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REPÚBLICA PORTUGUESA

SESSÃO N.º 10

EM 4 E 5 DE JANEIRO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

PRIMEIRA PARTE

Sumário. - Respondem à chamada 50 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Admissões de projectos de lei, já publicados no "Diário do Governo".

Antes da ordem do dia. - O Sr. Manuel Serras pede providências para o estado das estradas na região do Ribatejo. Manda para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Rafael Ribeiro presta homenagem ao falecido Beja da Silva, e manda para a Mesa chis projectos de lei.

Interroga a Mesa o Sr. Amando de Alpoim sôbre um negócio urgente que deseja realizar.

É pôsto à votação a requerimento do Sr. Rafael Ribeiro para a urgência e dispensa do Regimento do seu projecto de lei referente à supressão dum lugar na Misericórdia de Lisboa.

Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Joaquim Brandão e Vitorino Guimarães. É rejeitado o requerimento.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca protesta contra o atentado de bomba ao palácio patriarcal.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes) manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre duodécimos, e desmente a noticia dum jornal da falsificação de bilhetes do Tesouro.

É aprovada a urgência.

É pôsto à votação o negócio urgente do Sr. Alpoim sôbre a situação do Banco de Portugal.

O Sr. Ministro das Finanças considera inconveniente essa discussão, e o Sr. Alpoim usa da palavra para explicações Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Pestana Júnior, Vitorino Guimarães e António Cabral.

O Sr. Ministro das Finanças deseja que te aguarde a presença do Sr. Presidente do, Ministério, declarando o Sr. Presidente que S. Exa. já está prevenido.

O Sr. Joaquim Brandão protesta contra violências de autoridade em Setúbal, respondendo, a contestá-las, o Sr. Sousa Carvalho.

O Sr. Joaquim Brandão replica.

O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) responde ao Sr. Joaquim Brandão.

O Sr. Alpoim volta a formular os termos do seu negócio urgente.

Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério e dá explicações o Sr. Alpoim.

Falam os Srs. Cunha Leal e Vitorino Guimarães.

É aprovado o negócio urgente, que o Sr. Amando de Alpotm realiza em seguida.

Responde o Sr. Presidente do Ministério.

Interroga a Mesa o Sr. Álvaro de Castro.

Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério.

E aprovado um requerimento do Sr. Cunha Leal para a prorrogação da sessão.

Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. Cunha Leal, sendo admitida a sua moção.

É interrompida a sessão, para continuar no dia seguinte, à hora regimental.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Nota da interpelação. - Projectos de lei - Proposta de lei de duodécimos. - Requerimentos.

SEGUNDA PARTE

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia) usa largamente da palavra, expondo qual foi a sua acção como Ministro das Finanças nas relações do Govêrno com o Banco de Portugal.

É lido na Mesa um acórdão da comissão de verificação de poderes.

É introduzido na sala, tomando assento, o Sr. Soares Branco.

Usam da palavra, para explicações, os Srs. Amando de Alpoim e Cunha Leal.

Segue se no uso da palavra o Sr. Ramada Curto.

Usam da palavra, para explicações, os Sra. Vitorino Guimarães e Cunha Leal.

Seguem se no uso da palavra os Srs. Ministro das Finanças (Marques Guedes), Amâncio de Alpoim (para explicações), Carvalho da Silva e António Maria da Silva (Presidente do Ministério).

Lê-se na Mesa a moção do Sr. Cunha Leal.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Amâncio de Alpoim, respondendo-lhe, o Sr. Presidente.

É aprovada a moção do Sr. Cunha Leal.

O Sr. Presidente encerra a sessão, mareando a seguinte com a respectiva Ordem do dia.

Abertura da sessão, às 10 horas e 30 minutos.

Presentes à chamada, 50 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 51 Srs. Deputados.

Responderam à chamada os Srs.:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António de Paiva Gomes.
António Pinto do Meireles Barriga.
Artur Brandão.
Augusto Rebelo Arruda.
Bernardo Pais do Almeida.
Dagoberto Augusto Guedes.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos António de Lara.
Elimino Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Guilherme Alves Nunes.
Henrique Pereira de Oliveira.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João da Cruz Filipe.
João Luís Ricardo.
Joaquim Brandão.
Joaquim Toscano Sampaio.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro,
Raul Lelo Portela.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto de Moura Pinto.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Felizardo António Saraiva.
Francisco António da Costa Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Herculano Amorim Ferreira.
João Baptista da Silva.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alvos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

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Sessão de 4 e 5 de Janeiro de 1926 3

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Domingues dos Santos.
José Maria Alvarez.
José do Vale de Matos Cid.
José do Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lourenço Correia Gomes.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Raul Marques Caldeira.
Rui de Andrade.
Vasco Borges.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Alves Calen Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fusota.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Froilano de Melo.
Henrique Maria Pais Cabral.
Jaime António Palma Mira.
João Lopes Soares.
João Salema.
Joaquim Nunes Mexia.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Rosado da Fonseca.
José Vicente Barata.
Luís António Guerreiro Júnior.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís Vieira de Castro.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.

PRIMEIRA PARTE

Às 15 horas e 20 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 50 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente.

Ofícios

Do Ministério das Finanças, deferindo o requerimento do Sr. Alfredo da Cruz Nordeste, feito em oficio n.° 52, de 17 de Dezembro de 1925.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Justiça e dos Cultos, respondendo ao ofício n.° 84, de 22 de Dezembro, enviando os documentos pedidos pelo Sr. João Luís Ricardo.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Do Ministério da Marinha, satisfazendo o requerimento do Sr. Filomeno da Câmara Melo Cabral, feito em ofício n.° 68, de 21 de Dezembro.

Para a Secretaria.

Da viúva do Sr. Portugal Durão, agradecendo o voto desta Câmara pela morto de seu marido.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Boticas, protestando contra o decreto n.° 11:299.

Para a comissão de administração pública.

Requerimento

De António Avelino Ribeiro, pedindo para só juntar ao seu processo de revolucionário civil um atestado.

Junte-se ao processo.

Telegramas

Dos funcionários das Alfândegas do Lourenço Marques e das obras públicas de Moçambique, protestando contra o decreto que altera o tempo de reforma da licença graciosa.

Para a Secretaria.

Das Câmaras Municipais de Silves e da Marinha Grande, agradecendo a revogação do decreto n.° 11:334.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Vila do Conde, reclamando contra o decreto n.° 11:299.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal da Pesqueira, protestando contra o decreto n.° 11:277.

Para a Secretaria.

De Telo da Fonseca, do Pombal, protestando contra a nomeação de dois professores da Faculdade de Farmácia do Pôrto, sem curso nem concurso.

Para a Secretaria.

De S. Caldas, do Pôrto, em nome de pequenos foreiros de terrenos aforados depois de 1915, dizendo não poderem pagar mais do que actualmente.

Para a Secretaria.

Admissões

São admitidos os seguintes projectos de lei, já publicados no "Diário do Governo":

Do Sr. Cunha o Costa, declarando nulo o decreto n.° 11:363, do 16 do Dezembro de 1925, publicado no Diário do Govêrno n.° 271.

Para a comissão de comércio e indústria.

Do Sr. Filemon da Câmara, mantendo aos sargentos sinaleiros da armada os direitos e regalias que lhes confere a lei n.° 935, de 10 de Fevereiro do 1920.

Para a comissão de marinha,

Do Sr. Rafael Ribeiro, tornando extensiva aos sargentos ajudantes e primeiros sargentos da guarda fiscal, reformados no pôsto de alferes, a disposição do artigo 14.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro do 1924.

Para a comissão de guerra.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Manuel Serras: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que falo nesta Câmara, cumpro gostosamente o dever de saudar V. Exa. e todos os meus ilustres colegas nesta casa do Congresso.

Sr. Presidente: suponho chegado o momento de versar um problema que deve merecer a máxima atenção da Câmara. Refiro-me ao problema das estradas.

Sr. Presidente: representando o círculo de Vila Franca de Xira, um dos que mais abandonados têm sido pelos poderes públicos, eu aguardarei a presença do Sr. Ministro do Comércio para mais detalhadamente falar sôbre o assunto, que dadas as reclamações que diariamente recebo, e que pessoalmente já tive ocasião do constatar, é da maior gravidade para a economia daquela região do Ribatejo. Em alguns concelhos daquele circulo já não podem transitar carros de espécie nenhuma, o d6ste facto resulta um extraordinário prejuízo, não só para a lavoura dos vários concelhos, mas tam-

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bem um incalculável prejuízo para a economia daquela região. As estradas ali são verdadeiras covas sem fundo, onde diariamente tudo e qualquer carro que por ali passa fica completamente enterrado.

Eu peço a V. Exa. que, junto do Sr. Ministro do Comércio, ^seja levada a minha reclamação, e ao mesmo tempo se lhe comunique que oportunamente voltarei a tratar do assunto para apresentar, conjuntamente com o meu ilustre colega Sr. Teixeira Pinto, representante do mesmo círculo, um projecto de lei, que entrega a resolução da questão das estradas às Câmaras Municipais.

Ainda há dias, o Sr. Presidente do Ministério e meu ilustre correligionário, tratando dêste mesmo assunto, referiu-se à circunstância do problema das estradas ser meramente de ordem financeira. Concordando absolutamente com as afirmações de S. Exa., quero todavia acentuar que êle reveste também um carácter de administração que a todos nós deve interessar.

Ainda ultimamente, sé voltou a abrir um novo concurso para lugares de chefes de conservação e engenheiros, e não se cuidou de procurar aumentar o número de cantoneiros.

A meu ver, Sr. Presidente, é devido ao reduzido número de cantoneiros que as estradas do País se encontram no estado em que estão.

Muito mais teria que dizer a tal respeito, mas não querendo tomar mais tempo à Câmara, e não desejando também por emquanto estar a detalhar quais as estradas do círculo de Vila Franca de Xira que se encontram em pior estado, visto que todas elas estão intransitáveis, reservo-me para fazer novas considerações para quando o Sr. Ministro do Comércio estiver presente.

Tenho dito.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: a propósito de um duelo que foi trágico, pelas consequências, duelo em que foi encontrar a morte o ilustre republicano Beja da Silva, ainda não me consta que tenham sido tomadas quaisquer providências. Urna vez que usei da palavra para me referir a êle, eu quero prestar a minha homenagem a Beja da Silva, republicano com serviços à República, e que no campo chamado da honra perdeu a sua vida em defesa dos interêsses da cidade de Lisboa. Para êle vai a minha saudação.

Beja da Silva deixou aberto o lugar de director da Tutoria da Misericórdia. Ainda o seu cadáver estava quente na Câmara Municipal de Lisboa, e já os lobos desciam ao povoado a requisitar o lugar dele, esquecendo-se que do Orçamento consta haver um director adido.

Mas, mesmo que assim não fôsse, êsse lugar é inútil.

Outras instituições que fazem parte da Misericórdia de Lisboa, tais como o Recolhimento das órfãs, Instituto Luísa Paiva de Andrade, Asilos do Amparo e Santa Ana, administram-se sem terem o lugar de director.

Portanto, o lugar não serve para nada, e o Parlamento têm de zelar pelas disposições que aprovou, que são as leis n.ºs 971 e 1:344, que não permitem novas nomeações.

Uma vez que o Poder Executivo muito raramente olha para estas leis, bom é que o Parlamento, que tem de manter bem alto o nivel moral, para que a opinião pública veja que êle quere trabalhar e entrar no caminho da compressão de despesas, dessa compressão que todas as declarações ministeriais fazem sempre um grande balão, tenha a coragem de o extinguir.

O Sr. Joaquim Brandão (interrompendo): - O orçamento da Misericórdia não pesa em nada no Orçamento das despesas do Estado.

O Orador: - Mas pesa no orçamento da Misericórdia.

Ora, uma vez que o lugar é inútil, eu vou mandar para a Mesa um projecto, extinguindo-o.

Mas, uma vez que estamos a falar em compressão de despesas, e. que eu desejo à outrance que as disposições das leis n.ºs 971 e 1:374 sejam respeitadas, vou mandar para a Mesa outro projecto, que traz deminuição de despesas.

Pela redução dos quadros das celebérrimas Escolas Primárias Superiores, onde tantos professores, entraram pela janela...

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6 Diário da Câmara doa Deputados

O Sr. Sampaio Maia (em àparte): - Pelo postigo.

O Orador: - ... estabeleceu-se nina legislação tam grande, tam confusa, que houve um decreto que criou 5 grupos, depois outro que criou 4, seguidamente outro que criou 3, até que haja alguém que tenha a coragem de os extinguir. Assim ficaram, é claro, muitos professores adidos, que, pelo decreto n.° 8:469, podem ser nomeados para outros quadros da sua categoria.

Pelo meu projecto os professores que ficaram nos quadros e que têm o curso das escolas normais primárias, isto ó, que têm a habilitação legal para serem professores das escolas de ensino primário geral, podem, desde que queiram, passar para essas escolas, uma vez que façam parte dos grupos em que haja pessoal adido. Daqui resulta a abertura de uma vaga no quadro, e, consequentemente, o provimento dessa vaga por um professor adido.

Há, portanto, vantagem económica em que os professores dos quadros das escolas primárias superiores possam aproveitar-se da concessão do artigo 2.° e seu § único do decreto n.° 8:469, de 6 de Novembro de 1922.

Ora, Sr. Presidente, zelando à outrance a compressão das despesas, mando para a Mesa um projecto de lei nesse sentido e que visa a êsse fim.

Tenho a honra de apresentar ainda um outro projecto que diz respeito à lei n.° 1:462, de 20 de Julho do 1923.

Nessa lei altera-se a nomenclatura dos funcionários da secretaria geral e das direcções gerais do Ministério das Finanças, do Conselho Superior do Finanças e da Administração da Casa da Moeda, criando-se a categoria de chefes de secção, sendo considerados nesta nova categoria os funcionários que sendo primeiros ou segundos oficiais chefiavam ou dirigiam serviços de secção, competindo aos primeiros oficiais que não dirigem secção o serem promovidos nas vacaturas então existentes ou que venham a ocorrer.

Foi esta, que nós saibamos, a primeira excepção às disposições das leis n.ºs 971 e 1:344, que favoreceu 76 primeiros e segundos oficiais, isto com a agravante de se ter fechado a porta da promoção aos restantes funcionários dos mesmos departamentos, dada a disposição do § 3.° do artigo 4,° da lei n.° 1:453, que expressamente dispôs "que a primeira promoção dos chefes de secção não dava lugar a mais nenhuma promoção nas categorias inferiores".

Isto não é justo, tanto mais que nega o princípio consignado no n.° 2.° do artigo 3.° da Constituição.

Pela lei n.° 1:696, de 13 de Dezembro de 1924, nova machadada foi dada pelo Poder Legislativo nas disposições dos leis n.ºs 971 e 1:344. Os aspirantes do quadro administrativo do Ministério da Agricultura foram todos promovidos a terceiros oficiais, e a antiguidade na categoria do terceiros oficiais aos antigos escriturários da extinta Direcção Geral da Agricultura passou a considerar se, para todos os efeitos legais, desde 8 de Maio do 1918, Foram mais 88 funcionários promovidos, tal era o número de aspirantes que então existiam.

E quantos foram os escriturários contemplados com a antiguidade da promoção?

Pela lei n.° 1:762, de 30 do Março de 1925; aos sargentos a quem competiu a nomeação para os lugares de empregos públicos após a publicação do decreto n.° 5:330, de 26 de Maio de 1919, foi contada a antiguidade, como funcionários civis, desde a data em que foi decretada a suspensão do provimento e classificação em empregos públicos, sendo-lhes também aplicadas as disposições do decreto n.° 5:553, de 10 de Maio de 1919, como compensão que lhes era devida, de harmonia com o artigo 2.° do decreto n.° 2:317, de 4 de Abril de 1916.

Nada mais justo do que a promulgação de semelhante medida. O provimento de sargentos em empregos públicos tinha sido suspenso, emquanto durasse o estado de guerra, desde 4 de Abril de 1916, dada a promulgação do decreto n.° 2:317, suspensão que se efectivou até a data da publicação do decreto n.° 5:330, de 26 de Maio de 1919.

Se o Poder Legislativo assim reparava os danos causados a determinados cidadãos, não se compreende, portanto, que a lei n.° 1:452, de 20 de Julho de 1923, fizesse inserir o § 3.° do artigo 4.°, que

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prejudicou alguns funcionários, isto depois de no corpo do artigo ter promovido 76.

Também o Poder Executivo desrespeitou as disposições do lei n.° 971. E assim que promulgou ditatorialmente o decreto n.° 8:924, de 18 de Junho de 1923, que organizou a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado. E dizemos ditatorialmente, porque se fez uso de uma autorização que não existia. A lei n.° 1:355, de 15 de Setembro de 1922, que o Poder Executivo invocou para fazer a referida organização, não insere uma única disposição que lhe permitisse fazer o que se fez. E é importante frisar, para os devidos efeitos, que o decreto foi publicado no Diário do Govêrno n.° 139, 1.ª série, de 18 de Junho, com 408 artigos, e passados cinco meses, no Diário do Govêrno n.° 239, 1.ª série, de 10 de Novembro, com o fundamento de que tinha sido publicado com inexactidões, novamente se publicou, mas agora com 427 artigos.

Inconstitucional como é o decreto, inconstitucionalíssima é a matéria do seu artigo 412.° Por fôrça do disposto neste artigo foram revogadas as disposições da lei n.° 971 e § 2.° do artigo 2.° da lei 1:193, pois que considerou como tendo sido promovidos em devido tempo os empregados que o não tinham sido em devido tempo em vagas existentes por virtude das, disposições dessas leis.

E para reparar os inconvenientes da lei n.° 1:462 que mando para a Mesa um projecto de lei.

Sr. Presidente: terminando as minhas considerações, eu requeiro a urgência e dispensa do Regimento para o meu projecto que extingue o lugar de director da Misericórdia de Lisboa.

Tenho dito.

O Sr. Amâncio de Alpoim (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu desejo saber o destino do meu requerimento para tratar, em negócio urgente, da situação do Banco de Portugal, na presença dos Srs. Ministros das Finanças e Presidente do Ministério.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Devo informar a V. Exa. de que o Sr. Ministro das Finanças vem a caminho do Parlamento.

Vai votar-se o requerimento do Sr. Rafael Ribeiro, para que sejam concedidas a urgência e dispensa do Regimento ao seu projecto tendente a extinguir o lugar de director da Misericórdia de Lisboa.

O Sr. Joaquim Brandão (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: eu entendo que, sendo a Misericórdia de Lisboa um organismo que tem autonomia financeira e administrativa, não devemos tomar nenhuma deliberação acerca da extinção do lugar de seu director sem que êsse estabelecimento ou o Sr. Ministro do Interior se pronunciem.

Além disso, Sr. Presidente, não se trata positivamente duma compressão de despesas, porque não só as despesas da Misericórdia de Lisboa em nada pesam no Orçamento do Estado, mas também custeia todas as suas despesas, pagando integralmente os vencimentos e subvenções do seu pessoal.

De resto, há um funcionário adido a êsse lugar, e, no caso de se fazer a extinção, terá de atender-se aos seus direitos adquiridos.

Entendo, portanto, que é necessário um' melhor exame da questão e a assistência do Sr. Ministro do Interior, a fim de poder tomar-se uma deliberação sôbre o assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: embora não possa aceitar como boas algumas das afirmações do ilustre Deputado Sr. Joaquim Brandão, quando S. Exa. diz que a redução de despesas nos organismos autónomos não reverte em favor do Estado - porque, para mim, o Estado não é simplesmente o Poder Central - devo, no emtanto, declarar a V. Exa. que êste lado da Câmara entende que efectivamente é o Ministro da pasta por onde correm os serviços de assistência quem tem competência para aqui vir dizer quais as vantagens ou desvantagens que podem resultar, para a boa regularidade dos serviços, da extinção do lugar de director da Misericórdia de Lisboa.

Não podemos, por isso, votar a dispensa do Regimento para o projecto do Sr.

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8 Diário da Câmara aos Deputados

Rafael Ribeiro, embora estejamos prontos a votar a urgência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi rejeitado o pedido de urgência e dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Rafael Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alberto Dinis da Fonseca.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para em nome da consciência católica protestar contra o atentado leito a Sua Eminência o Patriarca.

Eu sei que atentados desta natureza não os pode o Govêrno evitar, mas pode talvez preveni-los, e, sobretudo, deve punir severamente.

Atentados desta ordem só atestam perversidade, tanto mais que a pessoa visada não faz mal a ninguém, mas sim procura fazer o bem, como ainda há pouco se manifestou publicamente a favor dos hospitais.

Apoiados.

Eu disso que o Govêrno pode preveni-los, pois 6les suo filhos da campanha dissolvente que lavra entre nós.

Nós estamos em face duma crise financeira o económica, mas principalmente estamos em face dama crise moral.

Apoiados.

Ainda hoje se anuncia mais um crime de burla, ou um alcance do 700:000 contos.

Eu entendo que é esta crise moral que nós primeiro precisamos dominar.

Disse há pouco o Sr. Ramada Curto que não pode haver paz nas ruas emquanto não houver paz nas consciências.

Êstes atentados são a prova da desmoralização que lavra.

Não vejo presente o Sr. Presidente do Ministério, mas peço o favor ao Sr. Ministro das Finanças do lho transmitir as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não revia.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Mando para a Mesa uma proposta do lei sôbre 5 duodécimos.

Seria mais curial mandar-se um duodécimo para cada mês, mas, estando a aproximar-se o período constitucional para apresentação da proposta orçamental para 1926-1927, eu entendo mais conveniente que o Parlamento se encontro desembaraçado da discussão dos duodécimos.

Seria mais correcto pedir autorização para efectuar as despesas e cobrar as receitas.

Não peço dispensa do Regimento para a proposta dos duodécimos, mas peço às comissões que doem parecer ràpidamente.

Aproveito a ocasião de estar no nso da palavra para mo referir a uma notícia publicada num jornal, relativa a uma burla de 700:000 contos do bilhetes do Tesouro.

Essa notícia não tem fundamento, e o Sr. Presidente do Ministério o Ministro do Interior chamou à responsabilidade quem a escreveu.

Apoiados.

O director do jornal que não tinha conhecimento da notícia...

Uma voz: - Mas tem que ser castigado. Muitos apoiados.

O Orador: - De toda a forma é condenável o proceder do jornal (Apoiados) por publicar notícias falsas e alarmantes.

Apoiados.

Peço urgência para a minha proposta.

Foi aprovada a urgência.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Peço perdão de uma falta, visto não estar habituado às praxes parlamentares. Devo declarar ao Sr. Dinis da Fonseca que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério as considerações de S. Exa.

Foi pôsto à votação o negócio urgente do Sr. Amando de Alpoim.

O Sr. Álvaro de Castro: - Desejava ouvir a opinião do Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Não me julgo habilitado a responder ao "negócio urgente" do Sr. Amâncio de Alpoim, o não o reputo conveniente neste momento, crendo que será essa a opinião do Sr. Presidente do Ministério.

O orador não reviu.

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O Sr. Amâncio de Alpoim: - O "negócio urgente" que pretendo tratar prende-se com a administração financeira do Banco de Portugal.

É do interêsse do Govêrno e da República tratar do assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Eu voto o requerimento do Sr. Amâncio de Alpoim, mas também entendo, como o Sr. Ministro das Finanças, que é prejudicial uma discussão desta natureza neste momento.

Apoiados.

Não posso deixar de votar o requerimento para a boa situação moral do Banco de Portugal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pestana Júnior: - Sr. Presidente: depois das palavras proferidas pelo Sr. Amâncio de Alpoim, a Esquerda Democrática não pode deixar de votar o "negócio urgente" apresentado por S. Exa. E parece-nos também que a Câmara não pode deixar de autorizar aquele Deputado a tratar imediatamente do assunto.

Querer afastar para mais longe o tratar-se dele poderá parecer que só não quere que êle seja discutido, ou mesmo que se não quere que sôbre êle se faça luz.

Que S. Exa. trate pois o assunto como entender são os nossos desejos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: não quere êste lado da Câmara pôr, de nenhuma maneira, qualquer entrave à discussão de um assunto de tam grande importância e que se afirma envolver a honra de diversas pessoas.

Devo dizer também, em meu nome pessoal, que acompanho o modo de ver do Sr. Ministro das Finanças. Mas, desde que o assunto aqui foi trazido à tela, e nos termos em que o foi, é opinião dêste lado da Câmara que só deverá aguardar a presença do Sr. Presidente do Ministério, para que S. Exa. diga se há ou não conveniência na discussão imediata dêste assunto.

Apoiados.

E quere-me até parecer que dada a maneira como o caso aqui foi pôsto, e a gravidade que se lhe deu, naturalmente será reconhecida a necessidade imediata de se discutir desde já o assunto.

Assim, Sr. Presidente, eu peço que se aguarde a presença do Sr. Presidente do Ministério para então se votar o "negócio urgente" do Sr. Amâncio de Alpoim.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Cabral: - Êste lado da Câmara aprova a discussão do "negócio urgente" do Sr. Amâncio de Alpoim, porque o próprio Banco de Portugal será o primeiro a desejar que se faça luz sôbre o assunto, e, como nós também assim o desejamos, votamos o requerimento do S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Sr. Presidente: em vista das declarações feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim não tenho mais do que confirmar as afirmações feitas pelo ilustre leader da maioria, Sr. Vitorino Guimarães.

Continuo a reputar inconveniente e inoportuna a discussão que se pretende fazer; mas, já que ela foi posta no pé em que está, eu penso que essa discussão será, porventura, necessária.

Em todo o caso, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, se digne avisar o Sr. Presidente do Ministério, que está em Conselho de Ministros, para aqui comparecer, visto que é êle o responsável pela política geral do Gabinete.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério já está avisado, e por isso parece-me que a Câmara deverá aguardar a presença de S. Exa. para resolver sôbre o "negócio urgente" do Sr. Amâncio de Alpoim.

Muitos apoiados.

