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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 13
ANO DE 1939 10 DE JANEIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 10 DA ASSEMBLEA NACIONAL em 9 de Janeiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira
Nota. - Publicou-se um suplemento ao Diário das Sessões n.º 12, inserindo o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei n.º 3, que regula a assistência ao cinema e espectáculos teatrais dos menores de sete e dezasseis anos.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o último número do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte e Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente informou que estava na Mesa a resposta ao pedido de informações que tinha sido apresentado pelo Sr. Deputado Abel Varzim, acerca dos estrangeiros residentes em Portugal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão plenária às 16 horas e 5 minutos.
Ordem do dia. - Prosseguiu a sessão de estudo sobre o projecto de lei relativo à proibição da entrada de menores em casas de espectáculos teatrais e de cinema.
Srs. Deputados presentes à chamada, 71.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 1.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 12.
Srs. Deputados que responderam, à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
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João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto doa Reis.
José ficada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz Cíncinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Samuel de Matos Agostinho de Oliveira.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
João Mendes da Costa Amaral.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Fernando Tavares de Carvalho.
João Garcia Pereira.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Pereira dos Santos Cabral.
O Sr. Presidente: -Vai procedesse à chamada.
Eram 15 horas e 32 minutos. Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
stá aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Reputado deseja fazer uso da palavra sobre Q Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o seguinte:
Expediente
Exmo. Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - O Grémio Distrital dos Exibidores de Cinema de Lisboa, o Grémio Nacional dos Distribuidores de Filmes. Cinematográficos e a Secção Cinematográfica da Associação Industrial Portuguesa, representando todos os sectores patronais da actividade cinematográfica do País, cuja importância, é escusado encarecer, quer pelos importantes capitais imobilizados e afectos a essa indústria, quer pelo número importante de empregados que sustentam, quer pelo vulto das contribuições pagas, ao Estado, altamente alarmados pela doutrina do projecto de lei apresentado à Assemblea Nacional em 15 de Dezembro último, da iniciativa dos Srs. Deputados Dr. José Cabral e D. Domitila de Carvalho, regulando a assistência ao cinema e espectáculos teatrais dos menores de sete e dezasseis anos, vêm dirigir a V. Ex.ª, ilustre e prestigioso mestre do direito e Presidente da Assemblea Nacional, a presente representarão.
Por falta de representante especial dos interesses da indústria cinematográfica na Câmara Corporativa não foi possível às entidades signatárias defender ali os justos e legítimos interesses dessa indústria em face do projecto de lei referido; estamos certos, porém, de que os ilustres Procuradores que nas várias comissões da Câmara Corporativa deram parecer sobre o projecto de lei devem ter reconhecido e salientado os gravíssimos inconvenientes, deficiências e excessos do projecto de lei visado.
No entanto seja-nos permitido desenvolver algumas considerações sobre o assunto para que a Assemblea Nacional, por intermédio de V. Ex.ª, Sr. Presidente, conheça os reparos dos núcleos corporativos interessados no assunto.
A afirmação do relatório do projecto de lei de que «a acção exercida pelo cinema no espírito das crianças é, de um modo geral, perniciosa» e a de que «como medida de defesa social se impõe a exclusão de menores de tais espectáculos» é injusta o imerecida, pois que o cinema, com todos os seus defeitos, não deixa de ter uma útil e importante missão didáctica e educativa, a ponto de as próprias autoridades católicas, com Sua Santidade Pio XI em primeiro lugar (encíclica Vigilanti Cura de 1936), reconhecerem a necessidade de todos se interessarem pela produção e expansão dos bons filmes, fazendo exercer a acção benéfica destes tanto sobre os adultos pomo sobre os menores.
