552 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 175
na generalidade foi por V. Ex.ª designada para a ordem do dia da sessão de hoje, marca as directrizes de uma das maiores obras de reforma social a que esta Assemblea pode consagrar o seu estudo.
Mais não é preciso, quanto a mim, surpreender na proposta em discussão, para que diante de todos nós fique bem nitidamente gravada a sua importância e, com ela, o interesse, o carinho, os primores de consciência com que temos o dever de acompanhá-la.
O movimento nacionalista português foi, antes de tudo, um movimento de reacção. Nascido, solidificado, corporizado sobre um montão de escombros, de desilusões, de vergonhas e de sofrimentos - êle irrompeu, evidentemente, da alma colectiva da Nação, com o imperativo de uma medida inadiável de salvação comum contra o êrro dominante. Mas êste movimento ficaria incompleto, e estaria mesmo irremediavelmente condenado, se se limitasse a sancionar uma mera deslocação do poder ou a consagrar uma simples substituição de bandeira política. Êle teria de corresponder, antes de mais nada, a uma doutrina, clara, eficiente, que o povo sentisse e entendesse, mas sobretudo de que derivasse, no campo político e administrativo, no domínio moral e social, uma obra tríplice - de correcção, de reforma e de construção.
Apoiados.
O contrário, ou fôsse o esquecimento de qualquer destes objectivos nacionais, seria a sua aniquilação total - e, com ela, a perda irremediável da última esperança no renascimento da nacionalidade.
Havia erros e vícios grandes, de sistema e de prática, na vida pública e privada. O País apercebia-se deles, sentia-os, sofria-os, mas principalmente descia em minúcia ao conhecimento de toda a sua profundidade e extensão, quando aqueles próprios que a eles tinham de qualquer modo presa a sua responsabilidade ou iniciativa, na curva das suas desavenças e das suas querelas, vinham à praça pública desnudá-los, discuti-los e, por fim, invectivá-los com os mais violentos dos seus anátemas. Havia, por isso, muito, e especialmente, que corrigir, que reformar, que construir.
Êste pensamento tinha de estar, permanentemente, no alvo da ordem nova, não tanto como ponto de programa dos que a representavam, mas como expressão lídima de um mandato nacional sôbre que, em boa verdade, não havia discrepância.
Ora é adentro deste objectivo, perfeitamente fiel ao espírito da Revolução, que, a meu ver, se desenvolve a presente proposta de lei do Sr. Ministro da Educação Nacional.
Apoiados.
Enfrentando um dos mais graves e candentes problemas de todos os tempos - o problema do analfabetismo-, seria fácil ao Govêrno ladeá-lo, como até certa altura esteve na tradição da nossa legislação sobre instrução primária, dando a este ensino uma modalidade diferente, imprimindo-lhe superficialmente aspectos novos, promovendo como remate uma espectaculosa campanha contra a celebrada chaga do analfabetismo, mas deixando no fundo as cousas no mesmo pé, sem uma organização realmente nova a orientá-las noutro sentido, sem uma esperança, sem o alvo numa finalidade melhor em que se pudesse verdadeiramente confiar.
Viria, assim, para as colunas do Diário do Govêrno mais uma lei reguladora do ensino primário -a acrescentar às muitas e diversas que têm sido publicadas sobre tam delicada e, inegavelmente, tam ingrata matéria-, lei mais ou menos bem ordenada, mais ou menos bem aceite pelo País, mas com um único inconveniente: não trazer solução ao problema.
O Govêrno preferiu seguir caminho mais probo, mais conforme a alta missão que em boa hora a Nação lhe confiou, e daí a orientação rasgadamente nova a que fez subordinar a sua proposta de lei, abrindo outros horizontes, dando eficiência ao ensino popular - emfim, corrigindo, reformando, construindo, em tam importante sector da acção social do Estado.
Apoiados.
Sr. Presidente: o texto das bases II, III e IV contém e resume, em si, aquilo que eu posso chamar, com alguma, propriedade, o pilar sobre que assenta toda a proposta de lei.
Divide-se o ensino primário em dois graus -elementar e complementar-, reunindo-se no primeiro a ministração daqueles conhecimentos essenciais ao homem, que ficarão constituindo a base da sua habilitação em instrução primária propriamente dita, e fazendo-se compreender no segundo os conhecimentos já um tanto mais adiantados de que êle careça para seguir outros estudos ou, mesmo, quando mais não seja, para cultivar o espírito e apetrechar-se com aqueles rudimentos de cultura de que necessite para a vida.
O ensino elementar, no dizer da proposta, destina-se a habilitar a ler, escrever e contar, a compreender os factos mais simples da vida ambiente e a exercer as virtudes morais e cívicas, dentro de um vivo amor a Portugal. Consta de três classes, e a aprovação no exame da 3.º constituirá habilitação bastante em todos os casos em que a lei exige a da instrução primária.
Quere dizer: o primeiro facto que imediatamente nos ressalta à vista é o de o ensino aparecer-nos, neste grau, extraordinariamente simplificado. Abandona-se resolutamente a orientação enciclopedista, contra a qual, de resto, já assistíramos às reacções salutares que os decretos de 24 de Novembro de 1936 e 29 de Março de 1937 traduziam, desce-se à análise cuidada da natureza deste ensino e da função que êle afinal tem a preencher na vida e estabelece-se o plano de estudos que, em presença destas razões, se reconhece ser-lhe o mais adequado.
É que por vezes -por mais que nos custe dizê-lo - a instrução primária tem chegado, no nosso País, a ser um verdadeiro martírio para a mocidade e, em muitos casos, a constituir, como que em bizarra exemplificação de um paradoxo, um elemento de aliciamento a favor do próprio analfabetismo. Organizaram-se planos de estudo complexos, constituíram-se com o carácter de obrigatoriedade programas de tal modo complicados que podiam ser exigíveis a todas as idades, menos àquelas que se delimitam entre os sete e os dez anos - e o resultado desta orientação foi: sob o ponto de vista físico, fatigar-se a criança com um esforço inútil ou excessivo ; sob o ponto de vista cultural, dar aos seus pretensos multíplices conhecimentos um carácter de superficialidade tam grande que dele logo brotava a confusão maior sobre tudo ; e, sob o ponto de vista moral, criar um tal espírito de antipatia e de animadversão pela escola, que constituía infelizmente, no fundo, o mais perigoso elemento a favor do aumento do analfabetismo.
E, no fim do curso, o que sabia, por via de regra, a criança? Tinha estudado muito, era senhora e possuidora de uma autêntica biblioteca, tinha decorado uma infinidade de definições que não entendia, tinha-se esgotado - mas a mal, não sabia escrever e errava frequentemente nas quatro operações aritméticas. Isto é: não tinha obtido aqueles conhecimentos essenciais, fundamentais, primários, de que fora precisamente em busca nessa altura dos seus estudos, como base indispensável para tudo o mais: ler com desembaraço, escrever com correcção e contar com rigor.
O ensino, para estas primeiras idades, tem de ser simples, intuitivo, nunca perdendo de vista que se destina a uma criança em que há um espírito, a um tempo,