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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 93 VI LEGISLATURA 1956 29 DE OUTUBRO
AVISO
Convoco os Dignos Procuradores que fazem parte do Conselho da Presidência desta Câmara para se reunirem no dia 29 do corrente, pelas 16 horas.
Palácio de S. Bento, 25 de Outubro de 1956.
O Presidente,
João Pinto da Costa Leite
Projecto de decreto-lei n.º 518
Delitos contra a saúde pública e a economia nacional
A disciplina relativa aos delitos contra a economia nacional e aos crimes e contravenções contra a saúde pública encontra-se actualmente dispersa por numerosos diplomas, de diversa natureza. Grande parte da tutela penal correspondente a esses tipos especiais de infracções foi, como de todos é sabido, organizada fragmentariamente, sob a pressão imediata de circunstancias que reclamavam a cada passo medidas legislativas rápidas e enérgicas, destinadas a combater a actividade criminosa daqueles cujo espírito de ganância não hesitava em sacrificar, à obtenção do maior lucro possível os interesses superiores da economia nacional ou a própria saúde do consumidor.
Numa legislação criada em semelhante clima são naturalmente mais frequentes do que é usual as lacunas da lei e inevitáveis as repetições escusadas dos mesmos princípios ou as contradições com regras definidas em diplomas anteriores.
O intuito de castigar exemplarmente os prevaricadores, a fim de impedir, numa época de profunda perturbação dos espíritos, que a onda de oportunismo se propagasse a outros menos ousados, imprimiu ainda ao sistema punitivo próprio dos delitos antieconómicos e das infracções afins um cunho de acentuado rigor - plenamente justificável no período de mais intensa actividade legislativa sobre a matéria, mas desnecessário logo que o efeito preventivo da legislação, devido à normalização das condições económicas da colectividade, deixou de revestir igual importância.
A necessidade de reagir prontamente, no interesse da colectividade, contra todas as tentativas de alta artificial dos preços, fautoras de agravamentos ilegítimos do custo da vida, determinou, por último, a introdução de vários desvios às regras comuns da competência e do próprio processo, em ordem a acelerar a conclusão do julgamento, das infracções e a eliminar os expedientes dilatórios com que os arguidos procuram muitas vezes paralisar ou iludir a acção da justiça.
Hoje, porém, que a vida económica do País regressou a um período de relativa normalidade, julga o Governo chegado o momento oportuno de reunir, coordenar e sistematizar a legislação dispersa, limar as arestas mais vivas dos diplomas vigentes, integrar as lacunas cuja existência maiores dúvidas haja suscitado na ju-
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risprudência, ajustar o rigor das sanções cominadas para os diversos delitos às necessidades da época presente, sem privar o sistema da maleabilidade indispensável para eficazmente cumprir a sua missão nos períodos de crise que a situação económica da comunidade eventualmente tenha de atravessar, e eliminar, por fim, todos os desvios inúteis ou injustificados, quer às regras normais de competência, quer ao formalismo processual comum.
São essas as principais finalidades do presente decreto.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.º parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Dos delitos contra a saúde pública e infracções afins e dos delitos antieconómicos
CAPITULO I
Das Infracções e das penas
SECÇÃO I
Das infracções em especial
Artigo 1.º - 1. A falsificação de géneros alimentícios é punível:
a) Com prisão de três dias a dois anos e multa, quando os géneros falsificados sejam, por sua natureza, susceptíveis de prejudicar a saúde do consumidor;
b) Com multa de 3.000$ a 20.000$, quando, não sendo prejudicial à saúde do consumidor, a falsificação for todavia susceptível de causar prejuízo a terceiro ou ao Estado;
c) Com multa de 500$ a 3.000$, quando, sendo a falsificação nociva à saúde, houver mera negligência do infractor.
2. Considera-se género alimentício toda a substância ou preparado usados como alimento ou bebida humana, exceptuadas as drogas medicinais, bem como toda a substância utilizada na preparação ou composição dos alimentos humanos, sem exclusão dos simples condimentos.
3. A falsificação compreende a substituição dos géneros alimentícios por substâncias, alimentares ou não, que imitem fraudulentamente as qualidades daqueles (contrafacção) e bem assim a modificação, capaz de induzir o consumidor em erro, da sua natureza, composição ou qualidade (alteração).
Art. 2.º- 1. A venda ou exposição à venda, bem como a aquisição, transporte ou armazenamento para comércio de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos, são puníveis:
a) Com prisão de três dias a dois anos e multa, se os géneros forem nocivos à saúde;
b) Com prisão de três dias a seis meses e multa, se forem simplesmente impróprios para consumo;
c) Com multa de 500$ a 10.000$, se o defeito for ignorado do responsável, por desleixo ou incúria.
2.º Consideram-se corruptos os géneros alimentícios que entraram em putrefacção ou decomposição e bem assim aqueles que contêm gérmenes que possam ser nocivos a saúde, e avariados os géneros alimentícios que, por influência do meio, do tempo ou dos agentes a cuja acção estiveram expostos, se deterioraram ou sofreram modificações de natureza, composição ou qualidades que os tornam impróprios para consumo.
Art. 3.º - 1. Presume-se que o transporte dos géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos é feito para comércio sempre que os géneros sejam daqueles a cujo comércio se dedica o destinatário.
2. A incriminação do transportador não isenta de responsabilidade criminal nem o expedidor nem o destinatário dos géneros falsificados, avariados ou corruptos.
Art. 4.º A declaração da existência de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos, com indicação das respectivas quantidades e do local em que se encontram, feita perante a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, antes de qualquer intervenção oficial ou denúncia livra das penas cominadas nos artigos antecedentes, ficando, porém, os géneros sujeitos à conveniente beneficiação, transformação ou inutilização.