O Sr. Joaquim Brandão: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente algum dos Srs. Ministros, mas desejaria, de preferência, que o Sr. Presidente do Ministério ou-

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visse as minhas considerações. Porém, como S. Exa. não está presente, e como o assunto que desejo tratar é da maior Importância, aproveito a oportunidade para pedir ao Sr. Ministro das Finanças só digno transmitir ao Sr. Presidente do Ministério as considerações que vou fazer.

E a quero protestar, com toda a minha energia de republicano de sempre, contra a violência brutal praticada ontem pela autoridade da cidade de Setúbal, opondo-se a que os vereadores eleitos tomassem conta dos seus lugares.

Essa autoridade começou as suas violências por mandar afixar um edital proibindo que, à hora anunciada para a posse, pessoa alguma se pudesse juntar à volta do edifício municipal.

E fez se mais: deu-se à fôrça pública uma relação dos novos eleitos, a fim de que ela lhes não permitisse o ingresso naquele edifício. Essa situação modificou-se a certa altura, e os novos eleitos puderam ali entrar; mas, quando iam efectivar a sua posse, novamente irrompeu na sala o Sr. administrador do concelho, impedindo-os da assinarem o seu auto de posse.

Apraz-me registar nesta hora que, felizmente, em Portugal, há ainda quem se saiba opor a tais violências; e, assim, os novos eleitos não arredaram pé perante as intimativas da autoridade administrativa que, dentro de pouco tempo, mandava invadir a sala pela fôrça publica, para expulsar os novos eleitos e o povo que ali se encontrava.

Sr. Presidente: A Constituição da República, essa Constituição que ou tive a honra de votar, e que traduzia, na data em que foi promulgada, a minha aspiração de há mais de vinte anos, proíbe terminantemente ao Poder Executivo que se intrometa na vida dos corpos administrativos.

E eu direi aqui, perante a Câmara do meu país, que mal vamos se consentirmos em que seja cerceada uma das mais importantes regalias dos povos!

Quero crer que o Sr. Presidente do Ministério não ordenou, nem sequer sancionou essa violência, mas desejo saber em que lei vivemos, e se S. Exa., depois de estar ao facto do que ocorreu, ontem em Setúbal, tomará ou não as providências devidas.

O Sr. administrador do concelho não pode continuar, por mais tempo, no seu lugar.

Sr. Presidente: eu. quero ainda mais saber, pois que isso é absolutamente necessário, se S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério está realmente resolvido a mandar para Setúbal, que é a terceira cidade do país, autoridades que desta forma deixam de cumprir o seu dever e desprestigiam a República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sousa Carvalho: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que falo nesta Câmara, tenho a honra de dirigir a V. Exa. os meus cumprimentos, pois que sei que, cumprimentando V. Exa., cumprimento toda a Câmara.

Não tencionava usar da palavra, mas visto que o Sr. Joaquim Brandão veio levantar nesta Câmara o que se passou vom a Câmara Municipal de Setúbal, eu, como Deputado do Partido Republicano Português, entendo do meu dever responder a S. Exa., visto não estar presente o Sr. Presidente do Ministério, que é quem devia dar resposta a S. Exa. Uso da palavra para pôr a verdade onde ela deve existir.

Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. e à Câmara que em Setúbal se não praticaram violências algumas, pois a verdade é que o que se passou foi tratar-se de uns indivíduos que ilegalmente se apossaram da Câmara Municipal daquela cidade.

O que é um facto, Sr. Presidente, é que o Partido Nacionalista, depois de se ter ligado a todos os elementos, quis entrar para dentro dessa Câmara, se bem que êsses homens não tivessem sido legalmente eleitos, visto que foi apresentado um protesto, pedindo-se para que fôsse repetida a eleição.

Esta é a verdadeira doutrina legal e moralmente considerada.

Foi para lá como administrador do concelho um homem honesto, um oficial do exército. O que fez ele?... Cumpriu apenas a lei. O Presidente da Comissão Executiva requisitou apenas as providencias necessárias para impedir a entrada dêsses indivíduos que se diziam vereadores eleitos, e que até hoje ainda não provaram que o sejam.

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O administrador do concelho não praticou violência alguma. Não trouxe para a rua a fôrça pública. O Presidente do Senado da Câmara transacta protestou apenas dentro dês limites da lei contra a violência que queriam praticar. Êsses indivíduos tomaram posse, mas, momentos depois dêsse acto, estando o administrador do concelho no edifício da Câmara Municipal, constatou a existência de alteração da ordem pública, e mandou então sair da sala das sessões os indivíduos que lá estavam ilegitimamente. Saiu o povo, mas os vereadores não. Apenas vieram para uma sala contígua à sala das sessões. É nisto que consiste a violência de que falou o Sr. Joaquim Brandão? Não há razão nessa afirmativa. Pretende S. Exa. que a autoridade saia. Pois a primeira pessoa a sair será a autoridade administrativa a que S. Exa. se referiu, porque essa autoridade não quero continuar lá.

Não houve, repito, violência alguma. Não se espezinhou a Constituição nem qualquer outra lei. Êsse funcionário demonstrou, pelo contrário, com os seus actos, que defendeu o regime mais uma vez.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Joaquim Brandão (para explicações): - Sr. Presidente: é muito pouco o que tenho a dizer. Desejo apenas manter firmemente as informações que há pouco dei à Câmara a respeito das violências praticadas em Setúbal no acto da posse dos membros da Câmara Municipal.

Invocou o Sr. Sousa Carvalho a disposição do artigo 15.° do Código Administrativo, que não tem aplicação alguma ao caso; eu invocarei a do artigo 20.° do mesmo Código, que é claro, insofismável, porque perante êle não há sofistica possível, por mais hábil que ela seja.

Sr. Presidente: não é verdade, como afirmou o Sr. Sousa Carvalho, que êsses indivíduos não estivessem munidos de qualquer diploma. Levavam aqueles que eram legítimos, passados pela assemblea em que foram proclamados. Eram vereadores eleitos para todos os efeitos. Admitindo que pudesse prevalecer de qualquer forma a maneira de encarar a lei, segundo a interpretação de S. Exa. eu diria então que toda a gente teria o direito de opor-se, dentro da Câmara Municipal, a que a posse se efectuasse. Ao Poder Executivo, representado pelas suas autoridades, isso nunca!

Apoiados.

Eu não me referi à honestidade do Sr. administrador do concelho; aludi apenas à sua incompetência, que já tive a hombridade de afirmar aqui e de que eu não atribuo responsabilidades ao Sr. Ministro do Interior.

Estou convencido de que êle há-de procurar nesta hora castigar severamente aqueles que prevaricaram.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta sem reclamações.

Foi lida uma nota de interpelação, que vai adiante publicada.

O Sr. Presidente: - Tendo falecido um irmão do Sr. Pinheiro Tôrres e o pai do Sr. José Joaquim Gomes de Vilhena, proponho que na acta se lance um voto de sentimento.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: não assisti a parte do discurso proferido pelo Sr. Sousa Carvalho. Creio que o ilustre Deputado Sr. Joaquim Brandão reclamou contra uma intervenção do administrador do concelho. A doutrina para mim a respeito do assunto que S. Exa. versou nesta casa do Congresso é a de que, em virtude da legislação vigente, a autoridade administrativa não tem o direito de intervir em qualquer acto que se relacione com a posse ou não posse dos membros do organismo administrativo.

Há uma lei que regula isso e todos devem acatamento a ela. De resto, é esta a doutrina que sempre defendi nesta casa do Parlamento.

No que respeita a tais assuntos, as autoridades administrativas apenas têm que intervir no sentido de manter a ordem.

Em conformidade com isto são as ordens que sempre tenho dado.

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A autoridade administrativa só poderá intervir para mandar desalojar quaisquer pessoas que estejam na posse de cargos administrativos, em cumprimento de sentença judicial.

As ordens que dei foram para que a autoridade administrativa mantivesse a ordem. Se se provar que da se excedeu, eu sei bem o procedimento que tenho do adoptar.

O Sr. Joaquim Brandão (interrompendo): - O que poço é que não se continue a praticar violências desta natureza.

O Orador: - Foi a própria autoridade administrativa que mo comunicou que havia sido desrespeitada na casa da Câmara por algumas das pessoas que nela se encontravam. Eu simplesmente lhe disse: se foi desrespeitado, cumpra o seu dever.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Para que o Sr. Amâncio de Alpoim tratasse do seu negócio urgente, foi reconhecida pela Câmara a necessidade de só encontrar presente o Sr. Presidente do Ministério. Como S. Exa. já está presente, eu peço ao Sr. Amâncio de Alpoim o favor de repetir agora as suas palavras de há pouco para justificar o seu pedido do negócio urgente, a fim do que o Sr. Presidente do Ministério possa delas tomar conhecimento e responder.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Parece-me que a Câmara já declarou que está disposta a ouvir o meu negócio urgente desde que com isso concordasse o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (interrompendo): - Dá-me licença? Julgo que os factos se passariam assim: V. Exa. pronunciou-se sôbre a conveniência do se discutir o assunto do seu negócio urgente, e a Câmara não concordou, mas depois V. Exa. pronunciou palavras que determinaram na Câmara opinião contrária.

Eu desejava que V. Exa. repetisse essas palavras para depois me pronunciar.

O Orador: - Eu quero fazer à Câmara a revelação de actos criminosos praticados pela administração do Banco de Portugal. Em síntese é isto.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo): - Disse mais: que nesses actos se envolvia a moral dos directores do mesmo Banco.

O Orador: - Actos criminosos!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (interrompendo): - Entende V. Exa. que o assunto deve ser aqui tratado?

Eu quero que V. Exa. fique com a responsabilidade das suas palavras. Não sou capa do ninguém, nunca o fui nem nunca o serei.

Apoiados.

Não sei o que V. Exa. vai dizer, mas seja o que fôr, ficar-lho há a responsabilidade das suas palavras.

O Orador: - O caso do que vou tratar não se relaciona com a questão do Banco Angola o Metrópole. Não pertence por emquanío à investigação criminal e tem lugar próprio de apreciação no Parlamento.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem as interrupções foram revistas pelo oradores que as fizeram.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: porque é necessário que cada um de nós assuma as suas responsabilidades, e constitui neste momento uma grande responsabilidade o uso do nosso direito de voto, no sentido de permitir ao Sr. Amâncio da Alpoim que use da palavra sôbre o assunto enunciado na nota de "negócio urgente" - devo declarar que as suspeitas que poderão ter nascido no espírito público pelas afirmações do Sr. Amâncio de Alpoim não se albergam no meu espírito. Eu não acredito que o Sr. Amâncio de Alpoim - e digo isto sem desprimor para com S. Exa. - possa trazer ao conhecimento da Câmara qualquer cousa

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que ponha em risco a honorabilidade de qualquer dos directores do Banco de Portugal.

Portanto, é necessário que o Sr. Amâncio de Alpoim imediatamente prove os factos de que vai acusar o Banco de Portugal.

Acima desta necessidade nenhum outro facto pode prevalecer.

E, se bem que entendo que realmente esta votação não seria oportuna, em todo o caso dou o meu voto, não direi com prazer porque o caso n3o é para isso, mas por entender que nas condições que se criaram o assunto se deve esclarecer.

Só direi a S. Exa. que neste momento, para empregar a imagem clássica, se está muito perto do Capitólio ou da Rocha Tarpeia.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Em nome dêste lado da Câmara direi que não considero oportuno o tratar dêste assunto.

Direi que, estando numa nova legislatura, e sem desprimor para o Sr. Amâncio de Alpoim, nós, daqui para o futuro, não votaremos que qualquer Deputado venha aqui tratar nestes termos de questões desta ordem, que podem envolver uma questão moral, e podem representar uma coacção.

E preciso que as pessoas que desempenham adentro do organismo do Estado certas funções estejam revestidas de todo o prestígio.

Fazemos portanto esta declaração: de hoje para o futuro não mais votaremos um "negócio urgente" apresentado nestas condições.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação o "negócio urgente" apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim.

Aprovado.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: ficará surpresa a Câmara pela natureza dos factos e considerações que voa apresentar. Aguarda-se evidentemente que eu venha ao Parlamento comentar a campanha em termos de reclamo à americana, que para aí se desenvolveu contra mim. Sei bem que não posso nem devo fazê-lo. O Parlamento não é Tribunal Criminal para apreciar os actos de um Deputado mais criminoso do que Troppman, Landru ou o Diogo Alves - como parece que eu sou -, nem lhe compete também julgar dos aspectos administrativos da campanha que, na forma idónea, e a meu requerimento, vão ser apreciados por quem de direito. O Parlamento discute e vota em assuntos de interêsse nacional (é essa a sua missão, que não tem sido infelizmente cumprida), e não a abandonará por minha culpa.

Mas a obrigação, que eu reconheço, de me não defender pessoalmente aqui, estabelece para V. Exas., Srs. Deputados da Nação, a obrigação do me não atacarem pessoalmente nesta casa. Se tal sucedesse - o que não creio por justiça que lhes faço - eu compreenderia que mais do que à minha apagada pessoa se pretendia enxovalhar e derrubar em mim o ideal que modestamente represento. Então eu haveria de falar com inteira clareza, subindo e descendo até onde fôsse necessário, para desprazer de muitos e edificação de todos. Partiria muitos telhados de vidro - estou convencido disso - sem nenhum receio pela conservação das minhas telhas.

Não devo, não temo, e passo adiante...

A causa da campanha desenvolvida contra mim é o discurso que vou fazer. Em política verifica-se por vezes êste aparente contra-senso: o efeito precede a causa. E assim sucedeu na Itália que Matteoti foi assassinado por causa de um discurso que ia proferir no Parlamento; o assim sucede em Portugal que ao Deputado socialista Amâncio de Alpoim (nome legítimo, porque sou filho de pais cógnitos) vazaram sôbre a cabeça uma carroçada de esterco para lhe abafar a voz. Processo insensato o que se empregou em Portugal. O assassinato moral de um homem que tem razão para se defender e que sabe fazê-lo é muito mais difícil do que um sumário homicídio. A lama caiu aos meus pés, e, subindo sôbre ela, calcando-a com as minhas solas, estou em cima de um pedestal, convencido de que se me fez simplesmente, como já afirmei, um reclame à americana.

Antes ainda de entrar propriamente

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nas minhas considerações, eu devo informar o país do que não dou qualquer reparação nos termos dos códigos do honra pelas declarações e acusações que vou produzir e provar.

No momento em que ou procurei tomar responsabilidades de honra a um homem que me ofendeu, não fui atendido. Seria injusto que eu dêsse reparações quando não mas dão a mini. Por outro lado sucede que por estos dias mais chegados eu, como aquela viúva do uma novela francesa - de Balzac me parece - que não tinha tempo para chorar, não tenho tempo para me bater. Vou acusar muita gente, e não posso ter à porta uma bicha de padrinhos, não posso passar a vida às espadeiradas no campo.

Tal como os Governos da República, eu suspendo as garantias. Quem queira reparação das minhas palavras que me procure - ou não me escondo - e empregue os processos físicos sumários. Como medida de lealdade devo informar que estou suficientemente prevenido. E homem prevenido valo por dois...

E vamos al grano, como dizem os nossos vizinhos irmãos.

Sr. Presidente: não viemos ao Parlamento, os Deputados socialistas, para atacar, por sistema, partidos políticos ou Ministérios. Representantes do uma doutrina que baseia nas realidades económicas as situações políticas, deterministas, convencidos o inexpugnáveis na verdade dos nossos fundamentais princípios, nós sabemos que todos V. Exas. - reparem bem que digo todos - desde os sentados na extrema direita monárquica até os esquerdistas que ocupam lugar neste lado da Câmara - representam os mesmos interêsses - os interêsses da classe capitalista dominante; defendem os mesmos princípios - os princípios do individualismo económico. Só nós, os Deputados socialistas, representamos a classe dominada, que os senhores esmagam, e o princípio do solidarismo, que os senhores detestam. E contra a classe dominante que lutamos e não contra V. Exas., que apenas são os seus representantes políticos.

A absoluta semelhança de irmãos que existe entre os senhores todos viu-se bem o outro dia, neste Parlamento, quando se votou a minha proposta para ser nomeada uma comissão de inquérito. Viu-se bem o outro dia que a luta existente entre os senhores pelos seus partidos o pelas suas pessoas é apenas a expressão do insaciável desejo do Poder, não é de forma nenhuma o embate de princípios antagónicos.

Nós, socialistas, compreendemos quando estalou o escândalo do Banco Angola e Metrópole a sua trágica significação. Nós e o país. Compreendemos todos que o caso do Banco Angola e Metrópole era uma pedra caindono charco podre da Rua dos Capelistas. Vinha lodo à superfície, espalharam-se no ar emanações pestilentas, e andavam em corrimaça, doidas, à volta do desastre, as grandes rãs e os grandes sapos do capitalismo português.

Para ver tudo, para ver lá dentro do pântano capitalista apresentámos nós a nossa proposta de inquérito. Acompanharam-nos de princípio os Deputados monárquicos, galvanizados pelo seu ódio aos homens da República, mas até êles acabaram por compreender que o ódio - mau conselheiro - os estava a arrastar à perda dos interêsses que representam e viu-se no momento da votação que os monárquicos nos abandonavam. Ficámos sós, reclamando o inquérito, os Deputados socialistas; e a quási totalidade da imprensa - expressão do capitalismo dominante- acusou-nos do sermos nós que pretendíamos abafar a questão. Os senhores foram cobertos de elogios, porque querem luz, muita luz.

Haverá ainda alguém que tenha a audácia de afirmar à face da vergonha das vergonhas que para aí se está presenciando que não tínhamos razão nós os Deputados socialistas?

Haverá alguém que sustente que a maneira de fazer luz é manter, durante mais de um mês incomunicáveis, às ordens da polícia de Segurança do Estado, os homens que podem falar, esclarecer?

Haverá alguém que diga que a maneira de iluminar êste assunto é desconsiderar e perseguir como doido, obrigando-o a demitir-se, o honesto e inteligente juiz que dirigia a investigação?

Haverá alguém que afirme ser útil à descoberta da verdade a conservação nos seus altos lugares - onde podem desfazer as provas da sua culpa e organizar a defesa - dos homens indicados pelo juiz?

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Talvez haja, talvez. Eu cá por mim já espero tudo depois do tudo que se está a passar depois que eu vi nesta Câmara um ilustre Deputado afirmando por sua conta e por conta de nós todos que a nação não nos tomava a sério. Pela minha parte perdi toda a ingenuidade neste país, onde se estão perdendo todos os respeitos humanos. Mas como não perdi a cabeça nem a língua, falarei.

Impedido de ver em comissão de inquérito parlamentar, eu tratei de ver pelos meus próprios meios. Emquanto por indicações de cima se me despejavam sôbre a cabeça chapoeiradas de insultos, eu espreitava e estudava.

Nem me dei ao trabalho de me defender - a gente não caça percevejos quando luta com um adversário forte e desleal - e o adversário que eu tinha - não pela frente, mas por detrás da cortina - estimulando e pagando as navalhadas que se vibravam contra mim, é simplesmente a administração do Banco de Portugal.

Comecemos pelo princípio. Eu já estou escutando por anteciparão, Sr. Presidente, o clamor patrioteiro de certos órgãos da imprensa que recebem pela verba de publicidade do Banco de Portugal. Vão uivar contra mim indignados ou compungidos, acusando-me do trabalhar por conta de Trotsky ou de Zinovieff para derrubar o baluarte do crédito nacional, o sacrário da economia portuguesa, a imaculada vestal financeira, turris eburnea, sucessora dos falidos Banco de Lisboa e Companhia Confiança Nacional, que se chama o Banco de Portugal. Vou passar a ser traidor em letras de molde, pagas a tanto por linha.

Raciocinemos, se ainda é permitido fazê-lo em Portugal. O crédito da nação não deriva das barras metálicas e títulos de dívida estrangeira - mais ou menos empenhados - que todos somados não valem 3.000:000 de libras, existentes nos cofres do Banco de Portugal. Mal de nós todos se assim fôsse. O crédito do país baseia se exclusivamente no trabalho, na produção e capacidade tributária de 6.000:000 de portugueses, o que me parece ser uma base muito mais nobre e mais alta.

É tam forte êste pilar do nosso crédito, que resiste aos constantes assaltos que no Parlamento e na imprensa se dirigem à administração republicana em todos os seus organismos, sem que tenham receio os atacantes - e ninguém disso os acusa - de derrubar o nosso crédito pela constante propaganda do nosso descalabro administrativo.

O crédito nacional pertence à nação, e esta não passou, nem podia passar, procuração para a representar e defender à dezena de monárquicos que dirigem e digerem o Banco de Portugal.

Pois explica-se lá que a República s& tivesse proclamado para defender a nação e deixasse a base do seu crédito entregue às mãos de monárquicos eleitos pelos seus amigos e cúmplices dos seus negócios?

Que disparate seria êste?

Os republicanos que o afirmam terão de reconhecer que atraiçoam a República mantendo essa situação. Uma organização financeira de tal forma importante à economia da nação não podia, nem uma hora, estar entregue à mão de homens que não sejam escolhidos pelos legítimos representantes desta, que sejam, como os actuais, adversários do regime, reconduzidos como foram agora os directores do Banco do Portugal por aclamação de um grupo de amigos que descontam no Banco, sugestionada - para o não chega - pelo inclassificável truc que nessa assemblea se empregou. Refiro-me, Sr. Presidente, à fita visivelmente preparada para os efeitos da assemblea geral, à desprezível comédia da confissão dos presos, ao chefe Xavier, comunicada à assemblea por um cúmplice da administração.

Não, não se pode argumentar com a falta de patriotismo de quem não reconheça que o Banco não representa de qualquer maneira, felizmente - e já se compreenderá porque digo felizmente - a nação ou o seu crédito.

O crédito que o Banco ainda possui, através de uma administração cuja incompetência só é excedida pelo impudor, deriva da situação legal que se lhe criou. Daí e apenas daí. Mas se assim não fôsse, se realmente o Banco constituísse o mais importante departamento da administração nacional, teríamos de reconhecer, meus senhores, que também não era lícito manter o segredo por um único momento sôbre erros, crimes da sua administração. Traidor à Pátria, incontestável

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traidor seria o homem que, conhecendo-os, se mantivesse em silêncio. Êsses, sim, êsses é que fariam, o jôgo de inimigos externos, e pela cumplicidade do seu segredo contribuiriam para se lançar o país nos horrores da ruína e da anarquia.

Eu não hei-de ser dêsses homens, Sr. Presidente.

Tive o mau sestro de espreitar lá para dentro e compreender. Sereno, sem arremessos de herói, que não sou, sem timidez de escravo, que também me prezo de não ser, venho afirmar a V. Exa., e ao país, que a administração do Banco de Portugal, numa assombrosa cumplicidade de homens elegantes que passam a vida a reclamar por sua honra, falsifica as contas, falsifica as notas e defrauda o país.

Afirmo e provo.

É esta constante falsificação e fraude, que vem já de há muitos anos num pavoroso crescendo, que vem do tempo da monarquia sem correctivos da República, a causa fundamental por que o Banco de Portugal pagou sem pestanejar, alegando o patriotismo-o patriotismo! - como causa determinante dêste ruinoso acto, as dezenas do milhar de notas falsas que foram espalhadas pelo país. O charco pretendeu voltar ao repouso depois da queda da pedra do escândalo, lançando para o ambiente a novos de uma campanha de imprensa que aspira a revolução. Não haverá de o conseguir. A consciência do povo trabalhador despertou, quando não hajam despertado outras, e não está disposta a tornar a adormecer.

Vamos a contas, meus senhores, neste assunto que é de contas.

Não calculem que os vou maçar com a exposição de cifras abstractas o narcóticas. De entro a infinidade de provas que eu conheço, e tenho, haverei de destacar apenas um punhado e nada mais, simples o nítidas tais como existem, fulminantes, esmagadoras, reclamando em altos gritos prisão maior celular. Tenho aqui à minha frente os três últimos relatórios do Banco (1922, 1923 e 1924); tenho aqui à minha frente, com as respostas que o Banco deu às célebres preguntas, as diabólicas preguntas, as tenebrosas preguntas dêsse homem de bem e grande republicano que se chama Joaquim Augusto Pinto de Lima. Possuo todas estas cousas em duplicado, e o duplicado das preguntas guardado em lugar seguro.

Êste material é bastante.

V. Exa., Sr. Presidente, conhece a história destas célebres preguntas de Pinto de Lima. Apareceu a certa altura o Sr. Luís da Silva Viegas fazendo uma entrevista com retrato, nas páginas de um jornal que o tinha enxovalhado dias antes, e que a propósito da entrevista o cumulava de elogios. A parte fundamental dessa entrevista era a acusação lançada contra Pinto do Lima de haver sugestionado ao Sr. Tôrres Garcia, Ministro das Finanças, uma série do preguntas que êste haveria de dirigir ao Banco de Portugal, tendentes a colocá-lo em estado de falência. Os despautérios que se dizem nesta terra!...

A falência de um Banco não se abre por preguntas, é por factos.

Um banco que esteja em boa posição financeira só pode lucrar quando só lhe formulem preguntas sôbre a sua capacidade e administração.

Preguntem V. Exas. ao Banco Morgan, à casa Kothschild, preguntem tudo quanto lhes apetecer e verão que não lhes abrem a falência. E um caso único de disparate afirmar que as muralhas do Banco de Portugal podem cair crivadas com pontos de interrogação, tal como caíram a toques de corneta as muralhas de Jericó...

As preguntas desorientaram a administração do Banco, desorientaram o Sr. Luís Viegas, desorientaram várias pessoas amigas da casa, e resumiam-se afinal em oito pequenas interrogações. Apenas oito, e por tal forma perturbantes que já andam para aí a dizer que foram vinte e três?

Vale por três cada uma aproximadamente...

Não tenho que fornecê-las ao Sr. Ministro das Finanças, porque as possui no seu Ministério com as competentes respostas. Mas devo informá-lo de que essas preguntas não foram formuladas como o Sr. Tôrres Garcia as redigiu. Intermediários, que para o caso não importam, as modificaram em termos de se responder mais fàcilmente, de se responder no ar.