A necessidade ou utilidade de proporcionar às crianças os espectáculos cinematográficos não é, pois, uma simples questão de divertimento, mas antes, o no caso de bons e úteis filmes, uma alta missão educativa e cultural. Desde que assim se encare o cinema e a sua acção, ressalta imediatamente a injustiça do projecto de lei na parte em que proíbe a assistência dos menores de sete anos a todos os espectáculos e só permite a assistência dos menores de dezasseis anos aos que sejam especialmente organizados para crianças.
Semelhante doutrina, além de nefasta sob o ponto de vista educativo e moral, conduziria à ruína desta indústria pela excessiva deminuição dos frequentadores de cinemas.
Em todo o País são as crianças que, em grandíssima parte, arrastam as famílias aos espectáculos, designadamente ao cinema, e sem essa razão determinante os salões de exibição ficariam, não só sem os seus espectadores menores, como também sem as respectivas famílias.
De todo o País, aldeias, vilas e cidades, chegam ao Grémio Distrital dos Exibidores de Cinema de Lisboa, que está organizando o Grémio Nacional de todos os
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exibidores de Portugal, queixas e sugestões no sentido de pedirmos a não aprovação ou profunda remodelação do projecto de lei referido.
Por outro lado, a fixação da idade de dezasseis anos para a frequência de certos espectáculos é também excessivamente alta, porquanto os menores de dez a dezasseis anos pelo menos, vivendo já fora da vigilância mais estreita dos pais, frequentando colégios e liceus, lendo variadas obras de literatura mais ou menos recomendável, têm o espírito em certo grau desenvolvido e a educação de certo modo orientada, pelo que são dispensáveis tam excessivos cuidados com a selecção dos espectáculos a quê eles podem e devem assistir.
As multas previstas no projecto de lei em questão não devem incidir sôbre as entidades exploradoras, como prevê o § 1.º do artigo 1.º do projecto, quando elas não tenham a responsabilidade da infracção; antes, se multas deve haver, deverão elas ser pagas pelos responsáveis ou pelos próprios infractores, carecendo de cuidadosa regulamentação este melindroso aspecto do problema.
E para isso não se deve esquecer que a entrada para as casas de espectáculos se faz em grandíssima parte precipitadamente e no curto espaço de dez ou quinze minutos antes do início do espectáculo, não sendo fácil ao pessoal dos teatros ou cinemas distinguir e verificar cuidadosamente, nos casos duvidosos, a idade do espectador.
A exibição de filmes em Portugal, contra o conceito geral injustamente espalhado, atravessa uma crise tam sensível que a maioria dos cinemas portugueses só consegue dar espectáculos em um, em dois ou três dias de cada semana, fechando os outros quatro, cinco ou seis dias; e a estatística acusa em Lisboa, para o 1.º semestre de 1938, que de 6.306:602 bilhetes postos à venda foram vendidos apenas 2.091:552, ou seja menos de uma terça parte, apesar de o critério legal e normal de todas as explorações deste género pressupor a venda de dois terços das lotações para que as explorações não sejam ruinosas.
São isto efeitos duma crise económica universal mais sensíveis numa categoria de despesas que se podem considerar menos necessárias ou supérfluas, crise que entre nós é tanto ou mais sensível do que nos demais países e que em França acaba de levar todos os cinemas da capital ao encerramento, cujo objectivo é conseguir a deminuição indispensável das taxas sobre tais espectáculos.
Resumindo, e em conclusão, julgam os signatários que na época presente é inoportuna e perigosa, sob o ponto de vista económico, a projectada regulamentação da assistência dos menores aos espectáculos e que o assunto deveria aguardar melhor oportunidade, estudando-se entretanto cuidadosamente a mecânica duma futura legislação sobre a matéria.
Para isso acresce ainda a circunstância de, pelo Ministério da Educação Nacional, se estar estudando a regulamentação global e completa dos espectáculos públicos, e de, pelo Ministério da Justiça, se estar elaborando, um projecto de Código de Menores, compilações essas dentro das quais cabe simultaneamente regular criteriosamente a assistência de menores aos espectáculos..