Art. 5.º - 1. Os que abaterem reses impróprias para consumo e a este as destinarem, conhecendo o seu estado, serão punidos com prisão de três dias a dois anos e multa, se pena mais grave lhes não couber nos termos, da lei geral.
2. Em igual pena incorrem aqueles que, por qualquer modo, aproveitarem para alimentação de outrem a carne das reses impróprias para consumo ou das que hajam morrido de doença, desde que, num ou noutro caso, conheçam, o seu defeito.
Art. 6.º-1. Comete o delito de matança clandestina, punível com prisão de três dias a seis meses e multa, aquele que abater para consumo público animais, das espécies bovina, ovina, caprina, suína ou cavalar sem a competente inspecção sanitária.
. Em igual pena incorrem os que adquiram para alienação ao público ou com- destino ao consumo público em hotéis, restaurantes, pensões ou estabelecimentos análogos a carne das reses abatidas clandestinamente ou produtos com ela fabricados, desde que tenham conhecimento do carácter clandestino da matança.
Art. 7.º Será punido com multa de 200$ a 500$ aquele que abater para consumo público animais das espécies bovina, ovima, caprina, suína ou cavalar fora das condições seguintes:
a) A matança terá lugar em matadouros municipais ou em matadouros privativos, legalmente autorizados, onde os houver, e, nas restantes localidades, em recintos resguardados, quanto possível apropriados e situados no exterior das povoações;
b) Durante as vinte e quatro horas que precederem o sacrifício das reses deverão estas permanecer em descanso, em alojamento apropriado, contíguo ao recinto da matança ou próximo dele, ser convenientemente abeberadas e não receber alimento nas ultimas doze horas.
Art. 8.º - 1. Todo aquele que fabricar, manipular, armazenar, transportar ou vender géneros alimentícios se acha adstrito ao dever geral do asseio e higiene, e bem assim aos deveres especiais com o mesmo fim estabelecidos na lei ou regulamentos competentes.
2. A falta de asseio ou higiene, susceptível de prejudicar a boa preparação ou conservação dos géneros, bem como a infracção dos deveres fixados na lei ou regulamentos especiais, farão incerrer o responsável na multa, de 200$ a 5.000$, devendo a falta ser ainda comunicada, para os efeitos convenientes, ao delegado ou subdelegado de saúde.
Art. 9.º - 1. Comete o crime de açambarcamento o produtor ou comerciante que ocultar as suas existências de mercadorias ou produtos ou se recusar a vendê-las, segundo os usos normais da actividade agrícola, industriai ou comercial e ao preço corrente do mercado.
2. Não constitui infracção:
a) Ter o produtor recusado a venda das quantidades indispensáveis a satisfação das necessidades do seu
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abastecimento doméstico anual ou das exigências normais da sua exploração durante o ano;
b) Ter o comerciante recusado a tenda de mercadorias em quantidade susceptível de prejudicar a justa repartição entre a sua clientela ou manifestamente desproporcionada às necessidades normais de consumo do adquirente.
3. E equiparado à ocultação:
a) O armazenamento de mercadorias ou produtos em locada não indicados às autoridades da fiscalização; quando essa indicação seja devidamente exigida;
b) A recusa ou falsidade da declaração sobre as existências, quando exigida pelas autoridades encarregadas da fiscalização;
c) O não levantamento das mercadorias que lhes forem consignadas e derem entrada nas estações de caminho de ferro, em cais de desembarque ou quaisquer locais de descarga, por parte de qualquer industrial ou, comerciante, no prazo de cinco dias, relativamente às mercadorias ou produtos sujeitos a racionamento ou condicionamento de distribuição, e no prazo especialmente fixado pelas entidades competentes, quanto às restantes mercadorias ou produtos.
4. É equiparado à recusa:
b) O encerramento voluntário do estabelecimento, com o fim de eximir a venda a respectiva existência;
b) A limitação de venda, pelos industriais ou comerciantes, das suas mercadorias, quando essa limitação tenha sido declarada prejudicial pela entidade competente.
Art. 10.º - 1. 0 crime de açambarcamento é punível com prisão de três dias a dois anos e multa.
2. Quando houver mera negligência, a pena aplicável á a de prisão de três dias a seis meses e multa, podendo a multa ser excepcionalmente reduzida a metade.
3. A tentativa de açambarcamento, bem como a frustração, serão sempre puníveis.
Art. 11.º - 1. Sempre que o Governo determine o racionamento ou estabeleça o condicionamento de quaisquer produtos ou mercadorias, fixando directamente as capitações ou os contigentes cuja distribuição é permitida, aquele que adquirir ou vender quantidades superiores às fixadas incorrerá na pena de 200$ a 500$, se pena anais grave lhe não couber nos termos da legislação em vigor.
2. Em igual pena incorre o produtor que constituir reservas de mercadorias ou produtos racionados ou condicionados superiores às legalmente permitidas ou, na falta de fixação, às necessidades previsíveis do respectivo agregado familiar.
3. Quando as mercadorias ou produtos adquiridos, vendidos ou reservados se destinem à indústria ou ao comércio, a pena aplicável será a de multa de 3.000$ a 20.000$ ou de 500$ a 3.000$, conforme o respectivo valor exceda ou não 2.000$.
Art. 12.º - 1. A omissão ou falsidade de declarações na sequência dos inquéritos ou manifestos ordenados pelo Governo para conhecimento das quantidades
existentes de certos produtos ou mercadorias, bem como a recusa de quaisquer elementos oficialmente exigidos para o mesmo fim, serão puníveis com prisão até três meses e multa até um mês.
