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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.º 9

EM 5 DE AGOSTO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. Manuel Jorge Forbes de Bessa

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Eduardo Ernesto de Faria

Sumário.— Aberta a sessão, e depois do Sr. Presidente declarar que não havia número para a Câmara deliberar, o Sr. Mário Monteiro interpreta as disposições regimentais referentes ao «quorum», dizendo que o Senado pode funcionar só com um têrço dos Srs. Senadores eleitos, desde que não tome deliberações. O Sr. Carneiro de Moura concorda com essa interpretação. Como haja número, aprova-se a acta, lê-se o expediente e admitem-se vários projectos de lei.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Visconde do Banho (Júlio de Faria de Morais Sarmento) comemora, em termos entusiásticos, as novas vitórias dos exércitos aliados, que tam heroicamente souberam converter numa derrota a ofensiva alêmã da primavera. Presto tambêm vibrante homenagem às tropas portuguesas, que em 9 de Abril tam gloriosamente souberam bater-se com o inimigo comum. Propõe um voto de congratulação, que é aprovado, depois de se referirem ao assunto os Srs. Zeferino Falcão, Pinto Coelho e o Ministro das Colónias (Vasconcelos e Sá), por parte do Govêrno.

O Sr. Eduardo Ernesto de Faria participa à Câmara que o Presidente da Junta do Crédito Público opôs dúvidas à posse dos delegados que o Senado elegeu para fazerem serviço naquele estabelecimento público e requere que o Sr. Secretário de Estado das Finanças intervenha no assunto.

O Sr. Luís Caetano Teixeira da Costa Luz (Visconde de Coruche), critica a forma como está sendo feito o serviço da fiscalização dos géneros alimentícios, insurgindo-se contra os «açambarcadores de multas» que estão comprometendo a obra e as intenções do Govêrno.

O Sr. Secretário de Estado das Colónias (Vasconcelos e Sá) responde que os varejos são necessários e declara que não há outra maneira de coibir a exagerada ganância dos açambarcadores. Quando houver abusos, o Govêrno castigá-los há.

O Sr. Adriano Xavier Cordeiro insurge-se contra o decreto n.º 4:629 que alterou as tabelas da contribuição industrial. Refere-se, principalmente, ao agravamento da taxa imposta aos advogados e antes de terminar pede que se discuta quanto antes um projecto apresentado na outra Câmara, reintegrando nos seus antigos cargos, todos os funcionários, quer militares quer civis, que do serviço público haviam sido afastados.

O Sr. Secretário de Estado interino das Finanças (Mendes do Amaral), defende o decreto em questão, dizendo que êle corresponde a uma necessidade, visto a lei em vigor datar de 1896. De resto, o Parlamento ocupar-se há do assunto e tomará sôbre êle as deliberações que julgar convenientes.

O Sr. Zeferino Falcão, em negócio urgente, lembra a indispensabilidade que impende sôbre o Senado de eleger as comissões que hão-de rever a obra ditatorial legislativa do Govêrno, manda para a Mesa uma proposta nesse sentido, que é aprovada, com um aditamento do Sr. Visconde do Banho, para que essas comissões sejam nomeadas pelo Sr. Presidente.

Ordem do dia.— Entra em discussão a pró-ponta que autoriza o Govêrno a legislar sôbre matéria económica e militar durante o período de encerramento das Câmaras.

O Sr. Mário Monteiro dá o seu voto, à proposta e defende um projecto da sua autoria sôbre o jôgo de azar, pedindo ao Govêrno que o adopte à sombra da autorização que lhe vai ser dada.

O Sr. Secretário de Estado das Colónias (Vasconcelos e Sá) concorda com as considerações do orador precedente.

O Sr. Pinto Coelho combate o projecto do Sr. Mário Monteiro, por êle se referir a uma questão da maior gravidade, que não pode ser resolvida de afogadilho.

Ò Sr. Carneiro de Moura tambêm combate o projecto. O Sr. José Júlio César defende-o, como sendo absolutamente necessário e útil, pugnando tambêm pela publicação imediata do Código Administrativo.

O Sr. Xavier Adriano Cordeiro aprova as au-

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torizações pedidas pelo Govêrno, confiando que não virá a fazer delas um mau uso. É tambêm partidário da regulamentação do jôgo, que deve ser regulamentado se não puder ser reprimido.

O Sr. Presidente encerra a «sessão, e marca a imediata para o dia seguinte, à nora regulamentar. Eram 18 horas.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Alfredo Monteiro de Carvalho.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Eduardo Ernesto de Faria.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco Martins de Oliveira Santos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Mealha.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro da Moura.

João de Sousa Tavares.

José Júlio César.

José Maria Queiroz Veloso.

José Novais da Cunha.

José Tavares de Araújo e Castro.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Luís Caetano Pereira.

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Manuel Jorge Forbes de Bessa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Adriano Xavier Cordeiro.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Alfredo da Silva.

António Augusto Cerqueira.

António Maria de Oliveira Belo.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Constantino José dos Santos.

Domingos Pinto Coelho.

João da Costa Couraça.

João Viegas de Paula Nogueira.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

Júlio Dantas.

Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde de Banho).

Tiago César de Moreira Sales.

Srs. Senadores que faltaram à sessão:

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Osório de Castro.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

Aníbal Vaz.

António de Bettencourt Rodrigues.

António da Silva Pais.

Artur Jorge Guimarães.

Cláudio Pais Rebêlo.

Cristiano de Magalhães.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

João José da Costa.

João Rodrigues Ribeiro.

José António de Oliveira Soares.

José Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

Luís Firmino de Oliveira.

Luís Xavier da Gama.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Pedro Ferreira dos Santos.

Sebastião Maria de Sampaio.

Severiano José da Silva.

Pelas 14 horas s 20 minutos, tendo sido feita a primeira chamada e verificando-se a presença de 23 Srs. Senadores, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

É lida a acta e aprovada sem reclamações.

O Sr. Presidente: — Estão presentes apenas 29 Srs. Senadores, pelo que não podemos continuar em sessão.

O quorum é de 34 Srs. Senadores.

O Sr. Mário Monteiro: — Já por diversas vezes — e hoje repete-se novamente o caso — não há número suficiente para a

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Câmara poder funcionar, estando os que não faltam na dependência, para ventila rem assuntos importantes, daqueles que não desejam ou não podem vir mais cedo.

Ora, eu creio que, embora não haja número para fazer votações, se pode discutir qualquer questão.

Cita e lê os artigos do Regimento aplicáveis ao caso, e, continuando, diz:

Parece-me, portanto, que se pode ventilar qualquer assunto sem que esteja presente maioria absoluta para tomar deliberações, sendo justo conceder a palavra, antes da ordem do dia, a qualquer Sr. Senador. O que se não pode é fazer recair uma votação seja sôbre o que for.

Assim, Sr. Presidente, requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Câmara sôbre se ela se conforma com esta interpretação do Regimento, a fim de podermos seguir nos nossos trabalhos, hoje e de futuro.

O Sr. Carneiro de Moura: — Creio que todos estamos de acôrdo sôbre a matéria que poderá chamar-se orgânica, basilar e constitucional, e aquela que é simplesmente de interpretação do Regimento. O Sr. Mário Monteiro tem, a meu ver, toda a razão, e o seu critério convêm aos Poderes Legislativo e Executivo, visto ser legal, em face do próprio Regimento, tratar, antes da ordem do dia, de assuntos que interessam ao país. O Regimento diz apenas que não se pode deliberar sem maioria absoluta, mas a Câmara pode discutir, desde que não haja de tomar deliberações. Concluindo, entendo que devemos votar a alteração proposta, ou melhor, a interpretação dada ao Regimento pelo ilustre Senador Sr. Mário Monteiro.

O Sr. Presidente: — Parece-me que a discussão iniciada pelo Sr. Mário Monteiro não tem já cabimento, pelo menos nesta sessão, visto estarem presentes os Senadores necessários para se tomarem deliberações. Vai continuar a leitura do expediente.

Antes, porêm, devo uma explicação ao Sr. Mário Monteiro, relativa à interpretação que tenho dado ao artigo 29.° do Regimento. Essa interpretação é a que tem sido uso seguir nesta casa. De resto, o Regimento é claro neste ponto, provindo essa clareza da disjuntiva «nem». Se em vez dessa conjuntiva houvesse uma copulativa, então ainda podia admitir-se outra interpretação. Parece-me, pois, que a questão fica, por agora, arrumada, podendo ser levantada mais tarde.

O Sr. Mário Monteiro: — A Câmara podia funcionar com um têrço dos Senadores, mas não podia tomar quaisquer deliberações senão para a aprovação da acta. E foi por isso que eu pedi a V. Exa. que consultasse o Senado sôbre se assim interpreta o Regimento, a fim de estabelecer normas para o futuro.

O Sr. Presidente: — Se não estivéssemos em maioria seria necessário êsse procedimento. Assim, podemos, por hoje, dispensar-nos disso.

Devo comunicar à Câmara que foi dirigido ao Presidente do Senado da República Portuguesa um telegrama do Sr. Presidente do Senado Brasileiro, agradecendo as saudações que lhe foram enviadas pelo Senado Português.

Leu-se.

Vai ler-se tambêm uma carta do Sr. João José da Costa, pedindo trinta dias de licença por motivo de doença.

Leu-se, bem como vários projectos de lei, que foram admitidos, e mais o seguinte expediente:

Ofícios

Da Presidência da Câmara dos Deputados, comunicando a constituição da comissão administrativa do Congresso.

Para a Secretaria.

Da mesma procedência, comunicando a aprovação, naquela Câmara, de uma proposta de adiamento da sessão legislativa.

O Sr. Presidente marcou a sessão conjunta para amanhã, às 16 horas.

Do presidente da Comissão Pró-Pátria Luso-Brasileira, manifestando sinceros aplausos pela inteligente orientação do Parlamento Português.

Para a Secretaria.

Justificação de faltas

Do Sr. João de Sousa Tavares, justificando as suas faltas às sessões.

Para a comissão de faltas.

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Pedido de licença

Do Sr. João José da Costa, pedindo trinta dias de licença.

Para a comissão de faltas.

