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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO CONGRESSO

EM 10 DE MARÇO DE 1916

Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto

Secretários os Ex,mo' Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira José Pais de Vasconcelos Àbranches

Sumário.—E aberta a sessão com a presença de 184 Srs. Congressistas. O Sr. Presidente declara que se encontra no edifício do Congresso o Sr. Presidente da República e nomeia uma comissão para acompanhar S. Exf à tribuna. Apro-va-se a acía, sem discussão. É lido o expediente. Dá entrada na tribuna o Sr. Presidente da Republica. Estão presentes todos os membros do Governo.

Ordem do dia. — Lê-se na Mesa o decreto de convocação do Congresso. O Sr. Presidente do Ministério (Afonso Costa) diz que o Poder Executivo convocou esta reunião extraordinária do Congresso, em sessão conjunta das duas Câmaras, para expor o estado da nossa situação internacional. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Soares) sobe à tribuna e procede à leitura de documentos em que essa situação é largamente exposta. Volta a falar o Sr. Presidente do Ministério, que termina as suas considerações mandando para a Mesa uma proposta de resolução em que se conferem ao Poder Executivo todas as faculdades necessárias ao estado de guerra com a Alemanha, nos termos do artigo 26.°, n." 14.°, da Constituição. O discurso de S. Ex.a foi cortado frequentemente de aplausos calorosos da Câmara, aos quais se associavam, com vibrantes salvas de pai-mas, os assistentes das galerias. O Sr. Alexandre Braga justifica uma moção apoiando o procedimento do Governo e reconhecendo a oportunidade da formação dum Governo Nacional. A Câmara e as galerias aplaudem com entusiasmo as palavras do orador. O Sr. António José de Almeida declara que o Partido Evolucionista aprova a política seguida pelo Governo na questão com a Alemanha e faz votos pela união sagrada de todos os portugueses. O seu discurso foi cortado muitas vezes por apoiados da Câmara e por calorosas salvas de palmas das galerias. O Sr. Brito Camacho diz que Portugal não podia deixar de fazer a requisição dos navios alemães, desde que a Inglaterra,

nossa aliada, a solicitava. Concorda com a formação dum G-ovêrno Nacional. O Sr. Costa Júnior manda para a Mesa uma declaração em que se define a orientação do Partido Socialista na presente conjuntura. São aprovadas, por unanimidade, a moção do Sr. Alexandre Rraga e a proposta de resolução do Sr. Presidente do Ministério. Novos e prolongados aplausos da Câmara e das galerias, erguendo-se vivas à República, à Pátria e à guerra.

Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. António Macieira propõe uma saudação a todos os representantes no nosto país das nações aliadas. É calorosamente apoiado pelos Srs. Congressistas e assistentes das galerias, que se voltam todos na direcção da tribuna diplomática, dando palmas e vivas. Encontram-se nessa tribuna os Srs. E. Daeschner, Ministro da França; Lancelot Car-negie, Ministro da Inglaterra; Botcldne, Ministro da Rússia; Lê Ghait, Ministro da Bélgica; Ramos Monteiro, Ministro do Uruguay; Dr. Planas Suarez, Ministro da Venezuela; Ricoti, Ministro de Cuba; E. Kock, Ministro da Itália; Gozzera, secretário da legação de Itália; Lazare de Mon-tile, secretário da legação da França; Gajan, encarregado dos negócios da República Argentina. O Sr. Presidente da República é também saudado com entusiásticos vivas e palmas, tanto dos Srs. Congressistas como das galerias, onde se desfralda uma bandeira nacional, entre prolongadas aclamações. O Sr. Presidente encerra a sessão, conservando-se ainda na saía, durante algum tempo, o mesmo vibrante entusiasmo.

Abertura da sessão: — Às 16 horas e 55 minutos.

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Diário das Sessões do Congresso

São os seguintes:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Agostinho José Fortes.

Alberto Carlos da Silveira.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amaro de Azevedo Gomes.

António Alves de Oliveira Júnior.

António Augusto de Almeida Arez.

António Joaquim de Sousa Júnior.

António José Gonçalves Pereira.

António José Lourinho.

António Maria Baptista.

António Maria da Silva Barreto.

António da Silva G-ouveia.

António Xavier Correia Barreto.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Augusto Cymbron Borges de Soisa.

Augusto de Vera Cruz.

Bernardo Pais de Almeida.

Carlos Richter.

Celestino Germano Pais de Almeida.

Daniel José Rodrigues.

Elísio Pinto de Almeida e Castro.

Faustino da Fonseca.

Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Francisco de Pina Esteves Lopes.

Francisco Vicente Ramos.

Herculano Jorge Galhardo.

Jerónimo de Matos Ribeiro dos Santos.

João Duarte de Meneses.

João Maria da Costa.

João Ortigào Peres.

Joaquim José de Sousa Fernandes.

José Afonso Baeta Neves.

José António Arantes Pedroso.

José de Castro.

José Eduardo de Calca e Pina de Câmara Manuel. -

José Estêvão de Vasconcelos.

José Guilherme Pereira Barreiros.

José Lino Lourenço Serro.

José Machado de Serpa.

José Maria Pereira.

José Pais de Vasconcelos Abranshes.

José Tomás da Fonseca.

Luis António de Vasconcelos Dias.

Luís da Câmara Leme.

Luís Filipe da Mata.

Luís Fortunato da Fonseca.

Luís Inoeêneio de Ramos Pereira.

Manuel Gaspar de Lemos.

Manuel Soares de Melo e Simas.

Pedro do Amaral Boto Machado.

Simão José.

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores qive entraram durante a sessão:

Frederico António Ferreira de Simas.

Joaquim Pedro Martins.

Leão Magno Azedo.

Ricardo Pais Gomes.

Rodrigo Guerra Alvares Cabral. >

Srs. Senadores que não compareceram à sessão :

Alfredo José Durão. António Campos.

António José da Silva Gonçalves. Augusto César de Vasconcelos Correia. Caetano José de Sousa Madureira e Castro.

Duarte Leite Pereira da Silva. João Lopes da Silva Martins Júnior. Joaquim Leão Nogueira Meireles. Júlio Ernesto de Lima Ducue. Porfírio Teixeira Rebelo. Remígio António Gil Spínola Barreto.

Presenteia chamada—132 Srs. Deputado*.

Abílio Correia da Silva Marcai.

Abraão Maurício de Carvalho.

Adelino de Oliveira Pinto Furtado.

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.

Afonso Augusto da Costa.

Alberto de Moura Pinto.

Albino Pimenta de Aguiar.

Albino Vieira da Rocha.

Alexandre Braga.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Maria Ladeira.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Alfredo Soares.

jíUvaro Poppe.

Amadeu Monjardirio.

Amândio Oscar da Cruz e Sousa.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Amílcar da Silva Ramada Curto.

Angelo Vaz.

Aníbal Lúcio, de Azevedo.

António Alberto Charula Pessanha.

.António Albino Carvalho Mourão.

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Sessão de 10 de Março de. 1916

António Augusto Fernandes Rego.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Barroso Pereira Vitorino.

António Caetano Celorico Gil.

António Caetano Macieira Júnior.

António Correia Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António José de Almeida.

António Maria da Cunha Marques da Costa.

António Maria Malva do Vale.

António Marques das Neves Mantas.

António Medeiros Franco.

António Miguel de Sousa Fernandes.

António de Paiva Gomes.

António Vicente Marcai Martins Portugal.

Armando da Gama Ochoa.

Artur Augusto da Costa.

Artur Duarte de Almeida Leitão.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto José Vieira.

Augusto Luís Vieira Soares.

Augusto Pereira Nobre.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bernardo de Almeida Lucas.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Casimiro Rodrigues de Sá.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos da Cruz.

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Domingos Leite Pereira.

Eduardo Alberto Lima Basto.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Eduardo Augusto de Almeida.

Ernesto Jardim de Vilhena.

Ernesto Júlio Navarro.

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco Alberto da Costa Cabral.

Francisco Coelho do Amaral Reis (Pe-dralva).

Francisco da Cruz.

Francisco José Fernandes Costa.

Francisco José Pereira.

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco de Sales Ramos da Costa.

Francisco Xavier Pires Trancoso.

Gastão Correia Mendes.

Gastão Rafael Rodrigues.

Germano Lopes Martins.

Guilherme Nunes Godinho.

Helder Armando dos Santos Ribeiro.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

ílermano José de Medeiros.

Jaime Daniel Leote do Rego.

Jaime Zuzarte Cortesão.

João Baptista da Silva.

João Barreira.

João de Barros.

João Cabral de Castro.

João Carlos de Melo Barreto.

João Catanho de Meneses.

João Crisóstomo Antunes.

João de Deus Ramos.

João Elísio Ferreira Sucena.

João Gonçalves.

João José da Conceição Camoesas.

João Lopes Soares.

João Luís Ricardo.

João Pedro de Sousa.

João Pereira Bastos.

João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Alfredo Mendes de Magalhães.

José António da Costa Júnior.

José António Simões Raposo Júnior.

José Augusto Simas Machado.

José Barbosa.

José de Barros Mendes de Abreu.

José Bessa de Carvalho.

José Botelho de Carvalho Araújo.

José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.

José Mendes Cabeçadas Júnior.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

Júlio do Patrocínio Martins. '

Levi Marques da Costa.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho. *

Luís Carlos Guedes Derouet.

Manuel Augusto Granjo.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel da Costa Dias.

Manuel Joaquim Rodrigues Monteiro.

Manuel Martins Cardoso.

Mariano Martins. • Pedro Alfredo de Morais Rosa.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira. . Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Raimundo Enes Meira.

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Diário das Sessões do Congresso

Sérgio da Cunha Tarouca.

Tomás de Sousa Rosa.

Urbano Kodrigues.

Vasco Guedes de Vasconcelos.

Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

Vitorino Máximo de Carvalho G-uima-

Entraram durante a sessão os Srs.:

António Maria da Silva. João José Luís Damas. José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Alberto Xavier.

Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.

António de Almeida Garrett.

António Augusto de Castro Meireles.

António Cândido Pires de Vasconcelos.

António Firmo de Azeredo Antas.

António Maria Pereira Júnior.

António Pires de Carvalho.

Armando Marques Guedes.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Diogo João Mascarenhas de Marreiros ííeto.

Francisco Correia Herédia (Ribeira JBrava).

Francisco de Sousa Dias.

Gaudôncio Pires de Campos.

João Canava.rro Crispiniano da Fonseca.

João Tamagnini de Sousa Barbosa.

José Augusto Pereira.

José de Freitas Ribeiro.

José Maria Gomes.

Luís de Brito Guimarães.

Manuel Firmino da Costa.

Manuel Gregório Pestana Júnior.

Vitorino Henriques Godinho.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente : — Estão presentes 184 Srs. Congressistas. Está aberta a sessão.

Encontra-se no edifício do Congresso 8. Ex.a o Sr. Presidente da Republica. Interpretando o sentir do Congresso, nomeio uma comissão composta dos Srs. Ce-

lestino de Almeida, João Duarte de Meneses, Filipe da Mata, Germano Martins, Simas Machado, Aresta Branco e Leão de Meireles, para convidar S. Ex.a a assistir á nossa sessão.

Deu entrada na tribuna presidencial e tomou assento S. Ex.a o Sr. Presidente da República, tendo sido acompanhado pela comissão nomeada pelo Congresso.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à leitura da acta da última sessão. Leu~se. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como não há reclamação, considera-se aprovada. Deu-se conta do seguinte

Expediente

Oficio

Ex.m) Sr. Presidente do Congresso.— Para o fim conveniente, comunico a V. Ex.a que S. Ex.a o Presidente da República vai assistir à sessão de hoje do Congresso da República.

Saúde e Fraternidade.

A S. Ex.a o Presidente do Congresso.— Belém, 10 de Março de 1916.— O Secretário Geral, Carlos Maia Pinto.

Para a Secretaria.

Telegramas

Porto, 10.— Impossível comparecer motivo doença. Peço Câmara releve minha falta.— Deputado, Almeida Garrett.

Para a Secretaria.

Para a comissão de infracções e faltas.

Benavente, 10.—Enorme cheia e temporal impediu passagem Tejo para assistir sessão hoje.— Deputado, Sousa Dias.

Para a Secretaria.

Para a comissão de infracções e faltas.

Entram na sala todos os membros do Governo.

ORDEM DO DIA

É lido na Mesa o seguinte decreto da convocação extraordinária do Congresso:

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Sestão de 10 de Março de 1916

lítica da República Portuguesa: hei por bem convocar extraordinariamente o Congresso da República para uma sessão conjunta das duas Câmaras, no dia 10 do corrente mês, pelas 16 horas.

O .Presidente do Ministério e os Ministros das outras repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paços do Governo da República, em 9 de Março de 1916. —Bernardino Machado — Afonso Costa — Artur R. de Almeida Ribeiro — João Catanho de Meneses — José Mendes Ribeiro Norton de Matos — Vítor Hugo de Azevedo Coutinho — Augusto Luís Vieira /Soares — António Maria da Silva — Alfredo Rodrigues Gaspar — Frederico António Ferreira de Simasi.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): — Sr. Presidente: o Poder Executivo usou da faculdade que lhe confere a Constituição Política da República Portuguesa de convocar esta reunião extraordinária do Congresso da República, em sessão conjunta das duas Câmaras, para expor o estado da nossa situação internacional e para propor a medida correspondente à situação assim estabelecida. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros vai ler ao Parlamento as comunicações relativas à nossa situação internacional, e, em seguida, eu peço novamente a palavra para propor a medida que o Governo entende necessária, de harmonia com a Constituição e em relação às circunstâncias.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Soares): — Pedi a palavra para dar conta ao Congresso dos seguintes documentos:

Leu.

«Logo no começo da guerra, em 7 de Agosto de 1914, declarou o Governo da República, com aplauso unânime do Parlamento, que em circunstância alguma faltaríamos aos deveres de aliança que livremente contraímos com a Inglaterra. Em 23 de Novembro do meamo ano, com igual aplauso do Parlamento, o Governo da República novamente assegurou o firme propósito de manter, até os últimos sacrifícios, a solidariedade secular entre Portugal

e a Inglaterra, «base imprescindível da nossa progressiva valorização mundial».

E desde então até hoje inalterávelmente temos sustentado, sem hesitações nem receios, o claro e liai compromisso que honradamente tomámos: nunca a nossa aliada recorreu ao nosso auxílio, ao nosso esforço, à nossa solidariedade, que nos não encontrasse singelamente mas firmemente ao seu lado. Um momento houve em que a nossa cooperação nos campos de batalha da Europa esteve iminente, e seguramente se teria efectuado se não tivesse derivado então o nosso esforço para outros lugares onde de surpresa nos chamara um ataque traiçoeiro das forças alemãs. Nos primeiros dias de Setembro o posto de Maziua, na África Oriental, havia sido atacado e saqueado por um grupo de alemães, sendo assassinado o chefe do posto ; e a breve trecho era a província de Angola igualmente objecto da hostilidade alemã, já não por parte de elementos sem responsabilidade oficial, mas pela de forças regulares, armadas e equipadas sob a direcção das autoridades da Damaralândia.

Era ainda e sempre a nossa lialdade para com a Inglaterra a determinante dessas agressões e doutras posteriores até mesmo nos mares da Europa, as quais, nem por serem para nós injustas e cruéis, nos desviaram um momento sequer da linha de conduta que nobremente havíamos traçado. Na Europa ou na África, onde quer que os deveres de aliança nos chamaram, onde quer que esses deveres nos chamem, a nossa resposta foi e será inalterávelmente a mesma: cnmpri-los.

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atingir proporções calamitosas. Nos nossos j portos permaneciam algumas dezenas de ! navios condenados H ficarem inúteis por toda a duração da guerra. A sua utilização ' impunha-se como caso de forca maior, como medida de salvação pública, alem de ser autorizada pelo nosso direito, interno e convencional. Com essa imperiosa necessidade do país coincidia, por parte da nossa aliada, um não menor interesse em que a tonelagem desses navios voltasse à circulação mercantil e a ela pudesse também aproveitar, sempre que as nossas circunstâncias o permitissem. Mas o nosso actor por isso mesmo que daria importantes vantagens á nação que a Alemanha considera o seu mais odiado inimigo, poderia ser malévolamenta tomado por ela como pretexto para insofridas retaliações contra o povo português que já merecera os seus injustificados agravos. Na previsão de tal eventualidade, o Governo Inglês, compenetrando-se inteiramente das responsabilidades que connosco ia assumir, dirigiu-nos a seguinte solicitação :

Tendo resultado sérias dificuldades para o comércio da presente escassez de navios, dificuldades que tão sentidas não só na Gr ã-Bretanha mas também nos países que -mantêm com ela boas relações, e tendo Portugal, desde o início das hostilidades, mostrado invariavelmente completa dedicação pela sua antiga aliada, o Ministro de Sua blajestade tem ordem, em nome da Governo de 3ua Majestade, de instar com o Governo da República, em nome da Aliança, para que faça requisição de todos os navios inimigos surtos em portos portugueses, que serão utilizados para a navegação comercial portuguesa e também entre Lisboa e os demais portos que se determinaram por acordo dos dois Governos. Legação Britânica. Lisboa, em 17 de fevereiro de 1916.

São já conhecidos do Parlamento os fundamentos jurídicos em que o Governo baseou a sua requisição e a maneira como ela se efectuou. O justificado receio do cometimento de actos de destruição que tornassem improfícua a acção do Governo, obrigou a medidas que, embora eficazes e rápidas, de forma alguma podem ser tidas como violentas. E como não era intenção do Governo dar ao seu acto uma significação de hostilidade, dirigiu ao seu repre-

Diário das Sesíões do Congresso

sentante em Berlim no momento da requisição legal dos navios o seguinte telegrama :

Lisboa, em 23 de Fevereiro de 1916.— Ministro de Portugal.—Berlim.— Governo tomou decisão requisitar navios alemães surtos portos portugueses em face necessidades país. Comunique facto a esse Governo, com declaração de que foi publicado diploma legal regularizando situação tripulações, indemnizações, etc., e que acto posse se está efectuando.—MINISTKO.

Apesar dos cuidados de que foi cercado c acto do Governo, o representante da Alemanha em Lisboa dirigiu ao Ministro dos Negócios Estrangeiros a seguinte nota:

Lisboa, em 27 de Fevereiro de 1916.— Sr. Ministro. — Sou encarregado pelo meu alto Governo de protestar contra a singular quebra de direito, que o Governo Português cometeu contra o Império Alemão, apossando-se por um acto de força, sem qualquer negociação prévia, dos navios alemães fundeados nos portos portugueses.

Tenho a honra de, ao mesmo tempo, por incumbência do meu alto Governo, solicitar de F. Ex.a a imediata revogação daquela medida,— Aceite V. Ex.a, etc.—ROSEI*.

A S. Ex.a o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Dr. Augusto Soares.

A esta nota, o Governo respondeu nos seguintes termos, que transmitiu ao nosso Ministro em Berlim, para deles dar conhecimento imediato ao Governo Alemão:

Durante um período de mais de dezoito meses, os navios alemães imobilizados nos nossos portos gozaram da protecção do Governo da República dentro das águas territoriais portuguesas. Nestas circunstâncias, tais navios devem ser considerados como abrangidos pelo princípio geral do «dominio eminente» estando assim Portugal inteiramente justificado de exercer com relação a viés o mesmo direito que exerce, em casos eventuais, sobre a propriedade de todas as pessoas dentro da sua jurisdição, ou seja o direito de usar dela sempre que as necessidades do país o exigirem.

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Sessão de 10 de Março de 1916

geral de transportes, e a urgente necessidade j de navios ligitimava amplamente as excepcionais medidas tomadas. A mesma falta de transportes marítimos compeliu o Governo de Itália a proceder de modo semelhante requisitando os navios que se tinham abrigado nos portos italianos, e não consta que o Governo Alemão tenha procurado criar o mais pequeno embaraço a esse acto.

Os proprietários dos navios por nós requisitados receberão, em devido tempo, as indemnizações que lhes foram previamente asseguradas, e não podem, portanto, considerar-se como tendo sofrido qualquer prejuízo resultante da acção praticada pelo Governo da República.

Cumpre . ainda notar que o procedimento do Governo é baseado na lei n.° 480, de 7 de Fevereiro de 1916, base 10:", e está em harmonia com as estipulações internacionais. O artigo 2.° do tratado do comércio e navegação entre Portugal e Alemanha não se aplica ao aproveitamento de navios imobilizados, porque só se refere à retenção de navios em trânsito. E, quando se aplicasse, as suas disposições estariam cumpridas, porque só obrigam ao reconhecimento prévio-do direito de indemnização, que se fez pelo artigo 5.° do decreto n.° 2:229, de 23 de Fevereiro de 1916, ficando o quantum da indemnização para fixação ulterior com todas as garantias.

Por todas estas razões, o Governo, tendo exercido o direito, que lhe assistia, de prover a instantes necessidades da economia pública, não pode modificar o seu ado.

(Finda aqui o que V. Ex.* tem de transmitir).

Pelo que acabo de dizer, vê V. Ex* que ainda que fôssemos neutrais era perfeitamente legítimo o nosso procedimento. Se apesar disso o Governo alemão, como V. E

os Governos estrangeiros, incluindo o ale* mão, acataram tanto os sentimentos de pura lialdade que nos ditavam esta atitude que todas mantiveram aqui os seus representantes.

]% agora, como sempre, continuamos fiéis às nossas obrigações de aliados da nação inglesa, quaisquer que sejam as contrariedades que a seu lado possam deparar se-nos.

Foi a esta comunicação que o Governo Imperial entendeu responder com a nota escrita ontem entregue no Ministério dos Negócios Estrangeiros e que é do teor seguinte :

Lisboa, 9 de Março de 1916.— Senhor Ministro.— Estou encarregado ptlo meu alto Governo âe fazer a V. Ex.A a declaração seguinte:

O Governo Português apoiou desde o começo da guerra os inimigos do Império Alemão por actos contrários à neutralidade. Em quatro casos foi permitida a passagem de tropas inglesas por Moçambique. Foi proibido abastecer de carvão os navios alemães. Aos navios de guerra ingleses foi permitida uma prolongada permanência em portos portugueses contrária à neutralidade, bem como ainda foi consentido que á Inglaterra utilizasse a Madeira como base naval. Canhões e material de guerra de diferente espécie foram vendidos às potências da «Entente» e alem disso à Inglaterra um destruidor de torpedeiros. O arquivo do vice-consulado Imperial em Mossâmedcs foi apreendido,

e Além disso, foram enviadas expedições à África e dito então abertamente que estas eram dirigidas contra a Alemanha.

O governador alemão de districio Dr. Schultze-Jena, bem como dois oficiais e algumas praças, em 19 de Outubro de 1914, na fronteira do Sudoeste Africano Alemão e Angola, foram atraídos por meio de convite a Naulila e ali declarados presos sem motivo justificado, e como procurassem subtr.air-se à prisão, foram em parte mortos a tiro, emquanto os sobreviventes foram à força feitos prisioneiros.

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Diário das Sessões do Congresso

representações por motivo das últimas ocorrências, sem todavia se referir às primeiras. Nem sequer respondeu ao pedido que apresentámos de ser intermediário numa livre troca de telegramas em cifra com os nossos funcionários coloniais, para esclarecimento do estado da questão.

A imprensa e o Parlamento durante toda a existência da guerra entregaram-se a grosseiras ofensas ao povo alemão., com a complacência mais ou menos notória do Governo Português. O chefe do Partido dos Êvolucionistàs pronunciou na sessão do Congresso, de 23 de Novembro de 1914, na presença dos Ministros portugueses, assim como na de diplomatas estrangeiros, graves insultos contra o Imperador da Alemanha, sem que por parte do Presidente da Câmara ou dalgum dos Ministros presentes se seguisse um protesto. Às suas representações, o Enviado Imperial recebeu apenas a resposta que no Boletim OJicial das Sessões não se encontrava a passagem em questão.

Contra estas ocorrências protestámos em cada um dos casos em especial, assim como por várias vezes apresentámos as mais sérias representações e tornámos o Governo Português responsável por todas as consequências. Não se deu porem nenhum remédio. Contudo o Governo imperial, considerando com longanimidade a difícil situação de Portugal, evitou até aí tirar sérias consequências da atitude do Governo Português.

Por último, a 23 de Fevereiro de 1916, fundada num decreto do mesmo dia, sem que antes tivesse havido negociações, seguiu-se a apreensão dos navios alemães, sendo estes ocupados militarmente e as tripulações mandadas sair de bordo. Contra esta flagrante violação de direito protestou o Governo Imperial e pediu que fosse levantada a apreensão dos navios.

O Governo Português não atendeu este pedido e procurou fundamentar o seu acto violento em considerações jurídicas. Delas tira a conclusão que os nossos navios imobilizados por motivo da guerra nos portos portugueses, em consequência desta imobilização não estão sujeitos ao artigo 2.° do Tratado de Comércio e Navegação Luso-- Alemão, mas sim à ilimitada soberania de Portugal, e portanto ao ilimitado direito de apropriação do Governo Português, da mesma forma que qualquer outra propriedade existente no País. Além disso, opina

o Governo Português ter procedido a dentro dos limites desse artigo, visto a requisição dos navios corresponder a uma urgente necessidade económica e também no decreto de apropriação estar prevista uma indemnização cujo total deveria mais tarde ser fixado.

Estas considerações aparecem como vasios subterfúgios. O artigo 2.° do Tratado de Comércio e Navegação refere-se a qualquer requisição de propriedade alemã em território português. Pode ainda assim haver dú~ vidas sobre se a circunstância dos navios alemães se encontrarem pretendidamente imobilizados em portos portugueses, modificou a sua situação de direito. O Governo Poríuguês violou porém o citado artigo em dois sentidos, primeiramente não se mantêm na requisição dentro dos limites traçados no tratado, pois que o artigo 2.° pressupõe a satisfação duma necessidade do Estado, emquanto que a apreensão, como é notório, estendeu-se a um número de navios alemães em desproporção com o que era necessário a Portugal para suprir a falta d

Por este procedimento o Governo Português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra, que subordina todas as outras considerações aos interesses e desejos ingleses. Finalmente a apreensão dos navios realizou-se sob formas em que deve ver-se uma intencional provocação à Alemanha. A bandeira alemã foi arriada dos navios alemães e em seu lugar foi posta a bandeira portuguesa com a -flâmula de guerra. O navio almirante salvou por esta ocasião.

O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo Português. Considera--se de agora em diante como achando se em estado de guerra com o Governo Português.

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Sessão de 10 de Março de 1916

tenho a honra de exprimir a V. Ex.a a minha distinta consideração.— ROSEN.

A Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o /Senhor D\\ Augusto Soares».

Releve-me o Congresso o desgosto que certamente lhe dei por não haver omitido nesta comunicação certos termos insólitos da nota alemã, que tanto me surpreenderam ao lê-la».

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa):—Sr. Presidente: como o Congresso acaba de ouvir, o Governo interpretou as aspirações nacionais, salvaguardando inteiramente a honra e os interesses do país, mantendo intacto o sentimento que tem sido perpetuamente a afirmação das qualidades da nossa raça, de sermos sempre imperturbavelmente cumpridores das obrigações e deveres que assumimos e, ao mesmo tempo, também, capazes de manter permanentemente o direito de exercer aquelas qualidades de acção que são próprias dum povo livre (Muitos apoiados).

O Governo tomou conta das obrigações próprias do seu cargo, em princípios de Dezembro, e desde logo—porque a guerra europeia trouxe para o país responsa-bilidades que todos devíamos prever — afirmou que, fiel aos seus princípios de que o Governo devia ser, em Portugal, um Governo Nacional, empregou todos os esforços para que o Grovêrno se formasse sob esse carácter. O Governo, todavia, na sua apresentação, declarou que, tendo saído todo de dentro dum partido e pertencendo todo à maioria parlamentar, ficaria, contudo, fiel a esse propósito e procuraria fazer uma administração inteiramente harmónica com os princípios duma política não partidária que as circunstâncias impunham.

Não importa agora saber, nem é este o momento de o discutir, se cumprimos essas obrigações ou esses compromissos, em relação aos outros ramos da administração pública, mas há um aspecto da administração do Estado em que nós queremos hoje reivindicar o direito de se reconhecer que fomos permanente e exclusivamente preocupados do propósito de fazer apenas política nacional. Esse foi o das nossas relações externas.

As circunstâncias que se produziram acerca da requisição dos navios foram já expostas sob o aspecto jurídico e, sob o aspecto internacional, apareceram hoje pela exposição do Sr. Ministro dos Estrangeiros. O que é preciso acentuar é que o Governo não deixou de fazer conhecer, por intermédio dó alto magistrado que preside aos destinos do país, o Sr. Presidente da República, aos representantes dos partidos republicanos -as fases mais importantes da marcha do conflito, em que nós, ao mesmo tempo que mantínhamos intacto o nosso direito e afirmávamos o cumprimento do nosso dever, procurávamos sempre manter--nos dentro dos propósitos de quem exerce direitos e cumpre deveres, sem fazer provocações ou suscitar actos que se pudessem considerar de hostilidade (Apoiados). Isto mesmo pode hoje o país verificar e amanhã há-de reconhecê-lo a história (Apoiados).

Portugal, ligado como está aos destinos, às vicissitudes, ás dificuldades, às dores, ao sofrimento, como amanhã estará i im-bêm ligado à vitória imarcessível da sua aliada a Inglaterra (Muitos apoiados, associando-se as galerias com 'uma vibrante salva de palmas), Portugal, ligado pela sua aliança à Nação Inglesa, relativamente à requisição dos navios, não se apartou, todavia, do critério que tem dominado todos os seus actos desde Agosto de 1914. qual é o de estar sempre dentro do direito e sempre dentro da esfera de acção da moral que deve ser respeitada por todos os povos, ainda mesmo por aqi.eles que se encontram em condições de beligerância, em luta a todo o transe com o nosso inimigo, com o nosso adversário: a Alemanha (Apoiados).

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tugal em relação à guerra europeia, e as palavras repetidas em 23 de Novembro do mesmo ano estão confirmadas pelos factos. Elas mostram que nós somos fiéis cumpridores das nossas obrigações. As palavras proferidas por nós desde a primeira hora em relação a uma corrente política da República queremos ainda hoje mante-las fortes e vivas, num momento em. que as bandeiras partidárias tem o dever de se abater diante do altar sagrado da Pátria (Muitos apoiados. Entusiásticos vivas das galerias).

Nesta hora solene quere declarar que o Governo, por si e interpretando o sentimento da maioria parlamentar, apenas este incidente, este conflito se desenhou no sentido duma presumível beligerância com a Alemanha, desde logo entregou ao Sr. Presidente da República a livre disposição dos lugares ministeriais para que se pudesse organizar um gabinete sob a base da representação dos partidos republicanos, isto é, sob a base da união de todas as torças da República, sob a base da melhor defesa dos interesses da Pátria (Muitos apoiados], a bem da execução das medidas que ao país se impõem na hora difícil, mas ao mesmo tempo nobilitante, em ! que nos encontramos (Calorosos apoic-dos). E o Governo, ao falar em Ministério Nacional, não fez nenhuma espécie de indicação que pudesse dalguma maneira diminuir a liberdade de acção do Parlamento ou a liberdade do Chefe do Estado para executar a deliberação do Congresso, quando esta fosse conforme com o pensamento geral do país. E como a execução do medidas relativas à guerra deve ser uma obra de todos os republicanos, de todos aqueles que representam a aspiração revolucionária de 1910, e que na acção política e pa-tiiótica nunca impediram que se fizesse a aproximação de todas as aspirações nacionais, faz, sob esse aspecto, a seguinte declaração :

«O partido a que tem a honra de pertencer nunca, desde a primeira hora, deixou de pedir e deixou de se comprometer a uma política nacional. Seja qual for o tempo que demorar esta guerra, sejam quais forem as nossas obrigações e trabalhos, o Partido Republicano Português não hesitará perante nenhuns sacrifícios, não quererá que ninguém se encontre em

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desigualdades para acamaradar com ele, a fiai de trabalhar e viver e, se for preciso, de morrer pela Pátria».

Com fundamento nas declarações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tem a honra de apresentar ao Congresso da República a seguinte proposta de resolução :

Artigo único. São conferidas ao Poder Executivo todas as faculdades necessárias ao eatado cie guerra com a Alemanha, nos termos do artigo 26.3, n.° 14, da Constituição.

Lisboa e Sala das Sessões, em 10 de Março de 191 G.—Afonso Costa., Presidente do Ministério.

O Congresso aprova, por unanimidade, a urgência e a dispensa do Regimento. Os assistentes das galerias soltam entusiásticos vivas ao Governo da República, à Pátria, à guerra, ao chefe do Este do e ao chefe do Governo, acompanhando esses vivas com prolongadas salvas de palmas.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taqui-grájicas.

O !?r. Alexandre Braga: — Em cumprimento do preceito regimental, que a tanto m 3 obriga, vou ler e mandar para a Mesa a mo^âo de ordem qu3 tenho a honra de submeter à apreciação do Congresso:

Leu.

Moção de ordem

O Congresso da República, ouvidas as declarações do Governo, apoia o seu procedimento, e reconhece com ele a oportunidade da constituição dum Ministério Nacional, que continue a salvaguardar a honra e os interesses da Pátria, executando as deliberações do Poder Legislativo conducentes a êtíse fim.

Sala das sessões do Congresso, em 10 de Março de 1916.—O Deputado, Alexandre Braga.

Sr. Presidente: em presença do facto decisivo e grave que o Governo de Portugal vem de anunciar aos representantes da nação, eu não falo já em nome dum partido, porque todas as divisões, originadas em divergências de orientação política, desapareceram, desde esta hora.

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O Orador: — -Nele não há já partidários, há apenas cidadãos portugueses, (Apoiados), prontos todos a defenderem, com amor e com uma igual dedicação, a sagrada causa da independência da Pátria.

Ê pelo nosso inviolável respeito à fé jurada dos tratados, é pela tradicional lial-dade dum povo, que não soube jamais furtar-se ao integral cumprimento de todos os seus deveres, é por tudo isto, que a dura insensibilidade germânica não pode compreender nem sentir, é por tudo isto, que faz o nosso orgulho e é a pedra de toque da nossa pura e cavalheirosa nobreza, é por tudo isto que a Alemanha, violenta e soberba, nos declara sobranceiramente a guerra.

Pois bem : fortes com a certeza de que. requisitando os navios alemães, cumprimos um insofismável direito, e seguros de que singelamente desempenhamos um dever' para com nós próprios, para com a grande nação nossa aliada, e para com todos os povos, que, ao lado da explêndida e gloriosa Franca, tanto se tem sacrificado e sofrido pelo triunfo da Liberdade e do Direito, nós encaramos com serenidade, com firme e tranquila confiança, o futuro que nos que;ra oferecer o destino.

Ap)íenos todos para a forte energia duma raça, que, através de oito dilatados séculos, soube criar, defender e manter uma gloriosa nacionalidade.

Sem desconhecermos a desproporcionada força que nos ameaça, e que, embora impotente para vencer os fortes, pôde já conseguir o transitório esmagamento de duas pequenas nações, digamos à Alemanha que ela nos não amedronta, e ensinemos-lhe mais uma vez, a ela, a violadora da neutralidade da Bélgica, que, se há grandes nações que se diminuem e degradam por uma desmedida ambição e uma devoradora cubica, há, também para glória imortal da humanidade, pequenos povos que se engrandecem, enobrecendo-se pelos sacrifícios e pelo culto do dever, da lialdade e da honra.

Vozes: — Muito bem. Apoiados gerais. Palmas nas galerias.

O Sr. António José de Almeida: — Apesar de mal restabelecido, não quis deixar

de cumprir o seu dever, vindo à reunião do Congresso, nesta hora solene e grave. Não podia deixar de o fazer, neste momento em que todos os homens que tem uma voz para manifestar o seu sentir, para abrir os seus corações, e sobretudo quando essa voz tem atrás de si um apostolado que pode não ser glorioso ruas que é honesto, deve dizer a todos os portugueses que se unam, que se conjuguem em redor da Pátria, para que ela, com o esforço e a dedicação de todos, resulte maior e mais bela (Muitos apoiados).

Se portugueses houver que não queiram neste momento vir comungar connosco a hoste sagrada do sacrifício pela Pátria, que esses não sejam republicanos e fiquem dentro do seu egoísmo.

São conhecidas, aqui e lá fora, em todo o país, as ideas do Partido Republicano Evolucionista sobre a nossa atitude perante a guerra. Foram formuladas aqui em discursos, e lá fora, na imprensa, em artigos firmad' s pelo orador. Sabe o Sr. Presidente e sabe o Congresso o que nós pensamos acerca da guerra.

Então dissemos que havíamos de ir até onde fosse preciso, e quando fosse preciso. Hoje, como ontem, a nossa opinião é a mesma e nela nos mantemos com toda a firmeza da nossa energia e com todo o ardor do nosso patriotismo.

Só uma consa nos levanta, só uma cousa nos move e agita, fazendo nos estremecer: é o sentimento, que a nós todos, portugueses, nos deve levar a correr todos os perigos, a esquecer todos os sacrifícios e suportar com resignação, com grandeza, com heroísmo todas as lutas, a vencermos todas as contrariedades para cumprirmos honesta e lialmente a letra dos nossos tratados e corresponder honestamente a todos os nossos compromissos com a Inglaterra, nação nossa amiga e aliada (As galerias irrompem em frenéticos aplausos).

E havemos de cumpri-las, porque Portugal jamais soube esquecer a fé dos seus tratados e dos seus compromissos internacionais.

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orador não insultou ninguém no discurso a que nessa nota se faz referência.

Apenas castigou com severidade atentados sem nome que se estavam praticando contra a humanidade. Altivamente foi nesse momento o intérprete da emoção sagrada que havia atravessado a alma sentimental e generosa da nossa raça, ao saber-se como na pobre Bélgica devastada se estavam assassinando velhos indefesos, violentando mulheres e decepando as mãos a inocentes crianças.

Com orgulho lembrará sempre essa página da sua vida.

Tem atrás de si um passado de tolerância para com as ideas alheias, dê piedade para com os vencidos, de generosa complacência para com todos os sofredores, e a sua alma indignou-se perante a prática de actos monstruosos de que a civilização actual já estava esquecida e que só conhecia pelo relato dos muitos livros em que se lêem as descrições das guerras da mais remota barbárie.

Diz-se na nota alemã que as palavras sobre o kaiser foram proferidas pelo chefe do .Partido Evolucionista.

Engano. O representante dos evolucio-nistas fez sim declarações em nome do seu partido, e com ele concertadas, mas a indignação colérica com que verberou os massacres e as crueldades da Alemanha só ao orador diz respeito.

Das palavras com que a traduziu, assume todas as responsabilidades perante a história, considerando-as como um aos mais nobres padrões da sua vida de combatente pelos altos princípios humanos.

De resto, o artifício é grosseiro de mais para que não se perceba e a mistificação demasiada para que não dê nas vistas. Com as suas referências ao seu discurso, procurou o Governo Alemão indispor com certas correntes de opinião do seu paia o homem que tem sido um indeíectível amigo da Inglaterra.

Baldado empenho.

Chegámos a uma hora ein que a diplomacia se não faz com argúcias nem sofismas, mas com a rude e desnudada verdade.

O Partido Republicano Evolucionista aprova sem reservas a atitude do Governo só' bre a requisição dos barcos alemães. Já a t:nha aprovado por intermédio do orador,

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visto que o Sr. Presidente da República, essa alta figura de patriota e de republicano, o pôs ao corrente dos acontecimentos que se foram desenrolando, e o Sr. Ministro dos Estrangeiros, que neste lance se houve com prudência e acerto, lhe fez as suficientes comunicações para se poder considerar de posse do assunto.

j O momento que passa é solene ! Assistimos aqui todos a uma celebração cuja lembrança nos impressionará toda a vida. Precisamos por isso de ser dignos desse momento. O orador espera que o será. As suas palavras poderão ser impuras, mas a sua intenção julga-a livre de mácula. Nunca teve na sua alma ódios políticos. Nem mesmo odiou aqueles que no deposto regime o perseguiram. Muito menos podia odiar os que foram seus companheiros no credo republicano. Inimizades políticas sem dúvida as tem tido e porventura bem fortes. Pois neste momento solene e augusto sacode-as da sua alma para que esta, lavada e liberta, seja digna de ajoelhar perante o altar da Pátria.

Isto não quer dizer renúncia, nem abdicação, nem repulsa dos princípios, sempre professados e através de todos os sacrifícios mantidos. Isto significa apenas a aspiração desinteressada através da qual úós nos tornamos dignos de nós mesmos. Tem uma fé indestrutível nos destinos da nossa raça e na independência desta pátria sagrada. Ao lado da Inglaterra, poderosa e grande, da França, admirável, e das outras aliadas, venceremos. Mas se vencidos ficássemos nern por isso a sua consciência se perturbaria. Sê-lo íamos no cumprimento dum dever.

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olhar com simpatia e com amor para os túmulos razos onde ficaram os nossos restos, abençoando os pais que souberam morrer pela causa nacional, em nome da qual a Pátria continuará independente e livre.

De todos os lados da Câmara partem apoiados calorososf a que se associam com vivo entusiasmo as galerias, soltando novas e frenéticas aclamações.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taqui-gráficas.

O Sr. Brito Camacho: — Se bem ouviu a leitura que fez o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a Inglaterra pediu a Portugal, invocando a aliança que desde séculos prende os dois países, que fizesse a requisição dos barcos alemães que se en-cpntravam em águas portuguesas. Pediu a Inglaterra uma cousa possível, e sempre sustentou que devíamos satisfazer todos os pedidos que nos viessem de Inglaterra, por dever e por interesse próprio. Desde que a Inglaterra solicitava, com fundamento na aliança anglo-lusa, um serviço que estava dentro das nossas possibilidades, não podíamos recusar-lho. Fazê-lo, seria faltar a compromissos livremente tomados e não está isso nos costumes ou nas tradições de Portugal. Maior que fosse o sacrifício pedido, doloroso^ sem todavia ser indigno, nem por isso deixaríamos de atendê-lo, e fazendo-o mostraríamos saber combinar o dever com o interesse, não apenas o interesse actual, mas também o interesse futuro.

O Governo, para satisfazer o pedido da Inglaterra, procurou fórmulas jurídicas e por ela« moldou o decreto que autorizou a apropriação. Não é o momento de discutir o valor dessas fórmulas, como não é asada a ocasião para vermos se foi ou não respeitado o famoso artigo 2.° do tratado de 1908. O que se pode afirmar é que ao Governo da Alemanha faltava autoridade para nos increpar nos termos em que o fez, por não respeitarmos esse tratado, quando ele não quis ater-se ás suas disposições para evitar um rompimento desabrido.

O Governo Alemão contestava-o com as boas razões que tivesse, e no caso de não se chegar a acordo, caía-se na hipótese

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prevista no artigo 24.° do tratado, isto é, recorria-se à arbitragem.

Porque o não fez?

Achou preferível a lutar no terreno jurídico, para onde o chamava o Governo Português, romper brutalmente connosco, declarando-nos guerra após uma verdadeira querelle d'allemand.

Depois da nota entregue no Ministério dos Negócios Estrangeiros pelo representante da Alemanha, e cuja leitura se fez no Congresso, sem omissão, e ainda bem, de nenhuma das suas frases, outra cousa não poderia fazer-se senão o que se fez — reunir o Congresso para ele autorizar o Governo a declarar-se em guerra com a Alemanha. O projecto de lei que o Sr. Presidente do Ministério mandou para a Mesa teria sido apresentado por qualquer membro do Congresso se o Governo não houvesse tomado essa iniciativa.

Não o fazer seria, além de tudo mais, uma baixeza inútil. Proveitosa que fosse, não a praticaria o Congresso, no seu zelo pela honra da Nação e prestígio da República.

Neste momento, que reputa grave para o país, não porque ponha em dúvida a vitória final dos aliados, apraz-lhe acreditar que não há na terra portuguesa, dentro ou fora da política, dentro ou fora dos partidos, quem anteponha interesses próprios ao supremo interesse geral, quem esqueça a Pátria para atender a paixões, rivalidades ou caprichos. Por isso mesmo aplaude a formação dum Ministério nacional, lembrada pelo Sr. Presidente do Ministério e adoptada na moção do Sr. Alexandre Braga, leader da maioria. Está em jogo, embora não corra grande risco, a existência nacional, e por isso o Ministério preconizado se lhe afigura necessário, absolutamente imprescindível.

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política aberta pela demissão do Governo, dando realização aos votos do Congresso.

Na violenta noia que deixou no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao retirar--se, o representante da Alemanha, fez-se uma insinuação grave ao carácter português, que s uma grave injustiça. Em certa passagem dessa nota insinua-se que cidadãos alemães, entre eles dois oficiais do exército, foram colhidos numa cilada, em África, e assassinados. Isto não pode ser riscado da nota que deixou no Ministério dos Negócios Estrangeiros o representante da Alemanha; mas tem de ser desmentido à face de todo o mundo. Esse desmentido, porem, não pode fazer-se ali, com palavras., tem de fazer-se com documentos, restabelecendo a verdade dos factos, para honra da nação. Que se inquira do incidente a que se refere a nota alemã, o que o resultado desse inquérito se torne conhecido de todo o mundo. Portugal não pode ficar sob a acusação de que oficiais do seu exército, traiçoeiramente, covardemente, assassinaram ou fizeram assassinar oficiais do exército alemão, colhendo-os num yuet apens. Deseja, por conseguinte, que se publique um livro referente aos sucessos da África, a que a nota alemã se reporta para nos assacar, uma infâmia.

O representante da Alemanha, constatando uma verdade que nos honra, procurou exprimi-la de maneira que nos ofende. Ele bem sabe que somos incapazes d'e faltar aos nossos compromissos, mas tendo de reconhecer o facto deu lhe uma expressão ofensiva. Que somos vassalos da Inglaterra. Não somos vassalos de ninguém, mas somos escravos das nossas obrigações, e não conhecemos mais nobili tante escravatura.

Da Inglaterra não somos escravos, nem vassalos, mas tam somente amigos e aliados, e sente muito prazer em afirmar ali que a nação aliada e amiga se tem condu zido para connosco, em tudo que diz respeito à guerra, pela forma mais estimável e maior consideração.

Ouvem se muitos apoiados em toda a sala, aos quais se associam os assistentes das galerias, manifestando^se com palmas.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Cjsta Júnior: — Tendo ouvido as declarações do Sr. Presidente do Ministé-

rio e do ilustre Deputado, Sr. Alexandre Braga, vou ler e mandar para a Mesa a seguinte declaração, para que fique bem assente a orientação do Partido Socialista no actual momento: Leu.

Declaração

O Partido Socialista, sendo um partido que sempre tem combatido a guerra, como uma das maiores calamidades que deslustram a humanidade, e não tendo nenhuma interferência nem solidariedade na emergência a que a nossa nacionalidade agora está sujeita, mas fiel aos seus deveres e direitos, vem digna, nobre e mui altivamente, em harmonia com a sua declaração de principies apresentada na sessão de 28 de Junho de 1910, ern que dizia que, a dada a letra dos tratados de que Portugal é signatário, saberia cumprir com o que nos mesmos se encontra estabelecido para que Portugal saiba honrar os seus compromissos», declara que todos os verdadeiros socialistas estão no momento presente ao lado da Pátria.

Sala do Congresso, em 10 de Março de 1916.— O Deputado, José António da Costa Júnior.

Para a acta.

Para a Secretaria.

É lida e aprovada por unanimidade, a moção do Sr. Alexandre Braga.

É lida e aprovada por unanimidade a proposta do /Sr. Presidente do Ministério.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. António Macieira: —.Sr. Presidente : todos os partidos da República, orientados pelo mesmo sentimento patriótico, acabam de dar ao País a inequívoca demonstração de que são fortes, valorosos e dignos defensores do regime republicano.

O Parlamento Português, una você, acaba de declarar que apoia a atitude do Governo em relação á política internacional, qual é a de fixar que ele cumpriu os desejos da Pátria Portuguesa, bem integrando-se nos seus deveres e obrigações de aliada secular da Inglaterra « dando assim todo mais um testemunho de solidariedade e de um forte e elevado patriotismo.

' Sr. Presidente: afigura-se-me que é um dever de honra, porque não é apenas um

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fazermos saudação bem alevantada a todos os ilustres representantes no nosso país, das diferentes nações em luta na conflagração europeia. (Muitos apoiados).

Afigura-se-me que esta é a hora solene em que podemos, de fronte bem er-guidae de consciência tranquila, por termos cumprido os nossos deveres, perante a declaração de'guerra, insólita, absolutamente pretextada, e com palavras que são inteiramente incorrectas na boca do representante duma nação que se diz forte; em que podemos, digo, saudar, com as lagrimas nos olhos e o coração tremente na confiança dama vitória que é certa, e bem certa, esses heróis das batalhas e sobretudo aqueles em cujos peitos, todos nós, cidadãos portugueses e cidadãos dos povos livres, temos os nossos olhos postos, os grandes, os nobres, os admiráveis combatentes de Verdun. (Muitos opoiados).

Vozes:—Muito bem.

O Orador: — Este lado do Congresso saúda-os, e creio que de todos os lados

eles serão saudados, com a mesma intensidade, com o mesmo orgulho, com a mesma confiança e com a mesma fé, pois. na hora presente desaparecem os partidos.

A Pátria Portuguesa saúda as nações aliadas e combatentes! j A Pátria Portuguesa saúda os grandes heróis dos campos de batalha!

Vozes:—Muito bem; muito bem.

O orador não reviu.

Da sala e das galerias soltam-se muitos vivas, à Inglaterra, à Franca, à Bélgica, à Rússia e ao Sr. Presidente da República, ao mesmo tempo que estruge uma grande salva de palmas.

O Sr. Presidente:—Em vista da manifestação do Congresso, considero aprovado o alvitre do Sr. António Macieira.

Está encerrada a sessão. Viva a República!

Esse viva é secundado freneticamente por todos os congressistas e pelo povo que se encontrava nas galerias.

Eram 18 horas e 35 minutos.

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