2. Quando houver mera negligência, a pena aplicável será a de multa de 100$ a 500$.
Art. 13.º - 1. Constitui crime de especulação:
a) A venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta de tabelamento, com margem de lucro líquido superior a 10 por cento, nas vendas por grosso, e de 15 por cento, nas vendas a retalho;
b) A alteração, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio apropriado, dos preços que do regular exercício das actividades económicas ou dos regimes legais em vigor normalmente resultariam para as mercadorias;
c) A intervenção remunerada de um novo intermediário no ciclo normal da distribuição, ainda que não tenha havido lucro ilícito, salvo quando se mostre que da intervenção não resultou qualquer aumento de preços.
2. Considera-se preço legalmente fixado para as mercadorias ou produtos o que lhes tenha sido atribuído por decisão ministerial publicada no Diário do Governo.
3. E tido como lucro líquido para o comerciante aquele que se obtiver depois de abatidos o preço da aquisição e o custo do transporte, acrescidos de 7 por cento, quando se não aleguem e comprovem encargos de montante superior ou inferior inerentes ao comércio dos artigos vendidos.
Art. 14.º O crime de especulação será punível nos termos do artigo 10.º
Art. 15.º - 1. E equiparada à tentativa de especulação a existência, para venda, de produtos que, por unidade, devam ter certo peso, quando seja inferior a esse o peso encontrado.
2. Quando o infractor prove que não tevê ânimo de obter lucro ilícito, o facto a que se refere o número anterior constituirá mera contravenção, punível com multa de 200$ a 3.000$.
Art. 16.º-1. Nos estabelecimentos comerciais ou industriais em que se vendam produtos que devam ter por unidade, determinado peso é obrigatória a existência de balanças e respectivos pesos.
2. Igual obrigação recai sobre aqueles que façam venda ambulante dos produtos a que se refere o número anterior.
3. A contravenção do disposto neste artigo é punível com multa de 200$ a 500$.
Art. 17.º São consideradas como contravenções, puníveis com a pena de multa de 200$ a 500$, quando não constituam crime de açambarcamento ou especulação:
a) A falta de exposição, nas condições usuais, no estabelecimento do comerciante retalhista dos géneros ou produtos de consumo, e bem assim a falta de afixação, em lugar bem visível ao público, nos estabelecimentos da mesma natureza da relação dos preços constantes da lista elaborada pela Intendência-Geral dos Abastecimentos ou outro organismo competente;
b) A falta de afixação de etiquetas nos artigos, contrariamente à determinação dos organismos competentes.
Art. 18.º - 1. O fabrico, comércio ou existência para comércio de produtos que não satisfaçam as características legais constitui contravenção, punível com multa de 500$ a 3.000$, salva a pena mais grave que ao facto couber como infracção criminal.
2. Quando se trate de farinhas fornecidas à panificação, serão as moagens fornecedoras responsáveis pela falta obrigadas a substituí-las imediatamente é, sempre que não devam ser inutilizadas, a proceder, sob pena de desobediência, à sua beneficiação ou desnaturação, conforme lhes for determinado.
3. A farinha beneficiada ou desnaturada a quê- se refere o número anterior será vendida e o produto reverterá a favor do Tesouro Público.
Art. 19.º Constitui contravenção, punível com multa de 200$ a 3.000$, a existência ou o emprego nas padarias de peneiras ou quaisquer outros aparelhos ou objectos que possam servir para alterar os tipos legais das farinhas e do pão, devendo ser apreendidos e inutilizados os que nelas forem encontrados.
Art. 20.º - 1. Aquele que, em prejuízo do abastecimento público, destruir, quaisquer produtos ou mer-
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cadorias ou lhes der aplicação diferente da normal ou da que for imposta *por lei será punido com a pena de multa de 500$ a 20.000$.
2. Quando houver mera negligência a pena aplicável será a de multa de 300$ a 3.000$.
Art. 21.º - 1. Quando a exportação de mercadorias estiver dependente de licença do Ministério da Economia, a exportação não autorizada das mercadorias sujeitas a esse regime ë punível com a pena de prisão de três dias a dois anos e multa, sem prejuízo do procedimento a que houver lugar por contrabando, descaminho ou outras infracções de natureza fiscal.
2. A tentativa, bem como a frustração, da infracção a que se refere este artigo são sempre puníveis.
Art. 22.º Sempre que o Governo ordene a requisição de mercadorias consideradas indispensáveis ao abastecimento das actividades produtoras ou transformadoras ou ao consumo público, a falta de cumprimento da requisição, nos termos estabelecidos, é punível com prisão de três dias a seis meses e multa.
Art. 23.º - 1. O transporte de mercadorias sujeitas a condicionamento de trânsito sem a apresentação, imediata ou dentro do prazo que razoavelmente for fixado para o efeito, da guia de autorização constitui contravenção, punível com multa de 500$ a 20.000$, à qual acrescerá a perda da mercadoria nos casos que, atentos o fim do transporte e o condicionalismo justificativo do regime de condicionamento, revelem maior gravidade.
2. São considerados autores da infracção o dono da coisa transportada, aquele que houver ordenado o transporte e bem assim as pessoas ou empresas que o efectuarem.
Art. 24.º Sempre que certas actividades ou a actividade comercial ou industrial relativa a quaisquer produtos sejam limitadas, por determinação do Governo, às pessoas singulares ou colectivas inscritas em determinados organismos, a prática de actos sem a inscrição exigida constitui contravenção, punível com a pena de multa de 500$ a 3.000$.