Requeiro que, pela Secretaria do Estado do Comércio, me seja fornecida uma nota sôbre todos os pedidos de aproveitamento da energia das águas da bacia hidrográfica do Tejo e seus afluentes para a produção de energia eléctrica, que tenham sido apresentados até a presente data, com as informações seguintes:

a) Os que foram concedidos, com indicação dos locais destinados às barragens e instalações e nomes dos primitivos e dos actuais concessionários;

b) Indicação das concessões que estão sendo aproveitadas e dos que iniciaram quaisquer trabalhos para a sua exploração e género dos trabalhos realizados:

c) Dos pedidos que ainda não foram atendidos, com indicações dos respectivos locais, nomes dos pretendentes e estado do andamento dos respectivos processos.

Requeiro mais que nas repartições competentes me seja facultado o exame dos processos relativos a todos êstes pedidos de concessões.— A. R. Adães Bermudes.

O Sr. Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo): — Requeiro urgência e dispensa do Regimento para entrar imediatamente em discussão o projecto de lei que acaba de ser lido ns Mesa, do Sr. Visconde do Banho, relativo à entrega dos seminários às autoridades eclesiásticas.

Foi rejeitada a urgência e dispensa do Regimento,

Leram-se na Mesa várias comunicações.

O Sr. Presidente: — Comunico ao Senado que, em vista do Sr. Presidente da Câmara dos Deputados pedir a reunião das, duas Câmaras em sessão conjunta, marco essa reunião para amanhã, às 16 horas, na sala das sessões da Câmara dos Deputados.

O Sr. Visconde do Banho pediu a palavra para um negócio urgente. S. Exa. deseja referir-se às últimas notícias vindas da frente da batalha, que marcam uma vitória para as armas aliadas e à contra ofensiva dos exércitos aliados. Eu
vou submeter à aprovação do Senado a urgência requerida.

Foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Júlio Morais Sarmento (Visconde do Banho): — Sr. Presidente: o quinto ano da guerra europeia inicia-se para os países aliados sob muito melhores auspícios do que os anos anteriores. A ofensiva que os alemães retomaram na primavera, e que vitimou uma grande parte do Corpo Expedicionário Português, manteve, durante algum tempo, no espírito público, uma dolorosa ansiedade sôbre as suas consequências. Essa ofensiva converteu-se - não há motivo para duvidá-lo — numa derrota não total, mas certa e positiva. Mais uma vez o inimigo encontrou nos campos do Marne uma barreira o uma resistência tal que o fez recuar e retomar, em poucos dias, o terreno que lenta e vagarosamente havia conquistado. Nesta vitória não permitiu a Providência que as nossas tropas tivessem o largo quinhão de glória que a sua heroicidade merecia, mas isso não é motivo para nos entristecermos. Muito pelo contrário, porque o solo agora libertado e reconquistado ao inimigo tem sido tambêm abundantemente regado pelo generoso sangue português.

Àparte o êxito, que é sempre o que consagra a utilidade de todas as empresas, eu não sei onde reside maior e mais bela glória, se nos arraiais dos triunfadores, se nos sepulcros dos sacrificados. E por isso que espero que, quando se levantar um coro de hossanas àqueles que libertarem do inimigo a civilização latina ameaçada, ninguêm esquecerá, por certo, aqueles que, na defesa dessa civilização, se deixaram estóicamente trucidar.

Creio que as mãos que hão-de tecer coroas de louros para os exércitos aliados hão-de tambêm tecer coroas de mirtos e perpétuas para depor nas lousas debaixo das quais jazem os soldados portugueses a quem coube a sorte de morrer honrosamente na jornada de Abril. Temos hoje, como tantos outros povos, mais êste laço de dar e sentimento a prender-nos à bela e gloriosa nação francesa. Seja qual fôr í o futuro que a êste nobre país esteja reservado no mundo, a terra da França será, de ora avante, terreno sagrado

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para todos os aliados, porque nela repousou as cinzas de tantos heróis, que ali morreram enobrecendo o nome da sua raça.

A reconquista desta terra deve ser para nós um motivo de alegria e de júbilo inefável.

Sendo provável que as sessões do Parlamento venham a ser encerradas daqui a algumas horas e, entendendo eu que o não devem ser sem que o Senado aprove e faça inserir na acta da sua última ou penúltima sessão um voto de congratula-cão, com todos os países aliados, pelas recentes vitórias alcançadas pelos seus exércitos. E isso que consta da seguinte proposta que vou ler e para a qual peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite a urgência e dispensa do Regimento para ser imediatamente aprovada.

Proposta

Proponho que se lance na acta um voto de congratulação com os nossos aliados, na guerra contra a Alemanha, pelas recentes vitórias alcançadas em França, e que a Mesa fique autorizada a telegrafar êste voto a todas as Câmaras congéneres dos países aliados.— Júlio F. de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

O Sr. Presidente: — O Sr. Visconde do Banho pediu para esta proposta a urgência e dispensa do Regimento. Os Srs. Senadores que aprovam o referido requerimento tenham a bondade de levantar-se.

Foi aprovado.

O Sr. Zeferino Falcão: — Era escusado pedir a palavra, porque a proposta está no ânimo de todos, e porque tenho a certeza de que todos os corações portugueses sentem júbilo pela vitória dos nossos aliados. Declaro a V. Exa. que me associo gostosamente à proposta do Sr. Visconde do Banho.

O Sr. Pinto Coelho: — Duas palavras apenas, Sr. Presidente, simplesmente para me associar de todo o coração e com o maior entusiasmo à proposta do Sr. Visconde do Banho. Escuso de dizer quais são os sentimentos do Centro Católico, que aqui tenho a honra de representar. Já por duas vezes tive ocasião de afirmar êsses sentimentos a respeito da grande batalha que se está ferindo, e que nós acompanhamos com o maior entusiasmo, porque nessa batalha tambêm entraram armas portuguesas. Não compreendo que, com os nossos soldados, batendo-se na guerra possa haver alguém que não deseje ardentemente a vitória dos aliados, mas sim a dos nossos inimigos. (Apoiados).

Isto não é uma questão que se discuta, é uma cousa instintiva, e creio que não pode haver dois pontos de vista individuais ou colectivos, sôbre tam importante assunto. Concluo nesta altura porque sei que há muito que discutir. Declaro, porêm, que igualmente me associo de todo o coração à proposta do Sr. Visconde do Banho.

O Sr. Vasconcelos e Sá (Secretário de Estado das Colónias): — Sr. Presidente: sendo a primeira vez que falo nesta casa, tenho a honra de cumprimentar V. Exa. e em V. Exa. todo o Senado.

Sr. Presidente, duas palavras apenas. Associo-me, em nome do Govêrno, ao voto de congratulação desta casa do Congresso, pela vitória das armas aliadas.

É óbvio que o entusiasmo que todos sentimos com os últimos feitos dos exércitos nossos aliados é extraordinário. Em Portugal, como muito bem disse o ilustre leader da minoria católica, não pode haver um único português que não deseje do íntimo da alma a nossa vitória, engrandecida por feitos de heroísmo praticados. Basta ver o carinho que nos merecem os nossos soldados tanto em França como em África, batendo se com a valentia própria de portugueses.

Em nome do Govêrno, pois, Sr. Presidente, associo-me ao voto de congratulação do Senado, pela vitória das armas aliadas, desejando que a brilhante ofensiva, que ficará na história militar do mundo atestando a sciência do brilhante general francês que comanda em chefe os exércitos aliados, continue desenrolando-se
com o mesmo êxito memorável.

O Sr. Presidente: — Julgo interpretar os sentimentos do Senado considerando aprovada a proposta do Sr. Visconde do Banho. Tambêm o Sr. Eduardo de Faria pediu a palavra para um negócio urgente, que se refere à eleição, há dias realizada

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nesta Câmara, para a escolha de vau vogal para o Conselho de Administração da Junta do Crédito Público. Os Srs. Senadores que aprovam tenham a bondade de levantar-se.

Foi aprovado a urgência.

O Sr. Eduardo de Faria: — Sendo esta, Sr. Presidente, a primeira vez que tenho a honra de levantar a minha voz na mais alta assemblea do meu país, é natural que me sinta deveras embaraçado. No emtanto, permita-me V. Exa. que a minha primeira afirmação seja de respeito pela pessoa de V. Exa., pelas suas altas qualidades de carácter e inteligência, que são penhor e garantia da boa ordem dos trabalhos desta Câmara.

Faço os meus agradecimentos ao Senado pela honra que me foi conferida na dias e afirmo-lhe a maior consideração e respeito. Sou muito cioso das prerrogativas das instituições vigentes, para que me imponha o dever de fazer honrar as deliberações do Senado.

Aqui ou noutro sítio hei-de exercer os meus direitos e honrá-los, porque é um desprestígio para esta Câmara duvidar das deliberações tomadas, sejam elas quais forem. Agora, porêm, quero referir-me à eleição do vogal do Senado à Junta do Crédito Público e ao mandato que lhe foi conferido; por ter cessado o do anterior delegado. É, pois, mester que, em face das disposições regulamentares, a Câmara delibere em harmonia cem a lei e é preciso que essa deliberação seja executada como convêm ao prestígio desta assemblea política. (Apoiados).

Em face do regulamento vigente de 8 de Outubro de 1900, vi que a organização da Junta do Crédito Público é feita por forma que os delegados desta e da outra Câmara sejam considerados no exercício duma comissão parlamentar — são as próprias palavras da lê:.

Lê os artigos que regulam e, matéria e prossegue:

Ora, desde o momento que se trata duma comissão parlamentar, quem deixou de ter as prerrogativas inerentes ao exercício do cargo parlamentar, não pode desempenhar tal comissão. É por isso que, tendo visto encarada a lei pelos meus ilustres colegas sob o ponto de vista da legislação privada, encontrei um argumento no regulamento que me diz expressamente que essa comissão é de natureza parlamentar.