Se, contra todas as razões evocadas, a Assemblea Nacional entender votar imediatamente uma lei sôbre o assunto, então pedem os signatários para que nessa lei se reduza o mais possível o limite do idade dos menores a quem não seja permitido assistir aos espectáculos nocturnos, que aos menores de mais de do/e anos seja permitido, quando acompanhados pela família ou pessoas responsáveis, assistir a todos os espectáculos nocturnos e, mesmo sozinhos, aos espectáculos nocturnos classificados como próprios para essa idade.
Salientam os signatários que, mesmo nos países onde há legislação restritiva da assistência de menores aos espectáculos nocturnos, essa legislação é quási sempre letra morta, sendo corrente na Inglaterra como na França, na Alemanha como na Itália, e noutros países, encontrar à noite em todos os espectáculos cinematográficos crianças de mais de dez anos com suas famílias.
Isso mesmo resulta dos elementos estatísticos relativos à assistência do menores aos espectáculos, transcritos no douto e modelar parecer da Exma. Câmara Corporativa sobre a projectada lei.
Mais solicitam os signatários que se legisle no sentido de a classificação dos filmes para o fim referido ser feita com um critério humano, justo e aberto, de harmonia com as realidades da vida actual, e sem excessivos preconceitos ou exageros; e que se adopte um largo período transitório para os espectáculos, que necessariamente terão de ser mixtos durante largo tempo, com filmes novos a importar e a classificar e com milhares de filmes já censurados, exibidos e existentes nos cofres das empresas distribuidoras, dada a impossibilidade de classificar estes rapidamente e a necessidade de não por fora do mercado tam grande número de filmes, para não acarretar a ruína completa de todos os distribuidores e, consequentemente, dos próprios exibidores.
São estes os votos que resumidamente formulam os signatários, depondo respeitosamente nas mãos de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assemblea Nacional, o patrocínio da ponderação e da justiça que se lhes afiguram devidas à melindrosa e importante matéria desta representação.
A bem da Nação.
Lisboa, 7 de Janeiro de 1930. - Pela Secção Cinematográfica da Associação Industrial Portuguesa: Vicente Alcântara - Vergilio Pereira da Conta. - Pelo Grémio Distrital dos Exibidores de Lisboa, A. Campos Figueira.- Pela Ulyssea Filme, Limitada, o gerente, J. Nunes das Neves.
Grémio Nacional dos Distribuidores de Filmes Cinematográficos: a comissão directiva, Álvaro Sousa Lima, presidente-Manuel- Albuquerque, tesoureiro-Armando Duarte Malveira, secretário.
Tem o carimbo do Grémio Nacional dos Distribuidores de Filmes Cinematográficos, de Lisboa, sede na Avenida da Liberdade, 3, 2.º, esquerdo.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa as contas públicas relativas à gerência do Estado no ano de 1937. Vão ser enviadas para exame à respectiva Comissão.
Estão também ha Mesa as contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1937. Para exame destas contas designo a seguinte comissão: Dr. Águedo de Oliveira, João Augusto das Neves e Dr. Alçada Guimarãis.
Estão ainda na Mesa para serem submetidos a ratificarão da Assemblea. os seguintes decretos-leis: n.ºs 29:261, 29:269, 29:271, 29:273, 29:274, 29:294. 29:298, 29:299, 29:300, 29:301, 29:315, 29:316, 29:318, 29:319, 29:335, 29:336, 29:339, 29:344, 29:349, 29:351, 29:359, 29:360 e 29:368.
O decreto-lei n.º 29:261 foi publicado era 15 de Dezembro último; os restantes foram publicados em vários números do Diário do Governo entre 22 e 31 de Dezembro findo.
Está na Mesa uma resposta a, um pedido de informações que tinha sido apresentado pelo Sr. Deputado Abel Varzim. Vai ser enviado a este Sr. Deputado.