SECÇÃO II
Da responsabilidade penal em geral
Art. 25.º É considerado comerciante, para os efeitos deste diploma, todo o indivíduo ou empresa, singular ou colectiva, que, mesmo acidentalmente, compre para revenda, por grosso ou a retalho.
Art. 26.º Presume-se que aqueles que actuam em nome e por conta de outrem procedem em virtude de instruções recebidas, sem embargo da responsabilidade que pessoalmente lhes possa caber.
Art. 27.º As sociedades civis e comerciais são solidariamente responsáveis pelas multas e indemnizações em que forem condenados os seus representantes ou empregados, contanto que estes tenham agido nessa qualidade ou no interesse da sociedade, a não ser que se prove que procederam contra ordem expressa da administração.
Art. 28.º As sociedades civis e comerciais são ainda, aplicáveis as medidas de segurança adequadas à sua natureza.
Art. 29.º- 1. A pena complementar de multa relativa a cada infracção não será inferior ao dobro do valor da mercadoria que desta constituiu objecto, nem superior a 1:000.000$.
2. Se a infracção consistir em transacção efectuada por preço superior ao normal ou ao legalmente estabelecido, atender-se-á, na fixação da multa aplicável, ao montante total do preço convencionado para a transacção; nos demais casos atender-se-á ao valor da mercadoria no seu estado normal.
3. É aplicável às multas previstas neste diploma o disposto nos §§ 2.º e 3.º do artigo 63.º do Código Penal, sem prejuízo, porém, da comparticipação estabelecida pela legislação em vigor a favor dos participantes, autuantes ou descobridores dos crimes contra a saúde pública.
Art. 30.º Serão declarados perdidos a favor do Estado os produtos ou mercadorias que constituam objecto das infracções dolosas previstas nos artigos 1.º, 2 º, 5.º 6.º, 9.º, 13.º e 21.º, n.ºs l e 2, sem prejuízo do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 478, de 31 de Dezembro de 1955.
Art. 31.º A pena aplicável não será suspensa nem a prisão substituída por multa quando na infracção a julgar concorra qualquer das circunstâncias a que se refere o artigo 36.º, n.º l e 2.
Art. 32.º- 1. São aplicáveis no domínio das actividades ilícitas previstas neste diploma as medidas de segurança fixadas pelo artigo 70.º do Código Penal.
2. A medida de interdição do exercício da profissão pode ser imposta a qualquer comerciante ou industrial e, além dos efeitos e consequências previstos no § 5.º do artigo 70.º do Código Penal, importa:
a) O encerramento do estabelecimento comercial ou industrial;
b) A cassação das licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da profissão e, para os vendedores das feiras ou mercados públicos, a perda da concessão ou a proibição de ocupação dos lugares de venda;
c) A suspensão do exercício dos direitos provenientes da inscrição no grémio respectivo.
3. Não obsta à aplicação do disposto no número antecedente a transmissão do estabelecimento industrial ou comercial efectuada, quer após a perpetração do crime que dê lugar à interdição do exercício da profissão, quer depois da instauração, conhecida do arguido, do processo de segurança.
4. O encerramento do estabelecimento comercial ou industrial em consequência da aplicação da medida de segurança a que se refere o n.º 2 não constitui justa causa para o despedimento dos empregados ou assalariados, nem fundamento para a suspensão ou redução do pagamento das respectivas remunerações.
Art. 33.º As medidas de segurança, que se regulam pela legislação respectiva, podem ser isoladamente decretadas ou impostas cumulativamente com as sanções de carácter penal, podendo a sua aplicação ser proposta também pela Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Art. 34.º A aplicação de medidas de segurança tem por fundamento o perigo de actividade delituosa contra a saúde dos consumidores ou contra os interesses da economia nacional, sendo considerados como índices especialmente reveladores dessa perigosidade:
a) O concurso de três condenações por crimes dolosos previstos neste decreto;
b) A condenação por crime que revele manifesto desprezo pelos interesses da economia nacional ou da saúde do consumidor;
c) A comparticipação voluntária em associação ou acordo destinados a obter, por qualquer modo, a alteração do movimento normal da vida económica ou o aproveitamento consciente da actividade da associação ou do funcionamento do acordo.
Art. 35.º São unicamente circunstâncias agravantes, além das indicadas no artigo 34.º do Código Penal que sejam inerentes ao agente ou que se mostrem adequadas à especial natureza do ilícito, as seguintes:
1.ª Ter a infracção influído na subida anormal dos preços do mercado;
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2.ª Ter o agente favorecido interesses estrangeiros, em detrimento da economia nacional;
3.ª Ter a infracção sido praticada em estado de carência ou insuficiência de produtos ou mercadorias para o abastecimento do Pais, desde que o seu objecto tenha sido algum desses produtos ou mercadorias;
4.ª Ter a infracção sido praticada encontrando-se o País em estado de guerra ou de mobilização preventiva ;
5.ª Ter o agente aproveitado o estado de premente carência do comprador, com conhecimento desse estado;
6.ª Ser manifesto o perigo da saúde do consumidor;
7.ª Ser manifesto o perigo de prejuízo dos interesses legalmente protegidos;
8.ª Ter a infracção permitido alcançar lucros excessivos ou ter sido praticada com intenção de os obter;
9.ª Ser grande o volume de negócios ou existências do infractor.
Art. 36.º - 1. No caso de reincidência os limites mínimo e máximo da pena de multa são elevados ao dobro, sem prejuízo do disposto no artigo 100.º do Código Penal.
2. São equiparadas à reincidência as circunstâncias 4.ª e 6.ª do artigo 35.º e qualquer outra a que o Governo, por simples portaria, transitoriamente atribua igual valor.