Transportado para aqui, quási abruptamente, da tribuna forense e da minha cadeira de professor de instrução secundária, eu, que aprendi a ser republicano com êsse grande vulto da democracia que se chamou João José de Freitas, não posso deixar de pugnar pelo prestígio das novas instituições, para que elas sejam sempre inteiramente respeitadas. Não quero terminar sem que felicite a Câmara por ver que os seus trabalhos correm desde o início com uma grande harmonia e unidade de vistas, o que parece que todos têm a consciência das tremendas responsabilidades que impendem sôbre nós no presente momento.

De harmonia com o que acabei de expor, envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a Mesa do Senado solicite do Sr. Secretário de Estado das Finanças as providências legais necessárias para que o Sr. Presidente da Junta do Crédito Público de imediata posse aos vogais que por esta Câmara foram eleitos em sessão de 1 do corrente mês, para fazerem parte da mesma Junta, nos termos do § 1.° do artigo 6.° do regulamento de 8 de Outubro de 1900, visto ter caducado a comissão parlamentar dos vogais anteriormente eleitos. — Eduardo Ernesto de Faria.

É aprovado.

O orador não reviu.

O Sr. Alfredo de Carvalho: — Mando para a Mesa uns pareceres sôbre perdas de mandato de dois Srs. Senadores.

São aprovados com urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: — O Sr. Visconde de Coruche pediu a palavra para tratar, em negócio urgente, das reclamações que lhe foram dirigidas a propósito das apreensões de géneros agrícolas.

Consultada a Câmara, é aprovada a urgência pedida.

O Sr. Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche): — Sr. Presidente:

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principio por agradecer ao Senado ter aprovado a urgência do meu pedido, para usar da palavra, que a pedi para chamar a atenção do Govêrno para os casos de apreensão de géneros agrícolas que se tem dado ultimamente, praticados pelas autoridades em algumas localidades, e a respeito dos quais eu pensava que não haveria nada a dizer, em virtude das declarações do Sr. Secretário de Justado da Agricultura e do Sr. Secretário de Estado do Interior. São muitas as pessoas que se me tem dirigido, dizendo-me que se lhes tem apreendido géneros em virtude de os venderem por preços superiores ao duma tabela, que, segundo as declarações dos próprios Secretários de Estado, já não vigora.

Permito-me, Sr. Presidente, pois, pedir ao Govêrno que tais casos se não repitam. E absolutamente necessário, para prestígio do Govêrno e tranquilização dos espíritos, que se modifique esta forma de exercer fiscalização sôbre os géneros agrícolas, o qual está constituindo vexames para várias pessoas e prejuízo para os seus haveres.

Concordo que se castiguem os açambarcadores e concordo tambêm que êsse castigo deve ser tanto mais enérgico, quanto mais alta fôr a situação dos delinquentes, quer êles sejam agricultores, industriais ou comerciantes. Agora, Sr. Presidente, quando a consistência dos decretos é tal, que nem as repartições os compreendem nem as autoridades os sabem executar, não se pode admitir que todos se vejam sujeitos a ser vexados e maltratados por uma verdadeira multidão de açambarcadores de multas. Quero aproveitar esta ocasião para definir a minha situação perante o Govêrno.

Não faço parte da maioria, mas sendo monárquico — embora aqui esteja como representante das classes agrícolas, devo frisá-lo, — tenho dado apoio ao Govêrno, como muito dos seus correligionários o não têm feito. Como monárquico, tenho apoiado o Govêrno, por êle nos ter vindo salvar do perigo de que os demagógicos nos ameaçavam, se não viesse a Revolução de 5 de Dezembro.

Esta atitude é a daqueles que acima dos partidos põem a idea sagrada da Pátria (Apoiados) e é uma atitude de agradecimento aos que nos livraram dos perigos que sôbre nós impendiam. Tenho aplaudido o Govêrno não só moralmente e com a minha palavra — e tenho pena de não estar presente, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura para que S. Exa. dissesse se falei ou não verdade, mas está presente o Sr. Conde de Azevedo, que bem o sabe, mas também por ter lembrado a grande conveniência que havia, em que todos nós lavradores, procurássemos nas nossas terras, cereais que abastecessem a cidade de Lisboa.

Que fiz eu? Fui à minha casa e procurei reduzir as percentagens na farinha de trigo que empregava no pão para a minha família e criados, e consegui carregar um vagão de farinha de trigo e de centeio, que enviei ao Sr. Cristóvão Moniz, a fim de por essa forma poder contribuir para o abastecimento de Lisboa e seus arredores.

Bem sei que êsse meu auxílio pouco ou nada valeu, mas representou, no emtanto, um grande desejo de aliviar o Govêrno dos graves perigos que poderiam resultar da alteração da ordem pública, em consequência da falta de pão. Não venho aqui alegar merecimentos, porque isto representa, em meu entender, apenas o cumprimento dum dever, mas se venho fazer referência a êstes factos é únicamente para mostrar que tenho direito a pedir ao Govêrno que olhe com atenção para estas cousas, que estão provocando um verdadeiro alarme na classe dos agricultores e criando uma atmosfera de descontentamento, que eu desejaria não ver em volta do Govêrno, pois não posso admitir que se deixe de servir esta situação política; de contrário, ver-nos hemos abraços com a demagogia e com todos os perigos que dela podem resultar para todos nós.

É portanto necessário e urgente que se modifiquem os decretos sôbre preços de géneros agrícolas, não só pelas razões que deixo apontadas, como tambêm porque não se pode compreender que se fixe um preço máximo para um certo género, quando os preços dos salários não têm limite e vão crescendo por uma forma pavorosa e extraordinária. (Apoiados). E não é só o aumento dos salários, é o aumento de tudo aquilo que se prende com a agricultura. (Apoiados). Ora não é justo que para o preço de todos os géneros deixe de haver peias, e únicamente para os gene-

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TOS de primeira necessidade se estabeleça um limite de preço.

Isto traz como consequência, Sr. Presidente, o retraimento das sementeiras, porque exactamente no momento em que se deveria provocar, em todo o país, tornar mais intensa a cultura dos géneros de primeira necessidade, aparece um decreto que provoca o receio dos agricultores se entregarem a êsse género de cultura, pelos vexames que daí lhes podem advir, em face dos perigos que traz a colocação dêsses géneros. Desde que essa colocação se dificulte, como hão-de os lavradores pagar as suas rendas, os salários dos seus criados, e, em geral, todos os encargos dos diversos serviços agrícolas? Entendo que, com a liberdade do comércio, o Govêrno conseguiria o estabelecimento do equilíbrio dos preços, e a produção aumentava.

Não onero tomar muito tempo à Câmara, mas antes de terminar, lembro ao Govêrno que amanhã e depois se devem reùnir em Lisboa produtores de arroz das zonas mais importantes, juntamente com industriais de descasque dêsse mesmo cereal. E como ouvi da boca do Sr. Secretário de Estado da Agricultura que em quanto estivesse aberto o Parlamento, mais nenhum decreto seria publicado, e muito especialmente o relativo ao arroz, a propósito do qual eu chamei a atenção de S. Exa. desejava saber se pela autorização parlamentar onde vai ser concedida ao Govêrno para legislar durante o período de encerramento das Câmaras, êsse decreto será pôsto em vigor. E desejo ainda pedir ao Govêrno que, sôbre êste assunto, nada faça sem primeiramente ouvir as comissões que vão reùnir amanhã nesta cidade.

O orador não reviu.

O Sr. Vasconcelos e Sá (Secretário de Estado das Colónias): — Sr. Presidente: primeiro que tudo quero, em nome do Govêrno agradecer ao ilustre Senador, Sr. Visconde de Coruche, as suas declarações peremptórias de apoio a esta situação, e o desejo de que ela continue governando, apesar das ideas monárquicas de S. Exa.

É um apoio lial o do ilustre Senador.

Em segundo lugar tenho a fixar a declaração que S. Exa. fez, da forma como tem procedido, traduzindo o seu apoio, lá fora, com factos, não só de propaganda a favor desta situação política, mas ainda adoptando medidas que tendem a facilitar a tarefa dificílima do Govêrno no momento presente.

Referiu-se S. Exa. ao seu modo correcto de proceder, proceder que, oxalá, tivesse muitos exemplos por êsse país fora.

S. Exa. privou-se do que possuía para a sua lavoura, reduzindo até o consumo da sua família e dos seus criados, a fim de mandar para Lisboa um vagão de trigo. S. Exa. 1encheu-se, assim, de autoridade para fazer as reclamações que eu transmitirei na íntegra ao meu colega do Interior. Se todos assim procedessem, se os grande produtores dêste país tivessem a verdadeira compreensão do patriotismo e do dever, tal como aqui expôs o ilustre Senador, não seriam precisos os fiscais para irem fazer varejos contra os açambarcadores.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, e o ilustre Senador não desconhece, que nem todos são patriotas e cumpridores dos seus deveres, infelizmente.

S. Exa. entende, porêm, que o grande açambarcador deve ser castigado com severidade; e essa severidade deve ser tanto maior, quanto mais subida fôr a sua importância social, fortuna, e quantidade de géneros retidos.

O açambarcador é o maior de todos os criminosos. Não pode o Govêrno consentir que os açambarcadores, retendo os géneros, façam subir o seu preço até o ponto preciso para ilegitimamente enriquecerem, vendendo então aquilo que roubam ao consumo, desonestamente.

Eu bem sei que a grande maioria dos lavradores portugueses é de patriotas honestos mas a sua situação em geral não será talvez tam aflitiva pelos aumentos do custo das culturas pois que, como o ilustre Senador sabe, havendo produtos agrícolas, como a lã por exemplo, que se vende a 40$ a arroba, quando se vendia a melhor, antes da guerra, a 4$50. Como a carne de porco, que já chegou a 15$ a arroba e isto pela exportação clandestina feita, para Espanha, sabendo tudo isto, devemos não exagerar as lamentações a favor dos nossos lavradores que bom seria seguissem todos o alto exemplo que o Sr. Visconde de Coruche lhes apontou com o procedimento que deu.

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Em todas as classes, Sr. Presidente, lia desmandos condenáveis, absolutamente condenáveis.