Está na Mesa um pedido de autorização para depor como testemunha o Sr. Deputado Augusto Cancela de Abreu. Tenho elementos para supor que este depoimento tem utilidade. Portanto, proponho que seja concedida autorização.
Consultada a Assemblea, foi concedida autorização.
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O Sr. Presidente: - É também pedida, polo 9.º juízo criminal, autorização para o Sr. Deputado Abel Varzim depor como testemunha. Os elementos que tenho levam-me a supor que este depoimento não tem utilidade. Proponho, portanto, que seja negada autorização.
Consultada a Assemblea, foi negada autorização.
O Sr. Presidente:-Também é pedida autorização para depor como testemunha o Sr. Deputado João Alçada Guimarãis.
Também tenho elementos para afirmar que este depoimento não oferece utilidade. Proponho, por isso, que seja negada autorização.
Consultada a Assemblea, foi negada autorização.
O Sr. Presidente: - Finalmente é pedida autorização para os Srs. Deputados Vasco Borges e Águedo de Oliveira deporem no inquérito que está a ser leito no Tribunal de Contas. Estes Srs. Deputados julgam que os seus depoimentos podem ter utilidade. Proponho, por conseguinte, que seja concedida autorização.
Consultada a Assemblea, foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: está consignado no artigo 22.º, alínea e~), do nosso Regimento que o antes da ordem do dia se destina, além do mais, ao uso da palavra para chamar a atenção do Governo sobre assuntos de interesse geral, de esclarecimentos, etc. Disse também o Sr. Presidente do Conselho, num dos seus discursos que constituem o corpo de doutrina da nossa Revolução, que a Assemblea Nacional é um corpo de representações e fiscalização popular, intérprete das queixas, reclamações e deficiências dos serviços.
Dentro destes princípios, Sr. Presidente, quero chamar hoje a atenção do Governo para um aspecto dum serviço público que me parece de interesse de ordem geral.
Por virtude dum acontecimento da minha vida, durante estas férias parlamentares, tive que acompanhar uma pessoa de família, por espaço de alguns dias, na Maternidade de Coimbra, designada por «Clínica Dr. Daniel de Matos». É, pois, sobre a Maternidade de Coimbra que eu falo no período de antes da ordem do dia.
Considero que a Maternidade de Coimbra, uma das primeiras de Portugal como elemento destacado da vida hospitalar, é uma instituição do mais alto proveito e utilidade, não só escolar, como até social. O campo de acção da Maternidade de Coimbra estende-se não só ao centro do País, como a uma grande parte do norte; a sua área clínica recruta doentes desde os confins da Beira Baixa até à Beira Alta, à Beira Litoral e ao próprio Douro. Pois eu constatei que a Maternidade do Coimbra se encontra em condições materiais do incompreensível e inadmissível deficiência.
Os registos de 1938 acusaram 800 doentes que passaram por aquela Maternidade, e que se fizeram nela 390 intervenções cirúrgicas. Pois todas estas doentes passaram apenas por 40 camas que a Maternidade comporta, e não mais.
Daqui resulta que pude verificar com os meus olhos que essas mulheres, que estão para ser mais umas, outras que acabaram de o ser, e até com intervenções cirúrgicas bem graves, dormem às duas e três numa cama, e outras dormem no chão em simples cobertores, porque não há sequer colchões para elas dormirem.
¡ E no último dia em que lá estive constatei que nada menos de quatro doentes dormiam sentadas em cadeiras!
Não é, Sr. Presidente, por virtude de razões de carácter meramente sentimental que eu trago aqui este assunto: é porque me parece que um estabelecimento de ensino onde se trabalha com a maior proficiência, carinho, direi mesmo com heroicidade, e com a mais alta compreensão do que é a vida profissional, de um estabelecimento de ensino por onde passam centenas de alunos que depois vão para. as suas terras levando e fazendo dos serviços públicos uma impressão triste e desoladora, não pode estar como se Encontra.
É que, Sr. Presidente, não tem sequer um quarto para isolar uma parturiente com doença contagiosa; de forma que pude ver uma doente tuberculosa no meio das demais doentes em reconhecido perigo de contágio com as suas vizinhas, por não haver onde a isolar. Os médicos que ali trabalham e que fazem consultas gratuitas às mulheres grávidas e aos recém-nascidos têm de as fazer na escada ou nos corredores, porque não existe outro local onde possam ser feitas. Também não há esterilização própria. Esta tem de ser feita no hospital, lá longe. Não há raios X, não há nada. Tudo isto, Sr. Presidente, contrasta singularmente com o luxo de outros melhoramentos realizados em Coimbra: com o luxo excepcional de parques infantis onde não VI crianças e ainda com o luxo de outros estabelecimentos que pertencem ao Estado.
E, Sr. Presidente, a verdade é que eu sei que está formulado o pedido para que se construa a Maternidade de Coimbra.
O seu respectivo director fez já a memória descritiva de quanto precisava e pela qual se verifica que com uma verba de 2:000 contos se podia construir uma nova Maternidade, que seria no futuro um elemento de afirmação do interesse do Estado Novo por um problema fundamental da vida portuguesa, pois que a assistência à mãi é indiscutivelmente um problema básico e fundamental da vida portuguesa. Ela, Sr. Presidente, tem a sua repercussão de ordem moral, social e mesmo política. (Apoiados).
É preciso, Sr. Presidente, que continue a existir no espírito de todos quantos se encontram irmanados no pensamento da Revolução Nacional a convicção firme e forte de que os dinheiros do Estado são canalizados para as necessidades vitais da Nação independentemente de quem solicita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Era este problema, Sr. Presidente, que eu queria pôr nesta Assemblea e para ele chamar a atenção do Governo.
Coimbra é uma terra onde vivem milhares de rapazes, onde se faz a sua formação moral, intelectual e espiritual. Coimbra é um meio em que esses rapazes se apercebem de tudo quanto se passa na vida pública e nas manifestações de actividade da cidade, porque é ainda um meio relativamente restrito e no qual a academia tem conhecimento de tudo quanto ali sucede.
É, portanto, necessário que o nivel moral de Coimbra seja propício ao desenvolvimento das virtudes desses rapazes, das suas qualidades e das suas aspirações nobres.
É preciso, pois, que o Governo olhe a sério para todos os problemas que interessam à vida pública, social e política da cidade de Coimbra, e daqui chamo a atenção do Governo para este aspecto do problema: o da Maternidade de Coimbra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pretendo também chamar a atenção do Governo para uma
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pratica que suponho poder julgar, nas suas repercussões, de interesse público.
O facto que me determinou a proceder assim passou-se comigo, pessoalmente; mas eu suponho que nem por isso devo considerar-me dispensado de, relativamente à orientação que esse facto traduz, chamar a atenção do Governo, porque suponho que ela tem reflexos no interesse público.
Eu conto o caso: quando, antes do Natal, regressava a Viseu, de automóvel, fui multado, ou, como me disseram, fui encontrado em transgressão, em Leiria, por excesso de lotação.
Costumo ser cumpridor das leis; tenho mesmo a velha opinião de que nós devemos obediência, em consciência, às leis. Costumo, quando posso ser abrangido pelas suas malhas, conhecê-las, mas confesso que não me recordava da disposição do Código da Estrada que fixava obrigatoriamente que se guardasse uma certa disciplina de lotação nos carros particulares. E, por isso mesmo, préguntei: «-¿Em que disposição é que se baseia para me aplicar a multa?» Escusava de preguntar, porque no boletim que me foi entregue vinha indicada essa disposição. Mas préguntei antes da entrega do boletim, e citaram-me o § 3.º do artigo 25.º do Código da Estrada, que diz assim: «É proibido o transporte de passageiros fora dos respectivos assentos, com excepção de crianças que vão ao colo».
