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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.° 5

EM 2 DE MARÇO DE 1922

Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pereira Osório

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Inocêncio Ramos Pereira
José Joaquim Fernandes de Almeida

Sumário. - Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta.

Dá-se conta do expediente.

O Sr. Presidente declara que a sessão é dedicada à comemoração dos parlamentares falecidos no intervalo do funcionamento das Câmaras.

Usam da palavra os Srs. Ribeiro de Melo, Artur Costa, Augusto de Vasconcelos, Lima Alves, Almeida e Castro, José Pontes, D. Tomás de Vilhena, Júlio Ribeiro, Cunha Barbosa, Herculano Galhardo, Vale Guimarães e Ministro da Justiça (Catanho de Meneses).

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Presentes à chamada os Srs.:

Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
César Justino de Lima Alves.
Duarte Clodomio Patten de Sá Viana.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Maria da Cunha Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Pena.
José António da Costa Júnior.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Reis.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Rodolfo Xavier da Silva.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Silvestre Falcão.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).

Entraram durante a sessão os Srs.:

Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Xavier Correia Barreto.
Ernesto Júlio Navarro.
João Catanho de Meneses.
Júlio Maria Baptista.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.

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Srs. Senadores que faltaram à sessão

António de Medeiros Franco.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Trigo Moitinho.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto de Sequeira.
José Machado Serpa.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Roberto da Cunha Baptista.
Vasco Gonçalves Marques.

Pelas 15 horas e 15 minutos, o Sr. Presidente manda proceder à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 40 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada. Vai ler-se o

Expediente

Oficio

Do bibliotecário do bairro social do Arco do Cego enviando uma circular da comissão administrativa dos bairros sociais chamando a atenção da Câmara para aquele fim altruísta e instrutivo que redunda a favor da nossa Pátria e da República.

Para a comissão administrativa.

Justificação de faltas

Dos Srs. Roberto da Cunha Baptista e Rêgo Chagas.

Para a comissão de infracções e faltas.

Requerimento

Requeiro que ao abrigo do artigo 327.° da Constituição seja promulgado o projecto de lei n.º 545-D de 30 de Julho de 1920. - Ramos Pereira.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Estão nos corredores da Câmara os Srs. Senadores Vale Guimarães e Sequeira, para tomarem lugar nesta casa.

Convido os Srs. Senadores Oriol Pena e Augusto de Vasconcelos a introduzirem na sala êstes Srs. Senadores.

O Sr. Presidente: - Meus Srs.: como V. Exas. sabem, esta sessão foi marcada para um fim especial, único, que é uma homenagem aos parlamentares mortos durante o interregno parlamentar.

Esta sessão era devida à memória de tantos mortos ilustres e alguns dêles em circunstâncias lamentáveis.

E por isso, para não tirar à está sessão aquele sentimento que deve haver, não abre inscrição para antes da ordem do dia e vai entrar-se desde já nessa comemoração.

Antes de abrir inscrição, devo comunicar à Câmara que S. Exa. o Sr. Presidente da República, em palavras cheias de amor e de dor, como só êle sabe proferir, manifesta o seu grande sentimento pela memória dêsses mortos, pedindo para comunicar a esta Câmara, que se associava absolutamente do alma e coração e com o maior sentimento a esta homenagem.

Vou conceder a palavra a quem a pedir.

Está aberta a inscrição.

O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir especialmente a Machado Santos, a José Carlos da Maia, ao meu conterrâneo Pedro Bôto Machado e a António Granjo.

Com todos êles eu tinha as melhores relações pessoais.

Amigo político de Machado Santos e de Carlos da Maia, sob o ponto de vista da República, eu não podia deixar passar esta sessão sem dirigir à memória de ambos, palavras de verdadeiro sentimento, que traduzem um carinho, uma amizade e uma solidariedade republicana, que me apraz registar neste momento.

Eu sou daqueles que pensam que Machado Santos e Carlos da Maia, não foram vítimas dos acontecimentos de 19

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de Outubro, mas sim dos erros da República e dalguns dos seus homens de Estado.

Os erros cometidos por êsses homens levaram Machado dos Santos, que era conhecido lá fora, como o fundador da República, a trilhar muitas vezes um caminho bem diferente do que aquele que deveria seguir.

Era um republicano dos mais puros, dos mais honrados e dos que mais trabalharam.

O fundador da República que deu o exemplo da sua valentia e de uma grande coragem, na acção de segunda para terça-feira, do dia 3 de Outubro de 1910, devia ter sido apreciado como o merecia, o como faziam jus as suas grandes qualidades de democrata, e de português.

Todavia, V. Exa., Sr. Presidente e a Câmara sabem que Machado Santos foi um dos homens mais perseguidos, um dos mais vilipendiados e um dos mais atacados na sua obra republicana.

A Justiça ainda não se fez, nem se pode fazer, porque os homens que hoje pontificam na República Portuguesa não o conheceram bem para lha poderem fazer.

Isolaram-no completamente, puseram-no à margem, e êle sempre republicano e patriota, ainda apareceu na história da República, talvez como inimigo dos Govêrnos republicanos, por ocasião da revolução de 5 de Dezembro.

Mas os seus amigos mais íntimos, aqueles que sempre o acompanharam, sabem perfeitamente que êle se prestou a chefiar êsse movimento para evitar que fôsse cair nas mãos dos monárquicos.

Não obstante, os chauvinistas da República não lhe levaram a bem êsse acto, e tanto assim que o cognominaram de "zaragateiro-mór".

Não mereceu êle êsse título, porque era um espírito extremamente conservador dentro da República, o tam conservador que dez anos após implantada a República, foi o primeiro a assinar uma mensagem dirigida ao Sr. Presidente da República, pedindo a amnistia e o indulto para os monárquicos.

É preciso porém fazer notar à Câmara que se é a êle que devem, em primeiro lugar caber essas honras, que se antecipou ao ex-Senador e velho republicano dr. Jacinto Nanes, não foi para ser agradável aos monárquicos que Machado Santos assim procedeu, mas sim para mais uma vez salvar a honra da República, que nos tribunais militares não tinha sido aplicada como devia, pois não fazia sentido que tivessem sido condenadas em grandes penas creaturas sem grandes responsabilidades, ao passo que outras que tiveram grande parte nesse movimento monárquico, levando uma porção do exército para Monsanto, fôssem absolvidas, talvez por falta de provas, ou por meio de cartas de recomendação.

Machado Santos, amigo da Justiça, repugnava-lhe que sôbre a República caísse o labéu de falta de imparcialidade e de grosseira Justiça.

Já vê a Câmara que êsse gesto que o engrandeceu, e que o há-de engrandecer muito mais ainda, quando se fizer a verdadeira história da República, lhe oferece os louros dêsse acto magnânimo.

Eu não podia esquecer Machado Santos, porque fui seu companheiro, por acaso na Rotunda.

Com êle passei as amargas horas de quarta para quinta-feira de Outubro de 1910, até ser proclamada a República.

Depois disso, e embora filiado no Partido Republicano Português, acompanhei-o sempre porque sabia que estava ao lado do um republicano e de um homem de bem.

Os erros por êle cometidos foram bem poucos, comparados com os de outros, e que, aliás, tem sido esquecidos.

A Machado Santos, que podia e devia ser alguém neste País e nesta República, nem sequer lhe era permitido que dêsse a sua opinião, o seu voto, nas consultas que os Srs. Presidentes da República eram obrigados a fazer aos nossos políticos. Diziam que êle não era leader nem representante de nenhum partido da República, esquecendo-se assim de que êle era leader do um punhado de republicanos que se juntaram na Rotunda, e que foi o leader dêsse grande Parlamento por fôrça do qual puderam ser eleitas as anteriores e actuais Câmaras da República.

Mas, Sr. Presidente, V. Exa. sabe que Machado Santos tinha um defeito - não ser oficial combatente, ou não ter uma carta de bacharel, o que é preciso possuir, primeiro que tudo, nesta República!

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Os outros nada valem, não pensam, embora raciocinem! Quem não tem um diploma de bacharel ou não é oficial combatente, não ascende aos mais altos cargos da República!

Se Machado Santos, em vez de ser segundo tenente da administração militar, fôsse oficial combatente da armada, êle não teria feito para muitos a triste figura de ser comandante em chefe das fôrças da Rotunda e ir a cavalo à frente das suas fôrças ao quartel general cumprimentar o Govêrno e as pessoas que nesse momento representavam as fôrças da República.

Machado Santos foi eleito depois Deputado por Lisboa. A um triste confronto dá lugar essa primeira eleição. Foi um dos mais votados.

Dez anos depois, apresentando a sua, candidatura, teve uma votação mínima, mesquinha, o que foi devido a não estar filiado fim partido algum. Pelo contrário, dirigia um pequeno grupo político. Mas um homem como Machado Santos nunca deveria ter desaparecido do Parlamento da República.

Não o quiseram assim. Agora, naturalmente, aqueles políticos e aqueles homens da República que mais o atacaram em vida hão-de sentir e lamentar a sua morte, mais um sinal de protesto pelos lamentáveis acontecimentos da noite sangrenta do que propriamente pela falta que êle lhes possa fazer. Todavia, eu, como republicano, como amigo e como seu companheiro, presto-lhe a minha homenagem bem sentida e sincera, como êle merece e é justo que êle tenha. A sua coragem era consciente e nunca lhe faltou para a defesa das instituições.

Eu gostaria e desejaria mesmo que ao fundador da República, que à República tudo deu, lhe não fôsse prestada somente uma simples manifestação nas duas casas do Parlamento, pois Machado Santos merece tudo e tudo se deve a Machado Santos, porquanto se tivesse faltado o apoio da Rotunda, o gesto revolucionário da armada não teria surtido efeito e a República não teria sido proclamada. Foi um pequeno número de homens, um punhado de revolucionários, quem em terra deu fôrça e vigor para resistir aos vasos de guerra que se haviam revoltado.