Sr. Presidente: desejando que não sejam interpretadas por uma forma diversa daquela que eu quero significar às palavras que vou proferir, eu declaro que como bom português e bom republicano, que sou, honro-me em elogiar o Sr. Visconde de Coruche pelas considerações que apresentou à Câmara, afirmando o seu apoio a esta situação, pois que, apesar de ser monárquico, S. Exa. em verdade tem feito mais por ela do que muitos republicanos, que se dizem nela integrado e tanto querem amá-la, que quási a estrangulam.

Eu, Sr. Presidente, não posso deixar de dizer, ou por outra de pedir ao Sr. Secretário de Estado do Interior que faça com que se exerça cada vez maior fiscalização contra os açambarcadores, indivíduos que só tem reconhecido, muitos, que nem produtores nem comerciantes são nem nunca o foram.

É, porêm, necessário, comtudo, que haja o máximo cuidado na forma como se aplica a lei, é facto, mas o que é necessário tambêm é que todos respeitem as leis do país e as cumpram rigorosamente.

Tenho dito.

O Sr. Luís Caetano Pereira da Costa

Luz (Visconde de Coruche): — São factos concretos e verdadeiros aqueles que referi à Câmara, e V. Exa. compreende muito bem que eu sou incapaz de vir para aqui fazer afirmações que não fossem verdadeiras.

O Sr. Vasconcelos e Sá (Secretário de Estado das Colónias): — O que eu desejava é que o Sr. Visconde de Coruche ou as pessoas que se queixaram a S. Exa. viessem apresentar factos concretos a quem de direito, antes de trazer as queixas, ao Parlamento, porque, esteja S. Exa. certo disso, desde que os funcionários tivessem exorbitado, vexando ou perseguindo seriam inexoravelmente castigados como serão castigados exemplarmente os grandes açambarcadores. Exemplos severos tem de se fazer aparecer, S. Exa. mesmo reconheceu no seu discurso de há pouco ser bem merecedor de grave punição aquele que nesta ocasião de grandes
dificuldades cometa o verdadeiro crime de açambarcamento de géneros; e só com fiscalização rigorosa só poderá investigar a rigor para punir. Claro está que não se patrocinam injustiças, nem se consentem desmandos aos agentes das subsistências.

O Sr. Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche): — Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Secretário de Estado das Colónias as suas referências amáveis, e mais uma vez lembrar a S. Exa. um outro ponto muito importante, no qual eu insisto. Êsse ponto é o que se refere aos desejos da classe orizícola para que nenhumas medidas sejam tomadas a seu respeito sem que a mesma classe seja ouvida.

As suas reclamações vão ser concretizadas numa representação, a entregar ao Govêrno, quis hoje tratar do assunto a fim do que S. Exa. tivesse conhecimento dos desejos e pedidos desta classe, antes do encerramento das Câmaras.

O Sr. Secretário de Estado das Colónias (Vasconcelos e Sá): — Na verdade eu tinha omitido a resposta relativa à última pregunía de S. Exa. por simples esquecimento. Tenho a dizer que o Govêrno não fará uso das autorizações parlamentares, senão para casos úrgicos e indispensáveis. Com respeito ao assunto especial do Sr. Senador que supõe não sei com que fundamento, deve ser publicada uma certa lei com as observações de S. Exa., podendo desde já garantir que o Govêrno escuta do bom grado todas as indicações ou alvitres honestos dos competentes, antes de tomar uma resolução.

O Sr. Presidente: — O Sr. Zeferino Falcão pediu que, com urgência e dispensa do Regimento, sejam discutidos os projectos de lei que acabam de chegar à Mesa vindos da Câmara dos Deputados. Um dêles considera em vigor as leis n.° 373, de 2 de Setembro de 1915 e 491, de 11 de Março de 1916 e fixa a sua interpretação; o outro projecto igualmente já aprovado na outra Câmara, refere-se à permissão dada aos funcionários civis e militares, membros do Congresso, para poderem acumular essas funções com as funções parlamentares.

Foi aprovado êste requerimento.

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O Sr. Xavier Cordeiro: — Tinha, pedido a palavra, há já bastantes dias, para quando estivesse presente o Sr. Ministro das Finanças, mas as circunstâncias não têm. permitido que S. Exa. aqui compareça e na última sessão, em que S. Exa. compareceu, não pude usar da palavra.

Vou ser breve.

Quero referir-me aos decretos ditatoriais publicados pelo actual Govêrno e que envolvem matéria tributária. Não é ao aspecto jurídico constitucional da questão que desejo aludir.

Essa questão foi já aqui posta em destaque.

Não vou tambêm armar em paladino das prerrogativas parlamentares, pois não tenho competência para o fazer.

Não sou contrário às ditaduras quando são necessárias. Por ruim, não teria pres sã que o Govêrno entrasse na normalidade constitucional, desde que me convenço de que os homens que o compõem têm a probidade necessária para bem gerir os negócios públicos.

O que me parece altamente inconveniente, è que um Govêrno, que inscreve no seu programa como principal objectivo a moralidade e a obediência à lei, seja o primeiro a faltar às suas próprias promessas e afirmações desrespeitando a lei, a que todos, governantes e governados, devemos obediência.

É preciso que o Govêrno não continue a decretar medidas que envolvam matéria tributária, desde que está funcionando o Congresso.

Posta assim a questão em termos gerais, vou especialmente referir-me ao decreto n.° 4:699, publicado no Diário do Govêrno n.º 165, de 6 de Julho de 1918.

Êsse decreto surpreendeu-me pelos termos em que está redigido e pela matéria que nele se contêm.

Leu.

Em relação à classe dos advogados, vou prestar ao Govêrno, por intermédio 'dos Srs. Secretários de Estaco presentes, e especialmente do Sr. Secretário de Estado das Finanças, algumas informações de facto, que talvez S. Exas. desconheçam.

A classe dos advogados tem sido muito prejudicada pela guerra. Devido a circunstâncias que fácilmente se depreendem, o movimento judicial tem diminuído consideràvelmente.

No Tribunal do Comércio de Lisboa, por exemplo, é frequente passarem-se sucessivas audiências em que, p.ara as duas varas comerciais, se distribui meia dúzia de papéis de expediente, a maior parte das vezes de reduzido valor e de insignificante importância.

Algumas audiências têm havido até em que o serviço de distribuição fica deserto,

E isto passa-se na principal comarca comercial do país!

É fácil de ver a causa desta considerável diminuição de movimento judicial.

A primeira é a desigualdade na distribuição da riqueza. Assim como há pessoas que enriqueceram depois do estado de guerra, há outras, como os pequenos proprietários ou comerciantes, funcionários, ele, que vêem os seus lucros e os seus vencimentos iguais aos que tinham então, o que corresponde a dizer, consideràvelmente diminuído, em consequências da grande depreciação da moeda e correlativa carestia da vida.

Êstes, que dantes recorriam aos tribunais para fazerem valer os seus direitos, hoje o não fazem.

Igualmente, aqueles que enriqueceram depois da guerra, abandonam tambêm os tribunais, preferindo perder 2 ou 3 contos, pois que em qualquer negócio ganham 10, 20, 30 ou 40 vezes inçais.

Acresce a isto, como factor importantíssimo, para o prejuízo da classe dos advogados, o considerável aumento de 50 por cento nos selos e custas judiciais, e, ainda para os advogados de Lisboa, a criação da Relação de Coimbra, visto que vem diminuir consideràvelmente o movimento na Relação de Lisboa.

Acresce ainda o estado caótico da legislação em vigor, que obriga a um trabalho árduo e constante e sujeitando-a a graves responsabilidades profissionais, pelas incertezas e dificuldades em que se vê para dar com segurança o seu parecer sôbre qualquer, assunto, às pessoas que o consultam.

A continuar êste estado de cousas, Sr. Presidente, dentro de um ou dois anos ou num futuro muito breve, os advogados de Lisboa e do resto do país, terão de fechar os seus escritórios por não auferirem o suficiente para pagarem ao Estado. Não me parece, pois, que esta seja a maneira de fomentar a riqueza pública.

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Eu refiro-me em especial a êste ponto, porque é dos que tenho maior conhecimento, o muito especialmente para chamar a atenção de V. Exa. e do Govêrno.

É possível que, na precipitação com que estas cousas se fazem, o Govêrno e o Sr. Secretário de Estado das Finanças, por cuja pasta êste assunto corre, não tivessem procedido com aquele cuidado que é requerido em assuntos desta natureza.

Ainda há poucos dias uma Revista suíça que trata de assuntos financeiros e económicos, publicava um artigo em que o seu signatário, cujo nome agora me não lembra, relata o cuidadoso e árduo trabalho de que o Ministro das Finanças do seu país, fez preceder uma alteração das colectas industriais.

Só depois dum inquérito rigoroso a todas as indústrias da Suíça, em cada um dos cantões da Confederação Helvética, é que se julgou habilitado a aumentar as colectas tributárias de várias indústrias.

Isto é que é tributar com consciência; isto é que tem a fazer um estadista.

Agora vir por um decreto dizer que tem aumentado os proventos de certas classes, e a título dêsse aumento, tributar a classe dos advogados, parece-me absolutamente arbitrário è tudo quanto há de mais injusto.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Já que falo no assunto vou preguntar o que quere dizer o artigo 1.° dêste decreto, publicado em 26 de Julho dêste ano, bastantes dias depois de aberto o Parlamento, e que diz:

Leu.

Quem diz ao Sr. Secretário de Estado, quem afirma ao Govêrno que há-de ser refundido o decreto de 16 de Julho de 1896, que regula a contribuição industrial?

Quem diz ao Govêrno que êle não há-de ser mantido?

Permita-me que lhe diga, Sr. Secretário de Estado das Finanças, sem quebra da minha consideração por V. Exa., que me parece uma alta leviandade, que o Govêrno venha afirmar num decreto ditatorial, que um qualquer diploma legal sôbre matéria tributária vai ser refundido ou alterado, estando aberto o Congresso
e sem que êste se tenha pronunciado sôbre o assunto.

Parece-me urgente consignar que todos os decretos publicados pelo actual Govêrno, que envolvam matéria tributária, sejam suspensos sem demora, pois só assim se poderá evitar a tremenda complicação para os serviços da Fazenda Pública, resultante de modificações nas matrizes actuais ao abrigo de decretos que, porventura, amanhã o Congresso vai revogar ou alterar.

Vou mandar para a Mesa um projecto de lei.

E já que estou no uso da palavra e visto que estão presentes dois membros do Govêrno, vou aproveitar os últimos minutos que tenho para usar da palavra, para lhes pedir que transmitam ao Sr. Secretário de Estado da Guerra o meu desejo.

Foi apresentado na Câmara dos Deputados, há dias, um projecto, segundo o qual deverão ser reintegrados os funcionários civis e militares que tenham sido afastados do serviço público por motivos políticos.

Êsse projecto merece o meu aplauso e de todos os portugueses. (Apoiados).

Êsse projecto, naturalmente, levará tempo, primeiro que seja convertido em lei, e muito louvavelmente o Govêrno se está antecipando, e dentro das suas atribuições, a fazer essa obra de justiça que lhe cumpria fazer.

Tenho visto reintegrados muitos funcionários demitidos por motivos políticos. Assim chamo a atenção do Govêrno para o caso do capitão Luís Augusto Ferreira.

Êle foi acusado do crime de rebelião, julgado e condenado pelo odioso Tributai das Trinas; depois absolvido na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça; ainda antes de ser julgado era publicado no Diário do Govêrno um decreto que o demitia «atendendo aos interêsses superiores da República» sem dizer mais nada.

Êsse militar está exilado, tem a sua família talvez na miséria.

Pregunto eu se é legítimo que êste distinto oficial esteja ainda nestas condições, quando se trata de quem foi isento de toda a culpa por dois acórdãos.

Aos Srs. Secretários de Estado presentes peço que comuniquem o que acabo de dizer ao Sr. Secretário de Estado da

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Guerra para que a êste homem sacrificado pela demagogia se faça justiça.

O Sr. Mendes do Amaral (Secretário de Estado do Comércio e, interino, das Finanças): — Falando pela primeira vez nesta Câmara, envio as minhas afectuosas saudações ao Sr. Presidente e aos restantes Srs. Senadores, representantes não só das diferentes correntes do opinião política, mas ainda das forças vivas da Nação. Quanto à interpelação do Sr. Xavier Cordeiro, devo dizer que os decretos publicados, embora já o tivessem sido depois de aberto o Parlamento, foram assinados muito antes do Congresso abrir. Não saíram mais cede no Diário do Governe por serem muitos e por serem abundantes as praxes a seguir. Referiu-se S. Exa. ao aumento da taxa industrial dos advogados. Não houve precipitações, nem falta de estudo por parte do legislador.

Considerou-se quais as profissões que mais ganhavam neste momento, e incluiu-se entre elas a profissão de advogado, primeiro porque a sua taxa era realmente diminuta, mesmo em tempos normais; segundo, porque era de todo o ponto crível que, defendendo os advogados interêsses particulares perante os tribunais, muito mais valiosos, agora os seus honorários se ressentissem da melhoria dêsses interêsses.

Nessa ordem de considerações, o Govêrno entendeu que devia aumentar e, contribuição industrial aos advogados, alêm de julgar que a sua taxa era já de diminuta. Já tive ocasião de dizer da outra casa do Parlamento que êste tem toda a autoridade para fazer a revisão da medida a que me refiro. A corais comissão nomeada para rever a obra do Govêrno bem pode fiscalizá-la, é êle é o primeiro a aceitar tal fiscalização, pois que nunca teve tenção de fugir à responsabilidade dos seus actos.

Referiu-se tambêm S. Exa. ao artigo 1.° do decreto. O diploma que regala a contribuição industrial data de 1396, e ninguêm pode admitir que uma tabela de contribuição, lançada naquela data, não esteja absolutamente - fora do uso e não precise refundir-se.

A Câmara certamente se há-de pronunciar sôbre a, necessidade ou não necessidade de refundir êsse diploma. É absolutamente indispensável remodelar a tabela, da contribuição industrial; di-lo o Govêrno, fazendo-se porta-voz das associações industriais e comerciais.

Logo que o Parlamento se queira ocupar e êste assunto, o Govêrno concordará nisso; o Parlamento dirá se se devem aumentar ou diminuir as tabelas,
mas creio que todos estaremos de acordo em que é preciso que a referida remodelação se faça.

Pediu-me também o ilustre Senador que transmitisse ao Sr. Secretário de Estado da Guerra a necessidade de reintegrar o Sr. capitão Luís Augusto Ferreira. Tenho a dizer a este respeito, que transmitirei fielmente àquele Sr. Secretário de Estado as considerações que sobre o assunto me foram apresentadas. Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Xavier Cordeiro: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, simplesmente para agradecer ao Sr. Secretário de Estado, que acaba de falar, as suas palavras.

O Sr. Presidente: — O Sr. Dr. Zeferino Falcão deseja, em negócio urgente, ocupar-se da necessidade que o Senado tem de eleger comissões para a revisão da obra do Govêrno e do seu funcionamento no interregno parlamentar. Submeto, pois, à deliberação do Senado a urgência requerida pelo mesmo Sr. Senador.

Consultado o Senado sôbre se considerava urgente o assunto, resolveu afirmativamente.

O Sr. Zeferino Falcão: — Mando para a Mesa a minha proposta; Sr. Presidente. Trata-se da eleição de doze comissões para apreciarem a obra legislativa do Govêrno, que careça de revisão parlamentar.

Proposta.

Proponho que sejam eleitas doze comissões de cinco membros, com representação de minorias, um por cada Ministério, para rever a obra legislativa do Govêrno, que careça de sanção parlamentar; podendo funcionar no interregno do funcionamento do Congresso; e sejam considerados no exercício das suas fim-

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coes parlamentares.— Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

É admitida.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Senador Zeferino Falcão.

Lida na Mesa a proposta, foi admitida.

O Sr. Júlio Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho): — Pedi a palavra para declarar à Câmara que a minoria concorda com a proposta apresentada pelo Sr. Zeferino Falcão. No emtanto, vou mandar para a Mesa um aditamento, que é o seguinte:

Proponho que o Senado conceda ao seu ilustre presidente um voto de confiança para nomear as comissões que hão-de rever a obra ditatorial do Govêrno.— Júlio F. M. Sarmento (Visconde do Banho).

Aprovado.

Tendo muito pouco tempo diante de nós antes da realização da sessão conjunta das duas Câmaras, e como proceder à eleição de doze comissões será muito moroso, todos nós confiamos no Sr. Presidente, que, pela alta imparcialidade e correcção com que tem dirigido os trabalhos desta Câmara, fará a nomeação dessas comissões como o julgar conveniente, tendo em vista o respeito que se deve às disposições do Regimento, no que se refere à representação das minorias.

O Sr. Presidente: — Agradeço as palavras de V. Exa.

A proposta e aditamento são aprovados.

O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara para o facto do Sr. Xavier Cordeiro ter mandado para a Mesa um projecto que não posso aceitar, por isso que se refere a questões tributárias, as quais pertencem exclusivamente à Câmara dos Deputados.

O Sr. Xavier Cordeiro: — Em vista do que V. Exa. acaba de dizer, peço que se consulte a Câmara sôbre se permite que eu retire o meu projecto.

A Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia e vão entrar em discussão os projectos vindos da Câmara dos Deputadas, e ali aprovados na sessão de ontem.

O Sr. Mário Monteiro: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para entrar na discussão do projecto vindo da Câmara dos Deputados, referente às autorizações parlamentares a conferir ao Govêrno. Não tenho bem presente êsse projecto; todavia pela leitura dos jornais, parece-me que se trata de conceder ao Govêrno a necessária autorização para, no interregno parlamentar, poder tomar providências que julgar convenientes, sôbre matéria económica, de ordem pública e de ordem militar.

Sou, por princípio, contrário a autorizações parlamentares; no entanto não posso deixar de reconhecer que as circunstâncias que atravessamos são de tal maneira extraordinárias, que o Govêrno precisa dessas autorizações para ficar habilitado, no interregno parlamentar, a proceder como julgar conveniente. Declaro, portanto, que dou o meu voto à proposta vinda da Câmara dos Deputados. Mas aproveito o ensejo para me ocupar doutro assunto.

Sabe V. Exa. Sr. Presidente, e sabe a Câmara que é proibido e até punido gravemente pelo Código Penal, a chamada indústria do jôgo de azar. São gravemente punidos principalmente aqueles que dão tavolagem, visto corresponderem-lhes penas que vão de dois meses a um ano, com perda de todos os utensílios do jôgo, mobília, casa, dinheiro, etc., sendo o produto da apreensão entregue pelo Estado e distribuído pelos apreensores.

Todavia, apesar da proibição legal, o jôgo, tam condenado, continua a progredir e tem tomado tal incremento, que actualmente poluía por todo o país, tendo-se multiplicado extraordinariamente. Bastas vezes os Govêrnos tem usado das suas faculdades para reprimir e fazer desaparecer o jôgo de azar. Mas as providências e repressões adoptadas dão resultados ineficazes, talvez porque o jôgo se converteu num considerável instrumento de turismo. E de tal situação tem resultado ficarem sempre as cousas como estavam anteriormente, apenas acrescidas o desprestígio da autoridade.

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Êstes são os factos, caindo-se portanto neste absurdo: haver uma indústria, que é criminosa, mas que é livremente exercida.

Mas não é só êste paradoxo que se verifica. Há outro maior, mais grave e ruinoso para o Estado, e que a indústria do jôgo, extraordinariamente próspera, não é colectada, e, porque não é colectada, não contribui para o Estado, como contribuem todas as indústrias lícitas, apesar dalgumas delas serem pobres. Êste contrasenso êste paradoxo, êste ridículo arrasta-se de há vinte anos para cá.

É absolutamente urgente que se tome uma providência eficaz para prestígio da autoridade e para que o Estado aufira as importâncias a que tem direito. A indústria do jôgo exerce-se com verdadeiro previlégio e com a agravante de serem estrangeiros os principais industriais do jôgo. São estrangeiros que vêem aqui fazer fartíssimas colheitas de lucros, exportando-os depois.

É esta, com toda a verdade, a situação. Ora, Sr. Presidente, estando a consciência pública devidamente esclarecida a êste respeito, tendo-se feito ou formado em todos os espíritos a convicção de que o jôgo é irreprimível, claro é que se impõe a sua regulamentação.