Pinto de Lima pedia números, estado de contas, datas, com a secura de um questionário comercial, e amoldaram-se as suas preguntas, pretendendo-se-lhes dar um aspecto apaixonado e tendencioso que comprometesse o próprio interrogador;

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tirou-se-lhes a exigência de números de justificação, para se lhes responder apenas com afirmações.

E nem assim, nem assim se conseguiu responder em termos, já não digo de justificação, digo em termos de decência; falseia-se a verdade, e a verdade aparece no punho dos próprios que a falseiam.

Sai de uma cloaca de mentiras, mas é a verdade ainda.

Quanto aos relatórios do Banco, eu admiro, curvado, a capacidade mental do homem que os saiba compreender.

São feitos, como certos artigos de certa imprensa, no propósito indiscutível de emparvecer quem os leia. Como trabalho de contabilidade, um aleijão, uma vergonha; como trabalho de gazua são uma perfeição, um monumento. Há de tudo lá dentro, há molas ocultas, subterrâneos e alçapões.

As rubricas modificam-se de ano para ano, numa mixórdia infernal de contas que chega ao descaramento de se misturar, compreende-se que é asneira, na resposta às preguntas do Sr. Tôrres Garcia (se fôsse apenas asneira), a verba de "móveis e edifícios" com a verba de "notas de Banco em existência". E para se mascarar a porcaria, as notas são incluídas na designação "outros objectos". Êsses "outros objectos" são as notas que estão em armazém compradas no tempo do dinheiro barato, e que vão ser pagas pelo Estado, muito acima dos preços actuais do mercado, conforme a ruinosa, para o Estado, claro está, convenção de 24 de Março de 1924.

Na conta de ganhos e perdas, ao lado das rubricas dos diversos juros e dos diversos lucros das agências, aparece uma conta global de diversos juros e diversos lucros para que ninguém se entenda.

As despesas de estampagem e emissão de notas andam misturadas com as despesas de amortização.

Os títulos ouro das reservas estabelecidas pelo contrato de 1918, que deviam ser escriturados ao par, andam lançados com ágio, e assim aparecem no relatório de 1924 os efeitos ouro lançados a 9$70 por libra e a 2$12 por dólar. E assim sucede que no relatório do 1921 aparecem 150:000 dólares escriturados por 176.700$00, e no relatório de 1923 surgem os mesmos 150:000 dólares lançados por 295.930$92. Nenhuma das duas cifras é a verdadeira, que devia ser 138.750$00.

Não há desenvolvimento respeitante à importantíssima verba de balanço, fundo de amortização e reserva criado pela lei de 9 de Setembro de 1915, e assim se esconde a misteriosa vida dêsse fundo. E etc., etc., etc.

Seria um nunca acabar só eu continuasse examinando o sujo aspecto geral dos relatórios. E preciso ter a alma de um Sherlock Holmes para se perceber qualquer cousa nesses papeluchos.

Mas mesmo assim alguma cousa se entende inegável, insofismável, real. O confronto das respostas às preguntas do Sr. Tôrres Garcia com as verbas do relatório, com os diplomas que regulam a vida do Banco, produz conclusões esmagadoras para a administração do Banco.

Comecemos.

Já me afirmou uma alta personalidade da administração pública que as respostas do Banco são triunfantes. Vamos lá a ver alguns dêsses triunfos, começando pelo final da prosa do Banco, que é uma girândola em que o Sr. governador faz a apologia do colosso da rua dos Capelistas, inteiramente convencido de que os homens que hão-de ler a sua prosa são patetas de raiz.

Só assim se explicam as heresias e as confissões vergonhosas que nessa girândola retórica se contêm.

Diz o Sr. Governador:

Os balanços anuais do Banco demonstram, sem o menor esfôrço, que, longe do Banco ter perdido um quarto do seu capital, o activo é de tal modo seguro, certo e bom que as acções de valor nominal de 100$00 se cotam muito acima de 900$00.

"E são leigas, pessoas inconscientes as que adquirem estas acções? Não. Pelo contrário, são os conhecedores do mercado do valores, são os banqueiros, são as companhias e emprêsas bem geridas que adquirem êsse papel conscientemente, como um valor seguro; é o próprio Estado que adquiriu um grosso lote dessas acções, porque vários Srs. Ministros das Finanças assim o decidiram, certos de que bem empregavam os fundos de Estado".

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É fantástica do audácia e de inconsciência esta colecção do afirmações. As acções do Banco são de 100$00 ouro, 100$00 do tempo do dinheiro forte, deviam valer actualmente 2.100$00; andam arrastadas a 900$00, e o Sr. Governador do Banco manifesta-se satisfeitíssimo com esta situação. A praça reconhece na cotação das acções que o Banco perdeu mais de metade do seu capital, e o Sr. Governador a rebentar de alegria!

Mas há mais. Toda a gente sabe que a cotação de 900?500 é consequência da absurda compra contínua de milhares de acções feita pelo Estado, da compra de mais do 8:000 acções realizada à pressa pelos homens do Banco Angola e Metrópole, da procura que das acções do Banco fazem os comerciantes e banqueiros que pretendem alargar o seu domínio na repartição do desconto e nas outras.

Como emprego de capital rende o papel do Banco 3,3 por cento numa praça onde a taxa de desconto é de O por cento, e os juros o rendimentos habituais excedem 12 por cento. Se se calcular o valor das acções, como o mercado geralmente o calcula, em torno do rendimento dado que foi de 30$00 fracos por acção em 1924, não acharemos nesta praça, que está capitalizando a 12 por cento, um valor real para o papel do Banco superior a 260$00 fracos.

E para achar êsse valor é preciso acoitar que o dividendo seja a expressão dos lucros da gerência, o que se não dá, porque se vão buscar ao fundo de reserva variável - como o próprio Governador confessa na sua resposta à quarta pregunta do Sr. Tôrres Garcia as verbas que hão-de cobrir prejuízos parciais para se encontrar saldo a favor na conta de ganhos e perdas.

Após esta assombrosa resposta, o Sr. Governador desfecha a continuação da girândola e diz-nos babado em orgulho:

"Mas há mais um testemunho importante que não convém desprezar: é o testemunho que dão três grandes Bancos do mundo:

Westminster Bank, Ltd. (Londres).

Midland Bank, Ltd. (Londres).

Irving Bank Columbia Trust C° (Nova-York).

"O primeiro alargou há pouco tempo e mantém ao Banco um crédito de £ 1:000.000 das quais só £ 750.000 são cancionadas; é com êste grande Banco inglês que o do Portugal mantém maior soma de operações; o segundo concede um crédito de £ 300.000, sendo caucionadas só £ 200.000; e o terceiro um crédito de 1:700.000 dólares dos quais 500.000 sem caução; quere dizer, num total de cêrca de 1:700.000 libras, pouco mais de 1.000:000 está caucionado; há pois um crédito inteiramente a descoberto de cêrca do 500:000 libras (isto é perto de 50:000 contos da nossa moeda) concedido unicamente pelo crédito do Banco do Portugal. Ninguém acreditará certamente que os técnicos daqueles grandes estabelecimentos informem os seus administradores, favoravelmente ao Banco de Portugal, sem que tenham conhecimento exacto do valor do activo dêste estabelecimento de crédito".

Estou farto de dizê-lo em toda a parte e devo repeti-lo aqui: os gentlemen das altas finanças, quando falam com as autoridades e funcionários da República, ou armam em imbecis ou convencem-se (o mais me pareço certa esta segunda hipótese) do que toda a gente é tola.

Quando mente o Banco?

Quando afirmou na "proclamação" distribuída por ocasião da última assemblea geral que podia levantar no estrangeiro a descoberto 50:000 libras, ou quando diz aqui ao Ministro que pode levantar cêrca de 450:000 libras a descoberto?

Teria vergonha de vir a público com a história contada ao Ministro e procedeu como aquele compadre que cortava o rabo do macaco?

Vá lá a gente sabê-lo...

Mas o mais importante, que é indispensável sublinhar, é a desastrada confissão de que o Banco do Portugal tem lá fora créditos caucionados no total de 1.260:000 libras; quando os títulos da sua carteira privativa apenas atingem pelo relatório de 1924 valor aproximado a 430:000 libras.

Qual é o resto da caução? De que céu caiu? Onde o vão buscar os administradores do Banco?

Vão buscá-lo aos fundos de reserva que não pertencem ao Banco, vão buscá-lo aos títulos resultantes da conversão da prata que também ao Banco não perten-

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cem porque garantem 38:044.000$ de circulação, como o próprio Banco confessa na sua resposta ao quesito 5.° do Sr. Tôrres Garcia.

A soma dêstes valores pelo relatório de 1924 dá aproximadamente a quantia indicada pelo Banco como montante de cauções na sua infelicíssima resposta.

E assim temos que a administração do Banco cometeu e confessa o crime previsto e punido pelo artigo 453.° do Código Penal, o crime de abuso de confiança, empenhando no estrangeiro os títulos e efeitos ouro que lhe pertencem porque são garantia da nota.

Não levou lá para fora as garantias metálicas (estou convencido disso) apenas por causa do pêso que dificulta o transporte.

Em que mal parados créditos concedidos aos propagandistas, cúmplices e amigalhaços da casa estarão transformados êsses títulos?

Faz vergonha, faz náuseas e faz tristeza ter de apontar tais horrores!

Mas há mais, há pior, há muito mais grave!

Poderia argumentar-se que eu estou raciocinando por deduções, quando em verdade apenas me baseio em confissões e sem receio de que se venha a demonstrar a improcedência do que afirmo.

Vamos, pois, adiante neste crescendo de escândalos.

No seu primeiro quesito o Sr. Tôrres Garcia interrogava:

"No relatório do Banco de Portugal referente ao ano de 1923 verifica-se uma venda de 243 obrigações do Fundo Externo Português de 3 por cento da 3.ª série, ao preço médio de 141$12, obrigações estas que pertenciam ao fundo de reserva e amortização. Foi autorizada pelo Govêrno esta venda?"

Resposta:

"Não houve venda; as obrigações aludidas foram "reembolsadas" pela Junta do Crédito Público em

[Ver tabela na imagem]

por terem sido sorteadas."

Esta resposta, Sr. Ministro das Finanças da República, excede tudo quanto a antiga musa canta em matéria de descaramento!

Parte-se para a dar do princípio de que ninguém no Ministério das Finanças sabe o que é o sorteio das obrigações de 3 por cento da 3.ª série do Fundo Externo.

Lê se e relê-se e custa a acreditar.

O governador do Banco afirma que as obrigações foram sorteadas pela Junta do Crédito Público à razão de 141$12 cada uma, calculando que o Ministro não sabe que as obrigações sorteadas são pagas ao câmbio e pelo valor de libras 19.18 cada uma.

Para informar com precisão a Câmara consegui saber na Junta do Crédito Público as tabelas que se aplicaram nos dias 26 de Fevereiro de 1923 e 5 de Novembro do mesmo ano. Foram, respectivamente, de 2.183$31(4) e 2.247$52(9).

O sorteio deveria ter produzido assim 312.213$90(2) mais 235.990$54(5)ou sejam no total 548.204$44(7). Só foram lançados em conta 35.109$85; faltam, portanto, 513.994$59(7).

Quinhentos contos! Quem os furtou?

Estávamos há pouco, Sr. Presidente, verificando o caso do artigo 453.° do Código Penal; estamos agora encontrando a hipótese do artigo 421.°

Não se trata de um roubo, felizmente; trata-se apenas de um furto, um insignificante furto de 513 contos, cousa sem importância para pessoas tam honradas que mereceram apoteose de honra numa assemblea geral do Banco de Portugal.

Mas a deslavada ocultação que na resposta ao quesito se pretendo fazer, de furto cometido, origina um assombroso rosário de verificações.

São como as cerejas as poucas vergonhas e as misérias que surgem nas abrumadoras respostas do Sr. governador do Banco de Portugal.

A gente espreita o fundo de reserva e vê-o anualmente roubado. Não aparecem as receitas provenientes dos sorteios anteriores.

Existe actualmente um lote de 51:945 obrigações da 3.ª série de 3 por cento Externo, que era de 47:014 em 1923, e de 47:262 em 1922.

Não há particular possuidor de um lote de 200 obrigações de 3 por cento que não

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veja uma pelo menos saída em cada sorteio.

Só o fundo de reserva do Banco de Portugal, possuidor de dezenas de milhar de obrigações, não tem uma única obrigação sorteada em gerências que eu verifiquei desde 1916!

A média do sorteio anda em volta da percentagem 1 por 250.

E afinal parece melhor que as obrigações mio saiam sorteadas, porque quando tal sucedo o Banco leva-as à escrita por verba inferior à cotação do mercado, como se vê do relatório do 1923.

Deu-lhes o preço das cautelas da 3.ª série.

Gaffe de escrita natural num Banco que está inteiramente pôsto a saque.

Este furto das obrigações sorteadas devo ascender a alguns milhares de contos!

Bagatelas, bugiarias para homens tam honrados, tam honrados que o corretor do Banco é ao mesmo tempo membro do sen Conselho Fiscal. Fiscaliza os homens que lho dão ordens!

Não falemos mais, que poderia fazê-lo, sôbre êste assombroso ponto. Passemos à segunda pregunta.

Interrogou o Sr. Ministro das Finanças:

"No mesmo relatório (1923) consta que deixaram de se aplicar na compra de títulos para o fundo de amortização o reserva mais 16:000 contos. Concordou o GovCruo com a não aplicação desta importância contrária ao estabelecido na base 5.ª da lei n.º 404?

Resposta:

As razões da falta de emprego da citada verba forma as que a seguir se inserem e com as quais sempre o Govêrno concordou, concordância de que há provas materiais que produzirei se V. Exa. o desejar.

1.ª Ser altamente inconveniente para a economia nacional distrair do mercado, mirar época em que o câmbio dia a dia se agravava fortemente, libras correspondentes a 16:000 contos para com elas adquirir em Londres (ou Paris) títulos ouro que conviessem ao fundo de amortização e reserva;

2.ª Não ser possível adquirir nas bolsas nacionais obrigações de 3 por cento externo português em soma tam elevada;

3.ª Ainda mesmo que as compras fossem, feitas em pequenos lotes, isso apenas serviria para alimentar especulações bolsistas, promovendo uma alta normal de 3 por cento externo que tinha então tingido cotações muito elevadas.

O conveniente, e isso foi feito, era esperar uma ocasião favorável proveniente da melhoria do câmbio ou de qualquer outra boa oportunidade.

Essa oportunidade veio, com efeito, nos princípios do 1924, em que o próprio Estado pôde fornecer, por venda, ao fundo de amortização e reserva um lote grande de obrigações de 3 por cento externo, que tinham, pertencido ao fundo de conventos dos religiosos suprimidos; assunto que adiante será desenvolvido".

É preciso ter paciência para suportar sem enjoo êste estendal de desgraças. A resposta é uma vergonha. Não se trata de 16:000 contos que brotassem subitamente do solo em alçapão do mágica. Esto dinheiro provém de liquidações trimestrais que deviam por lei ter sido sucessivamente realizadas desde 1921.

É mentira portanto o alegado perigo de se lançar à praça uma ordem do compra tam avultada.

O que é verdade é que o Banco andou desde 1921 aplicando por sua conta, às suas taxas de juro, alguns milhares de contos que lhe não pertenciam. E para justificar-se vem dizer que aguardou a ocasião oportuna da compra...

Sabem V. Exas. quando foi essa ocasião oportuna?

E o Banco que o diz na sua resposta ao quesito 3.°, confessando que em 1924 aplicou 12:948 contos na compra de obrigações do fundo externo da 1.ª e 3.ª série às cotações médias de 804$30 cada uma.

Comprou em 1924 por 804$30 as obrigações que entregou em 1923 por 141$12 cada uma... E está satisfeito, impa de gozo!

Que querem V. Exas. que eu chame a isto?

Haverá adjectivos suficientes no dicionário português?

Êstes fundos de reserva do Banco são uns desgraçadinhos. Passam a vida levando socos.

Vê-se na resposta ao quesito 4.° que o fundo variável é o que paga as asnidades

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e os calotes da gerência, para se poder afirmar em público - como já se fez quando da penúltima assemblea geral - que o Banco não tem calotes. Assim sucede que o fundo variável está em 1924 mais fraco do que em 1918.

Tinha, no balanço do 1918, 788:588$32, e tem agora, pelo último balanço de 1924, 632:231$47.

As quantias que se foram basear a êste fundo desde 1918 para a protestada consolidação do activo atingem 3:844.000$.

Mas ainda mais infeliz é a sorte de um outro mais importante, que 6 o fundo de reserva e amortização estabelecido pela lei de 1915. Êsse não come nada, coitadinho, e apenas aufere, em 1924, 220.000$, quando devia pelo acréscimo do seu próprio rendimento, e pela verba do 5/8 por cento que o Estado paga sobro' a sua circulação, receber nesse ano quantia aproximada do 16:850.000$! E contudo o Estado foi debitado pela sua percentagem e os rendimentos do fundo foram recebidos.

Trata-se de perto de 16:500 contos desaparecidos por um buraco na formidável barafunda, na formidável desbarato que vai ao infinito da incompetência, às sumidades do crime!

E as sumidades do crime são atingidas na falsificação particular que a administração do Banco de Portugal vem realizando há muito tempo, a falsificação das próprias notas em quantia actualmente superior a 130:000 contos. Os homens que estão presos como falsificadores não chegaram a ir tam longe...

Não se trata das notas já tantas vezes neste Parlamento chamadas falsas, designadamente pelo Sr. Dr. Alberto Xavier, Director Geral da Fazenda Pública, e pelo antigo Ministro das Finanças e Presidente do Ministério Sr. Cunha Leal.

Não vou tratar das notas emitidas em turvo segredo do Estado (crime gravíssimo) com desobediência à Constituição e a todas as leis e contratos, para satisfação das necessidades do Tesouro. Não" Vou falar de notas falsas, emitidas particularmente pela administração do Banco para acudir aos seus negócios, para acudir ao seu descalabro administrativo, para dar dividendos fictícios, para tudo quanto tenho dito, para tudo quanto ainda um dia se há-de dizer.

Vejamos:

Pelo contrato de 29 de Abril de 1918 o Banco ficou obrigado a manter uma reserva legal não inferior a 25 por cento para a sua circulação privativa de notas desde que excedesse 75:000 contos. Êste contrato era consequência do decreto n.° 4:144, cujas disposições só podem ser revogadas pelo Parlamento, porque só ao Parlamento compete privativamente regular a emissão das notas (Constituição da República, artigo 26.°)

Se a administração do Banco, ou qualquer dos administradores, para uso particular, emitir notas fora dessas condições, ainda que sejam os mesmos, o papel, a tinta, e a chapa da sua emissão, terão feito notas falsas.

As notas que se fabricarem fora da lei para as necessidades do Govêrno ainda podem considerar-se semi-falsas; as outras que se fabriquem e emitam para as necessidades particulares do Banco ou dos seus amigos, essas são falsas sem "semi".

E a partir do 1920 o Banco de Portugal está emitindo notas falsas para o seu uso particular, porque excedeu a cifra de 76:000 contos da circulação privativa sem... ter reservas legais que se aproximem sequer aos 25 por cento necessários para a cobertura dessa circulação.

Leio números.
[Ver tabela na imagem]

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É de notar que os números da circulação foram arredondados por deminuíção, e que não reduzo ao par as reservas ouro que andam ilegalmente lançadas com prémio na escrita o que assim aparecem quási dobradas no valor.

Pois mesmo desta maneira não se pode negar que andam desde 1920 girando por êsse país fora dezenas de milhares de contos de notas falsas emitidas pela administração do Banco: trata-se do uma especialidade da casa... notas falsas para os negócios, notas falsas para o desconto, notas falsas para as despesas, notas falsas para os dividendos. Um ligeiríssimo crime, quási sem importância, porque se trata de pessoas super honradas, acima de qualquer suspeita, gente chique que frequenta a boa sociedade, mas que tem o ligeiro defeito do se haver colocado sob a alçada do artigo 206.º do Código Penal, que dá aos falsificadores o prémio do oito anos de prisão maior celular e doze do degredo!

Bagatela... convoca-se uma assemblea geral, descompõem-se os Governos o as autoridades da República, despeja-se uma cabazada de insultos sôbre quem se permita apitar pela polícia, e fica tudo como dantes, na paz do Senhor.

Ou bem que se é homem de bem por profissão, ou bem que se não é.

Esta bagatela, êste mimo, atinge à data das últimas notícias a ninharia de mais de 130:000 contos falsos.

Estão roubados nossa quantia os portadores de notas, está roubada nessa quantia a economia nacional, e não falo na Pátria, porque a defesa da Pátria é privilégio exclusivo dos super-honestos, super-patriotas da Rua dos Capelistas e da Rua Formosa.

Estão roubados, e vamos ver porquê:

Respondendo ao quesito 5.° do Sr. Tôrres Garcia, o Banco confessa uma circulação privativa ouro, existente em 26 de Agosto de 1925, do 61:894 contos.

Êste número é de uma modéstia adorável, e eu que já sei e já demonstrei como se mente nas respostas do Banco, bem fàcilmente demonstraria que 6 produto de uma simples fantasia.

Mas não vale a pena gastar tempo a demonstrá-lo. - Aceitemos o número.

O que o Banco não diz (naturalmente por ingénua simplicidade recatada) é que trazia, e traz, pela sua câmara do compensação, sem título legítimo de saída, uma pequena circulação surda, só para amigos, que atinge 50:000 contos.

Toda a praça o sabe.

E já temos assim 111:894 contos de circulação.

Mas como ainda por cima o Banco se dedicou, por patriotismo, claro está, a pagar 90:000 contos das chamadas notas falsas, e falo por informações que vêm de lá, temos assim que traz cá por fora 201:894 contos de notas, quando a sua reserva lhe não permite trazer mais do que 75:000 contos.

As reservas que êle confessa, exagerando-as por valorização como ô sou costume, na resposta ao quesito 5.°, sobem apenas a 18:715 contos.

Faça a conta quem quiser, sabendo-se que essa reserva tem do ser de 25 por cento da circulação.

Todas as notas ouro do Banco de Portugal que excedem em circulação privativa, 75:000 contos são mais falsas do que Judas.

O Banco traz cá por fora em giro cêrca do 130:000 contos de notas falsas; quando pagou as notas do Banco Angola e Metrópole pagou-as com notas falsas e embandeirou em arco reclamando Torre e Espada.

Não vale a pena continuar, Sr. Presidente.

Não é preciso continuar.

Afirmo à Câmara que analisei apenas uma pequena parte das tranquibérnias e dos crimes cometidos pela administração do Banco de Portugal.

A monarquia deixou lá as suas raízes, o por qualquer lado que se escave o solo em volta só se encontra podridão.

Tudo se pode esperar daquela gente e dos seus cúmplices, porque tudo tem praticado, tripudiando sôbre os interêsses dos accionistas, dos portadores da nota e da nação.

Falta dizer muito mais do que tudo quanto disse.

A procissão vai na rua, e só acabarão os foguetes quando se tomem, por parte do Govêrno, as indispensáveis providências, tam enérgicas, tam justas, como o caso requere.

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Não fiz, como V. Exas. viram, acusações indemonstradas.

Não acuso pessoas, porque me faltam elementos, que só uma investigação imparcial poderá possuir para descobrir dentro do Banco as responsabilidades pessoais pelos assombrosos crimes que me orgulho de haver denunciado.

Convencido mesmo estou de que alguns dos administradores do Banco e seus fiscais são apenas negligentes que confiaram aos outros os seus trabalhos e deveres.

Eu apenas sei ser acusado sem provas, não me ensinaram a acusar dessa maneira.

E deixem-me V. Exas. dizer que me sinto no dever de excluir das minhas acusações gerais - porque conheço factos que o ilibam - o Sr. Dr. Lobo de Ávila Lima, o único de entre todos que saiu da administração do Banco.

Sr. Presidente do Ministério, Sr. Ministro das Finanças: em nome dos interêsses dos ludibriados accionistas do Banco, em nome dos interêsses do Estado, em nome dos supremos interêsses da economia nacional, em nome da Moral e do Direito, cumprindo sem alarde, mas sem tibieza o meu dever, eu reclamo de V. Exas. as imediatas medidas que exigem os trágicos factos que apontei.

E emquanto me não calarem a voz, porque mo tirem a vida, eu hei-de gritar diante da nação:

Srs. Ministros, republicanos portugueses, a administração do Banco de Portugal é uma caverna de falsificadores e ladrões!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o Sr. Amâncio de Alpoim tinha, como V. Exa. sabe, pedido a minha assistência e a do Sr. Ministro das Finanças, para tratar de um "negócio urgente".

Sabe também V. Exa. as razões que levaram a Câmara a permitir que aquele Sr. Deputado usasse da palavra, mas permitam-me V. Exa. e a Câmara que lhes diga que a maneira como o ilustre Deputado tratou o assunto não é a mais própria, nem a mais usada nas duas casas do Parlamento.

S. Exa., tratando de um "negócio urgente" fez uma verdadeira interpelação.

Apoiados.

Eu pregunto à consciência de V. Exa. se o Sr. Amâncio de Alpoim, pretendendo provar diversos factos com alguns documentos, os quais nós não conhecemos, poderia esperar uma resposta concreta sôbre um assunto de tamanha gravidade!

Apoiados.

E é extraordinário que assuntos que podem contender com o crédito do Estado directa ou indirectamente, se tratem aqui da maneira como o ilustre Deputado o fez!

Apoiados.

Querer que o meu ilustre colega das Finanças responda em relação a números, documentos e apontamentos que êle não conhece, é absolutamente fantástico.

Evidentemente que ninguém nega a qualquer Sr. Deputado o direito de tratar o assunto, mas pretender tirar conclusões do caso, sem a Câmara estar devidamente habilitada a discuti-lo, isso é que me parece que é absurdo.

Apoiados.

Vejam V. Exas. as fáceis conclusões que lá fora se podem tirar.

Apoiados.

Esto Govêrno, porque é constituído por portugueses, não é capa de ladrões, e, como o Parlamento, deseja que êles sejam severamente castigados, doa a quem doer.

Apoiados.

Mas evidentemente que o se não pode nem deve exigir ao Govêrno é que responda às preguntas que lhe são feitas pelo acusador, que possui vários documentos demonstrativos das suas acusações, mas que o Govêrno não conhece.