Nesse tempo, as dezenas de milhares de republicanos que havia na cidade de Lisboa estavam, talvez, de palanque a ver em que davam os acontecimentos. Felizmente que terminaram pela proclamação da República, e hoje todos nós gozamos as delícias dêsse acto.

E para o fundador da República consagra-lhe essa mesma República e concedeu-lhe os republicanos uma simples sessão de homenagem.

Triste tributo, bem pequeno êle é!

Demais que êle não era só e fundador da República, era também - e eu estou convencido de que me não engano em fazer esta afirmação - o homem que mais trabalhou e que mais estudou durante os dez anos de República, talvez um pouco desorientado porque os homens superiores têem sempre uma aduela a menos, como se costuma dizer. Mas não tenha V. Exa., Sr. Presidente, dúvida de que êsse homem foi um estudioso, estudava dia e noite para ver se resolvia o problema político da sua terra, e para ver se conseguia a paz e a tranquilidade da República, dando-lhe também uma administração honesta e sensata, e sobretudo republicana.

Sôbre Carlos da Maia, outro revolucionário de 5 de Outubro, homem de bem ás direitas, também não quero deixar do preferir algumas palavras sinceras e sentidas.

Não esqueço que fiz com Carlos da Maia uma amizade fraternal, nos entendimentos e ligações que houve entre as fôrças revolucionárias de terra e os revoltosos do mar. No aperto de mão que demos selámos a nossa amizade.

Para essa alma de republicano, para êsse patriota e homem de bem vão também as minhas homenagens.

A memória de António Granjo dirijo igualmente algumas palavras de saudade, saudade que me faz recordar a segunda incursão monárquica de Paiva Couceiro.

Encontrámo-nos na divisão dos concelhos de Chaves e de Montalegre. Eu como voluntário junto da guarnição militar que defendia Montalegre; António Granjo também como voluntário chefiando os civis que defendiam Chaves. Ali fizemos, da mesma forma, uma amizade de irmãos, prontos a morrer pela República.

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É por isso que eu, recordando êsses momentos que são solenes para a minha vida de português, choro e lamento a perda dêsses homens.

Três republicanos históricos, três republicanos dos mais honestos, três republicanos dos mais combativos da República, três republicanos que estavam sempre decididos a morrer pela Pátria e a sacrificar-se pelo bom nome e salvação da República.

Morreram vítimas da desorientação causada por alguns Govêrnos que a República tem tido e pela pouca justiça que tem sido feita aos republicanos de 5 de Outubro de 1910.

Os seus assassinos foram armados e levados ao crime não pela revolução de 19 de Outubro, mas pelos erros do passado.

Apesar de terem sido êsses três republicanos os que mais defenderam as instituições, foram precisamente os que caíram assassinados, devido, como já disse, aos erros cometidos pela República.

É triste, é doloroso!

Não quero terminar sem dizer palavras de homenagem à memória de Pedro Bôto Machado, outro republicano histórico, e meu conterrâneo. Fui eu que tive a honra de o vir substituir nesta Câmara.

Foi mais um republicano histórico que desapareceu e que muito sofreu pelas injustiças praticadas pela República.

O Sr. Artur Costa: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são de saudação para V. Exa. e para toda à Câmara.

Sr. Presidente: muito poucos serão os Senadores aqui presentes que fizeram parte desta Câmara após a implantação da República, e aos quais eu e Pedro Bôto Machado tivéssemos sido companheiros.

É especialmente a Bôto Machado que eu quero referir-me, sem deixar de me associar aos votos de sentimento e palavras de saudade pela memória dos parlamentares falecidos no interregno legislativa.

Mas, se realmente já não estão nesta Câmara muitos dos parlamentares que foram companheiros do Bôto Machado, Os novos que aqui se encontram tiveram dêle conhecimento pessoal ou por tradição.

Desnecessárias, por isso, seriam as minhas palavras para fazer um rápido esboço da vida dêsse republicano, mas eu não ficaria bem com a minha consciência se as não proferisse, pela circunstância especial do ter sido seu amigo pessoal e íntimo, seu conterrâneo e companheiro dêle no Parlamento, desde a Assemblea Nacional Constituinte até 5 de Dezembro de 1917, em que fomos expulsos dêste edifício pela negregada e nefanda seita dezembrista.

Bôto Machado era um republicano de princípios, de convicções e de honestidade.

Na madrugada de 31 de Janeiro bateu-se nas ruas do Pôrto como sargento de infantaria n.° 18, pelos seus ideais.

Condenado pelos tribunais em quatro anos de degredo, foi cumpri-los à África.

Nessa época não houve ninguém dos monárquicos que se levantasse a favor duma amnistia, tendo sido bem mais felizes, agora, os monárquicos, que tiveram entre os republicanos espíritos generosos, que eu não censuro, que têm pugnado por êles.

Depois de ter cumprida a pena, regressou à Europa e foi trabalhar para a sua terra natal, a vila de Gouveia.

Bôto Machado, que em Gouveia podia gozar tranquilamente a vida, continuou persistentemente a trabalhar pela República, na esperança do estabelecimento das novas instituições.

Distribuía pelos pobres os seus rendimentos ocultamente, porque não era de exibicionismos.

Êle foi o homem que mais bem dispensou às classes proletárias.

Construiu a suas expensas uma casa para a associação e escola dos operários; estabeleceu, antes de ser lei, o regime das oito horas de trabalho.

Todos em Gouveia reconheciam a sinceridade de Bôto Machado nos seus actos e por isso lhe tributavam um grande respeito.

Proclamada a República, cuja notícia recebeu com grande alvoroço, veio ocupar uma cadeira desta Câmara. Muitos se devem lembrar da sua correcção e como êle se dedicava carinhosamente a todos os assuntos que tratava, e o seu respeito pela lei e a consideração que tinha por todos os seus colegas.

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Convidado mais tarde para governador de S. Tomé houve quem estranhasse que Pedro Bôto Machado fôsse investido nesse cargo, porque estava na ordem do dia e, questão cios serviçais e da mão de obra.

Dizia-se à bôca pequena que o Sr. Bôto Machado não era o governador ideal, pois tinha uma roça em S. Tomé, visto que era proprietário naquela colónia.

Pois bem, por essa circunstância de ser proprietário em S. Tomé, é que foi escolhido para governador daquela colónia.

Os serviçais da roça do Sr. Bôto Machado não eram tratados como escravos como os serviçais de outras roças; eram tratados com carinho extremo.

Bôto Machado que se impunha pela tua acção e pela sua administração, foi honestíssimo e modelar.

Batendo-se sempre pela República não cometeu, uma falta contra os seus princípios; a sua administração foi modelar e deixou uma boa memória de si.

Sr. Presidente: mal não fica aos seus adversários curvarem-se respeitosamente perante a sua memória, mal não fica descobrirem-se respeitosamente perante esta mesma memória, porque êle combatendo em todos os lances da sua vida nunca faltou à consideração dos seus adversários.

Eu não podia ficar bem comigo próprio se não proferisse estas palavras sem brilho e sem colorido.

O meu silêncio poderia ser considerado como menos respeito pela memória dêsse meu amigo, e é com uma verdadeira comoção que me associo a todas as homenagens de respeito.

Fez falta Pedro Bôto Machado.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Em meu nome e no do Partido Republicano Liberal, associo-me a todas as homenagens propostas pela Mesa em honra e à memória dos ilustres parlamentares falecidos.

Eu suponho que V. Exa. propôs que na acta se insira aia voto de sentimento pela perda de todos os prestantes cidadãos que faleceram no interregno parlamentar, e a êsse voto me associo.

Suponho também que V. Exa. propos que findas estas homenagens, a sessão se encerre em sinal de sentimento.

Devo dizer em era minha idea propor que assim se procedesse.

Sinto que a fúnebre lista seja tam extensa, porque não me será possível dizer o que queria a respeito de todos os falecidos para não fatigar a Câmara. Mas não posso deixar de destacar alguns nomes depois de a todos prestar homenagem.

Em primeiro lugar direi que o Sr. Pereira de Miranda foi um honrado político do tempo da monarquia o que à República prestou também relevantes serviços até a sua morte, na gerência da Misericórdia de Lisboa, gerência que lhe trouxe o respeito e a consideração de todos.

Vindo da monarquia, eu não posso esquecer igualmente o Sr. Dantas Baracho, cujo voz se fez ouvir em pugnas que todos nós recordamos, pois em todos nós existo saudade por êsse brioso e distinto militar que em variadíssimos assuntos fazia ouvir a sua voz justiceira.

Dantas Baracho foi um carácter íntegro e um lutador intemerato que pela República trabalhou ainda no tempo do antigo regime.

O Sr. Cupertino Ribeiro, que todos conhecemos do tempo da propaganda, prestou dedicados serviços, pondo muitas vezes e seu esfôrço e a sua generosa bolsa ao serviço da causa democrática.

O Sr. Bôto Machado cujo elogio acaba de ser feito pelos Srs. Ribeiro de Melo e Artur Costa, merecia de todos elogio pelos seus serviços prestados à República.

Mas há uma alta figura da República à qual todos só devem referir, uma das mais altas e luminosas figuras do actual regime - o Sr. Braamcamp Freire, que foi Presidente da Constituinte Republicana e também o primeiro Presidente do Senado.

Estou certo de que não se deixará de prestar a êsse vulto em monte a homenagem a que em direito, e que ainda havemos de ver o seu busto nesta casa.

Êle veiu para o regime muito antes de estar proclamado e recordo-me da emoção profunda que a sua adesão produziu.

Por último, para não me alongar, vou-me referir um pouco demoradamente aos mortos de Outubro.

O Sr. Machado Santos pertence àquelas pessoas que à sua fé vão buscar a fôrça precisa para as transformações políticas.

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Conheci-o antes do 5 de Outubro.

Já então o Sr. Machado Santos tinha uma convicção inabalável no triunfo da República e no exito da conspiração militar.

Nada o desanimava.

Em 3 de Outubro, Machado Santos que nunca tinha assistido a um combate, bateu-se denodadamente contra os mais afamados cabos de guerra da monarquia e venceu-os.

Comandante das tropas da Rotunda, podia ter-se imposto a todos.

Não o fez.

Democrata por temperamento, entregou os seus poderes ao Govêrno Provisório.

Essa mesma fé no triunfo das suas ideas, trouxe-a para a política onde nem sempre o triunfo é da audácia.

Político mais visionário do que experiente, êle atingira na última fase da sua vida uma visão mais nítida dos problemas da nacionalidade, e foi então que o monstruoso crime do Intendente foi praticado, privando a República dum homem cuja bondade da alma chegou, talvez, à fraqueza.

A República deve à memória dêste grande republicano um culto que o tempo com a História se encarregarão de levantar tam alto quanto lhe é devido.

Se Machado Santos, herói da fundação da República, desceu à, arena política a travar combates em que viu a sua popularidade diminuída, Carlos da Maia não foi um político nem pretendeu sê-lo; só forçadamente teve de colaborar na política, dando todos os seus brios de militar na colaboração da República.

As feras não mataram o homem político. A quem quiseram, pois, matar? Ao valente comandante de 3 e 4 de Outubro? Ao homem da confiança de Cândido Reis? Ao soldado disciplinado que soube em todos os lances cumprir o seu dever?

A justiça cumpre apurá-lo, mas tem de o fazer com clareza, porque esta morte misteriosa é das que fazem pensar.

Por último o Dr. António Granjo.

Sangra-me o coração. Trata-se dum amigo muito querido e para o partido a que pertenço dum dos seus homens de mais talento e para a República duma das mais capazes figuras de estadista. Só quem o não conheceu de perto é que o não estimava. A sua aparência forte ocultava uma alma de artista com um coração nobre e generoso.

Bravo e valente, António Granjo trouxe para á política todas estas nobres qualidades, a que somava os valores reais da sua grande inteligência e habilidade em tratar com os homens e em vencer as dificuldades da política. Era essencialmente um político na mais elevada acepção da palavra, sabendo transigir, sabendo conciliar, mas sabendo também impor-se. Era um estadista com uma crença inabalável nos destinos da República, que os mais graves lances não conseguiram sequer abalar. Talvez que à sua generosidade se deva a sua morte.

António Granjo quis evitar a luta sangrenta entre republicanos.

Quando julgou que não podia assegurar a ordem sem violentos combates, cedeu o seu pôsto, julgando na sua boa fé que o cedia a outros tam republicanos como êle, tam generosos como êle, tam estruturalmente bons como êle era, e, na sua consciência de haver cumprido o seu dever, voltou tranquilamente para casa sem se lembrar sequer de tomar aquelas precauções que outros tomariam se fôsse êle o vencedor.

Começou então a pavorosa tragédia daquele calvário, que vai desde o momento em que António Granjo viu que uma alcatea de lôbos o perseguia, até o desenlace trágico em que êle se apresentou aos seus algozes, defrontando-os com a sua consciência tranquila de republicano intemerato.

Porque o mataram? Soltamos de novo ao grande enigma.

A absurda explicação que para aí se lançou de que se tinha resolvido o extermínio de todos os políticos e financeiros só poderia encontrar abrigo na mentalidade sanguinária dos assassinos.

Supor num país em que não há a pena de morte, nem a haverá, que se decretava a execução sumária das suas classes dirigentes, é supor qualquer cousa de fantástico, qualquer cousa como uma daquelas alucinantes novelas de Wells, que não há o direito de trazer para as realidades da vida.

Os que pensaram semelhante monstruosidade devam ter sido movidos por causas mais sinistras ou por conspirações mais tenebrosas.

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Aqueles que tinham por António Granjo a admiração que era devida aos seus talentos de escritor, de orador e de homem público; àqueles que lhe dedicavam amizade fundada nos seus incomparáveis dotes de carácter e de coração, que conquistava todos os que dêle só aproximavam, todos êles não clamam vingança, porque êsse grito mesquinho faria revoltar a sua alma bem formada se nos fôsse dado ouvi-la. Mas, como todos os portugueses honestos e patriotas, gritamos: justiça! (Apoiados). E justiça será feita.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Lima Alves: - Sr. Presidente: fez V. Exa. muito bem em nos convocar para, numa sessão especial, lembrarmos os mortos ilustres que foram antigos parlamentares.

A lista lida ao Senado por V. Exa. é tristemente extensa.

Alguns dos nomes que nela figuram já aqui foram lembrados ou pelos seus amigos políticos, ou pelos seus amigos pessoais.

Eu quereria envolver numa única afirmação de saudade os nomes de todos êsses extintos, cuja memória hoje aqui comemoramos.

Sr. Presidente: não o faço porque quero invocar um dos que talvez tenha uma individualidade política menos saliente, mas que, todavia, prestou serviços úteis e bastantes úteis à Pátria, pelo seu trabalho e pela sua dedicação à monarquia, quando foi monárquico, à República depois de se ter filiado no partido republicano.

E a quero referir-me àquele que foi director geral da agricultura, e que pertenceu a uma classe a que eu me honro de pertencer: à classe agronómica. Foi Alfredo Lecoq.

Êle foi um elemento prestante, um elemento valioso e que só olhava para o progresso da agricultura nacional, que e o mesmo é dizer para a riqueza nacional.

Por isso eu, como excepção, quero fazer a indicação dêste nome, que, se foi modesto como político, foi grande como administrador das riquezas públicas.

Um ilustre Senador que me precedeu achou pouco esta sessão para enaltecer com a nossa saudade a memória daqueles ilustres republicanos falecidos.

Machado Santos! Eu tenho a intuição de que se poderiam fazer manifestações mais grandiosas, mas, por mais grandiosas que sejam, elas não poderão ser mais significativas do que esta a que assistimos.

Nós somos todos representantes da Nação; falamos em nome da Nação; estamos, pois, aqui prestando uma homenagem nacional àqueles que bem a merecem.

Sr. Presidente: os Senadores reconstituintes, em nome de quem eu tenho a honra de falar, afirmam a sua mais profunda saudade pelos mortos que honraram o Congresso da República, e enviam àqueles partidos que viram abatidos, ou pela morte natural ou pela morte violenta individualidades que militavam nas suas fileiras, e envia à família republicana os seus sentimentos.

Não querem porém os Senadores reconstituintes limitar-se a êste voto de sentimento e a esta homenagem.

Os Senadores reconstituintes querem afirmar aqui bem claro e bem alto a sua indignação profunda e enérgica pelos acontecimentos horríveis e que envergonharam uma nacionalidade, envergonharam a República, nessa noite chamada trágica.

Não é uma noite simplesmente trágica, é uma noite vergonhosa para toda a República, é uma noite vergonhosa para todos os nacionais.

Sr. Presidente: foram dizendo-se republicanos verdadeiros, mas o que foram, foi verdadeiros canibais, êsses que assassinaram republicanos fundadores da República e dos melhores e maiores soldados da República.

Assassinaram com os lábios na República, assassinaram dando vivas à República.

Êstes que assim procederam em nome da República nem eram republicanos, nem eram portugueses, ainda mais Sr. Presidente, nem eram seres humanos, eram bestas de pior espécie.

Uma voz: - Feras.

O Orador: - Sr. Presidente: por muito materialistas que queiramos ser, nós não

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podemos deixar de acreditar que há nos fenómenos do Universo alguma cousa mais que a matéria e que a energia.

A matéria é constante, transforma-se, a energia transforma-se apenas numa certa modalidade, tem a vida como uma resultante da matéria e da energia; mas é mais alguma cousa, tem a vida ao contrário da matéria e da energia como tendo um princípio e um fim.

Eu estou absolutamente convencido como muito bom dizia Carlout, que se constituiu o princípio que nos diz que a vida não pode morrei, não morre; neste meio em que nos encontramos alguma cousa há.

A vida pode-se manifestar em diversas modalidades, está-se manifestando uma das modalidades nesta atmosfera que nós respiramos.

Eu sinto que são êsses espíritos ou isolados ou numa nova modalidade, que nos estão dizendo a nós republicanos, que nos deixemos de lutas entre republicanos, (Apoiados) que nos unamos todos para salvarmos a República porque o mesmo é que salvarmos a nacionalidade. (Apoiados).

Estão-nos a dizer isso, estou absolutamente convencido, e por isso os Senadores reconstituintes dirigem daqui a sua mão aos outros partidos políticos oferecendo-lhes a sua adesão, oferecendo-lhes o seu esfôrço para entrarmos nessa reorganização, nessa defesa da República, para defendermos a nacionalidade.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Ramos de Miranda: - Sr Presidente: como é esta a primeira vez em que tenho a honra do falar no Parlamento, dirijo a V. Exa. e à Mesa os meus cumprimentos, e a todos os ilustres Senadores as minhas respeitosas homenagens.

Eu cumpro um dever, Sr. Presidente, pedindo a palavra nesta sessão solene, porquanto entre os mortos que constam da lista que V. Exa. há pouco enunciou, figura um nome que não devo deixar passar sem uma comemoração especial:

É o do Sr. Anselmo Braamcamp Freire.

Êsse dever é consequência do eu ser apresentante, isto é, ter sido eleito Senador pelo distrito de Santarém, pois que êsse ilustre parlamentar e republicano ao terminar os seus dias lembrou-se da cidade de Santarém para lhe doar a sua biblioteca e um edifício grandioso que ali possuía, o que representa um acto de benemerência pública de que a cidade de Santarém se orgulha bastante.

Anselmo Braamcamp Freire, como há pouco se disse nesta Câmara, foi uma alta figura da República, e foi um digno representante da elite intelectual no campo monárquico, quando então tinha representação parlamentar nesta casa.

Devido à educação um pouco género inglês que uma ama desta nacionalidade lhe transmitiu, porque sendo órfão a essa sou hora deveu os primeiros cuidados, Braamcamp Freire possuía como poucos um alto espírito de independência e de amor pelas prerogativas populares.

Todos nós que conhecíamos êsse homem, sabíamos como êle estudava o povo.

Êle foi admirado como historiador, e se nós consultarmos a sua obra havemos de notar que êle procurou investigar a vida popular no fim do século XV, princípio do século XVI, como sequência da obra de outro grande historiador que foi Alexandre Herculano, que procurou investigar a vida popular nos séculos XI, XII e XIII; sendo talvez o sou trabalho mais importante o publicado sôbre a vida e obras de Gil Vicente, como a interpretação mais lídima da vida popular da época.

No sou estudo sôbre Gil Vicente encontrou grandes dificuldades, porquanto dizia elo que, se a vida cortesã era fácil de conhecer pelos cronistas da época, era muito difícil estudar a vida popular porque lhe faltavam fontes históricas, o que aliás não tinha sucedido a Alexandre Herculano na época em que a estudou.

Anselmo Braamcamp Freire tinha pois o culto da educação popular e tinha o espírito liberal e a grande educação que lhe advinha da sua ama inglesa, onde se sintetizavam a tradição e o respeito pelas garantias populares da grande nação inglesa.

Como parlamentar, êle manifestou-se republicano em sinal de protesto contra o período de opressão que antecedeu o advento da República.

Êsse seu gesto renegando as ideas monárquicas e passando para o campo republicano em Novembro de 1907, causou o espanto da época, e significou uma re-

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solução bom digna de atender-se pois denotava uma resolução consciente e fruto do seu estudo e da sua auscultação da alma popular.

Foi eleito Presidente da Assemblea Nacional Constituinte, o isso basta para mostrar o quanto a sua individualidade como republicano era apreciada.

Mais tarde teve a Presidência desta casa do Congresso da República por algumas legislaturas, e os anais dêste Câmara bem falam e bem traduzam a rectidão, a imparcialidade e a diplomacia com que êle dirigiu os trabalhos desta Câmara o que felizmente não tivera interrupção com o seu afastamento da vida política porque, depois de êle deixar de só sentar nessa cadeira, Sr. Presidente, tem sido exercida a Presidência do Senado; tam escrupulosamente como êle o fez, pelos ilustres presidentes desta Câmara. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu disse a V. Exa. que cumpria um dever, e a Câmara me desculpará de eu, em nome dos Senadores eleitos pelo distrito de Santarém, dêle me desempenhar, ao invocar o acto de benemerência pública dêste ilustre parlamentar, quando, ao terminar os seus dias, não quiz deixar desperdiçar a sua obra literária, legando-a à cidade de Santarém. Ao mesmo tempo, Sr. Presidente, eu não quero deixar de manifestar o meu voto de sentimento por outros parlamentares cujos nomes V. Exa. acaba de pronunciar, e a um dêles, muito particularmente, eu desejo aqui referir-me: Machado Santos, a fruem os acasos da luta, no dia 5 de Outubro de 1910, fez com que eu na primeira "démarche" de serviços restados à República o acompanhasse ao quartel do Carmo, desde o edifício do quartel general aonde êle havia sido trazido triunfalmente da Rotunda. À sua memória eu também presto uma sentida saudade.

Outros nomes proferiu V. Exa. a quem eu me habituei a respeitar como cidadãos prestáveis já no tempo da monarquia e depois no tempo da República, como, por exemplo, o Sr. Pereira de Miranda por quem não quero deixar de manifestar a minha sentida saudade; porquanto o Bem é sempre o Bem em toda a parte e em todos os campos políticos, e êle fazia o Bem pelo Bem, como o prova a sua inteligente acção directiva da Misericórdia do Lisboa, que exerceu até falecer.

Há outros nomes de parlamentares também a quem o preito de saudade deve ser prestado e a êsses muito particularmente, por serem recentes os seus desaparecimentos em circunstâncias trágicas e principalmente por terem sido imolados em nome da República. Por êsses, a quem me quero referir, António Granjo, ainda a Machado Santos, a Carlos da Maia e a outros da noite trágica, eu não quero deixar de prestar aqui o meu preito de saudade e homenagem; muito especialmente porque tive a fortuna de poder esquivar-me à tentação que em roda de mim só desenvolvera, para que eu tivesse talvez culpa sem culpa, para que eu tivesse de sofrer a culpa de muitos impensados, do muitas vontades pouco escrupulosas que lançaram sem freio nem maneira de serem dirigidos para a luta, pessoas talvez menos cultas o a quem o sentimento do dever não podia dirigir por bom. caminho, e não podiam ser sustadas na sua carreira irreflectida e que talvez tivessem premeditado uma hora de mau conselho e de mau instinto.

A êstes mortos, também, Sr. Presidente, eu tributo o meu preito de saudade.

Terminarei por me referir ainda a uma figura, que me habituei a respeitar desde novo e que propositadamente guardei para a última a que me desejava referir. Trata-se do general Dantas Baracho, a quem me prendiam laços de amizade e de respeito e que muito admirava na sua intransigência pelas prerrogativas de liberdade que êle defendeu tanto e cuja recordação eu sempre guardarei como de uma pessoa de carácter íntegro e espírito liberal, que todos nós, os que amamos a liberdade, o direito e a justiça, devemos estimar e a quem sempre devemos prestar homenagem.

Sr. Presidente: associando-me com a minha manifestação de sentimento aos votos proferidos nesta sessão, eu termino, agradecendo mais uma vez à Câmara a bondade de ter permitido que juntasse nesta sessão solene a mensão de agradecimento da cidade do Santarém com as manifestações de pêsame devidas à memória de Anselmo Braamcamp, por quem eu tinha especialmente o dever de levantar a minha voz.

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O Sr. José Pontes: - Sr. Presidente: sentado nesta cadeira de Senador, no recolhimento piedoso de ouvir e sentir as palavras de saudade nesta sessão de homenagem, marcada por V. Exa., aos mortos da República, tendo ouvido o Sr. Artur Costa lembrando com a voz de amigo um outro grande amigo que foi Pedro Bôto Machado, mal ficava à minha consciência que eu esquecesse aqui êsse meu companheiro de lutas e meu amigo de sempre.

S. Exa. chocou o meu irrequietismo. E, repito, não posso ficar calado, porque eu e êsse amigo trabalhámos juntos muito tempo e não podem esquecer nesta hora os serviços prestados em favor da assistência infantil.

A par dessa homenagem sentida, dolorosa, cruciante, à memória dêsse companheiro ilustre, eu não posso também esquecer a dos meus contemporâneos do tempo da escola e amidos Carlos da Maia e do Machado Santos.

Dêsse, lembro o que foi talvez o seu primeiro desvario.

Machado Santos quis ser jornalista, e precipitadamente, não sabendo onde encontrar casa de redacção entrou pela casa dum médico, que mal vivia em Lisboa e sem o prevenir.

Essa casa era minha e serviu de redacção ao Intransigente.

Sr. Presidente: presto também homenagem à poderosa mentalidade portuguesa que foi Anselmo Braamcamp, e cujo perfil foi traçado com brilhantismo, pelo Sr. Augusto de Vasconcelos meu mestre e sempre meu amigo através dos meus tempos de estudante.

S. Exa. também se referiu com a sua palavra de artista que é, aos beneméritos cidadãos que foram Pereira do Miranda e Bôto Machado, os quais sem fazer alarde do bem que faziam, o iam praticando.

Associo-me a essas palavras.

A toda a parte que ia nos meus trabalhos de propaganda, encontrava êsses belos elementos.

Permitam me, pois, que eu assim fale, com vibração, lembrando me dêstes velhos companheiros.

Por último, é natural que sendo Senador por Trás os Montes, me retira a um querido amigo dessa região.

Sr. Presidente: nunca pensei em vir sentar-me numa cadeira do Parlamento.

Vivi ao lado do muitos parlamentares, e do muitos políticos que ajudei.

Com êles trabalhei, pelo que me sinto satisfeito.

Quarenta e oito horas antes de morrer, António Granjo chamou-me e diante de dois colegas do Ministério pediu-me para vir para a política.

Fazia o pedido, dizendo que era preciso gente de acção.

Respondi: Para quê?

Se fora do Parlamento, eu tenho trabalhado sempre!

Recusei.

E contudo eu aqui estou agora disposto a trabalhar, e para pedir a todos os da minha Pátria, que se unam num amplexo de harmonia, livre do rancores, no intuito de levar de triunfo em triunfo, esta nossa terra querida.

Se êle, do Além, onde está, me estiver ouvindo, perdoará a minha recusa, para dizer: "Lá está José Pontes, rapaz da minha terra, a pregar a boa doutrina".

Permita me, Sr. Presidente e Srs. Senadores, esta minha maneira de dizer e falar, que é filha do meu coração.

Dizem que não era um político, António Granjo.

Eu não posso, nem sei apreciá-lo nesse campo.

O que posso garantir é que era um coração de ouro, um homem generoso, que na e falava com os seus amigos, sempre despreocupado e franco.

Nunca deixava de socorrer quem quer que fôsse, pobre como era, que sempre foi.

Sendo de Trás os Montes, é pela voz dessa linda província e da sua e minha adorada terra de Chaves, que presto esta minha homenagem a êsse morto ilustre.

Obrigado, pela honra que me concederam, ouvindo-me.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Tomás de Vilhena: - É longa a lista dos parlamentares mortos, e permitam me que eu me refira em primeiro lugar a quatro amigos políticos e pessoais.

Assim, refiro-me a Pereira de Miranda, um alto carácter, homem que passou na

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vida exercendo actos do altruísmo, cujo nome anda ligado à gerência da Misericórdia de Lisboa, onde prestou assinalados serviços.

O Sr. Conde de Figueiró, companheiro dedicado e amigo fiel dos antigos soberanos.

Manuel Francisco Vargas, antigo Ministro, espírito eminentemente liberal e tolerante.

O Sr. Ascensão Guimarães era um engenheiro distinto e um parlamentar estudioso, que durante muito tempo exerceu lugares na alta finança e em várias companhias, agindo sempre com correcção e honradez.

Prestada esta homenagem a amigos pessoais, e a todos os outros constantes da lista que V. Exa. Sr. Presidente, leu à Câmara, permita-me que eu venha assinalar a homenagem ora prestada, aludindo aos três ilustres republicanos que foram vítimas da noite sangrenta.

E esta parte da minha homenagem, é altamente sincera e absolutamente isenta, porquanto é incontestável que êsses três republicanos ilustres, foram três inimigos e adversários dos mais vigorosos com que a monarquia têve de se defrontar em Portugal.

Machado Santos foi um homem que e preparou com tenacidade e coragem o movimento que devia explodir em 5 do Outubro.

Disse há pouco um ilustre Senador, e eu estou completamente de acôrdo com a sua opinião, que se Machado Santos tivesse como outros, abandonado o seu pôsto, na Rotunda, a República não teria sido proclamada, o que diga-se com verdade, teria sido uma felicidade para todos nós.

Carlos da Maia foi, incontestavelmente, um valioso colaborador do movimento preparatório da revolução de 5 de Outubro. Foi êle que fez a abordagem ao cruzador D. Carlos. E de António Granjo pode dizer-se - e eu estou disso convencido - que se não tivesse havido a sua decidida intervenção no movimento de Chaves, é possível que essa cidade se tivesse rendido.

Já vêem V. Exas. que eu estou tratando de celebrar a memória de inimigos da monarquia e dos homens que contribuíram para que eu e os meus amigos ficassemos sem a situação que tinham e fôssem relegados para o cesto dos papéis velhos - cesto, digo-o com verdade, em que me encontrava muito bem. E pregunto: Porque e a que causas é devida a morte, horrorosa o infamíssima (Apoiados) de três importantes vultos da República?

Eu não posso crer em outra explicação a não ser a que atribui tais mortes a esta onda dêletéria de calúnias, de invejas, de ódios e de ambições que há anos vem corroendo e perturbando ou alterando os caracteres e os espíritos, pervertendo as camadas sociais e transformando êste país, que era composto de gente boa e patriota, numa espécie do floresta em que as feras campeiam à vontade e à solta!

Eu não admito nem aceito o direito de matar. Não admito sequer que a própria sociedade, colectivamente, tenha êsse direito. Eu fui sempre inimigo da pena de morte. Eu não quero a pena de morte, porque não quero num admito que se invadam as atribuições que só a Deus pertencem.

Mas se eu não posso aceitar que tenha feição jurídica o direito de matar atribuído a uma sociedade, como hei-de eu admitir que um só homem arranque traiçoeiramente a vida a outro?

Meus senhores, isto não são princípios reaccionários, isto são princípios humanitários; eu não falo apenas como um homem de direito, falo como homem de coração, e não posso abolir do homem político qualquer sentimento que deve haver pelo bem e pela justiça.

Sr. Presidente: querem lutar? Querem conquistar o poder? Estão no seu pleno direito, cada um pode professar a política que quiser, ter as suas ideas, as suas crenças, mas venham para aqui combater, venham fiscalizar os actos do Govêrno, discutam, façam a propaganda que entendam pelos livros, pelas palavras, pelas conferências, pelos jornais, mas não peguem numa arma assassina para arrancar a vida a qualquer cidadão e não vão invadir a casa dum cidadão, arrancar um ente querido à família.

Isto é de canibais, ,não é de homens; é necessário que nesta Câmara, onde há grandes ilustrações, alguém se levante para protestar contra êstes actos e dizer ao Govêrno que faça justiça, inteira dentro da lei e só pela lei.

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O Sr. Júlio Ribeiro: - Sr. Presidente: na simplicidade de três versos de profundos e claros conceitos, como são todos os do genial poeta que encheu o mundo com o seu nome e a França de orgulho pela sua obra monumental, sim, Sr. Presidente, na simplicidade de três versos, Vítor Hugo sintetisa nítidamente o que é a vida e o que é a morte:

Mistérieux abíme où l'esprit se confond!

A quelques pieds sous terre un silence profond et tant de bruit à la surface!

Morte! silêncio profundo! Morte! palavra crua, sinistra, tremenda, negra, impenetrável! Morte! vácuo, abismo, báratro sem fim. onde a podridão domina e os vermos, refastelando-se em bacanal de voracidade eterna, só reproduzem na asquerosidade palpitante de vidas e vidas que tudo aniquilam e tudo reduzem ao nada!

É porque de mortos se trata, deixem-me invocar estas imagens que povoam o meu espírito para que mais sentidamente possa chorar os que a poucos pés sob a terra se envolvem no silêncio profundo de que nos fala o Poeta.

Sr. Presidente: associando-me sentidamente, com devoção o profundo respeito, ao tributo de homenagem proposto por V. Exa. a todos os mortos ilustres que faleceram durante o interregno parlamentar, permita-me a Câmara que, em especial, o meu preito vá para os mártires do 19 de Outubro. E que, exprimindo o meu pesar e a minha dôr, constate como êsses crimes tiveram o poder mágico de estimular a alma do meu país.

Num período recente, do inviabilidades ministeriais, não havia ninguém, ninguém de ponderação e sinceramente amante da sua Pátria, que, em horas de recolhimente espiritual, se não sentisse deveras preocupado com as, múltiplas anomalias e crises que dia a dia, hora a hora, surgiam ameaçadoras e até tristemente significativas dalguma cousa pouco lisonjeira, e pouco honrosa para a política portuguesa.

E êsse mal estar parecia já não preocupar os políticos, estando afeitos a observar misérias, problemas insolúveis e outros males que deviam agitar as suas almas de patriotas.

Constatavam-se gemidos de crianças, impropérios de velhos, lágrimas de mulheres e indignações de revoltados, e nada já estimulava essa insensibilidade doentia.

Nada mais indicador do aniquilamento da vida do que a falta de reacção moral, sendo; em regra, a apatia, como insensibilidade da alma, o princípio do fim dos homens como das nações.

E esta terra parecia condenada, porque a alma nacional, já não reagia, mostrando-se indiferente, completamente alheia ao delírio que, como cavalgada louca, nos arrastava para o abismo da História, onde se despenham os povos que morrem pelos seus erros, que morrem pelos seus desvarios, que morrem pelas suas dissensões.

Indiferença repreensível, Sr. Presidente! Alheamento estranho e assustador!

Sucediam-se os Ministérios uns aos outros, sem promulgarem uma medida de valor e benefício para o País, e apenas um sorriso de desdém, indicador de passividade e indiferença, recebia, a queda dum Govêrno e a subida doutro.

Desinteresse absoluto até dos próprios políticos.

Surge, porém, o movimento injustificado e injustificável de 19 de Outubro, com o seu sinistro e infamante epílogo de sangue, horror, morte e ignomínia. E é, então, que a alma nacional, até aí adormecida, em completa letargia, se ergue apavorada, altiva, nobre, enérgica e sentimental.

Dominando os criminosos, num mixto de dôr e de repulsa, de orgulho e de dignidade humana, grita bem alto a sua revolta, pondo na voz rugidos de leão, salmos de santo e harmonias de menestrel:

- Para trás, verdugos! Para trás! Não é republicano quem mata republicanos! Republicanos heróicos, bons e devotados á nossa Pátria!

Êste gritar transforma se em alarido, que vem até dos mais recônditos lugares de Portugal, parecendo anunciar, impor, uma nova era de dignidade política e de política dignificadora.

Aquilo que não tinha sido possível a muitos e muitos raciocínios pôde fazê-lo um só sentimento intenso e nobre.

Novamente se viu que Portugal vive mais pelo coração do que pelo cérebro.

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Por toda a parte se dizia, em conversas, era jornais, em discursos, a propósito de tudo:

- Pode lá ser! Matar em Portugal bons e honrados portugueses como se fôssem feras das florestas! Aqui?! Neste País de encanto, de sonho e de quimera! Aqui, onde parece haver mais luz nas estrelas, mais perfume nas flores, mais sentimento na poesia, mais harmonia na música, mais valentia e lealdade no homem, mais intensidade no amor e mais amor nos corações?!...

Todavia, era verdade que se abateram cobardemente, canibalescamente, lealíssimos e fortes corações de portugueses. Era verdade! Uma triste verdade! Uma dolorosa e horripilante verdade!

Verdade que nos trás hoje aqui, a êste templo da Pátria, para, de alma ajoelhada, rezarmos orações cívicas em homenagem a êsses mártires que morreram torturados por muito e muito amarem a Pátria e a República, tendo no pensamento e na consciência, até o último suspiro, esta terra tam linda e fecunda, e êste céu de rutilância e magia.

Como nós, toda a Nação lhe dedicou também um culto fervoroso, o culto que imortalizar o culto que nasce de saudades que choram, de memórias que orgulham, de recordações que avigoram crenças.

Dores vivas, pungentes, palpitantes e cruéis, transformando o próprio espírito que se ilumina para iluminar os justos e os bons.