No carro, à parte uma criança, não ia ninguém fora dos respectivos assentos.
Observaram-me então que assentos, naquele caso particular, queria dizer os lugares que constavam do livrete como lugares do veiculo.
Mas o texto não comporta essa interpretação; quem é que lha dá?, preguntei. A esta observação exibiram uma circular, ou cousa que valha, do Conselho Superior de Viação, em que, citando-se a mesma disposição, se liga com ela a indicação no livrete do número de lugares do carro e assim se afirma em transgressão quem, em certos termos, exceder esse número.
A polícia tinha procedido como devia, porque executara ordens superiores, mas eu, que não me conformo com a doutrina da circular, resolvi não pagar a multa. E V. Ex.ª, Sr. Presidente, compreenderá que é muito mais cómodo e económico, mesmo que a multa não seja devida e venha a ser-se absolvido do pagamento dela, pagá-la do que não a pagar.
Daí, eu quero concluir o seguinte: é que, sendo assim, um facto não deve ser considerado transgressão sem que haja motivos muito sérios para o contrário.
Ora bem! Eu sei que em tribunais deste Pais têm vários transgressores nestas condições sido absolvidos do pagamento da multa imposta nestas condições, e não compreendo que o Conselho Superior de Viação não tenha conhecimento do facto; pois, não obstante, continua a considerar-se transgressão.
O sentido da disposição é este e não pode ser razoavelmente outro: é que não andem pessoas dependuradas do carro, nos estribos ou no tejadilho. Creio que não haverá um tribunal português que lhe dê o sentido que lhe atribue o Conselho Superior de Viação. Mas como, em todo o caso, é mais cómodo pagar do que ser amanhã absolvido no tribunal, há certamente muito quem pague, e assim se mantêm em vigor umas instruções que se deve saber, através de decisões dos tribunais, serem contrárias à lei.
Até aqui, a polícia da estrada, que foi correctíssima, de resto, não tem nada, ela mesma, com o caso: cumpriu as instruções que pelos órgãos hierárquicos competentes lhe foram dadas.
Mas daqui por diante, a respeito do que vou contar, já tem alguma cousa, segundo creio. E que eu, para ter a segurança, e estava no meu pleníssimo direito de o fazer, de que amanhã, no auto só se apresentava o estado do facto tal como aparecia no momento, pedi no posto para me ser certificado por escrito esse estado do facto.
Eu só desejava esta declaração: que não ia senão uma criança ao colo e que os outros passageiros iam todos nos assentos.
Responderam-me que não passavam essa declaração porque não tinham ordens nesse sentido.
Creio que não tinham direito a fazê-lo.
Devo dizer, Sr. Presidente, que tudo isto decorreu dentro da maior urbanidade.
Bem sei, Sr. Presidente, que eu podia chamar duas pessoas e fazer certificar, através delas, o facto tal como se passava; mas tudo isto eram incómodos e eu não estive para o fazer.
Os factos deram-se como acabei de os relatar, e peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para sobre eles chamar a atenção do Govêrno.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª..
O Sr. Antunes Guimarãis: - Desejo referir-me ao assunto acabado de tratar pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente: - Peço perdão a V. Ex.ª, mas sobre os assuntos tratados antes da ordem do dia não pode haver debate. Outro dia deu-se, na verdade, um caso nesse sentido, mas eu não desejo que o precedente se generalize.
V. Ex.ª podia ter pedido licença ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo para o interromper; nesta altura, porém, não posso conceder a palavra a V. Ex.ª sobre o assunto.
Vai passar-se à ordem do dia, que é constituída pela sessão de estudo relativa ao projecto de lei que diz respeito à entrada de menores em casas de espectáculos teatrais e de cinema.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a mesma: continuação da sessão de estudo.
Está encerrada a sessão plenária.
Eram 16 horas e 5 minutos.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA