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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 8

EM 21 DE DEZEMBRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Abra a sessão com a presença de 57 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

É admitido um projecto de lei já publicado no "Diário do Govêrno".

Antes da ordem do dia.- O Sr. Releio Arruda pede providências para acudir aos efeitos de um grande temporal na ilha de S. Miguel.

O Sr. Sampaio Maia refere se ao enorme tufão que produziu grandes destroços na praia de Espinho e apresenta um projecto de lei.

O Sr. Alfredo Nordeste refere-se também ao temporais de Espinho.

O Sr. Vitorino Guimarães associa-se às reclamações com respeito à Ilha de S. Miguel e à praia de Espinho e aprecia, protestando, determinada noticia referente à questão do Banco Angola e Metrópole.

O Sr. Filomeno da Câmara apresenta e justifica dois projectos de lei, pedindo urgência e dispensa do Regimento para o que diz respeito à revogação de um decreto respeitante à Armada.

Usa da palavra o Sr. Manuel José da Silva, respondendo-lhe o Sr. Filomeno da Câmara

O Sr. Moura Pinto requere a divisão do requerimento: urgência e dispensa regimental.

É aprovada a urgência e rejeitada a dispensa do Regimento.

O Sr. Amando de Alpoim faz uma declaração em nome da minoria socialista.

O Sr. Manuel José da Silva requere para tratar em negocio urgente da nomeação de uma comissão permanente de verificação de poderes.

Usam da palavra os Srs. João Luís Ricardo e Marques Loureiro, dando explicações o Sr. Presidente.

O Sr. Manuel José da Silva desiste do seu negócio urgente.

Ordem do dia. - Continua a discussão da proposta de lei sôbre duodécimos.

Usam da palavra os Srs. Vitorino Guimarães, Carvalho da Silva (para explicações), Ramada Curto (idem) e Marques Loureiro.

Termina a discussão, sendo dispensada a leitura da última redacção.

O Sr. Velhinho Correia apresenta um requerimento referente às férias parlamentaria.

É lida uma nota de interpelação do Sr. Lelo Portela.

Entra na sala o novo Ministério da presidência do Sr. António Maria da Silva, que as leitura da respectiva declaração ministerial.

Usam da palavra os Srs. Vitorino Guimarães, Pedro Pita que apresenta uma moção de ordem, que é admitida, e Ramada Curto que apresenta uma moção de ordem, que é admitida.

O debate fica pendente.

O Sr. Presidente pede aos Deputados das diversas parcialidades que mandem para a Mesa indicação dos seus representantes para a constituição das comissões parlamentares.

Antes de se encerrar a sessão.- O Sr. João Camoesas reclama contra a proibição de reuniões nas associações operárias, respondendo o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.- Projectos de lei.- Nota de interpelação.- Requerimentos.

Aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada os Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 56 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo Teixeira Leitão.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Dinis da Fonseca.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alexandre José Botelho do Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amancio de Alpoim.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
António Lobo de Aboim Inglês.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebelo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António da Lara.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
João Raimundo Alves.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Mariano Melo Vieira.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Marques Caldeira.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alfredo Pedro Guisado.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Angusto Rodrigues.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco António da Cosia Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Herculano Amorim Ferreira.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Maria Alvarez.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Amorim.

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Sessão de 21 de Dezembro de 1925 3

Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Raul Lelo Portela.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fuseta.
Daniel José Rodrigues.
Domingos Augusto Reis Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Froilano de Melo.
Henrique Pereira de Oliveira.
Jaime António Palma Mira.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Nunes Mexia.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
Luís António Guerreiro Júnior.
Luís Vieira de Castro.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Às 10 horas e 15 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Leu-se a acta.

Dá se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Da Câmara Municipal de Arganil, pedindo a anulação do decreto n.° 11:334.

Para a comissão de administração pública.

Telegramas

Das Câmaras Municipais de Mirandela, Oleiros, Portela, Mértola, Mangualde, Melgaço, Alcácer do Sal, Pampilhosa, Poiares e Tondela, pedindo a anulação do decreto n.° 11:334.

Para a Secretaria.

Da União dos Sindicatos Operários de Portalegre e dos gráficos de Santarém, protestando contra a deportação sem julgamento.

Para a Secretaria.

Do Centro Farmacêutico do Pôrto, protestando contra nomeação de professores de Faculdade de Farmácia de indivíduos sem curso.

Para a Secretaria.

Da Junta de Freguesia de Paranhos (Porto), pedindo a aplicação da lei do inquilinato.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

É admitido o seguinte projecto de lei, já publicado no "Diário do Govêrno".

Do Sr. Rafael Augusto de Sousa Ribeiro, alterando a lei dos subsídios dos membros do Congresso da República.

Para a comissão de administração pública.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Rebelo Arruda: - Sr. Presidente: permita-me V. Exa. que, sendo hoje a primeira vez que tenho a subida honra de falar nesta legislatura, nesta casa do Parlamento, as minhas primeiras palavras sejam de saudação para V. Exa. com os meus mais afectuosos cumprimentos o os protestos sinceros para que o prestigioso nome de V. Exa., dia a dia, mais se prestigie, prestigiando esta casa onde se fazem as leis.

Sr. Presidente: mal sabia eu que, pela primeira vez que tivesse de usar da palavra, o havia de fazer com o coração extremamente constrangido, pelo assunto que vou tratar.

Acabo de receber de Ponta Delgada um telegrama que imensamente me penalizou, e que certamente penalizará a alma de todos os portugueses: um grande temporal, acompanhado de copiosas chuvas, acaba de devastar grande parte da Ilha do S. Miguel.

Eu desejaria ter palavras alevantadas, elegantes e sugestivas, com que pudesse descrever a V. Exa. o que isto pode ser de triste para a população michelenso.

Recordo-me, Sr. Presidente, que por altura de 1908 e 1909, a quando da terrível cheia no Minho, eu ouvi com entusiasmo a palavra eloquente, no teatro de Coimbra, do grande orador que foi José Maria de Alpoim. S. Exa. regressava do norte de visitar as regiões devastadas, o pela descrição maravilhosa, e bela, no triste que ela representava, mas brilhantíssima no seu significado, soube transmitir-nos e trazer até perto de nós a emoção colhida algumas horas antes ao contemplar as paisagens do Minho então devastado.

Eu não queria ter a palavra eloquente dêsse orador, mas possuir a facilidade de dizer, para poder testemunhar a V. Exas. quanto de crucificante é para ruim ter de me referir a essa desgraça que , acaba de assolar a minha querida Ilha do S. Miguel.

É provável que alguns Srs. Deputados tenham visto o encanto que ela representa para um coração sensível, e, portanto, êsses fàcilmente mo compreenderão. Os outros não sei. Todavia, como portugueses que são, pelos conhecimentos e ilustração que tem, devem saber claramente o que é essa região de S. Miguel, onde as propriedades, que aqui no continente são muitas vezes guardadas e fechadas por seguras divisórias, ali são circundadas por flores. Os jardins, as hortas e os pomares são defendidos do vizinho, na (sua maioria, por flores, atestando assim aos visitantes a índole do povo que ali habita.) Pois são ossos pomares, essas hortas, ossos jardins que foram destruídos por um terrível vendaval na madrugada do dia 18 do corrente!

Eu queria ter palavras sugestivas para dizer a V. Exas. a dor que eu adivinho vai por essa população, ao ver destruídos todos os seus haveres, todas as suas economias.

Lamento não estar presente o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro das Finanças, para lhe pedir as providências necessárias, para que seja imediatamente socorrida essa parte do país.

Não pertenço ao número daquelos que dizem que os distritos açoreanos têm sido abandonados ou tratados pela mãe pátria como má madrasta. Entendo que êste pobre Portugal tem. feito aos distritos açoreanos o que tem podido. Consequentemente, como michelenso que sou, não tenho o direito do vir aqui levantar qualquer palavra que represente uma ingratidão.

Estou predestinado para falar nesta Câmara todas as vozes que se dão casos desta natureza. Em 1919, era ou também Deputado, usa da palavra precisamente quando uma terrível cheia invadiu a Ilha de S. Miguel, após o que todos os partidos, representados na Câmara, votaram um subsídio imediato para socorro dessa população.

Portanto, não sou daqueles que ao le-

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vantar hoje a minha voz, seja de protesto ou insinuação mal cabida.

Eu sei que a situação do para não permite socorrer os distritos açoreanos como seria para desejar, mas sei também que todos os Ministros que se têm sentado nas cadeiras do Poder têm tido cuidados o carinhos para com o distrito de Ponta Delgada, que eu aqui represento.

Para terminar, Sr. Presidente, peço a V. Exa. que, logo que chegue o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro das Finanças, mo conceda a palavra, a fim de solicitar de S. Exas. as providências necessárias que essa calamidade de S. Exas. exige. Tenho dito.

O Sr. Sampaio Maia: - Sr. Presidente: desejo também levantar a minha voz em socorro dessa terra tam desgraçada que é Espinho.

V. Exa. e toda a Câmara sabem já que parte dessa importante povoação foi destruída por um terrível ciclone.

Sr. Presidente: Espinho é uma terra a quem a sorte tem sido completamente adversa.

Primitivamente era o marque, a pouco e pouco, ia invadindo os seus terrenos, conquistando uma grande parto deles.

Não contente com isso, a Natureza, parece que implacável, acaba de destruir um grande bairro dessa povoação, onde tantas famílias tinham o sou abrigo, famílias essas que encontram na vida do mar o seu trabalho e o pão de cada dia.

Eu não quero fazer retórica, nem comover a Câmara.

Todos os corações portugueses devem estar comovidos com a situação dêsses desgraçados, e sentem agora como é cruel a lei-travão, que impede que um Deputado, nas circunstâncias presentes, possa solicitar do Estado um subsídio para acudir àquelas infelizes vítimas da fatalidade.

E lamento, Sr. Presidente, que não haja naquelas cadeiras um Govêrno a quem se possa pedir que apresente uma proposta de lei nesse sentido.

Nestas condições, e não obstante eu ter quási a certeza do que V. Exa. me não vai admitir nem pôr à discussão o projecto de lei que vou mandar para a Mesa, solicitando um subsídio para acudir à situação das vítimas da catástrofe de Espinho, sempre o enviarei, quanto mais não seja para servir de lembrança ao Govêrno de que êle tem de acudir àqueles desgraçados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

O Sr. Presidente: - Devo dizer ao ilustre Deputado que, realmente, a Mesa não pode admitir o seu projecto, mas que transmitirei ao Govêrno os desejos de V. Exa.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Alfredo Nordeste: - Sr. Presidente: não é por obediência à praxe que eu dirijo os meus cumprimentos respeitosos a V. Exa.

Acostumei-me, desde há muito tempo, a ter por V. Exa. um respeito extraordinário, daqueles respeitos que todos os republicanos devem ter pelos homens de bem e pelos republicanos sinceros e dedicados, como V. Exa. E é nestas condições que eu lhe dirijo as minhas saudações.

A Câmara, mormente aos velhos parlamentares, ou dirijo também os meus cumprimentos respeitosos, esperando, principalmente deles, indicações que possam servir para me guiar e conduzir convenientemente nesta luta tremenda que é a Câmara dos Deputados.

Eu quero associar-me também às palavras do meu ilustre colega, Sr. Sampaio Maia.

Antes daqui chegar já eu sabia que não podia, de nenhuma sorte, pedir à Câmara que fôsse em auxílio daquela desgraçada terra, que pertence ao meu distrito o que se chama Espinho, porque sabia também que há duas leis que eu, como jurista, considero inconstitucionais, mas que têm já feito norma aqui dentro, que se opõem a que na Mesa seja admitido qualquer projecto de lei que eu apresente, no sentido de socorrer aquela infeliz povoação.

A vila de Espinho desde há muito tempo que tem experimentado os maiores horrores e dificilmente os Poderes Públicos têm ido em auxílio dos seus habitantes.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

Neste momento, que uma catástrofe enorme caiu sôbre aquela povoação, nós nem sequer podemos apresentar aqui um projecto de lei que, de alguma maneira, possa minorar um pouco as amarguras daquela gente.

Mas, Sr. Presidente, eu devo dizer a V. Exa. que novamente usarei da palavra, quando naquelas cadeiras houver alguém a quem se lembro que devo ser aqui apresentada uma proposta de lei no sentido de socorrer aqueles desgraçados.

Eu sei que neste instante nada podemos fazer por êles, mas sei também que alguma cousa poderemos conseguir se o Sr. Ministro das Finanças vier aqui dizer que realmente, aquela gente é digna do toda a protecção da Câmara dos Deputados, e que é necessário que se vote uma proposta de lei para os auxiliar.

Eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que lembre ao Sr. Ministro das Finanças que ha uma grande e urgente necessidade de que isso se faça, e que, porventura, dentro de um ou dois dias, S. Exa. aqui traga essa medida. E, então, eu usarei novamente da palavra.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ramada Curto (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. se digno informar-me se já está na Mesa uma representação da Câmara Sindical de Lisboa sôbre as deportações.

O Sr. Presidente: - Não, senhor.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: embora pedisse a palavra para um assunto muito diverso, permita-me V. Exa. que, em nome dos parlamentares do Partido Republicano Português, me associe com sincero pesar às palavras que aqui foram proferidas sôbre o grande desastre que sucedeu à população de Espinho.

E afirmo a V. Exa. e à Câmara que podem os ilustres oradores que me antecederam estar certos de que, reconhecida a necessidade de atender aos pobres e indigentes que ficaram em póssima situação devido ao cataclismo ali havido, da nossa parte haverá todo o desejo e boa vontade em votar quaisquer providências destinadas a remediar êsse infortúnio, não só pelo que respeita a Espinho, como também a S. Miguel.

Entrando propriamente no assunto para que pedi a palavra, devo dizer que é hoje a primeira Vez, depois do ter a honra de ser representante da Nação desde 1911, que eu venho ao Parlamento referir-me a uma notícia vinda na imprensa.

Sei que a essas notícias é costume responder-se no mesmo campo, e que é de má praxe trazerem-se êsses casos para o Parlamento.

Mas, quando os factos assumem a atitude que estão tomando os actuais acontecimentos, quando se procura amesquinhar pessoas, não é no mesmo campo que se deve dar a resposta, mas sim aqui, quando êsse alguém tem assento no Parlamento.

Sr. Presidente: devo dizer, repito, que não deveriam desconhecer os órgãos da grande imprensa que o Sr. Daniel Rodrigues foi Ministro das Finanças no Govêrno presidido por V. Exa.

Ainda se poderia admitir êsse engano, que deveria ser imediatamente rectificado, se se tratasse do uma pessoa que tivesse uma passagem permanente pelas cadeiras do Poder, mas nunca tratando-se do Sr. Daniel Rodrigues, pois todo o país conhece a grandiosa obra que êle prestou à Pátria, quando Ministro das Finanças, qual foi a valorização da moeda.

Na verdade, tudo isto é deveras extravagante e singular, pois que não quero empregar o verdadeiro epíteto que lhe compete.

Sr. Presidente: creia V. Exa. que não estou indignado, nem é isto motivo para o estar, pois a verdade é que desde que o meu nome se encontra junto dos Srs. Inocêncio Camacho, Daniel Rodrigues e Rêgo Chaves, encontro-me em muito boa companhia.

Encontro-me, na verdade, repito, Sr. Presidente, muito bem acompanhado com qualquer dêstes homens, homens de bem e patriotas, assim como o Sr. Mota Gomes, que não é meu correligionário, e que julgo mesmo não ser republicano, mas a quem não posso deixar de prestar a verdadeira justiça, dizendo que é efectivamente um à ornem de honra.

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Não se trata de uma indignação, mas sim de uma surpresa por tal notícia, que, na verdade não posso deixar de classificar de extravagante e singular, pois que, de lacto, qualquer cousa há nessa notícia com o intuito de perturbar o espírito público.

Fala-se, na verdade, Sr. Presidente, no financiamento de Angola em um milhão de libras.

É verdade; Angola recebeu aproximadamente um milhão de libras, mas recebeu-o dos cofres do Estado por meio de um decreto feito à luz do dia, quantia essa que também deu entrada nos cofres da província de Angola.

Sr. Presidente: quando se trata de assuntos desta importância, a imprensa tinha a obrigação de se informar devidamente, tanto mais quanto é certo que o caso é bem recente, tendo sido tratado pelo Parlamento anterior.

De facto as duas leis votadas pelo Parlamento, destinadas ao financiamento das colónias, têm, a primeira a assinatura do Sr. Daniel Rodrigues e a segunda a minha assinatura.

De resto V. Exa. conhece muito bem a questão do financiamento das colónias, que, se bem me recordo, foi o motivo da saída do Govêrno presidido por V. Exa.

Em 13 de Setembro de 1924 foi votada pelo Parlamento a lei n.° 1:661, pela qual foi autorizado o Govêrno a fornecer às províncias ultramarinas 16:200 contos.

Esta lei só teve cumprimento, não no tempo do Sr. Daniel Rodrigues, mas sim no Govêrno seguinte, presidido pelo Sr. José Domingues dos Santos, quando Ministro das Colónias o Sr. Carlos de Vasconcelos e Ministro das Finanças o Sr. Pestana Júnior.

Como na verdade nessa ocasião se tornava mais grave a situação da província de Angola, em 8 de Janeiro de 1925 foi publicado o decreto n.° 10:437, dizendo o seguinte:

Leu.

Todo êste dinheiro, repito, saiu dos cofres do Estado para os cofres das províncias ultramarinas, representando, portanto, uma dívida das colónias ao Estado.

Lembro-me, Sr. Presidente, que foi então apresentada a esta Câmara pelo Sr. Ministro das Colónias de então uma proposta de financiamento para a província de Angola.

Depois de muita arrastada discussão nesta Câmara e no Senado, essa proposta transformou-se em lei com o n.° 1:768, de 16 de Novembro de 1924.

Depois vieram os acontecimentos políticos de 18 de Abril e o Govêrno teve de desviar a sua atenção e não mais se tratou do assunto.

Financiou-se de facto a província de Angola, mas o dinheiro saiu dos cofres do Estado.

Temos o decreto n.° 10:756, que abonou à província de Angola 20:000 contos.

Depois veio o decreto n.° 10:794, que abonou 15:000 contos.

Todos êstes decretos vieram publicados no Diário do Govêrno.

Pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira foram abertos os seguintes créditos:

Leu.

O Sr. Ramada Curto: - É o nosso Marrocos.

O Orador: - Apesar de se dizer que a metrópole não se importa com as colónias, o facto é que todos as temos socorrido e por elas nos interessamos.

Sr. Presidente: era isto o que eu tinha de vir dizer à Câmara.

Têm-se abonado créditos à província de Angola, mas todos êles devidamente escriturados.

Apoiados.

É uma dívida que a província de Angola tem à metrópole, mas todos temos de socorrer as províncias ultramarinas, pois fazem parte de Portugal e todos nós somos portugueses.

Apoiados.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes" termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Filomeno da Câmara: - Sr. Presidente: em primeiro lugar associo-me às palavras do Sr. Arruda, esperando pelo Sr. Presidente do Ministério para pedir ao Govêrno que socorra a Ilha de S. Miguel. S. Exa. falou brilhantemente, e está bem entregue o caso a S. Exa.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Posto isto, declaro a V. Exa. que pedi a palavra antes da ordem do dia para mandar para a Mesa dois projectos do lei.

Para o primeiro a que vou referir-mo peço urgência e dispensa do Regimento.

Tem êste projecto em vista anular o decreto n.° 11:306, que põe em vigor o chamado regimento dos oficiais da armada.

O relatório que precede o decreto justifica-o assim :

Leu.

Posso informar a Câmara que isto não é verdade.

O relatório diz ainda mais:

Leu.

E fantástico haver coragem para escrever um artigo dêstes.

Êste documento não é um regulamento, è uma lei fundamental. Leis do tal natureza não podem ser feitas por um Ministro. Da execução de tal decreto surgirão as seguintes promoções:

Leu.

É um regabofe!

Para que não possam surtir dêsse decreto os efeitos da sua execução, entendo que a Câmara deverá ter como justificável o meu pedido de urgência o dispensa do regimento para o projecto de lei que se lhe refere.

Não entrando agora na apreciação do decreto em questão, direi, entretanto, que êle é contraditório nas suas disposições, e ainda o é também com outro decreto que dois dias antes fora publicado no Diário do Govêrno.

Temos, por exemplo, o seguinte:

Leu.

Pois naquele decreto são êsses oficiais considerados em comissão extraordinária.

Limito-me por aqui na citação das irregularidades, porque elas são tantas que a Câmara não teria paciência para mo ouvir na referência a todas elas.

O segundo projecto de lei que envio para a Mesa, embora não tenha importância igual à daquele a que acabo de referir-mo, e por isso não solicito para êle a urgência e dispensa do Regimento, significa a facilidade que no Ministério da Marinha existe em se publicarem diplomas que contrariam ai leis em vigor, pelo que já ali só não sabe a lei em que sé vive.

Fala-se com os chefes de serviços, e todos êles têm, sempre o mesmo o significativo encolher de ombros, acompanhando estas frases:

"É o Ministro que manda".

"O que querem que se faça!"

Êste segundo projecto diz respeito aos sargentos sinaleiros. Êstes sargentos estão ao abrigo da lei n.° 935, de 10 de Fevereiro do 1920.

O decreto n.° 10:062 veio arrancar-lhes regalias que êles tinham por virtude daquela lei. Isso só se poderá fazer por meio de outra lei. Por meio de um decreto não pode ser! O meu projecto é para atender à situação criada a êsses sargentos.

Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se consente que o meu primeiro projecto seja discutido com urgência e dispensa do Regimento.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revista s, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os projectos de lei vão adiante publicados por extracto.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Filomeno da Câmara.

O Sr. Manuel José da Silva: - Peço a palavra sôbre o modo de votar.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra sôbre o modo do votar.

O Sr. Manuel José da Silva: - Como está pendente da apreciação da Câmara um projecto de lei do Sr. João Luís Ricardo, visando fim idêntico ao que pretendo atingir o projecto do Sr. Filomeno da Câmara, lembro que talvez fôsse de boa prática deixar ficar o projecto do Sr. Filomeno da Câmara junto aos outros para oportunamente a Câmara se pronunciar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Filomeno da Câmara (sobre o modo de votar): - Concordo com as obser-

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vações do Sr. Manuel José da Silva, mas lembro que há toda a necessidade de se evitar que o decreto possa ter os seus efeitos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se ...

O Sr. Moura Pinto: - Requeiro que se vote primeiro a urgência e depois a dispensa do regimento.

Foi aprovado.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - A minoria socialista vota a urgência e a dispensa do Regimento.

Seguidamente foi aprovada a urgência e rejeitada a dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Filomeno da Câmara.

O Sr. Presidente: - O Sr. Manuel José da Silva deseja tratar em negócio urgente da nomeação de uma comissão permanente de verificação de poderes.

O Sr. João Luís Ricardo (para interrogar a Mesa]: -Peço a V. Exa. a fineza de me dizer se êsse negócio urgente prefere o que está em discussão.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia não está nenhum negócio urgente; vou pôr à votação o pedido de negócio urgente.

O Sr. Marques Loureiro (sobre o modo de votar): - Peço a V. Exa. a fineza de mandar ler o requerimento do Sr. Manuel José da Silva para eu saber se é com prejuízo do meu projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Não vejo na Mesa nenhum negócio urgente para antes do período do "antes da ordem do dia". Há pouco o Sr. João Luís Ricardo fez a mesma pregunta, e eu respondi por forma idêntica.

O Orador: - A resposta de V. Exa. não corresponde à minha pregunta.

O meu negócio urgente era para ser tratado logo que se constituísse a Mesa. Insisto na minha: o negócio urgente do Sr. Manuel José da Silva é com preterição de todos os outros negócios urgentes?

Eu concordo com êsse negócio urgente, mas não concordo com a preterição dos outros.

O Sr. Presidente: - Certamente que se a Câmara votar o negócio urgente do Sr. Manuel José da Silva, não pode ser com a preterição do assunto urgente apresentado por V. Exa.

O Orador: - Aceito as explicações de V. Exa. e quando se tratar do meu assunto urgente pronunciar-me hei.

O orador não reviu, nem o Sr. Presidente fez a revisão das suas .declarações.

O Sr. Manuel José da Silva (sobre o modo de votar): - Quando enviei para a Mesa o meu negócio urgente foi com a nobre intenção de contribuir para a solução de uma questão que estava pendente nesta Câmara, sem perturbação dos trabalhos da ordem do dia; mas vejo que o tempo passa e que da minha intenção ficou só a imagem, por isso eu desisto do negócio urgente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Posta à votação a acta foi esta aprovada sem discussão,

OBDEM DO DIA

Proposta de lei de duodécimo

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: está prestes a apresentar-se o Govêrno e não é êste o momento próprio para discutir a proposta dos duodécimos, e nossa ocasião terei ensejo de responder às considerações do Sr. Ramada Curto, e dizer a S. Exa. que estamos absolutamente de acordo com as suas palavras, quando S. Exa. se referiu ao abandono e boa fé que animou os homens da República ao abandonarem os altos cargos.

Há outras considerações a que não poderemos de maneira nenhuma dar o nosso apoio. São as que se referem, por exemplo, ao excesso das despesas militares, que não são tam excessivas como o Sr. Ramada Curto disse.

Também o que a República tem feito pela assistência e instrução não é tam pouco como S. Exa. supõe.

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10 Diário da Câmara aos Deputados

Efectivamente, se se confrontar o que existia antes da implantação da República, relativamente ao problema da instrução e ao da assistência e saúde publicas, a República pode bem orgulhar-se do que tem feito.

Também teremos ensejo de nos referir às considerações do Sr. Barros Queiroz mais largamente. Por agora, limitar-nos hemos a dizer que elas calaram profundamente no nosso ânimo. Se o Partido Nacionalista vem disposto, como é próprio de um partido constitucional da República, a querer colaborar numa obra profundamente republicana, democrática e nacional, terá todo o nosso inteiro apoio o aplauso.

Apoiados.

Apenas pequenas divergências de processas entre nós se poderão levantar, porque das próprias palavras de S. Exa. vemos que, afinal, no objectivo geral todos nós estamos de acordo.

Para terminar, quero ainda afirmar à minoria socialista que em tudo o que seja destinado a proteger ou auxiliar as classes trabalhadoras (mas não os criminosos) (Apoiados), nos encontram decididamente a seu lado...

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo):- E aos criminosos apenas o castigo nos termos da lei o da Constituição, não é assim?...

O Orador: - Quero ainda afirmar a V. Exa. e à Câmara que damos o nosso voto à proposta de substituição, apresentada pelo Sr. Manuel José da Silva, para que seja votado apenas um duodécimo o para que seja revogado o § 1.° do artigo 1.° da lei de duodécimos que estava em vigor.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem o Sr. Amâncio de Alpoim fez a revisão do seu àparte.

O Sr. Carvalho da Silva (para explicações):- Sr. Presidente: não tencionava usar da palavra, mas em vista das considerações do Sr. Vitorino Guimarães, sou forçado a pronunciar duas ou três palavras.

Protesto, em nome dêste lado da Câmara, contra aquilo a que S. Exa. chama a "republicanização" da finança. O Sr. Ramada Curto fez uma censura à República e aos homens da República por não terem sabido substituir a finança, a que S. Exa. chamou monárquica, por uma finança republicana.

Não compreendo, Sr. Presidente, como esta aspiração possa caber a dentro do programa socialista, porque acho tudo quanto há de mais perfeito individualismo o querer tirar a alguém a administração de uma cousa que lho pertence para a entregar a outra pessoa. Não é princípio socialista êste, mas sim um princípio que eu nem quero classificar.

É espantoso que depois do caso do Angola e Metrópole ainda venham falar em mais republicanização.

É espantoso que seja o Sr. Vitorino Guimarães, cheio de responsabilidades políticas no caso do Angola e Metrópole, quem levante a voz para fazer afirmações dessas!

Contra essas palavras protesto em nome dêste lado da Câmara, e repito que quem deve administrar uma cousa que lhe pertence é o próprio e não quem os Governos quiserem!

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto (para explicações): - Sr. Presidente: eu quero só elucidar o Sr. Carvalho da Silva que a finança me interessa, tanto ela seja vermelha e verde como azul e branca. Era esta a distinção que S. Exa. devia ter feito. Mas não o fez, se bem que tivesse ocasião do fazer mais um brilhantíssimo discurso...

O Sr. Carvalho da Silva: - O que quero é uma finança nacional. Mas...

O Orador: - Então agora falo eu!

O Sr. Carvalho da Silva: - É que eu socializei-lhe a palavra por 2 minutos!

O Orador: - Os senhores, quando lhes convém, são capazes disso!

O Sr. Carvalho da Silva: - Ora aí está o conceito que V. Exa. faz de uma socialização!

O orador não reviu, nem o Sr. Carvalho da Silva fez a revisão dos seus àpartes.

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O Sr. Presidente: - Não há mais ninguém inscrito.

Vai votar-se.

É aprovada, em seguida, a proposta na generalidade, entrando em discussão na especialidade.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: no decorrer da discussão da proposta inicial dos duodécimos fizeram-se nesta Câmara afirmações, até por parte de correligionários meus, que sinceramente lamento não estarem presentes, afirmações que carecem de ligeiras rectificações, que eu me julgo autorizado a fazer, visto que pertenci à Câmara anterior, em que êsses meus correligionários tinham também assento.

Não quero que se diga que deixamos passar afirmações menos verdadeiras.

As censuras do Sr. Barros Queiroz e do Sr. Aboim Inglês dirigiram-se ao Parlamento anterior, por não ter discutido e votado oportunamente o Orçamento Geral do Estado.

Não tenho que apreciar agora estas palavras; tenho apenas que acrescentar que por parte do Partido Nacionalista não houve a menor culpa dessa falta.

O Grupo Parlamentar Nacionalista fez-se representar sempre suficientemente nas sessões nocturnas que foram marcadas nesta Câmara para a discussão do Orçamento.

O Grupo Parlamentar Nacionalista cooperou, sem nenhum propósito de obstrucionismo, na discussão e votação do orçamento do Ministério da Instrução, que chegou a ser aprovado nesta Câmara.

Não tem também o Grupo Parlamentar Nacionalista culpa que fossem enxertados no meio da discussão do Orçamento Geral do Estado assuntos de vária ordem, que impediram a sua discussão e aprovação.

Recorda-se V. Exa. e os Deputados da anterior legislatura que, com efeito, vários assuntos, alguns por propostas do próprio Govêrno, foram antepostos à discussão da proposta orçamental.

Todos nós pregamos que a discussão do Orçamento é indispensável num regime parlamentar, que ela, mais que qualquer outra medida, robustece o crédito interno e externo, que sem ela o Parlamento não pode devidamente funcionar, e aqui se afirmou, até por parte do Govêrno, que, a discuti-lo mal, preferível seria dá-lo como não aprovado.

Não me cumpre discutir se assim deve ser ou não deve ser.

Cumpre me apenas salientar estas circunstâncias: é que, concluída a sessão legislativa última, ainda não estavam relatados todos os orçamentos, e essa responsabilidade pode caber a toda a gente, menos aos parlamentares do Partido Nacionalista, porque não eram êles os relatores.

Feita esta singela declaração, e feita com aquele entusiasmo que ponho principalmente na defesa, não apenas das causas justas, mas dos meus correligionários, devo ainda salientas, por parte do Grupo Nacionalista, que a maior parte das declarações prestadas pelo Sr. Vitorino Guimarães não têm razão de ser.

A discussão por parte da comissão orçamental, acerca dos duodécimos, deveria ser feita, e compreende-se que o fôsse, com todo o cuidado, visto que nessa proposta original se incluem verbas que se não podem justificar.

Não é a hora de se apreciarem essas verbas, porque seria triste que num morto se estivesse a bater.

A proposta está morta.

O Sr. Vitorino Guimarães declarou aceitar a proposta do Sr. Manuel José da Silva.

Da contribuição lançada sôbre os chamados "trauliteiros" arranjou-se receita para ocorrer às despesas resultantes dêsse movimento revolucionário.

Por aqui termino as minhas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se concede a prioridade para o artigo 1.° da minha proposta.

É aprovado.

Foi lida na Mesa e aprovada a proposta.

Entra em discussão o artigo 2.°

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que, antes de ser posta à consideração da Câmara a doutrina do artigo 2.° da minha proposta, seja consultada a Câmara para ser submetida à sua apreciação a doutrina do artigo de lei.

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A justificação encontra-se nos considerandos que antecedem o artigo.

É aprovado, sem discussão, o artigo novo.

Entra em discussão o artigo 2.°

O Sr. Manuel José da Silva: - Requeiro a prioridade para o meu artigo 2.°, visando a substituir todos os outros artigos da proposta do Govêrno.

É aprovado.

É aprovado o artigo 2.°, do Sr. Manuel José da Silva.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Requeiro a V. Exa. seja consultada a Câmara sôbre só autoriza a dispensa da última redacção para que a proposta vá imediatamente para o Senado.

Documentação

Artigo 1.° É mantido no mês de Janeiro de 1926 o disposto noa artigos 1.° o 5.° do decreto n.° 11:004, de 1 de Setembro de 1925, efectuando-se nas propostas orçamentais para o ano económico de 1925-1926 as alterações necessárias para o cumprimento desta lei.

Art. 2.° É revogado o § único do artigo 1.° do decreto n.° 11:054, de 1 de Setembro do 1925, e toda a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados.- Manuel José da Silva.

Aprovado.

Dispensada a última redacção.

Para o Senado.

Art. 3.° Fica o Govêrno autorizado a abrir, com as formalidades legais necessárias, os créditos especiais que forem indispensáveis para se proceder à reforma imediata das praças da guarda fiscal que estão ou venham a estar julgadas incapazes do serviço, reforçando-se, de conformidade, a verba da proposta orçamental ou orçamento do Ministério das Finanças destinada a tal fim.

Em 17 de Dezembro de 1925.- O Ministro das Finanças, António Alberto Tôrres Garcia.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Requeiro, que seja também discutido o artigo novo in fine da proposta ministerial em discussão e referente às praças da guarda fiscal.

É aprovado.

Proposta

Proponho que após as férias parlamentares a Câmara dos Deputados adopte provisoriamente o Regimento do Senado, em quanto não fôr aprovado um novo Regimento da Câmara dos Deputados. - F. G. Velhinho Correia.

Para a comissão do Regimento.

Leu se na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Lelo Portela.

Vai inserido nos documentos mandados 2Jara a Mesa durante a sessão.

Entra o Ministério na sala e pede a palavra o Sr. António Maria da Silva, Presidente do Ministério,

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: começo por endereçar a V. Exa., em nome do Govêrno, as nossas maiores homenagens.

Declaração ministerial

Sr. Presidente: tendo o Sr. Presidente da República concedido a exoneração ao Gabinete da presidência do Sr. Dr. Domingos Pereira, fui incumbido pelo supremo magistrado da nação, após as consultas constitucionais, do organizar o novo Ministério.

Apesar da circunstância do provimento das pastas da Guerra o da Marinha por duas individualidades libertas de compromissos partidários, o Govêrno, que tenho a honra de apresentar ao Parlamento, devo considerar-se, pelas características da sua organização, um Govêrno saído do Partido Republicano Português. Tem, por isso mesmo, do orientar a sua acção pelos princípios enunciados no programa do seu partido como um corpo de doutrinas e do soluções dos problemas da vida nacional, que até aqui tem inspirado e condicionado a actividade política dos seus organismos dirigentes. Mas, na execução dêsses princípios, nenhum facciosismo o perturbará, animado como se encontra do fundo e patriótico sentimento de bem servir a Nação e a República. Fiel respeitador das leis de separação do Estado e das Igrejas, procederá de modo a não afrontar as crenças do quaisquer confissões religiosas.

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Manterá com firmeza a ordem pública e a disciplina social, sòlidamente assegurada peia defesa e salvaguarda das garantias cívicas e dos altos interêsses nacionais.

As investigações de actos puníveis, qualquer que seja a gravidade que os revista, serão feitas com ampla liberdade de acção para os investigadores, a quem o Govêrno dará sempre a assistência e prestígio indispensáveis. Êsse será o seu procedimento perante os gravíssimos acontecimentos em que está envolvido o Banco Angola e Metrópole, os quais hão-de esclarecer-se até final, sejam quais forem as responsabilidades a apurar.

O Govêrno propõe-se realizar uma administração escrupulosa dos dinheiros públicos e entende que deve assentar no equilíbrio orçamental toda a obra do nosso saneamento financeiro. Para a realizar, não dispensa nem poderia dispensar a mais estreita colaboração do Poder Legislativo, a quem incumbe o primacial dever de discutir e votar a proposta orçamental dentro dos prazos constitucionais.

Do estudo e discussão de tal proposta tem de derivar, dentro dum prazo breve, o equilíbrio do Orçamento, pela redução das despesas públicas, feita pelos processos que o Parlamento já definiu num diploma, a que tem de dar-se imediata e perfeita execução. A economia da reorganização dos quadros do funcionalismo civil e militar tem de ser depois mantida e assegurada por uma nova orgânica dos serviços da contabilidade pública, manda de meios de defesa, hoje mal definidos e dispersos por diplomas mais ou menos platónicos.

O Govêrno promoverá a simplificação do sistema tributário em vigor, dissipando -por essa forma e pela largueza do acção e de movimentos que o equilíbrio orçamental lhe permita - o ambiente perturbador, em que o Estado e as actividades económicas se têm olhado com desconfiança quando não com inimizade.

Ainda dentro do exercício corrente têm o Govêrno e o Parlamento de definir o novo regime legal da indústria e comércio dos tabacos. O Govêrno faz da solução dêste problema, tam decisivo para a nossa vida financeira e até política, uma questão aberta, que quere estudar e debater com largueza na mais perfeita colaboração com o Poder Legislativo. Se lhe corre, porém, o dever de marcar desde êste momento a sua posição, não terá dúvida em afirmar que repudia a idea da continuação do monopólio privado e que preconiza a régie do Estado como a solução que melhor satisfaz o programa do Partido a que pertence, e aquela que menos naquela a acção do Estado para ulteriores e mais oportunas soluções.

E tornando-se necessário ao esclarecimento e definitiva consolidação da nossa situação financeira que se apure e defina o montante e a forma de pagamento da nossa dívida de guerra, em termos que afirmem claramente o nosso desejo de a liquidar e sejam comportáveis com a capacidade financeira e as necessidades económicas do país, o Govêrno assistirá desveladamente a delegação que em breve e para êsse efeito se encontrará em Londres com os comissários do Tesouro Inglês.

A divergência havida entre os Governos de Portugal e Espanha, sôbre a chamada questão da barra do Guadiana, não pôde felizmente alterar as boas relações entre os dois países vizinhos.

A sua resolução definitiva encontra-se, por proposta do Govêrno Espanhol aceita pelo Govêrno Português, confiada ao julgamento do Tribunal de Justiça Internacional.

O Govêrno não perderá de vista a necessidade de proteger a produção nacional e de beneficar sistematicamente a nossa posição económica, procurando, através de negociações entabuladas e a promover, a celebração de acordos comerciais e de tratados de comercia.

Na sua política externa diligenciará com entranhada devoção conseguir que se tornem cada vez mais íntimos os laços que nos prendem ao Brasil e mais fortes e solidárias a dedicação e a lealdade mútuas e inalteráveis que nos ligam à nação nossa antiga aliada.

Para facilitar a execução do seu programa o Govêrno propor-vos há, sem aumento de desposa, a reorganização dos serviços do Ministério dos Negócios Es-

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trangeiros, do modo a dar àquele organismo toda a eficiência da sua acção económica e política.

O Govêrno não se esquecerá do carinho patriótico que deve merecer-lhe o Portugal maior de além-mar, que é mester engrandecer, como o melhor título das nossas seculares tradições de povo colonizador e o mais seguro penhor da nossa existência e dignidade de nação livre.

Todos os sacrifícios para êsse fim necessários são legítimos, rara já urge continuar o esfôrço, que temos leito para a solução das dificuldades que mais afligem algumas das nossas províncias ultramarinas, entre as quais avulta a da questão bancária pela dificuldade das transferências de fundos para a metrópole. Continuará a fazer-se o financiamento de Angola, devendo publicar-se, sem demora, o diploma que regula a forma de pagamento das obrigações emitidas por aquela província no montante de 60:000 contos.

Facilitar-se hão as diligências que o governo de Moçambique está efectuando para a realização de operações de crédito, destinadas a atender às necessidades mais instantes daquela província. O Govêrno estudará e proporá a reorganização do Ministério das Colónias e das fôrças militares ultramarinas, sem perder de vista a necessidade da redução de despesas dispensáveis, já iniciada nestes serviços pelo Gabinete anterior.

Torna-se cada vez mais necessária uma larga obra do fomento nacional, melhorando as condições materiais e a exploração da rode do viação ordinária e acelerada.

A Terra carece de ser valorizada pelo aumento da sua produção, intensificada pela preparação, distribuição e transporte dos adubos químicos, pela execução sistemática do um plano de hidráulica o, paralela e consequentemente, pela melhor distribuição da população e mais fácil acosso do trabalhador à propriedade.

Mas, é sobretudo o problema da instrução geral o técnica que o Govêrno considera como o mais importante problema do fomento nacional. E nessa conformidade, apesar da política geral de economias que se impõe, entende que a verba global das despesas do Ministério da Instrução não pode ser reduzida, e que até, se fôsse possível, deveria ser aumentada.

Ao Parlamento será presente uma proposta do lei autorizando um empréstimo para instalação em edifícios próprios de alguns estabelecimentos do ensino superior, secundário e primário e ainda para melhorar as condições materiais de muitos dos existentes.

Partidário da descentralização dos serviços de educação popular, o Govêrno, em diploma que trará à discussão do Congresso chamará os corpos administrativos a uma colaboração mais íntima com o Poder Central.

Não se esquecerá também de apressar os trabalhos do revisão em estudo dos programas de ensino secundário, ao intuito de, sem prejuízo da valorização dêsse ensino, conseguir libertá-los do tudo o que se considere excessivo, estudando em conjunto as bases de reorganização do ensino secundário.

Promoverá ainda, para maior aproveitamento e coordenação de esfôrços, que todos os serviços de instrução, aparto os dos ensinos agrícola, colonial o militar, voltem a concentrar-se no Ministério da Instrução Pública.

Nos serviços de defesa nacional o Govêrno, tributando às nossas fôrças de terra e mar a calorosa homenagem de apreço o gratidão de que são dignas a tantos títulos, perfilha a orientação que aos respectivos Ministérios imprimiram já os seus titulares nos anteriores Gabinetes de que fizeram parto.

Empenhar-se há o Govêrno em que o Parlamento aprove a proposta de lei sôbre o habeas corpus, solenemente prometida na Constituição; propõe-se promover a aprovação do uma lei de organização judiciária, acompanhando-a de outras providências que acelerem o andamento dos processos o desembaracem a acção dos tribunais; reformará a legislação criminal e a do regime prisional de molde a satisfazer os seus fins do defesa social e, tanto quanto possível, de regeneração do criminoso.

Atenderá também à necessidade de uma lei sôbre liberdade da imprensa, dando a

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maior amplitude à expressão de pensamento, condicionada pelas mais fortes e efectivas responsabilidades pelos abusos cometidos.

Há de merecer-lhe igualmente interêsse a codificação de todas as disposições diversas relativas ao inquilinato, publicadas desde 1910, aperfeiçoando-as de modo a garantir, tanto quanto possível, os legítimos interêsses de senhorios e inquilinos.

O Govêrno, reconhecendo a necessidade imperiosa e urgente da publicação dum Código Administrativo, cumprindo assim uma promessa exarada na Constituição, esforçar-se há por apresentar ao Parlamento uma proposta de lei em que se expunha a legislação administrativa em vigor dos erros, contradições e mais defeitos que cortem, fazendo-se um corpo de doutrina sistemática e metodicamente organizada e em cuja fórmula caiba a satisfação das aspirações concelhias e regionais.

Tal é, em resumo, o programa do Govêrno que tem a honra do se apresentar ao Congresso da República.

Para o executar confia no concurso devotado do Parlamento e da Nação.

E emquanto aguarda as decisões do Parlamento sôbre os graves assuntos de que tem de ocupar-se, saúda calorosamente o Povo, que, com as suas altas virtudes cívicas, tem sido sempre o mais estrénuo defensor da grandeza e da dignidade nacional.

Ao terminar a leitura, ouve-se das galerias uma grande salva de palmas.

O Sr. Presidente: - São prevenidas as galerias de que ao primeiro sintoma de qualquer manifestação, as galerias serão imediatamente evacuadas.

Apoiados.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: falando em nome da representação parlamentar do Partido Republicano Português nesta Câmara, as minhas primeiras saudações têm de ser para o Govêrno cessante.

O Presidente dêsse Govêrno impõe-se a todos os seus correligionários como uma figura respeitável, pela sua fé republicana, patriotismo e altos serviços prestados ao país em várias emergências.

Apoiados.

Pode discordar-se de S. Exa. num ou noutro ponto, mas o que ninguém pode é deixar de fazer a mais rasgada justiça às suas intenções.

Não teve objectivo que não fôsse o de bem servir o seu país e prestigiar, cada vez mais, a República.

Sr. Presidente: a hora grave em que S. Exa. assumiu a responsabilidade do Govêrno e os serviços que se podem classificar de enormes prestados não só ao partido que se orgulha de o ter nas suas fileiras, mas à República e à nação, podemos dizê-lo sem exagero, constituem o maior serviço prestado ao país.

Apoiados.

Sabe que o Govêrno que se acaba de constituir, composto de cidadãos que se enfileiram na nossa agremiação política, à excepção dos Srs. Ministros da Guerra e Marinha, merece a nossa consideração.

Pleonasmo seria estar da nossa parte a fazer neste momento o elogio das suas qualidades e virtudes.

Se êles, efectivamente, ocupam aqueles lugares com o assentimento de nós todos, com a nossa confiança, é porque na verdade reconhecemos em cada um as virtudes e os méritos que eram precisos no momento presente.

Sr. Presidente: eu não quero, em nome do Partido Republicano Português, deixar de dirigir os meus sinceros cumprimentos e calorosas saudações aos Ministros militares que ocupam as pastas da Guerra e da Marinha, e dizer-lhes que, embora não sendo nossos correligionários, êles encontrarão sempre da nossa parte e todo o auxilio e apoio para que possam tornar em realidade as suas propostas e medidas tendentes a aperfeiçoar e a prestigiar cada vez mais a fôrça pública.

Sr. Presidente: embora fôsse quási desnecessário - porque é essa uma das obrigações de todos os Governos, e bem fez o Sr. Presidente do Ministério em escrever na sua declaração ministerial que manterá com firmeza a ordem pública e a disciplina social, e que as investigações de todos os actos puníveis, sejam êles de que natureza forem, serão feitas com ampla liberdade.

Efectivamente, no momento triste e

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grave que atravessamos, era necessário pronunciar essas palavras, proclamá-las bom alto, para que toda a nação fique sabendo que os indivíduos comprometidos nos acontecimentos que estão decorrendo, por mais elevada que seja a sua situação e o prestígio das suas funções, não poderão fugir à justiça, que será a verdadeira justiça republicana.

Sr. Presidente: propõe-se o Govêrno realizar uma escrupulosa administração dos dinheiros públicos, obra essa que deve assentar no equilíbrio orçamental.

Está isso no programa do partido a que me orgulho de pertencer, e creio que o está nos programas de todos os outros partidos.

Pareceria, portanto, desnecessária esta afirmação, mas não o é infelizmente.

Tem de só basear o bem-estar dos países na sua situação financeira, porque não pode haver o progresso e desenvolvimento dos vários ramos de actividade se não existir o equilíbrio orçamental e 6 impossível o equilíbrio orçamental sem que haja Orçamento.

Na verdade nós passamos haja alguns anos pela vergonha de ter estado o Parlamento permanentemente a funcionar e de não termos Orçamento.

Bem faz o Sr. Presidente do Ministério em dizer que o Govêrno envidará todos os seus esfôrços no sentido de serem, votados os orçamentos. Creio mesmo que fará disso uma questão de confiança.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva):- Apoiado!

O Orador: - Eu quero crer que êste Parlamento, que é novo, há-de ter sempre bem gravado na sua consciência que o seu principal dever é a aprovação do Orçamento nos prazos constitucionais.

Mas nós temos sempre a recear, porque também o Parlamento transacto era animado da maior fé republicana e patriótica e contudo não votou, como lhe competia, os orçamentos.

Outra promessa consta da declaração ministerial, e eu peço ao Govêrno, e especialmente ao Sr. Ministro das Finanças, que a não ponham de parte. É a que diz respeito à reforma de contabilidade pública.

Se fôr impossível uma reforma, ao menos faça-se uma recompilação da legislação, contabilista.

É preciso, efectivamente, acabar com o caos que, representa hoje a contabilidade pública, devido ao número do decretos o disposições constantemente alteradas por outros, que se contradizem por vezes, e que constituem a nossa contabilidade ou as suas regras.

Se o Govêrno arranjar um estatuto da contabilidade pública, em harmonia com os princípios modernos, isso só por si torná-lo há credor da nossa gratidão e do reconhecimento de todos os bons cidadãos.

Sr. Presidente: também não podemos deixar de dar o nosso aplauso à promessa do Govêrno de que tratará de remodelar o sistema tributário, no objectivo da sua simplificação.

É um facto que se impõe, porque na verdade muitas das reclamações que chegam ao Ministério das Finanças são principalmente devidas às dificuldades grandes que o contribuinte por vezes encontra em satisfazer os seus encargos.

Sr. Presidente: um outro problema, da mais alta importância, que o Govêrno tem diante de si é a questão dos tabacos.

Nós estamos a poucos meses de terminar o contrato actual.

Desse contrato é que deve vir a nossa regeneração financeira completa, para a qual tanto se tem trabalhado. É, por assim dizer, a cúpula do edifício em que tantos obreiros têm sacrificado todos os seus cuidados e atenções.

Quero dizer, Sr. Presidente, que, embora o partido a que me honro de pertencer tenha efectivamente um ponto do vista sôbre a resolução dêsse problema, não terá dúvida, porque a questão é de alta importância, em o substituir por outra solução, se nos convencermos de que ela é melhor do que aquilo que preconizávamos, pois só temos em vista os interêsses nacionais.

E já que estou falando na questão dos tabacos, quero recordar à Câmara que é a primeira vez que se chega ao fim da gerência de um contrato dos tabacos sem estarem empenhados os seus rendimentos futuros. Quanto mais não fora, isto bastava para a administração republicana ter um sentimento de vanglória.

Apoiados.

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Sr. Presidente: sôbre as afirmações feitas pelo Govêrno na parte relativa às questões internacionais, é fora de dúvida- pleonasmo quási é dizê-lo - que estamos de pleno acordo com elas, porque antes mesmo da declaração ministerial ser lida já havia para o público um facto a demonstrar essa certeza: é a continuação na pasta dos Estrangeiros do Ministro que já a tinha ocupado no Ministério anterior.

Mas temos de nos congratular, efectivamente, pelas ideas expendidas; temos de nos felicitar pela forma como as negociações em vários casos pendentes têm sido dirigidas. E é assim que sinceramente, em nome dêste lado da Câmara, nós nos congratulamos pelas nossas boas relações com a vizinha Espanha, por se terem estreitado cada vez mais os laços de amizade como a nação nossa irmã, e por sentirmos cada vez mais amiga e dedicada a grande nação que de há tantos séculos é nossa aliada: a grande Inglaterra.

Sr. Presidente: não é êste o momento de estarmos a expor programas de Govêrno ou modos de ver, visto que o Govêrno nos representa, mas não é demais chamar a atenção do Ministério para a questão colonial. Não é que não esteja bem entregue a pasta respectiva; está em boas mãos. Mas não é demais, efectivamente, reclamar mais uma vez a atenção do Govêrno para o problema colonial, porque êle é de uma tam alta magnitude que deve despertar a atenção e cuidados de todos os Ministérios e de todos nós.

Quanto à parte relativa ao desenvolvimento das medidas de fomento e de instrução, de que fala a declaração ministerial, não é só certamente o Partido Republicano Português que está de acordo com ela; quero crer que sob êste aspecto toda a Câmara está de acordo, porque todos os membros do Parlamento são antes de tudo portugueses, e para o país só benefícios adviriam de que se tornassem numa realidade as promessas feitas pelo Govêrno e que sei bem, porque conheço a qualidade dos homens que ocupam as cadeiras do Poder, se lhes derem tempo deixarão de o ser, e para que isso se efective estejam V. Exas. certos de que não lhes faltará nem a nossa colaboração nem o nosso apoio.

Satisfazem também, na verdade, uma aspiração de todos os republicanos muitas das medidas que pela pasta da Justiça são apresentadas na declaração ministerial, e de lastimar é que até hoje não tenham sido realizadas. Entre elas, uma há para que chamo a principal atenção do Sr. Presidente do Ministério, porque traduz um desejo sincero e veemente da representação parlamentar do Partido Republicano Português: é a necessidade que há da promulgação rápida de um Código Administrativo.

Apoiados.

Efectivamente, sôbre essa lei, se não quisesse abreviar as minhas palavras, teria de fazer considerações análogas às que fiz quanto à contabilidade pública.

São dois diplomas que se impõem. É quási um dever de honra dos republicanos que êsses documentos sejam publicados.

Não está certo, realmente, que tendo havido uma transformação de regime, nós ainda hoje nos estejamos a reger poríeis administrativas antigas e por leis de contabilidade pública também antigas.

Eram estas as considerações que queria fazer, e apenas para que se não dissesse que, oferecendo ao Govêrno a nossa confiança e auxílio, não tínhamos outras palavras a dizer-lhe. Mas elas quási seriam desnecessárias, porque o Govêrno sabe que pode contar com o nosso auxílio, como nós sabemos que êle há-de envidar todos os esfôrços para cumprir o seu dever e dar satisfação às aspirações nacionais.

Tenho dito.

Vozes da maioria:-Muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquágráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pedro Pita: -Sr. Presidente: apresento os meus cumprimentos pessoais aos Ministros que saíram, assim como ao actual Govêrno.

Na declaração ministerial logo no princípio fazem se declarações que de algum modo simplificam em muito o que o Partido Nacionalista tem de dizer.

Quero dizer, o Govêrno é de facto um Govêrno partidário.

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O Partido Nacionalista não tem comparticipação nas responsabilizados desse Govêrno ou dêsse partido, nem cumplicidade em qualquer acto.

Não há nada melhor do que situações claras e atitudes que se definem em duas palavras.

O Partido Nacionalista considera-se afastado do Partido Republicano Português por se sentir profundamente magoado.

O Partido Nacionalista tem, pelo menos, a qualidade do saber defender-se, e a qualidade do não se deixar ferir sem se mostrar magoado.

Apoiados.

Abriu-se o conflito em termos que não pode deixar dúvidas a ninguém de que êsse conflito não terminará como em todas as legislaturas.

Apoiados.

Hoje não será assim.

Apoiados.

Tomamos o compromisso de fazer, pelo menos, arreliar o Govêrno o fazer pensar duas vezos aqueles que nos quiserem magoar.

A maioria tem três votos, nós dois, e temos de assinar "vencidos".

Agora também assinamos "vencidos", mas com declaração do voto, que vamos fazer.

Sr. Presidente: eu não creio, por mais que pensem o contrário, que a minoria nacionalista é de facto tam fraca e de tam pouco valor que passem sem ela e passem por cima dela.

É bom estabelecer doutrina desde já; não se vá lá fora especular.

Nós não temos o propósito de impedir ou combater qualquer acto a bem da Pátria e da República.

Apoiados.

Fica assente que o Partido Nacionalista não fará política senão a boa e &ã política republicana.

Apoiados.

Postas assim as cousas como elas são, vejamos a declaração ministerial. Eu custa-me repetir palavras que já disso quando se apresentou de uma outra vez um Govêrno do Sr. António Maria da Silva, mas elas agora têm toda a oportunidade.

Esta declaração é apenas um amontoado de palavras.

Tudo isto com a lei do inquilinato e o Código Administrativo à mistura.

São palavras que vêm em todas as declarações ministeriais.

A única solução que se deixa ver é a que diz respeito aos tabacos, quando o Govêrno declara que tem as suas simpatias pela régie.

O Govêrno, embora diga que se trata duma questão aberta, vai declarando que tem as suas simpatias pela régie, lazão talvez defensável. Acêrca da questão dos fósforos, o meu ilustre correligionário Sr. Aboim Inglês mostrou bom a leviandade como questões desta ordem têm sido tratadas.

Mas mantém a ordem, e desde que é com firmeza, ficamos a imaginar que é por meio da fôrça.

Do facto êste Govêrno, desconhecendo outros termos em que a disciplina social se pode impor, é claro que só por meio da fôrça se pode servir.

O que pensa o Govêrno acerca das indústrias em Portugal e dos operários dessas indústrias ?

Sabe o Govêrno que a maioria das fábricas está a trabalhar apenas três dias em cada semana?

Sabe o Govêrno que há muitos operários sem trabalho?

O que pensa o Govêrno a esto respeito?

Como pode impor a tal ordem e disciplina sociais?

Não há na declaração ministerial uma única palavra a êste respeito.

Diz o Govêrno alguma cousa acerca de decretos ditatoriais do seu antecessor? Não; antes, pelo contrário, parece estar de acordo.

Há um decreto do Ministro da Guerra do Govêrno transacto que autoriza a si próprio a promulgar a reforma dos serviços do exército.

Cito êsto decreto em especial, porque ~ele é inconstitucional, e porque, nos termos da Constituição, é privativo do Congresso da República tudo quanto diga respeito à organização das fôrças de terra o mar.

Pregunto: como é que o Govêrno pode fazer tudo isto?

Eu quero mais uma vez afirmar a justiça que faço ao Sr. Ministro da Marinha, mas devo significar a S. Exa. que num

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país como o nosso não se pode estar a fazer experiências, que saem muito caras.

Decreta-se também nestes mesmos termos uma reorganização da fiscalização dos caminhos de ferro, e decretou-se a extinção de determinados impostos das câmaras municipais, decreto felizmente revogado, pouco tempo depois, pelo Parlamento.

Sr. Presidente: há que ponderar uma circunstância.

Poderá o Sr. Presidente do Ministério dizer: que culpa tenho ou do que fez o meu antecessor?

Perdão, muitas vezes eu tenho visto que se procura fazer arcar com responsabilidades um só, quando essas responsabilidades pertencem a muitos, e neste caso olho para o Ministério, olho para os homens que compõem o Govêrno e verifico que, em dez, seis vêm do anterior.

Que garantias pode êste Govêrno dar ao Parlamento, se a maioria dos seus membros subscreveu decretos em que mostraram bem não ter, de facto, o respeito que deviam ter pela Constituição?!

Ao ler na declaração ministerial certas palavras carinhosas, ou lembro-me, mesmo sem querer, da leitura que há dias ouvi de um telegrama enviado ao Sr. Alto Comissário de Moçambique, e por êsse telegrama avalio do carinho que merece o Portugal maior de além-mar.

Mas, Sr. Presidente, o mal das colónias, o perigo das colónias não está, de facto, nessas acusações com que se procura empoeirar os olhos dos outros; o mal está em escolher-se para governadores das nossas colónias quem não tem competência para desempenhar êsse lugar, quem não tem merecimentos para tal.

Sr. Presidente: eu não tenho contra o Sr. Alto Comissário de Moçambique nenhuma razão especial para a êle me referir aqui, mas faço esta pregunta, deixando a resposta à consciência do caia um: e tem S. Exa. as faculdades de inteligência e de saber para dirigir aquela colónia, sobretudo neste momento?

Nem ao Sr. Rêgo Chaves, a quem me ligam laços de profunda estima, reconheço qualidades para estar à frente da nossa colónia de Angola, para ser governador de um distrito ultramarino.

Ah, Sr. Presidente, como isto é, e como se quere atribuir ao regime as responsabilidades que são só de um partido quando escolhe para colocar os governadores, não pela sua competência, mas pela sua situação dentro do próprio partido!

Sr. Presidente: o Govêrno, como gato que molhasse as mãos dentro de um tinteiro e dêsse uma carreira sôbre um papel, fala nas estradas.

Mas que pensa o Govêrno fazer a respeito de estradas?

Qual é a maneira que tem de resolver êsse problema?

Já não vou ao ponto de me referir às estradas que estão por construir; limito-me a preguntar ao Govêrno o que pensa fazer para a melhoria das estradas.

Sr. Presidente: não vale a pena ocupar tempo com lugares comuns, tam conhecidos, embora em resposta a outros lugares comuns.

Não vale a pena mostrar à Câmara quanto representa para a economia nacional o estado desgraçado em que se encontram as estradas; mas, ocorre perguntar se há de facto, e há, mais de uma maneira de solucionar êste problema, eu pregunto: qual deles merece, pelo menos, mais simpatia ao Govêrno?

Qual é a solução que pensa adoptar?

Será possível que, voltando a ocupar a pasta do Comércio o Sr. Gaspar do Lemos, não tenha ideas a êsse respeito e não diga o que pensa fazer?

Não há, de facto, nesta declaração uma palavra sôbre fiscalização de caminhos de ferro.

Que pensa também o Govêrno sôbre isto?

Não vê o Govêrno que se dá ainda com êsse problema o mesmo que se dá com as estradas?

Nada; esta declaração é nada, nada em todos os seus aspectos.

Conta-se que o Sr. António Maria da Silva é uma pessoa que diz sempre somente uma parte daquilo que quere dizer. Eu calculo que S. Exa. desta vez não quis dizer nada, e daí o ter feito esta declaração.

Quando o Sr. Presidente do Ministério e a parte da sua declaração referente ao Código Administrativo, afirmou o seu propósito de apresentar à Câmara um projecto para essa codificação.

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É preciso esclarecer - porque ou ouço os Governos, sobretudo no m o mento em que se vão embora, atirarem para cima do Parlamento com todas as responsabilidades daquilo que não fizeram - é preciso esclarecer, repito, que nunca foi apresentado ao Parlamento qualquer projecto de Código Administrativo, pelo menos nestes sois anos mais próximos, em que por cá também tenho andado.

Não há, portanto, que pedir ao Parlamento responsabilidades dessa falta; ela pertence aos vários Governos que se têm sucedido nas cadeiras do Poder, e a esto mais que a nenhum se pedirá, visto que o promete formalmente na sua declaração.

Pois pode lá compreender-se que, vivendo-se em regime republicano há quinze anos, ainda não haja um Código Administrativo!

Mais ainda: se não saiba bem quais as normas do Código Administrativo que nos regem, estando ao mesmo tempo em vigor uma parte de 1878, uma parte do de 1896 o ainda o bocadinho do de 1913, tudo já modificado por uma porção de leis e decretos!

É lá compreensível que em 15 anos de vida republicana, aqueles que têm de mexer em leis se vejam na situação que eu acabo de expor à Câmara!

Sr. Presidente: termina o Govêrno a sua declaração ministerial afirmando que confia no concurso devotado do Parlamento.

Sr. Presidente: há que distinguir!

Se o Govêrno confia neste concurso pelo que respeita às medidas que interessam e digam respeito à Nação e à República, então sim, concurso em todo o caso que não é dado incondicionalmente, que é dado nos termos que se nos afigurem justos.

Se o Govêrno confia, sem nos dizer em que termos só propõe esperar êsse concurso, se o Govêrno se limita a fazer afirmação de que consta no concurso do Parlamento sem nos dizer em que termos vai proceder, engana-se pelo que respeita a êste lado da Câmara.

O Govêrno só pode contar com êsse concurso nos termos em que eu já indiquei: o Govêrno tem do esperar dêsse partido a atitude que lhe advém de ter na sua escrita uma conta aberta com êste partido, e que não pode ser outra, visto que quem se não sente não é filho de boa gente, e nós prezamo-nos do ser boa gente.

O Govêrno, em resumo, só poderá contar com o apoio do seu partido conforme já foi dito pelo Sr. Daniel Rodrigues num jornal da tarde.

Puxem V. Exas. aos varais, que nós os ajudaremos com as nossas chicotadas.

Para terminar, Sr. Presidente, eu vou ler a moção que vou mandar para a Mesa.

Devo ainda dizer a V. Exa. que não temos a veleidade de fazer aprovar a nossa moção tendo apenas em vista, apresentando-a, marcar com o nosso voto a nossa atitude.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente - Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita.

A Câmara reconhecendo que o Govêrno não foi constituído em termos de poder dar garantias de respeito pela Constituição, e que os SOUH propósitos, manifestados na declaração ministerial, denotam claramente que ela não corresponde à gravidade do momento que passa - manifesta lhe a sua desconfiança e passa à ordem do dia. - Pedro Pita.

Foi lida, admitida e posta em discussão.

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: em obodiência às praxes parlamentares e às disposições do Regimento - e porque pedi a palavra sôbre a ordem - vou ler a minha moção; e não se assuste o Sr. Presidente do Ministério, que ela não ó, nem peixe nem carne, nem confiança, nem desconfiança, antes pelo contrário.

Risos.

Moção

A Câmara dos Deputados reconhecendo que não pode protelar-se por mais tempo a realização económico-social prometida no período da propaganda republicana e reconhecendo que até hoje a República não se tem libertado do domínio militarista e capitalista, aguarda do Govêrno a realização duma rápida e corajosa obra de reforma administrativa, política, económico-social e militar, exprime o voto do que se cumpram inteiramente os ter-

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mós da Constituição e das leis gerais do país em todos os processos pendentes pelos chamados crimes sociais o com relação a todos os suspeitos e acusados dêsses crimes, e passa à ordem do dia. - Amilcar Ramada Curto.

Sr. Presidente: nestas sessões de recepção ministerial espera-se sempre por parte dos oradores a chamada música a grande instrumental.

Os melhores ditos, as melhores frases, os melhores arrebatamentos oratórios são reservados para êstes dias. Há Deputados que estudam em casa, de véspera, o discurso.

Eu posso, porém, garantir a V. Exa. e à Câmara que, por uma questão de maneira de, ser própria, nunca estudo discursos. E, como vulgarmente se diz, "o que sair".

Mas estou seriamente embaraçado na organização do meu discurso, porque sou uma pessoa que atende muito as opiniões que, a respeito da minha actuação como homem público, leio nos jornais. Tenho o maior respeito pela imprensa. E, Sr. Presidente, num jornal - Diário da Tarde, dirigido pelo meu amigo o ilustre parlamentar Sr. Dr. Alberto Xavier - dizia-se que não se concordava com a actuação socialista nesta Câmara. E eu, que respeito muito as opiniões do S. Exa., velho parlamentar, desejaria vê-lo presente nesta casa do Parlamento para, quando concluísse as minhas considerações, dizer-lhe, parafraseando as palavras de Silva Pinto a Camilo: "Mestre, é assim?..."

Por outro lado, têm-me chamado retórico e romântico.

Eu sei, Sr. Presidente, que êste mundo está cheio de "merceeiros" que embirram com a imaginação de cada um. Todos têm o se feitio próprio e a sua maneira de ser. Sou tal qual a Providência me fez.

Sr. Presidente: não vou dizer ao Govêrno, presidido pelo meu ilustre amigo Sr. António Maria da Silva, que sou um Deputado truculento, que vai apresentar-lhe uma moção. Nós, os socialistas, temos nesta Câmara um papel muito diferente do de todos os outros lados. Não nos interessa que esteja no Poder, Poder representativo das classes, Poder dum Estado de organização das fôrças das classes dominantes sôbre as dominadas, não nos interessa que nele esteja Pedro, Paulo, Sancho ou Martinho.

Para mim tanto vale o democratismo do Sr. António Maria da Silva como o nacionalismo do Sr. Pedro Pita ou mesmo até êle que me perdoe - o esquerdismo do Sr. José Domingues dos Santos.

De resto, votar moções de desconfiança é muito desagradável.

Se V. Exa. de me permitem, vou contar uma história que aprendi quando era criança. E passada num país distante - a Pérsia. V. Exa. ai! sabem que os reis e imperantes lá se chamam shahs. Havia na Pérsia um shah que era verde, que era, numa palavra, horrível. Era tirano, violento, um mau imperante, emfim, e toda a Pérsia o detestava. Quási que toda a população pedia a Allah que levasse para as profundas do inferno persa um shah tam reqmntado.

Mas, cousa curiosa, no meio desta série geral de imprecações sempre se levantava a voz duma velhinha, que suplicava exactamente o contrário : que Deus protegesse a vida do shah por muitos anos e bons.

Chamou-a ao palácio, e o rei pôs-lhe o caso:

"Quando todos são unânimes em pedir a minha morte, porque razão só tu imploras a Deus que me conserve a vida por longos e dilatados anos?".

A velha respondeu:

"Quando eu tinha 18 anos governava o teu avô. Era péssimo. Era absolutamente detestável. Toda a Pérsia ansiava por que o teu avô morresse. Eu, ingénua, juntei aos rogos de todos os meus para que viesse teu pai. A breve trecho vem teu pai, mas dentro em pouco se reconheceu que êle ainda era pior do que teu avô. E claro que toda a Pérsia começou pedindo à Providência que abreviasse a vida de teu pai. Vieste tu! E tu ainda és pior que teu pai e teu avô reunidos. Então eu, já experimentada, só peço agora aos céus que tenhas vida longa. E que receio que venha outro ainda pior".

Ora a minha atitude em face do Govêrno será muitas vezes idêntica à da tal velha.

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Pedirei aos céus que o Sr. António Maria da Silva só conserve no poder por largos anos o bons. Receio que venha outro pior.

Risos.

Falou-se aqui na composição do Govêrno. Salientou-se que esto Govêrno é pouco mais ou menos o que saiu. Não acho que semelhante circunstância seja motivo para dirigir censuras ao Sr. Presidente do Ministério. Vejamos.

Nada há mais parecido com a scena teatral do que a scena política. É até muito vulgar chamar ao Parlamento tablado parlamentar.

Ora o que fazem nos teatros os autores felizes duma revista? Refrescam-na com números novos.

Risos.

Foi o que fez o Sr. António Maria da Silva, Refrescou uma revista já gasta com alguns números novos.

Sr. Presidente: àparte a minha posição de oposição doutrinária aos homens que compõem o Govêrno, deve dizer que do facto são todos êles homens inteligentes, de valor e de merecimentos.

Para a pasta das Finanças o Sr. António Maria da Silva não podia ter encontrado melhor colaborador do que o Sr. Marques Guedes. E um homem de muito valor, mas é possível que se aborreça com a política e até com o Sr. Presidente do Ministério.

Quando começarem a sair do alinhamento, faz as malas e vai para o Pôrto!

Risos.

Saúdo todos os Ministros - os novos, os antigos e os de jacto contínuo, como é o Sr. Vasco Borges, Ministro toda a vida e mais seis meses.

Risos.

Após isto, vamos a fazer um pouco a análise da declaração ministerial.

Há uma certa razão nas considerações do Sr. Pedro Pita, quando S. Exa. diz que êstes documentos de declaração ministerial são, por via de regra, documentos anodinos. Os que os redigem não esperam com certeza conquistar com êles a imortalidade, e têm, mais ou menos, um chefe que copiam, com ligeiras alterações, de uns Governos para os outros. E eu não andaria muito longe da verdade dizendo que não me surpreenderia vendo nas mãos dum Govêrno nacionalista uma declaração, pouco mais ou menos, como esta.

Cumpre-me agora fixar a posição dos Deputados socialistas nesta casa do Parlamento. Há quem nos censure porque nós nos aliámos com o Partido Republicano Português, para que o Partido Socialista tivesse representantes no Congresso da República.

Mercê do várias circunstâncias e do atraso em que se encontra a evolução capitalista em Portugal - porque nós não temos no nosso país o grande capitalismo ou o grande industrialismo - e mercê, também um pouco, do feitio apaixonado e místico da nossa raça, as organizações operárias abandonaram o campo doutrinário para abraçarem o chamado sindicalismo revolucionário, no qual se integrou parte da população operária, e digo parte, porque a maioria nem sequer está filiada nele.

Nestas condições, o doutrinarismo socialista, que existe em todos os países como expressão e fórmula política de transformação social, não tem em Portugal, infelizmente para todos nós - não só para os trabalhadores, mas até para os próprios burgueses - a fôrça necessária e suficiente para lhe garantir representação parlamentar. E, assim, sem essa aliança, nós dois não estaríamos aqui.

Porém, o Partido Republicano Português, inteligentemente e reconhecendo que é hoje condição essencial para o equilíbrio da vida social duma nação ouvirem-se, estudarem-se o atenderem-se, na medida do possível, todas as revindicações justas, propôs-nos um acordo honesto e leal (Apoiados), acordo em que nós, socialistas, tivemos a vantagem de ter o nosso partido representado no Parlamento, mas acordo em que, apesar da nossa pequena forca eleitoral, o Partido Republicano Português teve, por exemplo, no Porto - o bem às claras - a vantagem de, com o nosso auxílio, ter conseguido ganhar as maiorias.

Apoiados.

Dir-nos hão que a nós nos competia, como socialistas, inclinarmo-nos a uma aliança que podia ser aquela que julgássemos mais eficiente com o nosso doutrinarismo e pontos de vista; e então dizia-se: porque não nos teríamos unido nós com a Esquerda Democrática?

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Sr. Presidente: a Esquerda Democrática não podia unir-se com os chamados socialistas autoritários e os chamados socialistas colectivistas.

Desejamos a concentração capitalista, a florescência do capital como condição necessária para a solução que desejamos, a felicidade humana, pelo regime socialista, dentro dos princípios que regulam a propriedade.

Nós não queremos fazer do cada proletário um proprietário: queremos, porventura, modificar fundamentalmente o estatuto económico da sociedade pelo chamado individualismo colectivo.

Não só compreendia, pois, que nos ligássemos com a Esquerda Democrática, a não ser que, num dado momento, uma necessidade de combate, de oposição parlamentar comum, fôsse imposta, tal como a aliança agora nos conviria, com democráticos, para disputa de eleições no Pôrto.

Os senhores são um partido novo, que agora aparece, mas, indubitavelmente, e é preciso dizê-lo com coragem, o único Partido da República organizado é o Partido Republicano Português. Tudo o mais são boatos.

Riso.

Estamos no Parlamento sem estarmos enfeudados a ninguém.

Apoiados.

Há de haver muita ocasião em que os próprios democráticos, que connosco fizeram aliança, vejam que lhes somos desagradáveis, mas não pôr sistema, mas para salvaguarda dos nossos princípios, a que já me referi.

Um mau Govêrno é preferível a que haja a anarquia nos espíritos.

Governos fracos não servem nem aos interêsses da burguesia nem aos interêsses do proletariado. Governos que 4esaparecem como diabos de mágica, que nada fazem, e que à sociedade portuguesa criam uma vida como o pântano, não servem para nada.

É necessário governar, e nós estamos aqui para obrigar essas pessoas a governar, segundo o nosso propósito.

Dito isto, Sr. Presidente, a declaração ministerial começa por dizer que manterá com firmeza a ordem pública e a disciplina social solidamente criada, para defesa e salvaguarda dos altos interêsses nacionais.

O Sr. Pedro Pita preguntou se era propósito do Govêrno manter apenas com firmeza a paz pública, seguindo a orientação da paz de Varsóvia.

Não pode haver paz nas ruas emquanto a não houver nos corações; não pode haver paz pública emquanto a não houver nas consciências. Em Portugal, o problema socialista, mercê do atraso do próprio capitalismo português, que se tem limitado a ser bancarroteiro e papelista, não tem sabido criar absolutamente nada do útil e grande, mercê da falência dessas classes conservadoras. Num país onde não existe indústria nem finança, onde não há daquelas cousas com que os países lá de fora fazem a glória de uma etape da civilização, em Portugal, o problema socialista tem de ser pôsto do forma diversa. Em Portugal, é o problema da miséria física, moral e intelectual. E o problema do depauperismo. Em Portugal, a questão social coloca de um lado uma minoria muito restrita, que goza de benefícios de uma civilização que não ajudou a criar, e de outro, uma enorme massa sofredora, que o capitalismo tem relegado à situação de servos da gleba, sem que haja um sentimento de bondade.

Outro dia, na discussão dos duodécimos, eu tive ocasião do me referir a êste aspecto da questão nacional. Estão neste momento deportados homens sem julgamento, nem culpa formada, porque em Portugal houve atentados à bomba. E a República fez desaparecer, fez sumir por um alçapão o Poder Judicial, substituindo-o pelo dos janízaros, que julgam de sciencia certa, como os reis de direito divino, e que, em vez de ocuparem o trono, estão no Govêrno Civil.

Êsses homens foram deportados sem julgamento.

Ah! Que formidável engano! Para que a rua se acalmasse era necessário que não houvesse ao lado do homem criminoso e louco, que sonha com actos do violência, dando-lho as mãos e chorando ao pé dele, o homem desgraçado.

Em Portugal a calda de cultura dos actos de violência e de loucura é a miséria pública, de que os senhores todos são os responsáveis.

Por êstes processos é que se pretendo dar paz à vida social portuguesa. Pelo

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desenvolvimento das despesas militares, poios julgamentos sem culpa formada, pelas deportações sem culpa formada, pela abdicação de tudo aquilo que numa sociedade civilizada é um património em que ninguém tem o direito de tocar?

Já pensaram os senhores que na legião dêsses homens que estão na Guiné, longe de nós, pode haver inocentes?

Já pensaram os senhores, cidadãos de uma sociedade que exige para o parricida, réu do mais nefando e hediondo crime, a perícia médica para saber se êle está em condições de suportar as asperezas do clima africano? Já pensaram os senhores que lá ao longe, sem que a sua voz chegue até aqui, podem existir pessoas, arredadas do convívio da familia e do solo que os viu nascer, que estejam inocentes dos crimes de que as acusam, mas que só sintam responder aos seus clamores do justiça o marulhar das águas, do mar que os separa três ou quatro mil léguas das águas que banham o seu lindo continente?

E os senhores, que aplaudiram talvez a abolição da pena do morte, os senhores a quem a Monarquia legou pela mão dum rei, D. Luís I, a mais alta, a mais nobre solução de direito penal de todos os países da Europa, não têm a coragem de tornar a fazer vigorar a forca ou o fusilamento, mas vão chamar como substituto para executar a morte dos homens que mio julgam a aspereza e a maldade do clima, e, em vez da morte rápida e violenta no patíbulo, os senhores têm a crueldade de a frio, um a um, dois a dois, três a três, deixar que êstes desgraçados venham a cair mortos na Guiné!

Já pensaram os senhores que não pode haver, nem conservantismo, nem ordem pública, nem atitudes políticas que justifiquem um tam monstruoso crime?

Nos Balkans, quando nas lutas sociais e políticas os Governos querem castigar, ao menos têm a coragem moral de levantar um cadafalso e assinar a sentença do morte.

Ah! Sr. Presidente! Chegou-nos outro dia a notícia de que morreu um; depois que morreu outro; agora de que morreu mais um. E já não há um calafrio na sensibilidade nacional!?

Não há! Temos descido muito desde 5 do Outubro para cá. Pois se já houve em Portugal uma corrente para pedir a continuação da pena de morte nos códigos da nação !

Mas não é assim que o Govêrno pode garantir a ordem pública.

Nós nunca durante êstes longos anos de agitação constante colaborámos em revoluções ou quisemos alicerçar o poderio das nossas ideas sôbre a areia movediça das espadas e das espingardas, que uma vez vencedoras se voltam contra aqueles que as levaram à vitória. O problema revolucionário em Portugal é um problema de esclarecimento das consciências e de estabelecimento dum estado de direito e de verdade, que não se compadece com o caso inédito duma luta de armas, que pode triunfar por um bambúrrio.

Não fizemos revoluções, nem as aceitamos, nem as preconizamos. Contudo, eu já tive, eu socialista, a honra de ver diante do mim altos graduados do exército da República convidando-me a ao meu colega Amâncio de Alpoim para fazer uma "perninha".

Revolução que a fizessem êles, porque, no fundo, Sr. Presidente, as revoluções políticas em Portugal são feitas por aqueles que querem empregos; no fundo, o fazedor de revoluções políticas é o sujeito que quere ser, pelo menos, administrador de concelho, e o idealismo, o ideal do ditador é ser êle, é apresentar-se, é ter o automóvel com correio agaloado, é a gloria de mandar, "a vã cubica".

Ditaduras, mesmo quando as admitisse, desejaria preguntar como a velha raposa da Monarquia, José Luciano de Castro, homem inteligente e superior, preguntava a João Franco: - Sim, as ditaduras, mas, onde está o ditador?

A nós todos que nos conhecemos uns aos outros, e somos todos pessoas muito inteligentes, sucede que, muitas vezes, quando nos comparamos com outros seres, nos julgamos com favor, mas julgamo-nos capazes de fazer a felicidade: mas fazer essa felicidade de um povo por meio da ditadura é uma aspiração irrealizável. Nunca a felicidade de um povo se fez com a ponta das baionetas. Há acima de tudo uma aspiração, já hoje irredutível, tam profunda como a gravidade, aspiração que é a aspiração da Liberdade, do Direito e da Justiça.

No dia em que julgasse que êste amor

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que tenho pela Liberdade era incompatível com as minhas ideas socialistas, deixava de ser socialista.

Em Portugal todos os figurinos se adaptam, se preconizam. Neste momento, Sr. Presidente, estamos a viver entre duas revoluções: a revolução a preparar-se da direita, que não perdoa, e a outra, a radical ou lá o que é.

Ora eu aprendi no liceu que radical é um sinal algébrico que se opõe sempre em álgebra à potência.

Sr. Presidente do Ministério: essas duas revoluções não lhe hão-de deixar sossegar o seu Govêrno, mas V. Exa. é muito homem para fazer uma terceira e castigá-los a todos.

Risos.

Fazer revoluções para quê?

Onde estão os super-homens desta República? Onde estão os messias?

Se têm de facto boas intenções, se têm de facto ideais venham viver para dentro da Democracia, fazer a propaganda das suas doutrinas, e só depois, quando da parte do poder central encontrem impossibilidade de as realizar, só então será legítima a revolução. Em Portugal o que há são sarrafuscas de caserna.

Como tem o povo português procedido nesta interminável série de movimentos militares? Com uma passividade absoluta.

Sr. Presidente: isto é ridículo.

O Partido Socialista, se alguma cousa tivesse a pedir, pediria a todos os homens que não fizessem revoluções!

Há aqui um pedacinho de declaração ministerial, que é uma carapuça para o caso do Angola-Metropole.

Eu sou profissionalmente um advogado e entendo que é necessário rasourar os tribunais, porque é uma vergonha a justiça torta e vesga que se faz em Portugal.

Há também um outro assunto que nós socialistas desejamos tratar, referente à régie dos tabacos.

Eis o assunto que nos. separa da Esquerda Democrática.

Diz-se que a régie é a preparação para um monopólio e um nicho para empregar correligionários. Não é sob nenhum dêstes aspectos que eu a encaro, mas apenas como uma régie livre, e posso fazer-se porque felizmente as receitas dos tabacos ainda não estão comprometidas.

A régie livro é aquela em que os operários têm a fiscalização e comparticipação de lucros, não individuais, mas que serão entregues à sua associação de classe.

Eu não quero transformar os operários em capitalistas, mas que as acções sejam entregues aos sindicatos.

Com respeito à nossa vida internacional, nós, os socialistas, não estamos dispostos a consentir que se faça a política de chancelaria às ocultas.

Só nos convencerão da utilidade do manter mistérios quando nos provarem directamente com documentos e com factos que há questões internacionais que não devem ser tratadas no Parlamento e diante da opinião pública do país.

No Partido actual das relações internacionais não há nenhuma situação que não seja conhecida pelos parlamentares dos respectivos países.

Por muita consideração que eu tenha - e tenho-a, efectivamente - pelo ilustre titular da pasta dos Estrangeiros, que é uma pessoa inteligente e com uma linha exterior de diplomata que honra a República - porque nestas cousas também é preciso um físico d'aploms, não posso admitir que o Sr. Vasco Borges traga os segredos do Estado na algibeira das calças, com as chaves.

Na vigência do defunto Ministério foi resolvido o problema da barra do Guadiana com a Espanha, que nos propôs uma arbitragem internacional, e nós, sem que nada nos fôsse dito, aceitámos essa arbitragem.

Nós, os socialistas, somos absolutamente defensores das arbitragens em todas as questões internacionais, e não é por aí que fazemos reparos ao acto do Sr. Ministro dos Estrangeiros, mas o Govêrno, tomando a responsabilidade da arbitragem, acho que não procedeu muito cautelosamente.

Amanhã a Espanha ha-de querer também, com o precedente aberto, sujeitar à arbitragem a questão das águas territoriais, e isso interessa-nos, porque há nas costas do Algarve uma grande colónia piscatória que pode ficar reduzida à miséria.

Fala-se aqui, na declaração ministerial, do equilíbrio do Orçamento. O equilíbrio orçamental só se conseguirá se o Sr. Pre-

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sidente do Ministério, juntamente com os seus ilustres colegas da Guerra e da Marinha, tiveram a coragem de só cingir a esta fórmula: a República não pode gastar com a sua fôrça militar mais do que gastava em 1914, descontada, é claro, a desvalorização da moeda.

Doutra forma é impossível resolver o problema orçamental.

Não é a paisanada a principal causa do nosso descalabro financeiro; essa come, sim, uns como pouco. O que agrava o torna insolúvel o problema orçamental é a formidável inflação das despesas militares. Formidável e injustificada, porque eu, como militar, nunca passei de segundo sargento de cavalaria, com exemplar comportamento, sem nunca ter sido punido disciplinarmente, o embora não perceba nada da eficácia do nosso exército, ouço, contudo, dizer aos mais graduados oficiais que se fôssemos invadidos não poderíamos resistir por mais de 24 horas.

O Sr. Presidente do Ministério tem na pasta da Guerra o da Marinha dois ilustres oficiais que não são sons correligionários.

Esta circunstância, tendo S. Exa. no seu Partido tantos oficiais igualmente ilustres, presta-se a que só afirme lá fora que do facto o motivo do estarem no Govêrno dois oficiais independentes é o do existirem sôbre os Poderes Públicos da República pressões que não são constitucionais.

Se assim é, Sr. Presidente, preparem-se os futuros ditadores, para que a primeira pessoa que metam na cadeia seja eu.

Quando estava na tropa fazia a continência a todos, mas agora não. Prefiro V. Exa. com todos os seus defeitos, a uma ditadura militar.

É necessário que se digam estas verdades, o que se afirme também que a situação que antecedeu Sidónio Pais tinha qualquer semelhança com a actual.

E em quanto eu vir que se pretende brincar aos ditadores, não me deixarei ficar silencioso.

Quanto ao problema colonial, a política adoptada em quási todos os países do mundo só tem razão de ser, porque é alimentada pelas classes dirigentes, com a idea de que as colónias aumentem, do alguma maneira, a expansão comercial, e de que mais fàcilmente se podem impor aos povos de além mar.

Mas tal política tem levado a Espanha à ruína, com a aventura de Marrocos.

A política colonial que se tem feito em Portugal tem sido uma asneira pegada.

Eu sou hoje aqui o Velho do Restelo, diante do meu amigo trabalhista Sr. João Camoesas.

A glória de mandar e a vã cubica desvaidade a que chamam fama, não as pudemos nós ter.

Positivamente, hoje não somos nós que temos as colónias, são as colónias que nos têm a nós.

E, até para cúmulo, impingem-nos para cá pessoas do figuração política que podiam muito bom estar por lá.

O nosso pôrto de Lourenço Marques é um dos mais formidáveis portos do mundo.

O nosso pôrto de Lisboa, em matéria de progresso de portos, só é comparável ao de Lourenço Marques, por ter lá o num amigo Afonso de Macedo.

Nós fazemos caminhos do ferro para os pretos, e não temos uma rede de estradas,

Nós, que fomentamos a economia africana, somos um país onde falta tudo.

Nós somos como que uma ama tuberculosa, obrigada por castigo a alimentar dois latagões.

É "a lenda das quinas", e os heróis do mar e o nobre povo.

Pobre país alicerçado o mantido por interêsses económicos!

Em vez do patriotas, que não existem, nós temos patrioticos o patrioteiros.

Nós, Sr. Presidente, havemos de discutir com serenidade, com calma, qual a posição que a um paisete pobrezinho, de seis milhões do habitantes, convém tomar.

A política colonial, feita como nós a fazemos, desde que não seja a obra do levantamento moral o intelectual do indígena, é uma política que nos definha, que nos esgota, que nos mata.

Eu imagino a tareia que estas minhas palavras irão levar, lá fora, dos especialistas!

Porque Portugal, como V. Exa. sabe, é o país dos especialistas.

Tal indivíduo vai ao estrangeiro, e, quando volta, diz que é pedagogo - e to-

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da a gente passa a dar palmas ao pedagogo.

Outro diz-se colonial - dorme com os pretos e envenena as fontes da inteligência nacional.

Que fazemos nós, Sr. Presidente, depois daquela tremenda situação de Angola, situação que eu comparo à que criaria um gato, com uma lata atada no rabo, dentro de um armazém da Fábrica de Vidros da Marinha Grande, tudo partindo?

Nós, Sr. Presidente, que somos um desgraçado povo sem nenhuma espécie de valorização das suas riquezas daqui, estamos a mandar aos 60:000 contos para Angola - para Angola, de passagem pelo Banco Nacional Ultramarino!

Sr. Presidente do Ministério: V. Exa. que tem uma inteligência tam lúcida, que é uma pessoa tam criteriosa, que só quando não quere que o compreendamos é que fala de maneira a não ser percebido, resolva o problema bancário das colónias, resolva o problema do Banco Ultramarino, que é um bluff do tal ordem que nós chegamos a julgar que há outros na ordem da discussão, quási tam legítimos como êsse.

Não pode continuar esta política colonial que se tem feito, sem o nosso veemente protesto, sem que digamos claramente qual é a situação com que se pretende explorar a sentimentalidade de um país que se esgota, que morre por não poder suportar os encargos dessa política. Eu, Sr. Presidente, não estou a dizer enormidades.

Na França, que é a grande França, que é a segunda nação colonial do mundo, os municípios levaram perante o Govêrno francês a representação de que, a bem do interêsse nacional, ora necessário acabar com a política colonial que tem sido feita, propondo uma solução ainda mais radical do que a minha:- a venda das colónias.

Não chego a êsse extremo, além de tudo por uma razão de humanidade.

O Partido Socialista Português - e peço até a atenção dos Srs. jornalistas para esta minha declaração, porque me parece ter um certo alcance - tem mandato do Partido Nacional Africano para declarar aqui na Câmara, o para comunicar à sua Internacional, que estão de acordo em repelir todas as ambições estrangeiras sôbre o nosso património colonial, não pelas razões de um literário patriotismo, mas sim de humanidade, porque nós, espectadores imparciais, a êles interessados, reconhecemos que de todos os contactos que as raças de África têm com as civilizações europeias o mais suave, o mais benévolo, o mais amigo, o mais civilizador, é com Portugal.

Fomento nacional!

Já é sabido: Govêrno chegado ao Poder, anuncia-nos logo que traz consigo um... boião de pomada!

Vem sempre com a idea de fomentar tudo e todos.

Pois fomentem V. Exas.

Não terão muito tempo para levarem a fomentação até ao fim, mas...

Que dizer dessa parte da declararão Ministerial?

Apenas isto: fomentem V. Exas.; nós fomentaremos também.

Risos.

Sr. Presidente: quanto à matéria de ensino, nós queremos o ensino acessível a todos e em todos os graus, gastando-se quanto pudesse ser.

Está na Câmara dos Deputados uma proposta da autoria do meu amigo Sr. João Camoesas, que a minoria socialista perfilha e aplaude na sua generalidade.

Essa proposta assegura aos filhos do povo o acesso às mais altas funções directivas.

Esta situação miserável tem de necessàriamente acabar. Os Srs. oficiais constituem uma elite na sociedade portuguesa e muitos estão exercendo certas funções de carácter não guerreiro, mas de carácter, pelo menos, tam nobre como as outras. Descansem V. Exas., que o Primo de Rivera não vem cá. Não é necessária para nada a política de quartel; o que se impõe é substituí-la pela política da nação armada para sua defesa!

Apoiados.

Sr. Presidente: Eu (mal comparado) tenho uma oratória de autoclismo; quando me esqueço, puxo o cordão e... vai tudo por aí fora. Vou terminar as minhas considerações porque vai alta a hora e porque não quero abusar por mais tempo da atenção da Câmara.

Em resumo e finalizando: governe o Sr. António Maria da Silva bem, e encontrará por parte do Partido Socialista,

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não homens que o queiram deitar abaixo, mas homens que o censuram ou aplaudem quando S. Exa. o merecer.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Lida na Mesa a moção do Sr. Ramada Curto, foi admitida.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados dos diversos lados da Câmara o lavor de mandarem para a Mesa a indicação dos seus representantes para se constituírem as comissões.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério - a quem aproveito o ensejo de enviar as minhas saudações - para factos que a imprensa vem relatando e que merecem o meu protesto. Quero-me referir à proibição de sessões em vários sindicatos operários que a polícia tem impedido, tratando-se de um movimento pacífico que não merece, portanto, tal atitude. Com efeito, trata-se de simples sessões de propaganda para protestar contra a situação dos presos que se encontram na Guiné, e êste protesto julgo-o tam legítimo que a êle me tenho associado várias vezes e me associo agora também. Do resto, êsses princípios cabem adentro do programa do Partido Republicano Português e são da tradição do Sr. Presidente do Ministério.

Peço, pois, a S. Exa. que ordene o que fôr necessário para que seja respeitada a liberdade de reunião e a livre expressão do pensamento, porque chega a ser absolutamente vexatório para nós, republicanos, que se não possam retinir operários em Lisboa para protestarem contra uma medida que é contra os princípios fundamentais da República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva):- Sr. Presidente: o Sr. João Camoesas chamou a minha atenção para o facto de a polícia ter proibido a reunião de operários que pretendiam reclamar contra as deportações do presos. Devo dizer a V. Exa. e à Câmara que, conhecendo êsse facto, eu tratarei de providenciar para que se não repita; mas como o ilustre Deputado está em belas relações - o isso em nada o deslustra - com elementos da Confederação Geral do Trabalho - eu peco-lhe que seja o intérprete junto dêsses operários- a quem de resto já comuniquei o mesmo por outra via - das minhas palavras. A lei obriga a todos por igual. Ora está em vigor uma disposição que os obriga a participar essas reuniões com antecedência do 24 horas, e eu desejaria que êles se metessem adentro da lei.

Êste Govêrno não pode nem deve viver permanentemente fora da lei. Acha até inconveniente a situação dos presos deportados.

Estão todos pronunciados.

O Sr. Amancio de Alpoim (interrompendo): - E os das esquadras também?

O Orador: - Todos, quer os de Cabo Verde, quer os da Guiné, quer os das esquadras. Regressam ao Limoeiro.

Todos os presos estão pronunciados pelo Ministério Publico.

Todos têm o direito de intervir, não só V. Exa., junto do Ministério Público, no sentido de ser absolutamente respeitada a legislação vigente.

Têm uma nota de pena.

A legislação em vigor determina que o Conselho Superior Judiciário indique o local onde se deve fazer o julgamento.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: - Informo a V. Exa. que as reuniões operárias foram constantemente interrompidas pela polícia depois de ter sido permitido o seu funcionamento.

Para êste facto chamo a atenção de V. Exa. e do Govêrno, para que não sejam permitidos tais abusos e para que haja liberdade do reunião.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, e Ministro do Interior (António Maria da Silva):- Tomei na devida consideração o que

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V. Exa. acabou de dizer, e tomarei as devidas providências.

Quanto aos deportados, o Govêrno está analisando a sua situação.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas 35 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Filomeno da Câmara Melo Cabral, declarando nulo e de nenhum efeito o decreto n.° 11:306, de 30 de Novembro de 1925.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de marinha.

Para o "Diário do Govêrno".

Do mesmo, mantendo aos sargentos sinaleiros da armada as regalias que lhe confere a lei n.° 935, de 10 de Fevereiro de 1920.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Angelo Sampaio Maia, abrindo no Ministério das Finanças, a favor do Interior, um crédito de 1:000.000$ para as vítimas do ciclone que em 20 de Dezembro de 1925 assolou o concelho de Espinho.

Não foi aceito na Mesa, por virtude do disposto no artigo 2.° da, lei n.° 1:648, de 11 de Agosto de 1924.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Govêrno pela pasta das Colónias sob o regime bancário no ultramar mormente sôbre o problema das transferências.

21 de Dezembro de 1925. - Raul Lelo Portela.

Expeça-se.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução, me seja dada autorização para

examinar o processo instaurado contra o inspector escolar da Feira, Adelino Soares Bastos, e bem assim os processos relativos ao provimento do lugar de professores existentes na Escola de Fiais. - Angelo Sampaio Maia.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, sejam dadas à Capitania do porto de Lisboa as ordens necessárias para que aí me seja facultado o exame dos processos de vistoria aos navios da marinha mercante. - Filomeno da Câmara Melo Cabral.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja enviada cópia da correspondência trocada entre a comissão da Guerra Peninsular e os adjudicatários da construção do monumento de Lisboa; é assunto da maior urgência, pois que se torna indispensável concluir a construção dêsse monumento, averiguando a maneira de o conseguir.

Sala das Sessões, 21 de Dezembro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me sejam enviados:

1.° Cópia de despacho ministerial lançado no relatório da sindicância aos Transportes Marítimos do Estado, que deve ter sido entregue nos termos do artigo 2.°, alínea k) da lei n.° 1:663, de 30 de Agosto de 1924, ou informação das razões por que espera despacho, se êste caso se dar.

2.° Seguimento de uma queixa do meritíssimo juiz sindicante aos Transportes Marítimos do Estado contra o agente do Ministério Público nomeado nos termos da referida lei n.° 1:663, que me consta ter sido apresentada ao Ministério do Comércio.

21 de Dezembro de 1925.- Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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