Art. 37.º O estado de necessidade não dirime a responsabilidade do agente por infracção de preceitos legais determinados pela carência de produtos para o abastecimento público.
Art. 38.º Às infracções penais previstas neste diploma suo aplicáveis, subsidiariamente, as disposições do Código Penal e legislação complementar.
CAPITULO II
Das regras de competência e de processo
Art. 39.º A preparação e julgamento dos processos por infracções a que este decreto se refere competem aos tribunais comuns e são regulados pelo Código de Processo Penal e legislação complementar, salvas as seguintes disposições especiais, bem como a especial competência atribuída pela legislação em vigor ao Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios.
Art. 40.º Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, competem especialmente à Intendência-Geral dos Abastecimentos, à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais e aos organismos-corporativos e de coordenação económica, em conformidade com a respectiva lei orgânica, a fiscalização das actividades económicas destinada a impedir a prática ou a promover a repressão das infracções, e bem assim o exercício da acção penal pelas contravenções previstas neste decreto.
Art. 41.º - 1. Considera-se delegada na Intendência-Geral dos Abastecimentos, Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, Guarda Fiscal, Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública a competência para proceder à instrução preparatória dos processos correspondentes a crimes ou contravenções previstos neste diploma, sem prejuízo da respectiva direcção por parte do Ministério Público.
2. A todas as autoridades com competência para proceder à instrução preparatória é aplicável o disposto no n.º 1.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 36 007, de 13 de Outubro de 1945.
Art. 42.º- 1. As autoridades competentes para proceder à instrução preparatória enviarão imediatamente ao Ministério Público e à Intendência-Geral dos Abastecimentos cópia de todos os autos ou denúncias.
2. A remessa será feita directamente para os procuradores da República quando para o julgamento forem competentes os tribunais de Lisboa, Porto ou Coimbra e nos demais casos para o ajudante do procurador da República no círculo judicial a que pertença o tribunal competente.
3. A falta de comunicação ao Ministério Público no prazo de quarenta e oito horas, a contar do levantamento do auto ou da apresentação da denúncia, é punível nos termos do § 2.º do artigo 168.º do Código de Processo Penal.
Art. 43.º Findo o prazo estabelecido no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 35 007, é lícito ao procurador da República ou seus ajudantes avocar o processo que estiver em poder de qualquer autoridade, para lhe dar o destino legal.
Art. 44.º A apreensão de produtos ou mercadorias pode ter lugar quando necessária à instrução do processo ou à cessação da ilicitude ou ainda nos casos de suspeita de infracção capaz de importar a sua perda.
Art. 45.º - 1. Nos casos em que se tenha produzido prova da infracção por exame de laboratório, ao arguido que não haja requerido segundo exame com base na amostra que ficou em seu poder será lícito requerê-lo em instrução contraditória, quando esta seja admissível.
2. Ao requerimento do exame juntará o arguido a amostra, a qual será devidamente identificada no auto de apresentação que para o efeito deve ser lavrado.
3. À autoridade que, tiver ordenado a colheita de amostras ou a cuja ordem tenham ficado as amostras recolhidas será remetida cópia do auto a que se refere o número anterior, a fim de se pronunciar sobre a identidade da amostra apresentada para segundo exame.
4. O novo exame será efectuado no laboratório oficial designado pelo tribunal, dentro do prazo de vinte dias, a contar da remessa da amostra, acompanhada de cópia do auto de identificação.
5. O segundo exame será recusado sempre que a amostra junta ao requerimento revele sinais de viciação ou de alteração do sistema de acondicionamento ou de garantia da respectiva autenticidade.
Art. 46.º - 1. As mercadorias apreendidas, logo que se tornem desnecessárias para a instrução preparatória, poderão ser vendidas, por ordem do Ministério Público ou da Intendência-Geral dos Abastecimentos, observando-se o disposto nos artigos 884.º e seguintes do Código de Processo Civil, desde que relativamente a elas haja:
a) Risco de deterioração;
b) Conveniência de utilização imediata para satisfação das necessidades de abastecimento da população, da agricultura ou da indústria;
c) Requerimento do dono para que sejam alienadas.
2. O produto da venda será depositado na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, à ordem do tribunal, a fim de ser levantado, sem quaisquer encargos, por quem se mostre ter direito a ele ou dor entrada nos cofres do Estado, conforme o resultado do julgamento.
Art. 47.º No caso de serem encontrados em estado de abandono géneros falsificados, avariados, corruptos ou que não possuam os requisitos legais, a entidade instrutora providenciará para que sejam inutilizados, beneficiados ou transformados e, quando possível, postos no comércio, revertendo o rendimento líquido para o Estado.
Art. 48.º - 1. A inutilização, beneficiação ou transformação de produtos ou géneros falsificados, avariados, corruptos ou que não possuam os requisitos legais não deixarão de ser ordenadas pelo facto de o indiciado ser absolvido ou de a instrução preparatória dever ser ar-
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quivada ou ficar aguardando produção de melhor prova, ouvindo-se, quando assim seja, o possuidor ou responsável, por conta de quem correrão os encargos com as diligências a efectuar.
2. Quando o possuidor ou responsável deduza oposição, decidirá o juiz, e, havendo má fé, condenará o oponente em multa de 500$ a favor do Cofre Geral dos Tribunais.
3. As providências a que se refere o n.º 1 poderão ser ordenadas na pendência do processo quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 46.º, correndo os respectivos encargos por conta do dono ou possuidor, se for ele o requerente, e saindo do valor da mercadoria nos casos restantes.
Art. 49.º Quando o limite máximo da pena de prisão correspondente ao crime cometido não exceda um ano, a forma de processo aplicável será determinada em atenção ao limite mínimo da multa complementar, calculado nos termos dos artigos 29.º e 36.º
Art. 50.º Sempre que seja legalmente exigível a caução destinada a garantir a comparência do arguido, é obrigatória a prestação de caução económica, nos termos do § 1.º do artigo 297.º do Código de Processo Penal.
Art. 51.º - 1. Nos casos de justo receio de insolvência do devedor ou de ocultação de bens e de a multa provável, fixada por prudente arbítrio do juiz, não ser inferior a 10.000$, requererá o Ministério Público, após a província, ainda que provisória, ou despacho equivalente, o arresto preventivo sobre bens do indiciado, a fim de garantir a responsabilidade pecuniária em que ele possa incorrer.
2. O arresto preventivo pode ainda ser requerido durante a instrução preparatória quando, além dos pressupostos fixados no número anterior, ocorrerem circunstâncias anormais que criem uma forte presunção de culpabilidade, como a ausência em parte incerta do arguido, o abandono dos respectivos negócios ou a entrega a outrem da direcção do giro comercial.
3. Ao arresto, que será processado por apenso, podem ser opostos os meios de defesa previstos no artigo 414.º do Código de Processo Civil, salvo quanto ao facto constitutivo da responsabilidade.
Art. 52.º - 1. A exigência de caução destinada a garantir o pagamento da parte pecuniária da condenação ficará sem efeito ou será convenientemente reduzida quando o arresto assegure, total ou parcialmente, esse pagamento.
2. A caução pode ser voluntariamente prestada, a fim de que o arresto fique sem efeito.
3. A caução económica requerida antes de efectuado o arresto fará sobrestar na realização deste, depois de a respectiva decisão transitar em julgado.
Art. 53.º - 1. O Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios julgará por acórdão as questões de facto e de direito, sem redução a escrito das provas produzidas em audiência.
2. O acórdão será lavrado pelo juiz presidente, se não tiver ficado vencido, ou pelo juiz togado, no caso contrário, e assinado por todos. Se algum dos juizes tiver ficado vencido, indicará com precisão os motivos do seu voto.
3. Das decisões do Tribunal cabe recurso, nos termos gerais, independentemente de prévia declaração.
CAPITULO III Das infracções disciplinares contra a economia nacional
Art. 54.º Constitui infracção disciplinar, no domínio da actividade económica, toda a conduta ofensiva, par acção ou omissão, dos princípios reguladores da vida económica inscritos na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional ou dos deveres especiais que para o exercício de determinadas actividades sejam impostos pelo direito.
Art. 55.º Constituem infracções disciplinares, entre outros, os seguintes eventos:
1.º A desobediência às determinações dos organismos corporativos e de coordenação económica competentes ou da Intendência-Geral dos Abastecimentos;
2.º A recusa, ou o não exercício injustificados dos cargos de eleição nos organismos corporativos ou de coordenação económica;
3.º A inobservância dos deveres impostos pelos estatutos dos organismos em que as pessoas singulares ou colectivas .estejam inscritas;
4.º A falta ou inexactidão na «prestação de informações relativas às actividades económicas legalmente exigidas para fins estatísticos ou quaisquer outros;
5.º A desobediência às prescrições que fixem prazo para a realização de certas colheitas, modo ou tempo de as preparar ou lançar nos mercados de consumo ou de exportação;
6.º A inobservância dos deveres respeitantes a reservas, contingentes e quotas de rateio;
7.º A concorrência ilícita ou desleal;
8.º A celebração de contratos com pessoas não inscritas em organismos corporativos quando, tendo em consideração o objecto do contrato, a sua inscrição seja legalmente exigida;
9.º A prática de actos lesivos dos interesses ou do bom nome do respectivo ramo profissional ou da economia nacional.
Art. 56.º - 1. As infracções disciplinares relacionadas com a actividade económica são aplicáveis as seguintes penas:
1.ª Mera advertência;
2.ª Advertência registada;
3.ª Censura;
4.ª Multa até 5.000$;
5.ª Encerramento do estabelecimento comercial ou industrial até três meses;
6.ª Suspensão .até dois anos do exercício dos direitos provenientes da inscrição nos organismos corporativos ou de coordenação económica;
7.ª Eliminação da inscrição nos organismos corporativos e de coordenação económica.
2. A pena 5.ª só será aplicada quando do encerramento não resulte vantagem para Q infractor e sujeita este ao regime fixado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 32.º
3. A aplicação das penas 3.ª a 7.ª poderá ser divulgada por publicação na imprensa.
Art. 57.º - 1. Existirá nos organismos- corporativos e de coordenação económica um cadastro disciplinar relativo à actividade económica das pessoas singulares ou colectivas neles inscritas, do qual serão passados os extractos que forem requisitados pelos tribunais ou pelas autoridades com competência para .proceder à instrução preparatória.
2. Serão averbadas no cadastro as penas disciplinares aplicadas aos inscritos, com excepção da de mera advertência, devendo ainda constar do averbamento uma sumária descrição, da infracção.
3. Serão igualmente averbados os louvores ou distinções recebidos por serviços prestados à, economia nacional.
Art. 58.º Cumpre ao Ministério Público e aos serviços de fiscalização comunicar aos organismos corporativos e de coordenação económica as infracções disciplinares de que tenham conhecimento, no exercício da sua actividade.
Art. 59.º A aplicação das sanções disciplinares compete à direcção do organismo corporativo e, na falta
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deste, à do organismo de coordenação económica respectivo.
Art. 60.º Das decisões que apliquem sanção mais grave do que a 3.ª do artigo 56.º cabe recurso para a corporação ou, na falta desta, para o Ministro competente e das decisões destes que apliquem sanções mais graves do que a 4.º do artigo 56.º cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da lei geral.
Art. 61.º A organização dos processos relativos a faltas disciplinares cometidas no exercício da actividade económica reger-se-á pelo disposto nos artigos 37.º e seguintes do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32 659, de 9 de Fevereiro de 1943.
CAPITULO IV
Das disposições gerais e transitórias
Art. 62.º - 1. O Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, que passa a depender do Ministério da Justiça, terá como presidente um juiz de 1.ª classe, designado nos termos gerais, e como vogais o juiz do 10.º juízo correccional de Lisboa e um oficial superior do Exército.
2. É criado junto do Tribunal um lugar de delegado do procurador da República de 1.ª classe.
3. É criado o lugar de auditor jurídico junto da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais.
Art. 63.º- 1. Manter-se-á o quadro actual da secretaria do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios; à medida, porém, que os lugares do quadro vagarem, o Ministério da Justiça ajustá-lo-á gradualmente, por simples portaria, às categorias dos quadros das secretarias judiciais e o provimento das vagas far-se-á de harmonia com as regras vigentes para o funcionalismo judicial.
2. O agente do Ministério Público, mantendo a actual categoria e vencimentos, transitará para o lugar de auditor jurídico junto da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais.
Art. 64.º Os encargos resultantes deste diploma serão suportados no próximo ano económico por conta das verbas orçamentadas para despesas com o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios e pelas disponibilidades das dotações destinadas a pessoal dos quadros aprovados por lei inscritas nos artigos 94.º e 107.º do capítulo 3.º do orçamento do Ministério da Justiça para 1957.
Art. 65.º Fica revogada por este diploma toda a legislação em contrário e especialmente: Decreto n.º 8724, de 21 de Março de 1923; Decreto n.º 15982, de 31 de Agosto de 1928 (artigos 1.º, 6.º, 8.º e 9.º); Decreto n.º 20282, de 31 de Agosto de 1931 (artigos 25.º, 31.º, 32.º, 33.º, 38.º, 40.º a 67.º, inclusive, e 74.º); Decreto-Lei n.º 27 485, de 15 de Janeiro de 1937; Decreto-Lei n.º 29 964, de 10 de Outubro de 1939; Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de Junho de 1941; Decreto-Lei n.º 31 564, de 10 de Outubro de 1941; Decreto-Lei 31867, de 24 de Janeiro de 1942; Decreto-Lei 32 086, de 15 de Junho de 1942; Decreto-Lei 32300, de 2 de Outubro de 1942; Decreto-Lei 32334, de 20 de Outubro de 1942; Decreto-Lei 35 562, de 28 de Março de 1946; Decreto-Lei 35 809, de 16 de Agosto de 1946 (artigos 1.º a 11.º, inclusive, e 20.º e seguintes); Decreto-Lei n.º 36 104, de 18 de Janeiro de 1947; Decreto-Lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948 (artigos 40.º e 41.º); Decreto-Lei n.º 40 083, de 10 de Março de 1955.
Projecto de decreto-lei n.º 519
Alterações a introduzir na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948
O artigo 69.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, admite como fundamento de despejo de prédios urbanos, para o fim do prazo do arrendamento ou da renovação do contrato, o facto de o senhorio se propor, em face de projecto aprovado pela respectiva câmara municipal, ou ampliar o prédio por forma a que da ampliação possa resultar aumento do número de inquilinos, desde que, por vistoria camarária, se verifique a impossibilidade de executar as obras continuando os arrendatários no prédio, ou substituir totalmente o prédio, também com possibilidade de ser aumentado o número de inquilinos, ou fazer construções para habitação dentro de zonas urbanizadas em terrenos onde «Ias não existam.
Procura a lei compensar os direitos do inquilino à renovação do contrato, atribuindo-lhe uma indemnização correspondente ao quíntuplo da renda anual à data do despejo e ao décuplo, quando se trate de arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal ou de arrendamento para habitação com renda mensal inferior a 50$, desde que, neste último caso, o senhorio não faculte ao arrendatário casa correspondente à que habitava.
Atribui-se, em qualquer caso, ao arrendatário o direito de ocupar a parte do novo prédio que substituir a que anteriormente ocupava, mediante renda fixada pela comissão permanente de avaliação, tendo, nesta hipótese, apenas direito a uma indemnização correspondente à renda que pagava anteriormente e ao tempo que a desocupação durou.
A disposição legislativa, teve por fonte imediata a alínea d) do artigo 29.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa, relativa ao projecto de. lei n.º 104, em conformidade com o seu parecer de 5 de Fevereiro de 1947, bem como a alínea b) da base XLIII da proposta de lei governamental de 5 de Fevereiro de 1948.
Com pequenas diferenças de regulamentação, os dois textos eram dominados pela mesma ideia-base: quando o senhorio aumente a capacidade do prédio, e, consequentemente, o número de inquilinos, deve ter a faculdade de pôr termo ao contrato de arrendamento findo o respectivo prazo.
Trata-se de um princípio com tradições no direito português (vide Ordenações, liv. IV, tít. XXIV) e com assento nos mais modernos diplomas legislativos estrangeiros (vide a recente lei espanhola de arrendamentos urbanos, de 21 de Abril de 1956, artigo 62.º, n.º 2).
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960 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 93
A sua justificação foi feita no parecer da Câmara Corporativa de 5 de Fevereiro de 1947, nos seguintes termos:
Sob o ponto de vista económico, suo inegáveis as vantagens que podem advir desta faculdade, e por isso mesmo ela se vê adoptada no estrangeiro em épocas de crises de habitação (vide, por exemplo, artigo 12.º da lei francesa de 31 de Dezembro de 1937, que alterou o artigo 21.º, alíneas 1.ª, 2.ª e 3.ª, da lei de 29 de Junho de 1929); sob o ponto de vista estético, ela permitirá transformar casas velhas e pequenas, impróprias muitas vezes dos locais onde se encontram, em edifícios novos; sob o ponto de vista jurídico, não advirão incomportáveis prejuízos para os arrendatários, desde que se tomem providências para que eles possam reocupar o prédio e sejam indemnizados desses prejuízos ... A única objecção séria de que é susceptível este novo fundamento de despejo é a de ser possível o caso de o arrendatário não poder pagar, dada a sua condição económica, a renda correspondente ao valor locativo do novo prédio. Este inconveniente é, porém, compensado pela indemnização recebida e tem, como co atra partida, o benefício social de se aumentarem as habitações.
O regime proposto inicialmente pela Câmara Corporativa integrava-se, porém, dentro dum sistema de actualização de rendas que não pôde ser adoptado, relativamente aos arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto, pela Lei n.º 2030.
Atribuindo-se naquela proposta ao senhorio, imediatamente ou pelo decurso de alguns semestres, uma renda correspondendo ao rendimento colectável ilíquido do prédio, e atribuindo-se-lhe ainda o direito de requerer avaliações fiscais destinadas a corrigir esse rendimento, nem se podia considerar injusta para o inquilino a exigência de mais alguma renda se a casa nova efectivamente fosse melhor e ele a quisesse habitar, nem pequena a indemnização que lhe era atribuída, nem mesmo seriam de prever possibilidades sérias de fraude por parte dos senhorios, tendo estes, em qualquer caso, isto é, com obras ou sem obras, direito a uma renda sempre correspondente ao valor do prédio.
A Lei n.º 2030 alterou, porém, alguns desses pressupostos. E é de reconhecer que alguma coisa de inconveniente ou de contraditório ficou latente no novo regime.
Pondo-se de parte a indemnização que atenua francamente as consequências do despejo facultado pelo artigo 69.º, é certo que alguns inquilinos de Lisboa e Porto, não obstante o regime proteccionista da lei, ficaram, ou podem vir a ficar, numa situação desvantajosa. Em lugar das rendas fixadas pela matriz em l de Janeiro de 1938, estão sujeitos, por vontade unilateral do senhorio, ao pagamento de uma renda nova, determinada pela comissão permanente de avaliação.
E a esta injustiça relativa pode acrescer uma outra: é que o simples aumento do número de inquilinos nem sempre corresponde a um aumento efectivo do número de divisões da casa, sendo por vezes impossível a permanência dos antigos locatários no novo prédio, dada a exiguidade de espaço que lhes é atribuído.
E em exposições dirigidas ao Governo, ou tornadas públicas através da imprensa, tem-se aludido a um facto mais grave ainda, por revestir aspectos fraudulentos: o de os senhorios obterem, sem quaisquer obras, um aumento não permitido de renda, com a ameaça de demolição.
Considerados estes factos, entende o Governo dever adoptar para as casas de habitação de Lisboa e Porto um regime que acompanhe a situação transitória da Lei n.º 2030.
Não se vai para a solução extrema de suspender nessas cidades o princípio consignado no artigo 69.º, do qual têm resultado vantagens consideráveis, como foram previstas pela Câmara Corporativa, nem se vai para a solução, também extrema, de se facultar aos inquilinos uma nova habitação com as mesmas divisões e pela renda antiga.
Adopta-se, à semelhança do regime fixado na lei espanhola- de arrendamentos urbanos, de 21 de Abril de 1956, uma solução intermédia, que deve evitar algumas das injustiças que a prática tem revelado.
Nestes termos ..................................................................
Artigo 1.º Nos arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto, enquanto se não facultar ao senhorio a avaliação fiscal para correcção do rendimento inscrito na matriz, o direito conferido pela alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, só pode ser exercido quando o aumento do número de inquilinos for, pelo menos, de um terço e o novo ou novos edifícios contiverem, destinadas aos antigos locatários, habitações com áreas não inferiores a três quartas partes das anteriores, com as mesmas divisões e de situação e altura análogas.
Art. 2.º O inquilino que vier a ocupar a parte do novo prédio que lhe corresponder é obrigado ao pagamento da renda devida & data do despejo, acrescida, em cada semestre, de 20 por cento, até atingir o montante fixado pela comissão permanente de avaliação.
Art. 3.º Se o inquilino quiser ocupar no novo prédio uma habitação diferente da que lhe era destinada segundo o estabelecido no artigo 1.º, mas de rendimento colectável inferior ao desta, não terá, por isso, obrigação de pagar uma renda superior à fixada no artigo anterior.
Art. 4.º Este diploma será aplicável a todas as acções de despejo instauradas a partir do dia ... (data da publicação do projecto nas Actas da Câmara Corporativa).
Reuniões da Câmara Corporativa no mês de Julho de 1956
Dia 6. - Projecto de colonização da Gafanha (II parte}.
Secção: Interesses de ordem administrativa (subsecções de Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara.
Presentes os Dignos Procuradores: António Passos Oliveira Valença, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José de Queirós Vaz Guedes, António Carlos de Sousa, Ezequiel de Campos, Rafael da Silva Neves Duque e, agregados, Afonso de Melo Pinto Veloso e Luís Quartin Graça.
Discussão do projecto de parecer.
Foi aprovado.
O REDACTOR - M. A. Ortigão de Oliveira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA