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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 29

EM 3 DE FEVEREIRO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano Melo Vieira

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Marques Loureiro faz algumas considerações sôbre o julgamento de Alenquer e reclama contra o atraso do pagamento aos professores primários de Tondela.

O Sr. Rosado da Fonseca ocupa-se do péssimo serviço dos Caminhos de Ferro do Estado.

O Sr. Carvalho da Silva, aludindo ao julgamento de Alenquer, protesta contra o facto de ter sido nomeado administrador o mesmo indivíduo que deu causa ao julgamento, e termina pedindo providências para que se resolva o caso da eleição do Funchal.

É aprovada a acta.

Ordem do dia. - (discussão do parecer n.° 14-A arrolamento dos bens do Banco Angola e Metrópole).

O Sr. António Maria da Silva (Presidente do Ministério) dá conta à Câmara dos acontecimentos revolucionários de Almada.

Segue-se no uso da palavra o Sr. António Cabral que faz algumas considerações sôbre os mesmos acontecimentos.

É lida na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Álvaro de Castro ao Sr. Ministro das Finanças.

Sôbre os acontecimentos de Almada usam sucessivamente da palavra os Srs. Ramada Curto, Domingos Pereira, Pestana Júnior, Carvalho da Silva, Joaquim Dinis da Fonseca e Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente declara que vai entrar-se na ordem do dia, dando a palavra ao Sr. Domingos Pereira que, pelo adiantado da hora, fica com ela reservada para a sessão imediata.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Aberta a sessão às 15 horas e 13 minutos.

Presentes à chamada 47 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 64 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Alves Calem Júnior.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Lança.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Dagoberto Augusto Guedes.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António da Lara.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Jaime António Palma Mira.
João da Cruz Filipe.
João Salema.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carlos Trilho.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Rosado da Fonseca.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Mariano Melo Vieira.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio e Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António de Paiva Gomes.
Artur Brandão.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel Tose Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José de Moura Neves.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Pedro Góis Pita.
Raul Lelo Portela.
Raul Marques Caldeira.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre Ferreira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Alvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.

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António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Saraiva de Castilho.
Augusto Rebêlo Arruda.
Carlos Fuseta.
Domingos Augusto Reis Costa.
Francisco Cruz.
Henrique Pereira de Oliveira.
Idalêncio Froilano de Melo.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Vale de Matos Cid.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel do Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Rui de Andrade.
Severino Sant'Ana Marques.
Tomé José de Barros Queiroz.

As 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 47 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 14 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Justiça, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Sant'Ana Marques e comunicado no ofício n.° 248.

Para a Secretaria.

Da Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, convidando o Sr. Presidente e Srs. Deputados a assistirem à sessão solene de apresentação da mesma Cruzada no dia 3 de Fevereiro, na Sociedade de Geografia, pelas 21 horas.

Para a Secretaria.

Telegramas

Da Câmara Municipal do Peso da Régua, pedindo a aprovação do projecto de lei do Sr. Raul Lelo Portela.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Alcanena, protestando contra o mau estado das estradas n.ºs 124 e 127.

Para a Secretaria.

Do juiz das Execuções Fiscais de Ancião, reclamando contra a alteração da contagem dos salários em processos executivos incluída na lei dos duodécimos.

Para a Secretaria.

Representações

Das companhias concessionárias de caminhos de ferro do continente, fazendo ponderações sôbre a revisão do decreto n.° 11:283.

Para a comissão de caminhos de ferro.

De João de Deus Barbosa, pedindo para ser reconhecido revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: havia pedido ontem a palavra quando nesta Câmara, parece que em volta de uma simples reclamação do Sr. Raimundo Alves, se levantou o casus belli do julgamento de Alenquer.

Era meu propósito, ao inscrever-me, repor nos seus devidos termos - modéstia àparte - a reclamação do Sr. Raimundo Alves, e restabelecer a verdade que foi um pouco adulterada, talvez pela paixão que dominava as duas partes em litígio. Nesse debate intervieram Deputados monárquicos, dando a todos nós a convicção de que êste julgamento lhes havia interes-

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sado, e que, portanto, as reclamações apresentadas pelo Sr. Raimundo Alves, tinham o propósito de prestigiar a justiça.

Eu queria acentuar na presença do Sr. Ministro da Justiça, que desde logo interveio na discussão, que o princípio defendido por S. Exa., de entregar ao Conselho Superior Judiciário a queixa, era o que estava conforme com o prestígio da magistratura e com o cumprimento da lei.

Bem ou mal, fez-se neste Parlamento uma queixa do juiz e delegado das Caldas da Bainha, pela forma como intervieram no julgamento. Não me interessa, como advogado que sou, saber como as cousas se passaram. Até mim, vieram informações contraditórias e por igual, prestadas por criaturas que me merecem todo o conceito. Impõe-se, portanto, que não fique no ar essa suspeição pesadíssima, o que o Sr. Ministro da Justiça proceda como a principio anunciou. Se é lamentável o que se passou, se as paixões deram motivo a cousas graves, o que interessa é o prestígio da magistratura, e que o Conselho Superior Judiciário intervenha para as averiguar.

De resto, para contrapor às afirmações dos Srs. Deputados monárquicos e do Sr. Ministro da Justiça, devo dizer que não é necessário que S. Exa. mande ao Conselho Superior Judiciário promover o inquérito. Basta que o Sr. Raimundo Alves, "basta que qualquer cidadão no gozo dos seus direitos faça àquele Conselho a devida participação para que êle imediatamente proceda ao respectivo processo.

Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra, embora não esteja presente o Sr. Ministro da Instrução, para apresentar uma reclamação do professorado do concelho de Tondela, pela falta de pagamento dos seus vencimentos.

O telegrama é o seguinte:

Leu.

Há seguramente equívoco nos termos em que êste telegrama foi transmitido. A "escolar distrital" deve referir-se à Inspecção Distrital que organiza a folha, o que agora está a cargo da Junta Concelhia.

De facto, emquanto essa Junta teve a seu cargo êsse serviço, não era por demora na Inspecção Distrital, mas no Ministério da Instrução, que os pagamentos

não eram feitos em dia. Agora está tudo compreendido. Na Inspecção Escolar do distrito, há funcionários com boa vontade de acertar; mas o pessoal é que não é bastante para que o serviço ande em dia.

Não está do Govêrno ninguém presente que possa transmitir ao Sr. Ministro da Instrução as minhas considerações; não obstante, eu entendo do meu dever dar satisfação aos meus eleitores, mesmo para prestígio de próprio regime, porque não há motivo para que a uns funcionários se pague em dia os seus vencimentos, e a outros se pague com dois e três meses de atraso.

Para a cobrança dos impostos, aqueles que não cumprem são relaxados e obrigados a pagar com juros, e o mesmo se deveria lazer aos culpados ao atraso nos pagamentos.

V. Exa., Sr. Presidente, seria gentilíssimo se transmitisse ao Sr. Ministro da Instrução as considerações- que acabo da fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Sr. Presidente: tendo que fazer ao Sr. Ministro do Comércio uma comunicação grave, lamento profundamente1 que S. Exa. não esteja presente para a ouvir, nem ao menos qualquer membro do Govêrno, para lha transmitir.

E o caso que, se mo preguntarem, eu não posso dizer se o caminho de ferro que vai de Évora para Vila Viçosa está em exploração em Portugal ou no sertão de África onde não tenham chegado ainda os ecos da civilização. E frequente as carruagens naquela linha não terem vidraças.

Ainda num dos dias da última semana, as carruagens estavam completam ente inundadas, e de tal forma que os passageiros tiveram de mudar de classe. Mas há mais.

Num dos últimos dias, deu-se uma scena que envolve desprestígio para o país: e foi que, tendo o Sr. Ministro da Inglaterra ido à Estremadura, foi-lhe reservado um compartimento sem vidraças nas janelas, o que certamente levou S. Exa. a fazer um mau juízo da forma como correm os serviços dos Caminhos de Ferro da Estado entre nós.

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E o que é mais gravo é que os empregados dizem que os passageiros é que têm a culpa, por não deitarem fogo às carruagens que se encontram nestas condições.

Não há a quem fazer reclamações; pois ainda há pouco ouvi o Sr. Alberto Jordão reclamar, não sendo atendidas as suas reclamações, mas até agravados os motivos dela.

Não pode ser. Ou atendem as reclamações do público ou temos de lançar fogo às carruagens que já não 'podem servir.

Recebi uma reclamação para ser presente ao Sr. Ministro do Comércio:

Leu.

Isto é, o Estado aplica o coeficiente 11 e a Companhia o multiplicador 6.

Tenho mais para o Sr. Ministro do Comércio, que continua a não estar presente:

Leu.

Êste decreto não traz disposição alguma em contrário.

Peço ao Sr. Ministro do Comércio para dar ordens para se não continuar com estes atropelos.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: continuo a protestar contra o facto de só trazer para aqui o incidente lamentável que acabou no julgamento dos baldios.

Em Portugal só se atende a reclamações por meio de revoluções. E aqui está a sua justificação: é que só assim as reclamações são atendidas.

O Sr. Marques Loureiro: - Só?

O Orador: - Só; sim, senhor. É por isso que V. Exas. estão há quinze anos "em conseguirem ir ao Poder.

Àpartes dos Srs. Marques Loureiro e Raimundo Alves.

O Orador: - As reclamações não são atendidas. E a prova é que estiveram oito meses presas por questões políticas pessoas da maior respeitabilidade, simplesmente por isso agradar a determinados indivíduos.

O Sr. Marques Loureiro: - E lamentável que isso se dê, seja para pessoas de representação ou não.

O Orador: - A questão foi de tal ordem que um dos presos foi procurado para lhe dizerem que se dêsse dois terços da votação seria despronunciado. É isto ou não uma perseguição?

Mais ainda: foi para lá o mesmo administrador. E uma provocação.

Poderia fazer mais largas considerações, mas reservo-as para quando estiver presente o Sr. Presidente do Ministério.

Mas já que estou no uso da palavra, mudando de assunto, peço ao Sr. Presidente o favor de me dizer o que pensa resolver acerca do julgamento da eleição do Funchal.

Já aqui foi declarado que os três membros da comissão não se encontram de acordo e que, portanto, essa comissão não poderá resolver nada. Nestas condições, parecia-me melhor completar essa comissão elegendo os dois membros que faltaram.

Peço a V. Exa. a fineza de me dizer o que pensa íazer em face dos casos que apontei.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem interferência nessas comissões.

O Orador: - Êste lado da Câmara, tendo a melhor vontade de evitar uma acção enérgica, como o caso reclama, procurou o Sr. Vitorino Guimarães, leader da maioria democrática, e fez sentir a necessidade de chegar a uma solução. S. Exa. foi de opinião de que se elegessem dois membros em substituição dos dois nacionalistas que renunciaram, e nesse caso a maioria votaria era listas brancas, ficando a cargo das oposições a escolha dêsses dois membros.

Apelo para S. Exa., na certeza de que aquilo que estava resolvido é o que se vai votar, pois não julgo que a maioria falta ao que se comprometeu.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta.

Admissões

Foram admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:

Proposta de lei

Do Sr. Ministro da Guerra, contando o tempo de campanha para diuturnidade

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referida no § 1.° do artigo 6.° do decreto n.° 5:570 aos oficiais em activo serviço.

Para a comissão de guerra.

Do mesmo, determinando que os oficiais que, pela aplicação do artigo 13.° do decreto de 25 de Maio de 1911, obtiveram vencimento de reforma correspondente a um pôsto diferente do que têm sejam graduados no pôsto em relação ao qual têm os vencimentos.

Para a comissão de guerra.

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovando, para ratificação, o tratado de amizade, comércio e navegação e protocolo anexo, assinado em Lisboa em 14 de Agosto de 1925 entre Portugal e o Sião.

Para a comissão de negócios estrangeiros.

Projecto de lei

Do Sr. Rafael Ribeiro, sôbre contagem de antiguidade aos tenentes de infantaria promovidos a alferes por decretos de 15 de Abril e 2 de Setembro de 1916.

Para a comissão de guerra.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva):- Sr. Presidente: sabe V. Exa. e a Câmara que meia dúzia de aventureiros se permitiram a liberdade de mais ama vez perturbar a ordem pública em Portugal.

Já de há muito que êles deviam estar convencidos de que o ambiente lhes não é propício. A nação conhece bem a sua atitude e reprova-a absolutamente. Êste acto é tanto mais condenável quanto é certo que toda a parte do país que acaba de ser percorrida pelo Chefe de Estado, e principalmente a cidade do Pôrto, recebeu S. Exa. com aquele carinho que êle merece. E das suas manifestações claramente transparece o seu amor ao regime e a nação.

E no momento em que o País precisa de elevar-se, que pessoas que dizem que têm uma especial consideração pelo Chefe de Estado, e que querem manter a República na sua própria pureza, praticam actos de desvario como os que V. Exas. acabam de ver.

No movimento entraram criaturas que há muito andam fugidas à polícia correccional. E, muitas vezes, as declarações dessas criaturas são transcritas como as de pessoas cujos escritos devem ser lidos, o que dá, por vezes, no estrangeiro, uma triste imagem de Portugal.

São situações verdadeiramente deploráveis, tanto mais que essas pessoas cometeram o nefando crime de atingir criaturas que nada tinham com o caso.

A uma pobre criança um estilhaço de granada vazou-lhe um olho.

Mas, o que é mais curioso, é que êles afirmaram que queriam fuzilar os autênticos criminosos do Angola e Metrópole, ao mesmo tempo que davam um passeio em redor do quartel onde estavam os principais implicados nessa burla.

Naturalmente, os autênticos criminosos éramos nós, e, os inocentes, aqueles que têm defendido os burlões, com mais ou menos pudor.

Pois bem, êles tiveram já da Nação a repulsa que era natural; e tiveram-na também de toda a fôrça armada. E eu folgo muito de, mais uma vez. ter ocasião de dizer que o nosso exército de terra e mar nunca perde o ensejo de mostrar a êsses aventureiros que não quer e cumplicidades com êles.

O movimento foi dirigido por um energúmeno que todos nós conhecemos. E não vale agora a pena rememorar aqui os actos que êle tem praticado; mas, sim, única e simplesmente devemos atentar em os conhecer dentro da lei. e com a maior celeridade.

Chamo a atenção da Câmara para a impunidade que é hábito conceder a êstes actos, e também para as contínuas amnistias, porque elas só são prejudiciais ao País.

Há criaturas que estão sempre a falar na pureza das suas intenções; mas, se nós formos observar a sua vida, vemos o contrário.

As fôrças de terra e mar que intervieram mais directamente na repressão do movimento foram as seguintes:

Leu.

Não quero também deixar de saudar a corporação dos bombeiros, tanto voluntários como municipais, e até mesmo uma parte dos ferroviários, que se porta-

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ram com bastante dignidade no exercício da sua profissão.

Ao exército e a todas as corpòraç5es armadas, bem como a todo o povo e a toda a Nação, eu folgo de dizer, em nome do Govêrno, que deram uma demonstração plena de que querem trabalhar e que querem que a República seja depurada, mas não por processos indignos de bons portugueses.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica, quero dizer a V. Exa. e à Câmara, que muito folguei com as declarações que o Sr. Presidente do Ministério veio fazer a esta casa do Parlamento, relativamente à revolta que ontem alarmou a capital dêste infeliz País.

Folgo, Sr. Presidente, em que a ordem esteja restabelecida e que o sossêgo e a tranquilidade voltem para se poder trabalhar.

Êste sossêgo de que o País tanto necessita mais uma vez foi ontem perturbado. E êste por assim dizer o pão nosso de cada dia, desde que êste regime se fez para desgraça do País.

Sr. Presidente: a minoria monárquica folga muito com o restabelecimento da ordem. E tem autoridade para o dizer por isso que desde há muito que não tem tido intervenção alguma em movimentos revolucionários contra o regime.

Sr. Presidente: os monárquicos, convidados a entrar na luta legal, têm-se mantido firmes nesse pôsto, se bem que os que os convidaram para êsse fim não tenham correspondido como deviam.

Chamados para essa luta legal, V. Exas. sabem bem o que se passou com as últimas eleições, isto é, nos locais onde se reconhecia que a maioria seria monárquica: - assaltaram-se as urnas, para o que se serviram de uma camionnette que andou pelas ruas de Lisboa, já não direi com o aplauso, mas com a conivência das autoridades.

O Sr. Presidente do Ministério - permita-me S. Exa. que lho diga sem o menor intuito de agravo - carece de fôrça e de autoridade para vir para aqui dizer o que disse. A verdade é que S. Exa. tem sido um dos maiores revolucionários tem existido no País nos últimos anos.

S. Exa. não só entrou na revolução que teve por fim derrubar a monarquia como foi também um dos que mais trabalharam no 14 de Maio, revolução essa. que foi muito mais sangrenta do que a de ontem, e em que houve muito mais vítimas a lamentar. Mas então não eram, aventureiros, nem se perturbava a ordem, se bem que o 14 de Maio tivesse por fim i derrubar um ministério legalmente constituído.

Isto, Sr. Presidente, é o que eu querei pôr em relevo para mais uma vez frisar as contradições do actual regime, pois, a verdade é que, quando outros pretendem invadir o terreno que S. Exas. têm seguido, são considerados como aventureiros e inimigos da ordem.

É justamente isto o que eu deseja pôr em relevo, isto é: as contradições do actual regime, que na verdade tendo censurado as leis de excepção, tem constantemente pôsto em prática essas leis de excepção.

Mas, Sr. Presidente, frisado êste ponto, e dito isto, não julguem V. Exas. que a minoria monárquica se quer pôr ao lado dos revoltosos, daqueles que perturbaram por algumas horas a ordem neste desgraçado País. Antes pelo contrário, a minoria monárquica folga, e folga muito, com que êsse movimento revolucionária tivesse sido derrubado, pois a verdade é que, conforme disse, e muito bem, a Sr. Presidente do Ministério, o nosso País aos olhos do estrangeiro está sendo considerado como um foco de desordens e perturbações, o que é deveras para lamentar, muito principalmente no presente momento, em que a situação que se atravessa é gravíssima.

Na verdade, Sr. Presidente, a situação que se atravessa é gravíssima, não só debaixo do ponto de vista interno, como externo. Isso deve-se única e exclusivamente à República, que constantemente está perturbando a ordem e a tranquilidade do País.

É raro o ano, é raro o semestre em; que uma revolta, um movimento militar, um movimento sedicioso, não vem perturbar a paz e a tranquilidade desta nação, que está anciosa por que haja quem a administre e olhe para o seu futuro.

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É por isso que nós, monárquicos, ternos autoridade, não só para lamentar e verberar acremente o movimento revolucionário iniciado anteontem, mas também para pôr em foco a contradição constante dos dirigentes da República, cujos exemplos explicam a prática de actos como êste.

Nós, os monárquicos, estamos aqui na luta legal, fazendo reclamações que não são atendidas pela maioria. Ainda ontem, pela minha voz e pela do Sr. Carvalho da Silva, reclamamos contra uma prepotência da maioria, que consente que esteja fora desta Câmara um dos seus membros eleito por uma maioria de 1:500 votos sôbre outro.

A prepotência do número, que nem sempre representa a competência, atentou contra os nossos direitos, tripudiou sôbre aquilo que é justo e legal, e empurra-nos, provocando-nos, para uma luta contrária à legal.

Não seguiremos êsse caminho, porque nós, homens de ordem e de justiça, não queremos trilhar o caminho que só pode levar à perdição da nacionalidade, e à sua ruína.

Sr. Presidente: tenho a certeza de que a Câmara, na sua consciência ilustrada, está dando razão às minhas palavras, embora se não manifeste em "apoiados".

Nós folgamos com o restabelecimento da paz e da tranquilidade; mas temos também razão para censurar aqueles que com o seu exemplo têm dado ensejo à eclosão de constantes movimentos revolucionários.

Nem a República nem o Govêrno; nem o Sr. Presidente do Ministério têm autoridade para castigar os que atentam contra a ordem, dados os exemplos que têm dado de prepotência e despotismo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa a seguinte nota de interpelação do Sr. Álvaro de Castro.

Declaro que desejo interpelar o Sr. Mibistro das Finanças acerca da liquidação da dívida dos Bancos ao Estado, realizada nos termos do despacho e escrituras publicadas no Diário do Govêrno de 30 de Janeiro último.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 1926. - Álvaro de Castro.

Foi mandada expedir.

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: desde que tenho a honra de, nesta legislatura, levantar a minha voz na Câmara, eu tenho fixado sempre, para evitar equívocos, a posição do Partido Socialista em matéria de zaragatas de caserna, de desordens e motins populares.

O Partido Socialista Português censura, reprova e condena as sedições militares e populares que em vez d(c) trazerem qualquer modificação vantajosa à democracia republicana, antes fundamentalmente a perturbam.

Mas o Partido Socialista Português não tem por missão bater nos vencidos. Não será esta minha boca que sairão palavras de cólera e humilhação para êstes pobres energúmenos que a falta de inteligência tem permitido que floresçam no nosso país.

O Partido Socialista é um partido revolucionário e logicamente não pode dizer mal das revoluções; mas uma revolução é qualquer cousa de graúdo, de alto, pressupõe um anterior trabalho de convencimento, de conquista da opinião pública, de adesão às doutrinas que se querem implantar.

Ora, Sr. Presidente, em Portugal, há-de ser muito difícil, por êstes anos mais chegados íazer uma revolução com estas características, porque se dá uma cousa curiosa na verdade: a democracia republicana, o Estado republicano vive ao nosso país inteiramente divorciado da opinião pública, porque não procura contacto algum com ela.

Não se compreende que um regime de opinião se mantenha sem imprensa e o regime republicano em Portugal, sem desprimor para a pequena imprensa republicana que nem pelos próprios correligionários a maior parte das vezes é lida, o regime republicano está inteiramente emparedado.

Efectivamente a opinião pública não conhece os actos dos homens que presidem aos destinos da nação; ou quando os conhece, êles aparecem-lhe através de uma deformação intencional. E é assim que êsses actos são apresentados ao país...

O Sr. Carvalho da Silva: - E isso que vale aos republicanos

O Orador: - Não, Sr. Carvalho da Silva!

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Não é isso que vale aos republicamos.

V. Exa. faz a sua oposição destrutiva e habitual que não o há-de levar a cousa nenhuma, nem mesmo à proclamação da monarquia.

Isso para V. Exa., que me deu a honra de me interromper, é um entretenimento pessoal.

Gosta disso!

O Sr. Carvalho da Silva: - O pior é os desgraçados que estão na cadeia e de quem V. Exas. se servem a toda a hora...

O Orador: - Esses desgraçados, anos, socialistas, por via de regra, detestam-nos.

Nós não somos místicos. Não queremos dentro das nossas fileiras o misticismo ideológico, nem que um qualquer pobre diabo queira armar em Messias neste país.

Nas palavras do Sr. Carvalho da Silva, como em quási tudo neste mundo da política, até mesmo nas palavras dos monárquicos, há um certo fundo de justiça.

Tem sido os próprios republicanos que, depois de 5 de Outubro de 1910, têm de certo modo criado a atmosfera política em que vivemos.

Mas do que a nação vive, ao que a nação aspira, o que há de mais vivo e intenso na vida nacional não são as intrigas políticas.

Uma tentativa revolucionária desta ordem representa uma advertência para os senhores que estão nas cadeiras do Poder.

A etiologia destas zaragatas periódicas deve filiar-se no seguinte: os senhores não têm idealismo.

V. Exas. realizam, a maior parte das vezes, uma obra de estabilização de personalidades e de partidos.

Aqueles que amparam a República, como eu, reconhecem que não há maneira de dar vitalidade ao regime republicano, sem que êle faça qualquer cousa do grande, de vasto, de coerente com os próprios princípios.

Mas pareço que o desideratum único dos homens públicos é ocupar as cadeiras do Poder no Terreiro do Paço, deixando correr, não procurando conquistar a opinião pública, julgando-a encerrada adentro dos respectivos núcleos políticos, nas palavras dos caciques ou nos diálogos dos cafés.

A quinze anos de República, um grande partido, essa grande "cooperativa de produção e de consumo" (digamos) que é o Partido Republicano Português (Risos) não tem conseguido um jornal que vá de norte a sul do país defender os actos dos seus partidários, lutando contra os adversários das instituições.

Esta revolução tem, afinal, uma cousa com que é fácil combatê-la: é lançar sôbre os homens que fizeram esta zaragata a acusação de que êles quiseram libertar os homens do Angola e Metrópole. Estou, porém, convencido de que isso é inexacto. Ontem, uma pessoa muito inteligente, por cujas opiniões eu tenho o máximo respeito, fazia-me idêntica afirmação. Não há, porém, no meu espírito Dada que permita supor isso. Não costumo injuriar os adversários e muito menos os vencidos.

Mas, Sr. Presidente, o que é certo também é que a mulher do César deve ser honrada e parecê-lo. Se eu neste momento tivesse uma revolução na algibeira - como se diz - não a deixava sair sem que o caso do Angola e Metrópole estivesse inteiramente esclarecido, ainda que tivesse de esporar todas as demoras, todas as delongas para que a situação se aclarasse. E digo todas as demoras e todas as delongas para frisar incidentalmente declarações do magistrado que preside às investigações, e que é um digno juiz do Supremo Tribunal de Justiça, sôbre a incomunicabilidade dos réus. A defesa apresentada era esta: continuarão presos até que se esclareça tudo. E dizem: mas isto é contra a Constituição! Mas então não estiveram os homens da legião vermelha presos e incomunicáveis durante oito meses?!... Isto é pitorescamente verdade e mais pitoresco se torna na boca de um digno juiz do Supremo Tribunal de Justiça. São estas cousas que fomentam as revoluções.

Tem sido o Sr. Presidente do Ministério - isto sem desprimor - quem mais tem aproveitado com o caso do Angola e Metrópole...

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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Eu aproveito com o sinal "menos". Há quem aproveite com o sinal "mais".

O Orador: - A verdade é que a oposição nacionalista apoia o Govêrno para não empanar, como disse o Sr. Cunha Leal, a luz que deverá incidir sôbre o caso do Banco Angola e Metrópole.

A propósito devo dizer que sempre que ouço falar em "empanar" me recordo de um dito que há na peça - O Solar dos Barrigas: "Não me falem em "empanar" porque me faz lembrar a loja".

Risos.

V. Exa. tam até o auxílio das mais brilhantes palavras da minoria nacionalista!

Para que a verdade sobressaia, a minoria nacionalista manteve S. Exa. no Poder!

Agora a revolução Martins Júnior dá mais um balão de oxigénio ao Govêrno. Mas isso não me interessa, porque eu já frisei que a posição da minoria socialista está, aqui, fora do campo em que se preparam as quedas e substituições dos governos.

Todos êles nos merecem idêntica confiança. Não derrubamos governos! São todos piores uns do que outros!

Mas esta revolução veio permitir que o Sr. António Maria da Silva, parafraseando a frase do Napoleão - confia na tua boa estrela - nos diga: aqui estou como triunfador!

Mas V. Exa. triunfou de uma "zaragata". E dizia V. Exa. que a finalidade imediata dos revolucionários era fuzilar os "autênticos" criminosos do Banco Angola e Metrópole. Achava muita graça a êste "advérbio" - disse:

Risos.

Ora a adjectivação de "autênticos" é na realidade infeliz. Neste momento a Nação tem, de facto, algumas certezas sôbre os autores da burla. Não resta hoje dúvida no espírito de ninguém de que a maior parte dos burlões está presa. Mas a nação deseja que acabo a incomu-nicabilidade para conhecer directamente todo o fundo da questão.

Estão presos criminosos?

Estão.

Todos? Desconhece-o a nação. Não vá nisto insinuação para ninguém.

O país está em frente de um estranho caso de incomunicabilidade dos criminosos, quando já se descobriu tudo.

Já se sabe onde foi timbrado o papel e já se desvendou o caso das escalas.

Como se explica a incomunicabilidade dos presos?

Não nos interessa a personalidade dos homens.

Interessou-nos muito mais a dos operários presos e incomunicáveis durante oito meses.

Em Portugal, país civilizado, devia fazer-se o mesmo que se faz em França. Ainda agora foi ali presa uma mulher como traidora à pátria, havendo provas, de ter vendido segredos militares ao estrangeiro. Um tal crime tem marcado nos códigos o respectivo castigo: o fusilamento ou a prisão perpétua, conforme-o crime haja sido praticado em tempo de guerra ou em tempo de paz. Pois o primeiro cuidado da magistratura e do Govêrno da França, dessa grande nação civilizada o e alta, foi dar a essa mulher um advogado.

Sr. Presidente: reatando o fio das minhas considerações, eu devo dizer à Câmara que o Partido Socialista condena o último acto revolucionário como os condena a todos.

Julga inevitável uma revolução.

Não colabora nela. Tem a sua função especial, a sua política de classe muito definida, mas está convencida de que êste ou outro Govêrno há-de ter, a continuar a vida do regime como até aqui, sem se criar o idealismo necessário para. manter a paz pública, sem se removerem os fundamentos etiológicos do mal, pela sua frente uma sério interminável de revoluções.

Desejamos que tal se evito e diremos como Cristo no Jardim das Laranjeiras...

O Sr. Dinis da Fonseca: - ... das Oliveiras...

O Orador: - Tem razão. Desculpe-me V. Exa. Bem sabe que eu não sou da especialidade.

Risos.

No Jardim das Oliveiras: se êste cálix pode passar que passo pela nossa boca.

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Cremos que a política de remendos e habilidades, a política sem rasgo, sem grandeza, sem beleza, traz inevitavelmente a repetição de tais movimentos.

Há muitos Messias no nosso país. Há quartos andares na baixa onde a esta hora já estarão os futuros revolucionários, não de Cacilhas, mas, porventura, da Amadora, a gizar o problema salvador da nossa nacionalidade.

Novamente, então, o Sr. António Maria da Silva, ou outro chefe de Govêrno, há-de triunfar dessa revolução.

Isto tudo é deplorável! Tudo isto me entristece a mim e aos que pensam como eu. Tudo isto nos enche de náuseas. Pois que? No momento em que lá fora o génio humano forja a golpes do titan as possibilidades de novos horizontes para a espécie humana, travando-se a luta em torno de ideas o princípios, havemos de estar aqui reduzidos à mercê de qualquer pobre diabo que pretenda salvar-nos a golpes de génio e de competência governativa?!...

Sr. Presidente: há uma presunção favorável para a piedade a favor dêsses revolucionários: é o ambiente criado pela .acção dos governos da República, que permite a existência dêsses revolucionários.

No que disse há pouco o Sr. Carvalho da Silva há uma certa verdade.

Muitas vezes os partidos do regime se servem deles...

Trocam-se àpartes.

Nós socialistas temos o orgulho de dizer que nunca tivemos nada, nem queremos ter com essa gente.

O Sr. Carvalho da Silva: - Chamam aventureiros aos que andaram na revolução de ontem, como se, porventura, não se tivessem servido deles, ainda há pouco tempo, nas últimas eleições.

O Orador: - A carapuça não nos serve.

Nós fomos com os "bonzos" ; mas como mais pequenos, somos os "bonzinhos".

Risos.

O Sr. Carvalho da Silva: - Mas também os "bonzos" foram "bonzinhos" para V. Exas.

Risos.

O Orador: - Não! Se não estivéssemos aqui tinham perdido as maiorias no Pôrto. E assim!

Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: - Não ouço, mas basta de conversa agora. Fica para logo na Brasileira.

Risos.

Sr. Presidente: o que eu desejo é que daqui a uns dois ou três meses não tenha de felicitar novamente o Govêrno por ter jugulado uma outra horrível revolução!

O orador não reviu.

O Sr. Domingos Leite Pereira: - Sr. Presidente: feita a comunicação pelo Sr. Presidente do Ministério de ter sido jugulado o movimento revolucionário da noite passada, cumpre-me felicitar o Govêrno e o país por êsse facto.

Sr. Presidente: a minha satisfação seria grande se estivesse convencido de que êste movimento revolucionário, restrito, de pouca expansão, fôsse, em todo o caso, o último, fechando o ciclo já longo de perturbações; mas, Sr. Presidente, infelizmente estou convencido e creio que está convencida a Câmara e o país de que não cessaram ainda os movimentos revolucionários em Portugal. Já foi acentuado aqui nesta Câmara que êsses movimentos revolucionários se tem reproduzido com uma grande facilidade, porque sempre que há um movimento revolucionário se segue um movimento de piedade, não piedade devida a vencidos, mas piedade que se concretiza em constantes amnistias que não são senão um estímulo a novas perturbações. Não é esta, evidentemente, a causa única das perturbações em Portugal.

Há uma causa mais profunda, mais grave e mais vasta: é a que resulta da falta de entendimento dos homens públicos em Portugal, da falta de acordo entre os partidos do regime em face dos grandes problemas nacionais, em face da necessidade de mudarmos de vida, de entrarmos num caminho que honre e prestigie a pátria e o regime.

Mas não são os monárquicos que nos podem acusar a nós por êstes constantes movimentos. Já ontem, ao usar da palavra sôbre o assunto dado para ordem do

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dia, tive ocasião de dizer que, quando a República se implantou, os monárquicos começaram a conspirar em países estranhos para invadir a nossa terra sob a protecção de autoridades e até certo ponto benevolência de Governos estrangeiros para virem derrubar o regime que tam prometedoramente se tinha implantado em 5 de Outubro. Ninguém pode atirar pedras aos telhados dos vizinhos dentro desta Câmara, seja qual fôr o partido em que milite. Mas lembremo-nos das responsabilidades assumidas; e, pelo menos, àqueles que têtn a obrigação de manter o regime e defendê-lo cumpre que satisfaçam inteiramente êsse dever.

Cumpre atentar, sobretudo nos problemas urgentes por cuja solução a nação espera ansiosamente; cumpre modificar a marcha dos destinos da República; cumpre que êste Parlamento que começa, necessário é dizê-lo, a preocupar a opinião pública em Portugal, não porque comece a trilhar um caminho que não eleve as instituições parlamentares, não porque todos os homens que se sentam nestas cadeiras não tenham, evidentemente, o maior desejo de servir o país, de se mostrarem portugueses em toda a extensão da palavra, mas, apenas, porque as lutas pequeninas que nos dividem têm ainda aqui tido, até agora, uma continuação do que no Parlamento anterior se passou durante o tempo que viveu, tome uma orientação à altura das exigências nacionais.

Há problemas instantes que reclamam solução. Exorto-o, Sr. Presidente da Câmara, a realmente estudar os problemas que deve, resolvendo-se a procurar um caminho diferente daquele que tem pisado até hoje.

Estamos no começo da nossa vida parlamentar - urge que não demos mais razão a censuras.

À perturbação revolucionária que esta noite ficou debelada - não nos iludamos-, não é senão um episódio, uma manifestação dum mal-estar que é preciso debelar. Cumpre-nos a nós contribuir fortemente para que êsse mal-estar se debele.

Neste momento revolucionário houve alguns factos que não podem deixar de ser postos em relevo pelo Parlamento da República. Quero, principalmente, referir-me a um oficial da Escola de Artilharia de Vendas Novas, tenente Delgado, que realmente marcou uma posição que não pode deixar de o impor ao nossa respeito e ao respeito da opinião pública resistindo, no cumprimento do seu dever militar, àqueles que, duma maneira absolutamente incompreensível, invadiram, sem nenhum risco, um quartel e uma escola de artilharia, conseguindo com uma facilidade inaudita, trazer atrás de si material e homens sem um objectivo.

À êsse tenente Delgado quero render a minha homenagem, certo de que interpreto os sentimentos de todos os que me escutam.

Não posso deixar de pôr em relêvo, mais uma vez ainda, que o exército e marinha de Portugal se revelaram absolutamente dispostos a impedir que as perturbações revolucionárias continuem; e faço; votos para que não deixem de assim proceder para o futuro no cumprimento do seu dever militar e no estabelecimento da tranquilidade de que o país tanto necessita.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pestana Júnior: - Tenho a impressão de que o Sr. Cunha Leal tinha pedido a palavra antes de mim.

O Sr. Cunha Leal: - Eu cedo-a em favor de V. Exa.

O Sr. Pestana Júnior: - Sr. Presidente : por não estar presente o ilustre leader do Grupo da Esquerda Democrática, e por incumbência dos meus colegas presentes, eu pedi a palavra a V. Exa.

Em serenas palavras vou referir-me ao que já se referiram o Sr. Presidente do Ministério, alguém por parte do Partido Nacionalista e parece-me da maioria desta Câmara.

Creio que não serão descabidas as minhas palavras neste momento.

Em Portugal é endémica a mania das revoluções - vive-se para as revoluções.

Mal sufocada uma, já novos elementos se reúnem. Sucede isto até com o Sr. António Maria da Silva no Poder.

O que é para lastimar é que, sufocada esta revolução, se profiram aqui palavras de agressão, palavras de violência para

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os vencidos, palavras de condenação da parte da maioria governamental que não faz mais que apoiar um Govêrno.

Sr. Presidente: há anos a esta parte que Portugal se balança entre interêsses mesquinhos.

Apoiados.

Apenas há a política de corrilhos.

Apoiados.

É isso que o povo não compreende, não entende. Não o compreendem os maus republicanos; e a todos nós, que o somos, nos envergonha êste estado de cousas, esta estagnação.

Apoiados.

Isto, como muito bem disse o Sr. Ramada Curto, é uma cousa idiota.

Isto tem o seu reflexo lá fora e assim já o Sr. Tardieu disse na Câmara Francesa...

Eu leio mesmo em francês.

Leu.

Não ficar abaixo de Portugal!

Assim anda a nossa honra nacional.

Como é mesquinho tudo isto, como é idiota tudo isto.

Já não há inteligência.

Ao entrar na Câmara, hoje, abeirou-se de mim um velho republicano da oposição nacionalista e disse-me: "Parece que não há conte da minha situação como em 1891!"

Êsse velho republicano de quem ninguém pode duvidar é o Sr. Aboim Inglês.

Sr. Presidente: houve um homem que todos nós conhecemos que conseguiu arrancar artilharia de um quartel disciplinado, onde oficiais vão receber instrução.

O povo não compreendo isto que se passa no Parlamento; e não se justifica a política do Govêrno.

Sr. Presidente: eu falo com um certo arreganho, porque não tenho nenhuma espécie de solidariedade (Apoiados) com a gente que fez a revolução (Apoiados), mas digo que não estou aqui nesta casa simples mento para apoiar o Govêrno. Estamos sim para oposição, mas criteriosa e sistemática.

Nunca entrei em revolução alguma, depois daquela que implantou a República em Portugal.

Nunca conspirei senão quando os governantes saíram das normas constitucionais; mas se amanhã me convencer do que devo conspirar, daqui declaro a V. Exas. que eu e os meus amigos estaremos vigilantes para que a Democracia não morra sufocada; porque, se ela tiver de morrer, morrerá connosco, que não queremos sobreviver a êsse golpe das liberdades públicas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: os portugueses nunca perdem a ocasião de demonstrar que são os homens mais alegres dêste mundo. - Talvez a sua alegria seja um pouco tristonha e superficial, um pouco de sobre posse; mas em todo o caso os portugueses capricham em mostrar que são pessoas alegres.

Ainda ontem tantos dos que aqui se encontram andavam a monte receosos pelas suas vidas. Dizia-me alguém que, tendo telefonado para as casas de cinco amigos políticos, verificou que nenhum deles se encontrava a dormir na sua residência. Tenho a convicção do que alguns dêsses amigos do meu amigo já hoje se riram e fizeram blague.

Salientou-se em especial na blague o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, que falou galantemente em apartes sôbre a ordem, em nome de trinta anos de desordem monárquica constitucional.

Com os pergaminhos que lhe vinham dêsses trinta anos do desordem constante, de pronunciamentos, da fabricação dos alferes da meia noite, S. Exa. riu da desordem republicana.

Eu compreendo que o meu querido amigo tivesse rido, porque, efectivamente, na desordem nós não chegamos sequer aos calcanhares dos monárquicos.

Entendo, todavia, que estas cousas têm do tomar-se a sério. Não é só nos momentos em que uma cidade inteira foge cheia de terror, procurando asilo e sem saber onde encontrá-lo, porque uma centena de desgraçados ameaça assaltar as residências dos cidadãos, não é só nestes momentos que precisamos de reflectir a sério sôbre o caso; é depois, também, quando temos que medir as consequências da desordem, as suas causas e o seu alcance.

Sr. Presidente: antes do entrar propriamente no exame dos acontecimentos que se desenrolaram durante dia e meio, próximo de Lisboa, eu quero, a propósito de

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atitudes do meu Partido e em especial a propósito da minha atitude, levantar duas acusações que porventura nos foram feitas.

Não preciso de reeditar que são altamente patrióticos os motivos que aos determinam a um afrouxamento de oposição para com êste Govêrno, o que não pode significar qualquer abdicação do papel que aqui representamos. Esta atitude foi defendida dentro do meu Partido por variadíssimas circunstâncias e explicadas claramente as razões íntimas e patrióticas dessa atitude.

No Parlamento anterior, a certa altura, constituiu se uma cousa que o Sr. Presidente desta Câmara classificou de uma forma pitoresca mas verdadeira, chamando-lhe um bloco de pedra solta.

Verificou-se que êsse bloco ia junto do então Presidente da República dizer que estava apto a governar, porque era maioria. Mas logo a seguir, derrubando Governos, êsse mesmo bloco demonstrava que não era maioria para apoiar a obra administrativa de qualquer Ministério.

Desse bloco, de quando em quando, desagregava-se um certo número de pedras que, juntas ao Partido Nacionalista, eram quanto bastava para derrubar a maioria.

O Partido Nacionalista representou durante algum tempo o papel de ajudar uma das partes do bloco contra a outra, sou que, todavia, fôsse chamado ao Poder após a queda dos Governos que tinha ajudado poderosamente a derrubar.

Eu, por mim, comecei a revoltar-me contra esta atitude. E vejam V. Exas. como as cousas neste mundo são apreciadas injustamente!

Quando se constituiu uma das fracções do bloco, tendo à sua frente o Sr. José Domingues dos Santos, fui procurado em minha casa por aquele senhor e pelos Srs. Pestana Júnior e Sá Pereira. Declarei-lhes que me sentia cansado desta vida estéril de derrubar Governos sem conseguirmos o objectivo que é, afinal, o de todos os Partidos: alcançar o Poder; mas que na hora em que eu estivesse convencido de que, por motivo porventura das combinações políticas ou de outra cousa, a sucessão nos estava assegurada, eu declararia ao Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos aquela guerra necessária para o derrubar em nome dos interêsses do meu Partido que eu julgava confundidos com os da nação.

E, àqueles que me acusam agora, pregunto apenas uma cousa: o que me foi dado em troca daquelas afirmações ao Sr.. José Domingues dos Santos? Absolutamente nada. Pois S. Exa. e os seus amigos devem avaliar da isenção com que agora procedo, lembrando-se de que, em troca daquilo que então lhes dei, nada pedi, absolutamente nada.

Apoiados.

Começou-se então a notar no meu Partido - e estou a falar a V. Exa. ai de cousas íntimas do meu Partido para que a, nação saiba dos motivos por que às vezes se determinam os Partidos, sempre no desejo de bem servir a Pátria e a República - no meu Partido começou-se a notar uma certa excitação.

Julgava-se a minha acção um pouco frouxa contra o Govêrno; pedia-se-me mais forte oposição; e eu declarei que a oposição se podia fazer de duas maneiras t ou de entrave absoluto à vida do Govêrno ou de fiscalização apenas. Quanto à primeira, disse, não estava para a fazer em vão, só pelo prazer de não ver caminhar o Govêrno, necessitado de umas muletas para se encostar; não a faria, emquanto não me dessem garantias, por combinações políticas ou por motivo de outra, ordem, de que o meu Partido sucederia no Poder ao Sr. José Domingues dos Santos. E eu era tam nobre - desculpem-me V. Exas. - nesta minha atitude quanto eu tinha afirmado nesta Câmara que emquanto fôsse Presidente da República o então Chefe de Estado eu não queria, sequer, ser Ministro!

Apoiados.

Um dia disseram-me: estão asseguradas as combinações políticas pelas quais o Partido Nacionalista tem forçosamente de subir ao Poder; e nesse dia nós fizemos aqui aquela oposição que impossibilitou o Sr. José Domingues dos Santos de caminhar, porque nós queríamos e queremos dar ao pais a medida da nossa capacidade administrativa, não tendo até agora, infelizmente, em relação às nossas atitudes, encontrado nos outros Partidos desejo de nos ajudar!

Apoiados da minoria nacionalista.

Cai o Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos; mas, ao contrário de todas as

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promessas feitas, o meu Partido não só não foi chamado ao Poder, como ainda - suprema bofetada!- lhe fizeram descortesias que o levaram a assumir uma atitude de absoluta incompatibilidade com o então Sr. Presidente da República. Saímos, como se sabe, do Parlamento, e só entrámos quando por vinganças mesquinhas o leader do Partido Nacionalista foi preso sem razão.

Andaram-se, efectivamente, a rebuscar informações do Sr. Martins Júnior para o meter na cadeia, e depois demitiram-no do lugar de reitor da Universidade, lugar pelo exercício do qual não recebia um vintém, como se fôsse um cão que se enxotasse, quando o Ministro da Instrução do tempo dissera que a sua nomeação tinha não só o consenso de todo o Govêrno, que era to$o democrático, como do alto corpo docente da Universidade que se tinha manifestado nesse sentido. Não era, portanto, um incapaz, nem um conspirador, que tinha sido preso então!

Prenderam-no por motivos que não quero saber. Todavia, os agravos vieram do Partido Democrático, e em paga o meu Partido continuou a defender ainda com mais entusiasmo a República, não fazendo guerra de morte àquele Partido, apesar de o reitor demitido não ter sido nomeado de novo, única reparação que era legítimo dar-lhe, mas que êle não aceita hoje porque está defendendo certos princípios, dentro desta Câmara, não para defender o Sr. António Maria da Silva, mas para defender a Pátria e a República.

Veio o actual Parlamento, constituindo Govêrno o Sr. António Maria da Silva. E eu não quero lembrar certos episódios bem significativos da queda de um outro Ministério a que presidiu o Sr. António Maria da Silva, contra o qual eu só acedi a dar o meu voto para o derrubar porque alguém do meu partido me assegurou que havia compromissos de outros lados da Câmara para se votar uma moção que obrigava a chamar ao Poder o Partido Nacionalista. V. Exas. sabem, contudo, como à última hora eu fui surpreendido, com o meu partido, por uma reviravolta que fez com que ficássemos na situação de intrujados perante um autêntico "conto do vigário".

Risos.

Mas veio o actual Govêrno, e V. Exas. sabem contra quem são as revoltas neste momento?

São contra nós pelo facto de não querermos mais uma vez ajudar outro a derrubar o Govêrno, indo para o Terreiro do Paço à espera do político, bem falante e bem pôsto que nos entregue a moção de desconfiança e de indicação para nós irmos ao Poder, mas que depois de votada é transformada por artes mágicas.

Isso não!

Havemos de derrubar os governos quando quisermos e não quando os outros quiserem.

Não conte mais ninguém connosco para derrubar o Sr. António Maria da Silva, a fim de ir para o Poder outro Govêrno democrático. Reputo o Partido Democrático cansado para governar, e, por isso, devendo dar lugar no Govêrno ao Partido Nacionalista, única forma de a situação dopais melhorar.

Apoiados.

Mas o nosso voto não está aqui para derrubar governos, para serem chamados outros, quando, demais a mais, nos chegam aos ouvidos os ecos de determinadas manobras que, porventura, teriam como conclusão final guindar às cadeiras do Poder os aventureiros que já aqui tiveram, nestas galerias, alguns conhecidos bombistas para forçar o nosso voto, em nome da liberdade e da democracia.

Apoiados.

Enganam-se aqueles que julgam que os nossos votos estão à disposição do primeiro oposicionista.

Os nossos votos são usados como nós queremos e de acordo com a nossa consciência.

As únicas pessoas a quem daremos conta das nossas atitudes são os nossos correligionários e o país. Mas não julguem V. Exas. que nos fazem deminuir a nossa actividade de oposição.

Isso, não.

Nós temos tido uma atitude de serena fiscalização, e continuarmos a dar ao Govêrno a nossa assistência, até o dia em que julgarmos útil mudar de orientação. E êsse dia só poderá ser aquele em que esta Câmara esteja tam desacreditada que o Chefe do Estado possa, dignamente, dar a dissolução a uma minoria. Por ora não a pode dar, porque ainda não decorreu o número de dias mínimo, nem a experiên-

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cia de três meses desacredita suficientemente um Parlamento.

Nós estamos esperando a nossa hora; e, neste intervalo, havemos do marcar as nossas posições, que hão-de ser guiadas pelos interêsses do país.

No momento em que todas as cobiças se lançam sôbre as nossas colónias não estando assim absolutamente assegurada a integridade do património nacional herdado da monarquia; na ocasião em que, porventura, se suspeita que as manobras de Angola e Metrópole tinham por fito criar interêsses estrangeiros na nossa província de Angola; e quando o crime sai das suas cavernas, nós não faremos nenhuma oposição violenta ao Govêrno do Sr. António Maria da Silva.

Damos-lhe isto de graça; e, em troca, pedimos-lhe apenas que trabalhe, que administre com competência, e que seja bem português na defesa do território nacional.

Damos-lhe um prazo de confiança; utilize-o nobremente.

Se assim não fizer, Sr. António Maria da Silva, ceda o seu lugar a outrem. E digo-lhe isto em voz alta, sem nunca lho ter dito em voz baixa.

Não é preciso andar a fazer combinações pelas cavernas.

O apoio que lhe damos não tem de no-lo agradecer, porque é ditado pela nossa qualidade de bons portugueses e do bons republicanos.

Damos-lhe um crédito do confiança; utilize-o. Se o não souber fazer, então bata no peito o mea culpa, e diga: com outro partido que venha governar". São V. Exas. que tem obrigação de dizer ao Sr. Presidente da República que é preciso que um outro partido governe, porque se mostra apto para tal.

Aludiu, também, o Sr. Ramada Curto a uma questão que vai sendo muito debatida e perante a qual entendo que o meu partido deve definir claramente a sua posição: a questão dos legionários.

De quando em quando o Sr. Ramada Curto agita aqui o espectro dos legionários; e eu pregunto, de uma vez para sempre, porque é que não se liquida esta questão.

Por que motivo não havemos de acabar com mais êste foco de desordem social?

Ouçam-se as razões, de parte a parte; e se a Câmara ficar convencida de que essas criaturas, como portugueses, merecem um pouco de piedade, do que os seus processos não estão convenientemente organizados, de que não foram presas com suficiente número de provas, a Câmara decerto julgará mal dos homens que deportaram outros homens em tais circunstâncias.

Como membro do meu partido, não me repugna declarar que não queremos que êsses homens fiquem indefinidamente presos sem que sejam julgados.

Que o sejam, mas acabe-se para sempre com êste espantalho!

Está anunciada uma interpelação sôbre o assunto e promete-se que nessa interpelação se demonstrará que foram praticadas injustiças.

O Partido Nacionalista declara que, se amanhã, por um pedido que aliás não faço, se quisesse transformar essa interpelação em negócio urgente, êle, que nunca tremeu ao dar o seu voto em quaisquer condições, ainda mesmo quando alguns legionários ocupavam as galerias desta sala e se dizia que ali se encontravam com as algibeiras cheias de bombas, daria o sou voto às moções que fossem apresentadas, com toda a altivez dos homens que não temem.

