubes luxuosos gastar contos e centos. E nada disto viu o Govêrno, nada disto viu a polícia e o inspector do Comércio Bancário!

Que maiores responsabilidades se podem pedir a um Govêrno e à própria política que êle representa no Poder?

Mas, mais ainda. A medida que se queriam converter as notas falsas em dinheiro bom, os falsários iam para o Algarve, onde à custa das suas confessadas influências - confessadas aqui, ontem, pelo Sr. Vitorino Guimarães, porque êles tinham quem os protegesse abertamente perante as instituições do Poder - e o que fazem?

Conseguem que se abrisse concurso para as obras do porto de Leixões. Êsse concurso fez-se e veio para o Diário do Govêrno o decreto respectivo.

Lá apareceu um dos falsários a depositar 2:000 contos. Fizeram o mesmo que no Algarve: tantas trocas fizeram de notas falsas por dinheiro bom, que êste se acabou nas agências. Sei-o por informação duma pessoa que veio do Algarve recentemente.

Vejam quanta responsabilidade têm aqueles que concorreram para êste estado de cousas!

Mas o Govêrno, a polícia, o inspector do Comércio Bancário nada sabiam, de nada queriam saber! Estavam cegos!

Mas estavam cegos por falta de vista? Não, Sr. Presidente?

Estavam cegos pelas altas influências que se moveram ,à sua volta para proteger esta onda de bandidos!

Apoiados da extrema direita.

Mas os falsários continuam a semear dinheiro falso. Vão para Braga e depositam também milhares do contos.

O Govêrno, pela boca do Sr. Presidente do Ministério, que tem responsabilidades especiais, veio dizer à Câmara apenas que suspeitou dessa gente. Porque não a mandou seguir com o maior cuidado, como deve fazer em face de pessoas suspeitas?

Não o fez, e tem por isso responsabilidades tremendas, responsabilidades políticas que não pode de modo nenhum declinar.

Ouvi com toda a atenção o Sr. Vitorino Guimarães. Estou convencido - e a Câmara, por certo, está convencida também - do que S. Exa. falou com sinceridade. Mas S. Exa. não deixa de ter responsabilidades, fortes responsabilidades políticas.

Ficou com essas responsabilidades, mais do que nunca, desde ontem.

Cada um de V. Exas. devo ler bem na sua consciência como eu estou a dizer a verdade.

Não só se não prosseguiram as investigações, como se não vigiou essa gente: deixou-se praticar tudo o que ela quis.

Essa gente não se contentou em roubar os portugueses residentes em Portugal; e, então, na ânsia de querer trocar dinheiro falso, o que fez? Foi para o estrangeiro o lá aproveitou todas as colónias numerosas de portugueses para trocar milhares e milhares de contos.

Isto é tam grave, que V. Exa. há-de ver que hão-de chegar milhares e milhares de contos das agências do Banco de Portugal no estrangeiro para serem trocados.

Espere V. Exa. pela cifra, e eu já lhe afianço, pelas informações que tenho, que ela há-de ser elevadíssima.

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Mas do nada se quis saber, e o Sr. Ministro das Finanças de então continuou absolutamente cego.

E porquê?

Porque havia políticos do regime metidos na questão.

Entre êles, o Sr. Carlos Pereira, o ainda hoje vejo nos jornais que ao Sr. Carneiro Franco foram mandados aprender os bens em Angola, por um telegrama.

O Sr. Calem Júnior: - Isso vai ser desmentido.

O Orador: - Não sabia.

Mas em África também se praticaram roubos.

Alves dos Reis, que era a pessoa do que o Sr. Vitorino Guimarães, desconfiava, partiu de Lisboa para África no meio de um luxo extraordinário, levava dois secretários o mandou reservar uma cabine, que nunca se abria e de que só êle tinha a chave.

E nada disto deu nas vistas da polícia, nem de ninguém afecto ao Govêrno!?

Pois nessa cabine iam dezenas do malas cheias de notas!

Espere V. Exa. pela remessa das notas levadas para África, e verá a quanto monta a sua cifra.

E quem paga esta grande burla?

Quem paga, diz-se, é o Banco de Portugal.

Mas V. Exas. já pensaram que êle não pode arcar com tamanha responsabilidade?

Diz-se que o roubo devo atingir corça de 300:000 contos; ora o Banco de Portugal não pode pagar tanto, porque tem apenas o capital social de 13:000 contos.

Quem terá, portanto, de pagar? Já estamos todos a ver.

Daqui a pouco, daqui a algumas horas, entra nesta sala o novo Govêrno, o atrás do Sr. Presidente do Ministério vem o Sr. Ministro das Finanças, trazendo dentro da sua pasta um decreto determinando um novo aumento de circulação fiduciária.

Já estou à espera disso, porque não há outra maneira de solucionar a questão.

Ficando, pois, esperando as cousas, para ver êsse aumento da circulação fiduciária; porém, tendo o Banco duas séries, não sabemos para qual delas irá êsse aumento, isto é, se para os seus juros privativos, se para débito do Govêrno.

Êste é um assunto que havemos de apreciar a seu tempo.

A situação financeira do Banco já hoje é de 198:000 contos e a do Estado de 1.600:000 contos, o que nos dá já a entender que, com mais êste aumento, se deverá elevar a 2.000:000, pouco mais ou monos, situação esta que se deve, única e exclusivamente, à política republicana que se tem seguido.

Sr. Presidente: não me quero alongar no uso da palavra, tanto mais quanto é certo que não quero por forma alguma concorrer para que a Câmara dos Deputados esteja a tratar do assunto há três sessões e não chegue a uma conclusão, perdendo-se o tempo, como a maior parte das vezes acontece, o que é prejudicial para o país e para todos nós.

Apoiados.

Estando aqui, Sr. Presidente, a discutir que deve haver inquérito parlamentar, eu devo declarar desde já à Câmara que estou pronto a fornecer a essa comissão todos os esclarecimentos que lhe possa dar, visto que não costumo fugir ao cumprimento dos meus devores.

Eu não compreendo, na verdade, que tendo o Sr. Ministro das Finanças desconfiado, conforme tivemos ocasião de ver pelo relato que tem vindo nos jornais, de que se tratava de capitais holandeses e alemães, não consultasse, como devia, as entidades consulares e diplomáticas que temos em qualquer daqueles países.

Não sei, francamente, para que serve então o nosso quadro diplomático!

O que na verdade se vê em tudo isto é que houve um grande desleixo e uma grande incúria.

Isto, Sr. Presidente, é uma daquelas questões que têm de afundar o regime.

Apoiados.

Sr. Presidente: eu não ouvi aduzir contra o inquérito parlamentar senão duas ordens de razões.

A primeira é que os inquéritos parlamentares tudo afundam, que são uma maneira de baralhar e confundir.

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Ora, êste argumento não é procedente, porque se nós, Deputados de todos os lados da Câmara, entramos no inquérito parlamentar, como duvidar dele, que é feito por nós próprios?

Porventura, não cumpriríamos um dever, sendo todos nós portugueses, sendo chamados a êle?

Poderemos, porventura, duvidar da nossa própria acção?

O argumento, portanto, não é procedente.

Argumentaram os Srs. Moura Pinto e Sr. Pedro Fita com o que se passou com outros inquéritos parlamentares, em que as questões têm sido abafadas.

Infelizmente assim é.

Tem V. Exas. responsabilidades nesses actos, porque V. Exas. representam a mesma política, e a política não tem variado, porque é a política do desbarato nacional.

Apoiados.

E nós registamos, em primeiro lugar, que se dissesse que o inquérito parlamentar nada tem com êste grande crime.

Há grandes crimes por punir, e o país não perdoa a quem tanto mal fez à administração pública.

Apoiados.

Outra ordem de razão há contra o inquérito, que dizem ser o inquérito uma invasão do Poder Judicial.

Nós não queremos invadir o Poder Judicial; pelo contrário.

Temos o maior respeito por êsse Poder.

O Poder Judicial é ainda hoje para onde podemos apelar.

Ainda é hoje essa nobre instituição que nos salva, de que podemos valer-nos num dado momento.

Merece o nosso respeito; é ainda a nossa esperança.

Apoiados,

Portanto, o que queremos não é uma comissão do inquérito parlamentar para prestar o seu auxílio ao Poder Judicial.

Quem está a investigar não é o Poder Judicial... é o poder policial.

Não tem função de julgar.

Êsse argumento também não é procedente, aliás seguido por jurisconsultos.

O inquérito parlamentar é para auxiliar, é para dar toda a fôrça, prestígio e autoridade que é preciso tenha a polícia, servida, sim, por homens togados, por juizes.

Sr. Presidente: o nosso voto é com restrições, no sentido de dar mais, se fôr possível, prestígio ao Poder Judicial. Voto, pois, para que só castigue o maior crime que se tem praticado dentro da República.

Tenho dito.

Foi lida e admitida na Mesa a moção.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pestana Júnior: - De harmonia com o Regimento, envio para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara dos Deputados, verificando que o Poder Executivo lhe não pediu a adopção de qualquer medida extraordinária, e certa portanto de que a legislação actual faculta às autoridades os meios necessários e suficientes para a investigação e descobrimento dos crimes de falsificação e passagem de moeda falsa e dos seus autores, cúmplices e encobridores, passa à ordem do dia. - Pestana Júnior.

Sr. Presidente: tenho seguido com a maior atenção o debate, impropriamente chamado Angola-Metrópole, porque mais propriamente se deveria chamar o caso de falsificação e passagem de moeda falsa.

Parece-me que há conveniência em sermos precisos nos termos que empregamos.

Quanto a mim, êsse Banco nunca existiu, porque nunca conseguiu realizar o seu capital. Portanto, não devemos dizer o Banco Angola e Metrópole, mas sim uma associação de malfeitores, que para dentro do país trouxe uma porção de notas falsas no montante de algumas centenas de milhares de contos.

Mas, afastando-me um pouco do assunto, permita-me V. Exa. que eu faça uma pregunta.

O Banco Emissor resolveu trocar as notas de 500$, por outras de outro tipo. Até que ponto pode fazer êsse troco?

Por acaso não poderá ser excedido o potencial dêsse Banco?

Deixo a pregunta em suspenso.

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Porque não tenho na minha presença õ Sr. Ministro das Finanças para me responder?! Não sei. Sei apenas que precisamos bem de destrinçar os prejuízos do Banco Emissor e os do Estado. V. Exas. sabem tam bem como eu que o Estado é consorte ou comparticipante nos lucros do Banco do Portugal.

Se a emissão clandestina fôr demasiado grande, receio que não haja lucros por êstes anos mais próximos, o que, por consequência, o Estado tenha lucros cessantes.

Feita esta pequena divagação, entrarei propriamente na defesa da minha moção.

Ouvi, com prazer, a última parte das considerações do nosso ilustre colega da minoria socialista, Sr. Amâncio de Alpoim, quando êle nos propunha a organização de uma larga comissão do inquérito, com poderes judiciários o todos os necessários para a descoberta da verdade.

Sr. Presidente: neste país do faceia emoções, a proposta do S. Exa. agradou, naturalmente, a todos os espíritos simplistas.

Criamos nós uma comissão, com representantes do todos os lados da Câmara, possivelmente até com uma maioria de elementos das diversas minorias com representação no Parlamento. Podíamos, com efeito, ter a impressão, à. primeira vista, do que se li avia constituído o trabalho pesquisador mais perfeito, o instrumento mais apropriado para a perseguição dos criminosos e averiguação da verdade.

É o momento de eu dizer - e porque da minha boca sempre V. Exas. ouvirão aquilo que eu penso, qualquer que seja a idea que depois o grande público, numa injustiça momentânea, possa atribuir ao meu pensamento, - é o momento de ou dizer que julgo que a proposta socialista era o maior dos serviços que se poderia fazer à verdade.

O Sr. Amâncio de Alpoim sabe quanta estima e consideração me ligam a S. Exa. desde os belos tempos em que juntos passámos pela Universidade. S. Exa. sabe ainda quanta consideração eu tenho pelo sen talento de jurisconsulto...

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - ... que eu retribuo a V. Exa.

O Orador: - Dada a hipótese do que êsse instrumento aqui criado pela proposta socialista fôsse o mais recomendável nesta hora, emquanto se não modificasse a Constituição, tal instrumento não se podia criar.

A perseguição dos criminosos, o pesquisar os traços dum crime, acompanhar a execução do crime e dar uma indicação, é bem matéria judiciaria...

O Sr. Amâncio de Alpoim (em àparte): - Por exemplo, o caso dos 50 milhões!

O Orador: - A interrupção de S. Exa., chamando-me para um caso isolado, particular, não invalida a minha argumentação...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não há nenhum caso do prejuízo público em que, em Portugal, os tribunais tivessem condenado!

O Estaco perde sempre, sistematicamente, através do júri o dos magistrados dos tribunais portugueses. Não vim para aqui senão para dizer a verdade!

O Orador: - Óptimo, Sr. Amâncio do Alpoim, óptimo! Mas V, Exa., que é um Deputado constituinte, modifique o artigo 59.° da Constituição! Tem poderes para isso.

Apresente V. Exa. uma proposta para que seja modificado o artigo 59.° da Constituição, que vou ler.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não leia. Não merece a pena. Eu conheço bem êsse artigo.

O Orador: - Esse artigo diz:

Leu.

Se o Sr. Alpoim entende que um crime dêstes, a que corresponde pena maior, deve ser julgado por forma diferente de júri, mande para a Mesa uma proposta de alteração a êste artigo 59.° da Constituição.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - O que eu disse e digo é que o Estado perde sempre atravós dos tribunais portugueses.

O Orador: - Se é verdade o que afirma o Sr. Alpoim, se na realidade o Estado perde sempre, não é devido a nós, não é

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Sessão de 16 de Dezembro de 1925 27

devido aos homens que constituem a esquerda democrática.

Na nossa presença está o Sr. José Domingues dos Santos, que na sessão passada trouxe aqui uma proposta que tinha toda a utilidade para o Estado na qualidade de réu ou de autor.

Os veredicto, são sempre contra o Estado porque êste é uma entidade de direito político, muito abstracto, e em Portugal somos sempre pela pessoa que conhecemos e contra o Estado.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - No caso do Banco Angola e Metrópole vai suceder isso.

O Orador: - E pensa V. Exa. que não se daria com o alto tribunal que pensava organizar?

O defeito não vem dos juízos que julgam; o defeito vem da forma como se faz a prova.

Apoiados.

Parece-me que não merece a pena gastar mais tempo com a demonstração de que a proposta do Sr. Alpoim é manifestamente inconstitucional.

Só a votarei se vir que a Câmara, julgando que, por ser constituinte, pode modificar a Constituição por um acto qualquer seu, assim vote. Nessa altura darei também o meu voto, para que se não diga que nós não queremos a comissão de inquérito.

Foi ela apresentada pelo nosso ilustre colega e meu prezado amigo Sr. Álvaro de Castro.

S. Exa., estrénuo defensor da Constituição, perdoará que ou lhe diga que a sua proposta é também inconstitucional.

O Sr. Álvaro de Castro: - Peço a palavra, Sr. Presidente!

O Orador: - As imunidades parlamentares não são privilégio de cada um dos membros da Câmara.

São uma prerrogativa constitucional. E porque são assim, nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado, nem as duas Câmaras conjuntamente, a não serem constituintes, nem as duas Câmaras e o Poder Executivo, nem êste com aquelas e o Poder Judicial, são capazes de as invalidarem em qualquer momento.

O artigo 17.° da Constituição é bem claro.

Eu sei, Sr. Presidente, que o ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro vai dizer-me que pela sua moção se evita o pedido de licença prévia e se permite que sejamos todos presos, até pelo primeiro polícia que assim o entenda.

Mas essa moção é inconstitucional, e, por isso, não posso votá-la. Porém, desde já declaro a S. Exa., à Mesa da Câmara e ao país que os homens que se sentam dêste lado da Câmara - e faço a justiça a iodos que aqui dentro se encontram de que procederão igualmente - votarão imediatamente a suspensão das imunidades parlamentares a qualquer de nós, desde que o pedido de autorização para a prisão seja feito pelo juiz inquiridor que está a tratar do caso das notas falsas.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - A proposta, ou, por outra, a moção do Sr. Álvaro do Castro é um simples gesto para as galenas.

O Orador: - Mas daí até concordar em que se modifique o que está na Constituição vai uma grande diferença.

De resto, Sr. Presidente, como eu digo na minha moção, o Govêrno que, lá por estar demissionário não deixou ainda de o ser, porque não está substituído, bem podia por algum dos seus membros, e sobretudo pelos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, vir aqui dar-nos informações seguras do que se está passando, porque assim todo o país teria conhecimento oficial, pela boca de S. Exas., de quais os trâmites das investigações.

E isto no momento em que se diz que se falsificou a assinatura de um ex-Ministro das Finanças, pessoa a cuja honradez e probidade ou rendo, neste momento, a minha mais sincera homenagem (Apoiados), e quando se diz também que se falsificaram as assinaturas do governador o vice-governador do Banco de Portugal, a quem igualmente presto as homenagens da minha consideração.

Apoiados.

Dizia-se que no Banco Angola e Metrópole havia ouro alemão e ouro soviético, mas, afinal, chegamos à conclusão de que o que lá existia era simplesmente

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28 Diário da Câmara dos Deputados

papel pintado, sem outro valor a não ser e de crédito que nós lho possamos dar.

Neste momento deveria estar nas cadeiras do Govêrno alguém que serena, mas claramente, respondesse às proguntas que nós, parlamentares, formulássemos.

Apoiados.

Mas o Govêrno não aparece ante nós, e assim eu sou levado a concluir que o Poder Executivo não necessita de nenhuma autorização extraordinária para ocorrer à anormal situação em que nos encontramos. Por isso eu digo na minha moção que a Câmara fica certa de que não são precisas quaisquer medidas extraordinárias.

O melhor é aguardar que as autoridades procedam devidamente, exigindo nós do Govêrno que não se meta nas atribuições dessas autoridades, às quais deve dar todo o seu apoio. E preciso que essas autoridades apareçam perante o país de movimentos absolutamente livros para prender e processar quem tenha de dar conta dos seus actos.

Sr. Presidente: não vamos criar a comissão preconizada pelo Sr. Alpoim para que não se diga que pretendemos entravar a acção duma justiça |á estabelecida. Não vamos tam pouco dizer que estamos dispostos a ser presos pelo primeiro polícia que nos apareça.

A nossa atitude deve ser esta: se amanhã as autoridades pedirem autorização para prenderem qualquer parlamentar, nós votarmos imediatamente a autorização solicitada.

O que não seja isto é rebaixar-nos, o nós não estamos aqui para rebaixar a instituição parlamentar.

Não tome V. Exa., Sr. Álvaro de Castro, estas minhas palavras como sendo especialmente dirigidas a V. Exa.

Sei que V. Exa., tanto como eu, defende e ama a República, e que ao formular a sua proposta teve apenas em vista o prestígio dela, pondo todos à disposição das autoridades.

Comprometemo-nos todos, desde já, a votar por unanimidade a autorização para ser preso qualquer Deputado sôbre quem recaiam suspeitas.

Não vamos dizer: não temos imunidades para o caso do Banco Angola e Metrópole.

Isto é muito grave para que se diga e, sobretudo, gravíssimo como antecedente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestas termos, restituir as notas taquigráficas que lhe Aforam enviadas,

Foi lida na Mesa a moção e ficou admitida.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: poucos minutos tomarei à Câmara, porem não quero deixar passar êste momento sem lavrar o meu mais indignado protesto contra o facto que ontem mais uma vez se repetiu na cidade de Lisboa, que não posso deixar de reputar uma verdadeira vergonha.

Passou ontem o aniversário do infame assassínio do Chefe do Estado, o Sr. Sidónio Pais, e assim mais uma vez a cidade de Lisboa assistiu à comemoração dêsse infame atentado com morteiros o foguetes.

Não será, por isso, sem o mais indignado protesto dêste lado da Câmara que factos dêsses se dêem numa cidade que se diz civilizada, com o consentimento e até aplauso das autoridades republicanas.

Apoiados.

Somos portugueses, e como tal não podemos deixar do nos revoltar contra o facto de se comemorar em Lisboa o assassínio de um Chefe de Estado, o que na verdade representa uma verdadeira vergonha para nós.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida, com toda a urgên-

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Sessão de 15 de Dezembro de 1925 29

cia, uma relação nominal de todos os mancebos naturais do concelho da Feira que por terem atingido a idade para o serviço militar obrigatório haviam de ser submetidos às juntas de inspecção ordinária em 1924 para os eleitos do recrutamento;

Relação nominal dos que por terem faltado a esta junta foram considerados aparados nos termos do artigo 79.° da lei do recrutamento;

Relação nominal dos que, considerados apurados nos termos do artigo 79.°, foram isentos definitiva ou temporariamente no acto da encorporação peias juntas regimentais;

Relação nominal dos refractários; e finalmente

Relação nominal dos que, tendo sido classificados refractários, se apresentaram e foram isentos até à presente data e em que regimentos se fizeram essas isenções.

Em 14 de Dezembro de 1925. - O Deputado, Angelo Sampaio Maia.

Expeça-se.

Projectos de lei

Do Sr. Calem Júnior, proibindo a passagem de vinhos de graduação superior a 12,5 graus, ou que contenham ainda por desdobrar algum açúcar redutor, para o norte de Aveiro ou limite sul dos concelhos confinantes da margem esquerda do Douro.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de agricultura.

Dos Sr s. Manuel Homem de Melo da Câmara, Elmano de Morais da Cunha e Costa, Rui de Andrade, Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva, Mário de Aguiar e Alberto Pinheiro Tôrres, suspendendo as alienações de bens a que se refere o artigo 62.° do decreto de 20 de Abril de 1911, sôbre separação do Estado das igrejas.

Para o "Diário do Governo".

Propostas de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, mantendo nos meses de Janeiro a Junho de 1926 o disposto no artigo 1.° e seu § único e no artigo 5.° do decreto n.° 11:054, de 1 de Setembro de 1925.

Para a comissão do Orçamento.

Do Sr. Ministro da Agricultura, mandando incluir no Orçamento Geral do Estado para 1926-1927 a verba de 6:000.000$ para o desenvolvimento dos serviços de arborização de serras e dunas e trabalhos de hidráulica florestal.

Para o "Diário do Govêrno".

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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