Eu compreendo, Sr. Presidente, que se matasse um homem como o Conde de Andeiro, duas vezes traidor - traidor quando entregava a praça de Corunha, e traidor quando manchava o nome e a honra do seu rei, do seu bemfeitor, do seu amigo - sim, eu compreendo que se matasse o Conde de Andeiro, e D. João o matou!, mas para depois, como fez o Mestre de Avis, se cercar de corações leais, dando-nos uma Pátria maior e salvando-a da devastação e da ignomínia.

Mas matar por ambição, por vaidade, por ódio, por fementido republicanismo, por estupidez, para depois surgir um Govêrno mil vezes inferior em tudo, em tudo, ao anterior, ao do desventurado e bom António Granjo, não, isso não (Muitos apoiados), mil vezes não, que é uma enormidade sem nome, um crime sem indulgência, um pecado sem perdão.

Não me referindo individualmente aos mortos ilustres, por já outros oradores o terem feito com muito sentimento e justiça, neste rápido ciciar de prece ponho todo o sentir do meu temperamento de meridional, todo o amor do meu coração de português, envolvendo nele os queridos mártires da noite trágica.

Vendo-os agora, na ara sagrada da Posteridade, parecem me maiores, muito maiores do que os vi em vida.

É que como disse um dos altos e belos oradores contemporâneos, se por entre as trevas da noite mais scintilam as estrelas, também através da sombra da morte mais rebrilham as virtudes.

E as virtudes cívicas dos mártires da noite trágica iam até o amor e o ódio extremos, sacrificando a própria vida para que a Pátria fôsse eternamente a alta e bela expressão duma nacionalidade ideal.

Disse. (Muitos apoiados).

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Barbosa: - Sr. Presidente: em nome da minoria católica eu associo-me ao voto de sentimento pelos Senadores e Deputados falecidos no interregno parlamentar, destacando porém, aqueles que foram violentamente assassinados em 19 de Outubro, pois que os golpes que os feriram, feriram também a Pátria na sua dignidade e no seu brio.

Pena é Sr. Presidente, que só a morte seja capaz de nos congregar em manifestações de afecto e sentimento.

Se - como é hoje costume dizer-se para vincar a idea da fôrça e da tradição - são só os mortos quem governa o mundo, sirva esta homenagem, Sr. Presidente, para nos recordar a nós o dever que temos de nos darmos mutuamente aquela consideração que se devem os homens em sociedades civilizadas.

É bom que esta homenagem seja alguma cousa mais do que um desfiar e palavras, do que um protesto platónico porque sendo só isto, melhor seria fazer silêncio sôbre a tragédia de 19 de Outubro.

Se esta homenagem é alguma cousa mais, fazendo cada um de nós exame de consciência acêrca da responsabilidade que possa ter sôbre os crimes praticados, então a idea foi útil.

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Sr. Presidente: os presos por motivo dos acontecimentos de 19 de Outubro, culpados ou não, são apenas instrumento da anarquia social em que se debate a nação.

Cumpra, Sr. Presidente, o Poder Judicial com o seu dever, porque ai das sociedades que deixam impunes as violações do direito!

As causas remotas de tal tragédia devem ir buscar-se mais ao longe, vêm de muito alem. Quero referir-me ao desprestígio da autoridade.

Faz-se há muito tempo já propaganda contra a autoridade religiosa, e o povo, que é lógico na sua simplicidade, entende que se a autoridade religiosa é uma tirania insuportável, também o é a autoridade civil e assim, logo que supôs estrangulada a autoridade religiosa, voltou o sou ataque contra o poder civil, brandindo com ódio e rancor a espada de dois gumes que imprevidentemente lhe meteram nas mãos.

Aí temos nós com todos os seus perigos o problema da ordem pública, que é uma sequência fatal dessa atmosfera de falta de consideração e desprestígio que só fez em volta do princípio da autoridade.

Prègou-se que o homem era absolutamente livre e independente de qualquer poder que não derivasse de si mesmo; prègou-se que não havia em lutas políticas selecção de meios, porque a política bem podia prescindir da moral, e o resultado vê-se.

Hoje, todos gritamos, numa ressonância de medo e de pavor contra a anarquia que parece subverter a sociedade.

É por isso que eu, associando-me à homenagem aqui prestada aos mortos do 19 de Outubro, quereria que essa homenagem fôsse o início duma nova época do consciência patriótica.

É preciso que nós prestigiemos a autoridade. É preciso que nós nos respeitemos todos nas lutas pelas ideas que nos dividem, porque o respeito e a consideração não significam transigência de princípios.

Combatamos as ideas e poupemos os homens. Mas, se por acaso os homens incarnarem intimamente as ideas a tal ponto que seja absolutamente impossível separar os homens das ideas, combatamos os homens mas sem ferir a autoridade que possivelmente êles possam representar.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Herculano Galhardo: - Sr. Presidente: pedi a palavra, em nome dos Senadores dêste lado da Câmara, para declarar que nos associamos aos votos de sentimento propostos por V. Exa. e às homenagens prestadas pelo Senado aos portugueses ilustres cuja memória comemoramos, e que pelas suas virtudes, pelos seus merecimentos o pelos seus talentos foram ornamento do Parlamento português.

Aproveito a ocasião para também em nome dos Senadores do Partido Republicano Português, dirigir ao ilustre leader do Partido de Reconstituição Nacional os nossos agradecimentos pelos sentimentos que nos dirigiu a propósito da morte dos nossos queridos correligionários.

O Sr. Vale Guimarães: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que tenho assento nesta casa, cumpro o grato dever de dirigir os meus cumprimentos a V. Exa. e a toda a ilustre Câmara, a cuja tradição nobilíssima eu presto o meu maior respeito.

E cumprimento V. Exa. não só por um dever de cortesia, mas porque fazendo parte da minoria monárquica eu afirmo os meus princípios de ordem, os meus princípios de respeito e de consideração pelo altíssimo cargo que V. Exa. representa.

Não fazia conta de falar na sessão de hoje e devem certamente os ilustres Senadores que me escutam achar audacioso que um inexperiente, que ainda há pouco transpôs pela primeira vez o limiar daquela porta, venha imediatamente usar da palavra entre pessoas já adestradas em trabalhos desta natureza.

Perdoe-me V. Exa. e perdoe-me a Câmara o atrevimento, principalmente depois de tantos ilustres Senadores terem usado da palavra e ainda há pouco o ilustre leader do meu partido, que tam brilhantemente, tam convictamente, tam sinceramente e com tanta elevação falou.

Mais talvez que os presentes, incomóda-me, Sr. Presidente, a rígida mudez do mármore dêsses bustos que ornamentam

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a sala e que parecem castigar-me à audácia, fazendo-me sentir a minha insignificância.

Mas, Sr. Presidente, depois de ouvir tantas palavras de piedoso respeito pela, memória de mortos ilustres, tratando-se duma homenagem que é gratíssima ao meu coração de português o ao meu sentimento de católico, que é gratíssima â minha alma de conservador, respeitador da ordena e da autoridade eu, que apesar de ter a idade que1 a Constituirão exige para que qualquer cidadão elegível passa entrar nesta casa, não tenho ainda o pêso suficiente de caos para me entorpecer ou abafar a vibração dos nervos - não pude ser superior à impressão que senti e num movimento muito espontâneo pedi a palavra.

Tendo chegado hoje de manhã no combóio correio, da minha terra, eu li por acaso num jornal que esta sessão era destinada à comemoração dos parlamentares mortos durante o interregno último.

Não o sabia, mas depois de ler aquela notícia, enverguei piedosamente o meu fato preto, pus a minha, gravata preta e vim para esta homenagem tributar todo o meu respeito e toda a minha altíssima consideração à memória do todos os mortes.

Alguns dêles foram partidários do extinto regime.

A êsses já se referiu especialmente o Sr. D. Tomás de Vilhena.

Há outros que não pertenceram à família monárquica, que foram sempre republicanos e ene desapareceram, grande número dêles, em circunstâncias que a Câmara acaba unanimemente de reprovar.

Aos mortos que foram do antigo regime eu tributo as minhas homenagens como monárquico; aos outros, eu tributo as minhas homenagens com o português que. acima de partidos, de ideais políticos o de regimes, quere uma Pátria digna e bela, sem crimes e sem sangue que não nos envergonho perante o mundo civilizado o que nos envergonhe perante a nossa própria História que foi das maiores.

Sr. Presidente: não vai longe a noite sangrenta de 19 de Outubro.

Quando ao canto da minha terra chegou a noticia, dêsse movimento, tam desordenado, tam incaracterístico, de que ninguém chegou a perceber as causas determinantes, e se soube que homens de Estado, homens públicos do meu país, que não tinham feito mal a ninguém, que não tinham perseguido, que não tinham abusado da sua autoridade, foram miseravelmente assassinados por feras, porque não há outro nome para os assassinos, senti, come todo o país sentiu, uma enorme comoção, e eu juro pela minha honra que nos dias quê se seguiram à noite trágica não tive sossêgo de espírito para trabalhar e foi tam grande a dôr sofrida que, não é vergonha confessá-lo, não pude conter as lágrimas e chorei por êsses desgraçados mortos!

E todavia eu não conhecia António Granjo, ou não conhecia Marchado Santos, não conhecia Carlos da Maia nem Freitas da Silva.

Eram meus adversários políticos.

Eram, na verdade. Mas, acima de tudo, eram portugueses, com os seus nomes inscritos na nossa história contemporânea, filhos desta mesma terra onde todos nascemos, tam banhada de sol e tam cheia de ternura, tam calma o tam pacífica em outras eras, onde fazia gôsto viver e donde hoje em dia dá vontade de fugir, para poder fruir em outras paragens a paz, a tranquilidade, a ordem e o respeito pela autoridade e pela lei, sem o qual não pode viver qualquer sociedade organizada.

Sr. Presidente: disse há pouco o ilustre Senador católico que é preciso que daqui saia alguma cousa mais que uma simples homenagem de comemoração aos mortos, porquanto se ventila um acontecimento que enxovalha a honra da Nação.

É preciso que os criminosos sejam severamente castigados, como exemplo, e satisfação dada à consciência publica ultrajada.

Disse S. Exa. muito bem.

A "noite trágica" teve uma repercussão que nos aviltou perante o estrangeiro!

Foi um enxovalho e um vexame para a nossa honra e brio de civilizados.

Passados dias depois da horrorosa tragédia, vim a Lisboa o ainda vi baloiçando nas águas mansas do Tejo a mancha escura dos navios de guerra estrangeiros, que aqui vieram nessa hora triste chamar-nos, como que num aviso terrível, à triste realidade da nossa situação.

Não posso, não quero, nem devo dizer aqui qual a verdadeira significação que o meu espírito deu a tal visita.

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Mas sinto uma grande tristeza, uma infinita tristeza!

Pois então já não há poderes constituídos em Portugal?

Pois então já não há autoridade, já não há justiça em Portugal?

Nessa mesma ocasião, Sr. Presidente, passei à porta do Arsenal senti horror, um grande horror, ao olhar para êsse lugar do tragédia o de crime.

Todavia, para dentro daqueles umbrais habitava a Marinha de Guerra Portuguesa, nobilíssima instituição, honrosas tradições, que tantas páginas de heroísmo e de beleza tem dado à nossa História. Mas é que ali dentro também, num momento de cólera e de loucura, tinha-se erguido o m dogma o assassínio político como meio de punir erros, ou fácil processo de inutilizar adversários.

Não passo, por isso, ainda hoje, junto do referido portão, sem que sinta um calafrio de horror a arrepiar-me o corpo e a tolher-me os membros.

"Isto tudo já vem detrás", disse o ilustre Senador católico.

Todos o sabemos e todos temos o nosso quinhão de responsabilidades.

Temos contribuído todos para um tal estado de cousas, que envergonha a sociedade portuguesa.

Não nos respeitamos uns aos outros. Rebaixamo-nos em vez de nos elevarmos. Uns manejam a calúnia ou alentam a intriga. Quási todos desrespeitam a autoridade e iludem ou escarnecem da lei. Outros vêem nos adversários apenas os representantes do mal.

E assim se fazem campanhas, e assim se deturpa a verdade, e assim se faz larga sementeira de ódios que transformam por completo a feição característica da sociedade portuguesa, fazendo dum campo onde floria a bondade um pântano onde viceja a flor do mal!

Desejaria possuir o verbo eloquentíssimo do Príncipe da oratória portuguesa, António Cândido, para celebrar condignamente esta sentidíssima homenagem e traduzir em frase veemente a minha repulsa de português pelos monstruosos atentados do 19 de Outubro.

Vem de longe o mal, Sr. Presidente; é preciso que não se fique por aqui.

O ilustre Senador Sr. Augusto de Vasconcelos perguntava há pouco, quando usou da palavra: quem armou o braço dos homicidas? E deixou a pregunta sem resposta.

Pois é fácil responder.

Quem armou êsse braço foi a consciência, a certeza da impunidade com que há longos anos a esta parte se tem perpetrado crimes em Portugal.

Tem sido essa nefasta condescendência dos poderes públicos que tem facilitado a prática do crime!

Porque se matou na noite do 19 de Outubro?

Justamente pelo motivo que venho de citar. Oxalá tais crimes não possam ter repetição em terra nossa, para que os portugueses não tenham de fugir, acolhendo-se a outra bandeira que não a sua!

Oxalá todos vejam acima de tudo a sua Pátria querida e bem amada!

Sr. Presidente: esta sessão deve ser de penitência; de penitência de todos os nossos erros. Façamos nós exame de consciência, completo e perfeito, para melhor podermos seguir na estrada da vida.

Disse também há pouco o Sr. Senador católico que u falta de respeito pelo princípio da autoridade vem da falta de respeito pelas tradições e do afrouxamento do sentimento, religioso.

Na verdade, tem-se procurado atacar a Igreja como se ela fôsse susceptível de destruição!

No mar tempestuoso das revoluções, através de todas as convulsões que têm agitado o mundo em todos os tempos, a Igreja tem vivido sempre firme, serena, imperturbável, guiando os povos, pacificando os espíritos, educando as almas e dando à História a mais forte, a mais formosa, a mais bela civilização que o génio latino tam superiormente soube encarnar.

Representa a Igreja, Sr. Presidente, aquela grande fôrça moral que conduz os povos à glória e à imortalidade; representa aqueles imponderáveis, subtis e aparentemente insignificantes que levaram nos campos da Flandres e da Europa central, ao triunfo glorioso da civilização latina na luta portentosa contra as ambições germânicas.

Mas nem só a Igreja se tem procurado atingir. Todas as boas tradições se tem querido atacar e demolir.

Abandonámos as antigas fórmulas de

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respeito e de amor no lar doméstico em que o pae era o chefe de família modelar, sendo ao mesmo tempo um educador austero e um pae afectuoso, um marido dedicado e carinhoso para a mulher, mas sempre o homem não abdicando da sua autoridade nem diminuindo-se no seu prestígio.

Se vivêssemos ainda dentro dessas velhas fórmulas em que a família se robustecia, só não tivéssemos expulsado das nossas almas o sentimento religioso, que é bálsamo e alento, não seria possível o crime cujas vítimas aqui estamos pranteando.

É preciso mudar de rumo, Sr. Presidente, para não nos afundarmos irremediavelmente.

Não quero abusar por mais tempo da atenção da Câmara e ao Poder Executivo, que se acha aqui representado, eu peço, como português e homem de ordem, que justiça se faça e punição se exerça sôbre todos os crimes do 19 do Outubro. Desejo bem que não termino êste meu mandato com verificar que a vontade do Govêrno é firme e inabalável e que nova e tremenda impunidade não virá dar alento a outros sucessos trágicos que nos façam rolar definitivamente para o abismo.

São êsses os meus votos ardentes de português.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): - Sr. Presidente e meus senhores: sendo a primeira vez, nesta sessão legislativa, que eu tenho a honra de usar da palavra nesta casa do Parlamento, saúdo, ao mesmo tempo, V. Exa. e o Senado. Saúdo V. Exa., Sr., Presidente, porque estou convencido de que V. Exa., no alto lugar que ocupa, há-de seguir a nobre tradição dos seus antecessores, dignificando essa cadeira como ela tem sido sempre.

É isso, Sr. Presidente, que espero da rectidão e da imparcialidade de V. Exa., e saúdo também o Senado, e saúdo-o entranhadamente, porque, sendo também Senador, a êle pertenço, no que tenho muito orgulho. Sei, Sr. Presidente, a elevada missão que lhe incumbe; por estas razões eu saúdo-o, não só colectivamente, mas também individualmente.

Nestas saudações não distingo cores algumas políticas, por mais opostas que sejam àquelas que professa o Partido Republicano Português. Saúdo-os a todos, porque estou convencido de que neste momento tam grave que se atravessa há um pensamento que a todos domina: o pensamento de servir bem o pais.

Sr. Presidente: depois dos ilustres oradores que me procederam terem feito o elogio das vítimas de 19 de Outubro, e terem leito o elogio doutras pessoas que igualmente merecem a consideração do pais, eu não me poderia demorar em detalhes. Apenas, em nome de Govêrno, me associo devotadamente a todas as manifestações que aqui se têm feito, tanto as que dizem respeito às vítimas da noite sangrenta de 19 de Outubro, como àquelas que se relacionam com outros cidadãos que aqui foram citados.

Sr. Presidente: essa noite sangrenta fez vibrar em todo o país um ímpeto de indignação, ao ver que cidadãos prestáveis eram cobardemente arrancados dos seus domicílios, não demovendo os facínoras nem as suplicais das mulheres nem os rogos das crianças.

Mas, Sr. Presidente, é preciso que aqui fique bem constatado altamente que não foi o povo português, não foi o exército, não foi a marinha, não foi qualquer organismo militar o responsável por tam abominável atentado.

Não; o povo português, em todos os capítulos da sua história, tanto antiga como moderna, tem sempre mostrado o seu espírito altruísta e de humanidade. O exército, a marinha, os que são dignos dêste nome, êstes têm sempre defendido a Pátria e merecem o nosso respeito e profunda consideração.

Não, não, que o saiba a nação, que o saiba o estrangeiro, êstes não concorreram, por qualquer modo, para a perpetração dos crimes; os que perpetraram êsses crimes são criaturas inteiramente àparte, criaturas que não respeitam as regalias nem o lar do cidadão, nem a sociedade, nas suas leis basilares de civilização; são criaturas que puseram completamente de parte todos os sentimentos de humanidade, que não podem invocar qualquer nacionalidade; são indivíduos sem Pátria, não são portugueses.

Sr. Presidente: á família republicana

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foi, na verdade, particularmente ferida com êstes trágicos acontecimentos de 19 de Outubro, e assim é que nesta, tristíssima noite nós vemos aniquilado António Maria de Azevedo Machado Santos.

Foi êle, sem contestação nenhuma, o fundador da República Portuguesa, a actividade que êle empenhou nos trabalhos preparatórios para a implantação do novo regime.

A fé inabalável nunca o largou nos momentos em que parecia - que tudo estava perdido, e assim o vemos na madrugada de 3 de Outubro, quando saiu de infantaria 16, à frente duma coluna de soldados o se encaminhou para a Rotunda.

Houve um momento - todos o sabemos e bom é lembrar - em que tudo se julgava perdido. Retiniram os oficiais, os mais corajosos e mais destemidos, fôrça é dizê-lo, mas o exemplo de 28 de Janeiro fazia pensar que o movimento seria gorado, como aquele.

Então os oficiais deliberaram abandonar o acampamento, e procurar o caminho do exílio, ou o do suicídio, se não pudessem alcançar o primeiro.

Machado Santos, diante desta resolução, vendo assim que o abandonavam, por um momento de fraqueza, deixou-se ficar.

Reuniu os sargentos, preguntou-lhes se queriam continuar no seu pôsto.

Responderam que ficariam ao lado dêle, e o mesmo responderam os civis.

E um dêstes, perante a observação de que 3:000 soldados iam contra o acampamento, que a bataria a cavalo ia dominar os pontos mais altos da cidade, êsse civil cujo nome não me recordo, respondeu: quem quere chorar vai para casa, e não vem para aqui lançar o desânimo naqueles que ainda desejam lutar até a última pela República.

Machado Santos venceu, e não quero ouvir dizer que foi devido ao acaso.

Há alguma cousa superior ao acaso, havia a sua alma de grande republicano, havia a sua fé, a crença que os animava, e essa fé e essa crença é uma fôrça irresistível perante a qual as baionetas nada valem.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Pelo seu acto heróico, pela sua fé inabalável, êle foi promovido a capitão de fragata e deram-lhe uma pensão de 3.000$ anuais.

Êsses 3.000$ porém, eram repartidos pelos seus irmãos e repartidos pelos seus companheiros, porque êle contentava-se com pouco.

Era tão modesto no seu trago, era tam simples nas suas maneiras, que logo à primeira vista se via que existia ali uma verdadeira alma portuguesa.

Tinha alguns defeitos?

Todos os têm, mas no fundo era um verdadeiro cidadão perante o qual a República tem de se curvar e respeitá-lo, porque o seu nome há-de ficar esculpido nos anais da história, como o fundador da República Portuguesa. (Apoiados).

Triste é confessá-lo: Êsse homem que tantos- serviços prestou à Nação, e que foi barbaramente assassinado, êsse homem deixa à sua família o seu nome de português, e a sua pobreza!

É bom que a nação, é bom que o Parlamento tenha isto na devida consideração.

Outro nome que não posso deixar de citar aqui, embora outros ilustres oradores se tenham já a êle referido, especialmente o ilustre leader do Partido Liberal, é o de António Granjo.

Filho de pais humildes também, devido ao seu esfôrço à sua tenacidade, à sua boa vontade alcançou a formatura em direito.

Foi êste o primeiro título, quanto a mim, que o dignificou.

Êle fez-se a si mesmo com o seu próprio esfôrço; a si deve a carta de formatura.

Nas incursões monárquicas, êle apresentou-se como sempre, em defesa da República, e quando na guerra tremenda que assolou toda a Europa, êle julgou necessário o seu esfôrço, foi voluntariamente combater nos campos da Flandres. onde ganhou gloriosamente a sua Cruz de Guerra. (Apoiados).

Não obstante todos êsses serviços, a cegueira de homens, como se costuma dizer, sem fé nem lei, tinha-o antecipadamente marcado na Lista Negra.

Vendo-se perseguido, refugiou-se em casa de um cidadão, seu antigo adversário político.

Eu não quero, nem posso deixar de citar o nome dêsse cidadão que dedicada-

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mente heroicamente, quis defender a outrance a vida do António Granjo, foi o Sr. Cunha Leal. (Apoiados).

Sr. Presidente: quando em virtude dêsses bárbaros assassínios parecia que o opróbrio estava a pesar sôbre toda a Nação Portuguesa, a dedicação, o altruísmo o gesto alevantado de Cunha Leal, parece que redimiu a ignomínia que sôbre um povo parecia ter sido lançada.

Resgatou-a, provando que as virtudes antigas da raça lusitana ressurgiam nele.

Não devo também esquecer um outro homem que veio em auxílio do Sr. Cunha Leal, quando êste senhor procurava defender a vida de António Granjo, estando por êsse motivo prestes a sucumbir às mãos dos assassinos.

Foi o Sr. Agatão Lança.

O Sr. Agatão Lança, brioso oficial da marinha de guerra, e que tantos serviços tem prestado à causa republicana, denodadamente corajosamente, defendeu também a vida do Sr. Cunha Leal e do seu amigo.

É bom também que o seu nome fique aqui registado.

De António Granjo deve dizer-se, veio para a política por inclinação, veio para a política por devoção, e na política consumiu quási todos os seus haveres.

Deixou apenas à família o seu nome do bom republicano e o seu património diminuído.

Outro nome que não devo deixar em claro, é o de Carlos da Maia, capitão do fragata.

Êsse heróico oficial, que já se tinha batido, por mais de uma vez nas campanhas de África, foi também um daqueles que na revelação de 5 do Outubro trabalhou denodadamente para a implantação da República.

Foi êle quem corajosamente, tendo saído do quartel dos marinheiros com uma coluna, foi mais tarde fazer a difícil abordagem do cruzador então chamado D. Carlos.

Os oficiais dêsse cruzador defendiam a causa monárquica e nesse barco de guerra tremulava a bandeira azul e branca. Era necessário, que essa bandeira descesse para dar o seu lugar à bandeira verde-rubra. Pois êle, com um punhado de homens teve a coragem de abordar o navio sofrendo êle e os seus homens, da amurada do mesmo navio, o tiroteio que oficiais o marinheiros do antigo regime lhes faziam!

Lutou corajosamente e, daí a pouco, a bandeira azul e branca descia, tremulando em seguida, na mastreação, a bandeira verde-rubra da República que êle tanto amava!

E, Sr. Presidente, é um dêstes homens, que tam corajosa e denodadamente lutou pela República, que tem uma morte tam horrorosa e tam repelente levada a efeito pelos mais desprezíveis e repelentes facínoras.

Assassinado infamíssimamente, êle, cujo coração era de ouro, êle, que nossa ocasião, ao regressar a casa, abraçou a sua pobre e querida mãe, dizendo-lhe:

"Pode abraçar e beijar seu filho, que não traz as mãos manchadas de sangue. Não matei nem consenti que se matasse! Mas os verdugos, compensando a nobreza dum tal homem, de tam heróico português, assassinaram-o, aniquilaram-o cobarde e vilmente!

Tenho de citar também, Sr. Presidente, o nome de Carlos Freitas da Silva, capitão de fragata.

Êste brioso militar tão era um político, mas era um grande disciplinador e tinha prestado serviços à Pátria, não só em campanhas de África, mas também como secretário de Ministros, prestando-lhes a sua inteligente colaboração.

Foi mais uma vítima; e esta não tinha aqui sido citada, pelo que eu peço licença à Câmara para mo associar, também comovidamente, a parte do voto de sentimento do Senado que abrange êste infeliz português.

Outros nomes foram aqui referidos, como os do Sr. Pereira de Miranda, cavalheiro em toda a extensão da palavra, com o qual sempre mantive relações por saber que era um carácter impoluto, e Anselmo Braamcamp Freire, figura de grande destaque, que tanto se dedicou à República e à qual deu bastante alento, principalmente durante as nossas lutas políticas, e que era nas nossas letras pátrias uma individualidade que deixou o seu nome vinculado pelos seus trabalhos que representam um estado consciencioso que êste ilustre historiador fez da nossa vida constitucional.

A todos os vultos que aqui foram ci-

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Sessão de 2 de Março de 1921 21

tados pelo Sr. D. Tomás de Vilhena e por outros oradores que me precederam, a todos o Govêrno se associa na comemoração que é feita, e se a algum, por acaso, a minha memória não pode aperceber, eu levo por igual êste preito de saudade a quem não me referi.

Sr. Presidente: disseram aqui vários oradores, dirigindo-se ao Govêrno, que o Govêrno teria todos os seus aplausos se porventura fôssem punidos os criminosos.

O Govêrno, como Poder Executivo, não pode, pela Constituição, intervir nas deliberações do Poder Judicial, mas está convencido de que os tribunais a quem foram cometidas as funções de julgar aqueles que forem indicados como autores ou cúmplices dêsses atentados hão-de cumprir o seu dever, custe o que custar, porque, na verdade, como se disse, seria para nós motivo de grande consternação e de grande desalento se os criminosos não fôssem castigados sem complacência, porque para feras daquela natureza não pode haver piedade.

Sr. Presidente: disse-se que foi a desordem que armou o braço dos assassinos da noite de 19 de Outubro. Pois pode V. Exa. estar certo e pode a Câmara ter a convicção profunda do que o Govêrno há de fazer tudo quanto possível para que a ordem se mantenha.

Não é possível qualquer trabalho profícuo sem que possa haver completo sossêgo nas almas, paz no domicílio de cada um, completa tranquilidade para o trabalho.

Nós precisamos tanto de ordem - já o disse em tempos - como o pão cotidiano e como o ar que respiramos. O Govêrno não se esquecerá dessa sagrada missão, tendo diante da sua vista os queridos mortos que foram roubados à República. Êles foram vitimas da desordem, e, por isso, mantendo o Govêrno a ordem, custe o que custar, doa a quem doer, serão as melhores flores que êle poderá espargir sôbre as campas dos nossos queridos mortos. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Mais uma vez o Senado se dignificou pela maneira alevantada como soube prestar homenagem aos mortos e aos membros do Parlamento que faleceram durante o interregno parlamentar. E é realmente consolador que, tratando-se de mortos pertencentes aos vários partidos políticos, e havendo na Câmara representantes de correntes tam adversas, se notasse o mesmo espírito de saudade e de piedade, a mesma harmonia entre todas as manifestações, sem distinção pelos homenageados, a não ser quaisquer referências especiais provenientes de amizade.

Em vista disso considero aprovado o voto de sentimento e saudosa homenagem prestada à memória dos parlamentares mortos, e também o de que êle se comunique às respectivas famílias.

A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da eleição de comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

O REDACTOR - Alberto Bramão.

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