Esclareça-se a questão.

Não somos nós, Partido Conservador, os culpados de que ela não seja esclarecida.

Trazida aqui, acabaremos com a especulação daqueles que, afinal, apenas procuram fazer agitação política, sem obedecer aos ditames da sua consciência e do seu espírito jurídico.

Em àparte ao Sr. Ramada Curto.

O Orador: - Não é por insuficiência de inteligência de V. Exa. para compreender, mas por insuficiência minha para mo explicar, que V. Exa. tirou das minhas palavras essa conclusão.

Eu entendo que há duas questões fundamentais a discutir.

Primeira: por que foram presos êsses homens; que motivos de ordem social e política, superiores às vezes às pequenas necessidades de fórmulas, que motivos de alta defesa de uma scciedade que vivia sob o terror teriam levado os Governos

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a tomar uma certa posição, fora dos ditames normais da Constituição, para com êsses homens, e se, na verdade, teria havido uma certa leviandade na apreciação das provas, por virtude das quais alguns dêsses indivíduos foram deportados.

É esta a questão que interessa a V. Exa. o, realmente, é bom que se veja quais foram os motivos que determinaram a atitude dos Governos. Noto V. Exa. que o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães, que tomou a responsabilidade das deportações, foi o mesmo que me mandou prender a mim, o que, nem mesmo por isso, eu lhe conservo qualquer rancor ou lho virei a assacar culpas na hipótese de se demonstrar que as suas razões foram justas.

A segunda questão é esta: se o Govêrno quiser julgar êsses homens, nós, Partido Nacionalista, entenderemos muito bem que os julgue, visto que não há necessidade de os manter indefinidamente presos sem julgamento.

Apoiados.

Feitas estas considerações, entremos propriamente na apreciação do último movimento revolucionário.

Chamou-lhe o Sr. Ramada Curto - uma zaragata.

Se atendermos às suas pequenas proporções, foi, na verdade, uma simples zaragata; porém, as cousas em Portugal têm sempre dois aspectos diametralmente opostos e, assim, no último movimento uma fase foi a da zaragata, a outra poderia ter sido a da tragédia. Deitou-se a moeda ao ar: cruzes ou cunhos - zaragata ou tragédia...

Saiu zaragata - o país foi feliz e nós largámos a sorrir da zaragata. Saísse tragédia e, naturalmente, a sociedade portuguesa faria hoje uma das duas cousas que ela faz de costume: sorriria alvarmente ou choraria. Provavelmente choraria...

É certo que depois do 19 de Outubro, que constituiu uma lição, alguma cousa temos ganho.

O 19 do Outubro fez derramar sangue; e, pávido de terror, vendo o sangue a correr pelas ruas de Lisboa, vendo as portas do Arsenal tintas de sangue, o bom português tremeu, olhou para a sua consciência, examinando cada um as suas culpas, e teve horror pelo crime.

Não apareceu ninguém a defender os criminosos, apenas se tendo pedido que com êles se não confundissem inocentes.

O horror pelo crime foi tam grande na terra portuguesa que, do norte a sul, se espelhou em todos os rostos, em todos os corações houve uma vibração, um momento de emoção, em todos os olhos algumas lágrimas!

Mas, depois, alguns portugueses puseram-se a reflectir; e, então, por inconsciência de uns, por malvadez de outros principiou-se a fazer a apologia do crime o das camionnettes, criou-se aquilo a que nos cafés, à luz do próprio dia, se denominava - a necessidade da camionnette!

Que viesse a camionnette vingadora!

Que viesse o fuzilamento, com julgamento sumário, que nem ao menos tinha a intervenção de vários homens, porque nascia apenas na consciência de alguns degenerados!

Começou-se então a fazer a apologia do crime como uma necessidade social.

Desta Vez o crime não seria episódico- seria organizado. Todos vociferavam ódios. O crime ainda se não viu e por isso nós sorrimos.

Mas, Sr. Presidente, no dia em que o crime ficar vencedor, nós havemos de chorar como as mulheres em casa!

E, então, certas casas, hoje muito sérias, nos haveriam de vir a increpar-nos,, não em nome do crime, mas em nome da democracia, quando a democracia exclui todo o crime.

Quando as metas da liberdade nos levarem às ditaduras, nós havemos de conhecer muitos homens que hoje julgamos conhecer.

Êsse aspecto de resolução do crime é horrível; mas para que negá-lo se em alguns momentos o crime tem o apoio do poder!

Porque vêm as resoluções?

Porque o país é mal administrado, e porque todos nós temos procedido mal.

Eu confesso os meus erros; porque não confessam os senhores os seus!?

Então não é um crime um partido julgar que pode estar eternamente grudado ao poder?

Não é só aqui em Portugal que êstes factos se verificam. Na França, erros iguais e maiores se têm praticado; e ela

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hoje está muito abaixo de Portugal, sofrendo terríveis consequências.

A ambição das nações provocou uma guerra.

Previra-se que duraria seis meses e ela durou perto de cinco anos. As nações não estavam preparadas para a solução dos problemas de após a guerra; e, assim, a América afirma, cada vez mais, o seu poder em virtude da emigração do ouro.

A Europa, em vez de encontrar solução ipara os problemas em conjunto, procura apenas solucionar êste ou aquele problema, porque os seus homens são inferiores aos graves problemas.

Todos nós somos os culpados; e para dar remédio a êste grave momento só há duas soluções: a legal e a ilegal.

Para a primeira é necessário que todos os republicanos se entendam; e, se assim não fizerem, teremos a solução ilegal em que os canhões hão-de falar, pois falida a primeira não há outra forma de solucionar o problema.

Quando as coisas chegam a êsse ponto, evidentemente, falam os canhões, e nem de outra forma se pode encontrar solução para os problemas. Quando o Estado não se adapta na sua legislação e processos administrativos ao modo de ver intimo de um povo, êsses cataclismos revolucionários dão-se.

Mas qual é o perigo em Portugal?

Êsse perigo consiste em que a nação activa se mete dentro de casa, em que o país não se importa absolutamente nada com os bons ou maus políticos.

Tem por todos nós o mais absoluto deprêzo. Ela mete-se dentro de suas casas, não acode ao chamamento que os homens bem intencionados lhe fazem, e cada um, isolado, sem aquela fôrça que vem das grandes agregações humanas, da solidariedade colectiva, deixa o Estado entregue à mercê da actividade de meia dúzia de criminosos, de meia dúzia de loucos.

A situação é esta: governos incapazes, parlamentos incapazes. Não estejamos só a acusar os governos, o não dêmos todos os dias provas flagrantes da nossa incapacidade.

Do facto de cada um se meter em sua casa resulta que das actividades perniciosas de tantos indivíduos, que andam à superfície de Lisboa, Pôrto e outros grandes meios, advém um perigo enorme para a nação. Não é em nome da democracia que êles falam, mas em nome dos apetites.

Não é o ideal, a fé, que guia a maior parte dessas pessoas: é o desejo de se empregarem, como já fizeram outros revolucionários.

De repente - e vamos mais uma vez ao Angola e Metrópole - no meio desta sociedade assim constituída, surgiu o grande episódio do Angola e Metrópole.

Angola e Metrópole espalhou pelo país, dizem 90 mil contos de notas falsas. Em Portugal, não digo que haja 90 mil consciências prontas a vender-se por 90 mil contos, mas sempre se encontrará uma boa meia dúzia delas.

A questão do Angola e Metrópole veio convulsionar a sociedade, de repente, e viu-se que o Govêrno tomou a sério a repressão do crime, metendo na cadeia os burlões. E é neste momento, muito às escondidas, sem a natural repercussão que estas cousas têm no espírito geral, que se dá a eclosão de um movimento revolucionário, cujo principal fim era, parece, fuzilar os homens do Angola e Metrópole. Quere dizer, não há meio termo.

Como se explica isto? Não sei.

Eu dizia outro dia que desconfiava que na sombra se estava preparando uma revolução, por motivo do Angola e Metrópole. Estou convencido de que se a polícia espiolhar bem, há-de encontrar dinheiro do Angola e Metrópole dentro de alguns elementos dessa revolução.

Não explico o que é que neste momento, realmente, da parte do Govêrno pode ter determinado uma cólera tam súbita; e, sobretudo, mão afirmo que a parte sã do meu país possa ter qualquer cousa com êsse episódio revolucionário que teve por chefes os Srs. Martins Júnior e Lacerda de Almeida mascarado de major. Portanto, quando eu digo que não acredito que os homens que estiveram à frente da revolução foram impulsionados pelo dinheiro do Angola e Metrópole, não quero dizer que aquele dinheiro não tenha servido para a revolução. Não ofendo com isto os oficiais do exército, porque os oficiais briosos do exército português com certeza não iriam abrir as portas das cadeias, que foi a primeira cousa que fizeram os revolucionários ao chegar ao Seixal. Mas se há oficiais que acham bem aquele pro-

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sedimento, êles não são dignos de fazer parte do nosso exército!

Apoiados.

Se há, que embainhem as espadas, como disse o Sr. Ramada Curto, até serem julgados os criminosos. Guardem os oficiais portugueses toda a sua energia para a defesa da sua pátria, para aquele momento que entre a sua acção não se possam imiscuir aqueles homens que têm o punhal escondido dentro de si para anavalhar as pessoas de bem, tendo começado por lhes anavalhar a honra em vários jornalecos!

Guardem os oficiais a sua acção para momento mais oportuno, não sejam êles vitimas de um crime que não estava nas suas intenções cometer, mas de que foram culpados fazendo como Rolo nascer tempestades, quando as não deviam desencadear! Apelo para o exército português para que êle se ponha unicamente ao serviço da causa nacional, confundida com a causa da República, e para que, emquanto o castigo dos criminosos não se realizar, êles só desembainhem as suas espadas em serviço da ordem e da República.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: mal diria eu que me veria obrigado a usar da palavra sôbre êste assunto, depois de ter falado em nome dêste lado da Câmara o seu ilustre leader e meu amigo Sr. António Cabral.

Quis, porém, o Sr. Cunha Leal, meu adversário político, mas meu amigo pessoal, encontrar alguém que lhe servisse de tabela, para S. Exa. fazer algumas considerações relativas à política interna do seu partido; e nessas condições foi-me buscar a mim, não sendo, todavia, para agradecer a sua preferência.

Referiu-se S. Exa. a blagues que eu tinha feito neste debate, mas esqueceu-se de que foi o meu velho amigo Sr. Ramada Curto quem mais blagues fez. Entretanto, S. Exa. quis fazer uma larga história de qual tem sido a sua atitude dentro da minoria nacionalista em face dos Governos democráticos, para demonstrar que não tem tido determinadas responsabilidades, e foi buscar a minha pessoa para o caso.

Mas, Sr. Presidente, não é a essa parte das considerações do Sr. Cunha Leal que tenho de responder porque a ela responderão decerto, senão nesta Câmara pelo menos no Centro Nacionalista, os correligionários de S. Exa. mais directamente visados pelas suas considerações. Não costumo meter-me em questões de partidos a que não pertenço.

Interrupção do Sr. Cunha Leal que não se ouviu.

O Orador: - V. Exa. incapaz como é de fazer blague num debate desta ordem acaba de mostrar um desejo sincero de que El-Rei D. Manuel esteja entendido com D. Duarte Nuno, e isso dá-me a esperança de que V. Exa., dentro em breve, será um bom e autêntico monárquico.

Risos.

Sr. Presidente: se alguma vez nesta casa do Parlamento se têm dito profundas verdades, sem dúvida isso tem sucedido hoje.

O que é que nós temos estado a ouvir hoje nesta casa a todos os Srs. Deputados republicanos que têm usado da palavra?

Temos estado a ouvir a justificação do movimento revolucionário que se deu ontem.

Reconheceu o Sr. Cunha Leal, como todos os Srs. Deputados republicanos, que há razões fundas de descontentamento no país contra o caminho que leva a administração pública. Reconheceram S. Exas. que a obra que tem sido levada a cabo pelos partidos da República não tem correspondido de nenhuma maneira ao que têm prometido aos ingénuos que os acreditaram e ^que ontem vieram para rua, num protesto contra a maneira como têm sido cumpridas as promessas feitas.

Não se truta de correligionários meus, trata-se, pelo contrário de pessoas que têm hostilizado os monárquicos; mas não esqueço nem êste lado da Câmara esquece que se trata de vencidos, e que vencidos não se tratam com acusações que lhe vão bulir na sua honra como hoje já aqui foi feito.

Sr. Presidente: apenas em dois minutos quero dizer ao Sr. Cunha Leal que não fiz blague e que S. Exa. veio hoje justificar a esta Câmara, pelas considerações que formulou, que teremos de continuar nesta constante atmosfera de revo-

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luções, nesta constante ameaça de perturbações para o dia de amanhã, porque, se oiharmos a quais as razões que levam para a rua êsses revolucionários, nós vemos, e S. Exa. o afirmou, que elas resultam, como disse ainda o Sr. Ramada Curto, de não ser ouvida dentro desta casa a voz do país, de estarem os homens da República inteiramente divorciados da opinião pública, preocupando-se apenas com as combinações políticas feitas pelos dois partidos da República.

O que veio o Sr. Cunha Leal afirmar?

Veio afirmar-nos que o Partido Nacionalista não entrará numa fase de oposição ao Govêrno até que o Partido Democrático entenda, voluntariamente, entregar-lhe o Poder. Quere isto dizer que dentro dos partidos republicanos não tem, não pode ter, influência alguma o eco dos protestos da opinião pública lá fora. Não são essas reclamações e protestos da opinião pública que levam o Partido Nacionalista, partido que devia ser de oposição ao Govêrno, a tomar essa atitude. Pelo contrário, S. Exa. entende, e é muito de respeitar a sua opinião conquanto não seja justificável, que o Partido Nacionalista deve continuar na mesma atitude de apoio ao actual Govêrno até que o Sr. António Maria da Silva entenda dar-lhe de presente o Poder.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Porque é que V. Exa. não ataca o Govêrno e está atacando o Partido Nacionalista?

O Orador: - O meu desejo é que lá fora se saiba qual a atitude de V. Exas. que se dizem oposição ao Govêrno, e que essa atitude não é devida ao facto de o Govêrno andar bem, mas porque, com disse o Sr. Cunha Leal, entende dever fazer oposição ao Partido Democrático no dia em que êsse partido entender dever dar-lhes o Poder.

Sr. Presidente: gostava de saber se o Sr. Cunha Leal entende razoável que nesta altura do ano não tenha ainda o Govêrno trazido aqui uma única proposta relativa aos tabacos, facto que eu considero um crime.

Apoiados.

Pregunto se há alguma cousa que justifique que o Partido Nacionalista se mantenha na mesma atitude benévola para com o Govêrno até, porventura, acabar o prazo dos tabacos sem que o Governo* até agora haja trazido qualquer proposta relativa a êsse assunto.

Onde fica a atitude dêsse partido republicano perante o alto interêsse nacional de que ninguém tem o direito de se esquecer?

Onde é que se pode encontrar justificação para o Partido Nacionalista continuar a apoiar o Govêrno em face do perigo* que ameaça as nossas colónias, continuando de braços cruzados em frente da situação aflitiva que elas atravessam?

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que pediu a palavra simplesmente para explicações.

O Orador: - Em tais condições, quero frisar que de forma alguma fiz blague e que o episódio revolucionário de ontem não foi senão uma das muitas manifestações de revolta da opinião pública contra a marcha das cousas do Estado.

Ditas estas palavras, eu não quero mais. cansar a atenção da Câmara, nem a do meu querido amigo Sr. Vasconcelos e Sá. Faço votos por que a minoria nacionalista, esquecendo as promessas de apoio ao Govêrno, não esqueça a magna questão dos tabacos, a das colónias, não esqueça a vida de angústia e privações que passa a população do país, pedindo e instando por um Govêrno nacional e não partidário, por um Govêrno que não venha para ali para ter entendimentos com as outras facções. Faço votos por que, se o Partido Nacionalista fôr ao Poder, não vá para o Governo para fazer conluios com o Partido Democrático, como agora se fazem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - V. Exa. não é justo nessas palavras. V. Exa. esquece que logo no princípio da sessão legislativa daqui se apresentou uma nota de interpelação ao Govêrno sôbre o regime bancário no ultramar. E além disso...

O Sr. Carvalho da Silva: - Eu acredito nas afirmações de V. Exa. Só não acredito é que o Partido Nacionalista vá ao Poder.

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O Sr. Vasconcelos e Sá: - É muito dificil estando V. Exa. a fazer oposição ao partido e não a êste Govêrno.

Trava-se diálogo entre o Sr. Carvalho da Silva e o Sr. Vasconcelos e Sá.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente : nesta altura do debate desejo dizer poucas palavras, apenas para exprimir a nossa opinião sôbre o último movimento revolucionário.

Principiarei por me congratular com o facto de ter sido restabelecida tam prontamente a ordem.

Em segundo lugar quero lamentar as vítimas e prestar homenagem à memória daquelas que souberam defender os princípios da disciplina até o ponto de sacrificarem a própria vida.

Sr. Presidente: nós esquecemos, muitas vezes, o valor dos actos de heroísmo desta natureza e nem sempre os temos na consideração que merecem.

É justíssimo louvá-los porque êles servem de exemplo, numa hora e num Estado em que a indisciplina, tam fàcilmente se gera, em que a convulsão social tam fàcilmente se acende, como na nossa sociedade em decadência.

Escusado será dizer que condenamos êste movimento revolucionário, como temos condenado sempre todos os outros. Embora muitas vezes, animados das melhores intenções, com um programa de realizações muito apreciáveis, os revolucionários, na convulsão social a que dão motivo, não conseguem obstar a que, à sua sombra, se pratiquem crimes os mais horrorosos, tornando os assim, embora indirectamente, responsáveis pelo sucedido.

Não acreditamos, Sr. Presidente, na eficácia dos movimentos revolucionários que não tenham, pelo menos, uma propaganda anterior, activamente feita e da qual êles sejam o natural complemento. Nem assim os defenderíamos, mas poderiam ter uma certa justificação.

Nos movimentos revolucionários de qualquer ordem política que se têm feito nesta última dezena de anos, em Portugal, nenhum deles correspondeu àquilo que deles se esperava e de todos êles tem saído apenas uma cavadela a mais na indisciplina e na convulsão social em que se debate a sociedade portuguesa.

Condenamos êste, como ternos condenado todos os outros; e se alguém tem autoridade para os condenar somos nós.

Não fazemos, Sr. Presidente, distinções em movimentos revolucionários, pois a verdade é que os condenamos todos.

Para terminar, Sr. Presidente, e para não repetir considerações que já foram, feitas por outros oradores, com as quais estamos de acordo, eu quero apenas salientar uma das considerações feitas na brilhante discussão do ilustre Deputado o Sr. Cunha Leal, e é de que a culpa não é só dos revolucionários que fazem êstes movimentos de perturbação; a culpa é v também umas vezes directa, outras vezes indirectamente, daqueles que hoje preparam o ambiente para essas revoluções, ambiente êsse que é preparada umas vezes pelos maus actos de administração dos governos, outras vezes pela facilidade com que se permitem certas propagandas subversivas.

E para êste ponto que desejo chamar a atenção do Govêrno, pois a verdade é que não basta sofucar as revoluções.

O valor da acção do Poder Executivo, dos governos, é providenciar e impedir que elas venham para a rua.

E só se pode impedir que elas venham, para a rua não permitindo, até certo ponto, certas propagandas subversivas.

Na verdade, Sr. Presidente, uma das culpas principais dos governos é realmente permitirem quantas vezes essas propagandas subversivas, que na realidade proporcionam o ambiente para êsses actos revolucionários.

Espero, portanto, Sr. Presidente, que a Poder Executivo, impedindo a continuação de propagandas subversivas, consiga restabelecer a ordem, não apenas no país, mas sobretudo nos espíritos e nas consciências, sem o que não terminará o século das revoluções, que já vai longo em Portugal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: vários oradores usaram da palavra sôbre as declarações que eu tive a honra de fazer à Câmara.

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Iniciou o debate o Sr. António Cabral, que reconheceu, em seu dizer, que eu não tinha autoridade moral para reprimir um movimento revolucionário, porquanto tinha intervindo em muitas revoluções adentro da República. Quere dizer: no entender de S. Exa. todas as pessoas que se revoltem contra as ditaduras, todas as pessoas que se mostrem constitucionalistas adentro do regime vigente, todas as pessoas que tenham contribuído um pouco - e creio que isso não me contesta S. Exa. nem ninguém - para a implantação da República, não têm autoridade moral para reprimir os actos de tresloucados e energúmenos.

S. Exa. apressou-se a declarar que os seus adeptos não tinham qualquer responsabilidade nos desmandos praticados. Não vale a pena, pois, retorquir a S. Exa. - isto sem o mais leve desprimor - porque, em geral, é inútil retorquir aos Srs. Deputados monárquicos, porque S. Exas. dizem sempre a mesma cousa, atacam sempre pelos mesmos vícios, exactamente pela posição política que ocupam.

Seguiu-se-lhe o Sr. Ramada Curto, que estranhou o estado endémico da sociedade portuguesa, em que se vê a ordem pública perturbada a cada momento.

S. Exa. atribui êsse estado de cousas, não àquilo a que devia atribuí-lo, mas ao modo como se exerce a acção governativa.

Êste Govêrno - e principalmente a pessoa do seu Presidente - não tem - no dizer de S. Exa. - ideologia. Era um Govêrno que agia sem a acção colaboradora, do Parlamento; era um Govêrno estéril - na opinião de S. Exa.

Ora eu não costumo entreter a minha acção ministerial a dominar zaragatas; mas tendo, como tenho, as responsabilidades do Poder e até mesmo quando me encontro fora dele, auxiliando quem governa, cumpro o elementar dever de procurar afastar da sociedade portuguesa todos os elementos que a perturbam.

Disse depois o ilustre parlamentar Sr. Cunha Leal e muito bem, definindo determinadas directrizes políticas, que os homens públicos não precisam de fazer conchavos, de andar por esconderijos para se conjugarem numa acção dignificadora do regime e do País em que vivemos.

Não podia pedir ao ilustre Deputado Sr. Cunha Leal uma posição diferente daquela que tomou no debate; mas, embora S. Exa. dissesse que não era para agradecer, não posso deixar passar em julgado nem o seu discurso de hoje, nem o da última sessão a que eu não pude, infelizmente, assistir.

Na hora que passa é indiferente, quem se encontra nesta cadeira, desde que seja um governo republicano. É uma hora difícil esta que atravessamos e perturbar a ordem é impossibilitar a acção judicial de forma a que não se averigúe a verdade num caso que interessa fundamentalmente à vida do País.

Pode-se pois lá admitir que da parte da minoria monárquica, todos os dias nos cansem, como vulgarmente se diz, os bichos dos ouvidos, porque ficam impunes certos crimes, e, que no momento em que o Govêrno pretende castigar os que agora se praticaram, nos digam que nós. pelo facto de sermos republicanos, não cumprimos integralmente o nosso dever?

Porventura é maneira de apurar as culpas de quem quer que seja deminuindo a acção de funcionários dedicados?

Pois então, é no momento em que se lança um repto ao regime republicano, que exactamente só pretende perturbar a marcha dêsse mesmo regime, dando aos monárquicos a idea de que era preciso proceder assim para que os criminosos fossem punidos?

Pode-se lá admitir que energúmenos se levantem neste País, levando atrás de si meia dúzia de soldados, e, apoderando-se de instrumentos do Estado, que só podem e devem ser empregados em serviço da Nação?

Pois então a maneira de depurar um regime é praticar actos como êste, fazendo sucumbir mulheres e crianças?

Eu já sabia, quando vim para estas cadeiras com êstes meus ilustres companheiros, que havíamos de ser abocanhados a breve trecho, e que as feras haviam de rosnar da nossa acção, impedindo, ou tentando impedir que se dêsse, realmente, ao País, um exemplo de depuração moral nesta Sociedade.

Alguns julgam-mo imbecil a tal ponto que eu não pensasse, antes de aceitar a incumbência que me foi confiada pelo ilustre Presidente da República, por indi-

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cação do Directório do meu Partido, que se premeditava um crime da natureza dêste.

Eu disse uma vez a um juiz: - o senhor é juiz, tem uma responsabilidade diferente da minha, porque eu sou político.

Não tenho dúvida alguma de que andam à solta criaturas que de há muito deviam estar na cadeia, e que armam em críticos.

Há pessoas que dão dinheiro para movimentos revolucionários.

Numa cidade destas, 90:000 contos à solta representam realmente muita cousa para muita gente.

Eu sei também que há políticos que, muitas vezes, precisam, para manter a sua coterie, de falar dos esfarrapadinhos.

Esperemos, porque eu tenho muito tempo para esperar.

Durante toda a minha vida política nunca interpelei ninguém sem saber o que lhes queria preguntar.

Eu sabia que havia de ter dificuldades, que uma parte de alguns políticos haviam de procurar apagar a minha acção a fim de me deminuírem.

Viu acaso V. Exa., viu-o a Câmara, que se tivesse levantado tanta gente quando se constatava que alguém que dirigia investigações o fazia por maneira injurídica e que nada tinha de honesto sob o ponto do vista das averiguações?

Acaso êstes depuradores da sociedade que agora nos apareceram se importaram com a acção dêsse juiz? Não!

Mas quando as cousas entram num caminho de realidades proveitosas para a defesa do nosso crédito e da nossa dignidade, aparece um homem ou um grupo de homens que vão a uma Escola Militar toma-la de assalto e apossar-se de material e de soldados para fazerem uma revolução.

Êsses homens incluíam no seu tenebroso plano, como fim principal, cortar a cabeça dos Ministros dos seis últimos Ministério !

Era preciso fuzilar os autênticos homens do Metrópole e os outros... ficariam na cadeia à espera da banda das três ordens, até que lhes dessem o destino que êles deram aos presos do Seixal.

Risos

Então a êstes homens dão-se foros de cidade?!

Então a êstes bandidos há jornais* que os entrevistam e os tratam como políticos?!

Fique sabendo esta gente que ou me mandará para a Morgue ou, não me vencendo, me encontrarão irredutível, como tenho obrigação de o ser. Como disse o Sr. Cunha Leal, é chegada a hora de nós, todos unidos e congraçados, reduzirmos a nada esta tentativa de feras.

Não se trata de uma mera zaragata.

Martins Júnior, de bordo do um navio, escreveu a alguém o seguinte:

Leu.

Ora aqui têm V. Exas. a simples zaragata e o que êle pensa da prisão. Já está aborrecido da maneira como o tratou o Sr. Ministro da Marinha, que o meteu num navio onde está gente honesta quando êle procurava a cabeça dos seus vencedores!

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Domingos Pereira: - V. Exa. pode informar-me a que horas termina o período destinado à ordem do dia?

O Sr. Presidente: - Às 19 horas e 10 minutos.

O Orador: - Já ontem fui interrompido nas minhas considerações por motivos da ordem pública.

Hoje novamente outro assunto se intercalou por forma a ter apenas alguns minutos para usar da palavra. Nestas condições, se V. Exa. assim o entendesse e a Câmara, ficaria com a palavra reservada.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Pedido de rectificação

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Rogo a V. Exa. se digne mandar rectificar o ofício dirigido ao Sr.

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24 Diário da Câmara dos Deputados

Ministro da Guerra, em consequência do meu requerimento de 26 de Janeiro findo, onde se diz: "relatório sumário das declarações", devia dizer-se: "relatório sumário das modificações". (B. O. C. n.° 32).

Sala das Sessões, 2 de Fevereiro de 1926. - Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados os seguintes mapas, indicando o número de oficiais do activo, por quadros e postos:

1.° Em serviço nas tropas;

2.° Em comissão no Ministério da Guerra e no estado maior do exército;

3.° Em comissão nas escolas de aplicação;

4.° Em comissão nas outras escolas (por escolas);

5.° Por outras comissões;

6.° No estado maior sem comissão;

7.° Adidos prestando serviço noutros Ministérios;

8.° Em outras situações.

A soma dêstes quadros deverá indicar o número total de oficiais pertencentes ao activo, existentes na data a que os mapas forem referidos". - Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados os documentos seguintes:

Balanço da última gerência;

Mapa do pessoal militar por postos;

Mapa do pessoal civil por categorias;

Indicações acerca do movimento e propostas tendentes a conseguir maior eficiência.

Êstes documentos referem-se aos estabelecimentos seguintes:

Arsenal do Exército (por fábricas);

Manutenção Militar (sede e filiais);

Depósito Central de Fardamentos;

Parque de Automóveis Militares;

Serviços Gráficos do Exército;

Farmácia Central do Eixército;

Por que de Material Aeronáutico.

Indicação da legislação em vigor (Ordem do Exército onde tem sido publicada). - Henrique Pires Monteiro.

Expeça-se.

Projectos de lei

Do Sr. João Luís Ricardo, considerando nulos e sem efeito os decretos n.ºs 11:267, 11:336 e 11:246, de 25 de Novembro, 10 e 9 de Dezembro de 1925.

Para a comissão de trabalho.

Dos Srs. Abel Teixeira Pinto e Manuel Serras, transferindo para o lugar de Ribafria a sede da freguesia de Palhacana, do concelho de Alenquer.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Alfredo de Sousa, autorizando a Câmara Municipal de Penalva do Castelo a vender os baldios que julgue dispensáveis ao uso e logradouro comum, dos povos das respectivas freguesias e a aplicar o, produto em obras de viação.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Rafael Ribeiro, mandando vender no prazo de noventa dias, a contar desta lei, os automóveis, motocicletas e bicicletas, garages e oficinas congéneres que pertençam ao Estado e a quaisquer serviços autónomos.

Para o "Diário do Governo".

Propostas de lei

Do Sr. Ministro da Marinha, concedendo designadas gratificações diárias ao pessoal do serviço de submersíveis.

Para o "Diário do Governo".

Do mesmo, autorizando o Govêrno a negociar e assinar acordos ou convenções com governos estrangeiros sôbre reciprocidade de reconhecimento de legislação marítima.

Para o "Diário do Governo".

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 12-MM, considerando os oficiais de diligências das administrações de concelhos como empregados das secretarias dessas administrações.

Para a comissão de finanças.

Da mesma, sôbre o n.° 5-C, restaurando o antigo concelho de Palmela.

Para a comissão de finanças.

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Sessão de 3 de Fevereiro de 1926 25

Da comissão de marinha, sôbre o n.° 6-A, que concede a pensão anual de 48$ ao segundo sargento reformado da armada José Maria Vivo.

Para a comissão de finanças.

Constituição de comissão

Previdência social:

Presidente - João Luís Ricardo.
Secretário - Adolfo de Sousa Brasão.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - João Saraiva.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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