Apoiados.

S. Exa. chega a esta conclusão: que o Banco de Portugal, o Banco emissor do Estado, é uma caverna de ladrões.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - A administração dêsse Banco, foi isto que eu disse.

O Orador: - Há duas cousas distintas: uma é o Banco, como instituição ligada ao Estado por uma das suas atribuições; outra são os homens que constituem essa instituição.

O crédito do Estado está inteiramente ligado ao Banco de Portugal.

Muitos apoiados.

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Há lá criminosos, afirmou S. Exa.; ninguém lho contesta, nem também lhe afirma que tenha razão.

Mas o que só não devia ter feito era procurar ligar os factos aqui apontados hoje com outros que estão entregues à polícia.

Apoiados.

Isso é procurar lançar para a opinião pública a idea de que há uma comparação entre êles.

Eu queria que V. Exa. tivesse a mesma violência para atacar os burlões das notas falsas, que praticaram um crime contra a segurança do Estado.

Apoiados.

Ai é que está a questão.

Muitos apoiados.

O que se pretende é embaralhar tudo ou então trabalhar inconscientemente para um crime contra a nação!

Apoiados.

Nestas condições, eu pregunto: que autoridade moral tem para acusar quem não teve o cuidado de averiguar a proveniência dêsse capital, e recebeu em comissão a quadrilha que estava na direcção do Angola!?

É nesta hora grave que se levanta uma questão bizantina entre advogados que consideram o caso de Angola e Metrópole apenas como uma simples falsificação do moeda!

Não, Sr. Presidente: eu considero isso como um grande crime contra a segurança do Estado.

Muitos apoiados.

O que eu vejo é que nesta hora grave muita gente quererá levantar uma estátua a Alves dos Reis!

Lamento que assunto desta ordem seja tratado desta maneira.

Fala-se também nuns quesitos sugeridos por Pinto de Lima a um Ministro das Finanças...

O Sr. Moura Pinto (interrompendo): - Êsses quesitos devem estar no Ministério das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Não tenho êsses documentos no meu Ministério.

O Sr. Moura Pinto: - Então como é de lá saíram?

Então não se trata de um documento confidencial?

O Orador: - A maneira legal de obter êsses documentos é pedindo-os à Mesa desta casa.

Apoiados.

Não faço, Sr. Presidente, insinuações a ninguém; no emtanto o ilustre Deputado Sr. Amâncio de Alpoim há-de permitir-me, que eu, na verdade estranhe as afirmações produzidas por S. Exa. relativamente à forma como êsses documentos lhes foram parar às mãos.

Desejaria saber como é que V. Exa. conseguiu não só obter êsses documentos, como a resposta a que se referiu, isto é, a resposta que o Banco deu, e a quem.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Essa resposta foi dada ao Sr. Ministro das Finanças.

O Orador: - Ao Sr. Ministro das Finanças do anterior Govêrno, bem entendido.

Eu peço ao ilustre Deputado o favor de prestar a devida atenção ao que estou dizendo, como eu aliás lhe prestei toda a atenção, como era do meu dever.

Repito: o que era interessante era saber-se a forma como êsses documentos, foram, parar às mãos de S. Exa.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Também tenho em meu poder os relatórios do Banco.

O Orador: - Os relatórios, como V. Exa. e a Câmara sabem, não são documentos secretos, antes, pelo contrário, todos os podem obter, sendo do conhecimento de toda a gente, o que se não dá com os documentos a que V. Exa. se referiu, que são secretos.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Documentos que a soberania nacional tem o direito de conhecer.

O Orador: - O que eu posso garantir a V. Exa. é que não só o Govêrno, como aliás toda a Câmara, o que deseja, é que se faça luz, muita luz sôbre êste assunto. Eu estranho como êsses papéis lhe vieram às mãos, certamente por meios ilegais, porque como nunca andei com um

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gancho a rebuscar na lama, nem nunca procurei obter documentos por uma forma menos legítima, tenho o direito de supor isso, tanto mais que não acredito que fôsse o Sr. Ministro Tôrres Garcia quem deu a S. Exa. os documentos.

Mas, fôsse como fôsse, era justo e razoável - que S. Exa. tratasse do assunto em interpelação e não em negócio urgente.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. dá-me licença?

Levei a minha lealdade ao ponto de dizer ao Sr. Ministro das Finanças que ia tratar do assunto.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Foi uma conversa particular, mas V. Exa. não mo disse que ia fazer acusações tam graves, tendo-me, porém, falado numa nota de interpelação.

O Orador: - Êste Govêrno, contudo, não tem dúvidas em responder a quem quer que seja, e, muito menos, aos ilustres parlamentares, sôbre assuntos da sua responsabilidade ou, como não há descontinuidade em matéria do governação, empregará todos os esfôrços para responder mesmo sôbre casos passados com o anterior Govêrno.

Mas deixemos o facto de os quesitos serem de um ou de outro: isto há-de esclarecer-se. De resto, o Sr. Amâncio de Alpoim não está habituado a responder-nos se foi o Sr. Pinto de Lima quem fez os quesitos o o Ministro assinou do cruz, ou se o Sr. Pinto do Lima, sendo uma pessoa de confiança junto do Ministro, teve conhecimento dos quesitos. Eu não quero acusar - não sou Poder Judicial -, mas quási podia fazê-lo com a mesma sem-cerimónia com que S. Exa. acusou, dizendo: então, êste homem - que pelos vaivéns da sorte chegou a ser director do Banco Angola e Metrópole, que o país na sua linguagem pitoresca chamou "Banco Engrola a Metrópole", na azáfama em que andava de saber o que se passava no Banco de Portugal, esqueceu-se de olhar para dentro do Banco que deu naquilo que todo o país sabe?

Êstes casos com o Banco de Portugal reflectem-se sempre no Estado, principalmente pelas suas relações com as praças estrangeiras.

O Sr. Pinto de Lima, em quem eu não falaria se o seu nome não tivesse sido para aqui trazido, foi um dos meus companheiros dilectos nos trabalhos que antecederam a proclamação da República. E quando aqui ouvi o discurso do ilustre parlamentar Sr. Vitorino Guimarães e o àparte do ilustre Deputado Sr. Paiva Gomes, preguntando se não seria o mesmo o homem da mala dos 5:000 contos de notas falsas, eu mandei-o ouvir imediatamente, para que quando esta questão só levantasse no Parlamento eu não tivesse do dar uma falsa resposta.

Êste caso está embrulhado e confuso em relação a pessoas e cousas, e eu lamento a forma como êle foi aqui apresentado pelo Sr. Amâncio de Alpoim, porque pode prestar-se a que lá fora só lhe tirem ilações que certamente não estavam no propósito de S. Exa., ligando os dois assuntos.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): V. Exa. dá-me licença?

Se o Sr. Amâncio de Alpoim, nas acusações que veio aqui fazer, se serviu de elementos como aquele que acabo de ir consultar à Biblioteca desta Câmara, S. Exa. foi de uma rara infelicidade.

O Sr. Amâncio de Alpoim, referindo-se ao fundo de amortização e reserva do Banco de Portugal, relativamente aos anos de 1923 e 1924, chegou à conclusão de que faltavam 16:000 contos, que S. Exa. preguntou para onde tinham ido.

Serviu-se S. Exa., para isso,, dos relatórios do Banco, onde foi ver o valor dos títulos de dívida externa que estão constituindo êsse fundo de reserva no Banco.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não perca o seu tempo, Sr. Carvalho da Silva. Isso são os atrasados.

O Sr. Carvalho da Silva (continuando): - Diz o relatório do Banco de Portugal:

Leu.

Porque é que V. Exa. não foi ver o relatório que constitui o fundo de reserva?

O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. para restringir as suas considerações.

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O Orador: - Eu permiti a V. Exa. um àparte, mas não um discurso.

O Sr. Carvalho da Silva (continuando): - Isto é importantíssimo e gravo, e aprovei-la a V. Exa. e ao Govêrno.

Estou a apoiar o crédito da nação.

Apoiados.

O Sr. Ramada Curto: - Ficam-lhe muito bom êsses sentimentos.

Vários àpartes.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - O Sr. Amancio de Alpoim disse que não se referia ao Angola e Metrópole, e a final não foz outra cousa; até se role ri u aos insultos de Alves dos Reis ao chefe Xavier.

O que afirmo é que ninguém me fará engolir êste processo.

Apoiados.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Eu fui à esquadra de Santa Marta a pedido do juiz Pinto de Magalhães, e conferiu-me a necessidade de eu defender aqui no Parlamento a sua acção.

O Orador: - Não é costume interromper a apresentação do Govêrno no Senado para nesta Camara se lhe fazer uma interpelação, ruas, desde que foi solicitada a minha presença, eu não podia deixar de vir à Câmara tratar do. caso da substituição do juiz Pinto de Magalhães.

Deixando-se entrevistar por um jornal da noite, êsse juiz deu a prova mais cabal de que não sabia usar daquele prestígio que lhe tinha sido dado.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Mas V. Exa. deu-lhe a sua confiança!

O Orador: - Também V. Exa. lha deu.

Eu, que não queria encobrir ninguém, disse a êsse homem: o senhor tem a minha confiança; e dei-lhe assistência, forneci-lhe documentos, fiz tudo quanto era o meu dever.

O assunto não é, como se diz em linguagem tauromáquica, foi para curiosos.

O Sr. Amâncio de Alpoim (em àparte): - Também não é para mudos!

O Orador: - Mas não para ser tratado por forma que possa apagar os vestígios do crime.

Apoiados.

Toda a imprensa se referiu ao facto e sempre indignadamente.

Quem pediu ao agente Xavier, a não ser que êle minta, para ir ouvir em primeiro lugar José Bandeira, dizendo-lhe que fizesse o que pudesse para averiguar a verdade, foi o juiz Pinto de Magalhães.

O agente até às 7 horas da manha nada tinha averiguado.

Quando o juiz queria ouvir Alves dos Reis pedia ao chefe Xavier que pusesse em prática um truc de que se tinha lembrado.

Alguém lhe dissera que êsse homem, sempre inteligente o pronto nas respostas, só com uma cousa se perturbava: com qualquer ameaça de uma agressão à mulher e filhos.

Parece, por isto, que êsse criminoso ainda tem alguns sentimentos e faz bem em tê-los, já que outros tam maus possui.

E então Alves dos Reis teria dito: não quero que acusem mais ninguém, o que me preocupa é a sorte do juiz Pinto de Magalhães!

Tenho o direito do dizer que não esto a aqui para tapar as responsabilidades de quem quer que seja.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - V. Exas. darão licença?

Eu creio que V. Exa. tinha muitos republicanos competentes e da confiança do país para tratarem de um assunto de tam alto interêsse nacional.

Vozes: - Mas o juiz agora nomeado é um grande magistrado!

O Orador: - É o Sr. Dr. Amâncio de Alpoim a primeira pessoa que põe em dúvida a competência dêsse magistrado.

Mas o que importa é luz, muita luz sôbre a questão.

Apoiados.

O que importa é que se dêem a êsse magistrado todos os elementos, não perturbando a sua acção.

Êsse homem tem brilho, inteligência e uma folha brilhante de serviços. Foi há 7 anos inspector do Supremo Conselho Judiciário, o que é uma honra na magistratura.

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Nesta hora êle tem realmente grandeza moral!

Apoiados.

Não me importa o que possam dizer de mim os caluniadores!

Entre mim e êles o país julgará!

Eu estou absolutamente convencido de que a pessoa que foi encarregada de proceder às necessárias averiguações há-de honrar o seu nome e a República.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. pode dizer-me se a discussão finalizou, isto é, se está encerrado o debate?

O Sr. Presidente: - O debate não foi generalizado.

O Orador: - Desejava, Sr. Presidente, fazer umas ligeiras considerações.

Eu entendo, Sr. Presidente, que êste debate não pode, nem deve encerrar-se.

Depois das afirmações aqui feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim, eu entendo que a Câmara não quererá que o debate seja encerrado emquanto não fôr devidamente esclarecida sôbre o assunto.

A Câmara, a meu ver, tem o direito de saber a quem compete a responsabilidade dessas quesitos, o que aliás o Sr. Ministro das Finanças tem meio de averiguar.

Entendo, repito, que o debate não deve encerrar-se, visto que o Parlamento e o país tam o direito de saber como foram dirigidos êsses quesitos.

É preciso, na verdade, não perturbar e ter-se a serenidade suficiente para esclarecer todos os assuntos. Porque é preciso afirmá-lo, e esta afirmação creio que posso fazê-la em nome de toda a Câmara: onde estiverem criminosos a Câmara não os encobrirá.

Temos a coragem de ir até onde fôr preciso.

Venham os documentos, mas que venham todos, para que toda a Câmara possa analisá-los em face dos números, em face de casos exactos que possam ser fornecidos pelo Govêrno, para os aceitarmos se forem verdadeiros, e dizer ao Govêrno que tome as providências necessárias, para que nós tomemos a deliberação de votar qualquer cousa que signifique a não concordância com êsses actos.

Não me refiro à primeira parte do discurso do Sr. Amâncio de Alpoim, a propósito da associação de malfeitores conhecida pelo nome de Banco Angola e Metrópole, porque tendo pedido a palavra simplesmente para interrogar a Mesa...

O Sr. Cunha Leal: - Eu entendo que, ao contrário do que se disse aqui, o debate está generalizado.

O artigo 36.° da lei n.° 403 criou a comissão parlamentar de contas públicas, e, nos seus termos, nós temos uma comissão de inquérito parlamentar com carácter permanente.

Parecia-me, portanto, que, até sem necessidade da generalização do debate, se devia abrir uma inscrição especial para esta discussão.

O Orador: - Aceito a interpretação do Sr. Cunha Leal, mas, apesar disso, não poderia neste momento deixar de produzir as considerações que venho de produzir. Visto que se fala em documentos que o Sr. Amâncio de Alpoim vai guardar num cofre, é necessário que êsses documentos apareçam, porque não sabemos se são documentos oficiais sôbre que se possa falar.

O que eu queria dizer ainda é que não desejo misturar as duas questões, uma referente ao Banco de Portugal e outra referente à associação dos malfeitores do Banco Angola e Metrópole.

Essas duas questões não devem ser esclarecidas ao mesmo tempo.

O Sr. Amâncio de Alpoim fez uma afirmação gravíssima, quando quis dar a impressão de que o Sr. Lobo de Ávila Lima ao sair do Banco de Portugal, essa retirada era de protesto repudiando os actos de homens desonestos. É preciso que se saibam as circunstâncias em que saiu do Banco de Portugal o Sr. Lobo de Ávila; é necessário que o Sr. Ministro das Finanças venha ao Parlamento com todos os documentos que possam esclarecer a questão.

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Eu devo declarar que. tendo sempre procurado os interêsses do Estado na sua defesa, muitas vezes tenho estado em desacordo com o Banco de Portugal, mas nunca me passou pela idea do que as afirmações do Sr. Amâncio de Alpoim não fossem apenas senão uma errada interpretação do números.

Confesso que não estou habilitado a responder desde já à argumentação dos números apresentados pelo Sr. Amâncio de Alpoim, o que necessito de algumas horas para me preparar e colhêr elementos para controlar os relatórios que S. Exa. citou.

Creio que este critério é no interêsse de todos nós, que desejamos discutir amplamente êste assunto.

E êste o critério que eu tomei e creio que sei o melhor, o defendê-lo hei com iodo o meu esfôrço.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem os àpartes foram revistos pelos oradores que os produziram.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Talvez o Sr. Cunha Leal se não magoe por usar da palavra antes de S. Exa.

Seria conveniente que o Govêrno lesse êsses documentos.

Mas o Grovêrno tem de concluir a sua apresentação no Senado, e não quero o Govêrno ser acusado de menos respeitoso para com o Senado, e por esta razão é pena que não possa a Câmara prosseguir hoje nesta discussão, tendo acabado o Sr. Amâncio do Alpoim com uma apóstrofe. Assim é conveniente que não haja um grande espaço do tempo para que a Câmara se aperceba da razão e veja as consequências das palavras de S. Exa.

O Sr. Cunha Leal: - Se V. Exa. tem vontade do esclarecer a Câmara, a Câmara evidentemente também tem o desejo de que tudo se esclareça.

Não é possível o terem os Srs. Deputados formado uma opinião individual só por tais palavras. Era preciso fazer-se um inquérito junto do Banco para chegarmos a uma conclusão, o que é impossível. Isto representa até um perigo para a tranquilidade pública.

Apoiados.

Parecia-mo melhor fazer um requerimento no sentido do que a discussão continuasse em sessão prorrogada.

Apoiados.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - O Govêrno concorda com. o que V. Exa. acaba do dizer.

O Sr. Cunha Leal: - Requeiro que na sessão seja prorograda, continuando até liquidação dêste assunto o interrompendo-se para continuar nesta noite.

Apoiados.

O Sr. Presidente: - Tenho de prevenir a Câmara que a sessão não poderá continuar depois das 8 horas da noite, por falta do electricidade.

Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Cunha Leal.

Posto à votação o requerimento do Sr. Cunha Leal, é aprovado.

O Sr. Cunha Leal: - Em obediência à indicação regimental, mando para a Mesa a seguinte moção:

"A Câmara dos Deputados, tendo ouvido as afirmações feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim, convida-o a ir depor perante a Comissão Parlamentar do Contas Públicas, criada pelo artigo 36.° da lei 403, ti fim do que esta elabore um relatório sôbre a matéria, que deverá ser presente ao exame da Câmara com a maior urgência possível. - Cunha Leal".

O Sr. Amâncio de Alpoim ao apresentar esta questão declarou que a separava completamente da questão sôbre o Banco Angola o Metrópole.

Contudo S. Exa. misturou sempre completamente esta questão com a questão do Banco Angola o Metrópole, e tam completamente, que não consideramos a questão que aqui foi levantada se não como filha dilecta da questão do Banco Angola o Metrópole.

Apoiados.

O Sr. Amando do Alpoim lamentou que se não tivesse constituído a comissão de inquérito preconizada por S. Exa. a fim de os factos serem completamente esclarecidos.

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Mas se S. Exa. queria que essa comissão fôsse constituída para que as responsabilidades do Banco de Portugal fossem, apuradas no assunto a que se referiu S. Exa., não tinha necessidade de criar um organismo novo, visto que tinha já um organismo com os poderes competentes para fazer as investigações completas sôbre o caso do Banco Angola e Metrópole.

Do facto, para que se veja que isto assim é o bastante vou ler o artigo 36.° da lei respeitante à fiscalização de contas.

Para se verificar, pois, se a lei especial referente ao Banco de Portugal foi cumprida integralmente, escusávamos do nos alongar nesta discussão, a fim de propor essa comissão, a não ser que o Sr. Amando do Alpoim quisesse transformar essa comissão parlamentar do inquérito numa comissão de polícia, fazendo recair sobre nós todos êsse papel...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não tem V. Exa....

O Orador: - Escusa, pois, V. Exa. de lamentar que não fôsse constituída essa comissão do inquérito, porque ela está criada e tem amplos poderes.

Tenho a certeza de que essa comissão, composta de homens de bem e competentes, há-de examinar com o cuidado preciso dar uma sentença.

Não está em causa apenas o Banco de Portugal, mas o Banco Angola e Metrópole e o Banco de Portugal.

Só V. Exa. dentro dessa comissão não provar nitidamente as suas acusações - visto que é administrador da Caixa Geral de Depósitos - sôbre um estabelecimento que tem as ligações, que todos nós sabemos, com êsse outro estabelecimento ; se o fizer de ânimo leve, não tenho dúvida em dizer que S. Exa. terminou brilhantemente a sua carreira política.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Êsse é o espírito do S. Exa. Agradeço as suas intenções...

O Orador: - S. Exa. fará o que entender.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É muito difícil terminar uma carreira política em Portugal...

O Orador: - Sr. Presidente: não estou aqui, ao contrário do que pode supor o Sr. Amâncio de Alpoim, com o intuito de o agravar.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Muito obrigado a V. Exa.

O Orador: - Mas estou aqui evidentemente para analisar as consequências políticas das suas palavras, para lhe medir bem o alcance e para lhe tirar da sua formidável análise as conclusões que fôr legítimo tirar. E a primeira cousa que eu ponho em relevo, ao analisar as palavras de S. Exa., é esta diversidade do tratamento que S. Exa. usou: Alves dos Reis é o acusado Alves dos Reis, os administradores do Banco de Portugal são ladrões e falsários.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Esclareço já V. Exa. para evitar confusões: considero Alves dos Reis como um criminoso comum; considero-o e aos seus cúmplices como falsificadores.

O Orador: - Devo dizer neste momento que estarei sempre, mesmo quando o Sr. Amando de Alpoim não quiser cumprir a disposição regimental que o obriga a me pedir licença para mo interromper, falta que eu não considero de descortesia para comigo, disposto a autorizar as interrupções que S. Exa. quiser fazer.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Desculpe V. Exa.

O Orador: - Sr. Presidente: não posso também deixar desde já do frisar êste ponto: S. Exa. foi parte e juiz ao mesmo tempo para a administração do Banco de Portugal. O que são estos homens? São réus o criminosos, porque assim os considerou o Sr. Amâncio de Alpoim. Alves dos Reis acabamos de saber que também é um falsário na opinião de S. Exa., mas, em todo o caso, um falsário que não se trata com a descortesia com que se trataram os directores do Banco do Portugal.

Quanto às acusações do Sr. Amâncio de Alpoim, devo dizer que umas não me convenceram e que outras as considero menos verdadeiras por fundadas em bases

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falsas. E para que o espírito público perca, pelo menos, a impressão de que as acusações do S. Exa. no ponto que se refere ao facto do o Banco ter emitido notas a mais do que lhe permitia a lei são verdadeiras, quero ler à Câmara algumas disposições dessa lei, para que V. Exas. percebam como do ânimo leve se podem acumular palavras e como com estas se podem enxovalhar homens do bem, não só esperando, até por cortesia e por um dever que um advogado não devia desconhecer, ouvir a sua defesa.

Apoiados.

O Banco de Portugal tem duas espécies de notas que pode emitir: aquelas que está autorizado a fazer pelos contratos sucessivos com o Estado, o aquelas que pela base 2.a do contrato de 1918 pode emitir.

Vejamos o que diz, para remediar êsse inconveniente, a base 2.ª do citado contrato do 1918:

Leu.

Em 1918, havia, portanto, para o Banco, para a sua circulação própria, duas espécies do circulações: uma que era a soma das parcelas estabelecidas na primeira parte da base 2.ª e a outra que representava valores de correspondência nos termos da mesma lei. Quando se fôr pedir ao Banco de Portugal, garantia de ouro para as notas em circulação, essa garantia não é extensiva a todas as notas, mas só àquelas que foram emitidas em representação do ouro, que excedesse as bases dos contratos. E agora pregunto: Como é que se entendeu da parte do Estado que esta representação de ouro se faria?

Neste ponto, devo dizer que sempre neste Parlamento defendi a tese de que a interpretação legítima do contrato do 1918, ligada com a da lei de 29 de Junho de 1887, é que a representação dos valores ouro se deveria fazer considerando o ouro ao par. Era esta a interpretação racional, mas ao Estado aprouve dar outra porque precisava de dinheiro, que foi a seguinte: deposito uma libra, e estou autorizado nos termos da lei de Junho de 1887, e do contrato de 1918, a levantar ao câmbio do dia o número de escudos que corresponder a essa libra.

Criaram-se assim, duas espécies de circulação: uma fixa e outra variável.

O Estado, porque êsse era o seu interêsse, criou a doutrina formidável do que a representação das notas dos valores-ouro se faria ao câmbio do dia; más, como a certa altura sofreu a baixa da libra de 100$00 para 95$00, resultaram daí prejuízos na sua conta variável.

Vejamos alguns documentos pelos quais isto se prova.

Por exemplo: a prata em caixa, pertencente...

Leu.

Querem V. Exas. ver a interpretação que o Estado deu a isto?

Creio que o Sr. Ministro das Finanças me permitirá esta inconfidência, visto que esto papel mo foi cedido por S. Exa. o estado pôde levantar muito mais; pôde levantar 35:710 contos.

Mas, querem ver mais?

Interrupção do Sr. Amando de Alpoim que não foi ouvida.

A alínea c) da base 2.ª, diz o seguinte:

Leu.

Ora, o contrato do 1924 diz o seguinte:

Leu.

Agora vamos ver a interpretação dada a esta base 2.ª

Leu.

Só com o conhecimento detalhado dos pormenores das célebres preguntas e o inquérito feito é que nós podemos determinar a resposta verdadeira às preguntas do Sr. Alpoim.

Isto tem do fazer-se para honra da República!

Não estava em Portugal quando só descobriu a falcatrua, mas fiz saber a quem de direito a minha opinião, de que o dinheiro do Banco Angola e Metrópole não podia ter uma origem legítima, porque o dinheiro de particulares não se esbanja; não se dá com tanta falta do cautelas. Portanto êsse dinheiro era para mim suspeito desde a primeira hora.

Se êsse dinheiro fôsse apenas falso, o caso teria pouca importância; estava previsto nos códigos, mas se as investigações provarem o contrário, o crime dêsses homens é muito maior.

Apoiados.

Regressei a Portugal. Uma vez aqui chegado, observei que existia uma atmosfera de absoluta benevolência para com os criminosos; e ainda para com o crime, o que é mais.

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Há pouco dizia eu a amigos meus que propositadamente trazia para a Câmara, em livro de Eça de Queiroz, o último livro que daquele autor foi publicado: A Correspondência.

Encontram se nele algumas passagens que, em parte reabilitam os falsários e também reabilita, em parte, urna frase que tem sido muito censurada na sociedade portuguesa.

Escrevia Eça de Queiroz a Oliveira Martins, o seguinte:

Leu.

Eça adivinhava que há potências que podem comprar os inimigos com moeda falsa.

Continua lendo.

Lá vai a reabilitação da choldra, do Sr. António Maria da Silva.

Risos.

Cheguei a Portugal, e verifiquei que o estado de espírito era êste: uma grande parte dos portugueses lamentava que o Banco Angola e Metrópole não houvesse durado mais dois ou três meses, a ver se lhe chegava a vez.

Apoiados.

Risos.

No momento em que a nacionalidade portuguesa, a nação, que é de nós todos, é vítima de uma ofensiva que, por ora, a inépcia policial classifica apenas de crime de burla ou moeda falsa - isso é lá com os advogados - onde está a indignação do país? ";0nde está a cólera patriótica? Onde estão as grandes indignações duma raça, vítima de burlões confessos, que andaram aos tombos por todas as cadeias, para depois poderem apertar, livremente, as mãos dos Ministros desta República? ^Onde está essa grande, essa sagrada cólera?

O incidente é levado à categoria de caso policial! A questão esbate-se e morre! Neste pântano da sociedade portuguesa floresce, apenas, como flor misteriosa, a piedade pelos falsários, as simpatias pelos falsários, chegando a pôr-se em alto relevo a inteligência de um tarado, manobrada por dois holandeses de origem duvidosa.

Compaixão pára com os criminosos! Absurda e estúpida compaixão!

Apoiados.

De um lado há os burlões confessos: Alves dos Reis pronunciado já por crime

de burla; Bandeira já três vezes condenado. Para êsses uma estranha piedade, e contudo tinham sido apanhados quási a dormir em colchões de notas falsas como tudo quanto é falso. Doutro lado há as vítimas: os burlados e os conspurcados na sua dignidade.

Então toda a antipatia vai para os burlados e todas as simpatias vão para os burlões?

Estranha degeneração da sociedade portuguesa!

Ainda quando o Banco houvesse cometido faltas, seria impolítico levantar, neste momento, essa questão.

Apoiados.

Do outro lado estavam os roubados, os que tinham ficado sem haveres, aqueles que tinham sido conspurcados ou a quem tinham tentado conspurcar na sua honra; o então todas as antipatias se voltam contra êles e todas as simpatias são para os outros! Estranha degenerescência da sociedade portuguesa, miserável degenerescência!

Nas acusações do Sr. Amâncio de Alpoim ao Banco de Portugal é possível que haja alguma cousa de verdade. Não sei se o há; mas a justiça da República deve ser serena, imperturbável, inflexível. Ainda mesmo quando o Banco tivesse como tido faltas, o acto de S. Exa. é puramente impolítico, tendo sido, como foi, levantado neste momento!

Muitos apoiados.

Como é que S. Exa., que se diz vítima duma campanha na qual nenhum de nós tem qualquer responsabilidade, num período em que vivemos num permanente regime de suspeições, responde às que são lançadas sôbre si?... Responde lançando suspeições sôbre os outros...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Acusações, acusações.

O Orador: - S. Exa. não foi atacado pelo que tivesse já dito, mas pelo que sabiam que êle ia dizer. E então S. Exa. diz: eu era o único que tinha descoberto os ladrões, souberam-no e lançaram toda a onda de lama sôbre mim!..

Há apenas um grupo de homens que na sociedade portuguesa "não são criminosos": são os "pobres" burlões do Banco Angola e Metrópole!...

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O Sr. Amâncio de Alpoim: - Eu não sustentei isso! Disse que são criminosos!

O Orador: - Aqueles que lidaram com o dinheiro falso não podem ser suspeitos. Ninguém os atinge... "suspeitos" são os outros...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Durante perto de nove meses a administração do Banco de Portugal, pelas suas repartições, lidou com dinheiro falso!...

O Orador: - ... e depois?...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. diz; que se devo atacar os que lidaram com o dinheiro falso; meta êstes na conta!...

O Orador: - Eu vou contar ao Sr. Amâncio de Alpoim uma pequena história. Ia um passador do moeda falsa para uma feira o um pobre campónio foi fazer com êle um negócio. O passador deu-lhe cinco notas de 5$000 réis. Essas notas passaram pelas mãos dos dois. E há uma diferença fundamental entre ambos...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Faça V. Exa. a distinção também para as outras pessoas honestas que obtiveram créditos do Banco Angola e Metrópole!

O Orador: - Não estou a falar nas pessoas que obtiveram tais créditos. Estou apenas a dizer que concedo mais do que V. Exa. concede: que nem todas as pessoas que administraram as notas falsas serão suspeitas ou mereçam sê-lo. Poderia preguntar: como chegou o dinheiro ao Banco? como entrou nos seus cofres? como pôde sair?...

Disse-se que o primitivo capital foi realizado por estrangeiros.

Venderam-se, portanto, cheques nas praças portuguesas para realizar escudos.

Então as diversas casas bancárias não estranhavam que os directores do um banco andassem transportando do um lado para o outro tanto dinheiro em malas, em vez de se servirem, como é usual, de cheques?

E demais a mais as notas saíam da caixa sempre novinhas em folha, quando nós estamos habituados a vê-las usualmente no estado que todos sabem...

Pois, apesar de tudo isto, eu sou tam cioso da honra alheia, que não acuso essas pessoas de estarem ao lado de burlões.

O Partido Nacionalista há-de, naturalmente, por outra pessoa, melhor do que eu, significar a sua posição; mas, neste momento, eu não podia deixar do, individualmente, marcar a minha do não solidariedade com as afirmações do Sr. Amâncio de Alpoim.

Em um ou outro ponto eu poderia, desde já, verificar que S. Exa. errou, mas, mesmo que S. Exa. tenha errado, alguma cousa ficou: o labéu que S. Exa. lançou sôbre a honestidade daqueles homens.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Oxalá eu tivesse errado para bem de nós todos. Mas tenho a certeza do que não mo equivoquei; acusei e acuso com provas.

O Orador: - E se nós fizéssemos tranquilamente uma cousa: o Parlamento confia em que o Sr. António Maria da Silva - e eu sou insuspeitamente seu adversário político para lhe fazer essa justiça - não preside a um Govêrno que sirva de capa do ladrões.

Eu não acredito que os haja no meu partido. Mas, se os há, mêta-os já S. Exa. na cadeia.

Muitos apoiados nacionalistas.

Se os há noutro partido, tenho a certeza de que S. Exa. há-de proceder da mesma forma.

Apoiados gerais.

Ainda há dias ouvi nos jornais que me iam ouvir sôbre a questão do Angola e Metrópole.

Fiquei bastante admirado de que me não tivessem avisado do facto antes de a notícia ter vindo a público.

Eu disso então: ou me ouvem já ou me explicam o que essa notícia quere dizer.

E a resposta foi esta: quere-se ouvir o Sr. Cunha Leal acerca do determinados discursos que fez no Parlamento contra emissões de notas não autorizadas feitas pelos Srs. António Maria da Silva e Velhinho Correia.

Sabem V. Exas. muito bom que, tendo eu estigmatizado um procedimento admi-

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nistrativo dêsses homens, nunca pus, porém, em dúvida a sua honestidade.

Apoiados.

Vejam agora V. Exas. como um juiz estava fazendo uma equiparação entre as emissões feitas pelos Srs. António Maria da Silva e Velhinho Correia e as dos burlões Alves dos Reis e José Bandeira!

Apoiados.

Pregunto: querem ou não querem confundir as duas questões?

Pretendem ou não pretendem servir os falsificadores, lançando a confusão no espírito público?

Eu precisava protestar contra essa confusão.

Não misturem os nossos erros administrativos com os crimes dos burlões, e porque assim é, eu penso que deveria haver o maior cuidado nas palavras que se dizem e nos ataques que se pronunciam aqui no Parlamento.

Neste momento não podemos ser irreflectidos, mesmo que estejamos magoados com ataques que consideremos injustos.

Misturar a nossa paixão com acontecimentos públicos, fazendo convencer o país de que Portugal não é um país de homens de bem mas um covil de ladrões...

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Foi V. Exa. que chamou à sociedade portuguesa um pântano.

O Orador: - Pântano é a situação que permite manifestações desta natureza, que em vez de revolta tem simpatia pelos criminosos; pântano é esta cousa em que todos estamos chafurdando, que permite confundir o Banco do Portugal com a burla do Angola e Metrópole; pântano é tudo isto, mas, fora do isto tudo, acima de isto tudo existe alguma cousa que devemos respeitar, é a própria Pátria.

Se há no Banco de Portugal erros, castiguemo-los, mas não vexemos homens de bem e não tornemos inútil a distinção que existe entre o homem, de bem e o criminoso.

Sr. Amâncio de Alpoim: não julgue que eu venho aqui propositadamente ser o opositor de V. Exa. - e lamento muito que a primeira questão em que eu tomo parte no Parlamento seja isto - mas V. Exa. prestou a êste país um serviço tam não com o seu negócio urgente, que eu mentiria à minha própria consciência se não lhe dissesse:

Sr. Amâncio de Alpoim: V. Exa. há-de ter remorsos do que fez e há-de tê-los quando, estudando a questão não curando por informações erradas, V. Exa. se convencer que pôs o estigma de ladrão em homens do bem, e isto é alguma cousa que merece ponderação.

Tenho dito.

Foi admitida a moção.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim não fez a revisão das suas interrupções.

O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão para continuar amanhã à hora regimental.

Está interrompida a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

SEGUNDA PARTE

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 3 minutos.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: falo da tribuna para que toda a gente me ouça. E esforçar-me hei por tornar isso fácil, falando alto, claro e bom som.

Não venho aqui intervir num debate sôbre a situação do nosso Banco emissor, nem tam pouco afirmar cousa alguma acerca das relações entre êsse Banco e o Estado.

Apenas me proponho fazer o meu depoimento no incidente levantado nesta Câmara pelo Sr. Amâncio de Alpoim, porque S. Exa., nas suas considerações -pelo que me disseram e li nos jornais-fez alusão à minha pessoa e à minha atitude como Ministro das Finanças do último Govêrno.

Rapidamente, documentando sempre, como convém, ou direi a V. Exa., Sr. Presidente, e, por intermédio da Câmara, a todo o pais, qual foi a minha acção.

Num dado momento apelaram para as minhas qualidades de cidadão devotado do país e de republicano devotado à Repú-

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blica, para que ocupasse a pasta das Finanças.

Não podiam de lacto apelar para mais nada, porque ou outros merecimentos não oferecia a quem me indicava para êsse cargo.

Fui no Govêrno do ilustre estadista Sr. Domingos Pereira fazer um quarto de sentinela; e, como o meu temperamento não podia suportar atitudes passivas, eu afirmei desde logo, na declaração ministerial, aqui na Câmara e na imprensa, que procuraria ajudar na sua efectivação alguns dos problemas que vinham interessando ao Ministério das Finanças, isto é, às finanças da República, o, portanto, do país.

E, assim, tendo o Govêrno de que eu fazia parto, logo nos primeiros dias de Agosto, de trazer a esta Câmara uina proposta de lei habilitando êsse Govêrno com os meios legais para cobrar as receitas e pagar as despesas até o fim do ano de 1925, eu introduzi nesta proposta dois pedidos de autorização para que o Govêrno podesse concertar com o Banco do Portugal novos acordos e novos contratos, que levassem à liquidação das contas do fundo do maneio, à definição dos direitos da Fazenda Pública, como detentora de acções do Banco, à convertibilidade ou fixação da moeda, etc.

E eu não vou agora explicar aqui o que são êsses problemas nas finanças do país, por que V. Exas. os conhecem do sobra.

No artigo 7.° dessa proposta de lei eu pedia:

Leu.

Como V. Exas. estão recordados, essa proposta sofreu um começo do discussão, tendo até feito uso da palavra, sôbre os seus artigos 6 ° e 7.°, o Sr. Cunha Leal.

S. Exa. do facto fez um discurso em que apreciava êsses dois artigos da proposta; e lembro-me bem que S. Exa. achava interêsse na resolução dêstes dois problemas, mas que achava também absolutamente imprudente que se dêsse ao Govêrno uma tal autorização para isso, quando o Parlamento ia fechar.

A Câmara não levou até o fim a discussão da proposta dos duodécimos, e o meu propósito ficou portanto impedido de realizar-se.

E, como depois se entrasse num período governativo sem Parlamento, eu não pude realizar esta obra, e procurei de outra forma dar sequência a êste trabalho, redigindo por meu próprio punho o projecto de uma portaria que faria publicar pelo Ministério das Finanças, concebida nestes termos:

Leu.

Onde repeti, por extracto, aquilo que tinha introduzido na proposta sôbre duodécimos.

Preguntarão V. Exas.: para que é que o Sr. Tôrres Garcia está a fazer a leitura e a apresentar à Câmara êstes factos?

Por várias razões que eu passo a expor:

Porque demonstram que eu tinha desde a primeira hora uma preocupação, qual era a de considerar indispensável que se levasse o Banco de Portugal a acordar com o Estado sôbre o disposto no decreto n.° 10:634, na parte aplicável.

Não me refiro neste momento à necessidade inadiável que eu julgava haver - e que ainda julgo hoje - de se dar realização à doutrina da reforma bancaria, especialmente na parte relativa ao Banco de Portugal.

Pelos documentos que li, o pelas afirmações que fiz, devem V. Exas. ter visto a intenção formal que eu tinha de que tudo se fizesse de acordo com o Banco de Portugal, e que, portanto, ao Ministro das Finanças de então nunca passaria pela cabeça praticar qualquer acto que representasse uma rutura de relações com êsse Banco.

Depois de redigido aquele projecto de portaria, desisti da sua publicação, e desisti porquê?

A seguir à minha posse da pasta das Finanças, em 1 de Agosto, não recebi os cumprimentos usuais do Banco de Portugal.

Não me passou despercebido êsse facto, pois só me passa despercebido o que quero, e levei à conta de menos consideração pelo Ministro, não pessoal, mas técnica.

O Conselho Geral do Banco do Portugal, diria: já temos mais um pobre diabo!

O Sr. Cunha Leal: - Parece que houve antes também "pobres diabos".

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O Orador: - Essa conclusão é lógica e eu também não a nego.

Eu sou alguma cousa rústico, sou da aldeia, da serra; e lá, quando o arvoredo é mais denso, quando um charco é opaco, quando, emfim, qualquer cousa tem aspecto misterioso, atira-se-lhe uma pedra para ver o que é que de lá sai.

Assim eu atirei uma pedrada pela janela do Banco para ver o que estava lá dentro.

Apoiados.

Eu serei suficientemente culto na sciência dos números, para conhecer os termos dos relatórios dos bancos e suportar as subtilezas dos banqueiros.

Agora, eu, nem oficial, nem oficiosamente, tratei com o Conselho do Banco.

Quando tratei foi com o governador do Banco, que é um funcionário do Estado.

Apoiados.

Formulei e ditei ao Sr. Viegas oito preguntas, e da 1.ª à 8.ª foram escritas por S. Exa. e dirigidas ao Sr. Inocêncio Camacho, que respondeu nestes termos:

Leu.

S. Exa. mandava acompanhar êste ofício daquilo que agora anda na mão de toda ã gente o que não devia andar.

Apoiados do Sr. Presidente do Ministério.

Foi uma indiscrição e falta de bom senso de muitas pessoas, que não deviam vir cá para fora com o que era um segredo do Estado, podemos afirmá-lo.

Apoiados.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Nestas cousas não há segredos de Estado.

Àpartes.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - V. Exa. vai ouvir muito mais.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não me diz respeito a mim...

Àpartes.

O Orador: - Chegou às minhas mãos debaixo desta reserva a elucidação que eu pedi, não ao Banco, mas sim a um funcionário superior da confiança do Govêrno, junto dêsse Banco, o Sr. Inocêncio Camacho.

Poucos dias depois eu tinha no meu gabinete o Conselho Geral do Banco, chegando, assim, ao necessário contacto.

Recebi no meu gabinete êsse Conselho e tendo agradecido os seus cumprimentos, expus a intenção do Govêrno, isto é, a vontade que o Govêrno tinha de apresentar à Câmara dos Deputados, em 2 de Dezembro, uma proposta sôbre o assunto.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa. recorda-se do discurso que eu aqui fiz em 14 de Agosto, em que me declarei partidário da intervenção do Estado nos Bancos, feita de acordo com os mesmos Bancos?

O Orador: - Ainda não há muito que eu mo referi a êsse discurso de V. Exa.

Assim, repito, tendo conseguido reunir no meu gabinete o Conselho Geral do Banco do Portugal, expus, como ia dizendo, o objectivo que tinha, qual era o de procurarmos uma situação estável para a nossa moeda, e os restantes problemas já referidos.

Assentando comigo na oportunidade das negociações, dei ordem ao Director Geral da Fazenda Pública para mandar redigir um ofício em que se pedia ao Conselho Geral do Banco para apreciar os pontos de vista do Govêrno, que aliás estavam de acordo com a proposta dos duodécimos que ou já tinha trazido a esta casa do Parlamento e bem assim com as propostas formuladas pelos Srs. Álvaro de Castro, Vitorino Guimarães e Pestana Júnior.

Como a Câmara vê, o meu empenho era trazer ao Parlamento em 2 de Dezembro uma proposta sôbre o assunto; porém, agora começa a outra fase dos acontecimentos, qual é a das preguntas feitas ao Banco, as quais já são do conhecimento de V. Exas.

O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - Quando V. Exa. fez as preguntas ao Banco estava convencido de que efectivamente êsses actos irregulares existiam ou ainda existem?

O Orador: - Não, senhor. Sôbre uns, devo dizer em abono da verdade que não tenho dúvidas; porém,

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sôbre outros julgo-os ainda insuficientemente esclarecidos. Mas eu procurei, como já disse, apenas esclarecimentos.

Não acusei ninguém.

Os quesitos que então formulei foram os seguintes:

Leu.

Devo dizer a V. Exas. que aqui se deu um lapso feito pelo dactilógrafo que passou a limpo êstes quesitos, qual foi o de substituir a forma interrogativa pela afirmativa numa das questões. Assim, onde se 16 "julgo o Banco nestas condições, deve ler-se;

"Julga o Banco nestas condições?"

Só V. Exas. só derem ao incómodo de examinar êste documento, verão que em todas as questões se encontra a mesma forma interrogativa.

Afirmo solenemente que assim é.

É conveniente a quem afirma cousas nesta matéria ler as leis e contratos para deles tirar o suficiente conhecimento.

Mesmo que eu afirmasse, não afirmava a falência do Banco, mas sim que o Estado teria chegado à situação de poder rescindir o contrato nos termos da recente lei n.° 404.

O Estado poderia rescindir o contrato.

Isto é o que diz a lei; o que ela traduz é apenas uma faculdade para o Govêrno ou o Ministro das Finanças que, ao verificar isso, poderia rescindir o contrato com o Banco do Portugal.

O legislador julgou conveniente que o Estado se garantisse por essa maneira.

De maneira que preguntando qualquer cousa ao governador do Banco de Portugal não afirmou que certos factos fossem verdadeiros.

Esta hipótese foi meticulosamente posta a correr por maneira que tal declaração por parte do Ministro seria a reputação do Banco falido.

Afirmou-se isso com o desconhecimento da lei que regula o assunto.

Estou, emfim, tranquilo por ter cumprido o meu dever; e estou convencido que se todos êstes actos preparatórios, todas estas operações de pleno direito para o Estado, só tivessem levado a fim (Apoiados), teríamos hoje na Mesa uma proposta ministerial pronta a receber a sanção do Poder Legislativo, fazendo crer no rejuvenescimento financeiro do país.

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. dá-me licença?

Tenho demonstrado por palavras o factos o respeito que tenho por V. Exa.; mas pregunto se jogam com as preguntas as respostas que V. Exa. aqui trouxe.

O Orador: - Perfeitamente. Eu vou ler as respostas.

Devemos partir dêste princípio: o que houve foi uma cópia dêstes documentos.

O Sr. Cunha Leal (àparte): - Há também uma reivindicação legítima de paternidade.

Risos.

O Orador: - Vou ler:

Leu.

O Govêrno respondeu que não.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. faz favor de ler essa outra resposta.

O orador leu.

Nova interrupção do Sr. Amâncio de Alpoim.

O Orador: - Numa determinada altura...

Mas vamos agora à segunda parte para demonstrar ao Sr. Cunha Leal que as respostas são convincentes; e fique tranquilo em face destas respostas.

Nunca mais mexi no assunto.

Mas a segunda parte...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. dá-me licença?

Apenas uma pregunta para esclarecer.

O Orador: - V. Exa., ouvindo, escusa de me interromper.

Eu tenho do há muito tempo conhecimento da actividade política o jornalística do Sr. Pinto de Lima, e devo dizer a V. Exas. que êsse Sr. Pinto de Lima me merece consideração e respeito pelo seu passado e dedicação republicana. Êsse homem foi e é ainda um defensor intemerato da República; o algumas vezes me encontrei com S. Exa. nessa defesa.

Também escrevia nos jornais sôbre Bancos, tendo feito uma campanha no jornal A Pátria.

Essa campanha continua na Tarde.

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Tive relações pessoais com S. Exa. que chegaram a uma quási intimidade.

Conversei muitas vezes com S. Exa.

Passados alguns dias vieram essas respostas que estiveram durante muito tempo nas mãos do Sr. Pinto de Lima.

S. Exa. depois de ver quais as respostas dadas e de as ter cotejado com o quesitos, elaborou os seus contra quesitos pelo seu próprio punho.

Era aquilo que, em seu entender, me podia servir para contra-atacar as respostas do Banco de Portugal.

Eu, porém, não fiz uso nenhum do que foi escrito pelo Sr. Pinto de Lima, porque tenho uma cabeça para regular os meus actos, e se tivesse a noção de que não devia obediência ao meu cérebro, internar-me-ia numa casa de doidos.

Não fiz, portanto, uso dos quesitos do Sr. Pinto de Lima, que vou ler à Câmara, para que esta veja quanto tais quesitos se afastam daquilo que enviei ao Banco de Portugal.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Acentuemos de uma vez para sempre que foram lidas aqui como preguntas e que foram examinadas como respostas, preguntas que nunca foram presentes ao Banco do Portugal e que são, quando muito, uma crítica às respostas que efectivamente foram dadas.

Apoiados.

V. Exa. formulou preguntas desconhecidas pelo Sr. Pinto de Lima, às quais foram, pelo governador do Banco, dadas respostas.

Examinadas essas respostas, o Sr. Pinto de Lima escreveu quesitos que seriam uma resposta às respostas.

Pois muito bom.

As tais respostas às respostas foram, na interpelação aqui feita, transformadas em respostas às preguntas.

O Sr. Agatão Lança: - O Sr. Amâncio de Alpoim disse que os quesitos elaborados pelo Sr. Tôrres Garcia foram sugeridas pelo Sr. Pinto de Lima.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. perdeu o seu tempo atribuindo-me afirmações, porque o meu discurso está publicado.

O Sr. Agatão Lança: - V. Exa. pode publicar o sou discurso com afirmações que não sejam as que produziu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - O Sr. Amâncio de Alpoim, a uma citação que eu fiz das suas palavras, esclareceu que o Sr. Ministro tinha apenas obedecido a uma sugestão do Sr. Pinto de Lima.

Eu apelo para o testemunho do Sr. Pestana Júnior.

O Sr. Pestana Júnior: - Efectivamente, tendo eu preguntado se os quesitos eram do Sr. Ministro das Finanças ou do Sr.. Pinto de Lima, o Sr. Amâncio de Alpoim respondeu que os quesitos eram do Sr. Ministro das Finanças, mas sugestionados pelo Sr. Pinto de Lima.

O Sr. Cunha Leal: - Vê V. Exa. de onde provinha a minha confusão; supunha que os contra-quesitos eram as preguntas originais.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - O que sei é que o Sr. Luís Viegas em O Século acusava o Sr. Tôrres Garcia de ter sido sugestionado pelo Sr. Pinto do Lima e isso não tinha sido desmentido até agora.

Mas, pregunto eu, para a acusação que fiz à administração do Banco de Portugal, que importância tem esta discussão?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Tem, tem; vai ver-se porquê.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Isso são rabulices!

O Sr. Cunha Leal: - Sabe V. Exa. qual é a importância?

Imaginemos que as respostas lidas não correspondiam às preguntas feitas; isso podia fazer surgir duvidas sôbre o crédito do primeiro estabelecimento do Estado.

Apoiados.

O Orador: - Porque eu estava e estou convencido de que essa falsa interpretação afectaria o crédito da nação, é que eu aqui estou cumprindo aquilo que julgo ser o meu dever, sem esconder nada, absolu-

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38 Diário da Câmara dos Deputados

tamento nada, dando até as mãos para que nelas caiam as palmatoadas devidas pela falta que cometi de em terceiras mãos ter deposto os documentos que citei, supondo estarem confiados a boas mãos.

Mas vamos ver o que me deu o Sr. Pinto de Lima para contra-atacar as respostas do Sr. governador do Banco de Portuga!, julgando - estou a vê-lo - que eu seria um títere nas suas mãos ou querendo se servir do mim como um aríete para atacar as paredes do Banco.

São as seguintes preguntas:

Leu.

No número 4.° 6 que aparece a palavra "quesitos" que anda agora na tradição oral do caso e que foi transmitida a todo o pais através dessa absolutamente fantástica entrevista que o inspector do comércio bancário deu ao Século, porque ou nas minhas preguntas chamava-lhes primeira questão, segunda questão, etc.

Aqui está a metralha com que eu devia contra atacar o Banco nas respostas que se supunha me ter dado o Banco, quando se tratava apenas do seu governador.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. não mandou segundas preguntas ao Banco?

O Orador: - Não, senhor.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Eu devo declarar a V. Exa. que não tive conhecimento dêsses contra quesitos senão agora.

Aqueles a que mo referi foram os que estiveram no Ministério e no Banco.

O Orador: - No Banco não, no Govêrno do Banco. Tenho verificado que V. Exa. por vezes cai em lapsos tremendos. Já há tempo confundiu notas com cédulas.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não confundi. Preocupe-se V. Exa. consigo.

O Orador: - Agora está a confundir Banco com governo do Banco.

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. afirma sempre que as respostas foram do Governador do Banco, funcionário do Estado; não foram, portanto, da Direcção do Banco. Mas V. Exa. sabe sê a Direcção do Banco teve sequer, conhecimento das preguntas de V, Exa.?

O Orador: - Não tenho quaisquer elementos para não acreditar que o Governador do Banco não tivesse guardado confidencia acêrca das preguntas.

De maneira que há um facto primordial- confesso, faço mea culpa, com os riscos que V. Exas. quiserem que corra! - que é o de entregar os quesitos nas mãos do Sr. Pinto de Lima, o que lhe permitiu tirar deles uma ou mais cópias, cópias de cuja existência tive conhecimento antes do Sr. Amâncio de Alpoim, porque soube que uma delas estava na mão do Sr. Pinto de Magalhães, entregue pelo Sr. Pinto do Lima. E estas cópias fizeram avolumar os factos, porque só atribuiu terem sido tiradas na mesma máquina em que foi feito o contrato com a casa Waterlow, o daí querer deduzir-se, porventura, qualquer cumplicidade da minha parte.

Não apoiados.

O Sr. Cunha Leal: - A única cumplicidade será da pobre máquina!

O Orador: - Eu vejo neste ponto mais uma prova da absoluta incapacidade do juiz instrutor. S. Exa. obstinou-se cegamente contra o Banco de Portugal levado nessa obstinação pelas mãos dos delinquentes.

Apoiados.

Atiram-lhe com mais êste documento sem explicação o assim se arranjou uma prova esmagadora contra tudo e contra todos!

Em caso algum eu podia ser envolvido na traficância do Angola-Metrópole porque posso provar a V. Exas. que desde a primeira hora recomendei à Inspecção do Comércio Bancário que sôbre êsse Banco exercesse a mais apertada vigilância. Esta minha atitude foi secundada por todo o Govêrno.

Depois de terem chegado ao Ministério as primeiras informações, eu, a par da vigilância que mandei exercer, redigi o seguinte documento que mandei ao Inspector do Comércio Bancário.

Leu.

Isto é porventura uma sugestão de alguém?

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O que se prova é o zelo do Ministro das Finanças na defesa dos interêsses da nação.

Depois é que veio a saber se que aquilo que se suponha um forte reduto financeiro era uma montanha de roubalheiras.

Veja a Câmara como a opinião pública estava informada procurando-se agitá-la no sentido de que os verdadeiros culpados escapassem à acção da justiça apontando êste caso como mais um tremendo crime que prova a incompetência desta República.

Como pode viver um país em que as "elites" são impunemente acusadas de colaborarem com corruptos!?

De maneira que eu julguei-me no direito de me libertar da situação ministerial para aqui e na praça pública poder afirmar livremente os factos tal como só passaram e defender os meus colegas do Govêrno e todos aqueles que pudessem ser atingidos por esta nova onda de lama de infâmias e suspeições. Procedi assim, porque se prezo muito a minha honra também prezo a dignidade dos meus concidadãos!

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

Foi lido um acórdão da comissão de verificação de poderes.

O Sr. Presidente: - Proclamo eleito Deputado o Sr. Soares Branco, e convido os Srs. Jorge Nunes, Pestana Júnior e Carvalho da Silva para introduzirem S. Exa. na sala.

Entra na sala o Sr. Soares Branco.

O Sr. Amâncio de Alpoim (para explicações): - Segundo depreendi da afirmação do Sr. Tôrres Garcia, S. Exa. redigiu oito quesitos tirados do seu espírito sem coacção de ninguém.

Os quesitos não são consequência de um plano tenebroso, mas de S. Exa.

O que é certo é que eu fiz fé e juízo pela entrevista do Sr. Luís Viegas e por outras informações que me deram.

Os quesitos são iguais aos que eu possuo.

A segunda declaração do Sr. Ministro foi de que nem todas as respostas o satisfazem. Não é preciso sublinhar mais nada, Sr. Presidente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (para explicações):- Sr. Presidente: o Sr. Amâncio de Alpoim é, com certeza, ao contrário de todos os membros desta Câmara, muito pouco exigente.

O actual Sr. Ministro da Agricultura, que no Govêrno transacto foi Ministro das Finanças, declarou que fizera determinadas preguntas ao Banco de Portugal com o fim, sobretudo, de forçar aquele Banco a entrar em negociações com êle acerca de várias medidas que o Govêrno tinha como úteis para a causa pública, visto que se necessita, conforme eu, aqui, várias vezes, o sustentei, do acordo da parte contratante, Banco de Portugal.

Vieram as respostas do governador. O governador é um funcionário do Estado; e consta-me que a direcção do Banco de Portugal não tem conhecimento oficial das respostas dadas pelo governador. Essas respostas em nada obrigarão aquela direcção, nem podem depor em cousa alguma contra ela.

Vieram as respostas do governador do Banco. Toda a gente dentro desta Câmara pode discordar das atitudes do Sr. Tôrres Garcia, mas não deixa de o considerar um perfeito homem de bem. (Apoiados). Nestas condições nós encontramo-nos em face da seguinte situação:

Um homem de bem que a si próprio se apelida de pessoa competente, e que estava na pasta das Finanças, recebe as respostas das suas preguntas e contenta-se com elas.

Essas respostas não poderiam satisfazê-lo em absoluto, mas não lhe deixavam nenhuma dúvida no seu espírito acerca da honorabilidade da direcção do Banco de Portugal, pois que, se não sucedesse assim, o Ministro das Finanças, que não era um incompetente, nem um desonesto, havia de aplicar, por certo, à direcção do Banco as sanções que tivesse por convenientes.

Temos, pois, que as respostas dadas pelo governador do Banco nenhuma dúvida deixaram no espírito do Ministro das Finanças, de então, acerca da honorabilidade da direcção do Banco de Portugal. Pois muito bem! O Sr. Amâncio de Alpoim, comparando as preguntas com as respostas, acha que deve considerar a direcção do Banco de Portugal

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como um bando de gatunos, pois que as respostas oram, no sou entender, a prova da gatunagem.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Isso não, Sr. Cunha Leal! Isso assim é confundir!

Sussurro na Câmara.

O Orador: - Afirmou-o ontem!

Apoiados.

Desta maneira, ouvindo o Sr. Amâncio do Alpoim o discurso do então Ministro das Finanças que constitui um desmentido às suas palavras, o Sr. Amâncio do Alpoim diz: basta-mo a resposta do Sr. Ministro que diz ter ainda algumas dúvidas sôbre algumas respostas dadas às suas preguntas.

Se os factos referidos pelo governador do Banco tiverem de ser considerados, como os considera o Sr. Alpoim, como crimes, o Ministro das Finanças de então era um incompetente ou um encobridor do crimes. E como não é incompetente o Sr. Tôrres Garcia, nem é criminoso, tenho de concluir que o Sr. Alpoim, perante as declarações de então Ministro das Finanças, só tinha uma atitude a tomar: acusar o Sr. Tôrres Garcia de cúmplice do Banco de Portugal. Não o fez! A circunstância de não ter tido a coragem de o acusar é a prova provada de que o Sr. Alpoim não acredita nas acusações que fez à direcção do Banco de Portugal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: não vou entrar na análise das acusações feitas pelo meu colega Sr. Amâncio do Alpoim, porque, não as conhecendo em detalhe, encontro-me inabilitado para discuti-las.

Eu estou em relação a essas acusações na mesma situação em que se encontra a maior parte da Câmara.

Assim, as minhas considerações não trazem a intenção de reforçar as acusações do Sr. Amâncio de Alpoim e que exigem da Câmara dos Deputados e do Govêrno esta única atitude inteligente e honesta: serenidade, calma, reflexão, o apuramento completo da verdade e, sobretudo, boa fé.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Boa fé!

O Orador: - Toda a discussão feita em torno de Pinto de Lima e Tôrres Garcia é um caso de lana caprina.

É uma cousa que só presta a objurgatórias em voz grossa, a tiradas do retórica de efeitos habilidosos, sem dúvida, como a do raciocínio apresentado pelo Sr. Cunha Leal, tendente a demonstrar que ao Sr. Amando do Alpoim cumpria raciocinar pela cabeça do Sr. Tôrres Garcia.

Isso é um absurdo!

De resto, em face da questão tal como foi posta nesta Câmara pelo Sr. Amâncio de Alpoim, os quesitos de Tôrres Garcia ou de Pinto de Lima são meros adjuvantes no libelo feito contra o Banco do Portugal.

Êsse libelo não se foz em torno dos quesitos de Pinto do Lima; êsse libelo foi feito em torno de números e de interpretações de contas, de cousas, emfim, que tem de ser consideradas independentes dos quesitos, quer êstes sejam da cabeça da Sr. Pinto de Lima, quer sejam da cabeça do Sr. Tôrres Garcia.

Há ainda outra cousa:

Desde o início dêste debate, V. Exa. a todos têm tomado a ardilosa atitude de confundirem o ataque feito ao Banco de Portugal com o caso do burla do Angola e Metrópole.

O Sr. Presidente do Ministério, no seu, discurso de ontem, mais uma vez provou aquilo que, de resto, eu já sabia: que é, de facto, um homem inteligente, um habilidoso político.

S. Exa., é certo que não respondeu nada; mas, falou, falou...

Risos.

A situação que S. Exa. ocupou neste debate parlamentar, lembra-me aquela de um célebre Ministro da monarquia, que, depois de ter sido apanhado de supetão (supetão é clássico, Sr. Cunha Leal!), por uma interpelação de qualquer Deputado, e, tendo de responder imediatamente, falou, falou durante umas longas horas.

Era Presidente do Ministério de então o Sr. conselheiro José Luciano de Castro.

O Ministro a que me referia, quando terminou o seu discurso, voltou-se para o Presidente do seu Ministério e preguntou-lhe:

"Então, Sr. conselheiro, V. Exa. gostou?"...

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E o conselheiro respondeu:

- "Eu não percebi nada!"

- "Ah!, objecta o outro, então é isso mesmo?"

Ora desenganemo-nos e vamos a falar clarinho.

Não conheço o libelo feito contra o Banco de Portugal, porque não o estudei.

Sei, porém, que o Sr. Amâncio de Alpoim é uma pessoa altamente inteligente e competente, conhece as suas responsabilidades, sabe que na vida de um homem público, acusações gravíssimas como esta, senão tiverem completa satisfação, não representam, de modo algum, um triunfo parlamentar.

O que vem pedir S. Exa.?

Vem pedir, consciente do seu direito, corajosamente, numa atitude que eu respeito e admiro, que julguem os factos.

Afirmou S. Exa. com números, concretamente, portanto, cousas tremendas, Sr. Cunha Leal! E eu dirijo-me a V. Exa. apenas porque mo interrompeu e porque me ligam a V. Exa., há muito tempo, laços de uma boa amizade...

O Sr. Cunha Leal: - O Sr. prova apenas que não é ingrato, porque eu pago-lhe na mesma moeda!

O Orador: - Noutro país, o Presidente do Ministério e o Ministro das Finanças, em face das acusações formuladas e pela forma como as formulou o Sr. Amâncio de Alpoim, com números e com factos, tinham feito imediatamente o quê?...

Sem comissões de contas públicas, sem dilações, sem poeiras, tinham chamado o Sr. Amâncio de Alpoim e teriam afirmado em nome do Poder Executivo, em nome da nação, que tomariam as providências imediatas e urgentes, tais como as que o Sr. Cunha Leal queria tomar, em tempos, em relação ao Banco de Portugal.

Invoco o testemunho do Sr. Vitorino Guimarães em como é verdade o que vou afirmar.

Se não fôr verdade, o Sr. Cunha Leal triunfa e dirá em voz bem alta: eis como o Deputado Ramada Curto vem fazer insinuações...

O Sr. Cunha Leal: - Mas se não triunfar eu, triunfa V. Exa....

O Orador: - Triunfamos os dois...

Vejam V. Exas. como os tempos têm mudado os homens.

Era o Sr. Cunha Leal Ministro das Finanças, e, uma vez desagradou-lhe a orientação do Banco de Portugal relativamente à forma como êle manejava cambiais.

E S. Exa., ao tempo, tinha como chefe de gabinete o Sr. Pinto de Lima, um dos traidores do Angola o Metrópole, com quem está agora de relações cortadas.

Eu não me envergonho de dizer que, desde que tenho barbas na cara, foi êsse o único homem com quem joguei à pancada.

S. Exa. o Sr. Cunha Leal não enjeitou então a solidariedade e camaradagem que teve com êle.

Era o Sr. Cunha Leal...

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. dá-me licença que o interrompa?...

E fácil realmente tirar efeitos de retórica.

O Sr. Ramada Curto quero dizer que o Sr. Cunha Leal cortou relações com o Sr. Pinto de Lima, pela circunstância de êste estar envolvido no caso do Angola o Metrópole.

Mas eu há quatro anos que não falo com o Sr. Pinto de Lima.

O Orador: - Não tenho nada com isso e declaro que não sei.

Sei que era Ministro das Finanças o Sr. Cunha Leal e que tinha, repito, como chefe do gabinete, o Sr. Pinto do Lima.

O Sr. Cunha Leal estava muito zangado com o Banco de Portugal.

Telefonou então ao Sr. Vitorino Guimarães para que fôsse ao seu Ministério.

O Sr. Vitorino Guimarães não foi ao Ministério, o, então, o Sr. Cunha Leal tornou a dizer-lhe pelo telefone: vou mandar a sua casa uma pessoa da minha inteira confiança, visto V. não poder cá vir, porque é preciso tomar providências urgentes.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - Assim é que eu gosto: que êles se expliquem todos!

Interrupção do Sr. Vitorino Guimarães que não se ouviu.

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O Orador: - Pois se V. Exa. quere eu retiro as palavras "eles" e direi: assim é que eu gosto que V. Exas. se expliquem todos. Não quero senão tudo explicadinho.

O que o país quero, é justiça para todos, inexoravelmente.

Veio o SP. Pinto de Lima a casa do Sr. Vitorino Guimarães com um dossier do Sr. Cunha Leal contra o Banco de Portugal. Eu não sei o que estava no dossier com o qual o Sr. Cunha Leal pretendia levar o Sr. Vitorino Guimarães a aceitar o lugar de governador do Banco e a promover a imediata demissão, de governador do Banco de Portugal, do Sr. Inocêncio Camacho.

O Sr. Cunha Leal: - Como é que V. sabe isso tudo?...

O Orador: - Então se eu não soubesse isto tudo, 'cuida que teria a coragem de o vir afirmar?...

O Sr. Cunha Leal: - Mas V. Exa. de relações cortadas com o Sr. Pinto de Lima, como pôde saber isso?...

O Orador: - Porque há bocado nos Passos Perdidos, quis informar-me e preguntei ao Sr. Vitorino Guimarães. E S. Exa., que é um homem de bem às direitas, disse-me isto.

O Sr. Cunha Leal: - Mas como soube V. Exa. previamente...

O Orador: - Porque os homens na notável posição política de V. Exa. não dão um passo que se não saiba. Disseram-mo hoje mesmo, à entrada do Parlamento.

Foi um Deputado. Mas o nome não digo. Adivinhe, faça favor!...

Risos.

Mas quando o Sr. Cunha Leal ainda mão tinha abandonado os seus pontos de vista antigos de que era necessário fazer tremer a finança mandou, como disse, um emissário a casa do Sr. Vitorino Guimarães, porque era urgente, segundo S. Exa. queria, que fôsse pôsto fora do Banco o Sr. Inocêncio Camacho e que o Sr. Vitorino Guimarães assumisse o cargo de governador.

O Sr. Vitorino Guimarães, leu a primeira peça do dossier, que era a que dizia respeito às cambiais, e, considerando a questão do lana caprina, não concordou, E portanto, não leu o resto.

O Sr. Pinto de Lima, voltou com o dossier para o gabinete do Sr. Cunha Leal, e não pôde realizar o sou objectivo, que era demitir o Sr. Inocêncio Camacho, e substituto pelo Sr. Vitorino Guimarães.

Esta anedota servo para demonstrar que temos um Ministro que não concordou, porque havia várias cousas esquisitas. Portanto: primeiro Ministro que não concorda.

Segundo Ministro é o Sr. Tôrres Garcia, homem de um só princípio, de um só rosto, de uma só fé, que fala claro, que diz as cousas sobriamente, que pensa claro e certo, homem bem intencionado.

Folgo de lhe fazer esta justiça.

Sr. Presidente: não foi o Sr. Pinto de Lima quem fez os quesitos: foi o Sr. Tôrres Garcia, que nunca teve notas falsas no Banco, que viu e conheceu a situação do Estado e do Banco, que, sponte sua, formulou êsses quesitos. Portanto: dois Ministros que não concordam.

Talvez tenhamos outros; mas se calhar, neste momento, se fôsse verdade, calavam-se.

Risos.

Nas próprias declarações do Sr. Tôrres Garcia há imagens que são formidáveis. Aquela imagem - que muito apreciei porque tenho certo gosto pela literatura, e faço-a as vezes nas horas vagas - quando êle falou da pedra atirada ao charco para ver o que lá saía de dentro, é admirável.

Quere dizer: o Sr. Tôrres Garcia sabia que ia fazer saltar sardoniscas. Isto exprime o estado de espírito de um honesto Ministro das Finanças, que, por curiosidade e sponte sua, fez preguntas indiscretas ao Banco de Portugal, preguntas que têm sido glosadas na imprensa pelo Sr. Viegas, preguntas que foram tam ardilosas e capciosas, que se o Banco respondesse, ficava absolutamente abalado o seu crédito.

Se encontro êstes dois Ministros que tomaram esta atitude de dúvida, em relação à regularidade da vida financeira do Banco de Portugal, porque é o ódio, a pedrada, o enxovalho com que se preten-

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de atingir o meu colega Sr. Amâncio de Alpoim?

O Sr. Amâncio de Alpoim (em àparte): - Tenho as costas largas.

O Orador: - Se eu estivesse no lugar do Sr. Presidente do Ministério, depois das acusações concretas, formuladas pelo Sr. Amâncio de Alpoim - do que estou livre, porque Deus nunca me fadou para essas altas situações - ter-me-ia levantado e teria dito em voz grossa:

"As acusações do Sr. Amâncio de Alpoim são de uma tam extraordinária gravidade que sobem de ponto quando postas na boca de um homem que é administrador de um dos mais altos estabelecimentos da República. Não tem o Govêrno, colhido de surpresa, neste momento, elementos bastantes para rebater, controverter ou confirmar as acusações levantadas; mas entende o Govêrno que deve manter perante o país e perante a Câmara a presunção de que essas acusações são gratuitas. Mas é também dever do Govêrno e da Câmara tomar, cada um dos dois por sua conta, essas acusações e ir estudá-las.

Por agora, a única afirmação que posso fazer é que estou Intimamente convencido de que os números apresentados pelo Sr. Amâncio de Alpoim são erradamente interpretados, que não pode ser essa a situação do Banco de Portugal; mas imediatamente, por intermédio da pasta das Finanças, vou tomar as providências necessárias para trazer amanhã aqui os esclarecimentos que poder obter sôbre o assunto.

A Câmara, por seu lado, livre e independente, na sua soberania, resolva a forma de abrir um inquérito sôbre essas acusações.

Tenho dito.

Levantava-se um leader, por exemplo o Sr. Cunha Leal, e mantendo a posição partidária de defender o Banco até prova em contrário, dizia, pouco mais ou menos, isto:

"Que era urgente que a comissão de contas reunisse, e no mais curto prazo de tempo possível, e dêsse o seu parecer, a fim de a Câmara reconhecer que o Sr. Amâncio de Alpoim se tinha enganado ou falado verdade".

Agora procurar misturar, confundir, baralhar, o caso do Angola e Metrópole, com o Banco de Portugal, porquê?

Não sou advogado de Bancos e apenas, tenho sido1 advogado do banco dos réus onde tenho defendido alguns.

Os outros, os bancos, acham-me bolchevista demais para se servirem dos meus minguados recursos profissionais; e, quando escolhe advogados, ou escolhem um. azul e branco ou vermelho e verde tam desbotado, que vai dar para essa cor.

Era esta a atitude inteligente que se podia ter.

V. Exas. sabem que se tem pretendida fazer-nos passar como indivíduos interessados em misturar a questão do Banco de Portugal com a do Angola e Metrópole.

Sr. Presidente: nós sabemos que o pais é bastante pequeno, que se percorre de Melgaço a Vila Real de Santo António, em meia dúzia de horas, a cavalo num. burro, e que, portanto, não há atitudes dúbias.

Só caluniadores, só miseráveis ou trampolineiros é que podem fazer essas insinuações.

Ninguém pode pensar que num crime desta natureza, que é sem dúvida um crime contra a nação, nós tenhamos o intuito de encobrir ou deminuir responsabilidades dos homens que estão presos.

Há uma cousa que levantamos diante da consciência do país: é que há homens que estão presos, que acusaram Guinas? ocupando a seguinte posição: fizemos isto, foi um acto contra a lei, mas não é um acto criminoso; fizemos isto porque tínhamos auxílio, tínhamos cumplicidade noutros homens representantes do Estado português.

Eu tenho a presunção de que tal afirmação é falsa - tenho-a.

Corajosamente o afirmo.

Mais ainda: tenho a presunção de que êste caso do Angola é Metrópole é visto muito mesquinhamente por toda a gente em Portugal.

E de facto uma grande complicação internacional que não é dirigida pelos homens que estão presos.

Há uma figura na sombra que passa nesta tragédia, que se chama Hennies - o

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homem que anuncia pagar todos o prejuízos que o país sofrer, com a sua fortuna pessoal.

O Sr. Hennies é um sul-africano.

Não há dúvida nenhuma.

O problema não é tam pequeno, tam minúsculo, como podem fazer crer.

Assentando êste meu ponto de vista sôbre a existência de um mau plano de ataque à nação, eu posso admitir a hipótese, para efeitos de raciocínio, que em relação a homens de bem, a homens bom intencionados, êsses homens tenham sido como o vigarista vulgar que desembarcou e vigariza outro.

E, quando êste se reconhece vigarizado, não tem a coragem de ir dizer à polícia: "efectivamente eu fui vigarizado, mas procedi com vontade de acertar".

Não, não vai à polícia porque tem vergonha.

Para que este facto se esclarecesse na opinião era necessário, Sr. Presidente do Ministério, que em Portugal houvesse o respeito, que não há, ao cumprimento da lei; era necessário que não passasse em julgado em Portugal a possibilidade de se ter sem culpa formada, o incomunicáveis há mais do um mós, dois homens que era necessário que falassem.

Podem agora dizer que estou fazendo a defesa dos burlões do Angola e Metrópole, mas estou falando segundo a minha consciência.

Fui chamado a tocar ao dê levo no caso Angola e Metrópole, porque V. Exas. tocaram nele: eu, para firmar uma posição que não admita confusões nem sofismas; os Srs. porque entenderam que era assim bonito.

O problema está pôsto com esta clareza.

O Sr. Ministro das Finanças que é um homem inteligente e bem intencionado já deve ter a estas horas conhecimento das acusações do Sr. Amâncio de Alpoim.

Elas estão publicadas.

Facilmente S. Exa. pode verificar se são verdadeiras ou se são mentirosas; e eu esporo do S. Exa. que venha hoje aqui dizer a sua opinião, isto é, se essas acusações são ou não inexactas, se o procedimento do Banco emissor é ou não exemplar.

Na comissão de contas públicas onde o Sr. Amâncio de Alpoim fará o seu depoimento, todos os que quiserem depor farão o seu depoimento, deixando-se por agora de, em torno desta questão, fazerem uma retórica de sofismas, porque, creiam V. Exas., não passam em julgado.

Eu, ódio ao Banco de Portugal não tenho nenhum.

Descontei lá uma vez uma letra de quatro contos e fiquei muito agradecido.

Não encaro mesmo a possibilidade de culpa dos senhores que fazem parte da administração.

Não os conheço, não são pessoas das minhas relações.

As acusações não se referem, do resto, aos homens mas às entidades administrativas.

Dizem que há roubos e falsificações na administração do Banco de Portugal?

O que é preciso antes de mais nada, é serenidade, calma e sossêgo, nada de má luta porque essa má luta e essas condenações e êsses julgamentos baseados em atitudes de grito que não são inteligentes, têm quási sempre um tribunal de recurso.

E êsse tribunal é a opinião pública que em Portugal não é a opinião que se publica.

Sr. Presidente: eu quero frisar e concretizar a posição em que o Partido Socialista Português, ou por outra, a minoria socialista põe a questão perante o Govêrno e perante o Parlamento.

Vamos a constituir o tribunal; vamos a apreciar o libelo, vamos a dar a sentença assinando-a. Tudo que não fôr isto é conversa.

Desta sentença, desta resolução, dêste assumir leal de todas as responsabilidades é o país o julgador; porque o julgamento não é, felizmente, à porta fechada, nem se ameaça Amâncio de Alpoim do ter uma pessoa querida de família a ser devorada pelos ratos nos calabouços, nem se lhe dá o outro tratamento que se dá aos indigitados bombistas o cavalo marinho, arrancando-lho das costas a pele às fitas. Isto num regime republicano que começou por introduzir o princípio da instrução contraditaria, que começou por estabelecer o princípio de que os arguidos não são sequer obrigados a responder às preguntas! E tam miserável, tam indigno, tam absolutamente angustiante o que em Portugal se tem feito em matéria de esquecimento de tudo que é fundamental

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numa nação civilizada que eu sinto-me envergonhado o quereria que a minha vez fôsse um látego de nove rabos para fustigar aqueles que tem consentido que se chegue a esta miserável situação.

Sr. Presidente: para que isto não se preste a oratórias fáceis devo dizer a V. Exa. que tenho muita menos pena de Alves Reis e dos que estão presos do que dos desgraçados operários, coitadinhos, que foram presos quási simplesmente porque eram militantes.

Se a burla tivesse vingado haveria mais três ou quatro homens honrados contra o Partido Socialista.

O Sr. Amâncio de Alpoim pediu julgamento e os senhores têm a obrigação de dar a sentença.

Se houve ligações entre os presos e o Banco de Portugal tudo há-de vir à luz do dia a não ser que os matem ou lhes dêem fuga.

Por mais que V. Exas. façam e digam, o único valor que existo na finança portuguesa é a Caixa Geral de Depósitos.

O resto é tudo conversa.

Nós não nos apaixonamos.

A minoria socialista pede o julgamento "das acusações feitas pelo Sr. Alpoim. Queremos o julgamento feito por nós e não admito que o Sr. Ministro das Finanças não possa já hoje dizer alguma cousa como, por exemplo, que elas não são verdadeiras o felicitar-se por ter tomado uma atitude de defesa do um estabelecimento do Estado. Ou, então, poderia dizer o contrário.

Não terá razão o Sr. Amâncio de Alpoim em umas duas ou três acusações, mas tem a em uma? E o bastante para que o Estado efective melhor a sua administração dentro do Banco.

Pela minha parte o Partido Socialista não combate a finança por ódio pessoal aos financeiros. A sociedade actual é proveniente de um meio que não foi criado pelo burguês e na próxima revolução social a obra do capitalista burguês tem de ser aproveitada não para depois a destruir, mas para passar para a mão dos verdadeiros possuidores.

Se combatemos o banquismo nacional, é porque êle não é banquismo, mas sim uma trapaça, uma batota. São casas de penhores e de jôgo; a maior parte tem estoirado que nem castanhas num magusto de S. João; e, se não fôsse o auxílio material que o Estado lhes tem dado, já tinham estoirado as bombas.

Não nos move ódio a ninguém; não citámos nomes. Há até no Banco de Portugal um homem que foi meu professor, a quem eu falo sempre que encontro, e que considero um verdadeiro homem de bem; está lá também o velho republicano Ramiro Leão, homem honesto, que tem na sua loja um símbolo que não é exacto: um leão, uma palma e uma peça de fazenda, tudo isto em pedra, como querendo significar que a o leão palma a fazenda", mas que, repito, não é exacto.

Vou resumir as minhas considerações.

Eu não ponho no debate nem ódio, nem má vontade, nem entusiasmo excessivo; ponho apenas aquele entusiasmo generoso e necessário aos homens que querem que os factos se esclareçam e se faça justiça.

O Sr. Amâncio de Alpoim está com as suas responsabilidades de acusador. Têm-lhe chamado muitas cousas más, mas há uma cousa que ninguém lho po4e chamar: é estúpido.

S. Exa. é uma pessoa superiormente inteligente; e, quando fez êste formidável libelo, sabia muito bem o que fazia, tanto mais que contava apenas com os pobres capotes que eu lho podia dar, conforme ontem aqui disso o Sr. Presidente do Ministério.

Todo o resto da Câmara está de ante-mão contra êle, a ponto de ou pensar que ainda um dia hei-de ver o Sr. Carvalho da Silva filiado no Partido Democrático, por causa desta questão do Banco de Portugal.

Risos.

É necessário que a situação dos Bancos emissores se apure e se aclare.

Eu já sei o que pode suceder a quem tiver essa boa intenção.

O Inimigo do Povo é uma peça do meu colega Ibsen, pessoa que tinha também um pedaço de talento.

Nessa peça, o personagem principal é um médico que descobriu que as águas de uma estância termal de que êle é médico estão inquinadas. E, ardendo em amor pelo próximo, com sentimentos altruístas, cheio de um enorme espírito de justiça, e, convencido do que ia ter o aplauso de toda a gente, vai para os es-

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teios da sociedade e para a imprensa e diz-lhes:

"Senhores, venho aqui trazer-lhes uma revelação formidável: as águas estão inquinadas. Ah! como vão ficar satisfeitos de eu lhes revelar êste caso, que evita, assim, a morte de tanta gente".

Porém, tal assim não sucedeu; pelo contrário, todos lhe fugiram e a imprensa fechou-se lho.

Êsse fulano teve a seu favor um só voto. E querem V. Exas. saber de quem?

De um bêbedo, único que votou nele.

As pedras entraram-lhe pelas janelas, partiram-lhes os vidros, ameaçando a vida de crianças que o acompanhavam. Porém, o homem é tanto mais forte quanto mais se encontra na defesa da justiça.

A justiça, Sr. Presidente, deve ser austera, imperturbável, pois do contrário não há meio de conquistar o coração de ninguém.

Os homens que vêm pedir justiça devem fazê-lo sem paixões, pois, de contrário, fazendo como D. Quixote que esgrimia contra os moinhos, pode muito bem acontecer que as velas do moinhos os atirem para a lama, em vez de os atirarem para as estrelas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: antes de mais nada começo por agradecer ao ilustre Deputado o Sr. Cunha Leal o favor que me fez, permitindo que eu usasse da palavra antes de S. Exa.

Sr. Presidente: tenho a declarar -não de agora, mas já de há muito, porque de facto o assunto já passou deve haver bastante tempo, não vendo eu a que propósito êle foi trazido hoje para a discussão - que recebi uma carta do Sr. Inocêncio Camacho, comunicando-me a resolução que havia tomado; e desde êsse momento, vendo que o caso já era do conhecimento de muitas pessoas, não me julguei na obrigação de guardar dele segredo.

Fez-se na verdade, Sr. Presidente, não há muito, referência ao facto; porém, para mim, devo dizê-lo, repito, que não o considerei uma questão confidencial.

De facto, Sr. Presidente, várias insistências foram feitas junto de mim, quando Ministro das Finanças, pelo Sr. Pinto de Lima, sôbre a realização do seu plano-financeiro.

Os factos passaram-se assim: êsse grande dossier não passou de alguns documentos em que se apontavam irregularidades do cambiais.

Eu disse que dizia mais respeito aos empregados do Banco do que ao próprio governador.

Quanto ao convite do Sr. Cunha Leal, eu devo dizer que, dando-se a circunstância de eu ser amigo pessoal do Sr. Inocêncio Camacho, de nenhuma maneira podia aceitar o convite de S. Exa. para, substituir o Sr. Inocêncio Camacho.

Senti-me honrado com o convite do Ministro das Finanças do então que assim me dava prova de alta consideração,, não pelos meus méritos mas pelos meus serviços à República. Foi assim que os factos se passaram.

Preciso explicar ao Sr. Cunha Leal a razão por que não fui ao seu Ministério: moro longe e não podia sair de casa.

Devo dizer ao Sr. Ramada Curto que, como Ministro das Finanças, procedia sempre com energia para com o Banco logo que se dêsse qualquer irregularidade nas contas, e que procederia imediatamente, como o faria qualquer Ministro das Finanças.

Terei um critério muito curto, mas nunca deixaria praticar uma irregularidade.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (para explicações): - Sr. Presidente: começarei por onde acabou o Sr. Ramada Curto.

Lembrou êle êsse imortal drama do sen colega, igualmente talentoso, Ibsen, que tem por título O Inimigo do Povo.

Escuso de repetir a V. Exas. o entrecho dêsse drama, porque o Sr. Ramada Curto se deu ao trabalho do o explicar a esta Câmara.

Imaginem, porém, V. Exas. - e o Sr. Ramada Curto, que tanto falou em interêsses criados, naturalmente lembrou-se também do seu igualmente talentoso colega Jacinto Benavente - que um médico, por exemplo das Pedras Salgadas, se lembra, para comprometer o seu colega vizinho das Águas de Vidago, de declarar, não sendo verdade, que as águas de Vida-

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go estão inquinadas. E imaginemos que o homem dos Pedras Salgadas vem dizer que, pela circunstância de não acreditarmos naquilo que êle afirma, deve ser pôs-to no mesmo nível da personagem do drama do talentoso colega do Sr. Ramada Curto.

Numa situação destas correríamos à pedra o médico intruso, e muito bem, se tivéssemos a certeza matemática de que as águas não estavam inquinadas e que o médico apenas pretendia lançar o descrédito sôbre um estabelecimento concorrente.

As grandes frases, as equiparações de personagens, o relembrar de interêsses criados do talentoso colega do Sr. Ramada Curto...

O Sr. Ramada Curto (interrompendo): - É porque V. Exa. ainda não se meteu a isso!...

O Orador: - Se eu tivesse tanto talento como V. Exa. há muito que me teria metido a dramaturgo.

Não estabeleçamos, portanto, equiparações. Vamos ao fundo da questão.

O Sr. A maneio de Alpoim fundamentou as suas acusações, uma parte em factos não demonstrados, a outra parte em suspeitas; e pretende ficar imune da contaminação da própria suspeita.

O que disse o Sr. Amâncio de Alpoim como razão determinante do seu discurso?

Disse que foi acusado pelo jornal O Século, porque, estando êste jornal a soldo do Banco de Portugal, sabia que êle, Sr. Amâncio de Alpoim, ia atacar o Banco, e quis segurá-lo.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - E é absolutamente verdadeiro.

O Orador: - É esta uma indução do Sr. Amâncio de Alpoim.

Que provas traz êste homem, que pretende ficar imune ao contágio da suspeita, para fundamentar a sua própria suspeita?

Induções, induções e não provas.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Conhecimento de factos que tenho o direito de guardar.

O Orador: - Se o Sr. Amâncio de Alpoim os guarda, estamos no direito de os não considerar.

Os números são, por vezes, a cousa mais enganadora dêste mundo. Di-lo alguém que sabe lidar com êles.

Quem lançou, portanto, o primeiro no que chumbou a questão do Angola e Metrópole à questão do Banco de Portugal foi S. Exa.

O Sr. Ramada Curto: - V. Exa. dá-me licença?... Aqui há um pequeno êrro. O Sr. Amâncio de Alpoim, quando se referiu e levantou o debate do Angola e Metrópole, falou de certas situações que êle não podia explicar e que êle encontrava a dentro do Banco de Portugal!

O Sr. Amâncio de Alpoim: - A minha frase foi esta, Sr. Cunha Leal: aqui há gato! Frase popular mas foi esta!

O Orador - Eu vou referir-me ao assunto, aproveitando-me do reforço, aliás tam valioso, do Sr. Ramada Curto. Analisemos a situação tal como S. Exa. a pôs. A propósito do Angola e Metrópole estabelecem-se da parte do Sr. Amâncio de Alpoim as acusações ao Banco de Portugal. E como essas acusações andam na boca dos burlões, estabelece-se uma equivalência de pontos de vista entre a atitude dos burlões e a de S. Exa. É a continuação de um ataque que êle prometera e que depois demonstrara com actos, o que é muito pior do que com palavras. Eu peço ao Sr. Presidente do Ministério, embora não tenha uma procuração de S. Exa., que permita que, em meu nome e no seu, eu tire um corolário...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Pelo discurso de V. Exa e do Sr. Presidente do Ministério aqui ontem proferidos, calculei que V. Exa. e êle vinham preparados para falar. Pelo menos uma parte da Câmara ficou com essa impressão...

O Orador: - Pense S. Exa. e a parte da Câmara que o acompanha como quiserem. Estabeleceu-se uma correlação. E dizem mais, estabelecendo uma trapalhada absolutamente ilógica, porque o que falta nisto ao tam claro talento do

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Sr. Ramada Curto é a lógica, dizem mais: O Século denuncia a existência das notas falsas, antes da polícia; o estas notas eram feitas de cumplicidade com o Banco de Portugal. O Século traiu os interêsses do Banco de Portugal? Não analiso agora a questão. Já uma questão entre o Século e o Banco.

Eu peço licença para me dirigir ao Sr. Ramada Curto em particular (porque S. Exa. com gáudio, alegria o honra aninha, também, nessas condições, a mim se dirigiu) dizendo-lhe que não há talento, por mais fulgurante que seja, que faça esquecer êste aspecto da questão: que V. Exas., sem o quererem, puseram-se ao lado dos burlões contra os burlados.

O Sr. Ramada Curto: - Não sei ainda a estas horas quem são os burlões e os burlados.

Vozes: - Ah!...

O Sr. Ramada Curto: - Não sei eu nem a polícia!

O Orador: - Se ou soubesse como se dizia advogado em latim, repetiria uma velha frase latina, apenas por inveja ao Sr. Ramada Curto, que sabe tanto francês: mas no lugar de "réu" ponha S. Exa. "advogado": A frase era esta: reum habemus confitentem.

O Sr. Ramada Curto: - Eu já recusei qualquer possibilidade de ter procuração no caso do Angola e Metrópole!

Vozes: - V. Exa. não misturei.

O Sr. Ramada Curto: - Nem eu, nem V. Exa., nem nenhum Deputado sabe, neste momento, quem são os burlões e os burlados. E então 3 X 9 = 27, noves fora nada!

O Orador: - Emfim, sempre se chega pela preciosa confissão do Sr. Ramada Curto à conclusão a que eu ainda não tinha chegado, de que a minoria socialista afinal reconhece que há nesta questão burlões. Já é alguma cousa.

O Sr. Ramada Curto: - Desde a primeira hora que o estamos reconhecendo e estamos pedindo para êles todas as penas da lei.

Isso não está bem, porque V. Exa. anão precisa recorrer a êsses processos.

O Orador: - Seja; mas desde a primeira hora que a acção de V. Exas. e conducente a que se misture a verdade com a mentira.

Apoiados.

O Sr. Ramada Curto: - Não sei qual é a verdade; e tenho do a saber ainda que fossem todos os Srs. a quererem tapá-la.

Vozes: - Todos os senhores, não.

O Sr. João Luis Ricardo: - Alto lá com isso!

O Sr. Agatão Lança: - V. Exa. não tem o direito de ofender a honra de ninguém.

Trocam-se àpartes.

O Sr. Ramada Curto: - Eu explico a minha frase. Eu disso: "ainda que fossem todos V. Exas...." fossem não admite a idea do que sejam.

O Orador: - Eis a verdade! Nós, os homens da burguezia, estamos aqui todos ligados para ocultar os burlões.

A minoria socialista pretende ficar imune na questão; e então vá do manobrar a suspeita de uma forma que, vamos lá, não é daquelas que melhor quadram ao talento dos meus adversários nesta questão. Era preciso que todo o país soubesse que o Ministro das Finanças, que eu fora, tivera como chefe do gabinete o Sr. Joaquim Pinto de Lima. Então, a propósito ou despropósito de qualquer cousa, os homens que querem ficar imunes à suspeita trazem para aqui o facto recordando-o; e ainda vejo o claro brilho da malícia que se espelhava nos olhos do Sr. Ramada Curto quando êle dizia: - ah! Sr. Cunha Leal, ora veja esta revelação que trago ao consenso das gentes; - o Sr. Pinto de Lima foi seu chefe de Gabinete há quatro ou cinco anos. Se S. Exa. quere a confissão, aqui a tem na voz mais alta que eu tenho: o Sr. Pinto de Lima

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foi meu chefe de Gabinete, como foi companheiro de tantos homens que fizeram a República e que não se consideraram desonrados por essa circunstância, como eu não me considero desonrado por ter S. Exa. como chefe de Gabinete.

Apoiados.

O Sr. Ramada Curto: - Mas quem pensa nisso?

O Orador: - O Sr. Pinto de Lima - apesar de eu não ser polícia, nem estar aqui para passar atestados de honorabilidade - era, pelo menos até ao momento em que deixou de ser meu amigo, um autêntico homem do bem; e eu, embora tenha relações cortadas com êle, desejo-lhe que consiga de todo fazer desaparecer a má impressão de ter sido administrador de um banco do burlões.

Era necessário dizer ainda outra cousa e então S. Exa. vem declarar à Câmara o seguinte:

O Sr. Cunha Leal quis demitir o Sr. Inocêncio Camacho, governador do Banco de Portugal.

É verdade.

Nunca, pelas duas vezes que fui Ministro das Finanças, encontrei o Sr. Inocêncio Camacho, em quaisquer circunstâncias que me permitissem duvidar da sua honorabilidade.

Mas há uma cousa: eu, como Ministro .das Finanças, ora o diz da confiança ou não confiança nas suas qualidades, não morais, mas para o exercício de um "cargo.

Eu reputo o Sr. Inocêncio Camacho absolutamente honesto e digno; mas isso êle me impede de dizer que, em determinadas circunstâncias, entendi que êle não "devia estar como governador do Banco de Portugal.

Quis então demiti-lo, para o substituir por alguém que eu, nessa hora, considerava como mais apto para exercer o lugar.

Êsse alguém era o Sr. Vitorino Guimarães, que não é meu correligionário.

Mandei-o convidar, mas não acompanhei êsse convite de nenhum dossier.

O Sr. Vitorino Guimarães não quis aceitar.

Quem confunde?

Somos nós ou são êles?

São êles, e no fim revoltam-se contra nós, acusando-nos de procurarmos estabelecer essa atmosfera de suspeições.

Chegamos à conclusão de nos encontrarmos perante esta cousa monstruosa: com três relatórios e com umas vagas respostas a preguntas de autor desconhecido, o Sr. Amâncio de Alpoim decreta que não são honrados determinados homens; e, para que não haja confusão, para que só veja bem que a sua acusação não atinge uma instituição, mas homens, isenta um único homem da acusação que pretendo fazer aos outros, prestando lhe assim o pior serviço que no Parlamento lhe podia ser prestado.

Apoiados.

Sinceridade?!

Mas então esta burla não vem, como disse o. Sr. Amâncio de Alpoim, de há muito tempo?

Mas então não foi em certa data accionista do Banco de Portugal, com direito â representação nas assembleas gerais, o próprio Sr. Ramada Curto?

Porque não protestou então?

O Sr. Ramaia Curto: - Estava lá por conta de um cliente.

O Orador: - O que é que êsse cliente teria a fazer com o Banco de Portugal?

Dirimir um pleito?

O Sr. Ramada Curto: - Por amor de Deus!

É então V. Exa. tam ingénuo que não saiba que algumas pessoas que possuem acções, as endossam a A, B ou C para assim se fazerem representar nas assembleas gerais?

Não há necessidade de se ser advogado, podendo mesmo ser-se engenheiro, para se encontrar em tal situação.

O Orador: - Quere dizer: empresta-se o nome, não se estudam as questões, sente-se que se está diante de um roubo feito aos accionistas, não se defendem os interêsses dos clientes é, em certo dia, surge tudo isto com várias acusações que chegam até se alcunhar de gatunos os homens que dirigem o mais importante estabelecimento de crédito do país, depois da Caixa Geral do Depósitos!

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Faz-se tudo com esta inconsciência e nós, em lugar de afastarmos a acusação como um trambolho inútil, queremos entregar o caso ao julgamento dos nossos pares e, em definitivo, ao nosso próprio julgamento.

Mas, antes de mais nada, para que a confusão não seja tremenda, afirmemos a nossa convicção de que não não são verdadeiras essas acusações, de que se pretende apenas estabelecer a confusão, de que se pretende estabelecer ligações ocultas o secretas com um processo em que há burlões confessos.

O que seríamos nós se o não fizéssemos?

Nós que levamos o nosso escrúpulo ao ponto de tomar em linha de conta as afirmações do Sr. Amâncio de Alpoim, temos o dever de não estabelecer o pânico entre os portadores de notas do Banco de Portugal, temos o dever de declarar que a comissão competente examinará essas afirmações, mas que antecipadamente nos encontramos na certeza de que êsses portadores de notas podem estar perfeitamente tranquilos, porque o estabelecimento que as emite é dirigido por autênticos homens de bem.

Apoiados.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Então enganaram-me, Sr. Cunha Leal!

Então enganaram-me quando me informaram de que a primeira pessoa que aqui afirmara que havia notas falsas fora V. Exa.!

O Orador: - Sempre as eternas confusões!

O que foi que eu afirmei?

Que compreendia que certos Governos, em horas de aflição e de pânico, como aconteceu com o Sr. Velhinho Correia, praticassem actos que careciam de sanção parlamentar.

Eram insuficientemente graves êsses factos para amanhã, dados os nossos costumes, poderem ser levados à conta de facilidade excessiva.

Mas não confundamos tais factos com o crime de burla.

Apoiados.

Envolver na mesma atmosfera os homens que como Alves dos Reis e José Bandeira praticaram crimes, e os que assim procederam, é uma cousa que eu não podia fazer. Era uma cousa indigna de mim.

Sr. Presidente: a comissão examinará com todo o zelo as acusações feitas. Simplesmente os Deputados burgueses não são tão desonrados que queiram ligar o seu nome a uma calúnia. Terão o desprazer, o desgosto de tomar como ouro de lei as acusações do Sr. Amâncio de Alpoim, para as refutarem.

Mas o repúdio das suas acusações, a demonstração de que há apenas uma questão que se pretende confundir, há-de fazer-se. Há-de fazê-la a comissão, sem fazer-se a. confusão dos factos.

Não fomos nós - há-de ficar demonstrado - que filemos tal confusão, mas sim o Sr. Amâncio de Alpoim.

Apoiados.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É V. Exa.

O Orador: - No dia em que os criminosos forem castigados, reparem todos na situação em que ficam aqueles que têm querido confundir o crédito público, aqui e fora do Parlamento.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Sr. Presidente e meus senhores: o debate levantado em torno das afirmações feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim está já adiantado.

Lembram-se V. Exas. de que, consultado pela Câmara para dar a minha opinião sôbre a conveniência da urgência do assunto que o Sr. Amâncio de Alpoim desejava tratar, declarei que reputava inoportuna e inconveniente a discussão que iria, fazer-se.

O Sr. Amâncio de Alpoim, num aparte-a um discurso do Sr. Presidente do Ministério, disse que me tinha avisado de que ia levantar esta questão.

Devo dizer, para esclarecimento, que as minhas primeiras palavras devem ser para marcar a minha posição nesta questão das acusações levantadas pelo Sr. Alpoim ao Banco de Portugal.

Realmente, há poucos dias, o Sr. Amâncio de Alpoim procurou-me no hotel onde estou hospedado, para me entregar um

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requerimento de sindicância aos seus actos, em face das acusações que estavam sendo feitas a S. Exa. no exercício das suas funções de administrador da Caixa Geral de Depósitos.

Depois de se terem trocado algumas impressões na franqueza de velhos camaradas, S. Exa. disse-me que brevemente trataria da situação do Banco de Portugal enviando-me uma nota de interpelação.

O Sr. Ministro da Instrução, que assistiu a parte dessa conversa, procurou demover S. Exa. de tratar êsse assunto, empregando para isso todo o seu grande poder de persuasão firmado na sua argumentação sempre lúcida e leal. O Sr. Alpoim insistiu, porém, no seu propósito, prometendo-me dizer os pontos da sua interpelação.

S. Exa., porém, esqueceu-se da sua promessa e impediu que esta questão se tratasse com o vagar e a largueza como era próprio de questões desta magnitude. De modo que tratando-se no "negócio urgente" do Sr. Alpoim, entre outros assuntos, de emissão de notas, que êle diz falsas, devo também afirmar que S. Exa., transformando a sua prometida nota de interpelação em um "negócio urgente", mandou para a Mesa uma nota falsa... de interpelação.

Como a Câmara sabe, encontro-me há dias neste lugar e estou assoberbado com vários trabalhos urgentes, entre os quais o Orçamento Geral do Estado, que é necessário ser feito com todo o cuidado para se conseguir o equilíbrio do Orçamento, indispensável para a política monetária de estabilização, que já aqui hoje se preconizou, e que só pode assentar no equilíbrio do Orçamento.

Apoiados.

Fui, nestas condições, surpreendido pelas acusações do Sr. Amâncio de Alpoim, que só agora, dadas as péssimas condições da sahi, posso ler na íntegra no suplemento do jornal comunista A Batalha. Devo em primeiro lugar referir-me ao caso dos quesitos.

No meu Ministério não existe nenhuma cópia dêsses quesitos, nem deles me foi entregue qualquer cópia pelo meu antecessor. Êste, como já aqui contou com uma tam comovedora franqueza, ditou aqueles quesitos ao Sr. Luís Viegas, então inspector do Comércio Bancário, que os

levou directamente ao governador do Banco de Portugal. Das respostas do Sr. governador apenas se tiraram três cópias - uma que ficou em poder do meu antecessor, outra em mão do governador e outra na do Sr. secretário geral do Banco de Portugal.

E devo declarar à Câmara que tanto o governador como o secretário geral do Banco de Portugal me garantem por sua honra que a ninguém cederam as suas cópias.

Já o Sr. Ministro da Agricultura, meu antecessor na gerência desta pasta, contou com toda a franqueza como é que essas respostas foram ter ,à mão de alguém e das mãos dêsse alguém, com certeza, para as mãos do Sr. Amâncio de Alpoim.

S. Exa. ontem, no discurso que fez, acusando o Banco de Portugal, chegou mesmo a fazer insinuações sôbre a honorabilidade dos indivíduos que compõem o seu Conselho Geral e acabando por lhes lançar a acusação tremenda de falsários e de ladrões. Mas exceptuou um deles que daquele Conselho se afastou (diz o Sr. Alpoim) por incompatibilidades com os seus colegas, com cujas irregularidades se não quis solidarizar.

Tal excepção causou impressão na Câmara e fez com que o Sr. Álvaro de Castro declarasse que havia necessidade que eu viesse trazer hoje ao Parlamento quaisquer esclarecimentos sôbre êsse caso. Em virtude dessa indicação procurei realmente que o Sr. governador do Banco de Portugal me esclarecesse sôbre os motivos que levaram êsse antigo director a afastar-se do Conselho, para saber se havia qualquer fundamento nas afirmações do Sr. Alpoim.

O Sr. governador do Banco de Portugal enviou-me um documento que tenho de ler à Câmara, embora pessoalmente me custe ter de dar lhe esta máxima publicidade.

É o seguinte:

Leu.

Sr. Presidente: não faço comentários nenhuns ao documento que acabo de ler porque êle fala eloquentemente por si mesmo; dispensa todos os comentários.

Apoiados.

Sôbre o assunto de que se trata, sôbre as acusações formuladas pelo Sr. Amâncio de Alpoim, desde que está na Mesa a moção do Sr. Cunha Leal eu entendo que

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devo limitar-me, como titular desta pasta, a fazer poucas mas decisivas afirmações.

Entende a moção Cunha Leal, moção que em meu parecer deve ser perfilhada pela Câmara, que a" Comissão Parlamentar de Contas Públicas chamo a si o conhecimento desta questão, e que ouça o Sr. Amâncio de Alpoim.

E eu declaro, desde já, que tenho na minha mão todos os elementos que posso fornecer a essa comissão.

Não tenho outro interêsse que não seja o apuramento completo da verdade; e, porque assim é, entendo que todos os números que constam dêstes documentos devem ser estudados na calma duma comissão e não na paixão dum debate político. Quero apenas fazer afirmações com a responsabilidade que dimana do meu lugar para que desde já o espírito público fique tranquilo. E essas afirmações são, em resumo: que, em primeiro lugar, as afirmações do Sr. Amâncio de Alpoim derivam, em meu entender, por conhecimento que tenho, pelos documentos que possuo e que a Câmara apreciará, de interpretações erradas e de números errados o mal compreendidos.

V. Exas. que fizerem parte dessa comissão hão-de verificar pelos relatórios do Banco do Portugal, pelos seus balanços e pelo desenvolvimento das contas dêsses balanços que as contas-títulos e as contas-fundos, a que se referem os quesitos 1, 2 e 3 se encontram regularmente escrituradas e exprimem a verdade.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É uma informação que o Banco deu a V. Exa.?

O Orador: - São informações que tenho do Sr. secretário geral dêsse Banco e que é junto dele o fiscal do Estado.

Estou habilitado desde já a fazer essas afirmações e que demonstrarei em ocasião oportuna perante essa comissão.

Devo confessar que não me julgo dispensado de continuar a verificar o fundamento ou insubsistência de todas as acusações formuladas, visto que o meu interêsse e o meu dever é apurar toda a verdade e só a verdade.

Também há interpretações erradas, pelo que respeita ao que deve entender-se, quanto ao que está compreendido no quesito 4.°, e essas interpretações. O Erro assenta especialmente no esquecimento de que legislação a aplicar é a que deriva dos diplomas legais, que aprovaram os estatutos do Banco de Portugal, e que modificaram a economia das disposições do Código Comercial.

Quanto ao quesito 6.° afirmo que o& bilhetes efeitos-ouro da reserva foram escriturados ao câmbio do dia, conforme" disposições legais e mormente o contrato de Março de 1924.

Ainda sôbre a rubrica de "edifícios", a propósito da qual o Sr. Amâncio de Alpoim fez blague, pelo facto de estarem incluídas as notas que se encontram guardadas no Banco sob a denominação "outros objectos", devo dizer, nessa rubrica figuram edifícios e as notas armazenadas pelo valor do seu custo de papel e estampagem e que sempre êsses valores assim foram escriturados desde o início das operações do Banco; que nessa rubrica se acercam variações em virtude de obras feitas nos edifícios da sede e sucursais do Banco.

Ainda é necessário não esquecer, quanto ao facto que aqui foi citado, de o capital do Banco estar deminuído de 1/4 dos prejuízos sofridos, que no "fundo variável" para cobrir prejuízos no activo o que é destinado a cobrir êsses prejuízos não é o "capital", mas os a lucros". São os lucros que servem para cobrir êsses prejuízos, o que vão valorizar o activo do Banco. Se quiserem são "lucros cristalizados", são lucros que não foram distribuídos aos accionistas e ao Estado; mas isto é uma situação para liquidar depois quando se fizer a revisão dos contratos em vigor.

A afirmação que se foz do que havia emissões surdas de notas, o que portanto essas notas eram falsas, carece de fundamento.

As emissões foram sempre feitas, em virtude de contratos realizados entre o Estado e o Banco do Portugal. Se algumas delas não foram autorizadas poríeis anteriores, foram feitas por necessidades urgentes de tesouraria e depois legalizadas.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Necessidades da tesouraria do Banco ou do Estado?

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O Orador: - Do Estado. Trava-se dialogo entre o orador e os Srs. Amando de Alpoim e Ramada Curto.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Essas notas são análogas às que fez o radical-socialista Herriot.

O Orador: - Foi de facto essa a política seguida pelo radical-socialista Herriot, e apoiada pelo leader socialista Léon Blun. O que posso acrescentar é que nunca o Banco, para encobrir tais emissões, falsificou as suas situações semanais. Deixou do as publicar por imposições dos Governos. E logo que tais imposições cessaram as notas voltaram a ser publicadas com regularidade, sendo a última de 23 de Dezembro próximo passado.

Eu podia estar aqui a ler a V. Exa. todos os números que constam dos apontamentos que tenho presentes, mas dispenso-me de o fazer porque a Câmara se encontra fatigada por um debate em que se levantaram as mais vivas paixões e em que muitas vezos se procurou até atingir a honorabilidade do certos homens públicos.

Há uma comissão a quem incumbe, por lei, a análise das leis e dos contratos, na sua parte financeira; a essa comissão o Govêrno levará todos os esclarecimentos, sem que por isso desista, como há pouco disso e agora repito, de continuar a coligir todos os documentos que possam elucidar o assunto.

Porém, devo desde já declarar, com a responsabilidade que sôbre mim pesa, que tenho já elementos para me convencer de que não há absolutamente nada que atinja, não digo já a honorabilidade do Banco de Portugal, mas a normalidade e a legalidade das relações entre o Estado e aquele Banco Emissor.

Apoiados.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Aqui está a primeira resposta que esperava o Sr. Ramada Curto.

O Orador: - V. Exas. farão êsse inquérito o mais, ràpidamente possível, porque não há maneira de desligar o crédito do Banco de Portugal do crédito do país.

Apoiados.

E é por isso mesmo que, havendo essa comissão, se poderá fazer perante ela a prova, mas com calina e tempo, para bem se esclarecer o assunto.

Por tudo o que acabo de dizer, se é certo que tem de classificar-se os actos pelas intenções que os ditaram, só eu não posso dizer que o negócio urgente do Sr. Amancio de Alpoim foi uma má acção, poderei pelo menos afirmar que foi um mau acto.

Apoiados.

Tenho dito.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: apesar da serenidade que trouxe a esta discussão o meu velho amigo Sr. Marques Guedes, ilustre Ministro das Finanças, fez-me uma acusação absolutamente gratuita, de que foi um mau acto aquilo que eu pratiquei.

Tomo a responsabilidade dele, e não o reconheço como tal.

O Sr. Ministro das Finanças há-de fazer-me a justiça de reconhecer...

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes) (interrompendo): - E fiz-lha. Não lhe chamei má acção, mas apenas mau acto.

O Orador: - Fiz o que a minha consciência e o meu doutrinarismo político mo indicam. E hei-de fazê-lo emquanto mo deixarem.

Com a mesma serenidade com que o Sr. Ministro das Finanças falou, devo confessar a S. Exa. que não rebateu nenhuma das acusações concretas que eu aqui reproduzi. Nenhuma, note o bem S. Exa.

Mantenho tudo quanto disse, conforme o discurso previamente escrito. Escrevi-o, embora contra os meus hábitos, reconhecendo a responsabilidade que ia tomar.

Faço desde já notar ao Sr. Ministro das Finanças - não para que sôbre o assunto se entabole mais discussão, porque a minha preocupação não é a de tirar efeitos políticos, mas apenas a de conseguir uma obra de justiça - faço notar a S. Exa. que não demonstrou à Câmara cousa alguma referente ao desvio de dinheiro procedente do fundo de 3 por cento que citei, em contrário das minhas afirmações.

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Faço notar a S. Exa. - não para discutir, mas para tomar uma posição neste assunto, porque sou o primeiro a. reconhecer que o lugar próprio para a discussão dêste problema é na comissão de contas - faço notar a S Exa. que por forma alguma destruiu a minha afirmação de que nenhum contabilista pode deixar de dizer que de 1923 para 1924 deixaram de entrar perto de 16:00p contos no fundo de reserva criado pela lei de 1915.

Leio números, não por apontamentos, mas pelo balanço. O balanço de 1923 estabelece para êsse fundo uma existência no passivo de:

Leu.

O fundo aparece no passivo do Banco como representação da conta escudos que o Banco deve, porque êsse fundo não lhe pertence; guarda-o por conta do Estado. É uma responsabilidade em escudos, que vai para o pasivo em escudos, portanto. Esta responsabilidade é contra-partida pela realização que se haja feito em títulos determinados, cuja natureza V. Exas. conhecem perfeitamente.

Essa realização aparece no activo, e em 1923 era de 17:070 contos. Faltava realizar de fundos uma importância de 16:000 contos, aproximadamente. No momento em que se aplicasse essa importância - notem os que querem compreender - a verba do passivo ficava na mesma, porque era apenas a responsabilidade do Banco que tinha de constar do passivo, e, à medida que se fôsse fazendo a aplicação da verba do activo. Êste ficaria nivelado com o passivo. O Banco tem o débito no seu passivo do fundo que vai crescendo em sucessivas gerências na cifra do passivo que em 1923 era de 33:000 contos.

A cifra ascendeu ràpidamente depois de 1918, porque houve grandes quantias a pagar pelo Estado por uma formidável circulação.

Encontramos, pelo balanço de 1924, no passivo do Banco a quantia para êsse fundo de reserva de 33:625 contos. Esta quantia, arredondando, é apenas superior em 200 e tantos contos à que existia em 1923.

Mas se formos ver o activo encontramos 30:018 contos. Porque? Não foi porque se mencionasse no passivo o quantitativo que representava a percentagem que devia vir ao fundo de reserva no ano de 1924.

E tam claro, Sr. Presidente, que mesmo qualquer leigo em contabilidade o compreende fàcilmente.

Essa verba a acrescentar ao passivo no balanço de 1924 nunca poderia ser inferior a 16:000 contos, sendo a conta muito fácil de fazer, como vou passar a demonstrar à Câmara.

Leu.

Façam V. Exas. a conta e verão se isto é ou não assim.

O Sr. Soares Branco (interrompendo): - V. Exa. tem a certeza de que o Estado entregou ao Banco a percentagem que por lei do via entregar?

O Orador: - O que eu tenho é a certeza de que o Banco recebeu o rendimento dos títulos, e de que o Estado paga por dedução.

De resto V. Exas. devem compreender muito bem que pela minha situação administrativa eu era incapaz de vir aqui para o Parlamento fazer acusações gratuitas.

Disse, Sr. Presidente, e muito bem, o Sr. Ramada Curto que eu tinha assumido uma grande responsabilidade, porém, devo dizer que posso bem com ela.

O que é um tacto, Sr. Presidente, é que o Sr. Ministro das Finanças não foi capaz dó destruir as minhas acusações, pois, a verdade é que a única cousa que se levantou nesta Câmara, sôbre as minhas acusações, foi unicamente um triste debate político, estou ainda esperando serenamente que os meus números sejam devidamente apreciados pela comissão de contas.

E estou seguro acerca deles.

Para terminar, Sr. Presidente, eu devo fazer desde já uma declaração, e é de que quando fôr chamado a fazer o meu depoimento, o farei por escrito, reservando-me o direito de o tornar público.

Tenho dito.

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. pode-me dizer a que horas deve ser encerrada a sessão.

O Sr. Presidente: - Às 8 horas e 15 minutos.

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O Orador: - Sr. Presidente: quem ontem teve ocasião de ouvir o final do discurso do Sr. Amâncio de Alpoim e hoje teve ocasião de ouvir novamente o mesmo senhor, terá tido ocasião de ver quanto S. Exa., apesar do auxílio que recebeu, do Sr. Ramada Curto, parlamentar experimentado, foi infeliz, no discurso que ontem proferiu.

Lamento que. da parte do Govêrno, o Sr. Ministro das Finanças não tivesse sido o primeiro a levantar-se para defender o crédito do seu país, tratando-se de uma questão que, como S. Exa. acaba de afirmar, afecta largamente êsse crédito.

Lamento que, só quási ao encerrar-se a sessão, em curtas palavras, o Sr. Ministro das Finanças tivesse respondido às acusações que pelo Sr. Amâncio de Alpoim foram feitas ao Banco de Portugal.

Quero em todo o caso registar que tanto o Sr. Tôrres Garcia, Ministro das Finanças do Govêrno transacto, como o Sr. Vitorino Guimarães, antigo titular da pasta das Finanças, como o Sr. Cunha Leal, antigo Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, como ainda o actual Ministro das Finanças, todos vieram declarar, de uma maneira que não deixa dúvidas a ninguém, que não há absolutamente nada que afecte a moralidade dos homens que dirigem o Banco.

Quanto devem estar arrependidos de terem preparado o terreno que permitiu ao Sr. Amâncio de Alpoim vir aqui fazer acusações ao Banco do Portugal, todos os homens que, sentados naquelas cadeiras, não têm tido dúvidas em afectar o Banco com intuitos políticos, dizendo que o queriam republicanizar!

Quanto devem todos estar arrependidos de terem dado a mão aos inimigos da actual organização social, dando-lhes ingresso nesta casa do Parlamento!

É bom que se saiba que os ilustres Deputados da minoria socialista, muito talentosos, som dúvida, não estão aqui como representantes da corrente do opinião socialista, pois vieram aqui pelos votos do Govêrno.

Quando se trata da minoria conservadora, animada de patriotismo e defensora da actual organização social, todos os partidos do regime se unem para arrancar os mandatos dos seus eleitos; mas tratando-se dos inimigos da actual organização social, dos que procuram demolir os alicerces da sociedade, unem-se todos os republicanos para aqui trazerem os seus representantes.

Felizmente que o Sr. Amâncio de Alpoim, no ataque que fez à sociedade actual, outra cousa não conseguiu mais do que prestar um serviço à burguesia, demonstrando quanto são falsas e erradas as acusações que se fazem à finança portuguesa.

Vejamos como as palavras do Sr. Amâncio de Alpoim mostram quanto são infundadas as acusações que, dia a dia, aqui se fazem à finança nacional.

O que foi que o Sr. Amâncio de Alpoim ontem começou por afirmar, êle, o socialista, êle, o homem que, a final, não foi mais do que um defensor do Banco de Portugal?

Disse S. Exa.:

- O Banco de Portugal tem um capital de 13:500 contos-ouro e eu pregunto se os dividendos que recebem os seus accionistas são qualquer cousa que porventura se pareça com uma actualização em ouro dos dividendos recebidos no tempo da moeda forte.

Com estas palavras, o ilustre conservador Sr. A maneio de Alpoim, o ilustre defensor da burguesia, veio ontem aqui dizer que, ao contrário das afirmações constantemente feitas de juros escandalosos, de largas remunerações dadas ao capital, a final o capital recebe um juro muito inferior ao que S. Exa. reputa normal e justo.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. já me ouviu essas afirmações a respeito de juros elevados?

Ainda um dia havemos de falar a êsse respeito...

O Orador: - Ora ainda bem que a esta Câmara vem alguém mais conservador do que os ilustres Deputados republicanos.

Um àparte do Sr. Amâncio de Alpoim.

O Orador: - O Sr. Amâncio de Alpoim também falou nas cotações das acções do Banco de Portugal e revoltou-se pelo facto de elas não valerem os 2.100$ que deviam valor em virtude da depreciação da moeda.

Comprometendo-se perante o povo, perante aquele povo a quem lá fora se afirmam cousas espantosas a respeito do ca-

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pital, mais uma vez o Sr. Amâncio de Alpoim mostra ser mais conservador do que os ilustres Deputados republicanos, defendendo a burguesia...

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Há duas qualidades de burgueses: os espertalhões e os comidos.

Nos bancos e companhias comem os espertalhões e os outros são os comidos...

O Orador: - Não são ricos só aqueles que possuem capital.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Essa pequena burguesia nos países onde há consciência é socialista.

O Orador: - Não é a consciência que faz alguém pobre ou rico; direi mesmo a V. Exa. que quási sempre a consciência faz a gente pobre.

Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Amâncio de Alpoim declarou há pouco que as suas afirmações ficavam de pé. Eu não conheço ainda na íntegra o discurso de S. Exa.

Ainda não li o jornal A Batalha, órgão de S. Exa.; mas prevejo que amanhã, com certeza, há-de chamá-lo à responsabilidade por ter aqui vindo afirmar que são pequenos os juros recebidos pelos accionistas do Banco de Portugal. Sei, porém, que S. Exa. afirmou que havia na circulação privativa do Banco de Portugal notas falsas, notas que excediam os limites do circulação privativa autorizada por lei. Ora a S. Exa. declaro que, tendo baseado as suas afirmações exclusivamente no que consta da alínea b) da base 2.ª do contrato de 1918, S. Exa. propositadamente, porque não creio que fôsse por ignorância, esqueceu que existo posteriormente a êsse contrato o artigo 3.° da lei n.° 1:674 de 1920 que permite ao Banco o aumento da sua circulação privativa de mais 15:000 contos; existe a base b) do contrato de Abril de 1922 que permite também um novo aumento; e existe ainda a alínea b) do contrato de 1924 que permito um novo aumento de 20:000 contos.

Já S. Exa. vê que não fica nada absolutamente de pé, a respeito de o Banco trazer na sua circulação privativa notas excedentes ao limite permitido por lei. Não existem, portanto, ao contrário do que S. Exa. afirmou, notas falsas do Banco de Portugal; e, só porque S. Exa. não quis saber do quais os contratos que estão em vigor, só por isso, fez uma afirmação absolutamente gratuita.

Mas há mais. S. Exa., falando acerca do fundo de amortização e reserva, disse cousas que não são permitidas a um director da Caixa Gorai de Depósitos, que tem o dever de conhecer êstes assuntos o não os tratar pela forma como os tratou.

Apoiados.

Esto fundo de amortização e reserva, constituído pela lei n.° 444 de 9 de Setembro de 1915, tendo sido apreciado por S. Exa. nos relatórios do Banco em relação aos anos de 1923-1924, mereceu-lho conclusões absolutamente em oposição à verdade.

Já ontem, em àparte, tive ensejo de mostrar a S. Exa. que, querendo referir-se àquele fundo, tinha do entrar em conta com as cotações dos títulos-ouro em 31 de Dezembro dos anos de 1923 e 1924.

Não quis S. Exa. propositadamente fazê-lo, e daí uma afirmação absolutamente gratuita.

Não ficam portanto de pé as afirmações do Sr. Amâncio do Alpoim.

Sr. Presidente: as conclusões de S. Exa. são opostas àquilo a que se chega pelo exame verdadeiro dos factos.

Tem realmente um crédito superior lá fora, o que nos deve encher de regosijo.

Foram estas as afirmações feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim e provado fica que não tiveram sombra de fundamento.

S. Exa. porém o provará perante a comissão de contas desta Câmara.

Sr. Presidente: não querendo nós dês-te lado da Câmara deixar concluir este debate sem fazer estas afirmações, temos de deixar acentuada a diferença que existe entre o discurso ontem proferido pelo Sr. Alpoim e o que hoje foi obrigado a proferir.

O Sr. Ramada Curto disse aqui hoje que o Sr. Amâncio de Alpoim não teve intenção de atacar os homens que constituem a administração do Banco de Portugal.

Viu S. Exa. a necessidade de procurar salvar o seu colega correligionário.

Foi bom que o Sr. Amâncio de Alpoim tivesse abordado esta questão: porque

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para que o Deputado Socialista tratasse dela, to vê de recorrer a factos e questões que absolutamente são opostas à verdade.

Feita esta demonstração, outro ponto ainda para terminar.

Quero frisar o ponto do discurso do Sr. Amâncio do Alpoim em que S. Exa. ao mesmo tempo que atacou os directores do Banco, excluiu um.

Quere dizer o Sr. Amâncio de Alpoim quis misturar o caso do Banco Angola e Metrópole com o Banco de Portugal.

Nós ainda havemos de falar, aqui, do caso de Angola e Metrópole; mas por agora não.

Para os directores do Banco de Portugal as acusações que foram ouvidas; para os que fizeram parte do Banco Angola e Metrópole o mais extraordinário carinho.

Eu não discuto nem quero discutir o Sr. Pinto de Lima.

Não discuto se o Sr. Pinto de Lima tem ou não qualquer responsabilidade na questão das notas falsas, porque eu não lanço acusações, contra ninguém, que não possa provar.

Não quero, porém, que o nosso silêncio possa ser considerado por forma a dar lugar a qualquer errada interpretação.

Não sei com que autoridade se vem fazer acusações a homens honrados e competentes, como são os que constituem a administração do Banco de Portugal.

Dito isto, não quero alargar mais as minhas considerações; e termino por dar aos Srs. Amâncio de Alpoim e Ramada Curto os meus sentimentos pela desastrosa intervenção neste caso. E, como S. Exas. prestaram um relevante serviço à actual organização social, eu, se houvesse conservadores honorários, não teria dúvida alguma em os nomear.

E termino, dando, mais uma vez, os sentimentos a S. Exas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: a hora vai muito adiantada.

Êste debate já tem duas sessões e eu já hoje tive que pedir desculpa no Senado de não ter ido lá para continuar o debate político.

Vou ser rápido nas considerações que vou fazer.

O Govêrno só tem uma posição neste caso: está ao lado dos burlados contra os burlões, estejam êles onde estiverem.

Apoiados.

Não tem, nem quere ter outra posição.

Interrupção do Sr. Alpoim, não ouvida.

Vários Srs. Deputados, que cercam o orador, trocam simultaneamente entre si algumas considerações, conservando-se o orador em silêncio.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - O Sr. Cunha Leal declarou que o tinham querido ouvir a propósito de duas emissões feitas pelo Govêrno.

Com referência à portaria, devo dizer que não a publiquei, porque a isso não era obrigado; ficou na mão do Director Geral da Fazenda Pública, tanto mais que eu tinha leis que me habilitavam a tomar as providências de carácter financeiro que julgasse conveniente.

A segunda, a do Sr. Velhinho Correia, o Sr. Amâncio de Alpoim devia saber para que ela tinha sido.

O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - V. Exa. refere-se à taxa da Caixa Geral do Depósitos?

O Orador: - Ninguém tem o direito de pôr a questão da Caixa Geral de Depósitos.

Interrupção do Sr. Amâncio de Alpoim que não se ouviu.

O Orador: - Ninguém tem o direito de misturar os homens da República com burlões.

Ninguém tem o direito de confundir uma cousa com a outra, porque é uma infâmia clara.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - No caso concreto dos 80:000 contos, há dois créditos: - há o crédito do Estado e o da Caixa Geral de Depósitos.

Os dois confundem-se neste caso.

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58 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: - Vê-se, portanto, a leviandade das declarações feitas.

Sr. Presidente: os homens do Banco ou da República, com responsabilidades do Poder, não precisam do atestados de ninguém sôbre a sua honestidade.

Os actos que tenho praticado são bem claros e as condições em que os tenho feito sam ditadas pelo amor, não digo já ao regime, mas à nação.

Com que fim se quere confundir?

Não lançamos insinuações com o fim de baralhar. E o Sr. Amando de Alpoim baralhou, começando por falar no Banco Angola e Metrópole, depois no juiz e depois no Banco de Portugal.

Vamos para a comissão com a máxima serenidade.

Todos estamos apostados em esclarecer a verdade.

O Govêrno tem o direito de o fazer, e não admite a blague no caso.

O Sr. Ramiro Leão não tem a palma para palmar a fazenda.

O Sr. Ramada Curto teve uma frase infeliz; e nós não pedimos licença à minoria socialista para dentro da República praticarmos a justiça, para meter na cadeia todos os burlões dêste país.

Como já disse, há duas pessoas com compromisso de honra, que não deixarão que se escondam os burlões do Angola e Metrópole.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: V. Exa. pode informar-me se já está constituída a comissão parlamentar de contas públicas?

O Sr. Presidente: - Na parte respeitante à Câmara dos Deputados já está.

Posta à votação a moção do Sr. Cunha Leal, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 6, à hora regimental, sendo a ordem do dia a seguinte:

Projecto de lei que suspende a execução de vários decretos.

Eleições e instalação de comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Nota de interpelação

Desejo interpelar urgentemente o Exa. Sr. Ministro da Agricultura sôbre a anunciada possibilidade do vir a ser importada qualquer quantidade de milho e, bem assim, sôbre o limitado prazo estipulado aos produtores para fazerem o manifesto dêste cereal. - Domingos António de Lara.

Expeça-se.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, mandando continuar em vigor nos meses de Fevereiro a Junho de 1926 o disposto no artigo 1.° da lei n.° 1:824, do 31 de Dezembro de 1925.

Aprovada a urgência.

Para a comissão do Orçamento.

Para o "Diário do Governo".

Projectos de lei

Do Sr. Rafael Augusto de Sousa Ribeiro, tornando extensiva aos professores dos quadros das escolas primárias superiores a disposição do artigo 2.° e seu § único do decreto n.° 8:469, de 6 de Novembro de 1922.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, extinguindo o lugar de director da Tutoria da Misericórdia de Lisboa.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, determinando que os funcionários da Secretaria Geral o Direcções Gerais do Ministério das Finanças, do Conselho Superior de Finanças e Administração da Casa da Moeda, que à data da publicação da lei n.° 1:402 tinham vaga para o lugar do categoria imediatamente superior, vão ocupar o lugar de categoria que teriam, se não estivessem em vigor as leis n.ºs 971 e 1:344.

Para o "Diário do Governo".

Parecer

Da 1.ª comissão de verificação de poderes, validando a eleição e proclamando Deputados pelo círculo n.° 44 (Cabo Verde) os cidadãos Carlos de Barros Soares Branco e Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Para a Secretaria.

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Sessão de 4 e 5 de Janeiro de 1926 59

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério do Interior, antiga Direcção Geral da Segurança Pública, me seja fornecida uma cópia do ofício n.° 18-78, que em 28 de Julho de 1922, foi dirigido ao Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Chaves, bem como uma cópia do ofício da Câmara de Chaves que deu causa àquele ofício.

Sala das Sessões, em 4 de Janeiro de 1926. - Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio e Comunicações - Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos - me sejam fornecidas cópias dos seguintes documentos:

1) Ordem de serviço de 21 de Agosto de 1924, relativa à execução de uma disposição de uma proposta de lei aprovada na Câmara dos Deputados, disposição que foi promulgada no artigo 26.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro do mesmo ano.

2) Representação, datada de 12 de Novembro do mesmo ano, de uma comissão representante dos concessionários e requerentes de concessões de minas e de sinYples possuidores de registos de minas e de águas mínero-medicinais, sôbre a execução da referida disposição de lei;

3) Informações (duas) dadas sôbre essa representação, em 9 de Março e em 3 de Abril de 1925, pelo Sr. Director Geral de Minas e Serviços Geológicos; e

4) Despacho ministerial de 26 de Junho do mesmo ano sôbre a referida representação.

Sala das Sessões, em 4 de Janeiro de 1926. - Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.

Expeça-se.

Os REDACTORES:

Sérgio de Castro.
João Saraiva.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

Página 60

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