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REPUBLICA PORTUGUESA

SESSÃO LEGISLATIVA DE I9II-I9I2

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.° 24

17 DE JANEIRO DE

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DIÁRIO DO SENADO

Presidência do Eimo Sr. Domingos Tasso de Figueiredo

Secretários es Ex.m°3 Srs.

Aaíófllo Bernardino Roque Bernardo Paes de Almeida

Srs. Senadores que compareceram à sessão:

Abel Acácio de Almeida Botelho, Abílio Baeta das Neves Barreto, Adriano Augusto Pimenta, Alberto Carlos da Silveira, Alfredo Botelho de Sousa., Aníbal cie Sousa Dias, Anselmo Angasto da Costa Xavier, Antão Fernandes de Carvalho, António Augusto Cerqueira Coimbra, António Bernardino Roque, António Caetano Macieira Júnior, António Joaquim de Sousa Júnior, António Ladislau Parreira, António Maria da Silva Barreio, António Pires de Carvalho, António Ribeiro Seixas, António da Silva Cunha, António Xavier Correia Barreto, Artur Augusto da Costa, Artur Rovisco Garcia, Bernardino Luís Machado Guimarães, Bernardo Paes de Almeida, Carlos Richter, Celestino Germano Paes de Almeida. Christóvão Moniz, Domingos Tasso de Figueiredo, Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro, Elísio Pinto de Almeida e Castro, Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho, Faustino da Fonseca, Francisco António Ochoa, Francisco Correia de Lemos, Francisco Eusébio Lourenço Leão, Inácio Magalhães Basto, Joaquim José de Sonsa Fernandes, José de Castro, José de Cupertino Ribeiro Júnior, José Machado de Serpa, José Maria de Pádua, José Miranda do Vale, José Nunes da, Mata, Luís Fortunato ia Fonseca, Manuel Goulart de Medeiros, Manuel José Fernandes Costa, Manuel Martins Cardoso, Manuel Rodrigues da Silva, Manuel de Sousa da Câmara, Narciso Alves da Cunha, Pedro Amaral Boto Machado, Ramiro Guedes, Sebastião Peres Rodrigues, Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que não compareceram:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos, Álbano Coutinho, Alfredo José Durão, Amaro de Azevedo Gomes, Anselmo Braamcainp Freire, António Ladislau Piçarra, Augusto Almeida Monjardino, Eduardo Abreu, João José de Freitas, Joaquim Pedro Martins, José António Arantes Pedrosc Júnior, José Estêvão de Vasconcelos, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira, José Relvas, Leão Magno Azedo, Manuel José de Oliveira, Ricardo Paes Gomes, Sebastião de Magalhães Lima.

^

As 14 horas e 50 minutos, o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 39 Srs. Senadores., S. Ex.3- declarou alerta a sessão.

Foi lida, e aprovada sem reclamação, a acfa da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Justi5caçâo de faltas

Comunicação do Sr. Senador Peres Rodrigu.es, participando que o Sr. Senador Alfredo José Durão não tem podido comparecer por motivo de saúde.

Relevadas as faltas.

Ofícios

Do Ministério dos Isegócios Estrangeiros, anunciando, em resposta ao ofício desta Câmara, de 9 do corrente, cue. por falecimento do vice-cônsul em La Guardiã, ficou interinamente encarregado da gerência do mesmo posto consular D. Arturo F. dei Vale, não constando nada em seu desabono.

Ao Sr. Senador que requereu este esclarecimento.

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, participando, em resposta ao ofício desta Câmara, de 8 de Janeiro corrente, ter sido nomeado Mauro Fernandes, vice cônsul de Portuga! em La Guardiã.

Ao Sr. Senador que requereu este esclarecimento.

Do Ministério da, Marinha, satisfazendo-um requerimento do Sr. Senador Ladislau Parreira.

A este Sr. Senador.

Da Tutoria Central da Infância, oferecendo 71 exemplares do relatório do seu movimento, relativo ao ano judicial de 1910-1911.

A Secrttaria, para se agradecer.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se primeiro á leitura de um projecto do Sr. Senador José de Pádua concedendo um subsidio à Academia de Sciências de Portugal.

Foi lido, e ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente:

tura de dois projectos.

- Vai proceder-se à segunda lei-

Lcu-se na mesa:

Projecto de lei

Artigc l,° É autorizado o Governo da República a abrir ura crédito especial ao Ministério do Fomento até à quantia de 100 contos de réis unicamente destinados a reparar os molhes do porto de Leixões.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Senado, Sala das Sessões, em 15 de Janeiro de 1912. = Os Senadores, António Xavier Correia Barreto = Adriano Augusto Pimenta= António da Silva Cunha.

Foi admitido, ' mandado publicar no «Diário do Governo», c enviado à comissão de finanças.

Leu-se na mesa:

(

Senhores Senadores. — A construção de casas para as classes desprotegidas, para o indigente, para o operário, pare, o pequeno funcionário e para o empregado de comércio é um dos problemas de economia social que mais precisa de urgente solução.

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cípio, habitação gratuita ou por um preço mínimo, fazendo assim uma assistência mais proveitosa e bem orientada do que a que actualmente faz, e para o operário e pequeno empregado construindo-lhes casa, ou auxiliando a sua construção, casa que eles possam adquirir por meio de uma anuidade, compatível com os seus salários e vencimentos, mas de modo que não vá desequilibrar o seu orçamento familiar.

O pauperismo ó um" problema insolúvel e o Estado por si só não pode resolver um dos seus aspectos, a falta de habitação barata; mas pertence-lhe, cabe-lhe a obrigação de, pelo menos, contribuir para a sua construção com os meios de que pode dispor, isenção ou diminuição de impostos e facilidades de crédito, criando assim, coadjuvando e incitando até a iniciativa particular, que é quem deve resolver o problema.

Afim de facilitar o crédito para a construção, devia ser consignada neste projecto de lei a isenção do imposto de selo, nos diplomas de constituição de sociedade, de aprovação de estatutos, dos regulamentos, acções e obrigações, titulos de compra e arrendamento; de contribuição de decima de juros os capitais em serviço do crédito contratual; e de contribuição de registo a primeira transmissão efectuada pelo construtor da casa a favor do co-prador bem como de imposto de rendimento e dividendo anual inferior a 6 por cento.

Devia figurar também a isenção de contribuição predial até ao termo de 20 anos ou completa liquidação do custo do prédio em período menor; da contribuição de registo pela compra ou outro meio de aquisição do terreno necessário para a edificação, bem como das despesas com o manifesto da dívida, inscrição e descrição nas conservatórias, registo de hipotecas, etc., mas não o podendo fazer por a isso se opor a Constituição, de esperar é que a Câmara dos Deputados se não esquecerá de o fazer.

A isenção de impostos e contribuições, é essencial para que os capitais particulares, hoje tão retraídos se abalancem â construção de casas operárias, sabendo que não lhes falta o apoio e auxílio do Estado e, como vereis, Senhores Senadores, este projecto de lei conta muito com a iniciativa particular, sobre a qual principalmente ele se baseia.

Esta medida não é nova, pois já uma lei de 1880, hoje revogada, isentou de contribuição predial por b anos os prédios urbanos que em Lisboa e Porto se viessem a construir, e que não fossem de renda superior a Õ0$000 réis prazo que foi elevado a 10 anos por outra lei de 1888, hoje também revogada. De resto o Estado, fazendo isto, cumpre o seu dever de protector do fraco e faz obra de boa economia social, pois contribui para o revigoramento das classes proletárias tam abastardadas pela miséria e di minui a morbilidade e mortalidade sempre elevada nos bairros insalubres.

Este problema, que no dizer de Georges Picot constitui o nó da questão social, prende-se intimamente com a Salubridade das grandes aglomerações urbanas e melhora as condições de vida da classe proletária, suprema aspiração dos Estados democráticos.

Sem boa alimentação, e sem uma casa bem limpa, bem arejada e bem cheia de sol, três cousas que não custam dinheiro e que são a saúde do corpo e alegria de espírito, utopia é querer ter um povo forte e tentar pôr um dique à tuberculização avassaladora das grandes cidades, e é fazer da criança e do adolescente actuais, seres sorvados e raquíticos que pesarão terrivelmente nos futuros o'rça-mentos do Estado.

Efectivamente nos inquéritos, nos poucos inquéritos, a que se tem procedido nos bairros insalubres de Lisboa e Porto, nos pátios e ilhas destas duas cidades, tem-se apurado cousas horíorosas. Ali a imoralidade campeia, devido à promiscuidade dos sexos, e a tuberculose atinge uma percentagem elevadíssima como no bairro de Mfaina.

Num inquérito feito em Lisboa em 1900, pelo Conselho de Melhoramentos Sanitários, verificou-se nos 233 pátios inspeccionados, que 63 estavam em boas condições sanitárias, 88 em más condições, mas susceptíveis de melhoramentos, 82 em tal estado que foram considerados como perigosos para os que os habitavam e seus vizinhos.

Estes últimos, os em más condições sanitárias, que representam 73 por cento do total dos pátios inspeccionados, continham 2:000 e tantas famílias com mais de 8:000 pessoas. Isto em 1905, porque hoje estes números devem ser bem maiores, visto que poucas ou nenhumas obras se tem feito que compensem o urbanismo, que nestes últimos anos se tem acentuado. Poderia apresentar mais dados estatísticos, mas este exemplo é bem frisante e dispensa outros.

Lá fora nas nações mais adiantadas em civilização, se o problema da habitação barata e higiénica não está de todo resolvido, a verdade é que muito se tem feito nesse sentido.

De passagem direi que na Inglaterra, na Alemanha e na Itália a tendência tem sido para a intervenção do Estado e dos municípios, construindo por conta própria, na França e na Bélgica essa intervenção reflecte se mais na concessão de vantagens às sociedades que destinam os seus capitais à "construção barata. Mas dum modo ou doutro essa intervenção dá-se.

Henri Monod calcula que em quinze anos se gastassem em Inglaterra em melhoramentos sanitários 600:000 contos de réis; e Brouardel conclui que em consequência disso, ela fez baixar nos últimos vinte anos a mortalidade pela tuberculose em 4,4 por 10:000 habitantes.

Há lá sociedades construtoras que dispõem de capitais importantes para tais construções, ao Buildings Societies, por exemplo, dispõe de um capital superior a 300:000 contos de réis. Estas sociedades tem isto de particular, que o operário é accionista, construtor e é inquilino antes de se tornar proprietário. Só na pequena cidade de Leeds, que tem 300.000 habitantes, há 22:000 casas pequenas, construídas por estas sociedades.

A lei de 1889 autorizando as comunas a emprestarem três quartos da importância já dispendida na construção, muito contribui para o desaparecimento da habitação pobre insalubre.

Na Alemanha^ o movimento de capitais em favor da habitação barata tem sido também brilhante. Em 1904 os patrões, as companhias de seguros e outras sociedades tinham empregado nessa construcção 62:400 contos de réis, e esta actividade continua. Só o Estado para melhorar as condições do habitat dos operários, empregados nas suas explorações, dispendeu 12:400 contos de réis. As municipalidades alemãs tem recorrido a, todos os meios para coadjuvar a construção operária, quer construindo directamente para os pequenos empregados, cedendo terrenos gratuitamente ou a um preço mínimo e emprestando sobre hipotecas, quer subscrevendo acções de companhias construtoras, garantindo empréstimos, dispensando impostos, etc.

A Bélgica, tendo 6 milhões de habitantes, consagrou 7:400 contos de réis de economias às casas operárias. Por uma lei de 14 de agosto de 1889 foram autorizadas as caixas de depósitos a emprestarem 60 por cento da importância das casas construídas à razão de 3 por cento, etc.

Na Áustria o Parlamento votou em 1910 uma lei que começou a vigorar em 1911, pela qual o problema da casa barata deve ser resolvido, tantos e tais são os benefícios que ela concede.

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Por essa lei o Estado não só empresta, mas garante empréstimos que se destinem à construção da casa operária, não podendo, tanto num como noutro caso, ir alem de 90 por cento do valor do imóvel. Por esta lei ainda são consideradas como sendo de utilidade pública as sociedades de construção cujos estatutos não permitam aos accionistas ura dividendo superior z, 5 por cento, o que em caso de liquidação apenas lhe garantem Q r-eembôlso das asçoes, revertendo a favor das obras de utilidade pública, o resto do activo, se o houver.

A lei italiana de Maio de 1903 autorizou as câmaras municipais a construírem dormitórios gratuitos e casas baratas para alugar, e a ceder pelo seu valor e sem ganho, às cooperativas e sociedades de beneficência os terrenos destinados à construção operária, e assim na França, Dinamarca, etc.

Creio estar bastante justificada a urgência deste projecto de lei e a razão dalguns dos seus artigos : entretanto é preciso desenvolver alguns pontos para a sua exacta compreensão.

Assim no § 2.° do artigo 1.° diz-se que será iacluida no Orçamento a verba anual de 75 contos de réis. Devia dizer-se, continuará a ser incluída, etc., porque a verdade é que no orçamento do Ministério do Interior se tem inclúido há já muitos anos, e continuam a lá figurar sob a rubrica subsídios eventuais e fundo de beneficência municipal as importâncias de 6:000$000 e 61:164^300 réis que até á dois meses foram distribuídos pelo Governo Civil de Lisboa, e agora o são pela Provedoria da Assistência Pública a indigentes, como ajuda de pagamento de renda de casa em subsídios mensais que vão de l $000 a 3$000 réis.

Se se disser que o Estado e o Município despendem estes 67:000^000 réis para pagamento de pocilgas que tuberculizam quem cão for tuberculoso, e sem a certeza que tais quantias não vão satisfazer vícios, muitas vezes inconfessáveis; visto a nenhuma fiscalização existente na sua aplicação facilmente se compreenderá a necessidade de dar ao indigente, ainda que por uma renda diminuta, habitação higiénica em vez de dinheiro.

Uma ideia fixa orientou sempre a feitura deste projecto de lei: a construção da casa barata e higiénica que obedeça ao homestead inglês e seja a casa familiar, verdadeiro bem da família indivisível e inexecutável que o pai transmite aos filhos; a ver se se estabelece e radica o amor ao lar, ainda íãc vivo nas províncias do Norte.

Outro ponto em que este projecto de lei insiste é na fiscalização constante e Insistente por parte do Estado, das entidades construtoras, e da que manejar o crédito, não só para evitar o lucro desenfreado na construção, mas para se não repetirem abusos que ainda estão na lembrança de todos.

Como se vê este projecto de lei visa um tríplice fim, moral, higiénico e social, e precisa para a sua efetivação ser considerado sob u:n duplo aspecto, o sanitário e o económico.

Do primeiro não trata este projecto de lei, visto que hoje, cumprindo-se as leis em vigor, se não podem construir casas insalubres.

É o segundo, o financeiro, que este projecto íenta resolver e que tem sido o Rubicão dos seus congéneres.

Para isso, e baseado na legislação em vigor, vcu buscar ao banco emissor, e sem encargos para o Estado, a

quantias precisas para a construção, que o construtor há-de restituir em determinado prazo.

Vou buscar ainda esses capitais a todas as instituições cujos fandos de reserva podem ser lucrativamente empregados, como sejam instituições de benificência, sociedades de socorros mútuos, monte-pios. caixas económicas, sociedades de seguros, etc., e para manejar os créditos cria, este projecto de lei, uma instituição, que se denomina Instituto de Crédito, à qual se exigem certas e determinadas responsabilidad.es por isso que o Estado lhe dá também umas certas garantias.

A Caixa Greral dois Depósitos e Instituições de Previdência é também autorizada a fazer empréstimos mediante um máximo de juro que considera bastante elevado, de 5 por cen:o.

A anuidade estabelecida no artigo 6.°, constitui um máximo que não deve ser atingido, quanto mais excedido. Este máximo não pode deixar de ser estabelecido para evitar a exploração das classes pobres em nome dum sentimento humanitário, e para que não sejam prejudicados, pela concorrência, os actuais proprietários.

Em conclusão, é natural que se o Congresso aprovar este projecto de lei as cooperativas de construção, hoje com uma vida bastante precária, entrem num período de actividade, salvando-as duma morte certa, visto que nele são atendidas em parte as suas reclamações, e é de espe-rarr que outras novas se criem.

E natural também que as associações de socorro mútuo, as instituições de beneficência, as sociedades de seguros, etc., apliquem à pequena construção os seus fundos de reserva, e espero que o pequeno e grande capitalista coloquem os seus capitais nas sociedades construtoras que lhos devem remunerar bem. Fazendo isto além do juro certo que os capitais lhe devem render, visto os benefícios que esta lei lhes faculta, farão verdadeira assistência preventiva e contribuirão para o revigoramento do nosso povo pelo desaparecimento da tuberculose, que tantas vítimas faz no melhor e mais ridente período da vida. Quer dizer, praticarão o bem à inglesa, ganhando dinheiro que é a melhor maneira e mais prática e portanto mais útil. de exercer a caridade.

E como última justificação à apresentação deste projecto de lei transcrevi para aqui estas autorizadas palavras de Adolfo Blanqui.

Disse o ilustre economista:

a Estudei com religiosa solicitude a vida privada das famílias operárias, e posso afirmar que a insalubridade da habitação é o ponto de partida de todos os vícios, de todas as0 calamidades do seu estado social. Não há reforma que mais mereça a atenção e a dedicação dos amigos da humanidade».

Lisboa, 15 de Janeiro de 1912. = António Sernardino Roque.

Proposta de lei para a construção de habitações populares e higiénicas

CAPÍTULO I

Artigo 1.° As habitações populares, baratas e higiénicas a que se refere a presente lei. serão as construídas por cooperativas e outras colectividades de construção e crédito, legalmente constituídas para esse fim, cujos estatutos e regulamentos tenham sido aprovados pelo Governo.

§ 1.° As empresas mineiras, ferro viárias, industriais, ou de qualquer outra natureza, que explorem quaisquer concessões ou previlégios do Estado, poderão, ao abrigo desta lei, construir à sua custa as habitações salubres, necessárias para o alojamento dos operários que empregarem.

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§ 3.° Os municípios poderão também na medida dos seus recursos construir ou contratar a construção de bairros populares ou simples casas, destinadas ao alojamento das classes pobres e. em especial, dos indigentes.

Art. 2.° Para a efectivação da presente lei criar-se há uma entidade financeira, que se denominará «Instituto de Crédito», o qual distribuirá os capitais necessários para a construção das casas baratas.

§ 1.° O Governo estabelecerá as bases e as condições a que deve obedecer esse Instituto.

§ 2.° A criação deste Instituto far-se há por concurso público, e os títulos de preferência serão o estatuto e regulamento que melhor satisfaçam o fim desta lei.

Art. 3.° Haverá no Ministério das Finanças uma repartição intitulada «Repartição das habitações populares», a qual superintenderá na distribuição dos créditos e terá a fiscalização administrativa deste Instituto.

Art. 4.° A fiscalização técnica será feita pela Direcção j Geral das Obras Públicas e Minas, e a esta serão submetidos os projectos de construção das habitações populares. • conformes com o plano geral e com os projectos tipos, que deverão sempre obedecer às condições de salubridade, boa exposição, solidez, capacidade e higiene.

§ 1.° O disposto neste artigo não invalida as atribuições das câmaras municipais.

§ 2.° A entidade construtora será sempre ouvida para a aprovação do projecto.

Art. 5.° Para os efeitos desta lei consideram-se habitações populares baratas aquelas cujo custo não exceda 2:000$000 réis em Lisboa, 1:ÕOO$000 réis no Porto, réis 750$000 nas demais terras do país.

Art. 6.° As casas serão pagas em prestações de anuidade no prazo máximo de trinta anos; a taxa de juro não poderá exceder 5 por cento ao ano, e a anuidade de trinta anos terá como limite máximo a importância de 8$736,6S réis para cada 100$000 réis, incluída a amortização, comissão de gerência, limpeza e conservação, e seguro contra incêndios.

§ único. Sempre que. seja possível, com os contractos de construção far-se hão contractos de seguro de vida (artigo 40.°).

Art. 7.° Quando caducar o contracto de construção, ou o que o substituir por subrrogação de direitos e deveres, as casas construídas nos termos da presente lei poderão ser alugadas em regime de inquilinato, emquanto não houver quem as queira comprar.

§ único. Os prédios construídos, ou em construção, constituirão garantia hipotecária privilegiada, para a entidade j construtora.

Art. 8.° As habitações populares quer sejam casas isoladas ou em grupos, obedecerão sempre ás disposições e tipos gerais aprovados pelo Governo em concursos periódicos, e a sua construção estará sempre de acordo com as condições e posturas municipais e com os regulamentos de salubridade em vigor.

§ 1.° As habitações deverão ter sempre um terreno ou pátio anexo.

§ 2.° Nos planos de bairros importantes deverão ser incluídos os projectos de edifícios para escola com jardim de infância, lavadouro, cooperativa, forno comum, atelier de costura, creche, sede das associações de classe e balneário.

§ 3.° O edifício ou edifícios, de que trata o parágrafo anterior, constituirão pertença da junta de paróquia respectiva, a qual pagará até metade das anuidades, cobrando para isso dos moradores do bairro uma percentagem proporcional às rendas ou prestações que eles pagarem pelas suas habitações, mas nunca superior a l por mil, pagando a câmara municipal a parte restante.

Art. 9.° Quando para a construção de ^casas populares for preciso expropriar terrenos ou edifícios, a sua expropriação será considerada de utilidade pública.

CAPÍTULO II

Art. 10.° A verba autorizada pelo § 2.° do artigo 1.° será exclusivamente destinada à construção de habitação dos indigentes e servirá de garantia a um empréstimo, feito pela. Caixa Geral de Depósitos, ou outra entidade financeira, até a quantia de 1:000 contos de réis, à Instituição criada pelo artigo 2.°

§ 1.° O Instituto de Crédito retirará daquela eoma as quantias correspondentes ás construções concluídas, nos termos dos contractos firmados com a Direcção da Assistência Pública.

§ 2.° O prazo máximo para a amortização da dívida, custo das casas construídas, será de trinta anos, a contar do semestre da posse pela Assistência Pública não podendo a taxa de juro exceder 5 por cento ao ano.

§ 3.° A importância do custo da construção vencerá o juro de 5 por cento desde a data da conclusão da obra até á da entrega da chave.

Art. 11.° As editicações a que se refere o artigo antecedente logo que estejam concluídas entram na posse imediata da Assistência Pública, por intermédio da qual serão pagas as anuidades em prestações semestrais.

Art. 12.° E autorizada a Caixa Geral de Depósitos a efectuar o empréstimo a que se refere o artigo 10.° ou outros, destinados igualmente à construção de casas populares ; neste caso mandará um seu delegado fiscalizar os actos administrativos e técnicos das associações ou sociedades de construção e crédito com que tenham contractos de empréstimo, ao qual estas prestarão todos os esclarecimentos, podendo ele assistir às sessões da direcção, assembleia geral e conselho fiscal.

§ único. As construções ficarão hipotecadas á Caixa Geral de Depósitos, pela dívida contraída, durante o prazo da amortização.

,Art. 13.° A escritura de hipoteca das casas edificadas será recebida na Caixa Geral de Depósitos contra a realização do empréstimo, bastando a garantia da anuidade pelo Governo no caso de moradia para os indientes.

§ único. A amortização da dívida à pósitos poderá ser parcial ou totalmente antecipada, reduzindo-se no primeiro caso a anuidade.

Art. 14.° A sociedade de construção e crédito, que contratar com a Caixa Geral de Depósitos, entregará semestralmente ao director da mesma caixa um balancete dos seus fundos provenientes dos empréstimos, um relató-rioxdos trabalhos em construção e um inventário dos prédios construídos.

Art. lõ.° Com o fim de facilitar a construção a prazo de casas baratas, por juro módico, o Banco de Portugal abrirá, sob a garantia do Estado, ao instituto de que trata o artigo 2.°, um crédito em conta corrente de 5:000 contos de réis.

§ 1.° Emquanto vigorar o disposto no § único do artigo lõ!° da lei de 29 de Julho de 1887, aquela quantia sairá do excesso de circulação autorizada pelo decreto com forca de lei de 17 de Outubro de 1910 e pelo decreto da Assembleia Nacional Constituinte de 2 de Agosto de 1911.

§ 2.° Deixando de estar em vigor o § único do artigo 15.° da lei de 29 de Julho de 1887, o Governo, de acordo com o Banco de Portugal, dentro dos seus estatutos e dos contractos e leis em vigor, resolverá o modo de manter ou aumentar, se for preciso, a verba fixada neste artigo.

§ 3.° Para o Instituto de Crédito poder levantar qual-quer importância, deverá a respectiva requisição ser primeiramente visada pela repartição de que trata o artigo -3.°

§ 4.° O chefe desta repartição só visará as requisições à vista dos respectivos contractos, que arquivará, correspondentes aos créditos estipulados.

§ 5.° As quantias levantadas serão pagas com os juros cobrados pelos créditos efectivos (artigo 19.°) e pela parte proveniente do fundo criado pelo artigo 20.

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essa liquidação ser feita em trinta e três anos, ao j "aro de 3 por cento, sendo nos últimos quatro anos de 3 '/i por cento.

§ 6.° Nenhuma importância deverá ser solicitada sem que esteja devidamente garantida e os titules, que servirem de caução, entregues no Banco pelo Ministério das Finanças.

§ 7.° Da entrega desses títulos ao Banec se CDbrará recibo.

§ 8.° Compete ao Ministério das Finanças levantar os títulos de caução, quando a Repartição cks Habitações Populares mostre haver em poder do Banco um excesso de caução.

§ 9.° Os juros que os títulos, servindo de catiçac, vencerem, pertencerão ao Bstado.

§ 10.° A importância, a que se refere este artigo, em caso algum poderá ser desviada da aplicação indicada.

CAPÍTULO III

Art, 16.° A instituição que por diploma do Gcvêrao, nos termos do artigc 2.°, for juridicamente o órgão do crédito nos contractos para a construção de habitações populares, terá natureza comercial e poderá receber depósitos com destino ao crédito para as construções a prazo.

Art. 17.° Esta instituição poderá emitir duas qaaltda-des.de obrigações, umes correspondentes ao capitel sócia! e outras ao valor dos créditos hipotecários realizados, contanto que nunca íiaja em circulação vaLcr suparior à soma total dos créditos ein divida no fim de cada mês ou semestre.

§ I.° As obrigações que corresponderem ao capital social serão de tipo discinto e poderão também representar depósitos destinados ao crédito (artigo 16.°).

§ 2,° As obrigações do segundo tipo serãc emitidas, representando 90 por cento do valor de cada prédio: terão o formato, cor, impressão, fixadas pela repartição criada °pelo artigo 3.°, que as carimbará com um seio branco especial à medida da sua emissão, e levarão a assinatura do director-fiscal da repartição.

§ 3.° Estas obrigações devem acompanhar o movimento dos capitais mutuados, serão retiradas da circulação por compra ou sorteio, à proporção que forem £oortizadas: e serão logo queimadas.

§ 4.° A mesma repartição incumbe o cumprimento do

preceituado no parágrafo anterior, para o que o Instituto

de Crédito a habilitará com o montante das amortizações

• recebidas, acrescida da percentagem de l por IEÍÍ corno

receita da repartição.

Art. 18.° Quando o Instituto de Crédito se utilizar dos capitais facultados pelo artigo 15.°, sx5 poderá emitir as obrigações correspondentes ao seu capital social e a qualquer depósito, não podendo neste último caso o sei: valor exceder a metade das importâncias depositadas.

Art. 19.° A taxa do juro a cobrar pelos credites facultados à construção, em virtude do artigo 15.°, é fixada em 3 por cento ao ano. A comissão de gerência deverá ser fixa e limitada a l por cento do crédito concedido, além de qualquer percentagem até l por BJÍ! para outros encargos.

§ único. A metade daquela comissão será dividida pelo Banco de Portugal e pala Repartição das Habitações Populares até" completa arccrlização.

Art. 20.° As amortizações dos créditos facilitados pelo artigo 15.° constituirão um fundo de construção ch liahi-tações operárias ou de bairros mixtcs, pertencente ao Estado e serão depositadas na Caixa Geral de Depósitos.

§ 1.° O Governo -poderá, em qualquer época, aplicar os saldos disponíveis deste fundo ao indicado nos artigos 10.° e 11.°

§ 2.° No caso de liquidação e dissolução do Instituto de Crédito, este funde será distribuído pelas Câmaras Mu-

nicipais, com o encargo da construção das habitações po-pislares.

Art. 21.° Quando ao Instituto de Crédito forem facultados os recursos indicados no artigo lõ.°, facilitará ás câmaras municipais, cooperativas ou qualquer outra entidade construtora, os capitais precisos, nos termos gerais do seu estatuto e regulamento.

§ único As entidades reconhecidas no art. l.° e seis § 1.° poderá ser emprestado mediante hipoteca até metade do valor dos terrenos que possuírem para construção.

Art. 22.° As companhias e outras sociedades de seguros são autorizadas:

a) A empregar as suas reservas e os capitais disponíveis em obrigações do Instituto de Crédito que funcione em cumprimento do art. 2.°

b) e, mediante contracto de mútuo com hipoteca, a depositar nesse instituto, quaisquer somas disponíveis, com o fim e sobre a rubrica" de crédito hipotecário, não podendo entratanto nos contractos ir alem do valor de 75 por cento da propriedade contratável conforme o disposto no § 1.° do art. 22.° do decreto de 21 de Outubro de 1907.

c) Quando as companhias de seguros se aproveitarem da concessão da alínea anterior terão a prioridade na hipoteca.

§ único. As obrigações do 1.° tipo do Instituto de Crédito, que forem tomadas pelas companhia de seguros, serãc recebidas pelo mesmo instituto nos contractos de construção, pelo seu valor nominal até 25 por cento da importância com que essas companhias concorrerem, e ficam de conta própria, emquanto não representarem novos !| deposites.

!| Art. 23.° Ás instituições de previdência, particulares e || oficiais, e ás de beneficência é aplicável o artigo antece-I dente e seu parágrafo, mas não poderão empregar no crédito hipotecário mais do que l/$ das suas reservas.

Art. 24.° As cooperativas populares de construção e omtras sociedades construtoras a que se refere o art. 1.0? além do crédito que lhes é facultado pelo art. 21.°, poderão também levantar empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, pelo prazo máximo de 40 anos e nas demais condições que regulam o empréstimo de 1:000 contos de réis para habitações dos indigentes, com excepção da ga-I rantia do art. 10.° e observando-se rigorosamente o que ' se estipula nos art.os 25.° e 26.°

Art. 25.° Nos empréstimos feitos às entidades construtoras e às cooperativas, nos termos do artigo anterior, a Caixa Geral de Depósitos receberá um número de obrigações do tipo especial de 20$000 réis cada uma, equiva-ente ao valor de cada hipoteca, e fixará o formato, cor e impressão dos titulos, que serão carimbados com selo branco, depois de assinados pelo administrador da Caixa Geral de Depósitos.

§ 1.° Nestas obrigações deve inserir-se o texto do contracto de empréstimo efectuado, e o valor das obrigações era circulação nunca excederá a importância dos capitais por amortizar.

§ 2.° As despesas de impressão serào encargo das sociedades que levantarem os empréstimos.

§ 3.° Na Caixa Geral de Depósitos serão conferidas as obrigações pela lista confidencial, em que se consignem os respectivos números, e serão verificadas as assinaturas dos Directores as quais com excepção duma poderão ser de chancela.

§ 4.° Conferidas as obrigações, o administrador da Caixa G-eral de Depósitos assiná-las há.

Art. 26.° A Caixa Geral de Depósitos poderá lançar as obrigações na praça com a sua garantia, quando julgar conveniente, ficando a seu cargo o serviço do pagamento dos juros e reembolso das obrigações amortizadas.

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SESSÃO N.° 24 DE 17 DE JANEIRO DE 1912

administrador da Caixa Geral de Depósitos e por dois directores da Cooperativa, ou sociedade construtora que realizou o empréstimo, ficando um exemplar arquivado na Caixa Geral de Depósitos.

CAPÍTULO IV

Artigo 27.° O contratador ou possuidor dum prédio contratado para habitação própria, poderá entrar na posse imediata pela entrega das chaves, ou só depois do inquilinato ; mas em qualquer caso sempre com o pagamento completo dentro do prazo máximo de 30 anos, com as anuidades ou as rendas equivalentes, fixas em relação com a média anual dos salários do operariado e vencimentos dos pequenos funcionários (art. 39.°)

§ único. A 'transferência do prédio e seus encargos para terceiro não prejudica as condições contidas neste artigo.

Art. 28.° Os prédios construídos nas condições desta lei constituirão bens de família e, emquanto vivo algum dos cônjuges e haja filhos menores de 21 anos, não poderão ser executados.

Art. 29.° Por falecimento do marido contratador do prédio, e havendo filhos menores, o prédio ficará indiviso até à maioridade deles.

§ único. Havendo acordo das partes poderá o prédio ser concedido a um dos membros da família.

Art. 30.° O prédio contratado não poderá, em caso algum, ser executado por crédito de terceiro, emquanto durar o inquilinato ou o pagamento da anuidade.

Art. 3l.° Sendo o prédio contratado para habitação duma família operária que conste de cinco ou mais filhos além do progenitor ou progenitores ser-lhe há fornecida gratuitamente das matas nacionais a madeira necessária para a construção. '

Art. 32.° No pagamento das habitações a prestações, quando a primeira entrada não chegue para pagar o terreno as prestações serão recebidas em forma de renda, efectuando-se na conservatória simplesmente o registo provisório de posse relativo ao arrendamento, com o averbamento do manifesto da dívida predial na secretaria de finanças respectiva.

1.° A posse definitiva ou domínio do prédio, efectuar-se há com o pagamento da última renda da anuidade, ou do saldo que houver em dívida.

2.° A entrada do legítimo dono na posse plena e efectiva do prédio será dada em escritura de quitação.

Art. 33.° Nas anuidades será incluída a verba necessária para o construtor —ou o credor— ocorrer, por sua conta,' á limpeza, conservação e reparações necessárias, durante o prazo do pagamento do crédito.

Art. 34.° Ficam a cargo do devedor todas as despesas que derivem do seu débito, incluindo as inspecções, avaliação os seguros, e todas as judiciais e extra-judiciais, que forem feitas para obter ou assegurar o pagamento do crédito em aberto.

Art. 30.° Os arruamentos serão feitos pelas câmaras municipais devendo estas pagar a importância do custo dos respectivos terrenos.

Art. 36.° Em qualquer caso a amortização da soma ajustada para a construção duma habitação com pagamento em prestações de anuidade, poderá ser antecipada total ou parcialmente.

1.° Dando-se a amortização antecipada do capital mutuado, a prestação semestral, em que a anuidade se dividir, será reduzida proporcionalmente.

§ 2.° A mesma redução dar-se há na renda no regime do inquilinato.

§ 3.9 Para cada prédio haverá sempre uma conta de crédito, em que se mostre o movimento do capital mutuado.

Art. 37.° O pagamento das prestações semestrais poderá efectuar-se por meses e trimestres.

§ único. Às prestações de anuidade e seus pagamentos mensais ou trimestrais, .liquidados antes do vencimento, será abonado por meses completos um juro igual ao do capital mutuado ; as que se atrasarem pagarão pela mora o juro de 6 por cento desde a data do vencimento, acrescido de quaisquer despesas.

CAPÍTULO V

Art. 38.° O director das obras públicas do distrito, os presidentes das câmaras municipais, sub-delegados de saúde e um delegado das associações de que trata o artigo 1.° reunirão anualmente para em .comissão verificarem a média dos salários e vencimentos "do ano a findar e, com o exame do custo médio da vida local, fixarão qual a quantia máxima que poderá constituir uma an-nuidade com destino à aquisição de casa própria, e simultaneamente consultar sobre o preço mínimo e médio do custo duma habitação económica que preencha os devidos requisitos da hygiene, da solidez e do bom acabamento da construção.

Art. 39.° Anualmente, e no mês de Dezembro, cumprido o disposto no artigo antecedente, o Governo fixará para cada comarca, e por intermédio da Repartição das Habitações Populares, qual a renda e a anuidade máxima que, em relação com a média dos salários e vencimentos, devem figurar nos contractos de construção que tiverem de efectuar se no ano entrante.

Art. 40.° Em cumprimento do estipulado no artigo 6.° as entidades competentes para contratar poderão fazer seguros de vida aos indivíduos que ajustem a construção ou aquisição duma habitação, nas condições desta lei? de modo que por morte, incapacidade de trabalho ou desastre financeiro do segurado, seja garantido o pagamento parcial ou total do crédito, e por seu falecimento fique a casa na posse da família sem mais encargos.

Art. 41.° Os contractos de construção em que intervenham as companhias e sociedades mútuas de' seguros de vida propriamente, de doença ou desastre pessoal e financeiro, serão feitos por um ano e seguintes até ao termo dos efeitos executórios desses mesmos contractos.

Art. 42.° No caso do inquilinato a que se refere o artigo 7.° e o n.° 1.° do artigo 32.° o Instituto de Crédito, se p capital for fornecido por este, ficará responsável pela contribuição predial, oíi outras que onerem o prédio, até à posse de facto definitiva e plena pelo proprietário de direito. -

Art. 43.° A proporção que forem sendo edificadas as casas higiénicas serão demolidas outras tantas casas insa-, lubres.

Art. 44.° Quando se fizer a inscrição e descrição na conservatória, far-se hão os registos da consignação do respectivo prédio e dos seus rendimentos ao credor, sob a sua administração como credor hipotecário.

Art. 45.° No caso em que a propriedade tenha de ser chamada a solver a responsabilidade do débito do seu con-tractador, poderá esse débito ser liquidado por cessão de crédito, ou ser a propriedade transferida para outrem que a adquira por simples compra, ou vendida em praça, ou ficar em administração com os rendimentos consignados para fazer face aos encargos, contanto que o débito fique garantido.

§ único. Quando se der a hipótese prevista neste artigo o contractador terá direito ao saldo que ficar, depois de pago o débito do prédio.

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DIÁRIO DO SENADO

Art. 47.° O Governo fará os regulamentos necessários para a execução desta lei.

Art. 48.° Fica revogada a legislação em contrário.

Lisboa, lõ de Janeiro de 1912. = O Senador, António Bernardino Roque.

Foi admitido, mandado publicar no « Diário ao Governo» e enviado às comissões de assistência, finanças, fomento e legislação.

Leu-se na mesa a declaração que o Senador Adriano Augusto Pimenta apresentcu na sessão anterior.

O Sr. Presidente: — Tendo sido lido este documento, o que ponho á discussão é simplesmente se deve ser inserido na acta, no Suinário e no Diário das Sessões.

O Sr. Ladislau Parreira: — Sr. Presidente: eu acho descabida nesta assembleia, no Senado, esta declaração de voto; isto é uma declaração que teria todo o lugar, todo o cabimento, na acta da sessão conjunta do Congresso e seu respectivo Sumário. No Diárie do Senado, na acta da sua sessão, não me parece que tenha razão de ser mencionar-se esta declaração, porque o assunto não foi aqui tratado ou discutido. Eis a razão por que não dou o meu voto para que ela fique consignada na acta.

O Sr. Adriano Pimenta:—O documento que mandei para a mesa não é, não podia, nem devia ser? uma ^declaração de voto.

Fazendo parte desta Câmara que foi, a meu ver, esbulhada duma prerrogativa, e em condições estranhas, visto que a discussão em que foi tomada tal resolução não correu com a serenidade e principalmente com a largueza com que devia ter corrido, pois os abafaretes foram sucessivos, entendi que, ao tomar de novo lugar no Senado, devia fazer a declaração de principies que mandei para a mesa a fim de que ficasse consignado que houve alguém, nesta Câmara, que não se conformou coxa .o facto de lhe terem sido tirados prerrogativas e direitos que a Constituição lhe deu.

Com essa declaração não quis envolver a responsabilidade de mais ninguém, nem mesmo dos meus amigos políticos, a quem nem sequer consultei.

No Regimento desta Câmara determina-se que não se pode intervir em assuntos já discutidos e votados; mas, tratando-se dum acto inconstitucional, entend: que devia apresentar aquela declaração de princípios.

Este discurso será publicado na íntegra quando forem devolvidas pelo orador as notas taquigráficas.

O Sr. José de Castro: — As considerações que acabamos de ouvir são pessoais, como S. Ex.a disse, e aqui? temos que respeitá-las; eu. pelo menos, tenho que respeitá-las.

Há, porém, um ponto que me parece que S. Ex.a talvez não devesse tocar: é na passagem em que faz alusão, larga, à resolução do Congresso.

O Congresso reuniu, votou, e temos que respeitar o seu voto.

Já há tantas intrigas, tanta malversação, que talvez fôssp melhor ficarmos por aqui.

A questão está resolvida, e nós devemos ter respeito por aquilo que é nosso.

O Congresso somos nós: o Senado e a Câmara dos Deputados.

Desde que se resolveu o assunto, não o podemos discutir — e isto sem deixar de ter todo o respeito pela opinião do meu ilustre colega— porque me parece que S. .Ex.a está no direito de dizer que não concorda com o que foi resolvido no Congresso, fazendo essa declaração pessoaí sem responsabilidade jurídica.

O Sr. Eusébio Leão (aparte): — Não envolve a responsabilidade do Senado. (Apoiados).

O Sr. Presidente:—A única cousa que está em discussão, como já disse, é o pedido do Sr. Senador Adriano Pimenta para que a sua declaração seja inserida na acta, no Sumário e no Diário do Senado.

O Orador: —Não tenho nada a opor a isso.

Quanto à resolução do Congresso, é um caso julgado.

E nada mais direi,

S. Ex* não reviu.

O Sr. Machado de Serpa:—Desde que ouvi dizer a V. Ex.a, Sr. Presidente, qual a matéria sobre que podia pedir a palavra, vou cingir-ine a esse ponto restrito, embora pudesse observar a V. Ex.a que, a propósito dele, o ilustre Senador Sr. Adriano Pimenta se espraiou em várias considerações.

É uma declaração de voto ou seja o que for, e não vejo inconveniente nenhum em que sejam insertas na acta e nos nossos anais as ideias de S. Ex.a.

Devia ficar por aqui., mas permita-me V. Ex.a que sem sair da ordem. . .

O Sr. Artur Gosta (interrompendo}: — Eu é que tinha mais raàão para protestar contra o que se passou no Congresso : estava inscrito para falar e fui vítima do abafar ete.

O Orador: —Sem querer sair da ordem, nem opor-me ao que foi resolvido, eu digo simplesmente que entendo assistir-nos o direito de procurarmos interpretar bem, e bem compreender, o que o Congresso resolveu.

Não tícou o caso bem explícito; é um pouco confuso. Temos que o interpretar para nosso Governo, exactamente para não prejudicar o intuito que inspirou o Congresso.

É preciso saber se o Senado pode alterar as deliberações da Câníara dos Srs. Deputados no que respeita a impostos.

Creio que pode (Apoiados} e que a resolução do Congresso se resume nisto : que todos os projectos de carácter tributário ou fiscal tem de ser iniciados na Câmara dos Deputados. (Apoiados}.

Sendo assim, como julgo que é, podemos alterar qualquer proposta que trate de impostos.

O Sr. Adriano Pimenta:—Também é o que faltava. Era melhor pôr escritos na casa.

O Orador: — Podemos alterar, o que não podemos é iniciar.. „

O Sr. Adriano Pimenta:—Até podemos rejeitar.

O Sr. Presidente:—Peço a V. Ex.a que se restrinja ao que está em discussão: que é, se pode ou não ser inserta na acta, rio Sumário e Diário do Senado, a declaração do Sr. Adriano Pimenta.

O Orador: — Restrinjo imediatamente. E quanto ao assunto, que V. Ex.a nos propõe, já disse no princípio destas breves considerações qual era a minha maneira de pensar.

O orador não reviu.

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SESSÃO N.° 24 DP: 17 DE JANEIRO DE 1912

O livre e soberano Congresso j cá deliberou sobre esto assunto, e as suas resoluções acatara-se, até pela minoria; havendo apenas o direito de declarar o voto, lá, não aqu' no Senado.

O Sr Sousa da Câmara:—

O Sr. Presidente: —Já foi lida na mesa e está aqui à disposição de V. Ex.a

O Sr. Nunes da Mata: —Tinha pedido a palavra para um assunto um tanto parecido com este, porém guardo-o para mais logo.

Mas, já que estou com a palavra, e mesmo que não estivesse, entendo que é do meu dever dizer a minha opinião a respeito do pedido feito pelo ilustre Senador Adriano Pimenta.

Devo dizer que aprovo que a declaração do Sr. Adriano Pimenta possa ser publicada no Sumário e no Diário das Sessões desta Câmara, e bem assim na acta.

S. Ex.a, em lugar de mandar a sua declaração para a mesa, podia ter pronunciado aquelas palavras e assim elas eram inseridas na acta, no Sumário e no Diário. Mas S. Ex.a, em lugar de as pronunciar, escreveu-as. Parece-me que assim está mais efectivada a responsabilidade de S. Ex.a, do que tendo sido pronunciadas.

Não acho inconveniente algum em que essas palavras escritas por S. Ex.a possam ser publicadas onde deviam ser se tivessem sido pronunciadas. Isto é lógico e indiscutível.

O Sr. Ladislau Parreira:—Mas não tem oportunidade.

O Orador: — Mas S. Ex.a podia dizê-las quando entendesse, porque aqui é soberano. Nem V. Ex.a, nem ninguém pode tirar o direito a qualquer Senador de dizer franca e lealmente o que deseja. Só o Sr. Presidente é que pode retirar a. palavra a qualquer Senador, quando ele proceda de modo inconveniente. Este não é o caso que se dá, nem se podia dar, em vista da respeitabilidade e patriotismo do autor do escrito.

Sr. Presidente, se porventura fosse chamado a dar o meu parecer ou o autor da declaração me consultasse sobre se era conveniente para a República a ponderada declaração que mandou para a mesa, eu diria com franqueza que não lhe encontro a menor conveniência, mas o que não devo, nem posso, é com o meu voto negar ao autor do escrito, ou a qualquer outro membro desta casa, o direito de expressar por palavras ou escrito tudo o que sente em assuntos de interesse público.

O ser escrita a declaração, em lugar de ser expressa oralmente, não lhe tira a menor importância, antes lhe dá mais sob o ponto de vista da responsabilidade pessoal e especialmente sob o ponto de vista do alcance completo do que se pretende tornar público, emquanto ao próprio sentir.

Com efeito, como regra geral, aquilo que se escreve no remanso dum gabinete é de supor que seja a expressão do sentir calmo do autor do escrito, emquanto que no decorrer da sessão, em qualquer assembleia, poucos são os oradores que digamx precisamente o que desejariam dizer.

O Sr. Ladislau Parreira:—Eu tomo a responsabilidade das minhas palavras quando escrevo e quando falo.

O Orador:—Também eu tomo, mas muitas vezes, quando se fala, pode dizer-se um pouco mais do que se deseja, e também menos.

Não é só V. Ex.a que toma a responsabilidade das suas palavras, são todos quantos aqui estão, e eu pela minha parte, visto que V. Ex.a se referia à minha pessoa, declaro que nunca me recusei a essa responsabilidade, como a tomo terminantemente de todos os meus actos e de todos os meus intuitos.

O que queria dizer, e repito, é que qualquer Senador tem o direito de que as suas palavras sejam consignadas no Sumário e Diário das Sessões, assim corno n Só podemos negar o direito a que qualquer declaração escrita, expressando o seu sentir, ideias e princípios venha consignada no Sumário ou no Diário das Sessões e na Acta.

Era só isto o que queria dizer.

O Sr. Presidente: — Não havendo mais ninguém inscrito, vou consultar a Câmara subre se permite a inserção do documento apresentado pelo Sr. Senador Adriano Pimenta.

Vozes : — Não tem que consultar a Câmara.

O Sr. Adriano Pimenta: —

O Sr. Presidente:—Mas eu já tinha dado a palavra a V. Ex.a, antes do Sr. Nunes da Mata, e como V. Ex.a, que estava rodeado por alguns Srs. Senadores, não fi-esse uso dela, dei-a ao Sr. Nunes da Mata, por mero equívoco, de que peco desculpa.

O Orador:— Houve confusão da minha parte, mas eu *, que não ouvi que V. Ex.a me tivesse dado a palavra. V. Ex.a sabe que eu, nas poucas ou muitas vezes que tenho usado da palavra, tenho procurado ser o mais res-jeitoso possível para com V. Ex.a e, evidentemente, V. Ex.a não tinha intenção de lesar o meu direito, nem eu, reclamando agora a palavra, tenho a intenção de me queixar.

O Sr. Presidente: — Eu é que devia esta explicação a V.a Ex.a Tem V. Ex.a a palavra.-

O,Orador: — Agradeço a V. Ex.a a sua explicação, e muito pouco tempo vou tomar à Câmara.

Desejo apenas ratificar a afirmação de que o documento que mandei para a mesa-é simplesmente da minha responsabilidade pessoal, não envolvendo doutrina admi-;ida ou não admitida por esta Câmara.

Fiz essa declaração por escrito, e não oralmente, para evitar questões irritantes.

Medi as minhas.responsabilidades, e estou convencido de que não ataquei o prestígio da República.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taqiágráficas. .

O Sr. Presidente:—\rou consultar a Câmara sobre a inserção. . .

O Sr. Goulart de Medeiros: —Julgo que a Câmara não tem de ser consultada.

O Sr. Faustino da Fonseca:—É um mau precedente.

O Sr. Presidente: — Se a mesa tem dúvidas sobre o caso, não há inconveniente em que o Senado se manifeste.

Os Srs. Senadores que aprovam a inserção na acta, no Sumário e no Diário, do documento mandado para a mesa pelo Sr. Adriano Pimenta, queiram levantar se.

Pausa.

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DJAR10 DO SENADO

Texto do documento cuja publicação o Senado autorizou:

a Reconhecendo que a parte da proposta do Sr. Deputado José Barbosa, aprovada por maioria na sessão conjunta das duas Câmaras, no dia 12 do corrente, e que recusa a esta Câmara a alteração das leis em matéria de impostos é ilógica e inconstitucional:

1.° Porque pelo artigo 23.° da Constituição ó privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa, não sCbre watéria de impostos mas simplesmente sobre impostos, e que na sua literal interpretação não pode ser considerada aquela iniciativa senão como um acto de iniciar impostos novos, portanto, não permitindo a simples análise gramatical do contexto do artigo a significação lata que se lhe pretendeu dar;

2.° Porque tendo as duas Câmaras uma mesma origem popular de sufrágio directo, mal se justifica até pelo espírito da Constituição, semelhante privilégio ou prerrogativa da Câmara dos Deputados ;

3.° Mesmo aceitando, como se mão pode deixar de aceitar, segundo a letra do artigo, que à Câmara dos Deputados pertença a iniciativa dos novos impostos e quando muito o agravamento dos existentes; não se compreende nem ageita aos mais rudimentares principios da lógica, que a Constituição proíbe que a Câmara do Senado altere quaisquer impostos existentes, diminuindo-o, e favorecendo assim os interesses do povo, que directamente representa. Uma semelhante interpretação jurídica daquele artigo constitucional derivaria no absurdo, que actualmente o país observa de, apesar do Senado ter votado a eliminação dos direitos sobre azeite estrangeiro, baixando o preço deste género de primeira necessidade e favorecendo assiai as classes menos abastadas, a Câmara dos Deputados, por ciosa das suas pretendidas prerrogativas, protele a execução daquele projecto de lei, tão necessário, deis ando o povo a braços com a carestia do género;

4.° Porque briga com o n.° 1.° do artigo 26.°, que dá a qualquer das Câmaras o direito privativo da. . . suspender e revogar leis. E corno nada se estatui neste artigo, limitando este direito, deve entender-se que ae à Câmara dos Deputados pertence, privativamente, a iniciativa de novos impostos, nada indica que o Senado não possa suspender, revogar ou alterar impostos existentes;

5.° Porque, não tendo a convocação do Congresso -obedecido ao preceituado na Constituição e na forma que aí se acha determinado, a nada pode obrigar a sua resolução.

Sendo assim, julgo inconstitucional aquela parte da proposta, que recusa a-esta Câmara qualquer alteração dos impostos existentes, que não tragam agravamento para os contribuintes, e por isso peço que esta minta declaração fique consignada na acta, como registo de princípioSj e seja publicada no Sumário e Diário das Sessões. = Adriano Pimenta».

O Sr. Presidente:—Vamos passar aos assuntos de antes da ordem do dia.

Acham-se inscritos de ontem vários Srs. Senadores, o primeiro dos quais é o Sr. Nunes da Mata. a quem vou dar a palavra.

O Sr. .Nunes da Mata: — Em primeiro lugar é para mandar para a mesa um terceiro projecto sobre apicultura.

Vou ler primeiro o relatório que o precede para que o Senado veja os termos em que vai feito este projecto; e não leio a primeira parte do relatório porque, mais. ou menos, é a do primeiro projecto, mas vou ler uma parte que constitui .doutrina nova:

Leu.

Vou mandar para a mesa os duplicados, e, visto estar

com a palavra,- direi a V. Ex.a e aos meus ilustres colegas do Senado que, ao fazer, agora mesmo, a leitura daqueles artigos que deixo ao cuidado da outra Câmara fazer, sinto um certo, não direi arrepio, mas pezar, pelo ridículo a que isto se presta.

Não só pode prestar-se ao ridículo, mas, o que é pior. representa desperdício de forças vivas.

Estudei em tempo um pouco de mecânica, e, para poder dispor da minha pequena actividade, necessito usar das minhas fracas forças e modestos recursos, de modo a não perder uma única parcela da mesma actividade.

Por isso me custa mandar para a outra Câmara um projecto incompleto, depois de ter tido o trabalho de o fazer completo, quero dizer, conforme eu entendia que devia fi car completo.

Sem desrespeito por esse voto do Congresso, parecia-me que podsriam, as duas casas do Parlamento tomar uma resolução que nos livrasse da crítica de nós mesmos e da crítica do público lá fora.

A resolução, Sr. Presidente, parece-me que devia ser esta:

Artigo 1.° Nos projectos de lei apresentados no Senado, os artigos que alterarem os impostos são considerados como não existentes, não podendo portanto ser discutidos nesta casa do Parlamento, sendo o projecto remetido para a Câmara dos Deputados com esses artigos por discutir e votar.

Art. 2.8 Se a Câmara dos Deputados não votar os artigos dum projecto de lei mandado do Senado, em que haja altaração de impostos, ou se os rejeitar, ainda que o projecto de lei tenha de voltar ao Senado, não serão os referidos artigos, em caso algum, admitidos à discussão-juntamente com o projecto de lei.

§ único. No caso porem de que os artigos, que alteram os impostos, sejam discutidos e votados, com ou sem modificação, na Câmara dos Deputados, se o projecto voltarão Senado, poderão ser discutidos, modificados e votados juntamente com os restantes artigos do projecto de lei. = José Nunes da Mata.

Julgc, Sr. Presidente e dignos Senadores, que se esta resoluçc^o fosse adoptada nas duas Câmaras, não ficava menoscabado em cousa alguma o voto ou a deliberação do Congresso e que a clareza e bom resultado das leis muito teriam a lucrar com ela.

V Ex.as devem compreender o seguinte: suponhamos que eu mando para a mesa este projecto de lei, e que os artigos 1.°, 9.° e ]0.° vão em branco; é certo que no relatório eu tive o cuidado de mencionar como esses artigos devem ser redigidos, mas suponhamos que o projecto vai para a Câmara dos Deputados e que não há lá uni amigo meu, ou um amigo da apicultura e das abelhas, que se interesse pela questão.

Pode ainda acontecer que qualquer Senador, proficiente nalgum assunto que não seja da'especialidade de toda a gente, elabore um projecto em que haja uns artigos da sua especial especialidade, permita-se-me o pleonasmo, e que não haja realmente na outra Câmara nenhum Deputado quer seja versado nessa especialidade.

É claro que, se tais casos se derem, os artigos permanecem indefinidamente em branco, porque não há ninguém que os possa preencher, advogar e defender, e, por conseguinte, o projecto de lei nunca pode ficariam perfeito como se sôbi'3 esses artigos daqui levasse logo qualquer indicação.

Sr. Presidente: eu pedi a um Sr. Senador, que tencionava ir à outra Câmara, para consultar ali alguns dos seus membros sobre a viabilidade deste assunto.

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SESSÃO N.° 24 DE 17 DE JANEIRO DE 1912

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O Sr. Faustino da Fonseca:—Nós não podemos esperar por essas informações.

Leu-se, tem de ser mandado para a mesa.

O Sr. Presidente:—Entendo que o assunto deve ir à, comissão do Regimento.

O Sr. Eusébio Leão : — Trata-se duma questão constitucional que não pode ser discutida.

O Orador: — Sr. Presidente: um outro assunto: Pela terceira vez importuno V. Ex.a e o Senado fazendo interrogações sobre o que é feito dum grande número de questionários, perto de 2:000, segundo as informações quê tenho, sobre instrução primária, que há três para quatro anos foram recolhidos. Informarn-me que o número deles não é inferior a 2:000. Acho, pois, que é perfeitamente justificado este meu interesse, não só porque com tais questionários se despendeu uma avultada quantia, como ainda porque eles contêm indicações que se podem tornar muito aproveitáveis. Parecia-me, portanto, que seria de utilidade que esses questionários fossem entregues às comissões de instrução desta e da outra casa do Parlamento.

O Sr. Presidente: — O Sr. Artur Costa pediu a pá lavra para tratar dum negócio urgente.

S. Ex.a quere referir-se aos tumultos de Gouveia.

Os Srs. Senadores, que entendem que posso dar a palavra ao Sr. Artur Costa, tenham a bondade de levantar-se.

Foi aprovado.

O Sr. Artur Costa: — Não pude comparecer à ses-Scão de segunda-feira, e por isso só na sessão de ontem pedi a palavra para me referir ao assunto que vou tratar.

Mas como ontem me não chegou a palavra, e como não sei quando me chegaria, visto que na lista da inscrição, estou em sexto lugar, recorri ao expediente de pedir a palavra para um negócio urgente.

Agradeço à Câmara a benevolência que me dispensou concedendo-me a palavra; mas os Srs. Senadores verão que o assunto de que vou tratar é realmente importante e que reclama a sua atenção.

Quero referir-me aos tumultos ocorridos em Gouveia no domingo passado e preparados pela reacção.

Sr. Presidente eu recebi na segunda-feira, do Sr. Administrador do conselho de Gouveia, o seguinte telegrama.

Leu.

«Artur Costa, Senador, Senado, Lisboa.—Houve ontem aqui conflito grave em que se acha envolvido padre Isidoro pedia enviassem pessoa competente fim sindicar telegrafei governador civil. = Cândido Eibeiro».

No fêéculo de ontem encontra-se também o seguinte telegrama.

Leu:

«Gouveia, 15. t. — Ontem realizou-se uma imponente manifestação anti-clerical nesta vila. Milhares de pessoas, acompanhadas da banda 5 de Outubro, percorreram as principais ruas, vitoriando a República, Ministro da Justiça, autor da lei da separação, Associação do Registo Civil e outras entidades, e dando morras à reacção e aos traidores à Pátria. Quando o cortejo recolheu ao Centro Democrático, o conhecido padre Isidoro Lemos, conspi-. rador. provocou os manifestantes, arremetendo à benga-lada contra dois destes e ferindo uni outro, de nome António Bilrandeiro. Depois de disparar dois tiros, refugiou-

se no Club Camões, lugar de reunião dos conspiradores. O povo, indignado, invadiu o Club, em sua perseguição. Não o encontrando, fez tudo em estilhaços. O padre provocador e os seus companheiros fugiram, deixando os chapéus e os casacos. Lavra grande indignação contra o provocador, que ainda não apareceu, sendo procurado o seu paradeiro. A autoridade procede, conforme o caso reclama.»

Sr. Presidente : em todo o país, e não só em Lisboa e Porto, se realizaram no domingo passado manifestações de protesto contra a reacção.

Antes de mais, aproveito a circunstância de estar no uso da palavra para declarar que me associo conapleta-mente às palavras, que aqui proferiu o Sr. Senador Adriano Pimenta, de saudação ao Porto e Lisboa por essas manifestações, que, aliás, se realizaram na melhor ordem.

Como ia dizendo, no domingo passado realizaram-sc essas manifestações na melhor oi'dem, em todo o pais, exceptuando Cezimbra e Gouveia; mas parece que os factos de Cezimbra não tem muita importância.

As manifestações, como a Câmara sabe, tiveram por fim patentear a adesão do povo aos actos do Governo contra os movimentos reacionários.

É preciso saber-se que em Gouveia reside actualmente o patriarca, em virtude dum decreto do Governo que o impediu de residir em Lisboa durante um certo tempo.

E preciso que a Câmara também saiba que à chegada do patriarca a Gouveia se fizeram manifestações, se tocaram os sinos e se deram vivas à monarquia.

Houve também Te.-De.um e pouco importava que houvesse esse ou outro qualquer acto religioso, se isso não desse causa á perturbação da ordem pública.

O povo de Gouveia, sobretudo o povo operário, não gostou das manifestações que se fizeram à chegada do patriarca, mas não a perturbou nem a embaraçou, e, no uso legitimo do seu direito, promoveu em dia diferente uma manifestação anti-reaccionária a favor da República, e de solidariedade com os actos praticados pelo Governo.

Essa manifestação correu muito bem até que o padre Isidoro se lembrou de a perturbar, e por uma fornia tam violenta como se vc dos telegramas que eu acabei de ler à Câmara.

Mas o mais grave ó que o célebre centro ou Club Camões, onde o tal padre Isidoro cometeu as proesas já referidas, é, segundo as informações que tenho, um coió de reaccionários e, digamos ate, de conspiradores contra a República.

. No último Natal realizaram-se, dentro daquele club, duas soiréeSj e um cavalheiro, que é advogado, recitou uma poesia alusiva à religião e ao menino Jesus, sendo depois distribuídas medalhas com a efígie de Nossa Senhora.

A reacção transformou aquele club num verdadeiro templo.

Mas há mais.

O patriarca foi acompanhado a Gouveia por um funcionário de justiça, que dizem ser seu secretário.

Os jornais noticiaram que o patriarca foi acompanhado pelo sr. Fulano, e esse sr. Fulano é escrivão de direito numa comarca próxima de Lisboa.

Pois esse sr. Fulano, ao chegar a Gouveia, atacou, em público, as leis da República segundo informações que me foram enviadas, pela seguinte forma:

Leu.

Disse isto o secretário do patriarca, que acumula essas funções com o lugar de escrivão de direito.

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DIAUIO DO SENADO

Quanto ao padre Isidoro, que não conheço pessoalmente, diz se que é um brigão, um sujeito baixo, gordo, atarracado e provocador, que, quando tem alguma questão com qualquer indivíduo, se atira logo a ele com violência.

E um tipo com coragem e forca; e talvez fosse devido à necessidade física de desenvolver os seus músculos, que se atreveu a dirigir-se a um grupo de manifestantes e a disparar dois tiros.

Este indivíduo é, segundo informações que me dão, filho dum comerciante de vinhos e frequenta a loja do pai, onde se faz propaganda monárquica com libações ao deus Baco.

Isto é, de resto, indiferente. O que, porem, não ó indiferente é a perturbação da ordem pública, quando os republicanos estavam no direito de se manifestar, o que fizeram na melhor ordem e por forma a não maltratar ninguém.

Voltando ainda a referir-me ao célebre Club Camões, sei que os seus frequentadores tocam lá o hino da carta e que se referem, pela maneira a mais insultuosa, aos vultos republicanos que qualquer se lembra de citar.

E claro que o povo, indignado com as provocações e irritado pelos precedentes do tal padre Isidoro, entrou no club, o que fez com que todos os indivíduos, que lá estavam, desaparecessem sem terem tempo sequer de levar os casacos e chapéus, e seguindo-se os factos que eu lamento, e que poderiam ter assumido carácter gravíssimo.

Houve participação oficial da tumultuosa ocorrência promovida pelos reaccionários, e o juiz de direito mandou levantar auto de corpo de delito.

Pois um dos frequentadores do club, que é também funcionário da República, dirigiu, segundo consta, impropérios, injúrias, ao juiz? insultou a República, disse cousas espantosíssimas; de tal forma que o juiz, que é um homem prudente, se viu na necessidade de o mandar expulsar.

Se o tal funcionário fosse um simples cidadão, nem por isso deixaria de merecer censura; mas, dada a sua situação oficial, o facto assume maior gravidade, dado que se prova; e por isso é preciso que se averigui até onde vai a responsabilidade, deste e doutros funcionários da República.

Sr. Presidente: eu não sei até que ponte os funcionários da vila de Gouveia levaram os seus ataques contra a República; mas o que não posso deixar passar sem protesto é a sua atitude, e peço ao Governo todas as providências que o caso reclama, porque a estada do patriarca ali, pelos exaltados amigos que o cercam, pode trazer uma conflagração de consequências gravíssimas.

Vejo aqui representado o Governo pelo Sr. Presidente dó Conselho. S. Ex.a ouviu as notícias referentes aos acoQ-tecimentos de Gouveia, ouviu as considerações que sobre eles fiz; tem na sua mão os meios de mandar inquirir ou investigar os mesmos factos, para que toda £ verdade se averigue: espero, portanto, que o fará no interesse da ordem pública, da Justiça e da República.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos); — Eu não tinha conhecimento dos factos a,que se referiu o Sr. Artur Costa. Decerto o terá o Sr. Ministro do Interior, mas S. Ex.a tem estado bastante incomodado de saúde, e por isso não tem podido comparecer nas sessões do Parlamento.

E claro que o Governo poderá proceder a uma investigação rigorosa sobre o que se passou em Gouveia.

O caso, porem, não me parece que tenha grande importância.

Houve tumultos, e é preciso evitá-los.

Fugiram todos os perturbadores logo que viram a ati-

tude do povo, e fugiram deixando até os casacos e os chapéus.

Parece-me que a forca dos reacionários não será muita.

Quanto ao padre que pouco evangélicamente guerreia a República, esse padre caiu dentro da alçada°da lei, que lhe será aplicada com o rigor com que o tem sido a todos aqueles cujo procedimento é incorrecto e nocivo à ordem pública, que o Governo fará sempre manter com energia e firmeza.

O Sr. Artur Costa — Agradeço a resposta do" Sr. Presidente do Governo.

O Sr. Peres Rodrigues : — O Sr. Nunes da Mata apresentou uma proposta à apreciação desta Câmara que acho perfeitamente justificada, porque se trata de saber como hâo-de proceder os membros desta Câmara que tiverem iniciativa em projectos de lei que não sejam essencialmente sobre matéria tributária, mas que envolvam adjectivamente qualquer disposição que vá contender com impostos.

Quando se realizou a sessão conjunta das duas Câmaras, eu tive a esperança de que resultasse dessa sessão a fixação de normas de procedimento que era necessário fixar.

Desde que se diz que não ,é permitida a iniciativa sobre umas certas matérias aos membros d'esta Cíimara, parecia-me necessário que categoricamente se explicasse, ou pelo menos da discussão resultasse qualquer cousa que elucidasse quem tenha uma iniciativa sobre matéria essencialmente diferente, mas que acessoriamente colide com alguma das matérias interditas.

Por exemplo, há um projecto de lei aqui apresentado o que teve hoje segunda leitura, sobre casas baratas.

Nesse projecto, elaborado com todo o cuidado como já se vira à primeira leitura, e escrupulosamente estudado, há alvitres de isenção de tributos sobre construções.

Ora, esta iniciativa há-de ser posta de parte pelo facto de conter referências, de conter alvitres em matéria tributária ?

O Sr. Machado de Serpa: — Era isso que eu estabelecia na minha proposta, que foi rejeitada.

O Orador:—São casos que constituem matéria acessória ; em todos os projectos há a matéria principal e a matéria acessória.

O Sr. Machado de Serpa : — A minha proposta compreendia essas matérias como V. Ex.a indica, mas o Congresso rejeitou-a, reconhecendo como boa a moção do Sr. José Barbosa.

O Orador: — Isto não é uma interpretação, é a reprodução do que se acha estabelecido .na Constituição sem mais interpretação alguma.

Eu levantei aqui esta questão por me parecer que da lei constitucional resultava puramente a exclusão da iniciativa sobre impostos..

No meu entender a restrição constitucional deve referir se exclusivamente à iniciativa sobre impostos, essencialmente sobre impostos, mas quando houvesse um projecto em que o imposto fosse uma questão acessória, essa disposição não podia ser aplicada.

Mantenho este modo de pensar e nesta conformidade desejaria que se fixasse o modo de proceder.

O Sr. Machado de Serpa:—Não foi assim que se procedeu no Congresso.

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SESSÃO" N.° 24 DE 17 DE JANEIRO DE 1912

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linal cm que o bom senso, o desejo de servir a República desse aquilo que era de esperar, mas parece que isso nào se deu, de maneira que temos que usar de recursos que até certo ponto p.odem parecer jesuíticos, se não ridículos, (Não apoiados) como o de mandar um projecto com um certo número de artigos em branco.

Eu nào concordo com isso, mas sujeito me por arnor ao meu pais.

Temos que adoptar este procedimento à falta doutro, para não restringir cooperações de valor, e inutilizar belas iniciativas.

Portanto desejaria que a proposta de resolução man--dada para a mesa pelo Sr. Nunes da Mata fosse estudada c aprovada nesta Câmara, ou então que se adoptasse outra forma, como já começou a ser usada pelo ilustre Senador Sr. Bernardino Roque, isto é, consignar somente no relatório que preceder o projecto os alvitres que contendam com matéria tributária.

-• O Sr. Sousa Júnior: — Sr. Presidente e ilustres colegas : O Sr. Senador Silva Cunha apresentou, como V. Ex.as sabem, um project.o de lei autorizando um crédito de 100 contos de réis, pelo Ministério do Fomento, para concerto do porto de Leixões.

Eu disse a esse propósito que era inadiável tal concerto e que não o fazer seria um desacerto e um desgoverno.

Os factos encarregaram-se infelizmente de me dar razão dentro de poucos dias.

O mar, agitadíssimo na nossa costa, continua destruindo o porto de Leixões, não só no molhe sul, como tsrubêm nas obras de reparação ultimamente feitas no molhe norte.

Já o molhe sul estava destruído na extensão de 34m,5; agora mais 5 metros foram derruídos e o rombo vai-se estendendo para o fundo, para a-base.

Este caso do porto de Leixões faz-me lembrar o dum indivíduo que faz um rasgão no casaco e não se quere dar ao trabalho de o mandar coser. .. Em pouco tempo o casaco está inutilizado.

£ Pergunto a V. Ex.as, nestas condições, se não é urgentíssimo compor o porto de Leixões para evitarmos, com uma despesa relativamente pequena, a perda duma obra que ncs custou vários milhares de contos de réis?

Para mim trata-se dum serviço que não pode comportar qualquer delonga.

Para proceder às obras do porto de Leixões o Sr. Silva Cunha apresentou esse projecto, criando um credito de 100:000^000 réis pelo Ministério do Fomento, esse projecto que teve hoje a segunda leitura na mesa; permito-me, portanto, pedir que sem demora seja mandado à comissão de finanças, porque já tive ocasião de falar, com alguns dos seus membros e sei que estão na melhor disposição de dar parecer sobre ele, de modo que nós possamos apro-vá-Jo aqui o mais rapidamente possível.

Esse crédito vai habilitar o Sr.-Ministro do Fomento, logo que a tempestade amaine, a mandar começar as obras do porto de Leixões.

O segundo ponto, para que chamo a atenção do Senado, diz respeito ás febres tifóides em Lisboa.

Ontem, na Câmara dos Deputados, versou-se este assunto, e tendo ficado a opinião pública certamente -alarmada por se imaginar que havia uma epidemia importante, devo declarar que tal facto se.não dá.

Pelo que respeita a Lisboa e ao Porto, as duas cidades em que a febre tifóide mais castiga as populações, não há, assevero-o, razão para qualquer alarme.

A verdade é que a febre tifóide ó uma doença que em Portugal, como nos outros países, se desenvolve no fim do outono e princípios do inverno, de maneira que estamos atravessando a fase de existência dessa doença,'um pouco mais levantadamente que costuma dar-se nas outras épocas.

Não há motivo para alarme especial, repito o; e desejo

fazer esta declaração, porque todos os inimigos da República aproveitam as mais pequeninas cousas para lhe criar dificuldades. .

Felizmente a República não tem mais febre tifóide que a monarquia; está na mesma situação.

Agora o que vai suceder, bem o creio, é que a República tratará do caso com os cuidados especiais que a monarquia não teve, e para isso chamo a atenção do Sr. Presidente do Governo, que ó um ilustre professor de medicina, muito competente para julgar do assunto no ponto de vista técnico.

Como já disse, versou-se ontem na Câmara dos Deputados a questão e a teoria da transmissão da febre tifóide pela água; como V. Ex.a sabe, melhor ainda do que eu, Sr. professor Augusto de Vasconcelos, o caso hoje não se apresenta com essa simplicidade; hoje há outras teorias.

Por consequência, entendo que é necessário que o Governo nomeie uma comissão permanente, que deve ser constituída por membros do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, e outros indivíduos competentes para fazerem estudos especiais sobre o assunto.

Lembro até que na classe veterinária há alguns ilustres membros muito competentes para entrarem nessa comissão; são os que estudaram muito bem, aqui em Lisboa, o bacilo coli.

A Alemanha tem comissões permanentes a estudar a febre tifóide. Nós devemos imita Ia, porque temos elementos para o fazer.

Os nossos técnicos tem competência desde já para arcar com o problema.

Combater esta doença endemo-epidémica, que, incontestavelmente em Portugal e noutros países mais avançados que o nosso, se vai alastrando, é um dever dum país progressivo.

A verdade é que, apesar da higiene moderna, apesar dos seus progressos assombrosos no estrangeiro, tem-sc visto que a febre tifóide ainda está vitoriosa; todas as nações são castigadas por esta doença; mas como nós ternos um instituto onde podemos ir procurar meios de a combater, instituto que, incontestavelmente, rivali/sa com os do estrangeiro, entendo que é muito justo que o Governo, pelo Ministério do Interior, nomeie uma comissão, composta do pessoal desse Instituto Bacteriológico, com outro agregado, se se entender conveniente, para estudar especialmente o assunto.

Agjra vou falar a respeito da questão do Porto, e desde já quero declarar que não venho de nenhum modo suscitar a contenda de ontem. Venho simplesmente dar alguns esclarecimentos, pára que sejam consignados nos nossos anais. Costumo timbrar em provar o que digo; nunca faço asserções gratuitas.

Ontem, quando aqui falou o Sr. Martins Cardoso, com respeito às declarações do Sr. Xavier Esteves, feitas na Câmara Municipal do Porto, tive ocasião de dizer, em aparte, que ò Sr. Xavier Esteves não tinha dito aquilo que o jornal lhe atribuíra.

Hoje tenho a prova, para dar ao Senado, e ao Sr. Martins Cardoso, de que realmente o Sr. Xavier Esteves não pronunciou as palavras que os jornais puseram na sua boca.

S. Ex.a foi entrevistado por um redactor dum jornal, A Capital. Provávelmeute o ilustre membro do Senado desconhece essa entrevista, pois o Sr. Xavier Esteves disse a esse redactor:

«Nós sabemos bem que a culpabilidade destes factos não pertence ao generoso e revolucionário povo de Lisboa. Mas, o que é certo é que o Porto foi, e é ainda hoje, olhado com desdém pela alta burocracia que reside na capital».

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DIÁRIO DO SENADO

Pelo contrário-, faz-lhe rasgado elogio. Agora do que se queixa é da burocrack, que é um tanto impertinente e morosa. . . E tardigrack, quando não é retrógrada.

Ante-ontem, ao falar-se aqui num assunto que veio à tela da discussão por causa de certo artigo do jornal A Republica, que tem por director o Ministro do Interior do Governo Provisório, eu disse que a maior queixa que o Porto tinha da burocracia justamente incidia no Ministé-do Interior, e nomeadamente no tempo do Governo Provisório.

Foi esta a minha asserção; tenho agora a prova dela nestas palavras do Sr. Xavier Esteves quando diz na citada entrevista de A Capital:

Como vêem V. Ex.as, o queixume do Sr. Xavier Esteves refere-se designadamente ao Ministério do Interior, durante o consulado do Governo Provisório.

De maneira que, associando este facto a outros que apresentei, nomeadamente a tudo quanto se refere â questão da assistência no Porto, desejo que fique bem consignado nos nossos anais que as minhas asserções ficam inteiramente provadas.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos

Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): — Pelo' que respeita ao porto de Leixões, o Sr. Sousa Júnior sabe já que o Governo liga a esse assunto a maior atenção e continuará a ligar.

O Sr. Ministro do Fomento vai. por estes dias. ao Porto ver o estado das cousas e estudar com as autoridades locais e com as pessoas competentes o que bá a fazer, porque o Governo tem o maior interesse em velar pela cidade do Porto, como por todas as outras cidades ou povoações do país.

O Governo não é regionalista, é de toda a Nação, e tanto interesse toma pelos melhoramentos que dizem respeito a esta ou aquela cidade, como pelos melhoramentos que dizem respeito ao mais obscuro povoado.

Pode o Senado ter a certeza de que é e será sempre esta a nossa política.

Quanto à febre tifóide, estou de acordo com S. Es.a

Ontem não possuía os elementos estatísticos que hoje possuo e que me habilitam a dizer à Câmara e ao país que não há este ano uai recrndescimento da endemia de febre tifóide, tendo-se passado, aproximadamente, o que se passou no ano anterior.

Portanto, como disse o Sr. Sousa Júnior, que é ao mesmo tempo um ilustre professor de medicina, não lá mais febres tifóides sob o regime republicano do que havia sob o regime monárquico.

Eu aceito o alvitre da nomeação da comissão para o estudo da endemia de febre tifóide, alvitre que me parece muito aceitável e vou, com o meu colega do laterior, estudar o meio de pôr em prática esse alvitre, realmente digno de ser considerado debaixo de todos os seus pontos de vista.

O Sr. Sousa Júnior .'—Agradeço a V. Ex.a a sua resposta.

O Sr-. Anselmo Xavier (por parte da comissão de petições}:—[Envio para a mesa, por parte da comissão de petições, alguns pareceres, a saber:

Sobre a representação do revolucionário Armando da Silva Almada.

Sobre a representação dos cidadãos Macedo de Bragança, Júlio Martins Pires e Carlos Gonçalves.

Sobre as ,representações dos presos das cadeias do Limoeiro, de Évora e do Porto.

Sobre a representação do revolucionário António Delgado Louro.

Sobre a representação do cidadão Raul Magalhães Cou-tinho.

Sobre a representação de Lino Bento Simões.

Todos estes pareceres, bem como os documentos que, os acompanham, foram publicados integralmente no «.Sumário» n.° 24.

OBDEM DO. DIA'

Continuação da discussão do parecer n.° 26,

sobre o projecto de lei que tem fim criar uma escola prática

de agricultura em Viana do Castelo

O Sr. Silva Barreto :—Vou prosseguir nas minhas considerações ontem interrompidas por haver dado a hora.

Sabem muito bem os Srs. Senadores que há um país na Europa que tem o ensino primário agrícola admiravelmente montado:—é a França.

Mas deixando essas considerações para os que mais proficientemente as devam tratar, eu direi que, segundo a minha opinião, o Governo podia aproveitar os trabalhos e os serviços dos agrónomos distritais, cujas funções actualmente se .limitam a preencher mapas estatísticos ; podiam ser aproveitados, auxiliados pelos regentes agrícolas, para a elaboração dum relatório que servisse de base a uma reforma profícua da qual resultasse a boa organização das escolas agrícolas.

Ora. Sr. Presidente, não sei se as escolas agrícolas que existem r,o nosso país estão bem distribuídas. Sobre essa parte do ensino técnico outros dirão o que souberem.

Sobre o ensino propriamente industrial eu não tenho dúvida em afirmar que ele está pessimamente distribuído no nosso pais.

Há escolas industriais em terras que não tem indústria alguma, privando-se delas centros de indústrias importantes.

Sr. Presidente: houve um homem em Portugal que pen-. sou maduramente no ensino industrial técnico e que bastante fez em favor do assunto. Foi Emídio Navarro. Esse homem, cujo plano eu acompanhei, por mera curiosidade, conseguiu realmente trazer para o nosso país o que havia de melhor lá fora. Importou para Portugal homens experimentados e conhecedores destas questões. Ainda existem hoje professores contratados por esse Ministro da monarquia.

Mas V. Ex.a vai ver que a, breve trecho a obra de Emídio Navarro desapareceu completamente.

Algumas escolas industriais que ainda hoje existem, e que havkm sido montadas segundo as necessidades profissionais do ensino técnico, estão sendo dirigidas por um só professor; quer di?,er, tornaram-se inúteis aã escolas industriais e tornou-se o ensino, à semelhança do dos liceus, demasiadamente clássico, e é assim que nas escolas industriais se ensina física, química, botânica e línguas, como se ensina nos liceus.

Lamento que não haja elementos de estudo e de preparação para uma base regular e conveniente do ensino local adicionado de condições técnicas.

Vou concluir as minhas considerações, Sr. Presidente. Tenho ouvido dizer muitas vezes ao Sr. Ministro do Fomento, e a outros membros do Senado, sobretudo ao Sr. Ministro das Finanças, que no nosso país não há dinheiro, ou antes que o Governo não tem dinheiro, e que sem ele se não podem empreender certas-reformas.

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proendor certos melhoramentos, valendo-se unicamente das receitas ordinárias. Essas receitas são destinadas a custear despesas, também ordinárias.

Nós não temos estradas, não temos caminhos de ferro, não temos escolas, e, se não temos dinheiro, pergunto:

Como ó possível esperar que as forças do Orçamento permitam desenvolver estas fontes de riqueza pública?

Desta maneira não podemos esperar que esses melhoramentos venham para as calendas gregas, ou para, daqui a vinte ou trinta anos.

Ora isto não pode ser.

Acho que é uma scie esta a que os Governos recorrem para se desculpar de não quererem entrar a valer no engrandecimento das grandes reformas, das quais depende evidentemente, a prosperidade do país.

Se dentro das forças do Orçamento não há verba para ocorer a certas e determinadas despesas é indispensável ir procurar esses recursos, onde quer que ê!es se encontrem, e naturalmente o indicado para proceder a essa busca é o Sr. Ministro das Finanças.

É este membro do Governo quem deve procurar receitas que permitam fomentar e desenvolver a riqueza pública.

. O que se não admite é que as cousas continuem como até aqui.

O que se não admite é que -se continui a dixer que nem há dinheiro para empreendimentos novos, nem sequer para conservar os que existem.

Vou concluir.

Tenho pedido a palavra antes da ordem do dia, com a presença do Sr. Ministro da Justiça, mas ainda me não chegou o ensejo de dizer o que se me oferece em relação a um assunto da sua competência.

Também peço a V. Ex.a, Sr. Presidente, que se digne fazer constar ao Sr. Ministro do Interior que tenho muita necessidade de conversar com S. Ex.a

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): — O Sr. Ministro do Interior está doente.

O Orador: — Ncão sabia. Nesse caso só me cumpre desejar que a doença de S. Ex.a não seja de gravidade, e que. o mais depressa que ser possa, aqui venha para ouvir algumas considerações que- tenho de apresentar lhe com relação a questões que correm pela sua pasta.

Tenho dito.

O Sr. Cristóvão Moniz (por parte da comissão do fomtntoj: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da comissão do fomento sobre o projecto de lei, que tem por fim regulamentar as sociedades e empresas destinadas a exercerem o comércio de géneros alimentícios de primeira necessidade.

Á imprimir.

O Sr. Rodrigues da Silva: — Sr. Presidente: as considerações, que tencionava apresentar à Câmara contra o parecer em discussão, já foram aqui formuladas pelos Srs. Senadores que me precederam no uso da palavra e que o fizeram com mais brilho do que eu o poderia fazer.

Portanto, como não trago para o debate novos argumentos, e não tenho o prurido de falar, por falar, limitar-me hei a declarar que voto contra o parecer da comissão do fomento e terminarei as minhas considerações, narrando ao Senado um caso simples que vale bem um discurso de aplauso ao projecto de lei do Sr. Senador Alves dajOunha.

Esse caso, que me foi contado pelo administrador do concelho de Ponte da Barca, resume-se no seguinte:

Quando aquele administrador pretendeu organizar, numa freguesia do seu concelho, uma comissão paroquial, só encontrou, alem do pároco, duas pessoas que soubessem ler^e escrever.

Este caso, muito simples, vem mostrar quanta verdade existe nas considerações que o Sr. Senador Alves da Cunha aqui fez a propósito do estado de rotina e atraso em que se encontra o povo do alto Minho, e demonstra a utilidade e urgência da criação da Escola Agrícola para o distrito de Viana do .Castelo.

Tenho dito.

O Sr. Miranda do Vale: — Obedecendo às prescrições do Regimento, começo por mandar para a mesa a seguinte moção:

«O Senado, reconhecendo que a criação de escolas agrícolas não é o meio mais próprio para a propaganda das ideias democráticas, e convencendo-se de que o ensino elementar agrícola deve ficar entregue á iniciativa das corporações administrativas e de entidades particulares, resolve aprovar o parecer da comissão do fomento e con-tinuar na ordem do dia. = 0 Senador, José Miranda do Vale,)).

Sr. Presidente: dispenso-me de fazer o elogio que merecem as intenções do Sr. Senador Narciso .Alves da Cunha, autor deste projecto de lei.

O elogio dessas intenções está feito.

E não é preciso renová-lo, porquanto todos nós temos a maior consideração por S. Ex.a e eu só viria repetir o que já está dito e que está, também, no ânimo de todo o Senado.

Nc^o há dúvida de que as'intenções de S. Ex.a foram justas; mas o seu projecto de lei não satisfaz, a meu ver, as suas próprias intenções. .

E é este ponto que me proponho demonstrar.

A comissão do fomento não pensou, realmente, que o projecto visasse à propaganda dos ideais democráticos.

A comissão não encarou o assunto por esse lado; mas, ainda que assim houvesse procedido, estou convencido de que lhe não daria um voto aprovativo.

A propaganda da República, a forma de levar ao conhecimento das populações rurais as vantagens da República sobre a monarquia, não deve ser a de copiar os processos monárquicos, processos que tam condenados foram pelos republicanos; deve, pelo contrário, tender a dar ao país uma outra orientação política, uma forma muito mais levantada e muito mais grandiosa, procedendo-se sem intenção de distinguir regiões e sem a preocupação de satisfazer os desejos desta ou daquela povoação, mas sim no intuito de administrar equitativamente o pais inteiro.

Eu faço justiça às intenções do Sr. Narciso Alves da Cunha, que são as melhores, mas é mau iniciar esse caminho.

,; Se a República fosse dar uma escola agrícola ao Minho, com que direito a poderíamos recusar a qualquer outra localidade para onde também fosse pedida ? (Apoiados).

E seguiríamos por este caminho fora em política de campanário, como era costume na monarquia; mas eu desejaria que fosse outra a orientação da República.

Essas escolas devem ser administradas pelas entidades locais e não pelo Estado.

As escolas, como o Sr. Narciso Alves da Cunha as queria, destinadas a propaganda política, seriam uma cópia do procedimento da reacção religiosa.

E, de resto, podia dar-se o caso de ficar à frente dessa escola um indivíduo que, pelas suas ideias pessoais, fizesse uma propaganda oposta àquela que o Sr. Narciso Alves da Cunha desejava que se fizesse.

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DIÁRIO DO SENADO

que decerto S. Ex.a concorda comigo c que antes de se estabelecer, de se iniciar qualquer obra de administração pública, é preciso primeiro, é absolutamente indispensável gisar um plano.

E no caso de que se trata é necessário que se saiba qual a orientação que o Estado quere dar ao ensino agrícola.

£ Vamos estabelecer escolas agrícolas com uma orientação centralizadora, ou, ^elo contrário, queremos estabelecer o ensino elementar agrícola duma feição descentré.liza-dora? (Apoiados}.

E um ponto que me parece indispensável estabelecer antes de começarmos a legislar.

Nós estamos reconstruindo urna sociedade. Nos derruímos a sociedade monárquica, e estamos construindo uma sociedade republicana; mas antes, temos de traçar o plano do edifício que queremos construir. Se trabalhamos sem plano,'fazemos uma obra detestável.

Devemos gisar o plano da obra legislativa em Portugal e não ocuparmo-nos de projecticulos que não obedecem a um sistema, à um conjunto harmónico.

No primeiro casof o Senado não deve aprovar o projecto do Sr. Narciso Alves da Cunha, por que existe já o decreto de 26 de Xaio que orienta o ensino agrícola em toda a extensão do território português.

Deveríamos seguir este decreto, que tem vantagem para os partidários da orientação centralizadora.

O projecto do Sr. Alves da Cunha não se adapta perfeitamente ao decreto de 26 de Maio, e não merece a aprovação daqueles que tem opinião centralizadora..

Mas se o Senado pensar que o ensino elementar agrícola deve ser orientado num sentido amplamente descen-tralizador, entendo que o Senado deve também rejeitar o projecto do Sr. Alves da Cunha.

Estamos a dois passos da discussão do Código Administrativo, que julgo que será descentralizador.

Pela minha parte, entendo que o ensino elementar agrícola deve ser descentralizado. Deve dar-se às comissões locais a superintendência do ensino elementar agrícola, e será à junta do distrito de Viana do Castelo que competirá a iniciativa de estabelecer as escolas de qua esse distrito carecer.

Estou absolutamente convencido, e farei a diligência por o demonstrar, de que o projecto não vai favorecer o ensino agrícola elementar. O projecto, se for lei da República Portuguesa, só contribuirá para prejudicar esse ensino.

Vou tentar demonstrar as minhas asserções.

O projecto, como se disse, é centralizador, como centralizador é, a meu ver. o decreto de 26 de Maio.

Esta instituição de ensino agrícola, de que D Sr. Narciso Alves da Cunha e alguns Srs. Senadores que falaram a favor do projecto são grandes admiradores, assemelha-se a outras instituições que tem dado magníficos resultados na Itália — as cátedras ambulantes.

A forma como as cátedras ambulantes se criaram e tem prosperado na Itália deve ser um fecundo ensinamento para a nossa resolução sobre o projecto.

Não cansarei o Senado lendo um relatório, que tenho presente, sobre as cátedras ambulantes, simplesmente direi que essas instituições são dependentes das corporações administrativas locais. São as províncias que mantêm estas cátedras, são os agricultores, as instituições locais e a iniciativa particular, emfim, que criam, mantêm e fazem. prosperar as cátedras ambulantes que, dependentes do Estado, pouco ou nada fariam.

Tenho presente o extracto dum discurso feito na Câmara dos Deputados italiana, por onde se vê que, tendo os professores das cátedras agrícolas pedido a sua incor-

poração no Estado, o Ministro da Agricultura foi contrário a esse desejo. Reconheceu-se que era legítimo que os

! professores daqueles cursos tivessem a sua reforma, se lhes garantisse a sua aposentação, mas, eni todo o caso, .

; para o futuro daquelas instituições, era absolutamente

j inconveniente que deixassem de pertencer às instituições

. locais.

) Vou aponas ler algumas frases, porque não quero cansar o Senado:

«Estes institutos devem ser instituições locais, saindo da iniciativa local, alimentada pela influência da vida local ».

E mais adiante:

«Não se chegue, por isso, a transformar o professor em empregado do Estado, que então' quereria dizer o seguinte: uma menor actividade do pessoal no seu conjunto, um menor afecto das instituições locais pelas cátedras, e, talvez, um empobrecimento da instituição».

; Notem V. Ex.as, isto é onde as cátedras já estão acreditadas, onde são numerosas, onde tem contribuído duma maneira eficaz para o desenvolvimento daquela próspera Nação; e querem então alguns nossos colegas que ern Portugal seja o Estado que vá iniciar essas cátedras!

Nada se faria.

As instituições locais é possível que façam alguma cousa, se tiverem ao seu lado a palavra eloquente do Sr. Alves da Cunha a defender o seu intuito; então, siin.

Dir-me há^ S. Ex.a que as instituições locais não o podem fazer. E triste, e então tratemos de as educar, por forma a poderem fazô-lo, porque quem o não pode fazer c o Estado; não está' nas suas atribuições, nem tem competência para fazê-lo.

Só a iniciativa local é capaz de dar força a esse empreendimento; tenho a certeza disso.

O Estado deve apenas tratar do ensino agrícola superior e médio.

Quanto ao ensino agrícola elementar, o Estado nunca o poderá dirigir convenientemente, e é isto que se demonstra com os exemplos vindos'da Itália e da França, e com a experiência-do que entre nós se tem feito.

As iniciativas do Esstado a este respeito são duma completa esterilidade.

Ao Estado competem umas certas funções nestes serviços de instrução agrícola elementar, como sejam os serviços de fiscalização e de coordenação..

Vou esboçar, ainda que muito rapidamente, o que penso a tal respeito.

Eu desejaria que se formasse um Conselho Superior de Instrução Agrícola, composto de membros eleitos pelas escolas agrícolas e pelas associações de classe agrícolas ; este conselho teria por missão estudar as condições da instalação das escolas agrícolas dentro de .bases bastante largas, para que a iniciativa particular se movesse à vontade.

Podia mesmo promover a publicação de compêndios adequados às diferentes modalidades do ensino agrícola elementar.

Seria a província ou antes o distrito, seria o concelho que deviam ter a iniciativa desses empreendimentos.

Na Itália, onde estão perfeitamente constituídas as cátedras ambulantes, o Estado não intervêm em semelhantes serviços, com medo de perturbar ou tolher o seu desenvolvimento.

Pois se assim é, como é que nós vamos entregar ao Estado a criação deste serviço.

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posição uma obra, que tenho aqui, sobre sindicatos agrí-solas franceses, em que se mostra o influxo benéfico que tais instituições exercem no desenvolvimento da agricultura, e no do ensino agrícola elementar.

Devemos apelar para as instituições locais, devemos apelar para os sindicatos agrícolas ; mas nunca para o Estado ; fazê-lo seria persistir no vício que nos legou a mo-aarquia, de tudo pedir ao Estado, deixando estiolar a vida local.

£ Se nós, os republicanos, apregoamos constantemente as vantagens duma descentralização larga e ampla, como •á que persistimos no péssimo hábito de apelar para o Es-êado ?

Estamos a pedir tudo ao Estado, quando a final ele já está pletórico de serviços.

O que devemos pedir ao Parlamento, o que eu peço ao Parlamento, é que divida os impostos por forma que as administrações locais os empreguem como mais conveniente lhes parecer aos próprios interesses.

Esta pletora dos serviços do Estado está prejudicando anórmemente a boa distribuição das energias nacionais.

£ O que aconteceria, no nosso péssimo meio burocrático, se o projecto do Sr. Alves da Cunha merecesse a aprovação do Senado e da Câmara dos Deputados?

O Sr. Alves da Cunha diz no art. 10.°:

aO Grovêrno, depois de aprovado o presente projecto, segulamentá-lo há».

£ Quando é que o Governo regulamentaria este projecto ?

É preciso desconhecer completarnente o nosso funcionalismo público e o mecanismo burocrático para acreditar que o Estado alguma vez regulamentaria este projecto de Hei depois de ter feito o decreto de 26 de Maio.

Mas eu quero ainda supor, num rasgo de optimismo,

Triste situação! Ainda que vivesse, nunca progrediria.

Tenha S. Ex.a a absoluta certeza disso.

S. Ex.a não calcula a série de dificuldades que, quási sem querer, o funcionalismo centralizador e absorvente cria a todas estas instituições locais.

S. Ex.a, felizmente para si, não conhece os vícios da centralização de serviços desta natureza.

Quando nós tivermos a descentralização dos serviços administrativos, então poderemos entregar às juntas gerais dos distritos, se assim lhes chamarem, ou aos municípios, esse serviço; então, debaixo da direcção imediata dos administradores locais, essas escolas serão úteis porque os directores de escolas do tipo Maria Cristina sabem liem que, se os seus trabalhos não representarem imedia-ias vantagens para os povos, eles serão despedidos e as €seolas imediatamente extintas-

Por consequência, há um constante estímulo e, à proporção que a escola for prosperando, os administradores Socais, os maiores interessados, hão-de dar à escola elementos para que ela floresça.

O professor não é um empregado público com todos os vícios do empregado público; e não é só o empregado público português, é o empregado público de todo o mundo, porque S. Ex.a viu a referência que aqui se lhe faz ao parlamento italiano.

E o vício geral do empregado público.

Eutão não sucede o mesmo, haverá b estímulo, os próprios administradores da escola serão os que mais interesse hão-de tomar pelo seu aproveitamento.

Repetindo, para concluir a minha exposição, julgo in-

dispensável, antes de se aprovar este projecto de lei, que o Senado se manifeste ou pela orientação de que o ensino elementar agrícola seja um serviço centralizado, absorvido pelas Eepartições do Terreiro do Paço, ou, pelo contrário, se quere que o ensino elementar agrícola seja um serviço apenas fiscalizado por funcionários superiores do Estado, mas, em todo o caso, um serviço entregue ás' instituições locais.

Pela minha parte entendo, e tenho bons autores e bons elementos a corroborarem a minha convicção, que a única maneira do ensino elementar agrícola prosperar é entregá-lo às instituições locais.

Tenho dito.

O Sr. Machado de Serpa: — 4 V. Ex.a apresenta isso como questão prévia?

O Orador: — Se V. Ex.a lhe quere dar o nome de questão prévia, seja.

Nós estamos a discutir se o parecer da comissão deve ser aprovado ou rejeitado.

O Sr. Machado de Serpa: —

O Orador: — Sr. Presidente, eu entendo que, para haver lógica nesta discussão, é preciso estabelecer primeiro doutrina.

O Sr. Machado de Serpa: — Trata-se de saber se o regime agrícola deve ser centralizador ou descentralizador, e a meu ver o Senado não está habilitado a resolver essa questão.

O Orador: — Se o Senado não está habilitado a resolver se o ensino agricola elementar deve ser entregue ao regime centralizador ou descentralizador, então menos habilitado está a discutir o projecto do Sr. Senador Alves da Cunha.

Aqueles nossos colegas que forem centralizadores em matéria de ensino agrícola não podem aprovar o projecto do Sr. Narciso Alves da Cunha por estar em piores condições do que o decreto de 26 de Maio; os que forem descentralizadores rejeitá-lo-hão também, com mais fortes razões.

O que é preciso pois é estabelecer esta orientação, aliás estamos a fazer uma discussão em que não há lógica.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Miranda do Vale.

Leu-se e foi admitida.

O Sr. Nunes da Mata: — Sr. Presidente: eu entro nesta discussão declarando, em primeiro lugar, que, votando contra o parecer da comissão, não desejo contrariar a dout ina pela mesma comissão apresentada.

Concordo, em tese, com as ideias apresentadas pelo ilustre Senador Sr. Miranda do Vale.

Sou também apologista da máxima descentralização. Desejaria ver a iniciativa individual em todos os serviços que não dependessem do Estado. Desejaria que o Estado desaparecesse quási por completo em assuntos de interesse local, quando esses assuntos não fossem prejudiciais à marcha geral da mesmo Estado.

O Sr. Miranda do Vale: — Eu não sou tão exagerado. *

O Orador: — Tenho dado provas de que assim penso, em todos os assuntos em que tenho tido interferência.

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DIÁRIO DO SENADO

Esta despesa a que corresponde o projecto apresentado pelo digno Senador Sr. Alves da Cunha é uma despesa mínima.

E ^realmente tam insignificante e é ao mesmo tempo tam útil, que eu deixaria de ser coerente se me pronunciasse contra ela.

Sr. Presidente: quando no Parlamento se discutiu a quentão referente á Escola de Pomologia de Queluz, eu defendi o procedimento do Governo Provisório, porque entendo que tudo que se dispender no fomento agrícola é semente deitada em bora terreno.

Devemos empregar todos os meios para desenvolver o fomento agrícola, e foi por essa razão que nes?a ccasião pedi a palavra para justificar o procedimento do Ministro do Fomento de então e demonstrar que o oficial de marinha que tmha sido encarregado de superintender nesses serviços não recebia gratificação alguma, e ainda que a recebesse, não era isso da responsabilidade do Ministro que o nomeou, mas sim da Associação de Agricultura, a cujo cargo estão a escola e pomares.

Ora, se eu não ataquei e antes de certo modo defendi essa despesa relativamente grande e que monta a 9:õOO;>000 réis, por estar esperançado em que os resultados sejam compensadores j com mais razão devo defender uina pequena despesa, que não chega a l conto de réis por ano, a qual, segundo as pakvras do ilustre autor do projecto de lei e de outros ilustres Senadores que conhecem bem a região, deve dar óptimos resultados, não só sob o ponto de vista agrícola, mas também sob o ponto de vista social e político.

Entretanto devo mais uaa vez dizer que seu apologista dos princípios de descentralização a que se refsríu o ilus tre Senador Sr. Miranda do Vale e por isso, sstando resolvido a dar b meu voto ao projecto por entender que não contraria a descentralização, comtudo eu preferiria que a escola de agricultura, a que se refere o meszio pn^ecto, fosse criada e sustentada por meio de subscrição'plibíica, à moda do que tam usiial é na América do No::te.

Eu não sou rico. cào viajo pelo estrangeiro pela raaão de^não ter meios para isso, e ando pelas ruas ie mala na mão^para poupar a despesa num trem, mas para esta subscrição teria prazer em concorrer com o que pudesse, por ent

Se não é viável, se não é mesmo razoável fazer-se a subscrição, então vote se o projecto de lei encarecido com palavras eloquentes e ponderadas pelo autor do mesmo projecto, o qual afirma e demonstra que a aprovação daquele será largamente compensada sob diferentes pontos de vista.

Se realmente isto é assim, como não pode deixar de ser, visto dizê-lo quem o disse, o que foi largamente corroborado por outros ilustres Senadores que também conhecem a região e afirmam que a aprovação do projecto de lei é útil e até essencial, nfio deve ser rejeitado pelo Senado.

Eu não conheço os povcs da região montanhosa da Minho, e nem mesmo conbeço a região, mas conheço es povos e outras regiões montanhosas do país, e-sei que aqueles, em geral, são robut.íos, ágeis e susceptíveis de sinceros e enérgicos sentimentos de arreigado amor pelo torrão das suas serras, sendo susceptíveis também dos mais arrojados sacrifícios em defesa do lar e da Pátria.

Apesar da sua rudeza, por vezes aparente, são suscep tíveis dos mais nobres sentimentos, e possuem muitos de!es capacidade intelectual e organização física fora do vulgar.

Eu conheci um exemplar destes nas montanhas da margem do Zézere, onde ein íempo tive uns olivais a que em outra sessão me referi, o qual pela sua extraordinária robustez física, intemerata energia moral e vasta inteligên-

cia

apesar da sua ignorância, eu várias vezes, de mira para mim, comparava ao que devia ser o grande e incansável Aníbal.

E, contudo, era filho das serras.

Nessas serras, nessas montanhas do norte encontram-se organizações de primeira ordem, inteligências de primeira ordem ; o que lhes falta é que os poderes públicos lhes minorem a sua miséria, ensinando-lhes os melhores processos de arrancar o sustento do seio inexgotável da terra, a nossa mãe comum; do que necessitam é que a República lhes mostre amor e lhes faça saborear um pouco os frutos da civilizaçàD.

E este um dos lados interessantes do projecto de lei, e que deve atrair a nossa atenção.

Para mais, meus senhores, devemos ter em consideração que os povos beneficiados pelo projecto de lei vivem próximo da fronteira, e pela sua robustez e energia podem ser defensores intemeratos do solo da Pátria e constituir um verdadeiro exército insubstituível'para defender a fronteira de qualquer invasão dos traidores da Pátria.

São eleaientos de defesa de primeira ordem, que é conveniente não desgostar e antes atrair com carinho e afecto.

A despesa, que agora se fizesse com a criação da escola a que se refere o projecto de lei. poderá ser economizada e compensada largamente, não só em circunstâncias normais, mas, muito principalmente, no caso de qualquer futura incursão dos traidores, a que anteriormente me referi.

Por tantas e justificadas razões, eu não devo recusar o meu voto ao projecto de lei, embora muito me custe votar contra o parecer da comissão que, nas suas linhas gerais, advoga os salutares princípios da boa administração descentralizadora, com que eu concordo sob um ponto de vista geral, mas admitindo entretanto casos especiais, como o que agora se dá, em que. o emprego intransigente dos princípios seria contraproducente. Eu fui sempre contrário ao Estado Providência. E necessário que os povos não adquiram o costume de estender a escudela aos poderes públicos, e eu pela minha parte nunca a estendi para mim nem para ninguém. Mas o assunto em questão mira muito mais alto, e será para lamentar que não seja resolvido com largueza de vistas.

Tenho dito.

O Sr. Abílio Barreto: — Sr. Presidente: mando para a mesa-a seguinte moção.

a O Senado, entendendo que o projecto n.° 6-A é inoportuno por existir a lei do fomento agrícola de 26 de Maic de 1911, que se está pondo em execução, resolve aprovar o parecer n.° 26 e constinua na ordem do dia.= Abílio Borreto».

O Sr. Senador Alves da Cunha falou neste projecto com tanta eloquência, com tanto amor e tanto carinho, que eu, se tivesse de votar imediatamente ao seu discurso, votaria a favor.

O ilustre Senador falou com tanta convicção e tanta fé nas vantagens deste projecto, que eu creio que uma devota muito crente e das mais crentes da província mais religiosa de Portugal, como é o Minho, a província de S. Ex.a,não pediria à Senhora dos Aflictos o salvamento dum tilho doente com mais convicção, com mais fé do que aquelas com que o ilustre Senador advogou o seu projecto.

Infelizmente, Sr. Presidente, entendo que ele não pode ser aprovado depois de publicada a lei de 26 de Maio do ano pastado, do Fomento Agrícola, a qual cria estações agrárias onde hão-de ser feitas muitas experiências.

Dado o caso que o projecto passasse, Aquando é que êle-seria posto em execução? A lei de 26 de Maio foi publicada primeiro que o projecto e portanto será naturalmente pcsta primeiro em execução.

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Havia de naturalmente, em consequência do ordenado, ser um regente agrícola, pois nenhum agrónomo com curso superior aceitaria o logar. o

Não seria, porém, fácil encontrar-se um regente agrícola em condições de conhecer praticamente a região e de dar aos cultivadores conselhos simples e seguros, de forma que ao segui-los se obtivessem resultados favoráveis.

Se o professor fosse fazer experiências para as propriedades dos lavradores e elas não dessem resultado, a região ficaria mal com a escola e perderia a fé na sciên-cia.

Há em Portugal agrónomos de inteligência e saber, mas agrónomos que tenham muita prática e possam dar conselhos seguros, esses, são poucos.

A principal base da agricultura é ainda hoje a rotina, a qual é a soma dos conhecimentos adquiridos por muitos milhões de homens durante milhares de anos.

Muitas pessoas confundem os progressos da indústria de máquinas com os progressos da agricultura e dizem que em certas lavouras da nossa província do Alentejo a agricultura está muito adiantada, quando no fim de contas o que parece progresso da indústria agrícola não é mais do que progresso da indústria mecânica, pois que os processos agrícolas são os mesmos que se seguiam há vinte ou mais anos.

Desde muito se entende que se deve lavrar muito bem a terra, mas hoje lavra se muito melhor, porque há char ruas. Ora este progresso não é da agricultura, mas sim das máquinas.

Os processos que hoje se seguem no Alentejo, na maior parte das culturas, são os mesmos que se seguiam há muitos anos. O que hoje há é muitas máquinas aperfeiçoadas.

Há mesmo muitos agrónomos que saem das escolas, às vezes indivíduos de saber teórico e inteligentes, que quando vão para o campo dão fiasco, senão ouça-se o facto que vou contar e que se deu em Beja.

Chegou ali um agrónomo —que pouco tempo antes tinha completado o seu curso — de visita a um membro dessa grande família Fernandes, que tem quási todo o distrito de Évora por seu. O lavrador Joaquim Fernandes, que por sinal foi o primeiro que em Portugal empregou os adubos químicos, convidou o agrónomo para um passeio numa sua herdade.

A certa distância o agrónomo disse para a pessoa que o acompanhava: — j V. Ex.a tem ali um belo olival!

^Sabem os Srs. Senadores o que era o olival?

j Era um montado de azinho!

Compreendem V. Ex.as que o lavrador, que era um homem de rotina, mas que rialraente tinha uma certa crença no saber dos rapazes novos, que saem das escolas, quando o agrónomo lhe disse que aquilo, que era um montado de azinho, era um olival, perdeu completamente a fé.

Há poucos dias, num folheto que li, do Sr. Oliveira e Sousa e que aqui foi distribuído no Parlamento, na parte em que dizia respeito à questão cerealífera diz se que o pão de centeio se chama broa.

Ora V. Ex.as sabem que o pão de centeio se nào chama broa, e que broa é só o pão de milho.

O Sr. Oliveira e Sousa é um homem inteligente e muito estudioso, o folheto dele está bem escrito, mas se fosse para o Minho dar esse nome ao pão de centeio, aquela gente ficaria com pouca fé no agrónomo.

De maneira que. repito, o projecto não se deve aprovar, apesar de simpático, porque é muito difícil pô-lo, por ora, em execução com probabilidades de êxito.

Á hipótese que o projecto previne, o mal que o projecto quere remediar, já está remediado na lei de 26 de Maio de 1911, pela qual as experiências são feitas nos terrenos das estações agrárias.

Assim, pois, este projecto, debaixo do ponto de vista técnico é pouco prático. O seu autor levou a questão para

outro lado, considerou-a sob o ponto de vista de propaganda republicana.

Sob esse ponto de vista é mesmo engenhosa a ideia do Sr. Alves da Cunha, é boa e fina a ideia, mas jse nós formos criar uma escola para o distrito de Viana do Castelo, porque a população está em espectativa benévola para a República, pergunto eu: £0 que deverá fazer-se para todas as outras terras, que ajudaram a fazer a Repúblicaj que são felizmente todas as que não estão em espectativa benévola?

Entendo que nós não podemos criar destas escolas para toda a parte do país. O Sr. Senador Nunes da Mata disse que aqueles povos são limítrofes, inas em tal caso devia* mós criar escolas análogas ao longo de toda a fronteira de Portugal, o que as nossas posses não permitem.

Este projecto não se deve aceitar pelas razões que já apresentei.

A ideia do Sr. Alves da Cunha debaixo do ponto de vista político é muito engenhosa, a maneira inteligente como ele a defendeu foi superior, mas tudo isso não é o suficiente para se aprovar a criação duma escola agrícola móvel, quando está já publicada e em via de execução uma lei de fomento agrícola, que criará postos agrários com muitas mais probabilidades de produzirem resultados segares.

Foi lida., e admitida, a moção do Sr. Senador Abílio Barreto.

O Sr. Sousa Júnior: — Começo por declarar a V. Ex.a e ao Senado que o meu voto é contra o parecer da comissão de agricultura e pela aprovação do projecto do Sr. Alves da Cunha, na generalidade.

Os oradores que se tem oposto ao projecto referiram-se a um ponto que podemos considerar de aspecto geral em matéria de instrução sobre o qual não quero deixar de dar o meu parecer.

Estou completamente de acordo com a ideia exposta, pelo Sr. Miranda do Vale, quanto à necessidade de descentralizarmos o ensino agrícola ; entendo que de facto esse ensino deve ser, em Portugal, o mais possível, descentralizado.

E é por estar inteiramente de acordo com a doutrina de S. Ex.s que não li sem espanto o que a comissão de agricultura, no fim do parecer, diz nestes termos:

Leu.

«E muito conviria que cada um dos ramos dos serviços públicos fosse assim orientado e dirigido, dentro da sua esfera de acção, por uma organização com unidade de vistas, de modo a evitar a pulverização desconexa, estéril e ruinosa de serviços isolados, que, por vezes, vem sobrepor-se ou entrecruzar-se com outros, com perda de tempo e dinheiro, sem conseguirem atingir o fim para que foram criados».

Contrariando o bom principio do Sr. Miranda do Vale, estas expressões traduzem-se num centralismo que seria, no ponto de vista do desenvolvimento agrícola, absolutamente funesto para Portugal.

Mas pelo facto de estar de acordo com a descentralização do ensino agrícola e, principalmente, do ensino agrícola popular, isso não quere dizer que concorde com o que disse o Sr. Miranda do Vale, afirmando que nós, aprovando este projecto, iamos ser incoerentes com este princípio.

Não há tal.

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Á monarquia deu provas da sua incompetência e a República, por isso, conquistou o Estado.

Se isto é assim, para a organização da descentralização é preciso que esse Estado intervenha ainda, e não só em matéria de instrução cooo em matéria de higiene, de orientação de princípios políticos, de matéria religiosa, etc.

Portanto, sendo eu descentralizador como o Sr. Miranda do Vale, entendo que o Estado deve dar esta escola ao distrito de Viana do Castelo; sem que nós possamos dizer desde já que, depois de votada no Parlamento a organização do ensino agrícola, a escola há-de ser do Estado.

Para mim, o principio fundamental é este: precisamos dar a escola já.

O Sr. Sousa da Câmara, ouvindo pedir a escola para Viana do Castelo, perguntou admirado:

,; Por que não iríamos dar escolas para todos os distritos?

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O Sr. Sousa da Câmara: — Foi isso, precisamente, o que eu disse, mas debuxo do ponto de vista que é bom acentuar, eram escolas organizadas como esta.

O Orador: — Evidentemente.

O princípio assente içais uma vez é este: precisamos dar a escola já.

Não podemos, porque as populações do Minho estão exaustas e precisam deste auxílio do Estado.

Portanto, no ponto cie vista geral, está dita a minha orientação.

Mas outros pontos se trataram.

Os Srs. Sousa da Câmara e Miranda do Vale, por exemplo, disseram que o projecto não era prático.

£ Como é que o projecto não é prático se são práticas as escolas Maria Cristina?

Em toda a parte as escolas Maria Cristina são queridas das populações.

Não apresentaram, pois, V. Ex.as argumentos que me convencessem de que não deve ser aprovado êsts projecto por ser inexequível.

Mas eu devo dizer ainda o seguinte. " O Sr. Senador Alves da Gunha entende que uma escola pode ser um excelente elemento de propaganda da B,epú-blica e alguns Srs. Senadores declararam que a comissão não tinha considerado esse ponto.

Um outro Senador, o Sr. Miranda do Vale, cortou ainda mais cerce a questão e disse :

«Ainda que tivesse oltado o projecto por esse lado tè-3o hia combatido».

Esta asserção feriu extraordinariamente a minha sensibilidade.

S. Ex.a disse mais:

«Eu entendo que a República não pode seguir o mesino sistema que seguia o claricaiismo, que se servia da escola como elemento de propaganda».

Eu, em nome dos princípios da liberdade, contesto este princípio a V. Ex.a

Nós temos obrigação, como defensores da liberdade e da neutralidade do ensino, nós temos estrita obrigação de combater a reacção. Não o fazermos equivale a entragar-mo-nos nas suas mãos.

O Sr. Sousa da Câmara, que é, incontestavelmente, uma pessoa de autoridade em assuntos de ordem agronómica,

fez, em todo o caso, uma asserção que é absolutamente infundada.

S. Ex.a, no seu discurso, disse, embora não conste do Sumário, que a cultura dos ceriais no Minho era um verdadeiro incidente ou episódio. Eu suponho que foi isto que disse o ikistre Senador. ,;Pode S. Ex.a ter a bondade de dizer-me se estou enganado?

O Sr. Sous,a da Câmara:—Sim, senhor, foi isso o que eu disse.

O Orador:—Ora eu devo dizer a V. Ex.a que tal asserção é absolutamente infundada. O Minho produz uma quantidade enorme de cereal Produz o cereal de que principalmente se alimenta, e ainda produz cereal que manda da sua província para fora.

Isto é incontestável.

O Sr. Sousa da Câmara: — V. Ex.a refere-se a um cereal e ao projecto do Sr. Alves da Cunha fala-se em cereais. Eu refiri-me por consequência também aos cereais.

O Orador:—Eu sustento que o Min|>o é uma província cerealífera.

Cultiva o cereal que até agora se tem visto dar bons resultados naquelas paragens.

Mas, Sr. Presidente, a cultura do milho precisa, e muito, de ser olhada com cuidado no Minho.

V. Ex.* sabe que no Minho existe o chamado milho serôdio, que lá é conhecido por milho canête. É um milho que se semeia em terras que já deram outros produtos.

Pois muito bem. ^Sabe V. Ex.a o que acontece?

O uso do milho mal conservado, avariado, produz uma doença, qt:e existe com uma certa intensidade na província do Minho.

A mesma doença existe na Itália, e por esse facto a cultura do milho tem merecido ali muitos cuidados modernamente.

É também preciso que entre nós se acuda à cultura do milho de forma a evitar que a ingestão desse cereal produza a doença a que me referi.

Na Itália essa doença aparece em quem faz uso dum bolo feito de milho, a que ali dão o nome de polenta.

Até debaixo deste ponto de vista, a proposta do Sr. Senador Alves da Cunha tem uma importância especial, porque se refere à cultura dos cereais, a que o Sr. Sousa da Câmara parece atribuir uma importância secundária na província do Minho.

Da ingestão do milho canête, ou serôdio, mais que do outro deriva essa doença, que tem o nome do pdagra. Compreende-se isso, porque o milho serôdio nunca é tam bem seco como o outro.

O Sr. Sousa da Câmara: — Mas isso não tem nada com a cultura.

O Orador: — Tem tal, porque é preciso preparar o lavrador de modo a que ele saiba como deve proceder em relação à cultura do milho canête, e assim não seria difícil fazerem-se secadouros como os que existem na Itália, para evitar que o milho se deteriore facilmente.

Isto tem uma vantagem incontestável.

E um ramo de higiene agrícola que não pode ser desprezado. Ninguém pode contestar que seja ura problema agrícola.

O Sr. Sousa da Câmara manifestou com grande calor a necessidade que nós temos de estudar o Minho.

S. Ex.a disse que é preciso estudar as questões agrá-^ rias; que são precisos laboratórios, estacões agrárias, muitas cousas, emfim.

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V. Ex.a lembra-se que este ponto, foi muito bem tratado pelo Sr. Senador Tomás Cabreira.

Não se pode fazer tudo duma vez só; sobretudo em um país que vive na rotina, num país onde exerce ainda uma influência enorme a inércia, a passividade, que é uma manifestação de retrocesso.

, Em um país nestas condições, nós não podemos fazer tudo que há a fazer, duma assentada, e, portanto, quando surgem iniciativas como esta, entendo que devemos acolhê-las com muito carinho, e até com entusiasmo.

Disse ainda o Sr. Sousa da Câmara que nós devemos iniciar em toda a parte estes melhoramentos, e que não devemos limitá-los às terras a} J ou c.

Não admito semelhante princípio; as nossas circunstâncias exigem que, para progredirmos, vamos agindo parcelarmente.

Nós precisamos realmente de cuidar a sério da reorganização fundamental da sociedade portuguesa, e poderá proceder-se a esse estudo parcelarmente, isto é, em determinadas localidades.

E isso absolutamente indispensável; e, no caso sujeito, tenho como justificado o nosso procedimento, se começarmos pelo distrito de Viana do Castello.

O Sr. Goulart de Medeiros : — Sendo assim, eu pedia também uma escola para o meu distrito.

O Orador: — E eu que a votava, como as votava para todo o país; para isso bastavam 15:000^000 réis.

Já vê o Sr. Goulart de Medeiros que não é com esse argumento que S. Ex.a me convence.

O Sr. Miranda do Vale:— Eram 15:000$000 réis perdidos.. .

O Orador: — Não era tal. Quando na Assembleia Nacional Constituinte se falou sobre missões em África, disse o Sr. Dantas Baracho que para ali eram precisas missões laicas; a Assembleia apludiu essas palavras do Sr. Dantas Baracho, unanimemente, pode dizer-se.

A escola criada pelo projecto de lei do Sr. Alves da Cunha era uma missão laica também, donde resultaria benefício, não só para o. ensino, não só para a vulgarização das leis da República, mas que tinha ainda a vantagem dessas povoações reconhecerem que a República se interessava por elas.

O Sr. Miranda do Vale, no seu magnífico discurso, com a autoridade que tem nesta matéria, citou o exemplo da Itália e da França, mas nomeadamente da Itália; ora eu devo dizer a S. Ex.a que este exemplo não colhe. . .

O Sr. Presidente : — Peço licença para dizer a V. Ex.a que a hora está a dar, e como há alguns Srs. Senadores inscritos para antes de se encerrar a sessão, se V. Ex.a quere, eu reservo lhe a palavra para a sessão de amanhã.

O Orador: — Eu não tomarei por muito tempo a atenção da Câmara; um minuto ou dois me bastam.

O Sr. Silva Barreto:—Uma vez admito, mas mais protesto.

O Regimento marca que haja quatro horas de sessão, salva deliberação em contrário.

O fer. Presidente :—A praxe que sempre se tem seguido é encerrar a sessão às 18 horas.

O Regimento diz que a sessão deve começar às 14 horas.

O Sr. Silva Barreto: — Mas diz também que a sessão deve durar quatro horas.

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O Sr. Presidente: — O que posso é consultar o Senado sobre a hora a que se deve encerrar a sessão.

O Sr. Artur Costa: — Eu proponho que as sessões durem o tempo que o Regimento determina.

O Sr. Presidente : —V. Ex.a sabe que se a sessão não abriu à hora regimental, não foi por culpa da mesa.

O Sr. Eusébio Leão:—Eu creio que não pode haver dúvidas a este respeito. O Regimento marca que haja quatro horas de sessão. O que temos a fazer é estar aqui mais cedo para que a sessão possa abrir â hora regimental. Eu mesmo, apesar dos meus muitos afazeres, hei-de diligenciar estar aqui, porque o Regimento tem de se cumprir emquanto não for alterado.

O Sr. Presidente: —Vejo que a opinião do Senado é que a sessão dure quatro horas exactas. Portanto pode V. Ex.a continuar no uso da palavra. Encerrarei a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Orador: — Dizia eu que não estava de acordo com o Sr. Miranda do Vale, quando ele nos apresentou a Itália para exemplo, a respeito da agricultura. A Itália é um país feito em matéria de agricultura; Portugal está a fazer-se ou vai fazer-se.

Em Portugal alguma cousa existe, mas pouco. Pois bem, desse pouco fazem parte as escolas Maria Christina, por exemplo.

Uma VOZ : — De iniciativa particular.

O Orador: — Mais lucra ainda o Estado. Encontra-se entre nós essa iniciativa; só resta que o Estado a auxilie.

O artigo 10.°, com o qual não concordo, não poderá ser aprovado no caso deste projecto ter a aprovação na generalidade, como desejo.

Não quero a acção do Governo, é certo; mas em todo o caso reconheço a necessidade de a escola ser criada imediatamente. E isto que eu quero acentuar.

Há ainda outro ponto que foi tratado neste assunto: o mau pessoal. Não se pode com tam pouco dinheiro obter pessoal para a escola, disse-se; mas talvez se possa obter pessoal entre os regentes agrícolas, por exemplo. ^Isso não será melhor que não haver nada? Estou a ver a contradita do Sr. Sousa da Camará. Neste assunto S. Ex.a não quere curandeiros, como nós não os queremos na medicina. Está bem. como regra. Mas entendo que, estando a agricultura num -estado atrazado, é necessário transigir com o curandeirismo.

Em África os padres são médicos, os militares são médicos, todos são médicos ou, por outra, fazem-se às vezes médicos. E necessário fazer medicina e os médicos faltam; cada qual se julga no direito e no dever de socorrer o semelhante.

Como não há pessoas diplomadas em quantidade suficiente para acudir às necessidades de momento, é óbvio que mais vale transigir com o curandeirismo dalguma competência do que deixar morrer os doentes ao abandono . ..

Uma VOZ: —Justificam-se assim as chinesas dos bichos. ..

O Orador: —Não se justificam tal. As chinesas são nocivas. Essas contagiavam os indivíduos.

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DIABIO DO SECADO

tou de acordo com os Srs. Miranda do Vale, Sousa da Câmara e Silva Barreto; eu desejava que se fizesse alguma cousa, e não só que se dissesse, como o fea o Sr. relator, que se há-de fazer muita cousa, que se iiá-de fundar muita escola, que há de haver muita gente a ensinar, que hão-de abundar os laboratórios e pessoal muito competente.

Há de vir tudo isso, certamente; mas. emquanto não vem, podia-se aprovar o projecto do Sr. Alves da Cunha e nós dentro r dum ou dois [meses tínhamos uma escola a funcionar. É preciso andar depressa; não procrastinemos.

É um princípio que eu defendo nesta questão, e não compreendo o progresso doutra maneira em Pcrtugal.

Tenho dito.

O Sr. Narciso Alves da Cunha: —Apoiado, apoiado. Vozes : — Muito bem.

O Sr. Sousa da Câmara: — Sr. Presidente: cumprindo os preceitos do Regimento, vou ler a minha moção.

Leu.

«Considerando que o projecto do ilustre Senador Sr. Narciso Alves da Cunha se acha prejudicado pelas leis do Governo Provisório, é inexequível, podendo até embaraçar a execução do decreto de 26 de Maio, o Senado delibera aprovar o parecer da comissão de fomento relativo ao projecto n.° 26.= Manuel Sousa da Câmara».

Não fazia tenção, é certo, de tornar a falar sobre o projecto que se discute, mas houve algumas afirmativas só bre as quais não posso deixar de apresentar várias considerações.

Ouvi dizer que a escola, alem do mais, podia servir para a propaganda republicana, opinião esta que me parece extraordinária e que de modo algum corresponde à minha maneira de pensar, e até a julgo um tanto ou quanto reacionária.

Tudo quanto importa imposição de ideias representa para mim reacionarismo paro: reaoionário não é só o jesuitismo.

O Sr. Sousa Júnior:—

V. Ex.a compreende muito bem que a maneira de se fazer a propaganda na escola não era essa.

O Orador: — Quem tem de fazer a propaganda republicana somos nós, políticos, e nunca para tal nos devemos servir da escola.

O Sr. Artur Costa:—A propaganda que resultaria para a República dessa escola era o melhoranento local, era o facto que o povo via e que deseja.

O Orador:—Tain extraordinária se me afigurou a ideia dessa propagaada, que julguei ouvir eu compreender mal.

Mas ainda há outro ponto sobre que desejo chamar a atenção de V. Ex.a. Sr. Presidente.

Neste projecto crian-se prémios para os melhores alunos, o que está um pouco fora da época, pois é sabido que aqueles prejudicam o carácter das crianças, tornando-as invejosas.

Debaixo de dois pontes de vista este projecto é o mais anti-pedagógico possível, pela ideia da propaganda republicana e ainda por se estatuírem prémios ás crianças que melhor aproveitarem co ensino.

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Todos tem feito louvores a estas escolas, mas ainda não ouvi acentuar nesta Câmara qual é esse sistema, que tem sido muito querido em toda a parte.

(j Que me digam V. Ex.as quais os benefícios que tem resultado para o país dessas escolas?

Que eu saiba, até hoje, e posso aqui proclamá-lo bem alto, nenhum benefício tem resultado.

Sei que algumas dessas escolas funcionaram no Minho durante a época da poda das vinhas. ^Sabe V. Ex.a quais foram os resultados? Foram os mais desastrosos possíveis, exactamente porque à frente dessas escolas não está quem tenha competência técnica no assunto de que se trata e porque a escola está separada duma estação agrária, onde os técnicos e professores pudessem fazer experiências e adquirissem conhecimentos regionais.

Afirmou-se que o progresso agrícola da Itália derivou das cátedras ambulantes, e é facto, mas o que se não disse fo; que o estabelecimento das estações agrárias precedeu a criação daquelas.

E compreende-se que assim seja.

A estação agrária é indispensável como base para o ensinamento da cátedra ambulante e assim o professor não se sente isolado' e tem ao seu dispor os materiais indis • pensáveis para alguma cousa de útil poder realizar.

O ilustre Senador Alves da Cunha não se lembrou de dotar a sua escola com o material e instrumentos necessários.

Unia YOZ : — Basta uma tesoura.. .

O Orador: —

Desculpe-me V. Ex.a se porventura me entusiasmo com um assunto, que tanto e tanto diz respeito á rninha profissão e que interessa sobremodo a minha classe e todo o país, porque é para. mim ponto assente que o desenvolvimento de Portugal há-de resultar do fomento agrícola. (Apoiados).

Permita-me agora o autor do projecto que preste justa homenagem ao seu talento e às suas belas intenções, porém, estou certo que seria melhor, em vez de criar uma escola pelo sistema Maria Cristina, que em nada influiria para o bem do Minho, fosse organizada doutra forma.

Vozes:—Não apoiado.

O Orador: — Disse se aqui que a agricultura no Minho deixa bastante a desejar, o que, em meu entender, não ó perfeitamente exacto; precisa, em boa verdade, de desenvolvimento, contudo comparando esta província com as demais do país, principalmente o Alentejo, verifica-se que aquela está em relativo progresso.

Basta considerar no Minho o estado de fragmentação da propriedade e o aumento de população para se ver que de modo algum esta bela região se pode considerar em extremo atrasada.

V. Ex.as vão, por exemplo, à província do Alentejo, a inais vasta do nosso pais e a de propriedade extensa de verdadeiros latifúndios^ e, hão-de ver a agricultura em estado atrasadíssimo, e sem comparação possível com a da província do Minho.

Ora a ideia de iniciar a primeira cátedra ambulante na região mais fértil e progressiva do país não me agrada; parecia-me melhor começar pelas províncias mais atrasadas ou antes por todas, se é possível.

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SESSÃO N.° 24 DE 17 DE JANEIRO DE 1912

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Pode dizer-se que essa cultura até constitui a base duma divisão regional que se estende até os campos de Montemor-o-VelhOj divisão esta que representa apenas uma modificação da que Barros Gomes fez.

A verdade é que a cultura do milho tem ali larga ini portância para a economia do Minho; mas o que eu com bato e torno, a combater é que no projecto se faça referência à cultura de cereais, no plural; que falasse do mi-Iho^e quando muito do centeio, estava bem.

É por isso que eu disse e torno a repetir, com excepção do cereal o milho, nenhum outro ali tem importân-

cia.

Disse ainda o Sr. Sousa Júnior que o ordenado que está prescrito neste projecto de lei para o professor é suficiente quando destinado a um regente agrícola.

O ordenado, em meu parecer, não é só pequeno, é mesmo miserável, mas admitindo que o professor fosse um regente agrícola, ^quem seria o seu ajudante?

Ora em vista de todas estas considerações, eu pergunto : ,: qual é a vantagem do estabelecimento duma tal escola?

Creio que os regentes agrícolas podem e devem prestar . óptimo serviço nas cátodras ambulantes, como auxiliares eficazes dos agrónomos, mas como auxiliares: é indispensável harmonizar a teoria com a prática.

Convêm que o professor e o seu auxiliar se entendam directamente com a estação agrícola da sua região, aproveitando todos os elementos que porventura esta lhe forneça.

Mas mesmo no texto do projecto do Sr. Alves da Cunha está a defesa desta minha ideia, porque, algures, diz-se que é necessário que, aos domingos, o professor da escola faça conferências e palestras; depreendendo se que houve :déia de criar o lugar de professor para agrónomos, os únicos que poderiam fazer essas conferências.

Este termo «conferências» não me agradou, exactamente porque, tratando-se duma escola profissional primária, entendia que devia ser banida a «conferência», como inútil, porque, de resto, nós sabemos que uma das causas do nosso atraso, tem sido, precisamente, o haver muitas conferências.

Antes subordinar tudo a palestras.

Na escola primária, e também na secundária e superior, nós vemos sempre o magister dixit na sua cátedra pregando ao§ alunos.

Eu não "quisera esse ensino assim, quisera antes que o professor saísse da sua cadeira e viesse para o meio dos seus alunos fazer lições sobre cousas, numa palavra, que transformasse o ensino de teórico em experimental.

Este processo é que eu preferia que se seguisse, seria ele que nos tiraria do atraso em que nos encontramos.

Quando o professor compreender bem a sua missão, . iá-de deixar-se dessas teorias vasias, dessas conferências que para nada servem e há-de vir para o campo experimental, com proveito para os alunos.

Dizia-se que a despesa com uma escola desta ordem seria insignificante e, efectivamente, ao ler-se este projecto, verifica-se que, realmente, assim parece.

Trocam-se apartes.

O Orador: — Eu preciso demonstrar à Câmara que a comissão ponderou o projecto, não o pôs de parte por não o conhecer, mas porque entendeu. . .

Interrupções.

O Orador: — Se entendem que não posso trataj* do projecto, então," calo-me.

A comissão tem obrigação de mostrar que estudou cons-cienciosamente o projecto, e que não deu sobre ele parecer de animo leve.

Referiu se o Sr. Sous.a Júnior a uma doença que pode ser propagada pelo milho e disse que era necessário estudar-se a cultura do milho e não sei que mais; mas o que é verdade, e já aqui foi acentuado, é que isso não tem nada com a cultura propriamente do milho. Portanto, debaixo desse ponto de vista, passo adeante.

O Sr. Sousa Júnior: — Mas tem com a conservação ...

O Orador: — E só com a conservação do milho.

O Sr. Sousa -Júnior: — Evidentemente.

Então exemplifiquemos. Há-de se ensinar ao agricultor a defender-se, por exemplo, das ervas daninhas e, sendo assim, há-de ensinar-se que o milho chamado canete é um milho capaz de progagar a pelagra.

O Orador : — O Sr. Sousa Júnior, discutindo o parecer da comissão diz que, efectivamente, nesta lei do Gro-vêrno Provisório, de 26 de Maio, estavam indicadas muitas medidas a seguir, mas receava que nenhuma delas se pusesse em execução e, portanto, dizia, na falta de melhor, venha a escola.

Ora, efectivamente, seria bom seguir essa orientação aqui há anos atrás, quando estávamos completamente convencidos de que a monarquia não tratava de assuntos desta natureza, que não fazia nada para o desenvolvimento deste país; mas agora com a República o caso mudou completamente. Trata-se duma lei do Governo Provisório que vai ter imediata execução. Vão ser criadas várias estações agrárias e delas é que hão de irradiar escolas no género da que preceitua o digno Senador Sr. Alves da Cunha. E, assim, parecia-me que S. Ex.a, em vez de apresentar este projecto, devia pedir que, dentro da sua circunscrição, ficasse uma estacão ag.ária. Dessa maneira teria a certeza de que poderia dar aos habitantes da sua região uma cátedra ambulante, e sem de modo algum embaraçar a execução do decreto do Governo Provisório.

Sr. Presidente : disse o Sr. Sousa Júnior que a comissão tinha ideias centralizadoras, por isso que no parecer diz o seguinte:

Leu.

Parecerá, efectivamente, ao ouvir ler-se estas palavras, que assim será, mas o que é certo é que a comissão não pretendeu por fornia alguma centralizar todas as escolas. O que julga necessário é que os métodos de ensino sejam uniformizados. Se amanhã se seguir numa escola uma orientação diferente, veremos que os resultados não podem ser benéficos, tanto mais que em Itália isso está perfeitamente assente : o professor da cátedra ambulante corresponde-se com os professores de todas as outras cátedras ambulantes e até com os habitantes da sua região. Desta reunião de esforços há-de resultar alguma cousa útil para o nosso país.

Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente : — da Câmara.

Leu-se e foi admitida.

i ler se a moção do Sr. Sousa

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Adriano Pimenta.

O Sr. Adriano Pimenta : — <_ que='que' a='a' ex.a='ex.a' sr.='sr.' p='p' horas='horas' diz-me='diz-me' bondade='bondade' v.='v.' acaba='acaba' sessão='sessão' tem='tem' presidente='presidente'>

O Sr. Presidente: — A sessão acaba às 18 horas e 4õ minutos.

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DIÁRIO DO SENADO

O Sr. Adriano Pimenta: — Nesse caso, se V. Ex.a, Sr. Presidente, me permite, eu fico com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Sr. Eusébio Leão:—É preferível, porque já não há número.

O Sr. Presidente: servada para amanhã.

•Fica V. Ex.a com a palavra re-

0 Sr. Artur Costa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, a £m de justificar, por doença, as feitas dos nossos dignos colegas Srs. Arantes Pedroso e Manuel José de Oliveira, p adindo para este ultimo três rneses de licença a fim de tratar cio seu testabelecimento.

O Sr. Presidente : — Peço a V. Ex.a que mande por escrito os pedidos que, era nome dos nossos ilustres colegas, acaba de transmitir ao Senado.

O Sr. Sousa Júnior:—Mando para a mesa o parecer da comissão do Regimento sobre as faltas e pedido de licença do Sr. Senador Fernandes Costa.

O Sr. Presidente: — Vão ler-se dois requerimenros. Leram-se na mesa.

«Requeiro cópia do processo relativo à aposentação de António Lobo de Almada Negreiros, ex-administrador d© concelho de S. Tomé,, reformado por decreto de 22 de Fevereiro de 1911».== O Senador, Fanstino da Fonseca*

«Requeiro cópia da parte da sindicância relativa a António Lobo de Almada Negreiros, ex-administrador d© concelho de S. Tomé».== O Senador, Faustino da Fonseca,

Mandaram-se expedir.

O Sr. Presidente: — Amanhã há sessão. Antes da ordem do dia realiza-se a interpelação do Sr. Goulart de Medeiros ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre o facto de não haver ainda ministro de Portugal em Berlim.

Na primeira parte da ordem do dia prossegue a discussão do parecer pendente, e na segunda parte entrarão as propostas de lei n.os 28 e 30, que vieram da Câmara dos Srs. Deputados. Devo declarar que a chamad^ se fará ás 14 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram IS horas e 40 minutos.

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