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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 33

ANO DE 1935 25 DE MARCO

CÂMARA CORPORATIVA

Parecer da Câmara Corporativa sôbre o projecto de lei n.º 42

(Supressão dos julgados municipais)

A Câmara Corporativa, tendo-lhe sido presente o projecto de lei n.º 42, da iniciativa do Sr. Deputado Ulisses Cortês, emite, nos termos do artigo 103.º da Constituição Política da República, pela secção 20.a, ouvida a 18.a, o seguinte parecer:

1. O projecto está justificado, quanto aos seus intuitos fundamentais, no lúcido relatório de que é precedido. Diz-se aí que, no rigor dos princípios, a administração da justiça deve competir exclusivamente a juizes togados, isto é, a pessoas especialmente preparadas para a função de julgar, possuindo para isso as necessárias competência profissional e idoneidade moral. Assim é, sem dúvida. Mas um postulado de tal forma evidente tem, no entanto, sofrido entre nós, e alhures, um longo calvário pontuado de incertezas, de quedas, de regressos e suscitado problemas cujos aspectos vão do social e político até ao financeiro, que até hoje não foi possível resolver. O caso dos julgados municipais, com o não ser novo, continua pois a ser actual e a merecer a atenção dos legisladores.

2. Afirma aquele relatório que os julgados municipais são uma instituição de origem espanhola, importada para o nosso País pelo decreto de 29 de Julho de 1886. Afigura-se-nos, porém, que tal importação foi mais do nome do que da essência, pois o que hoje chamamos julgados municipais - à semelhança dos Juzgados Municipales da, para o tempo, excelente Ley Orgánica del Poder Judicial, de 1870 - tem de facto outras raízes, que vão mergulhar fundo em instituições puramente nacionais. Há mais diferenças entre esta lei espanhola, depois reformada pela Ley de Justicia Municipal, de õ de Agosto de 1907, e o nosso decreto de 1886, do que entre este e a nossa legislação anterior.
Parece-nos que os julgados municipais são os legítimos representantes dos anteriores ajuízes ordinários», consagrados nos artigos 118.º e seguintes dessa magnífica obra de sistematização e de lídima linguagem que foi a N. R. Judiciária, cujas bases foram lançadas pela lei de 28 de Novembro de 1840. Por seu turno, estes «juizes ordinários» beneficiavam já de uma longa tradição; poderíamos talvez remontá-los aos scabiin dêsse Império Carlovíngio, cujas instituições tanto influenciaram a Idade-Média, aos homens-bons dos visigodos e lombardos, e ainda mesmo à romana tradição dos pretores, cuja função de magistrados ainda hoje se mantém de pé e vivaz na legislação judiciária italiana, embora adaptada, como é natural, às necessidades modernas; mas ao nosso intuito e para as conclusões que adiante se tirarão não importam afirmações ou conjecturas históricas que transponham os limites do quadro nacional.

3. «A instituição dos juizes ordinários - diz-se no relatório do projecto apresentado à Câmara com o n.º 28 e veio a ser a lei de 27 de Junho de 1867 - foi primitivamente boa; emquanto se limitaram aos costumes e ao bom senso e as únicas que havia escritas constavam do foral da terra, eram sem dúvida bons os juizes ordinários. Mas já no tempo de D. Manuel I as suas deficiências eram tais que, para as corrigir, foram criados os juizes de fora, os quais, com atribuições semelhantes às dos ordinários, mas, conhecedores da jurisprudência e de nomeação régia, eram enviados a administrar justiça nas terras mais importantes».
Não é bem exacta esta última afirmação. José Anastácio de Figueiredo, na «Memória sobre a origem dos juizes de fora», do vol. I das Memórias de Literatura Portuguesa, publicadas pela Academia Real das Ciências em 1742, diz-nos, baseado no artigo 7.º das Cortes de Lisboa, «de que se formou uma como que Carta de Lei e Extracto na era de 1390, ano de 1352», a qual se acha no Livro de Leis e Posturas Antigas do arquivo da Torre do Tombo, que, «para decidir as contendas e controvérsias entre os povos de Portugal, em primeira instância, são antiquíssimos os juizes ordinários» ... «Ora os ditos juizes eram e costumavam ser sempre eleitos e escolhidos anualmente pelos povos ... e este costuma era uma consequência necessária do governo feudal» ... «Porém, é certo que como os juizes tivessem naturalmente muitos obstáculos para bem e cumpridamente administrar justiça, em razão de serem da mesma terra e terem nela muitos parentes e amigos, compadres e companheiros, ou também malquerenças e ódios com outros, e, por outra parte, não pudessem tam bem executar as leis e resistir às prepotências dos po-[Continuação]