O Sr. Pinto Coelho: — Não apoiado.

O Sr. Mário Monteiro: - Não apoiado, diz o meu ilustre amigo Sr. Br. Pinto Coelho, o que me obriga a enfileirá-lo entre os tratadistas e idealistas que imaginam que há meios eficazes para a repressão do jôgo. Mas, Sr. Presidente, são trinta anos de experiência, em que o Estado nunca conseguiu essa repressão, e em que se dá a disparidade com as indústrias lícitas que eu acabo de citar, que me obrigam a não concordar com o Sr. Pinto Coelho.

E, assim, nós continuamos a seguir os princípios idealistas e a considerar imoral o jôgo. sem repararmos que tal situação não pode prolongar-se, sendo absolutamente indispensável que nem mais um mês, nem mais um dia êste estado de cousas prevaleça, para que êsses felizes industriais não vão enriquecendo à custa do dinheiro do país, arrecadando-o e exportando-o, sem nada contribuírem para o Estado. Torna-se inadiável uma providência governativa que ponha termo a estas anomalias.

Vários têm sido os projectos de lei elaborados no sentido de se fazer a repressão do jôgo, e ainda ultimamente se falou num, da autoria do Sr. Machado Santos. Mas como se trata duma altíssima questão, que tem de ser encarada sob os seus diversos aspectos, de forma a tirar-se dêles o máximo proveito para o país, é necessário que sôbre ela se estabeleça uma larga discussão parlamentar, pois não é de afogadilho que se pode resolver aquilo que se prende intimamente com o problema do turismo. Ora tal discussão não pode fazer-se nesta ocasião, em virtude do próximo adiamento dos trabalhos parlamentares. Mas como é indispensável que se tome, repito, uma medida urgente, embora de carácter transitório, para remediar êste estado de cousas, mando para a Mesa um projecto de lei sôbre o assunto, o qual ficará sujeito a segunda leitura, a ser enviado para as comissões respectivas, e, emfim, a todos os trâmites parlamentares, para depois ser discutido. Como, porêm, o Parlamento vai ser adiado, é evidente que êsse meu projecto não pode ser discutido e apreciado, e a situação continua, durante êstes tempos de praias e termas, o que permitirá que a sangria dos dinheiros do país prossiga. E necessário, portanto, que o Govêrno, durante o intervalo parlamentar que se seguirá, e dentro das autorizações que o Congresso lhe vai conceder, use da autorização que pelo meu projecto de lei lhe é dada. embora transitoriamente, se porventura concordar com o pensamento e com a idea nele expostos.

Eu explico em poucas palavras em que consiste o meu projecto de lei que, aliás, é duma grande simplicidade e praticabilidade: pretende-se por êle, salvar e salvaguardar o prestígio da autoridade e lançar sôbre o jôgo um certo imposto. Tornam-se, por êle, legitimamente estabelecidas as casas de tavolagem, desde o momento em que estejam habilitadas com uma licença, a qual é concedida, nas sedes de distrito, pelos governadores civis, o nos concelhos pelos respectivos administradores, nos termos dos artigos 57.° e seguintes do decreto de 9 de Dezembro de 1879.

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É de extrema simplicidade.

O decreto que tem servido para a cobrança do imposto do rial de água tem muita analogia com o que eu aconselho, Poderia empregar-se o mesmo processo, que se acha consagrado e tem dado os melhores resultados. Tenho um outro exemplar do projecto que mandei para a Mesa. Se o Sr. Secretário de Estado das Colónias o permite, vou enviar-lho para que o Govêrno tome, era breve, conheci-'mento dêle e, pondo-o em prática, se concordasse com êle, quanto antes.

O orador não reviu.

O Sr. Vasconcelos Estado e Sá (Secretário de Estado das Colónias): - Ouvi com muita atenção as palavras do Sr. Mário Monteiro, com respeito ao relativo a medidas de à tributação do jôgo.

Lerei êsse projecto lamentar e leva-lo hei ao Conselho de Gabinete.

O Sr. Pinto Coelho: — Sr. Presidente: quanto ao projecto de lei do Sr. Mário Monteiro não tenho objecção nenhuma a fazer e até declaro que me associo com prazer à autorização nele contida, visto as condições anormais em que se encontra o. país. Com relação ao aditamento, e foi sôbre êle que pedi a palavra, pois não fazia tenção de usar dela nesta sessão nem trago nenhuma preparação para discutir o assunto, não posso deixar passar a doutrina dêle sem exprimir a minha opinião. Considero muito grave esta questão de princípios.

O Sr. Presidente: — O Sr. Mário Monteiro mandou para a Mesa algum aditamento?

O Sr. Mário Monteiro: — Chamei a atenção do Govêrno no sentido de rapidamente se pôr em execução o projecto de lei que apresentei e tem por fim regulamentar a questão do jôgo. Mas se V. Exa. quere eu formulo um aditamento por escrito.

O Sr. Presidente: — É melhor.

O Orador: — Creio que se trata dum aditamento.

O Sr. Mário Monteiro: — Não é própriamente um aditamento. É uma inter-
pretação da autrização que o Senado dá ao Govêrno, para poder resolver a questão do jôgo.

O Orador: — V. Exa. exprime o desejo de que entre os assuntos que o Govêrno tiver a resolver com a autorização parlamentar, um dêles seja êsse. Pois eu exprimo tambêm o desejo de que o Govêrno, no que toca ao jôgo de azar, únicamente faça cumprir com todo o rigor as leis em vigor. Declaro terminantemente que combato a idea, proposição ou sugestão de V. Exa.

Bem sei que as minhas considerações não fazem decidir o Senado; mas o que eu quis foi que se soubesse o meu modo de ver a êsse respeito e o daqueles que eu represento nesta Câmara, embora indignamente. Entendo que o vício do jôgo é fatal, quer se exerça com regulamentação, quer com o regime de repressão. O vício do jôgo é funesto para o país onde êle se exerça. Pode, é certo, trazer o jôgo lucros importantes para os cofres do Estado e eu não tenho dúvida em declarar que, se me visse entre duas alternativas — jogar se havendo repressão ou não se jogar havendo regulamentação — preferiria a segunda hipótese.

O Sr. Mário Monteiro apresentou argumentos no sentido de que é absolutamente impossível proibir o jôgo, visto a experiência de 20 anos assim o demonstrar. Não estou de acôrdo com V. Exa. Desde o momento em que da parte do Govêrno houvesse vontade decidida e enérgica, chegar-se-ia a êsse resultado.

O Sr. Mário Monteiro: — Mas é que nem as localidades deixam que se faça e a repressão.

O Orador: — Contra factos não há argumentos. A testa do Govêrno têm estado estadistas que têm sabido cumprir a lei que proíbe o jôgo, e eu poderei apontar um que a todos nós merece o maior respeito e a maior homenagem: foi o Sr. Hintze Ribeiro. Durante o tempo em que S. Exa. foi Presidente do Conselho a proibição do jôgo teve uma realidade efectiva no nosso país.

Dito isto, pregunto a V. Exa. qual a razão fundamental que se opõe a que as leis repressoras do jôgo não só cumpri-

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riam agora como se cumpriram então. Não vejo absolutamente nenhuma. Essas leis dão o direito de qualquer autoridade entrar numa casa de jôgo e fazer a apreensão de todos os objectos e mobiliário lá existentes; e V. Exa. compreende que se se dêsse uma apreensão de muitos contos de réis não havia empresa particular que pudesse resistir. O defeito está na falta de vontade.

E porque não se quere cumprir e, lei, que se joga o que me faz supor que se da parte dos estadistas houvesse tanta vontade de reprimir o jôgo como há de reprimir as associações religiosas, ela não seria letra morta.

Diz-se em favor da regulamentação, que ela vem trazer grossos recursos para o Estado, que os divertimentos aumentam, e que o turismo se desenvolve. Mas eu considero isto uma questão de moralidade, porque não se pode contestar que o jôgo traz frequentes suicídios, ruína, de muitas famílias, etc.

E por isto que eu sou contra a regula-lamentação do jôgo, entendendo que o Estado, desde que faça a regulamentação, reconhece que êle não é imoral, tendo a acompanhá-lo nisso o mais alto poder do Estado, o Poder Legislativo. Não queria deixar neste momento de manifestar o meu modo de ver a êste respeito, e creio bem que êle será o de toda a Câmara, a qual fica sabendo em que sentido exprimirei o meu voto, que muito desejava que fôsse o de todos.

O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: o projecto que veio da outra Câmara chega até nós nestes termos: em 1915 e 1916 o Govêrno conseguiu autorização para a realização de medidas de carácter legal, embora não emanadas do Poder Legislativo, e essa autorização foi tam lata que a hermenêutica tornou possível a publicação de diplomas que, porventura, não estaria no espírito dela. O representante da maioria da outra casa do Parlamento fez a declaração de que o Poder Legislativo concedia uma autorização ao Govêrno nos termos da de 1910 e 1916, e foi afirmado que o Govêrno não usaria desta autorização senão para assuntos económicos, de ordem pública e de necessidades derivadas do statu que na guerra e da defesa do Estado. Mas o Sr. Mário Monteiro apresentou ao projecto ou aditamento que altera por completo a maneira como a questão estava posta. S. Exa. disse que não era presidencialista, e disse-o com a autoridade não só pessoal, mas política...

O Sr. Mário Monteiro (interrompendo): — Falei a êsse respeito apenas em meu nome pessoal. Bastava dar-se a circunstância de ser correligionário do Sr. Xavier Cordeiro para não poder falar senão em meu nome pessoal.

O Orador: — Agradeço as explicações de V. Exa. Nada teu. que ver a minha ordem de ideas com a sua orientação política. S. Exa. disse que não tinha simpatia alguma pelas autorizações dadas ao Poder Executivo. Temos abusado muito, não digo êste Parlamento, porque vamos no princípio da legislatura, mas as Câmaras em geral, das palavras «presidencialismo» e «parlamentarismo».

Não se trata, em técnica política, dum assunto verificado. O que é «presidencialismo» e o que é «parlamentarismo?»

Duna maneira vaga fica a impressão de que o «parlamentarismo» é uma grande liberdade. Parece-lhes que qualquer jovem pode assim ser Ministro. Os que vêem por essa forma o problema, dizem logo que são contra o «parlamentarismo».

«Presidencialismo», donde vem êle? Da América do Norte, onde, contudo, não é tirânico, porquanto as leis da América do Norte são mais parlamentaristas do que na França parlamentar. Mas não vale a pena insistir no assunto.

Trata-se agora de autorizações concedidas ao Poder Executivo. Êste. pedindo-as, isso facto está dentro da técnica jurídica, que reconhece a intervenção do Parlamento. O que quere isto dizer?

Quere dizer que, por isso mesmo que aceita uma delegação desta casa, não aceita como se lhe estivesse superior, antes se lhe subordina, considerando-se como mandatário seu, submetido à sua fiscalização.

Isto significa que não são presidencialistas, mas homens de honra e de brio, os Ministros que aqui vieram submeter-se ao Poder Legislativo. Perante a questão do Sr. Mário Monteiro, tratada pelo Sr. Pinto Coelho, não podemos continuar a viver

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neste regime de aventura, que só foi bom quando serviu para conquistar o mundo. Agora há que tratar dos problemas da indústria, do comércio e da agricultura.

Não se pode, Sr. Presidente, subverter toda a ordem económica dos que trabalham. Nós não podemos deixar de, sinceramente, fazer dêste sagrado país, como representante que dêle somos, um povo que não sinta misérias, um povo feliz. A vida tem de ser uma cousa alta e grande! (Apoiados).

É necessário que o povo português trabalhe! Casas de prego, casas de penhores, bancos de aventura, é o que por si se vê. E preciso desenvolver a riqueza do país, fazê-la progredir.

Porque não havemos nós, aproveitando todos os ensejos, de dizer ao povo que precisa de trabalhar?!

Finalmente, e para concluir, Sr. Presidente, direi ainda sôbre o assunto em questão mais algumas palavras:

A concessão que se vai fazer ao Govêrno não quere dizer que nós não saibamos elaborar leis; é sim, a afirmação de que há uma cooperação com êsse outro poder: o Poder Executivo.

No México, e em outros países, há as chamadas comissões parlamentares permanentes. Nós, porêm, não temos forma de funcionar, e, porque assim a não temos, necessário se torna que dêmos a outra entidade a faculdade de legislar quando o Parlamento o não poder fazer. Não podemos, Sr. Presidente, negar aos que ficam os meios precisos à sua acção. Vamos delegar poderes nossos? Se delegamos é para bem de todos. O meu voto concorde é o de dar a minha delegação e exprimo o desejo de que ela se aplique bem. Para tal, é preciso conhecer as necessidades do povo.

Ora, Sr. Presidente, eu creio que os membros do Govêrno saberão legislar, porque são inteligentes. Por isso, legisle o Govêrno, mas não legisle para aventuras. Legisle bem, porque o povo português precisa de poucas leis, mas boas. Legisle, como se legisla para um povo doente, com absoluta consciência do estado patológico da sua situação.

Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: — Muito bem! Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. José Júlio César: — Sendo esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta casa do Parlamento, seja-me permitido, antes de mais nada, apresentar "a V. Exa., Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos. Não tive a honra de assistir à sessão em que se procedeu à eleição da Mesa; mas se tivesse assistido a ela, posso afirmar a V. Exa. e à Câmara que não teria deixado de votar não só em V. Exa., como nos restantes membros que constituem a mesma Mesa. Procederia dessa forma com tanto maior prazer quanto é certo que tenho por V. Exa. uma grande admiração e respeito, visto tratar-se duma pessoa de alta inteligência e dum verdadeiro homem de bem. A escolha, portanto, não podia ter sido melhor, pois, que o passado é sempre uma garantia segura para o futuro. V. Exas., assim, saberão honrar, como o têm feito até o presente, o alto cargo para que foram escolhidos.

Dito isto, Sr. Presidente, mando para a Mesa a seguinte

Moção

O Senado, ressalvando o direito de revisão por parte do Congresso, aprovando a proposta de lei em discussão, convida o Govêrno a publicar um novo Código Administrativo que uniformize e ponha em ordem a caótica legislação respeitante ao funcionamento dos corpos administrativos.— José Júlio César.

Toda a Câmara e o país sabem a situação em que nos encontramos pelo que diz respeito a direito administrativo, o que dá em resultado ninguêm se entender. Os próprios advogados não sabem muitas vezes, permita-se-me a expressão, a quantos andam no que diz respeito a direito administrativo.

O Sr. Machado Santos, quando Ministro do Interior, reconheceu a verdadeira necessidade que havia de remodelar o Código Administrativo, e tanto assim que nomeou uma comissão para tal fim, da qual fazem parte dois jurisconsultos dos mais distintos que há no nosso País.

O Sr. Machado Santos, repito, ao entrar para o Ministério do Interior reconheceu a necessidade que havia de remodelar o Código Administrativo e lembrou-se, e muito bem, de encarregar pessoas

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competentíssimas para isso mas pena foi que não tivesse deixado publicado êsse trabalho. É certo que depois de S. Exa. mais dois Ministros sobraçaram aquela pasta; mas até hoje ainda não foi decretado o novo Código Administrativo o que é parte lamentar. De toda a conveniência seria, pois, que essa comissão que é composta, pelo menos de duas competências apresentasse o resultado dos seus. trabalhos, que se não estão já concluídos, pouco há-de faltar.

Poderá dizer-se que isso significaria que o Poder Legislativo abdica um pouco das suas atribuições. A mim, afigura-se-me; que não, tanto mais que eu na minha moção ressalvo o princípio de o Govêrno apresentar ao Parlamento o referido Código para êste o poder rever. Mas há j mais: a autorização que o Poder Legislativo vai conceder ao Govêrno dá-lhe poderes para êle tratar de assuntos de guerra e ordem pública.

O Sr: Machado Santos, meu ilustre amigo, com cuja amizade me honro, reconheceu, quando Secretário de Estado das Subsistências o caos e as dificuldades com que se luta para se fazer obra boa mercê das deficiências da nossa legislação administrativa. Mas se assim é, se todos reconhecem que não há maneira de fazer boa administração, em quanto não se consubstanciar, num único diploma, toda a legislação administrativa, onde se encontrem todos os princípios que devera regalar e direito administrativo, é absolutamente indispensável tratar do assunto; quanto antes.

Ora, emquanto não existirem necessárias disposições, a desordem administrativa há de permanecer e emquanto isso § suceder, não pode haver ordem nas ruas. Por consequência, entendo que, dentro das autorizações que vão ser concedidas ao Govêrno, cabe bem a de publicar o Código Administrativo, durante o interregno parlamentar e o Senado prestará um altíssimo serviço ao país confirmando o meu parecer. De contrário, se se não aproveitar esta ocasião para pôr em vigor o referido Código, sem ser sujeito à apreciação do Parlamento, só muito tarde isso se fará.

E, já que estou no uso da palavra, quero manifestar tambêm a minha opinião; sôbre o projecto de lei que acaba de ser mandado para a Mesa pelo meu compatrício, Sr. Mário Monteiro. Estou inteiramente de acôrdo com S. Exa. é, absolutamente impossível reprimir o jôgo. O ilustre estadista, Sr. Hintze Ribeiro, a cujos dotes de inteligência presto homenagem, empregou todos os esforços para conseguir essa repressão, mas a verdade é que não logrou alcançar o seu fim, senão em Lisboa. Lembro-me até que, por essa ocasião, mais se acentuou a abundância de casas de jôgo, em várias localidades, como por exemplo, a Figueira da Foz. Quanto maiores eram os esforços para reprimir êsse vício, mais incremento êle tomava, porque, se é certo que se não jogava em casas abertas ao público, os jogadores arranjavam sítio onde se reuniam, passando palavra uns aos outros, para aí jogarem.

Nestas condições, e desde que é inteiramente impossível fazer a repressão do jôgo, entendo que o Govêrno faz muitíssimo bem em regulamentar uma indústria que apesar de ilícita, se exerce hoje libérrimamente.

O Sr. Pinto Coelho: - Mas eu creio que S. Exa. não poderá encontrar crime nenhum no facto das autoridades se gabarem de que a sua repressão é absolutamente impossível.

O Orador: — Não senhor!

O Sr. Pinto Coelho: — Então S. Exa. é ilógico, indo pedir a repressão do crime onde êle não existe.

O Sr. Machado Santos: — O principal rendimento de Macau e Timor é o jôgo. O Sr. Hintze Ribeiro, a cujos talentos também presto homenagem, não suprimiu. a lotaria da Santa Casa da Misericórdia.

O Sr. Mário Monteiro: — Nem o jôgo de Bôlsa.

O Orador: — Portanto, eu creio que o Código Administrativo e a regulamentação do jôgo cabem bem dentro da autorização concedida ao Govêrno, que prestaria ao país um grande benefício promulgando as medidas a que venho de referir-me.

Consultado o Senado, admitiu a moção apresentada pelo Sr. José Júlio César.

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O Sr. Xavier Cordeiro: — Pedi a palavra quando o Sr. Mário Monteiro fazia algumas considerações sôbre a sua proposta e se referia ao projecto publicado na imprensa e feito pelo Sr. Machado Santos.

O assunto que se ventila interessa sob o ponto de vista geral da moralidade pública, como interessa pelo seu aspecto e feição económica; mas, para proceder com lógica, começarei por me referir ao que está própriamente em discussão a autorização parlamentar a conceder ao Govêrno.

Eu não podia, manifestamente, votar contra uma autorização de tal natureza, porque, se votasse contra ela, isso corresponderia a querer tolher o Govêrno em toda a sua acção administrativa.

É claro que eu conto, como toda a Câmara, com a honestidade e moralidade do Govêrno.

Pelo que diz respeito ao jôgo, a indicação feita pelo Sr. Mário Monteiro ao Govêrno é que, aproveitando a autoriza cão que lhe vai ser concedida e que abrange medidas de carácter legislativo, trate da regulamentação do jogo, tributando-o como indústria das mais rendosas, para que assim o Estado obtenha, como de direito, recursos financeiros importantes.

Sôbre êste ponto de vista, eu não posso deixar de fazer algumas considerações.

Eu detesto o jôgo; não sei nem quero jogar; mas reconheço, como não podia deixar de reconhecer, que é absolutamente impossível reprimir eficazmente o jôgo.

Disse há pouco o Sr. Pinto Coelho que a boa lógica levaria a pedir que se regulamente tambêm o homicídio, visto que nunca foi possível reprimi-lo em absoluto.

Não é bem assim.

Entre a indústria do jôgo e um acto criminoso, como o homicídio, não posso deixar de estabelecer distinção.

O jôgo é proibido, mas, em todo o caso, jogar é um delito de diferente natureza do crime de homicídio. Tanto assim que ninguêm recusa estender a mão, de conversar ou jantar à mesma mesa com qualquer pessoa que sabe ter o hábito de jogar. Da mesma forma se não procede com os indivíduos que praticam o homicídio.

É, portanto, a própria consciência pública que estabelece a distinção.

Se nós tivéssemos de cortar as nossas relações pessoais com todas as pessoas que jogam jogos de azar, ficaria muito reduzido o número das nossas relações.

Quere isto dizer que essa indústria deve ser incitada ou alimentada pelos Poderes do Estado? Não.

Pode comparar-se o jôgo com outros factos punidos pelo Código Penal ou reprovados pela consciência pública e que, no emtanto. se exercem sob a fiscalização e regulamentação do Estado, por exemplo, a prostituição.

O uso do álcool, do tabaco e do ópio, são prejudicialíssimos à saúde pública, no emtanto, o Estado dêles aufere receitas.

Temos, por consequência, de reconhecer que o Estado participa dos interêsses que provêm de factos criminosos ou prejudiciais; que mais não seja nas custas e selos dos processos criminais.

Para que havemos de seguir princípios vagos e abstratos de moralidade?

E por essa razão que eu não sou republicano. Em face dos factos da história e do critério positivista, que informa a sciência moderna, só a monarquia pode. assegurar a ordem e o bem estar dos povos.

Julgo-me no direito desta divagação e da afirmação dêste princípio, porque assim cumpro o meu mandato de Senador pelo Algarve, a cujo eleitorado monárquico devo a minha eleição.

Ora, disse o ilustre Senador, Sr. Pinto Coelho, que assim como se aplicam as más leis, tais como a proibição rigorosa do princípio associativo quando se trate de religiosos, privando-os de prestarem serviços caritativos de enfermagem, como não há outro igual, assim e com igual vigor devia proibir o exercício do jôgo cumprindo a lei. Está muito bem, mas nós temos de atender às pessoas que se empregam nestas profissões, chamemo-lhes assim, por comodidade de expressão.

Se quando em 1910 se foi aos conventos onde havia irmãs de caridade e se puseram violentamente na rua essas bondosas e humildes criaturas, elas não esboçaram, sequer, um gesto de resistência e obedeceram resignadamente, com o espírito de obediência, de renúncia e de sofrimento que é próprio da sua santa missão.

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O mesmo se não dá com os batoteiros, porque êstes, façam-se as leis que se fizerem, por muito rigorosamente que se pretenda reprimir o jôgo, hão-de jogar sempre através de tudo e contra tudo.

Eu conto ao Senado um caso que se deu comigo. Foi no tempo em que era Presidente do Ministério o Sr. conselheiro Hintze Ribeiro. No tempo em que governava êste estadista reprimia-se o jôgo por toda a parte. Os casinos das praias tinham fechado e eu estava convencido de que, realmente, já se não jogava. Pois um dia, procurando eu um amigo, bati à porta da casa em que supunha que êle ainda morava, quando me apareceu ama mulher que, com um ar misterioso, me mandoa entrar. Eu entrei e logo a primeira cousa que eu vi, com espanto meu, foi uma roleta onde estavam jogando vários parceiros, observando-me a mulherzinha para ir ao encontro de qualquer possível preferência minha, que tambêm havia o «monte» e «banca francesa». E aqui está como eu, indo à procura dum amigo, me encontrei numa casa de jôgo. Todavia, eu não andava à procura de casas de tavolagem, porque se as tivesse procurado, decerto as teria encontrado às centenas por êsse país fora.

E o jôgo, sem dúvida, um vicio funesto. Se o Govêrno o pode reprimir que o reprima: mas se não pode, que o regulamente.

Ponho a questão nestes termos porque a regulamentação sendo rigorosamente comprida corresponde à mais eficaz das repressões.

Eu entro há muitos anos em casinos onde toda a gente joga sem que tal divertimento me atraia. O mesmo se não pode dizer de muita gente que vai às vazes a um casino simplesmente para ver como se joga, e depois se vê tentado pelo convite da fortuna, perdendo tudo o que leva. Ora desde o momento em que pela regulamentação do jôgo não seja possível entrar com essa facilidade nas casas de tavolagem, porque essa entrada representa uma pesada tributação, já êsses factos se não dão.

Eu nunca viria pedir que se reduzisse a tributação dos vícios, como o jôgo e o tabaco, não me importando e antes aplaudindo que se colectem pesadamente essas indústrias do vício, aliviando as que representam trabalho muitas vezes amargo e sempre honesto.

Ora aqui está a razão por que sou de opinião que o Govêrno deve tributar a indústria do jôgo com taxas bastante pesadas.

Sou de opinião que esta é a melhor forma de o reprimir.

E, já que estou no uso da palavra, eu pedirei a atenção do Govêrno para um
outro ponto.

Quando o projecto do Sr. Machado Santos foi apresentado publiquei num jornal um ou dois artigos sôbre êsse projecto, porque nele se contêm disposições que julgo atentatórias dos interêsses nacionais, e como é possível que o Govêrno vá tratar, no interregno parlamentar, da regulamentação do jôgo, eu recomendo--Ihe o maior cuidado na forma por que o faça.

E, se bem me recordo, no projecto do Sr. Machado Santos, cujas disposições não posso estar a resumir aqui, havia uma que era uma porta aberta às empresas estrangeiras.

Porque os depósitos de garantia e outras exigências impunham tam onerosos encargos que as empresas nacionais não podiam fácilmente concorrer a elas, e ficariam em manifestas condições de inferioridade com as empresas estrangeiras já solidamente constituídas e com forte base económica, o que não pode fácilmente acontecer com empresas nacionais nascentes.

O Sr. Machado Santos: — O meu intuito era exactamente chamar ao país capitais estrangeiros e evitar quanto possível que os nacionais jogassem.

O Sr. Eduardo de Faria: — Requeiro a V. Exa. que a sessão seja prorrogada até ser votado o projecto em discussão.

O Sr.. Presidente: — Já não é a altura de poder ser admitido êsse requerimento.

O Orador: — Quanto à primeira dessas afirmações, não concordo com V. Exa., porque é sabido que o ponto perde e o banqueiro ganha sempre. Se são empresas estrangeiras que exploram o jôgo, está estabelecida a drenagem do nosso dinheiro para o estrangeiro.

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Quanto ao segundo, entendo que se S. Exa. tem em vista impedir, tanto quanto possível, que os nacionais joguem, devo dizer que me parece que nesse ponto o seu projecto me parece insuficiente.

Outro ponto sôbre o qual peço a atenção do Govêrno:

No projecto do Sr. Machado Santos estabelece-se como títulos das construções o palace, o chalet e a vila.

Protesto, porque devemos dar todo o apoio ao que represente o ressurgimento da arquitectura nacional.

Um artigo de jornal que publiquei por essa ocasião chamava a atenção do Govêrno para o livro de Raul Lino, A nossa casa, que tinha então aparecido nas livrarias.

Temos motivos arquitectónicos nossos, como as casas do Minho e do Algarve.

O Sr. Adães Bermudes: — São arquitectura rural.

O Orador: — V. Exa. dá-me licença? Pregunto a V. Exa., pela sua competência como arquitecto, se em Portugal não há palácios, solares e edificações de luxo em que se revela um acentuado cunho de arquitectura nacional.

Posso citar algumas, como, por exemplo, o solar dos Condes de Bretiandos, o dos Condes de Vila Rial e de Almada e muitos outros.

Parece-me, pois, altamente nocivo aos interêsses da arte nacional impor títulos arquitectónicos á construções de estilo estrangeiro.

Representam tais títulos um atentado, contra o que me insurjo, pedindo ao Govêrno tenha todo o cuidado na aplicação

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente: — Faltam apenas seis minutos para encerrar a sessão.

Se algum Sr. Senador deseja pedir a palavra, pode fazê-lo.

O Sr. Ribeiro do Amaral: — Mando para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro cópia de todo o processo de sindicância feita aos actos do secretário geral do Ministério da Justiça, Sr. Germano Martins, ou, o que será preferível, por representar economia de tempo e trabalho, autorização desde já para consultar êsse processo na repartição competente.— Manuel Ribeiro do Amaral.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a mesma dada para hoje. Às 16 horas haverá sessão conjunta. Peço, portanto, aos Srs. Senadores o favor de comparecerem mais cedo no Senado, a fim de poder haver sessão.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

O REDACTOR—Adelino Mendes.

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Página 0001:
dos açambarcadores. Quando houver abusos, o Govêrno castigá-los há. O Sr. Adriano Xavier Cordeiro insurge
Página 0002:
durante a sessão: Adolfo Augusto Baptista Ramires. Adriano Xavier Cordeiro. Afonso
Página 0010:
10 Diário das Sessões do Senado O Sr. Xavier Cordeiro: — Tinha, pedido a palavra
Página 0012:
das forças vivas da Nação. Quanto à interpelação do Sr. Xavier Cordeiro, devo dizer que os decretos
Página 0013:
. Xavier Cordeiro ter mandado para a Mesa um projecto que não posso aceitar, por isso que se refere
Página 0016:
correligionário do Sr. Xavier Cordeiro para não poder falar senão em meu nome pessoal. O Orador: — Agradeço
Página 0019:
Sessão de 5 de Agosto de 1918 19 O Sr. Xavier Cordeiro: — Pedi a palavra quando o Sr

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